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André Ramos Tavares
André Ramos Tavares é Professor dos Programas de Doutorado e Mestrado em Direito da PUC/SP. É Livre-Docente em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da USP. É professor visitante na Cardozo School of Law e na Fordham University – ambas em New York.
É Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Consti-tucionais. É Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP (1998), Doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP (2000) e Livre-Docente pela Faculdade de Direito da USP (2004).
É ainda Professor Convidado da Universidade de Santiago de Compostela, Espanha, Diretor do Institu-to Brasileiro de Estudos Constitucionais (Presidência no triênio 2004-2006).
É coordenador da Revista Brasileira de Estudos Constitucionais, possuindo mais de 10 (dez) obras individu-ais publicadas, e tendo proferido palestras por todo o Brasil e em diversos países da Europa, África e América.
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A CONSTITUIçÃO ABERTA16Sumário
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES; 2. ABERTURA EPISTEMOLÓGICA DO Direito Constitucional; 2.1. Concepção de Constituição aberta e sua transdisciplinaridade; 2.2. Casuística; 3. CONCRETIZAÇÃO E INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAIS; 4. ABERTURA PELOS PRINCÍPIOS; Referências bibliográficas
1. Considerações preliminares
A discussão teórica acerca da abertura das constituições pode en-caminhar-se por distintas veredas. Assim, poderá ocupar-se: (i) da abertura hermenêutica da norma constitucional; (ii) da abertura normativa expressa ao Direito internacional e, no caso europeu, ao Direito comunitário; (iii) da abertu-ra ao concreto; (iv) da abertura epistemológica, e; (v) da abertura de conteúdo1. A postura hemenêutica, por seu turno, deverá passar pelo debate acerca da principiologia constitucional, dos “valores”, da “moral”, sua força e alcance.
O tema “A Constituição Aberta” é título de duas importantes obras no Brasil2 e constitui preocupação central do constitucionalismo contemporâ-neo, especialmente nas vertentes principiológica e anti-formalista, o que fica bem caracterizado nas obras de Peter Häberle e de Pablo lucas Verdu, para citar apenas dois expoentes que ocuparam-se especificamente desse tema.
1 Como lembra Jorge Miranda, “No século XX a Constituição em sentido material (...) perde a sua referência (ou referência necessária) a um conteúdo liberal” (Miranda, 2003: 20), “o conteúdo da Constituição se relativiza para estruturar qualquer regime político.” (Miranda, 2003: 27).2 “A Constituição Aberta” de Paulo Bonavides e “A Constituição Aberta e os Direitos Fundamentais” de Carlos Roberto Siqueira Castro.
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Uma das conseqüências do reconhecimento dessa abertura é a de elevar a ponto central do debate constitucional, hoje, as conhecidas correntes procedimentalistas e substancialistas (reducionismo que pretende agrupar teorias no mais das vezes diversas e diferenciar teorias que por vezes se apro-ximam) a propósito da discussão dos limites da Justiça Constitucional.
É preciso, contudo, tratar de evitar o esgarçamento das cons-tituições em defesa de um ideal de abertura, como ocorre a certas postu-ras do realismo jurídico norte-americano, muito próximas de admitirem a Constituição ela própria como mera abertura (justificando um ativismo da Justiça Constitucional em grau máximo).
O tema, portanto, é muito rico e, neste breve ensaio, será exclusi-vamente o de revelar e reforçar algumas dimensões dessa abertura.
2. Abertura epistemológica da constituição
No século XVIII, o Homem vai fixar-se como o centro das aten-ções, num antropocentrismo que não mais será superado. E como pilar do governo dos homens encontra-se a razão humana, razão esta que daria a esse mesmo século o nome de “a idade da razão”3.
Será sob este novo vetor (a razão) que as ciências evoluirão, e que auguste coMte (1990) dará nascimento à sua filosofia positiva, a qual mar-cará a História humana.
Em sua filosofia positiva, o estado teórico positivo suplanta o teológi-co e o metafísico. Há a preocupação com questões acessíveis ao sentido humano, passíveis de verificação. Ou seja, o sistema positivo de auguste coMte visa a res-tringir o objeto da perquirição humana àquilo que pode, de fato, ser verificável.
Com a Revolução Francesa tem lugar o movimento de codificação do Direito. O Jusnaturalismo e seu Direito natural, os costumes e todas as demais fontes do Direito até então reconhecidas são (eliminadas e) reduzidas à palavra escrita e codificada. O Direito passa a ter como única morada o Codex, com sua idéia de sitematização exaustiva (gilissen, 2001: 448).
Aquilo que dele for externo não será aceito, como se depreende das palavras de um dos idealizadores da Revolução Francesa, robesPierre: “Num Estado que tem Constituição e legislação, a jurisprudência dos tri-bunais não pode ser outra coisa senão a própria lei” (apud cunHa, intro-
3 A alcunha deriva de um texto de Thomas Paine, a saber, The Age of Reason.
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dução a Kelsen, 2003: IX).A bem da verdade, esta afirmação não é injustificada ou irracional:
“O positivismo jurídico, na verdade, não foi apenas uma tendên-
cia científica, mas também esteve ligado, inegavelmente, à neces-
sidade de segurança da sociedade burguesa. O período anterior
à Revolução Francesa caracterizara-se pelo enfraquecimento da
Justiça, mediante o arbítrio inconstante do poder de força, pro-
vocando a insegurança das decisões judiciárias. A primeira crí-
tica a esta situação veio do círculo dos pensadores iluministas.
A exigência de uma sistematização do Direito acabou por impor
aos juristas a valorização do preceito legal no julgamento de fa-
tos vitais decisivos.” (Ferraz Jr., 1980: 32).
Havia uma esperança, que era nitidamente utópica, quase que pue-ril. Pretendia-se com as codificações que, ao se possuir todas as leis escritas, o Direito fosse acessível (e objetivamente cognoscível). Conseqüentemente, não se demandaria nem tribunais nem advogados (Cf. gilissen, 2001: 450) ou, ainda, a tarefa destes seria eminentemente objetiva, alcançando-se o ideal da segurança jurídica. Desnecessária seria qualquer discussão sobre o espírito da lei (gilissen, 2001: 517) sobre a vontade do legislador, sobre a justiça dos comandos ou outras especulações por parte do operador do Direito.
Frise-se, também, que o conteúdo do Código francês (e das de-mais codificações, nele inspiradas) pautava-se nos ditames do Direito na-tural4, conforme se depreende do discurso de Portalis, um dos autores do Código Civil francês (Portalis, 1997: 53).
O Direito, assim como o Jusnaturalismo, evoluíram (o segundo chegou ao seu ápice), porquanto adquiriu o Direito um mínimo de certe-za quanto à existência e à sua aplicação. Porém, neste exato momento da Codificação, o Direito e o Jusnaturalismo sofreriam a sua queda. Sobre este ponto, observa guido Fassó:
“Com a promulgação dos códigos, principalmente do napoleônico,
4 Os quatro redatores responsáveis pela elaboração do Código, François Tronchet, Jean Portalis, Félix Bigot-Préameneu e Jacques de Malleville pautavam-se em diferentes ideologias. Enquanto Portalis e Malleville defendiam o sistema jurídico dos pays du droit écrit; Tronchet e Bigot-Prémaneu defendiam o sistema do pays du droit coutumier (Cf. Gilissen, 2001: 452). Desta amálgama ideológica, o direito natural não poderia resultar excluído.
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o Jusnaturalismo exauria a sua função no momento mesmo em que
celebrava o seu triunfo. Transposto o direito racional para o código,
não se via nem admitia outro direito senão este. O recurso a princí-
pios ou normas extrínsecos ao sistema de direito positivo foi consi-
derado ilegítimo. Negou-se até, tirante o código austríaco de 1811,
que se pudesse recorrer ao direito natural em caso de lacuna do
ordenamento jurídico positivo: triunfou o princípio, característico
do positivismo jurídico (ou seja, da posição oposta ao Jusnaturalis-
mo), de que para qualquer caso se pode encontrar solução dentro
do ordenamento jurídico do Estado.” (Fassó, 1986: 659).
Ou seja, com o positivismo, a lei se tornou a única fonte do Direito. Surge, então, o Estado legalista, cuja estrutura, seu reconhecimento, legitimi-dade, funcionamento e objetivos construíram-se em torno da idéia da supre-macia da lei formal escrita e de um Direito exclusivamente estatal.
Com efeito, o atuar das instituições estatais torna-se radicalmente atrelado a esta ideologia, segundo pode-se ver neste parecer formulado pelo Tribunal de Apelação de Rouen:
“Não há necessidade de reclamar, de provocar, por assim dizer,
as interpretações, os comentadores, a jurisprudência locais. Estes
flagelos destruidores da lei, que primeiro a debilitam, depois a
minam pouco a pouco e acabam por usurpar-lhe os direitos, rea-
pareceram até depressa demais. Ai de nós em relação à época em
que, como no passado, se buscará menos o que diz a lei do que
aquilo que se a faz a dizer! Onde a opinião de um homem... terá a
mesma autoridade que a lei! Quando um erro cometido por um e
sucessivamente adotado pelos outros, se converterá em verdade!
Quando uma série de preconceitos coletados pelos compiladores,
cegos ou servis, violentará a consciência dos juízes e sufocará a
voz do legislador.” (apud bobbio, 1995: 79). Modela-se todo o pensar/ensinar desta época aos contornos des-
ta nova ideologia. As escolas de direito, na França, submetem-se a um
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controle das autoridades políticas, “a fim de que fosse ensinado somente o direito positivo e se deixasse de lado as teorias gerais do direito e as con-cepções jusnaturalistas” (bobbio, 1995: 81).
Conseqüentemente, o jus se reduz a lex (Cf. Ferraz Jr., 2001: 24). O jurista se olvida do outrora importante jusnaturalismo e dos demais ramos do saber, conforme bem lembra louis assier-andrieu (2001: XVI). O Direito se fecha, ao menos na postura teórica vitoriosa.
Em síntese, o positivismo torna a ciência jurídica uma ciência unidisciplinar, uma vez que “a experimentação, a história, o direito com-parado, nada disto tem qualquer interesse para o jurista” (gilissen, 2001: 516); faz, ademais, com que fique fechada em si mesma, admiradora exclu-sivamente de sua própria imagem. Nesse mesmo sentido é o magistério de iVes gandra da silVa Martins:
“a influência do pensamento positivista e neopositivista na Ciência Ju-
rídica – no Brasil de hoje mais do que na Europa atual – faz-se sentir
de forma acentuada, ganhando o estudante em profundidade da lógica
discursiva o que perde na percepção universal da experiência humana
em sociedade.” (Martins, 1988, v. 1: 3). A indicação do que ocorre, nessa época, nas escolas de Direito
está na célebre afirmação de bugnet: “Não conheço o direito civil; apenas ensino o Code Napoleón” (Apud gilissen, 2001: 516).
Nesse ideal niilista, como se pode facilmente concluir, não há es-paço ou oportunidade para a integração de resultados provenientes de ou-tras ciências, nem tampouco para considerações sobre a realidade concreta a ser atingida pela normatividade abstrata. A busca do aperfeiçoamento da lei ou de sua aplicação (ao concreto) é indesejada por parte de seu cultor.
Numa conjuntura utilitarista e pragmática, na qual o que impor-ta é o resultado, não se pode perder tempo com outras questões, tais como as sociológicas, antropológicas, históricas e filosóficas. O que importa é o know-how técnico, atrelado à leitura legal:
“o direito passa a ser concebido como poiesis, uma atividade que
se exterioriza nas coisas externas ao agente (por exemplo, com
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madeira fabricar uma mesa) e que por isso exige técnica, isto é,
uma espécie de know-how, um saber-fazer, para que um resulta-
do seja obtido.” (Ferraz Jr., 2001: 75).
É assim que o objeto de estudo do jurista passa a restringir-se ao direito legislado, sua tarefa passa a ser atrelada exclusivamente à dogmática (Ferraz Jr., 2001: 78).
A rejeição aos outros ramos do saber pelo cultor do direito e, con-seqüentemente, o engessamento deste ramo como unidisciplinar estará re-presentado, com Kelsen, na Teoria Pura do Direito:
“Quando designa a si própria como ‘pura’ teoria do Direito, isto
significa que ela se propõe a garantir um conhecimento apenas
dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não
pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente,
determinar como Direito. Isto quer dizer que ela pretende libertar
a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse
é o seu princípio metodológico fundamental.” (Kelsen, 1987: 01).
Kelsen almeja realizar este processo de limpeza, porquanto, em sua mente, o cotejo com outras ciências torna obscura a ciência jurídica:
“De um lado inteiramente acrítico, a jurisprudência tem-se con-
fundido com a psicologia e a sociologia, com a ética e a teoria po-
lítica. Esta confusão pode porventura explicar-se pelo fato de es-
tas ciências se referirem a objetos que indubitavelmente têm uma
estreita conexão com o Direito. Quando a Teoria Pura empreende
delimitar o conhecimento do Direito em face destas disciplinas, fá-
lo não por ignorar ou, muito menos, por negar essa conexão, mas
porque intenta evitar um sincretismo metodológico que obscurece
a essência da ciência jurídica e dilui os limites que lhe são impos-
tos pela natureza do seu objeto.” (Kelsen, 1987: 01). Sobre a teoria de Kelsen, pontual e crítica é a análise de João baPtista
MacHado (1979:27), de que se trata apenas de uma construção lógico-formal.
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2.1. Concepção de constituição aberta e sua transdisciplinaridade
A era iniciada pelo Constitucionalismo demanda um maior co-nhecimento dos outros saberes, além do da simples letra do texto escrito. Ciente de que “Quem quer empenhar-se em compreender o lugar e o pa-pel do direito nas sociedades humanas não deve menosprezar nenhuma das dimensões precedentes” (assier-andrieu, 2001: XI), a Constituição e, por conseguinte, o Direito Constitucional, torna-se multidisciplinar. Como observou Paulo Ferreira da Cunha, os “Constitucionalistas serão, talvez, daqueles que mais imediatamente compreendem as pontes, os laços, as im-plicações interdisciplinares do seu saber” (cunHa, 2006: 79)
A abstração, aplicável à idéia de Constituição, servirá como pressu-posto de sua adaptabilidade, de sua evolução, tornando-a uma “Constituição viva”. Lembre-se que a nota da norma constitucional, em sua maioria, é a da principiologia, sem um conteúdo minimamente determinado.
Percebe-se, portanto, que é a abertura das normas constitucio-nais que possibilita a evolução do Texto Constitucional, o acompanha-mento do desenvolvimento da realidade, permitindo sua permanência, superando-se, assim, a mentalidade que se tinha acerca do sistema jurídi-co, como um sistema (cognitivamente) fechado, conforme vigorou no po-sitivismo formalista, em que predominava a infantil crença de que as leis constantes do Codex eram sempre aplicáveis a toda e qualquer situação, por mais nova, estranha ou rara que fosse.
A Constituição, ao contrário, embora aja como um instrumento de direção social, está aberta às mutações da sociedade. Chega a ser, como colocou cHarles beard: “aquilo que os homens e mulheres vivos pensam que ela é” (apud PadoVer, 1964: 57). Frise-se, aqui, a idéia de sujeitos homens e mulheres, e não os juristas, os especialistas. O todo e não a parte. Como colocado na conhecida tese de Peter Häberle: a sociedade aberta dos intér-pretes da Constituição, em sua concepção cultural da Constituição. E é essa dimensão cultural, nas palavras de Paulo Ferreira da Cunha, “a chave da interdisciplinaridade” (cunHa, 2006: 81).
Assim, a Constituição e a abertura de suas disposições permite que haja uma conjugação entre o real e o normativo, que finda por evitar que a Constituição e suas normas se tornem letra morta.
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E, nesta tarefa, todas as ciências que lidam com a realidade afigu-ram-se imprescindíveis:
“constitui requisito essencial da força normativa da Constituição
que ela leve em conta não só os elementos sociais, políticos, e eco-
nômicos dominantes, mas também que, principalmente, incorpo-
re o estado espiritual (geistige Situation) de seu tempo. Isso lhe há
de assegurar, enquanto ordem adequada e justa, o apoio e a defesa
da consciência geral.” (Hesse, 1991: 21).
Häberle vislumbra a “reserva de mercado” dos juristas e diagnos-tica, como solução, a integração das ciências sociais:
“Uma Constituição, que estrutura não apenas o Estado em sentido
estrito, mas também a própria esfera pública (Öffentlichkeit), dis-
pondo sobre a organização da própria sociedade e, diretamente,
sobre os setores da vida privada, não pode tratar as forças sociais
e privadas como meros objetos. Ela deve integrá-las ativamente
enquanto sujeitos.” (Häberle, 1997: 33).
Com efeito, o povo e a pluralidade que dele emerge não podem fi-car de fora da interpretação e evolução constitucional. Como partido político, como opinião científica, como grupo interessado ou, finalmente, como cida-dão (Cf. Häberle, 1997: 37), estarão presentes na materialização do Direito. Afinal, se assim não se considerar, corre-se o risco de a Constituição perder a sua força, segundo as palavras de Konrad Hesse: “se as leis culturais, so-ciais, políticas e econômicas imperantes são ignoradas pela Constituição, ca-rece ela do imprescindível germe de sua força vital. A disciplina normativa contrária a essas leis não logra concretizar-se.” (Hesse, 1991: 18).
Em conclusão, demanda-se, agora, que a visão constitucional se torne holística, integralizante, a qual, de seus diversos ângulos,
“permitan trabajar inter y transdisciplinariamente, posibiltando
de esta manera que el jurista descienda de ese paraíso de los con-
ceptos, del que irónicamente hablaba ya Ihering y piense, investi-
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gue y actúe em consonância y em relación con científicos y técni-
cos de otras disciplinas.” (grün, 1995: 24).
Afinal, conforme bem lembra louis andrieu-assieur:
“o direito é a um só tempo uma ciência social e uma expressão cultural.
Como princípio de organização, ele é uma técnica de governo.
Essa variedade de atribuições ou de propriedades reclama sabe-
res diferentes: da casuística à sociologia das organizações...” (an-
drieu-assieur, 2001: 15).
Embora a afirmação possa parecer óbvia, precisa-se repeti-la vez ou outra, sob o risco de as ciências jurídicas, principalmente no Brasil, ainda atrelada a um positivismo legalista, conforme se vê na prática diária, voltar-se ao seu retrógrado e prejudicial isolacionismo.
3. Concretização como abertura constitucional
Dentro desse contexto, de abertura das disposições constitucionais, impôs-se uma revisão das concepções sobre a hermenêutica jurídica. Nesse sentido, o termo “concretização” (Konkretisierung) tem sido utilizado por di-versos autores, especialmente na doutrina alemã, para sublinhar o sentido (implícito) de atualização (Hesse, 1992: 47-8) ou, ao menos, de uma abertura na compreensão dos textos normativos. Mas não é só. Também se tem afirma-do, com acerto, desde engiscH e seu estudo clássico, que o compreender a nor-ma só se torna adequado quando referido a (incluído) um problema concreto (Hesse, 1992: 42), o que leva bonaVides (1980: 323) a considera-lo um “proce-dimento tópico”. Assim, o compreender, nesses termos, o Direito, equivale a concretizá-lo. Os próprios critérios de aplicação da norma só são encontra-dos, relembrando, aqui, a expressão de engiscH, “por um constante ir-e-vir do olhar entre caso real e caso potencial e norma” (scHrotH, 2002: 393), o que vale com especial força para o âmbito constitucional (bonaVides, 1980: 323).
Assim, “o ponto de partida é sempre um ‘problema’ que se inscre-ve na existência do sujeito e que supõe a sua ‘pré-compreensão’ em relação tanto à ‘compreensão’ do ‘texto’ como do ‘problema’, dando lugar a uma es-
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trutura circular entre a realidade existencial e o texto a interpretar (: ‘círculo hermenêutico’)” (Queiroz, 2002: 178-9).
A concretização de que se fala aqui equivale a um processo comple-xo e amplo, que parte do texto da norma, com “a atribuição de um significado aos enunciados lingüísticos do texto constitucional” (canotilHo, 2003: 1215), mas que não se resume a essa atribuição, e nem pressupõe sua conclusão como uma primeira etapa isolada, pois também demanda “elementos de concretização relacionados com o problema carecido de decisão” (canotilHo, 2003: 1216). Percebe-se, pois, claramente, que o emprego da terminologia “concretização” tem procurado enfatizar uma abordagem não-convencio-nal do que seja a compreensão do Direito.
Tradicionalmente, a interpretação era compreendida apenas como a descoberta do sentido do texto normativo, teoria condensada na célebre crí-tica de geny (1932: 70) de um fétichisme de la loi écrite et codifiée. A seguir, con-tudo, admite-se que o processo interpretativo não é apenas cognitivo, mas fundamentalmente volitivo, criativo (Viola, zaccaria: 2001, 119). Passa-se a falar, conscientemente, em produção de norma (guastini, 2005: 28), em atri-buição (cf. bastos, 2002: 37) e não descoberta de um significado (pré-existente) do enunciado lingüístico. O teor literal do enunciado normativo constante da fonte formal é considerado apenas a “ponta do iceberg” (Müller, 2000: 53).
Sem ignorar este avanço, a idéia de concretização abre nova frente na elucidação do processo hermenêutico. Alguns autores, como Müller, pretendem ser a concretização um substituto ao próprio vocábulo e ve-lho ideal da interpretação. É, contudo, possível continuar a empregar o termo interpretação, desde que compreendido no seu sentido “moder-no”, de concretização, em oposição ao tradicional (cf. Queiroz, 2002: 182; taVares, 2005: 248). Surge, assim, na acepção de castanHeira neVes, uma “boa interpretação” como aquela que, “numa perspectiva prático-norma-tiva utiliza bem a norma como critério da justa decisão do problema concre-to” (castanHeira neVes, 1993: 84, original não grifado).
A partir da concretização (conceito moderno de interpretação), in-cluem-se, no processo de compreensão da norma, os fatos, como elementos inseparáveis desse mesmo processo (e da norma), e não apenas como um objeto sobre o qual se debruça ou em relação ao qual se reporta a disposição normativa (cf. Müller, 1989: 115). Ao falar da norma de decisão, a idéia de concretização envolve, num contexto de obrigatoriedade, o problema con-
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creto (real ou hipotético). Adota-se um “critério prático normativo adequa-do de decisão dos casos concretos” (castanHeira neVes, 1993: 84). O concreto passa a ser considerado como constitutivo da normatividade, parte inte-grante da norma de decisão (Müller, 2000: 33), indispensável para a com-preensão do Direito (nesse sentido também se posiciona grau, 2005: 25).
Resultado direto dessa teoria é a recusa da compreensão do Direito como um conjunto de soluções cabalmente pré-concebidas, de “decisões volun-taristas preexistentes” (Müller, 2000: 44) e auto-evidentes (cf. taVares, 2006: 61). “A concepção do ‘direito’ não ‘pré-existe’ ao acto de interpretar.” (Queiroz, 2000: 18). Aliás, a própria idéia, pressuposta na metódica clássica, de “derivar” um imperativo concreto a partir exclusivamente de um imperativo abstrato é “uma questão teoreticamente muito intrincada” (engiscH, 1988: 28) e não pode ser aco-lhida sem grandes esforços e certos desvios científicos (cf. taVares, 2006: 62).
Assim, na afirmação de que o problema concreto é relevante na determinação da norma de decisão (constatação praticamente irrefutável) e, pois, na própria compreensão (interpretação clássica) do Direito, não se encerra qualquer solução ou explicitação de como deve ser a “atribuição de um significado” ao texto (Müller, 1989: 125).
Se não há como negar que o normativo produz um recorte nos fatos, que já não são quaisquer fatos, mas fatos juridicamente pertinentes e qualifica-dos, por outro lado, a norma não é apenas a disposição textual nem tampouco o fruto de uma arrumação mental especificamente abstrata, porque é também a norma “recepcionada” pela realidade concreta. As referências à “concretude” são, pois, invariavelmente, referências normativamente comprometidas.
Há, portanto, nessa constatação, outro recorte (ou processo de disso-ciação), a ser sublinhado. A concretização, pressupondo um momento ou ciclo interpretativo, nele não se esgota e dele não se ocupa integralmente. A concre-tização evoca o caso concreto (ainda que hipotético). A concretização dimensio-na o texto escrito e a norma a partir do e em relação ao problema concreto. Esse é o aporte realizado, pela idéia de concretização, à teoria do Direito.
Assim, a concretização, embora não exclua o processo interpre-tativo tradicional (e essas discussões), realça o caso concreto, lançando sua impressão no enunciado normativo em termos de preocupação operativo-hermenêutica, neste aspecto dissociando-se profundamente do processo hermenêutico tradicional. Opõe-se, neste ponto, ao “dualismo metodoló-gico”, aos modelos como o de Kant, e a Teoria Pura do Direito, que aca-
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bem por sustentar uma distinção rígida entre fato e norma, entre o concre-to e o abstrato (cf. engiscH, 2004: 183). A concretização os reconhece como elementos inseparáveis no processo de compreensão (interpretação, agora compreendida como concretização) do Direito.
Acrescente-se, ainda, que esse tipo de análise (problemática) tam-bém não opera um fechamento estrutural do próprio dispositivo, quer di-zer, não afasta certos significados da disposição normativa, significados es-tes que podem incluir ou excluir outros casos concretos que simplesmente não foram verificados, porque não faziam parte da preocupação levada a efeito em cada estudo. Conformam, em realidade, uma “quintessência inde-terminada de casos”. Quando Müller (1989: 122) afirma que “como norma de decisão, regula-se o caso concreto de uma maneira cuja particularidade desenvolvida em cada caso pode ser qualificada de ‘aplicativa’”, fica certo que a abertura, abstratamente falando, da disposição normativa, permanece mesmo após a realização de um processo de concretização.
4. Abertura pelos princípios
Os princípios constitucionais recebem grande ênfase no debate doutrinário brasileiro, especialmente por influxo da teoria alemã. Com efei-to a Constituição brasileira, como muitas outras de sua época, está permea-da por essa espécie de norma de conteúdo impreciso, responsável pela ca-racterização parcial da abertura constitucional de que se fala aqui. Em sede de hermenêutica, a referência aos princípios se mostra imprescindível.
Os princípios podem ser diferenciados das regras, na esteira da teoria constitucional contemporânea, pela abstratividade daqueles quando comparados com estas. Todavia, ambos caracterizam-se como normas.
Os princípios constitucionais, especialmente os direitos fundamen-tais, possuem a condição da abertura normativo-material, quer dizer, têm a ca-pacidade de expandir seu comando consoante as situações concretas que se fo-rem apresentando. A demanda por uma concretização do Direito (cf. canotilHo, 2003: 1201-15; castanHeira neVes, 1993: 84; Hesse, 1992: 42-8; Müller, 2000: 33; Queiroz, 2002: 178-9; scHrotH, 2002: 393) aparece com mais nitidez aqui. Ao que se convencionou denominar como eficácia irradiante (rotHenburg, 1999), sobre a qual tratar-se-á adiante, parece ser inerente a idéia de concretização.
A abstratividade enquanto nota atribuída aos princípios implica a
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capacidade de alcançar um grande e indefinido número de situações concre-tas, nelas incidindo e sofrendo influência seu comando normativo mínimo.
Também por decorrência da abstratividade os princípios apresentam-se como orientações interpretativas no manejo das demais normas do sistema.
Contudo, a abstratividade, como aqui tratada, não pode ser con-fundida com a tese de que os princípios possam ser concebidos e conhe-cidos, em sua intimidade, com meras cogitações em abstrato. A demanda pelo concreto. também na compreensão dos princípios, é inafastável.
Para os princípios textualmente apresentados na Constituição a doutrina parece indicar, unanimemente, a necessidade de realizar uma lei-tura compreensiva e sistêmica. Esse pressuposto, quando adotado, reforça e realça a tese de que princípios são normas imbricadas entre si, cuja ade-quada dimensão (e compreensão) de um deles só pode ser obtida a partir de uma leitura da Constituição em sua universalidade.
Outrossim, para além da sistematicidade implicada na idéia de princípios, fala-se também de sua eficácia irradiante (bastos, 2002: 208; souza neto, 2006: 6), que aqui interessa mais de perto. Na medida em que os princípios constitucionais reconhecidamente atuam como pautas gerais na compreensão das demais normas (regras e princípios) da Constituição e das leis (e, a partir destas, do restante do ordenamento jurídico), permitem uma abertura de todo o sistema constitucional.
Admitindo-se que expressem os valores basilares da ordem jurí-dica e somando-se seu caráter abstrato, os princípios “dão vida e estrutura e conferem unidade ao texto constitucional” (bastos, 2002: 208). Por essa mesma razão, apresentam uma “idoneidade radiante” (canotilHo, 1993: 169); propagam-se por todo o continente jurídico vigente, conferindo um sentido às demais normas, que as compatibilize em termos de unidade axiológica, e informando a atuação de todos os órgãos do Estado.
Desde o momento em que se lhes foi reconhecido o caráter norma-tivo-impositivo, os princípios passaram a desempenhar importante papel nos sistemas jurídicos. Essa constatação é invariável, seja quando se traba-lha com a idéia de princípio-quantitativo, seja quando se prefere o uso do princípio-qualitativo (sobre estes termos: v. taVares, 2006: 85 e ss.).
A completude de um ordenamento normativo, apregoada por mui-tos estudiosos pode, atualmente, ser readmitida, em boa medida, como mais rigorosa, tendo em vista justamente a verificação de inúmeros princípios cris-
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talizados nos textos constitucionais dos mais diversos países (constituindo um modelo com grande capacidade inclusiva quanto às mais variadas situações da vida) e a possibilidade de sua concretização pela Justiça Constitucional.
O grande desafio do Direito contemporâneo não é o de oferecer previsão normativa específica para as mais variadas demandas e situações de possível conflito que possam sugir nas relações sociais. É antes o desafio de oferecer uma dentre as diversas previsões/soluções encontráveis no sis-tema, particularmente nas respectivas constituições. O problema, aqui, en-volve a racionalização dos princípios existentes e justificação (controlável) da escolha realizada. Em síntese, significa trabalhar de maneira consistente a abertura da Constituição.
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