Análise dos Incentivos Fiscais à Inovação no Brasil

7
UM OLHAR DA INVENTTA: ANÁLISE DOS INCENTIVOS FISCAIS À INOVAÇÃO NO BRASIL Manuela Soares No dia 09 de dezembro, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MTCI) publicou o Relatório anual de análise dos resultados da utilização dos Incentivos Fiscais à Inovação Tecnológica previstos no capítulo III da Lei nº 11.196/05 (Lei do Bem) para o ano de 2010. Neste relatório são também consolidados os dados referentes aos anos anteriores desde 2006, ano de início da vigência da Lei. Este artigo tem como objetivo realizar uma análise crítica dos dados em questão. A seguir a análise dos principais resultados apresentados pelo MCTI. 1. NÚMERO DE EMPRESAS É crescente o número de empresas que buscam o uso dos incentivos fiscais à inovação: ao todo, 875 formulários foram enviados, sendo que 639 empresas foram efetivamente beneficiadas pelos incentivos. Em relação às empresas que declararam ter usufruído dos incentivos, houve um aumento de 38% em relação ao ano de 2009. Houve um aumento significativo do número de empresas que não tiveram suas Prestações de Contas classificadas pelo MCTI, 27% frente à média de 15% dos anos anteriores. Apesar de não estar explícito no relatório, acreditamos que este resultado ocorreu em função da publicação da Instrução Normativa (IN) RFB nº 1.187 de 29 de agosto de 2011 e o uso da mesma para análise das Prestações de Contas do ano base de 2010. Destaca-se que a IN foi publicada posteriormente ao prazo de envio da Prestação de Contas, formulário este que informa o uso dos incentivos, em 31 de julho ao MCTI.

description

Artigo assinado por Manuela Soares, sócia-diretora da Inventta, uma análise crítica acerca da utilização dos incentivos fiscais à inovação no Brasil. O estudo aponta que é crescente o número de empresas que tem utilizado a Lei do Bem. No entanto, o aumento ainda é muito tímido frente ao potencial nacional.

Transcript of Análise dos Incentivos Fiscais à Inovação no Brasil

Page 1: Análise dos Incentivos Fiscais à Inovação no Brasil

UM OLHAR DA INVENTTA:

ANÁLISE DOS INCENTIVOS FISCAIS À INOVAÇÃO NO BRASIL Manuela Soares

No dia 09 de dezembro, o Ministério de Ciência, Tecnologia

e Inovação (MTCI) publicou o Relatório anual de análise dos

resultados da utilização dos Incentivos Fiscais à Inovação

Tecnológica previstos no capítulo III da Lei nº 11.196/05

(Lei do Bem) para o ano de 2010. Neste relatório são

também consolidados os dados referentes aos anos

anteriores desde 2006, ano de início da vigência da Lei.

Este artigo tem como objetivo realizar uma análise crítica

dos dados em questão. A seguir a análise dos principais

resultados apresentados pelo MCTI.

1. NÚMERO DE EMPRESAS

• É crescente o número de empresas que buscam o uso dos incentivos fiscais à

inovação: ao todo, 875 formulários foram enviados, sendo que 639 empresas

foram efetivamente beneficiadas pelos incentivos. Em relação às empresas

que declararam ter usufruído dos incentivos, houve um aumento de 38% em

relação ao ano de 2009.

• Houve um aumento significativo do número de empresas que não tiveram suas

Prestações de Contas classificadas pelo MCTI, 27% frente à média de 15% dos

anos anteriores. Apesar de não estar explícito no relatório, acreditamos que

este resultado ocorreu em função da publicação da Instrução Normativa (IN)

RFB nº 1.187 de 29 de agosto de 2011 e o uso da mesma para análise das

Prestações de Contas do ano base de 2010. Destaca-se que a IN foi publicada

posteriormente ao prazo de envio da Prestação de Contas, formulário este que

informa o uso dos incentivos, em 31 de julho ao MCTI.

Page 2: Análise dos Incentivos Fiscais à Inovação no Brasil

Figura 1 – Número de empresas beneficiárias da Lei do Bem

Fonte: Relatório MCTI 2010 – Análise Inventta

2. RENÚNCIA FISCAL

Conforme pode ser observado nos gráficos abaixo, a renúncia fiscal tem crescido

ao longo dos anos, no entanto, a média de benefício por empresa tem se mostrado

relativamente estável nos últimos anos.

Figura 2 – Dispêndio de custeio x Benefícios fiscais

Fonte: Relatório MCTI 2010 – Análise Inventta

Page 3: Análise dos Incentivos Fiscais à Inovação no Brasil

Figura 3 – Recuperação média dos dispêndios de custeio

Fonte: Relatório MCTI 2010 – Análise Inventta

3. BENEFÍCIOS POR REGIÃO

Desde o início da vigência da Lei do Bem, o destaque é para as regiões Sudeste e

Sul. Vale destacar a forte participação de três estados: São Paulo, Minas Gerais e

Rio Grande do Sul.

Figura 4 – Número de empresas beneficiárias por região

Fonte: Relatório MCTI 2010 – Análise Inventta

Page 4: Análise dos Incentivos Fiscais à Inovação no Brasil

O investimento em P&D no país

representou 0,19% do PIB em

2010

4. BENEFÍCIOS POR SETOR

De modo geral, o setor de Mecânica e Transportes se mantém na liderança do uso

dos incentivos em número de empresas e em valores. No entanto, em alguns

setores, percebe-se um forte declínio do uso do mecanismo: eletroeletrônica,

agroindústria, moveleira, construção civil e telecomunicações.

Figura 5 – Número de empresas x Setor

Fonte: Relatório MCTI 2010 – Análise Inventta

5. META DE INVESTIMENTOS EM P&D

Conforme pode ser observado no gráfico abaixo, se considerarmos apenas as

empresas que declararam ao MCTI o uso dos incentivos como uma proxy do

investimento privado em inovação, o mesmo representou 0,19% do PIB brasileiro

em 2010. É importante destacar que no ano de 2010 houve um aumento de 3,5%

Page 5: Análise dos Incentivos Fiscais à Inovação no Brasil

O crescimento ainda é tímido

frente ao potencial nacional

nos dispêndios de inovação tecnológica em relação a 2009. No entanto, com este

resultado, dificilmente atingiremos a meta de 0,9% do PIB de investimento privado

em inovação, estabelecida para 2014 na Estratégia Nacional de Ciência,

Tecnologia e Inovação (ENCTI). Este fato nos alerta para a necessidade de

acelerarmos os processos e mecanismos de apoio à inovação. Vale destacar que

estes valores nos colocam em posição bastante inferior nos rankings internacionais

de inovação frente às demais economias em desenvolvimento.

Figura 6 – Investimentos privados em P&D x PIB

Fonte: Relatório MCTI 2010 – Análise Inventta

6. CONCLUSÃO

O governo brasileiro, de forma a promover o maior investimento privado em

P,D&I, tem procurado aumentar o volume de recursos disponibilizados às empresas

para esforços de inovação (empréstimo, subvenção e incentivos fiscais).

Neste cenário, é crescente o número de empresas que tem se utilizado dos

incentivos fiscais, no entanto, o crescimento ainda é muito tímido frente ao

potencial nacional. Segundo o MCTI, estima-se que as empresas beneficiárias da

Lei do Bem se referem entre 15% e 20% das empresas que declararam realizar

investimentos em P&D pela Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec) 2008. Isso

se deve a algumas restrições da própria legislação:

• Mesmo após a publicação da IN, a Lei demanda um grande nível de

Page 6: Análise dos Incentivos Fiscais à Inovação no Brasil

Há várias iniciativas por parte

do governo que visam facilitar

o uso dos incentivos

Os mecanismos são

importantes para o

investimento em inovação,

mas ainda são pouco eficientes

especialização na identificação das atividades enquadráveis e na apuração dos

gastos, uma vez que os conceitos trazidos não são claros e até mesmo

controversos sobre quais atividades industriais se enquadram no benefício.

Mesmo para empresas que possuem um P&D institucionalmente organizado, na

prática, algumas atividades podem não ser beneficiáveis, enquanto outras,

inclusive de outras áreas, poderiam ser incluídas no benefício. Um dos

balizadores é justamente o alto número de empresas “desclassificadas” pelo

MCTI, demonstrando o desalinhamento entre o entendimento dos órgãos

reguladores e o empresariado. Some-se a isso o fato da não existência de um

canal formal de comunicação entre o MCTI e os usuários dos benefícios fiscais.

• A legislação restringe o uso do benefício por empresas que não são optantes

pelo Lucro Real, além de exigir controles contábeis dos gastos de inovação.

Este ponto tem sido alvo de críticas, por limitar o uso dos incentivos pelas

pequenas e médias empresas, grandes responsáveis pelo desenvolvimento de

inovações no país.

Percebemos que esforços vêm sendo aplicados no intuito de contribuir para a

implementação e aperfeiçoamento da Lei de Inovação e da Lei do Bem. Tais

esforços somados ao contexto macro-econômico atual – mais favorável que em

outros países – têm aumentado o interesse internacional pelo Brasil e promovido

investimentos internacionais para realização de atividades de P&D.

Vale destacar que está em tramitação no congresso nacional a modernização do

marco legal para inovação, que deverá dentre outros benefícios: aumentar o

número de empresas beneficiadas pelos incentivos fiscais e estimular a criação de

um número ainda maior de centros de P&D.

Sendo assim, é fundamental que a modernização do marco legal seja

acompanhada de melhorias nos processos e ferramentas dos mecanismos de apoio

à inovação, a começar pela comunicação entre os usuários dos incentivos e os

órgãos reguladores (MCTI e Receita Federal). O processo de análise das Prestações

de Contas não é claro e transparente ao contribuinte. Em países onde o sistema de

incentivos fiscais à inovação já existe há anos e realmente cumpre o seu papel de

fomentador de P&D nas empresas, existem procedimentos que garantem maior

segurança jurídica aos contribuintes. Sistemas de análise das informações

prestadas são realizados de forma automática, sendo concedido à empresa o

direito de esclarecimento ou complementação das informações anteriormente

enviadas ao órgão regulador, garantindo assim realmente o direito de ampla

defesa.

Page 7: Análise dos Incentivos Fiscais à Inovação no Brasil

Mais uma vez, o que se espera é que esses incentivos reflitam efetivamente um

aumento dos investimentos em inovação tecnológica no setor privado brasileiro,

fortalecendo ou até mesmo criando centros de pesquisas nas próprias empresas,

bem como influenciando a decisão de empresas multinacionais implantarem seus

Centros de P&D no país.

AUTORA __________________________________________________________________________________________________ Manuela de Melo Soares é sócia da Incentivar Consultoria, empresa incorporada pelo Grupo Instituto Inovação, e que hoje é denominada Inventta. Consolidou a área de Recursos Financeiros para Inovação, na qual desempenha um papel importante de desenvolvimento de competências e metodologias. Atualmente é responsável pela prospecção de novos clientes. Foi responsável pela gestão de projetos de incentivos fiscais à inovação e fomento à inovação em empresas como Usiminas, Fiat Automóveis, Magneti Marelli, Teksid, CNH, Iveco, Scania, Natura, Fibria, Suzano, ArcelorMittal, Sadia e Kraft Foods. Formou-se no Ibmec-MG em Administração de Empresas. Antes de fundar a Incentivar atuou no Instituto Inovação como gestora de projetos de elaboração de plano de negócios, mapeamento de tecnologias, valoração de tecnologias, avaliação de tecnologias em programas governamentais junto à universidades.