Anatrella - Vida Psíquica e Espiritual

3
ANATRELLA VIDA PSÍQUICA E VIDA ESPIRITUAL

description

Anatrella - Vida Psíquica e Espiritual

Transcript of Anatrella - Vida Psíquica e Espiritual

Page 1: Anatrella - Vida Psíquica e Espiritual

ANATRELLA

VIDA PSÍQUICA

E VIDA

ESPIRITUAL

Page 2: Anatrella - Vida Psíquica e Espiritual

Segundo Tony Anatrella, vida psíquica e vida espiritual são

frequentemente confundidas enquanto elas representam duas realidades

distintas vivenciadas na unidade da pessoa humana1. Para os cristãos, a vida

espiritual é um espaço onde se engaja o diálogo com Deus. A vida espiritual

provem assim da ação do espírito de Deus, o Espírito Santo, na interioridade

da pessoa. Onde se situaria o debate entre vida psicológica e vida espiritual?

Como se apresenta a confusão entre o espiritual e o psicológico? Como viver

essas duas economias para concorrer à unificação da pessoa?

A vida psíquica repousa sobre a história subjetiva da pessoa, a

organização de suas representações mentais da vida pulsional e das estruturas

internas que se estruturaram durante a infância e que foram remanejadas

durante a adolescência. A vida espiritual deve ser considerada de um modo

diferente. Ela depende da vida psíquica, mas desenvolvendo uma outra

economia.

“Ela é o lugar onde se constrói a relação com Deus para que, numa perspectiva cristã, se possa crer, esperar e amar segundo a palavra do Evangelho.(...) A vida espiritual é assim o resultado de um diálogo entre Deus e o homem sobre a base de uma palavra que humaniza o homem na „humanidade de Deus‟ através o Cristo.”2

O homem é considerado como um pecador chamado à conversão e

não simplesmente um ser cheio de feridas interiores que precisa ser curado.

Passamos da concepção de um ser humano vitima da existência para a visão

de um homem pecador, chamado à liberdade e à responsabilidade do seu

consentimento à vida. Assim, as leis da vida psíquica não se confundem com

as lógicas da vida espiritual.

A vida psíquica é o resultado de uma história subjetiva e depende do

modo pelo qual o sujeito conseguiu tratar as diferentes fases do seu

desenvolvimento. Ela não corresponde simplesmente a uma réplica e a uma

simples influencia do ambiente, mas ao modo pelo qual o sujeito vai interiorizar

o que vem de fora, como ele vai elaborar e como ele vai organizar-se

interiormente fazendo frente à sua vida pulsional. A vida psíquica é o palco de

conflitos e de remanejamentos que nem sempre são claramente identificados.

1 ANATRELLA, Tony, Vie psychique et vie spirituelle: une distinction nécessaire pour mieux

unir, em DUMONT, Jean-Noël (org), Vie spirituelle et psychologie, colloque interdisciplinaire, Lyon, Le Collège Supérieur, 2003 2 Ibid., p. 73. A tradução é nossa.

Page 3: Anatrella - Vida Psíquica e Espiritual

A vida espiritual do crente é o espaço onde se desenvolve a vida

sobrenatural em resposta ao chamado evangélico e ao dom da graça. É assim

a expressão da presença de Deus no homem a partir dos objetos da fé e da

operacionalização dos valores evangélicos na realidade do mundo. Ela se

expressa a partir de formas de espiritualidade diferentes, mas não poderia ser

confundida com a vida da inteligência. O homem realiza-se abrindo-se para a

vida de Deus. A graça sustenta a vida espiritual e permite seu

desenvolvimento. A vida espiritual envolve e inspira a pessoa, no seu ser e nas

suas condutas: é portanto fonte de libertação e favorece o amadurecimento de

cada um. No diálogo interior com Deus, é possível de trabalhar na reflexão e na

oração para remanejar as representações de si mesmo e de Deus.

Privilegiando somente o aspecto psíquico, corre se o risco de chegar

a uma redução do sujeito unicamente às próprias percepções mentais. Assim,

a verdade subjetiva, mais precisamente o que o sujeito ressente, assume maior

importância do que as verdades objetivas, quer dizer realidades e dimensões

que não dependem do sujeito. O sujeito tornando-se rei, objeto e fim de tudo, e

desligado de sua dimensão comunitária e espiritual, acha mais facilmente no

discurso psicológico como explicar suas condutas e seus tormentos,

negligenciando de interrogar-se sobre si mesmo e de avaliar moralmente seus

atos. O psicologismo exagerado pode criar uma “espiritualidade leiga” fundada

na busca da confiança em si. O bem estar acaba substituindo a felicidade.

Se a vida espiritual interage evidentemente com a vida psíquica, ela

não é redutível a essa última. Ela acrescenta uma dimensão a partir da qual o

individuo vai viver e elaborar sua existência. Isso implica uma relação pessoal

com Deus e uma inteligência da fé, quer dizer do seu conteúdo racional.

Traduz-se por ritos e uma moral para orientar os próprios atos. A experiência

cristã vai oferecer um sistema simbólico a partir do qual a vida psíquica poderá

operacionalizar-se através e além das tarefas internas. Isso não significa

querer evangelizar o inconsciente que constitui um dado de base da vida

psíquica e que não é modificável. A estrutura que favorece a unidade da

personalidade corresponde ao Eu do sujeito. É ele que precisará trabalhar em

cima do controle e da expressão, entre outras coisas, da sua vida pulsional. Se

o inconsciente estiver na base da economia da vida psíquica, cabe ao Eu de

integrar suas várias manifestações.