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    8 a 11 de outubro de 2007Universidade Estadual do MaranhoSo Lus/MA

    A INFERNAL GENTE: fluidez cultural e coao estatal nas revoltas dos

    ndios da Pedra Branca do sculo XIX

    Andr de Almeida Rego

    (mestrando em Histria Social pela UFBA)

    Resumo:As revoltas dos ndios kiriri-sapui da aldeia de Pedra Branca (regiocentral da Bahia), nas dcadas de 1840-1850, revelam a necessidade de seolhar para a histria com um enfoque renovado e atento s questes surgidasno seio das discusses/reflexes hodiernas da historiografia. Com efeito, Oexame atento das fontes consentneas queles levantes deixa transparecerquatro dimenses: a) a lgica dos interesses dos prprios ndios; b) o carterhbrido da cultura dos kiriri-sapui, o que de alguma forma lhes proporcionava

    um poder de barganha dentro de um ambiente cuja denominao poderia sertaxada como de ambiente de contato, c) o processo to crucial quantodiversas vezes negligenciado das escolhas culturais e d) a relaoestabelecida entre o poder poltico oficial e os revoltosos em questo.

    Corpo do trabalho

    Atualmente h uma considervel preocupao por parte dos

    historiadores no que toca a uma abordagem que abarque o ngulo daqueles

    que, at ento, eram considerados como os excludos da histria. As

    abordagens fundamentadas no materialismo histrico conquanto tenham

    trazido enormes contribuies criaram o vezo em alguns historiadores no

    sentido de considerar os indivduos ou grupos situados na parte de baixo da

    sociedade praticamente como marionetes merc do guante das chamadas

    classes socialmente privilegiadas. No que inexistam estruturas e relaes de

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    poder, todavia h que se levar em considerao os mecanismos de resistnciase as estratgias de embate quanto a uma situao supostamente imposta. Tais

    instrumentos que, a todo instante, so utilizados pelas personagens

    histricas, independentemente da altura cronolgica devolvem s chamadas

    classes ou grupos subalternos a condio de sujeitos histricos. Estes so a

    partir do prisma da historiografia mais atual vistos menos como uma massa

    quase amorfa, a cuja manipulao se pode facilmente proceder, do que como

    indivduos que, no obstante as estruturas estabelecidas, buscam jogar o jogoe, na medida do possvel, estabelecer suas vontades.

    Este enfoque nitidamente perceptvel nas discusses propostas por

    Carlo Ginzburg. Tal historiador busca mostrar como, atravs de uma

    abordagem madura em relao s fontes, possvel dar voz, nem que seja de

    forma parcial, a indivduos at ento tratados como entidades passivas dentro

    do processo histrico. neste sentido que se intenta tambm obter ou alcanar

    as vozes e os interesses dos ndios da Pedra Branca, uma busca que, conforme

    foi demonstrado por Ginzburg em obra denominada de O Inquisidor como

    Antroplogo (1989), perfeitamente possvel. Deste modo, uma fonte

    considerada oficial, tal e qual uma missiva perpetrada por um juiz de paz ao

    seu superior (que, no sculo referente ao objeto de estudo em questo,

    provavelmente era o presidente da provncia), torna-se reveladora desta

    histria vista de baixo. Para tanto, necessrio considerar as condies de

    produo daquele documento, bem como os mecanismos e interesses que

    subjazem naquele discurso. Tal procedimento que se pode realizar baseado

    nos escritos de Michel Foucault serve para toda e qualquer fonte histrica.

    Neste sentido, possvel perceber atravs de fontes da seo judiciria do

    APEB (Arquivo Pblico do Estado da Bahia) os ndios da Pedra Branca jogando e

    se aliando ora com autoridades do imprio juzes de paz, delegados,

    subdelegados ... ora com grupos de pessoas consideradas da mais baixa

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    estirpe (como negros escravos e livres, mulatos, mestios e cabras)1

    . Isto oque se pode inferir quando do exame de documentos tais e quais o que se

    segue, uma missiva do juiz de paz Antnio Pricles de Souza Io, escrita em 14

    de fevereiro de 1847, a respeito do envolvimento dos ndios da Pedra Branca

    liderados por Joo Francisco Flix Baetinga com o subdelegado local:

    [...] com o apoio do subdelegado Joo Jos Sampaio, de SoMiguel e do juiz municipal de Nazareth; [...] tendo segundo

    consta ali entrevistas com Baetinga; [...] e j obtendo peloBaetinga uma representao Assemblia Provincial, dospovos do Ribeiro que obrigados migraro, para sedesmembrarem daqui para So Miguel, por assim milhor poderter aquelles ndios para execuo de seos intentos.2

    Um documento de extrema validade so os autos de julgamento e

    apelao de Joo Baetinga, em cujas pginas se revelam detalhes sobre a

    atuao e a priso de dezenas daqueles ndios. Em uma determinada altura

    daquele documento, torna-se ntida uma verdadeira rede de alianas entre

    ndios e uma srie de indivduos situados nas camadas menos favorecidas

    daquele corpo social3.

    1 Srie Apelao, nome: Joo Francisco Flix Baetinga/ Vtima: a Justia, estante 25 caixa 889 ano inicial: 1857, ano final: 1857. Trata-se dos autos de apelao do julgamento do ndioJoo Francisco Flix Baetinga, que - por muito tempo foi uma liderana indgena insurreta.

    Anexos aos autos de apelao, encontram-se os autos de acusao e do julgamento que geroua condenao de Baetinga e outras dezenas de ndios, mulatos e mestios. Alm de revelardiversos aspectos sobre as revoltas perpetradas pelos ndios da Pedra Branca, este documento valioso para a investigao dos eventos sob o prisma indgena (contribuindo assim paracoloc-los na condio de sujeitos histricos), na medida em que contm confisses de JooBaetinga e de outros envolvidos e suspeitos, alm de muitas testemunhas.2 Correspondncia recebida pela Presidncia da Provncia e perpetrada pelo juiz municipal da

    Vila de Nossa Senhora de Tapera, Antnio Pricles de Souza Ic, com data de 14 de fevereirode 1847. Seo de arquivos coloniais e provinciais: 1a parte, srie justia correspondncia

    recebida de juzes srie de documentos nmero 2614 (Tapera 1834-1888).3 Srie Apelao, nome: Joo Francisco Flix Baetinga/ Vtima: a Justia, estante 25 caixa 889 ano inicial: 1857, ano final: 1857.

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    Esta aliana suscitar nas autoridades e nos grupos sociaisrespeitveis daquela regio consideraes e aluses pejorativas4 em relao

    aos kiriri-sapui, o que gradativamente descambar num discurso cada vez

    mais cristalizado de negao da indianidade aos habitantes da aldeia de Pedra

    Branca5. Por trs deste discurso, subjazem duas lgicas: negar o direito daquele

    grupo poro de terra que abrangia a aldeia e o entorno (a legislao da

    poca prescrevia uma reserva de terras para cada aldeia indgena) e a

    percepo de que o ser ndio necessariamente advinha de determinadascaractersticas perenes (danar, rezar, cantar, agir de forma tipicamente

    indgena). Este entendimento fundamentado na noo de que a cultura e a raa

    so elementos estanques motivou declaraes de autoridades na direo de

    associar a aldeia de Pedra Branca como um antro de ladres, criminosos, de

    facinorosos sujeitos e de gente infernal6.

    A abordagem referente atuao dos ndios da Pedra Branca

    empurra o pesquisador numa senda delicada e complexa: o hibridismo cultural.

    Um exame, ainda que apressado, das fontes judicirias, policiais ou legislativas

    mostra que os seres em questo j h muito tempo perderam muitas daquelas

    caractersticas que marcam para a concepo mais em voga na poca o ser

    ndio. A prpria zona de contato era um motivador considervel para que os

    kiriri-sapui se tisnassem com a tinta do mescla cultural. Os mesmos ndios que

    faziam aliana jusante e montante (o que j denuncia o carter hbrido da

    cultura dos seres em xeque) tambm se imiscuam em querelas entre

    4 Carta do Segundo Suplente de Juiz Municipal Manoel Oliveira Guedes ao Presidente daProvncia, ms, 08 de janeiro de 1853. Seo de Arquivos Coloniais e Provinciais: 1a parte/ srie

    justia (correspondncias recebidas de juzes). Srie de documentos nmero 2614 (Tapera1834-1888), APEB.5 Carta do Primeiro Suplente de Juiz Municipal Antnio Pricles de Souza Ic Presidnciada Provncia, ms, 04 de janeiro de 1853. Seo de arquivos coloniais e provinciais: 1 a parte,srie justia correspondncia recebida de juzes srie de documentos nmero 2614 (Tapera1834-1888).6

    Correspondncia recebida pela Presidncia da Provncia e perpetrada pelo juiz municipal daVila de Nossa Senhora de Tapera, Antnio Pricles de Souza Ic, com data de 14 de fevereirode 1847. Op. Cit.

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    fazendeiros e outros grupos no-ndios7

    . por isto tambm que se percebemos revoltosos utilizando as eleies para o cargo de representante dos ndios

    como ponto de partida para alguns levantes8.

    A ateno de quem vai se enveredando nas evidncias que

    testemunham os eventos daquela poca vai se direcionando cada vez mais na

    inteno de entender como e com que intensidade Baetinga e sua cabilda fluem

    nesta zona de contato. A concluso a que se vai chegando que a opo pelo

    hibridismo coaduna-se com uma estratgia de melhor sobrevivncia naquelelcus. como se ser fluido e hbrido desse um poder de barganha muito maior

    ao caboclo e seu squito9.

    Outra importante dimenso a ser considerada aquela coetnea aos

    processos de escolhas culturais. O hibridismo a que foi aludido no pargrafo

    acima se compagina com esta dinmica. As estratgias de luta e os smbolos

    utilizados pelos kiriri-sapui daquela altura cronolgica dizem respeito a

    processos de re-significao das identidades culturais. Constatar esta fluidez

    cultural requer levar em considerao as discusses mais atuais acerca das

    identidades sociais. De fato, os ndios da Pedra Branca so uma prova ntida e

    clara de que as fronteiras tnicas, como to bem ressaltou Fredrik Barth , so

    fludas e contingenciais, sendo construdas e reconstrudas em ambientes onde

    vigoram o situacionismo e o transacionismo. Outra noo trabalhada por este

    7 Srie Apelao, nome: Joo Francisco Flix Baetinga/ Vtima: a Justia ...8 Carta do Juiz de Paz da Vila de Pedra Branca, Jos Henriques dos Santos, Presidncia daProvncia, com data de 23 de abril de 1834. APEB, Seo de Arquivos Coloniais e Provinciais/ 1aparte, srie justia correspondncia recebida de juzes mao 2530 (Pedra Branca, 1834-1889) e Carta do Juiz Municipal interino Francisco Guedes ao Presidente da Provncia, ms, 19de abril de 1834. Seo de Arquivos Coloniais e Provinciais: 1a parte/ srie justia(correspondncias recebidas de juzes). Srie de documentos nmero 2614 (Tapera 1834-1888), APEB.9 Carta do Juiz de Paz da Vila de Pedra Branca, Jos Henriques dos Santos, Presidncia daProvncia, com data de 23 de abril de 1834. APEB, Seo de Arquivos Coloniais e Provinciais/ 1aparte, srie justia correspondncia recebida de juzes mao 2530 (Pedra Branca, 1834-1889) e Carta do Juiz Municipal interino Francisco Guedes ao Presidente da Provncia, ms, 19

    de abril de 1834. Seo de Arquivos Coloniais e Provinciais: 1a

    parte/ srie justia(correspondncias recebidas de juzes). Srie de documentos nmero 2614 (Tapera 1834-1888), APEB.

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    autor a de que, fronteiras tnicas so mantidas mesmo em ambiente ousistemas de carter globalizante (sistemas marcados pelos intensos contatos e

    intercmbios culturais). Isto era o que se punha como configurao naquele

    lcus em que se situavam e agiam Baetinga e seu grupo. Conquanto se tenham

    pintando com cores de outros grupos tnicos seja tomando parte das

    disputas polticas locais, seja se aliando a grupos aliengenas os ndios da

    Pedra Branca estavam, a todo momento, afirmando sua indianidade, uma

    indianidade fluda e reelaborada, uma forma de identificao que s a poucotempo fora percebida pelas cincias sociais, o que gerou a concepo

    construcionista de abordagem das questes de identidades.

    Pesquisando assentamentos indgenas no Rio de Janeiro Colonial, a

    autora Maria Regina Celestino de Almeida identifica no processo de

    transmutao da cultura indgena a partir do contato com outras culturas (no

    caso, a colonial) um elemento chave para entendimento das relaes que se

    estabeleceram entre os grupos daquele perodo. O que Maria Celestino traz de

    novo a concepo de fluidez cultural do ndio. H, desta forma, a quebra da

    dualidade entre mundo dos brancos e mundo dos ndios, o que faz com que

    as relaes de contato e as mudanas culturais vividas pelas populaes

    indgenas deix[em] de ser vistas simplesmente como aculturao ou dualidade

    cultural(ALMEIDA, 2003, p. 190). Apropriando-se de elementos sociais,

    polticos e culturais aliengenas, o ndio ia tecendo uma cadeia de relaes

    sociais que perpassava exploradores e explorados. Esta metamorfose

    necessria para a sobrevivncia do grupo assentado. Sobre este novo enfoque

    dado ao papel histrico do ndio a prpria autora reflete:

    A idia de processo para compreenso das mudanas pelasquais passam os grupos indgenas em contato com associedades ocidentais tem sido especialmente valorizada nosltimos anos, enfatizando-se as amplas possibilidades dessesgrupos para recriarem seus valores, tradies, culturas,histrias e identidades. (ALMEIDA, 2003, p. 191).

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    Toda esta reflexo suscitada pela anlise dos eventos ocorridos naPedra Branca e no seu entorno entre as dcadas de 1840-1850 remete o

    pesquisador para um dilogo com as discusses mais atuais das cincias sociais

    acerca da questo das identidades. Mais especificamente, faz-se mister ajustar

    a viso histrica, tomando como base o prisma construcionista das fronteiras

    sociais. Opondo-se ao que se chama de abordagem essencialista das

    identidades, o giro construcionista no se refere a uma escola ou movimento

    especfico, mas a uma mudana perpetrada por alguns autores na direo deenfatizar a teoria da organizao social, da construo das identidades e de

    seus significados. O que define o construcionismo justamente o seu

    questionamento ao essencialismo. Este, son tour, pode enveredar-se por duas

    sendas: a posio ontolgica, que coloca as identidades como algo inerente a

    um determinado grupo, independentemente da historicidade (ora privilegiando

    o fator biolgico, ora enfatizando uma cultura olhada sob o prisma da rigidez e

    da cristalizao, ora ressaltando o vis teleolgico) e a posio reducionista,

    que considera as identidades como mero reflexo de posies ocupadas num

    todo social (uma posio, por diversas vezes, tomada por escritores de linha

    marxista):

    Una posicin constructivista cuestionara estas dos formasesencialistas de entender la etnicidad. Antes que suponer unser-esencial-compartido, una lectura constructivista historiza,

    eventualiza y desnaturaliza este supuesto a travs de anlisis,no solo de las narrativas y prcticas de la etnicidad esgrimidaspor quienes se representan como miembros del grupo tnico,sino tambin las de los acadmicos, funcionarios estatales, deONG, etc., como mediadores en la consolidacin/disputa de lasmismas. (RESTREPO, 2004, p. 231).

    Ao renunciar referncia a um ser biolgico e cultural irredutvel

    como explicao para a existncia dos grupos e identidades tnicas, o

    construtivismo se pergunta pelos especficos e localizados processos discursivose no discursivos da produo da diferena tnica (RESTREPO, P 231). O

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    construcionismo como tal demanda uma nova forma de abordagem em relaos personagens histricas: sob seu prisma, mais nfase dada ao papel dos

    indivduos enquanto sujeitos histricos, uma vez que se ressalta os processos

    de significao/re-significao, construo/reconstruo das identidades e da

    cultura. Em outras palavras, as gentes no esto irrevogvel e indelevelmente

    inscritas com idias que elas deveriampensar; a poltica que elas deveriamter

    no est impressa j, como se existissem em seu gene social (HALL Apud

    RESTREPO, 2004, p. 232).O enfoque construcionista se coaduna com o que John Monteiro faz

    de reflexo sobre o papel do ndio na construo de sua histria e sobre a

    necessidade de que a historiografia se paute como at pouco tempo atrs

    no vinha procedendo chaque fois davantagedans cette nouveau abordage.

    Esse autor esclarece que, apesar de fundamentada em algumas verdades, a

    crnica da destruio e do despovoamento j no mais aceitvel para explicar

    a trajetria dos povos indgenas nestas terras. E conclui enfatizando a

    importncia de se enxergar o ndio como ser mesclado, criticando as anlises

    que omitem as mltiplas experincias de elaborao e reformulao de

    identidades que se apresentaram como respostas criativas s pesadas situaes

    historicamente novas de contato, contgio e subordinao (MONTEIRO, 2001,

    P. 62). O arremate de Monteiro pode ser expresso na citao ulterior:

    Diante de condies crescentemente desfavorveis, aslideranas nativas [e os ndios em geral] esboavam respostasdas mais variadas, freqentemente lanando mo deinstrumentos introduzidos pelos colonizadores [seja no BrasilColnia, seja no Brasil Imprio]. A resistncia, neste sentido,no se limitava ao apego ferrenho s tradies pr-coloniais [epr-contato], mas, antes, ganhava fora e sentido com aabertura para a inovao. (MONTEIRO, 2001, p. 75. Osacrscimos em colchete so do produtor deste trabalho)

    O tratamento para com as revoltas dos ndios da Pedra Branca do

    sculo XIX, objeto de estudo aqui proposto, assim como qualquer outro tipo de

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    abordagem de eventos histricos, deve se pautar tambm numa concepomais atenta aos mecanismos de troca e de fluidez cultural. Esta advertncia j

    perpetrada por autores como Serge Gruzisnki (o artigo Les Mondes Mls de

    La Monarchie Catholique et Autres Connected Histories, escrito para a revista

    Annalesem 2001) e Roger Chartier, que vo jogar com o conceito de histria

    conectada (connected histories), uma aluso ao processo j incidente na Idade

    Moderna de intercmbio cultural (trazendo no seu bojo aspectos como

    significao e reconstruo), ou mesmo Paul Gilroy, que, atravs da sua anlisesobre a idia de trocas culturais no ambiente que ser intitulado por ele como

    atlntico negro(GILROY, 2001), clarificar quo importante a no-negligncia

    em relao aos mecanismos de reelaborao dos smbolos, conceitos e

    fronteiras sociais, mecanismos estes que recebero de Gilroy a alcunha de

    dispora, uma vez que para ele a expresso apresenta maior grau de

    verossimilhana ou de vinculao com a realidade.

    Esta fluidez cultural da zona de contato da Pedra Branca deve ser

    vista na sua relao com o poder poltico oficial. Mais especificamente, preciso

    verificar que havia um projeto de assimilao dos grupos indgenas sociedade

    nacional. Tornar os ndios sditos do imprio era o mote do governo, enquanto

    que o aproveitamento mais racional das terras das aldeias se constitua como

    uma prioridade para o desenvolvimento nacional. Alm disto, pulula nos

    documentos consentneos a viso do ndio como incapaz de administrar sua

    prpria vida, o que abria espao para a concepo e atuao do poder tutelar

    do estado. A aldeia em questo situava-se em uma zona crucial para o

    desenvolvimento econmico da Bahia. No por acaso que a atuao e as

    estratgias (muitas vezes bem sucedidas) de alianas e de barganha dos kiriri-

    sapui da Pedra Branca causavam tanta preocupao e geraram tanta

    repercusso na provncia.

    Por fim, uma ltima referncia deve ser feita: tudo aquilo que foi

    detectado por autores como Zygmunt Bauman (2005), com sua aluso fase

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    lquido-moderna da histria, Kathryn Woodward (2000), com sua crtica binaridade at ento utilizada para definir ou classificar os grupos sociais (o que

    de certa forma escamoteia o carter hbrido de muitos indivduos ou conjuntos

    de indivduos) e Ali Rattansi (1996), na sua aluso estrutura ps-moderna

    (postmodern framework) uma abordagem que floresce no ps-Guerra Fria e

    que se preocupa em analisar as identidades como algo mais fluido e resultante

    dos processos de forjamento cultural; ou seja tudo, aquilo que comeou a ser

    percebido a partir da imploso de algumas referncias tericas e sociais pode,ou melhor, deveservir de base para uma releitura da histria. No s na ps-

    modernidade que os sujeitos operam um constante conflito entre conforme

    analisou Kwame Anthony Appiah (2000) para os Estados Unidos o script

    determinado pela sociedade (os rtulos) e os projetos individuais (ascription vs

    identification). Talvez a fase liquido-moderna da histria (a ps-modernidade)

    tenha desnudado isto e revelado de forma mais clara esta fluidez e dinmica da

    cultura e das fronteiras sociais. Mas a comparao e o dilogo que se posta de

    forma transversal e que liga a histria s outras cincias sociais converte em

    toque regular e percuciente uma determinada indagao: ser que esta

    angstia por no possuir uma identidade estvel e segura (a angstia a que

    Bauman como imigrante e exilado que tanto se refere) um apangio do

    Ps-Guerra Fria? Ser que a liquidez e a fluidez cultural dizem respeito apenas

    estrutura ps-moderna, caracterstica primordial desta fase hodierna?

    Certamente que no, e os ndios da Pedra Branca, em sua revolta contumaz

    neste ambiente hbrido, ambiente de contato, podem provar - juntamente com

    as advertncias que so efetuadas por autores como John Monteiro e Maria

    Celestino Almeida, citados anteriormente - que a fluidez, as passagens para o

    outro lado da fronteira e o constante restabelecimento dos limes sociais no

    dizem respeito apenas ao processo histrico de exilados, imigrantes, emigrantes

    e trnsfugas. Estes conflitos e movimentos ora latentes ora pungentes ora

    oculto ora agudamente visveis se do no quotidiano com uma freqncia

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    espantosa e em todas as alturas cronolgicas. Porquanto esta constatao setorne evidente, no se sabe o que de concreto e estvel h na histria. Em

    outras palavras, o que no seria lquido e fluido no complexo e mltiplo

    desenrolar da civilizao humana?

    Por outro lado esta constatao de que o hibridismo cultural uma

    constante na histria leva a uma reformulao daquela viso que se debruava

    sobre os mecanismos de coao e as esferas de poder. Com efeito, o estado

    mesmo um ser hbrido, e suas intervenes incidem tambm na direo dearregimentar e interferir em grupos social e culturalmente mesclados. Faltavam

    (e ainda faltam) abordagens que busquem interpretar esta relao entre poder

    poltico, suas estratgias de coao e de subjugao e os mecanismos de

    escolha cultural de um ou de vrios grupos abarcados por determinado corpo

    poltico. preciso, pois, procurar socializar este debate, a fim de que a difuso

    e as discusses possam derramar luzes de uma forma mais intensa sobre esta

    questo.

    REFERNCIAS

    ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses Indgenas: Identidade eCultura nas Aldeias Coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ArquivoNacional, 2003.

    APPIAH, Kwame Anthony. Racial Identity and Racial Identification. In: Back, L eSOLOMOS, J (eds.). Theories of Race and Racism. A Reader. London/ NewYork: Routhledge, 2000. p. 606-615.

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  • 7/22/2019 Andr - ndios paiai

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    IVSIMPSIO

    NACIONAL

    ESTADOEPODER:

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    8 a 11 de outubro de 2007Universidade Estadual do MaranhoSo Lus/MA

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