ANÁLISE E TENDÊNCIAS DA PRODUÇÃO LITERÁRIA PARA …LISE E TENDÊNCIAS DA... · ... e Maria...

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FACULDADE ALFREDO NASSER INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO CURSO DE LETRAS ANÁLISE E TENDÊNCIAS DA PRODUÇÃO LITERÁRIA PARA CRIANÇAS Adriano Nunes da Silva APARECIDA DE GOIÂNIA 2010

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FACULDADE ALFREDO NASSER

INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO

CURSO DE LETRAS

ANÁLISE E TENDÊNCIAS DA PRODUÇÃO LITERÁRIA PARA

CRIANÇAS

Adriano Nunes da Silva

APARECIDA DE GOIÂNIA

2010

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ADRIANO NUNES DA SILVA

ANÁLISE E TENDÊNCIAS DA PRODUÇÃO LITERÁRIA PARA

CRIANÇAS

Artigo apresentado ao Instituto Superior de Educação da Faculdade Alfredo Nasser, sob orientação do Profª. Me. Patrícia Espíndola Borges, como parte dos requisitos para a conclusão do curso de Letras.

APARECIDA DE GOIÂNIA

2010

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FOLHA DE AVALIAÇÃO DA PRODUÇÃO DO TRABALHO

ANÁLISE E TENDÊNCIAS DA PRODUÇÃO LITERÁRIA PARA

CRIANÇAS

Aparecida de Goiânia, __ de dezembro de 2010.

EXAMINADORES

Orientador - Prof.(a) MS. Patrícia Espíndola Borges - Nota:___ / 70

Primeiro examinador - Prof.(a) ___________________________________ -

Nota:___ / 70

Segundo examinador - Prof.(a) ___________________________________

- Nota:___ / 70

Média parcial - Avaliação da produção do Trabalho: ___ / 70

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Que coisa é o livro? Que contém na sua frágil arquitetura aparente? São

palavras, apenas, ou é a nua exposição de uma alma confidente? De que lenho

brotou? Que nobre instinto da prensa fez surgir esta obra de arte que vive junto a

nós, sente o que sinto e vai clareando o mundo em toda parte? (Carlos Drummond

de Andrade).

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ANÁLISE E TENDÊNCIAS DA PRODUÇÃO LITERÁRIA PARA CRIANÇAS*

Adriano Nunes da Silva**

RESUMO:

A literatura infantil brasileira, ainda que nova, atinge um estágio de maturidade resultante do significativo surto de criação e dos estudos teóricos e críticos de que vem sendo objeto. Essa situação é fruto de um percurso – a história que acumulou ao longo dos últimos três séculos e que estava e está a exigir pesquisa e interpretação. Esta tarefa foi realizada de modo mais completo e sistemático por Marisa Lajolo. Ao evitar uma visão da Literatura Infantil como setor à parte, Lajolo examinou suas relações com as instituições sociais e com a história da Literatura, desenhando assim, um painel amplo de nossa cultura contemporânea. A metodologia adotada para a construção desse artigo foi a pesquisa bibliográfica, a fim de embasar teoricamente a temática desenvolvida. Este trabalho destina-se, aos estudiosos dos livros para crianças e aos que desejam conhecer melhor o panorama da Literatura Brasileira, do qual a Literatura Infantil faz parte. PALAVRAS-CHAVE: Leitura. Livros. Literatura Infantil. Crianças. Escola. Editoras.

INTRODUÇÃO

Ao falar em leitura, pode-se ter em mente alguém lendo um jornal, revista,

folheto, porém o mais comum é pensar em leitura de livros. Com frequência, a

sociedade contenta-se, por economia ou preguiça, em ler superficialmente, passar

os olhos, como se diz. Não se acrescenta ao ato de ler algo mais do que um gesto

mecânico de decifrar os sinais, sem fazer inferências pertinentes. E para

desenvolver este trabalho sobre a produção literária infantil dos últimos anos, optou-

se pelos textos de Marisa Lajolo (2002) Paulo Freire (1982) Monteiro Lobato (1980)

Graça Paulino (2001) e Maria Helena Martins (1994).

O interesse em pesquisar sobre a produção literária para crianças surgiu a

partir do momento em que foi feito o Estágio na disciplina de Língua Portuguesa em

________________________

* Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão do Curso de Letras, sob orientação da professora

MS. Patrícia Espíndola Borges, do Instituto Superior de Educação, da Faculdade Alfredo Nasser.

** Acadêmico do 8º período de Letras.

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uma escola pública do estado, pois se percebeu que a produção literária voltada

para as crianças nas últimas décadas converteu-se em um dos segmentos

economicamente mais relevantes da indústria editorial brasileira, além disso, a

literatura infantil já integra muitos currículos universitários e tornou-se objeto de

teses, congressos e seminários. Para tanto, é importante e oportuno um balanço do

que se tem feito ao longo de quase um século, em termos de literatura infantil

brasileira. Não são outros os objetivos e horizontes deste trabalho, que se propõe a

sistematizar reflexões em torno das obras para crianças publicadas no Brasil nos

últimos anos.

Pretende-se demonstrar que através de uma análise da produção literária

infantil brasileira (disponível em bibliotecas), em circulação desde o fim do século

passado, permitiu agrupar os textos em ciclos, delineados de acordo com as

relações que se podem propor entre essa produção literária infantil e seu contexto

que, ainda de forma vaga, segundo Lajolo (2002) pode-se chamar de cultura

brasileira.

Circunscrever os recortes internos desses últimos anos de literatura teve, por

sua vez, alguns percalços. Portanto, foi necessário acompanhar o desenvolvimento

da literatura infantil brasileira do ponto de vista da produção, tentando delimitar os

pontos de contato entre alguns conjuntos de obras e autores e as outras

modalidades existentes de objetos culturais na literatura infantil.

Segundo Lajolo (2002) por mais cuidado que se tome a proposição de épocas

ou períodos que pretendam balizar qualquer fenômeno, cuja manifestação

transcorra e se altere ao longo do tempo, acaba, no limite, sendo arbitrária, portanto

é mister deixar claro também que este trabalho acadêmico sobre a história da

literatura infantil brasileira não assume o compromisso de mencionar um a um,

autores e títulos que perfazem essa mesma história. Mais do que um inventário de

nomes, a história da literatura infantil é uma interpretação.

Outro tipo de investigação, comprometido em rastrear, em detalhe, quem

escreveu o quê - trabalho indiscutivelmente relevante, aqui não cogitado -, servirá

para novos pesquisadores como um mapa inicial para uma excursão pioneira do

garimpo a textos e autores. Nesse sentido, o texto aqui apresentado é uma espécie

de armação provisória, andaime a ser refeito, à medida que outras pesquisas vierem

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completar lacunas e apontar distorções de interpretação. A preocupação maior é a

análise de determinados momentos e certas tendências da produção literária para

crianças. Enfim, a expectativa aqui alcançada é que futuramente os dados aqui

expostos possam facilitar a análise da produção literária infantil, privilegiando a

função social da literatura.

A pesquisa se faz em três momentos, o primeiro, mostra a leitura como uma

abordagem pedagógica, no segundo momento fez-se um balanço do que se tem

feito em termos de produção literária infantil brasileira. O terceiro momento se

propõe a refletir sobre as obras para crianças publicadas no Brasil nos últimos anos.

Assim, este trabalho acadêmico se ocupa a fazer um retrato do plano histórico e

cultural a que se integram e de onde se puxam os fios necessários para se

compreender os livros infantis. Trata-se, então, de um percurso difícil a ser seguido,

pois a história da cultura brasileira, principalmente no que toca à literatura, já se

cristalizou em rótulos de períodos e movimentos. Enfim, privilegiou-se aqui, a ampla

produção literária que faz dos livros seu veículo preferencial.

1. LEITURA – UMA ABORDAGEM PEDAGÓGICA

Maria Helena Martins (1994), em seu livro O que é leitura, afirma que antes

de ser um texto escrito, um livro é um objeto; tem forma, cor, textura, volume, cheiro.

Pode-se até ouvi-lo se folhearmos suas páginas. Para muitos adultos e,

especialmente crianças não alfabetizados essa é a leitura que conta. Quem já teve

oportunidade de vivenciá-la e de observar a sua realização sabe o quanto ela pode

render. É esse prazer singular de saborear uma boa leitura que deveria ser

despertado nas crianças quando lêem um resumo de um livro em um jornal. O livro,

um objeto aparentemente inerte, mas que contém significativos sinais e imagens

coloridas deve revelar uma história de encantamento, imprevistos, alegrias e

apreensões. É esse jogo de descobertas de um universo escondido em um livro é

que vai estimular no leitor/criança o aprimoramento da linguagem, desenvolvendo

sua capacidade de comunicação com o mundo.

A partir dessas descobertas feitas sobre esse novo universo e do

aprimoramento de sua linguagem, o leitor pode decidir pelas primeiras escolhas: o

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livro com ilustrações coloridas agrada mais, se não contém imagens, atrai menos. A

sinopse do livro, em sua contracapa, com todos os mistérios que o autor puder

incitar é a chave para estimular esse leitor em formação ao primeiro passo, para que

a leitura desse novo livro seja desenvolvida. Até mesmo o ato de folheá-lo, abrindo-o

e fechando-o, provocará a sensação de infinitas possibilidades de conhecê-lo, seja

para dominá-lo, num gesto onipotente, seja para admirá-lo, conservando-o, a fim de

voltar repetidamente a ele, isto tudo se agradar o leitor.

Esse tipo de contato inicial da criança com o livro, propicia a ela a descoberta

de um objeto especial, diferente de outros brinquedos, mas também fonte de prazer.

Motivam-na para a concretização maior do ato de ler o texto escrito, a partir do

processo de alfabetização, visto que estimula o desenvolvimento da linguagem, da

decifração dos signos lingüísticos e, consequentemente, gera a promessa de

autonomia para saciar a curiosidade pelo desconhecido e para renovar emoções

vividas.

Além da história pessoal do leitor e do seu contexto, fica sublinhado o quanto

os fatores circunstanciais da leitura influem no tipo de resposta dada ao texto. Um

dramalhão, uma notícia de jornal ou um incidente cotidiano podem suscitar lágrima

ou gargalhadas; um clássico do teatro, da literatura ou do cinema talvez provoque

bocejos ou emoções, as mais profundas e duradouras. Depende muito do referencial

da leitura, da situação em que se encontra o leitor, das intenções com que se

aproxima dela, do que ela desperta de lembranças, desejos, alegrias, tristezas. É

neste ensejo que se deve enfatizar que o texto deve ser um objeto que proporciona

prazer e conhecimento ao leitor, de modo que ele possa fluir sua imaginação e

ansiar por encontros com novos textos e novas leituras.

Graça Paulino (2001), em seu livro Modos de Leitura, argumenta que a

escola, que se autodenomina democrática propiciando ao aluno diversas formas

e/ou momentos de leitura, às vezes também exclui, pois mesmo os alunos tendo

acesso a ela, eles sofrem muitas vezes, um tipo velado de exclusão. Essa exclusão

acontece porque a inscrição do sujeito leitor se faz controlada e dirigida, não

permitindo que o discente explore as várias possibilidades de leitura de um texto,

engessando-o, limitando-o, pois o professor faz com que o aprendiz seja obrigado a

confessar aos outros a sua leitura e a corrigi-la na direção do consenso. Dessa

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forma, pode-se observar um controle do imaginário que se faz continuamente em

nome da aquisição do conhecimento. Daí resulta um conhecimento construído sem

imaginação e sem investimento pessoal do leitor.

Assim, a escola, aparentemente espaço de incentivo para a leitura de livros,

ao impedir que os objetivos, iniciativas e estratégias de leitura sejam dos próprios

leitores/alunos, pode afastá-los do processo de produção de sentido e,

consequentemente, do universo dos livros.

Não se trata de condenar a escola ou a relação desta com a leitura. Leitura e

escola estão em constante interação. Logo, tal relação não é apenas inevitável,

antes pode ser fecunda e estimulante. Não é a escola que mata a leitura, mas o

excesso de didatismo, a burocracia do ensino acoplado a regras preestabelecidas, a

normas rígidas e castradoras.

Importante também é analisar os textos em sua composição, observando o

contexto de sua produção, circulação e consumo. Não se pode ler um poema como

se lê uma crônica ou uma notícia de jornal, embora esses textos possam estar em

constante interação. Deve-se ressaltar ainda que o próprio suporte em que o texto

circula já determina o pacto de leitura, ou seja, a interação que o leitor deve

estabelecer com o texto, interferindo na sua forma de recepção. Assim, ler um texto

no jornal é diferente de ler até esse mesmo texto quando publicado em um livro.

O livro guarda, em nossa sociedade, até hoje, uma aura sacralizadora ligada,

por um lado, à sua durabilidade, por outro, à legitimidade dos conteúdos que veicula.

Muitas pessoas acham que tudo aquilo que está publicado em livros revela

qualidade e é verdadeiro. Trata-se de uma mitificação desse suporte que chega ao

ponto de só ser considerado leitor quem lê livros, esquecendo-se que ler vai muito

além da escrita vinculada a um livro, pois tudo que é passível de compreensão é

leitura, seja não verbal e/ou verbal.

Para Paulo Freire, (1982) a leitura poderia ser traduzida como o ato mesmo

de viver, respiração que “não se esgota na descodificação pura da escrita ou da

linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo”,

(FREIRE, 1982, p.11) nas relações sociais. Com a leitura do mundo -

“palavramundo” - é possível, conforme o mesmo autor, entender os diversos

discursos, é possível transformar-(se). Através do método de alfabetização para

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adultos propiciava ao aprendiz, além do domínio da leitura e da escrita num curto

prazo, um exercício crítico próprio dos problemas sociais, políticos e econômicos

que o cercam, através da percepção dos conteúdos culturais, das relações

dialógicas.

Pelo método, a palavra - instrumento de poder e transformação - contribui

para que o indivíduo perceba a si mesmo. Desse modo, a linguagem passa a ser

mecanismo de cultura, pois “educador e educando são sujeitos no processo: o

primeiro aprende com a aprendizagem do segundo e este descobre o seu universo

sobre a orientação daquele – sem qualquer atitude paternalista.” (SOTO, 1993, p.3).

1.1 Escrever para Crianças e Fazer Literatura

As primeiras obras publicadas visando o público infantil apareceram no

mercado livreiro na primeira metade do século XVIII. Antes disto, apenas durante o

classicismo francês, no século XVII, foram escritas histórias que vieram a ser

englobadas como literatura também apropriada a infância: as Fábulas, de La

Fontaine, editadas entre 1668 e 1894, As aventuras de Telêmaco, de Fénelon,

lançadas postumamente em 1717, e Os contos da Mamãe Gansa, cujo título original

era Histórias ou narrativas do tempo passado com moralidades, que Charles

Perrault publicou em 1917. Charles Perrault, então já uma figura importante nos

meios intelectuais franceses, atribui a autoria da obra a seu filho mais moço, o

adolescente Pierre Darmancourt. A recusa de Perrault em assinar a primeira edição

do livro, uma obra popular, representa fazer uma concessão a que ele não podia se

permitir. Porém, como ocorrerá depois a tantos outros escritores, da dedicação à

literatura infantil advirão prêmios recompensadores: prestígio comercial, renome e

lugar na história literária.

Contudo, os escritores franceses não retiveram a exclusividade do

desenvolvimento da literatura para crianças. A expansão desta deu-se

simultaneamente na Inglaterra, país onde foi mais evidente sua associação a

acontecimentos de fundo econômico e social que influíram na determinação das

características adotadas na produção da literatura infantil.

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A criança, desde então, passa a ter um novo papel na sociedade, motivando o

aparecimento de objetos industrializados (o brinquedo) e culturais (o livro) ou novos

ramos da ciência (a psicologia infantil, a pedagogia ou a pediatria) de que ela é

destinatária. Todavia, essa função que lhe foi atribuída a desempenhar é de

natureza simbólica, pois, trata-se, antes de assumir uma imagem perante a

sociedade, do alvo da atenção e interesse dos adultos, que de exercer uma

atividade econômica ou comunitariamente produtiva, da qual adviesse alguma

importância política e reivindicatória. Como decorrência, se a faixa etária equivalente

à infância e o indivíduo que a atravessa recebe uma série de atributos que o

promovem coletivamente, são esses mesmos fatores que o qualificam de modo

negativo, pois ressaltam, em primeiro lugar, virtudes como a fragilidade, a

desproteção e a dependência.

Tendo sido facultativa e, até mesmo dispensável até o século XVIII, a

escolarização converte-se, aos poucos, na atividade compulsória das crianças, bem

como a frequência às salas de aula, seu destino natural. Essa obrigatoriedade se

justificava com uma lógica digna de nota: postulados à fragilidade e o despreparo

dos pequenos para assumir um papel ou obrigação na sociedade, urgia equipá-los

para o enfrentamento maduro do mundo. Como a família, a escola se qualifica como

espaço de mediação entre a criança e a sociedade, o que mostra a

complementaridade entre essas instituições e a neutralização do conflito possível

entre elas.

De acordo com Lajolo (2002), a literatura infantil traz marcas inequívocas

desse período. Embora as primeiras obras tenham surgido na aristocrática

sociedade do classicismo francês, sua difusão aconteceu na Inglaterra, país que, de

potência comercial e marítima, salta para a industrialização. Isso tudo porque tem

acesso às matérias-primas necessárias (carvão, existente nas ilhas britânicas, e

algodão, importado das colônias americanas) e conta com um mercado consumidor

em expansão na Europa e no Novo Mundo e dispõe da marinha mais respeitada da

época.

Numa sociedade que cresce por meio da industrialização e se moderniza em

decorrência dos novos recursos tecnológicos disponíveis, a literatura infantil

assume, desde o começo, a condição de mercadoria. No século XVIII, aperfeiçoa-se

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a tipografia e expande-se a produção de livros, facultando a proliferação dos

gêneros literários que, com ela, adéquam-se à situação recente. Por outro lado,

porque a literatura infantil trabalha sobre a língua escrita, ela depende da

capacidade de leitura das crianças, ou seja, terem, estas, passado pelo crivo da

escola.

Os laços entre a literatura e a escola começam deste ponto: a habilitação da

criança para o consumo de obras impressas sendo que a leitura das imagens

adquirida nas escolas também contribui para a concretude da leitura na fase escrita.

Isto aciona um circuito que coloca a literatura, de um lado, como intermediária entre

a criança e a sociedade de consumo que se impõe aos poucos; e de outro, como

caudatária da ação da escola, a quem cabe promover e estimular como condição de

viabilizar sua própria circulação.

Neste sentido, o gênero dirigido à infância está no bojo dos processos que

vem marcando a sociedade contemporânea desde os primeiros sinais da

implantação desta, permitindo-lhe indicar a modernidade do meio onde se expande.

Tem características peculiares à produção industrial, a começar pelo fato de que

todo livro é, de certa maneira, o modelo em miniatura da produção em série. E

configura-se desde sua denominação – trata-se de uma literatura para – como

criação visando a um mercado específico, cujas características precisam respeitar e

mesmo motivar, sob pena de congestionar suas possibilidades de circulação e

consumo. Por outro lado, depende também da escolarização da criança e isso, às

vezes, coloca-a numa posição subsidiária em relação à educação. Por

conseqüência, adota posturas, quase sempre, nitidamente pedagógicas, a fim de, se

necessário, tornar patente sua utilidade.

De acordo com Lajolo (2002), esses aspectos geram, em contrapartida, a

desconfiança de setores especializados da teoria e da crítica literárias, quando

confrontados à literatura infantil. Permeável às injunções do mercado e à

interferência da escola, aquele gênero (livro) revela uma franqueza a que outros

podem se furtar, graças às simulações bem-sucedidas ou a particularidades que os

protegem de uma entrega fácil à ingerência de fatores externos. É essa sinceridade,

resultante, todavia, de uma opção mercenária, que o tornam constrangedor: de um

lado, porque tantas concessões interferem com freqüência demasiada na qualidade

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artística dos textos; de outro, porque denuncia que, sem concessões de qualquer

grau, a literatura não subsiste como ofício. Isso deixa claro que a liberdade de

criação é relativa, e que é enquanto relatividade – fato que abre lugar para a

mediação do leitor e/ou do público no processo de elaboração de um texto – que a

literatura conquista seu sentido, pois somente assim se socializa, convivendo com

aspirações comunitárias.

Lajolo (2002) afirma que se esboça, aos poucos, a relevância da literatura

infantil e de seu estudo. O interesse que desperta provém de sua natureza

desmistificadora, porque, se se dobra a exigências diversas, revela ao mesmo

tempo em que medida a propalada autonomia da literatura não passa de um esforço

notável por superar condicionamentos externos – de cunho social e caráter

metodológico – que a sujeitam de várias maneiras. E como, ainda assim, alcança

uma identidade, atestada pela permanência histórica do gênero e pela predileção de

que é objeto pelo leitor criança, mostra que a arte literária circunscreve, sempre, um

espaço próprio e inalienável de atuação, embora seja ele limitado por vários fatores.

Outras características completam a definição da literatura infantil, impondo

sua fisionomia. A primeira delas dá conta do tipo de representação a que os livros

procedem. Estes deixam transparecer o modo como o adulto quer que a criança veja

o mundo. Em outras palavras, não se trata necessariamente de um espelhamento

literal de uma dada realidade, pois, como a ficção para crianças pode dispor com

maior liberdade da imaginação e dos recursos da narrativa fantástica, ela extravasa

as fronteiras do realismo. E essa propriedade, levada às últimas conseqüências,

permite a exposição de um mundo idealizado e melhor, embora a superioridade

desenhada nem sempre seja renovadora ou emancipatória.

Dessa maneira, o escritor, invariavelmente um adulto, de acordo com Lajolo

(2002), transmite a seu leitor um projeto para a realidade histórica, buscando a

adesão afetiva e/ou intelectual daquele. Em vista desse aspecto, a literatura para

crianças pode ser escapista, dando vazão à representação de um ambiente perfeito

e, por decorrência, distante. Porém, pela mesma razão, poucos gêneros deixam tão

evidentes a natureza utópica da arte literária que, de vários modos, expõe, em geral,

um projeto para a realidade, em vez de apenas documentá-lo fotograficamente.

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A partir desse fato, entende-se que a literatura infantil padece do perigo do

escapismo, da doutrinação ou de ambos. Todavia, por matizar essa aptidão, ou

desejar aniquilá-la, ela assegura sua continuidade histórica. Esta, por sua vez,

advém ainda de outro fator característico: sua permeabilidade ao interesse do leitor.

Lajolo (2002) diz que apesar de ser um instrumento usual de formação da

criança, participando, nesse caso, do mesmo paradigma pragmático que rege a

atuação da família e da escola, a literatura infantil equilibra – e frequentemente, até

supera – essa inclinação pela incorporação ao texto do universo afetivo e emocional

da criança. Por intermédio desse recurso, traduz para o leitor a realidade dele,

mesmo a mais íntima, fazendo uso de uma simbologia que, se exige, por efeitos de

análise, a atitude decifradora do intérprete, é assimilada pela sensibilidade da

criança.

Ambas as propriedades citadas – a de projeção de uma utopia e a expressão

simbólica de vivências interiores do leitor – não são necessariamente contraditórias,

pois a visão do adulto pode se complementar e fortalecer com a adoção da

perspectiva da criança. A contradição apresenta-se no momento em que a primeira

opõe-se a segunda, contudo é sob essa condição que a obra desmascara sua

postura doutrinaria e a decisão por educar.

Os dois pólos descritos configuram a tensão que direciona a produção

ficcional para crianças e que se mostra como desafio ao escritor. Do deciframento

do enigma emerge o texto criativo e se evidenciam as qualidades artísticas da

literatura infantil, englobando-a ao setor mais geral da arte literária. Ao mesmo

tempo, esclarece-se que, da determinação dos componentes tensionais de uma

obra, nasce a possibilidade de sua análise e crítica.

Lajolo (2002) mostra que da solução pacífica desse conflito organiza-se

igualmente a história do gênero no Ocidente. Do grande elenco de obras publicadas

no século XVIII, poucas permaneceram, porque era tão flagrante o pacto com as

instituições envolvidas com a educação das crianças. Mas ao sucesso dos contos de

fadas de Perrault (1917), somou-se o das adaptações de romances de aventuras,

como os já clássicos Robinson Crusoé (1719), de Daniel Defoe, e Viagens de

Gulliver (1726), de Jonathan Swift, autores que asseguravam a assiduidade de

criação e consumo de obras.

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Segundo Lajolo (2002) o século XIX inicia-se pela repetição dos caminhos

bem sucedidos: os irmãos Grimm, em 1812, editam a coleção de contos de fadas

que, dado o êxito obtido, converte-se, de certo modo, em sinônimo de literatura para

crianças. A partir de então, esta define com maior segurança os tipos de livros que

agradam mais aos pequenos leitores e determina melhor suas principais linhas de

ação: como por exemplo, a predileção por histórias fantásticas, modelo adotado

sucessivamente por Hans Christian Andersen, nos seus Contos (1833), Lewis

Carroll, em Alice no país das maravilhas (1863), Collodi, em Pinóquio (1883), e

James Barrie, em Peter Pan (1911), entre os mais célebres. Ou então por histórias

de aventuras, transcorridas em espaços exóticos, de preferência, e comandadas por

jovens audazes; eis a fórmula de James Fenimore Cooper, em O último dos

moicanos (1826), Jules Verne, nos vários livros publicados a partir de 1863, ano de

Cinco semanas num balão, Mark Twain, em As aventuras de Tom Sawyer (1876), ou

Robert Louis Stevenson, em, A ilha do tesouro (1882). Por último, a apresentação do

cotidiano da criança, evitando a recorrência a acontecimentos fantásticos e

procurando apresentar a vida diária como motivadora de ação e interesse, conforme

procedem o Cônego Von Schmid, em Os ovos de páscoa (1816), a Condessa de

Ségur, em As meninas exemplares (1857), Louise M. Allcott, em Mulherzinhas

(1869), Johanna Spiry, em Heidi (1881), e Edmond De Amicis, em Coração (1886).

De acordo com Lajolo (2002) os autores da segunda metade do século XIX

confirmam a literatura infantil como parcela significativa da produção literária da

sociedade burguesa e capitalista. Dão-lhe consistência e um perfil definido,

garantindo sua continuidade e atração. Por isso, quando se começa a editar livros

para a infância no Brasil, a literatura para crianças, na Europa, apresenta-se como

um acervo sólido que se multiplica pela reprodução de características comuns.

Dentro desse panorama, mas respondendo às exigências locais, emerge a vertente

brasileira do gênero, cuja história, particular e com elementos próprios, não

desmente o roteiro geral.

1.2 A atividade editorial no Brasil

Se a literatura infantil europeia teve seu início às vésperas do século XVIII,

quando, em 1697, Charles Perrault publicou os célebres Contos da Mamãe Gansa, a

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literatura infantil brasileira só veio há surgir muito tempo depois, quase no século XX,

muito embora ao longo do século XIX, registrada aqui e ali, a notícia do

aparecimento de outra obra destinada ás crianças.

Com a implantação da Imprensa Régia, que inicia oficialmente, em 1808, a

atividade editorial no Brasil, começam a publicar-se livros para crianças: a tradução

de As aventuras pasmosas do Barão de Munkausen e, em, 1818, a coletânea de

José Saturnino da Costa Pereira, Leitura para meninos, contendo uma coleção de

histórias morais relativas aos defeitos ordinários às idades tenras, e um diálogo

sobre geologia, história de Portugal e história natural. Mas estas publicações eram

esporádicas (a obra que seu seguiu a elas só surgiu em 1848, outra edição das

Aventuras Barão de Munkausen), portanto, de acordo com Lajolo (2002)

insuficientes para caracterizar uma produção literária brasileira regular para a

infância.

Decorrente da acelerada urbanização que se deu entre o fim do século XIX e

o começo do XX, o momento torna-se propício para o aparecimento da literatura

infantil. Agora, as massas urbanas que, além de consumidoras de produtos

industrializados, vão constituindo os diferentes públicos, para os quais se destinam

os diversos tipos de publicações feitos por aqui: as sofisticadas revistas femininas,

os romances ligeiros, o material escolar, os livros para as crianças.

Sendo, no entanto, os livros infantis e os escolares os que mais interessam

aqui, cabe justificar a aproximação entre eles, acrescentando que, para a

transformação de uma sociedade rural em urbana, a escola exerce um papel

fundamental. Como é a instituição escolar que a sociedade moderna confia a

iniciação da infância, tanto em seus valores ideológicos, quanto nas habilidades,

técnicas e conhecimentos necessários inclusive à produção de bens culturais, é

entre os séculos XIX e XX, que se abre espaço, nas letras brasileiras, para um tipo

de produção didática e literária, em particular, para o público infantil.

2. DE BRAÇOS DADOS COM A MODERNIZAÇÃO: LIVROS E AUTORES

Em 1921, Monteiro Lobato publica Narizinho Arrebitado (segundo livro de

leitura para uso das escolas primárias), após ter-se preocupado com a literatura

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infantil, conforme sugere na citação abaixo na correspondência trocada com

Godofredo Rangel, com quem comenta a necessidade de se escreverem histórias

para crianças numa linguagem que as interessasse. Na mesma época, quando esse

objetivo ainda era vago e distante, faz uma enquete a respeito do Saci, entidade

mágica cuja popularidade impressiona, vindo a reaparecer na sua segunda obra

para a infância, lançada também em 1921.

-- Ignoro se o Pequeno Polegar anda aqui pelo meu reino. Não o vi,

nem tive notícias dele, mas a senhora pode procurá-lo. Não faça

cerimônia...

-- Por que ele fugiu? Indagou a menina.

-- Não sei - respondeu Dona Carochinha – mas tenho notado que

muitos dos personagens das minhas histórias já andam aborrecidos de

viverem toda a vida presos dentro delas. Querem novidade. Falam em

correr mundo a fim de se meterem em novas aventuras. (...) andam todos

revoltados, dando-me um trabalhão para contê-los. Mas o pior é que

ameaçam fugir, e o Pequeno Polegar já deu o exemplo. (...)

-- Tudo isso – continuou Dona Carochinha – por causa do

Pinocchio, do Gato Félix e, sobretudo, de uma tal menina do narizinho

arrebitado que todos desejam muito conhecer. Ando até desconfiada que foi

essa diabinha quem desencaminhou Polegar, aconselhando-o a fugir.

(LOBATO, 1980, p.14)

No princípio, Narizinho Arrebitado (1921) repetiu o sucesso de vendas de

Saudade (1919) de Tales de Andrade, sendo, ao mesmo tempo, adotado nas

escolas públicas do Estado de São Paulo. A partir de então, Lobato, já escritor

famoso, passa a correr numa outra faixa: investe progressivamente na literatura para

as crianças. De um lado como autor, de outro como empresário, fundando editoras,

como a Monteiro Lobato e Cia., depois a Companhia Editora Nacional e a

Brasiliense, e publicando os próprios livros. O comportamento é original, pois na

ocasião, havia poucas casas editoras, a maioria parecida e moldada no século XIX,

como a Francisco Alves, a Briguiet ou a Quaresma, e eram raros os livros infantis.

Reunir ambas as iniciativas era ainda mais ousado. Tantas novidades se associam à

época, marcada por revoluções e mudanças em todas as áreas, que se justifica que

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o período dominado por este indivíduo que mescla atividades artísticas e industriais

receba a classificação de modernista.

O crescimento quantitativo da produção para crianças e a atração que ela

começa a exercer sobre escritores comprometidos com a renovação da arte

nacional demonstram que o mercado estava sendo favorável aos livros. Essa

situação conforme sugere Lajolo (2002) relaciona-se aos fatores sociais: a

consolidação da classe média, em decorrência do avanço da industrialização e da

modernização econômica e administrativa do país, o aumento da escolarização dos

grupos urbanos e a nova posição da literatura e da arte após a revolução

modernista. Há maior número de consumidores, acelerando a oferta. Lajolo (2002)

deixa clara, também, a resposta das editoras, motivadas à revelação de novos

nomes e títulos para esse público interessado, seja de modo parcial, como a Globo,

que edita Erico Veríssimo, Lúcio Cardoso, Cecília Meirelles, entre outros, ou a

companhia Editora Nacional, a que se ligam Monteiro Lobato e Viriato Correia, ou

integralmente, como as citadas, Melhoramentos e Editora do Brasil, que preferem o

lançamento de traduções.

Ao final de 1945, Lajolo (2002) afirma que a literatura para crianças oferece

um largo espectro de autores envolvidos com ela e contemplam os leitores formados

pela assiduidade as obras a eles destinadas. Sendo, no início, uma produção rala e

intermitente, mas vai se fortalecendo quando o modernismo encerrava seu ciclo,

num acervo consistente, integrado definitivamente ao conjunto da cultura brasileira.

3. INDÚSTRIA CULTURAL: ESCRITORES DE HOJE

Multiplicaram-se, dos anos 60 para cá, instituições e programas voltados

para o fomento da leitura e a discussão da literatura infantil. É por essa época que

nasceram instituições como a Fundação do Livro Escolar (1966), a Fundação

Nacional do Livro Infantil e Juvenil (1968), o Centro de Estudos de Literatura Infantil

e Juvenil (1973), as várias Associações de Professores de Língua e Literatura, além

da Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil, criada em São Paulo, em

1979.

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Ao longo dos anos 70, Lajolo (2002) cita que o Instituto Nacional do Livro

(fundado em 1937) começa a co-editar, através de convênios, expressivo número de

obras infantis e juvenis, o que representa, do ponto de vista do Estado, um

investimento bastante significativo na produção de textos voltados para a população

escolar, cujo baixo índice de leitura, por essa mesma época, começa a preocupar

autoridades educacionais, professores e editores.

Essa mobilização do estado, apoiando entidades envolvidas com livros e

leitura, correspondeu, no plano da iniciativa privada, ao investimento de grandes

capitais em literatura infantil, quer inovando sua veiculação (agora confiada também

a revistas e livros vendidos em bancas ou diretamente comercializados em colégios),

quer aumentando o número e o ritmo de lançamento de títulos novos. Segundo

Lajolo (2002), outra forma de adequação a esse mercado ávido, porém desabituado

da leitura foi a inclusão, em livros dirigidos à escola, de instruções e sugestões

didáticas: fichas de leitura, questionários e roteiro de compreensão de texto marcam

o destino escolar de grande parte dos livros infanto-juvenis, a partir de então

lançados, quando também se tornam comuns as visitas de autores a escolas, onde

discutem sua obra com os alunos.

O reflexo dessa nova situação não se fez esperar: traduziu-se no

desenvolvimento de um comércio especializado, incentivando, nos grandes centros,

a abertura de livrarias organizadas em função do público infantil e atraiu para o

campo dos livros para crianças um grande número de escritores e artistas gráficos

que, com mais rapidez que muitos de seus colegas dedicados exclusivamente ao

publico não-infantil, profissionalizaram-se no ramo.

Muitos autores, inclusive os consagrados, não desprezaram a oportunidade

de inserir-se nesse promissor mercado de livros, o que trouxe para as letras infantis

o prestígio de figuras como Mário Quintana, Cecília Meireles, Vinícius de Morais e

Clarice Lispector.

Lajolo (2002) afirma que os livros infantis constituem, contemporaneamente,

um próspero segmento de nossas letras. Cresce o prestígio do autor nacional e os

títulos brasileiros vão se impondo. Entre 1975 e 1978, por exemplo, de um total de

1.890 títulos, 50,4% constituem traduções (953 títulos) e 46,6% são textos

nacionais* (*Dados da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil). Essas

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porcentagens parecem indicar que, ao contrário do que sucede em outras áreas da

produção cultural brasileira, no setor de livros destinados à infância o material

brasileiro está conquistando espaços progressivamente maiores.

O fato de os livros para crianças serem produzidos dentro de um sistema

editorial mais moderno implica regularidade de lançamento no mercado e

agenciamento de todos os recursos disponíveis para criação e manutenção de um

público fiel. Como conseqüência, alguns escritores lançam vários livros por ano,

perfazendo dezenas e dezenas de títulos que independentemente da qualidade

garantem seu consumo graças à obrigatoriedade da leitura e à agressividade das

editoras.

Porém ao lado desta obrigatoriedade e agressividades da editoras, de acordo

com Lajolo (2002), inspiradas pela necessidade de produção industrial, outras

soluções seguem também na esteira lobatiana, tal como o reforço da produção por

séries, isto é, grupos de obras que repetem, ao longo de vários títulos, personagens

e/ou cenários.

A literatura infantil mais contemporânea também reata pontas com a tradição

lobatiana por outras vias. Por exemplo, pela inversão a que submete os conteúdos

mais típicos da literatura infantil. Essa tendência de acordo com Lajolo (2002)

contestadora se manifesta com clareza na ficção moderna, que envereda pela

temática urbana, focalizando o Brasil atual, seus impasses e suas crises.

Nesse percurso de urbanização, Lajolo (2002) afirma que o sinal de partida é

dado por Isa Silveira Leal, e sua série de Glorinhas: Glorinha (1958). Glorinha e o

mar (1962), Glorinha bandeirante (1964), Glorinha e a quermesse (1965), Glorinha

radioamadora (1970).

Se o Brasil das Glorinhas já é urbano, é só com Justino, o retirante (1970), de

Odette de Barros Mott, que a literatura infantil brasileira passa a apontar crises e

problemas da sociedade contemporânea. A partir dessa obra, conforme Lajolo

(2002) a tematização da pobreza, da miséria, da injustiça, da marginalização, do

autoritarismo e dos preconceitos torna-se irreversível e progressivamente mais

amarga.

A crítica mais radical da sociedade brasileira contemporânea, segundo Lajolo

(2002) tematizada principalmente através da miséria e do sofrimento infantil, vai,

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desde então, incorporando-se progressivamente e se exprime numa representação

realista do contexto social, a partir de 1977, com Pivete, de Henry Correia de Araújo,

muito embora antes e depois dessa obra vários livros aludam à marginalização e à

pobreza.

4. EM BUSCA DE NOVAS LINGUAGENS

As reflexões até agora sugeridas pela literatura infantil contemporânea

apontam para a consolidação do gênero: bem visível na perspectiva concreta da

produção e consumo das obras para crianças, manifesta-se também no plano

interno, isto é, nas formas e conteúdos destes livros. No entanto, nem a

documentação crítica da realidade contemporânea brasileira, nem a absorção,

muitas vezes, criativa de elementos da cultura de massa, nem mesmo o esforço de

renovação poética dão conta às faces assumidas pela atual produção infantil

brasileira.

Marca bastante típica dos livros infantis de 1960 para cá, afirma Lajolo (2002),

é a incorporação da oralidade, tanto na narrativa quanto na poesia. A tentativa de

fazer uso de uma linguagem mais coloquial é outra forma de a literatura para as

crianças aproximar-se tanto das propostas literárias assumidas pelos modernistas de

1922, quanto da herança lobatiana.

Essa oralização do discurso nos textos para crianças torna-se bastante

coerente, com a intenção de trazer para as histórias infantis o heterogêneo universo

de crianças marginalizadas, de pobres e índios. Da mesma forma que suas

personagens e enredos deixaram de ser exemplar do ponto de vista dos valores

dominantes. Também a linguagem distanciou-se do padrão formal culto, indo buscar

na gíria de rua, em falares regionais e em dialetos sociais a dicção adequada aos

novos cidadãos.

Analisadas superficialmente, metalinguagem e intertextualidade parecem

aproximar a literatura infantil contemporânea de obras não-infantis, que encontram

na metalinguagem a manifestação de sua modernidade. Face às transformações

que a modernização capitalista trouxe para seu ofício, o escritor encena, perante os

leitores, suas perplexidades e inseguranças frente à linguagem de que dispõe.

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Lajolo (2002) defende que talvez o escritor infantil que primeiro e com mais

empenho tenha trazido para a narrativa infantil os dilemas do narrador moderno seja

Clarice Lispector. Suas obras, segundo Lajolo(2002), voltadas para crianças,

abandonam a onisciência, ponto de vista tradicional da história infantil. Esse

abandono permite o afloramento no texto de todas as hesitações do narrador e,

como recurso narrativo, pode atenuar a assimetria que preside a emissão adulta e a

recepção infantil de um livro para crianças:

Não tenho coragem ainda de contar agora mesmo como aconteceu. Mas

prometo que no fim deste livro, contarei e vocês, que vão ler esta história

triste, me perdoarão ou não.

Vocês hão de perguntar: por que só no fim do livro? E eu respondo:

- É porque no começo e no meio vou contar algumas historias de bichos

que eu tive, só para vocês verem que eu só poderia ter matado os peixinhos

sem querer. (LISPECTOR, 1974, p.26)

Nesse livro, além da marca inconfundível de Clarice, pode-se reconhecer

também um procedimento nitidamente moderno: a fragmentação e a diluição da

narrativa, sempre postergada, o que exige ostensivamente a participação do leitor a

quem o narrador se dirige com frequência, explicando o que narra e fazendo

perguntas.

Lajolo (2002) afirma que são, assim, as muitas formas pelas quais o texto

infantil contemporâneo busca romper com a esclerose a que o percurso escolar e o

compromisso com uma pedagogia conservadora parece ter confinado o gênero. A

ruptura acarreta, ainda, a produção de textos autoconscientes, isto é, de textos que

explicitam e assumem sua natureza de produto verbal, cultural e ideológico. Reside

aí o ponto de radicalidade mais extrema a que chega o texto infantil das últimas

décadas.

Após ter conquistado, a duras penas, o direito de falar com o realismo e sem

retoques da realidade histórica, e, ao mesmo tempo, em que redescobre as fontes

do fantástico e o imaginário, a literatura infantil contempla-se a si mesma em seus

textos. E, enquanto modalidade literária, já agora se constitui objeto de estudos

acadêmicos, teses, congressos e livros, inclusive este.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Literatura não existe no vácuo. Os escritores, como tais, têm a função social definida, exatamente proporcional à sua competência como escritores. Essa é sua principal utilidade. Todas as demais são relativas e temporárias e só podem ser avaliadas de acordo com o ponto de vista particular de cada um. (Ezra Pound. In ABC da Literatura, p. 38)

Na tentativa de obter respostas para o estudo em questão, percebeu-se uma

visão geral sobre a arte, mais especificamente sobre literatura, suas manifestações,

necessidade que o homem tem de expressar e comunicar anseios, desejos e

angústias, a partir da criatividade inerente ao ser humano, a qual se faz presente

nas produções literárias.

O estudo em questão propiciou descobrir que o processo de modernização da

sociedade brasileira, que se deu através do estímulo ao crescimento industrial e à

urbanização, beneficiou a cultura brasileira, na medida em que proporcionou

condições de produção, circulação e consumo dos bens de que aquela se constituía.

A literatura infantil também foi favorecida, já que a indústria de livros se solidificou e

a escola, cujo resultado mais imediato é o acesso à leitura, expandiu-se.

Registrou-se que os anos 60 e 70 assistem à implantação de uma nova etapa

da sociedade brasileira em direção a um modelo capitalista mais avançado, o que

implica uma inversão maior de capitais na produção cultural, bem como o

aprimoramento de instituições às quais compete a execução da política cultural do

Estado. Imersa em tal contexto que favorece um modo industrial de produção de

cultura, verificou-se que a literatura infantil, na fragilidade de sua recente e irregular

tradição, tem traços tanto da manutenção de velhas tendências, quanto de um

esforço renovador.

Os objetivos foram alcançados, pois foi possível refletir em torno das obras

publicadas para crianças nos últimos anos, pois, percebeu-se que a literatura infantil

na formação emocional, social e cultural da criança tem papel relevante, uma vez

que ela tem o poder de trabalhar na mente da criança, e atua com peso a

imaginação infantil, consolidando de forma positiva, se bem conduzida pelo

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orientador, no caráter humano. Essa preocupação maior foi analisada em

determinados momentos e certas tendências da produção literária para crianças.

A pesquisa também permitiu chegar à conclusão de que uma vez

reconhecidos como literatura, os livros para crianças passam a prestar contas a

série literária. E em relação a ela, o modo de produção do livro infantil pode consistir

em um obstáculo intransponível para que esse dialogue se desenvolva em pé de

igualdade. Mas dialeticamente, é isso também que permite que a inclusão da

literatura infantil nas reflexões sobre a história e a teoria literária de um povo ilumine

zonas de penumbra que ainda não foram trabalhadas ou analisadas.

Enfim, a expectativa aqui alcançada é que futuramente os dados aqui

expostos possam facilitar a análise da produção literária infantil privilegiando a

função social da literatura.

ABSTRACT: To achieve the goal of identifying the socio-economic-cultural and influence they have on children's

literature and how it has been crafted by writers and publishers in recent years, there was a need to

do a literature search done in books, magazines to come to some conclusions. The Brazilian children's

literature, although new, has reached a stage of maturity resulting outbreak of significant creative and

critical and theoretical studies that have been subject. This situation is the result of a journey - a story

that has accumulated over the past three centuries and which was and is requiring research and

interpretation. This task was performed more completely and systematically by Marisa Lajolo. By

avoiding a vision of Children's Literature as a sector apart, Lajolo examined its relations with social

institutions and the history of literature, drawing well, a large panel of our contemporary culture. This

work is intended, to scholars of children's books and those who want to better understand the

landscape of Brazilian literature, which is part of the Children's Literature.

KEYWORDS: Reading. Books. Children's Literature. School. Labels.

REFERÊNCIAS

COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. 1. Ed. São Paulo: Moderna, 2000.

DRUMMOND, de Andrade, Carlos. Reunião. 6. Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974

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FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1982.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da Leitura para a Leitura do Mundo. 5 ed. São Paulo: Ática, 2002.

LISPECTOR, Clarice. A mulher que matou os peixes. 4. Ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1974.

LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. 31. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1980.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 19 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Coleção Primeiros Passos; 74)

PAULINO, Graça. Tipos de Textos, modos de leitura. Belo Horizonte: Formato Editorial, 2001. – (Educador em formação)

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AGRADECIMENTOS

À Deus, Senhor misericordioso e grande em poder, por ter me abençoado

nessa conquista; a minha mãe, Dª Nildete por seu esforço contínuo em me ajudar

nesta longa caminhada. Também agradeço à meu pai, Senhor Jurani, que se não

fosse por ele esse sonho ainda estaria longe de ser alcançado. Obrigado Papai e

Mamãe, dedico esta vitória à vocês. À minha amada e querida esposa Amanda,

agradeço por estar lado a lado nesta caminhada, por ser minha companheira,

ajudadora, amiga e parceira de todos os momentos, minha rainha esta vitória

também é sua; à minha orientadora, Profª Me. Patrícia Espíndola Borges, pelo

carinho e dedicação durante as orientações, orientações estas que foram sem

sombra de dúvidas indispensáveis para a conclusão deste trabalho; por último,

porém, não menos importante aos amigos, familiares e professores, por terem

influenciado na minha vitória.

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