Análise - Tao Te Ching

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Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas História do Pensamento Chinês I Ensaio histórico sobre a obra Tao Te Ching pela tradução de Mario Bruno Sproviero

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Análise do livro Tao Te Ching

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Universidade de So PauloFaculdade de Filosofia, Letras e Cincias HumanasHistria do Pensamento Chins I

Ensaio histrico sobre a obraTao Te Chingpela traduo de Mario Bruno Sproviero

Heitor Manente DutraCurso: HistriaN 7620234

IntroduoA proposta deste trabalho o da anlise do conceito de Tao ( dao: ) dentro de um prisma histrico e filosfico na sociedade humana. Para isto, fundamental uma compreenso interpretativa do Tao a partir da sua obra primordial, Tao Te Ching, conforme exposto no curso. A traduo do professor Mrio Sproviero foi escolhida por recomendao no programa de aulas e por sua preocupao em realizar uma traduo direta do chins e prxima do entendimento nos termos da nossa lngua.A forma como o termo Tao ser abordado, assim como sua repercusso nas mais diversas manifestaes linguisticas, certamente carece de um amplo aprofundamento acadmico, e por isto me desculpo por quaisquer equvocos cometidos. As demais informaes, no entanto, so fruto de uma reflexo histrica baseada nas recentes pesquisas propostas pelo curso.O Tao como ideia transcendente no tempo e na ao humana foi usado como ferramenta por e para muitos em momentos de construo social e formao identitria, assim como para difuso e transformao de outros ideais que o seguiram, como o Confucionismo e o zen-budismo, por exemplo. Hoje, discute-se o Tao como filosofia e/ou religio, com sua aplicao nos mbitos mais diversos, que variam desde prticas mais comuns, como o equilbrio de corpo e mente ou o entendimento da medicina tradicional chinesa, e at mesmo ideia de alcance da imortalidade.Embora dissertar acerca de sculos de aplicao do Tao seja impossvel no carter de um trabalho to simples, uma breve anlise pelas suas mais recorrentes ferramentas pode nos auxiliar quanto aos seus impactos na sociedade e filosofia humana. A partir da obra Tao Te Ching e das dicusses feitas no curso em questo, partiremos primeiramente ao seu conceito mais bsico.

O Tao (Dao)

O curso que se pode discorrerno o eterno curso O nome que se pode nomearno o eterno nome(Captulo I)

Na traduo literal de Mrio Sproviero, Tao o curso, embora diversas outras significaes j tenham sido dadas. Sendo Tao o curso, caminho ou via unindo dois pontos distintos, ele ganhou tambm a alcunha abstrata de Razo, Sentido ou Logos, j que garante significado existncia de ambos os pontos, alm da coeso entre eles. No um caminho fisco, sequer espiritual, e sim o absoluto de ambos, que os define e os ope, tais como so: yin e yang ( ). Cercado de paradoxos, conforme pode se ver no trecho de abertura do primeiro captulo, o termo no deve ser discorrido em especificidades, sob a pena de perder seu prprio carter. uma ideia alcanada apenas pela intuio, j que existe e inexiste, simultaneamente. a naturalidade de todas as coisas, produtor espontneo de tudo, e nada faz, seno , assim como tudo que existe pode apenas existir.O conceito de Tao muito antigo e tem suas origens incertas e mticas, tais quais as origens da obra em anlise. O Tao Te Ching, na traduo livre mais comum de Livro do Caminho e da Virtude, tem seus primeiros registros entre 350 e 250 a.C., embora sua real data de escrita seja indeterminada na historiografia. Sua suposta autoria se d figura lendria de Lao Tzu ( ), cercada de histrias que o exaltam como um grande sbio, tais quais no cabe aqui dissertar a respeito. O fato que esta obra fundamental parte da literatura tradicional chinesa, ponto de encontro com algumas das principais correntes filosficas orientais e , por fim, uma das obras mais traduzidas no mundo.O livro composto por 81 pequenos captulos sem nenhuma ligao aparente, e escritos numa linguagem considerada hermtica, o que lhe deu um carter de ampla interpretao cultural ao longo dos tempos. No h consenso, at hoje, a respeito de seu real contedo como mensagem concreta ao momento de sua escrita, e ,por isso, j foi considerado manual de governo, guia militar, tratado filosfico, livro sagrado, entre outras proposies que tomou at o presente. Seu tema principal, no entanto, se foca em etapas para se alcanar o Curso (Tao) e o Poder (Te). O caminhar do Tao se julga simples como a intuio natural humana, quando se limita apenas a esta naturalidade. Qualquer influncia de nossos desejos e absoro de falsa sabedoria deve ser abandonada para que se atinja o curso natural. E o poder ser encontrado atravs da no busca pelo poder, pois apenas pelo curso natural se tem o real poder.

no estudodia a dia se cresce no cursodia a dia se descresce

descrescendo a mais descrescerchega-se ao no-atuar

no atuando nada fica por atuar

conquista-se o mundo sempre por no ter afazeresbastam afazeres que no se conquista o mundo(Captulo XLVIII)

O Tao HistricoConforme dito anteriormente, a abrangncia da obra Tao Te Ching fez com que o conceito invadisse todos os setores culturais chineses, fosse em relao s filosofias que surgiriam a seguir, fosse em relao s razes mticas identitrias j constitudas. A corrente taosta, que engoliu e foi engolida por vrias outras correntes, possuiu, e possui at os dias atuais, um crater tanto filosfico quanto religioso.Tambm conhecido como Daosmo, se expandiu realmente apenas no sculo II d.C, ao final da dinastia Han, quando o mestre Zhang Daoling declarou haver recebido revelaes diretas do lendrio Lao Tzu e fundou o movimento Tianshidao (O Caminho dos Mestres Celestiais, em traduo livre). As supostas revelaes teriam vindo com o intuito de substituir os cultos populares da poca, considerados corrompidos. Tal doutrina transformou-se no credo oficial da dinastia Wei (386-534), sucessora da Han, e assim a filosofia taosta tornou-se o mais prximo que podemos chamar no Ocidente de religio. Durante o sculo VI, no perodo da reunificao da China nas dinastias Sui e Tang, o taosmo se expandiu por todo o imprio e passou a conviver com outras crenas e filosofias, como o budismo e at mesmo o nestorianismo, vindo de Constantinopla. O taosmo estendeu seus braos at mesmo para o distante passado chins, com as ideias do I Ching (Livro das Mutaes, em traduo mais comum) presentes em seu mistiscismo. A cosmologia apresentada no I Ching serviu como base de reforo de paradoxia que o Tao (curso) dava coeso. Por tais princpios tudo se transformaria continuamente em seu oposto. Nos trigramas do I Ching, os kouas, as linhas Yang, contnuas, transformam-se em Yin, partidas, podendo um trigrama ou hexagrama demonstrar sua tendncia a se transformar no outro. Nesta mitologia, digamos que, antes de tudo, havia o Tao, e este se diferenciou, dando origem a Yin e Yang, dimenses opostas e distintas. Yin era pesado e por isso descendeu para dar origem Terra. Yang, em sua leveza ascendeu e deu origem ao Cu. Entre estes dois princpios surgiu o homem, considerado o terceiro elemento desta trade. Os dois opostos tm ainda muitas outras determinaes, como o Yin representando a morte, a lua e a noite; e Yang a vida, o sol e o dia. Este dois princpios esto em tudo que existe e um contm em si a semente do outro, como no clssico signo taosta do Tai Chi, j amplamente divulgado nos dias de hoje. Ambos se determinam e co-existem numa relao dialtica que quase nos lembra Hegel, de forma em que eles se opem, mas no se contradizem necessariamente bem pelo contrrio, eles existem e no existem um para o outro, simultaneamente, garantidos pelo equilbrio do Tao. Portanto, o curso natural o de no tentar conhecer um ou outro, mas sim estar suspenso neste caminho onde um o outro, e ambos se apresentaro a voc em sintonia.

sob o cu conhecer-se o que faz o belo beloeis o feio! conhecer-se o que faz o bom bomeis o no bom!

portanto o imanifesto e o manifestconsurgem o fcil e o difcilconfluem o longo e o curtocondizem o alto e o baixoconvergem o som e a vozconcordam o anverso e o reversocoincidem (Captulo II)

O Taosmo contemporneo

Os customes e ensinamentos taostas podem variar, de acordo com a escola. Mas, no geral, a ao atravs da no-ao, o curso espontneo e natural, e a compaixo, moderao e humildade para o alcance do Tao so as referncias mais comuns. O taosmo teve uma influncia profunda na cultura chinesa no decorrer dos sculos. Aalquimia chinesa, aastrologia, o zen-budismo, as diversasartes marciais, amedicina tradicional e ofeng shuitm suas histrias entrelaadas com a do taosmo. Alm da China em si, o taosmo teve grande influncia nas sociedades doleste da sia. A literatura do taosmo cresceu e passou a ser compilada na forma de umcnone- oDaozang. A corrente foi ainda, por diversas vezes, decretada areligio do Estado chins.Com a Revoluo Cultural na China, no sculo XX, idelogos dopartido comunista chinsexecraram por dcadas a filosofia chinesa, apoiando omarxismoe o pensamento deMao Ts Tung, sobretudo o expresso no Livro Vermelho. As correntes taostas e confucionista, at ento influentes em todo o pas, foram forosamente descartados pelo governo. Omaosmo,tambm chamado demarxismo-leninismo-maosmo, foi uma corrente comunistabaseada nas doutrinas de Mao Tse Tung, que perdurou at 1976. No entanto, atravs das reformas iniciadas porDeng Xiaopingem1978, a definio e o papel da ideologia de Mao Tse Tung na China mudou de modo radical e tem hoje um papel meramente decorativo.Tal como todas as outras atividades religiosas, o taosmo foi perseguido durante a Revoluo CulturaldeMao Ts-Tung, embora tenha continuado a ser praticado livremente emTaiwan. Hoje em dia, uma dascinco religies reconhecidas pelo Estado, e, embora no costume ser compreendida com facilidade longe de suas razes asiticas, tem seguidores em diversas sociedades ao redor do mundo.

BibliografiaSPROVIERO, Mrio Bruno. Tao Te Ching - Lao Tzu. SP: Hedra, 2002.CHENG, Anne. Histria do pensamento chins. RJ: Vozes, 2008.WILHELM, Richard. I Ching - O Livro das Mutaes. SP: Pensamento, 2013.CHERNG, Wu Jyh. Iniciao ao Taosmo. SP: Mauad, 2006.