Análise de obrAs literáriAs -...
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Análise de obrAs literáriAsAuto dA bArcA do inferno
Gil Vicente
Rua General Celso de Mello Rezende, 301 – Tel.: (16) 3603·9700CEP 14095-270 – Lagoinha – Ribeirão Preto-SP
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sumário
1. contexto sociAl e HistÓrico .................................................... 7
2. estilo literário dA épocA ........................................................... 8
3. o Autor ................................................................................................. 12
4. A obrA .................................................................................................... 14
5. exercícios ........................................................................................... 44
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Auto dA bArcA do inferno
Gil Vicente
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1. Contexto soCial e HistÓRiCo
por volta da segunda metade do século xiV, o sistema feudal entrou em declínio. o surgimento de novas cidades, a ampliação do comércio e o abandono gradativo das terras pelos colonos assinalaram o enfraquecimento dos senhores feudais. A peste negra, que somente no ano de 1348 matou quase metade da po-pulação da europa, e a Guerra dos cem Anos entre inglaterra e França (de 1346 a 1450) contribuíram significativamente para a diminuição da mão-de-obra no campo.
o declínio do sistema feudal favoreceu a centralização do poder nas mãos de um único rei. Em Portugal, no reinado de D. João, o reflexo do mercantilismo ocorreu sobretudo na expansão ultramarina, a partir de 1415, com a tomada de Ceuta.
Durante o reinado de D. Manuel, o Venturoso, a expansão colonial impôs portugal como a grande nação da terra, mas os vícios de uma nobreza absolu-tamente avessa ao trabalho já traziam consigo os germes da decadência.
Já em meados do século xVi, durante o reinado de d. João iii, o sistema entrou em crise. em 1580, dois anos após a morte de d. sebastião, portugal caiu sob domínio espanhol.
o teatro de Gil Vicente retrata a sociedade portuguesa nas primeiras dé-cadas do século xVi.
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2. estilo liteRáRio da époCa
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segundo a divisão da História universal, de 1453 (tomada de constantino-pla pelos turcos) até 1789 (revolução Francesa) vigoraram os tempos modernos, período que, na história da arte, compreende Humanismo, classicismo, barroco e neoclassicismo.
na história da literatura portuguesa, o Humanismo tem início em 1434, com a nomeação de Fernão lopes como guarda-mor da torre do tombo, e se estende até 1527, quando retorna a portugal o poeta sá de miranda, após um período de seis anos na Itália, de onde trouxe as novas tendências da arte renascentista.
A passagem da idade média para os tempos modernos ocorreu mediante uma transformação espiritual. A idade média foi teocêntrica, deus e a teologia cristã estavam em primeiro lugar. todo conhecimento, acreditava-se, emanava de Deus. O homem estava perdido em sua infinita ignorância e somente pode-ria ser salvo mediante sua crença em deus e na igreja católica. o Humanismo é antropocêntrico, considera o homem como a “medida de todas as coisas”. o homem é um ser que se constrói em conformidade com o seu esforço. não se nasce homem, torna-se homem.
A palavra humanismo é híbrida, meio latina e meio grega; compõe-se de humano + ismo. Humano é adjetivo derivado de homem, que em latim é homo, e tem a mesma raiz etimológica de húmus, que significa terra. ismo significa sistema, movimento. Homem, portanto, significa o ser que habita a terra, o ser terrestre.
os humanistas eram os homens que se dedicavam a estudar as humani-dades, ou seja, as línguas grega e latina, considerando-as como elemento-chave de um novo mundo. Exatamente por se dedicarem ao estudo de outros autores e de outras obras que não a Bíblia e os textos dos doutores da Igreja Católica é que eles descobriram uma civilização considerada superior: a civilização greco-romana.
Historicamente, o Humanismo preparou todo o terreno para o surgimento da Renascença, na medida em que os estudiosos redescobriram a importância do estudo do idioma grego e dos grandes autores latinos como fonte da construção da identidade humana. para os humanistas, o homem torna-se homem por meio da palavra. A linguagem distingue os homens dos animais e dos anjos, porque os animais nem falam nem têm razão, e os anjos, embora sejam dotados de razão, não falam. Lo spirito non ha voce, segundo leonardo da Vinci.
Uma vez descobertos e estudados os textos antigos, cabia aos humanistas preparar os textos para divulgação. É importante lembrar que um fator fundamen-tal na divulgação dessas novas ideias foi a invenção da imprensa por Gutenberg, em 1452. A portugal o invento só chegou em 1494, mas a tempo de propagar os estudos realizados pelos humanistas, sobretudo os italianos.
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o teatRo medievalA idade média criou um teatro essencialmente popular, completamente
diferente do teatro da Antiguidade greco-romana. ele surgiu e se desenvolveu vagarosamente, atingindo sua autonomia depois do século x, e chegou até a Renascença, quando entrou em conflito com o teatro de imitação clássica.
o teatro medieval se divide em sacro e profano. tem sua origem atrelada às cerimônias litúrgicas, isto é, religiosas. Toma como referência a missa, em razão do caráter teatral que essa cerimônia exige. O altar funciona como palco, o sacerdote, como ator e os fiéis, como plateia. Os temas mais comuns são a ceia de Cristo e os mistérios da Paixão.
por volta do século x, a igreja valorizou sobremaneira a dramatização de passagens bíblicas. na missa da páscoa, no altar, como se fosse o santo sepulcro, o sacerdote, fazendo o papel de um anjo, pergunta a dois clérigos, que repre-sentam as santas mulheres, o que estão procurando. elas respondem que estão procurando por Jesus, e o anjo lhes diz que ele não está mais ali, que ressuscitou. pouco a pouco, a cena se desenvolve.
dessa maneira, no altar, ligado ao ritual da missa, surgiu o chamado drama sacro, que, aos poucos, passou a ocupar todo o espaço do templo e a adquirir maior liberdade em relação à cerimônia.
no interior das igrejas, por toda a europa, representavam-se, em latim, episódios da bíblia e da vida dos santos. os atores eram os clérigos, que re-presentavam inclusive os papéis femininos. Aos poucos, porém, começam a ser incorporados ao drama sacro elementos incompatíveis com o ambiente da igreja, como a mistura da língua do povo com o latim e a introdução de algumas passagens cômicas. Quando a ousadia passou dos limites, o papa Inocêncio III proibiu a realização do drama sacro dentro da igreja.
no século xii, o teatro passou a ser representado na entrada das igrejas e nas praças públicas, e o latim foi substituído pela língua popular em conformi-dade com o país. na península ibérica, passou a ser chamado de auto, palavra de origem latina que significa ato, designando, assim, uma peça breve, curta.
o teatro sacro possui três modalidades: os mistérios, os milagres e as moralidades.
nos mistérios, representam-se episódios da bíblia; nos milagres, represen-tam-se feitos sobrenaturais operados por deus, por intermédio da Virgem e dos santos; nas moralidades, as personagens representam conceitos abstratos, como a bondade, o Vício, as Virtudes etc.
o teatro profano (pro = fora e fanum = templo) surgiu como consequência da descaracterização do drama sacro. O elemento cômico e realista, que antes era limitado, sobrepõs-se aos elementos sacros, levando o gênero sacro à dege-neração. A prova mais cabal dessa degeneração está no fato de o parlamento de paris proibir, no ano de 1548, as representações sacras.
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O teatro profano é cômico e possui as seguintes modalidades: arremedos, momos e farsas. Arremedos são imitações cômicas de fatos ou pessoas; momos são encenações carnavalescas, com personagens mascaradas que ridicularizam os costumes; farsas são peças cômicas, de um só ato e enredo curto, com poucos atores e ação rápida e irreverência.
A palavra farsa vem de farcire, que significa rechear. A farsa é um recheio, pois, na sua origem, era um momento cômico e realista que se enxertava nos dramas sacros, para descontrair o público. Alguma farsas de Gil Vicente são chamadas de auto, porque em portugal esta palavra designava qualquer repre-sentação dramática.
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3. o aUtoR
embora Gil Vicente tenha sido uma personalidade literária marcante no século xVi, em portugal, a vida do dramaturgo é pouco conhecida. sabemos que ele nasceu por volta de 1465; encenou sua primeira peça, Auto da visitação (ou Monólogo do vaqueiro), em 1502, nos aposentos da rainha d. maria, por ocasião do nascimento do filho da soberana, o futuro rei D. João III; que colaborou com Gar-cia de resende no cancioneiro geral (livro capital da poesia do período humanista na península ibérica); que usufruiu de grande prestígio junto ao rei d. João iii, o que lhe permitiu, no ano de 1531, censurar e criticar, por meio de um discurso, os frades de santarém que queriam responsabilizar os judeus pela ocorrência de um terremoto.
Alguns estudiosos acreditam que Gil Vicente tenha exercido a função de mestre da balança da casa da moeda, em razão de um documento datado de 4 de fevereiro de 1513, e que tenha também exercido o ofício de ourives – é atribuida a ele a autoria de uma obra-prima da ourivesaria portuguesa, a custódia de be-lém (1506). Foi casado duas vezes, teve cinco filhos e escreveu mais de quarenta peças teatrais: dezessete em português, onze em castelhano e dezesseis bilíngues. Faleceu provavelmente em 1537, deixando inconcluso o trabalho de compilação de suas obras. é considerado o fundador do teatro português.
no teatro, o autor privilegiou os autos (peças teatrais de assunto predomi-nantemente religioso, tratado de modo sério ou cômico, com a finalidade de divertir
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e moralizar o público) e as farsas (peças cômicas curtas, de um só ato, com enredo extraído do cotidiano, também com a finalidade de divertir e moralizar a plateia).
Os primeiros autos de Gil Vicente revelam a influência do seu contem-porâneo espanhol Juan del Encina. Pouco a pouco, entretanto, o seu teatro foi evoluindo para além do quadro quase exclusivamente religioso e lírico de Juan del encina, chegando à crítica social e constituindo, no seu conjunto, um quadro bastante característico da vida portuguesa do começo do século xVi.
CRonologia das obRas1502 – Auto da visitação (ou Monólogo do vaqueiro)1504 – Auto de S. Martinho1506 – Sermão perante a rainha d. Leonor1509 – Auto da Índia; Auto pastoril castelhano1510 – Auto dos reis magos; Auto da fé1512 – Velho da horta1513 – Auto dos quatro tempos; Auto da Sibila cassandra1514 – exortação da guerra1515 – Quem tem farelos; Auto da Mofina Mendes (ou Mistérios da Virgem)1517 – Auto da barca do inferno1518 – Auto da alma; Auto da barca do purgatório1519 – Auto da barca da glória1520 – Auto da fama1521 – cortes de Júpiter; comédia de rubena; Auto dos ciganos1522 – d. duardos1523 – farsa de inês Pereira; Auto pastoril português; Auto de Amadis de Gaula1524 – comédia do viúvo; frágua de amor; Auto dos físicos1525 ou 26 – templo de Apolo; Auto da feira1527 – nau de amores; comédia sobre a divisa da cidade de coimbra; farsa dos almocreves;
tragicomédia da serra da estrela; breve sumário da história de deus seguido do diálogo dos judeus sobre a ressurreição; Auto das fadas
1527 ou 28 – Auto da festa1529 – triunfo do inverno (e do verão)1529 ou 30 – o clérigo da beira1532 – Auto da Lusitânia1533 – romagem dos agravados1534 – Auto da cananeia1535 – floresta de enganos
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4. a obRa
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Auto dA BArcA do Inferno
A peça Auto da barca do inferno compõe, com Auto da barca do purgatório e Auto da barca do paraíso, a chamada trilogia das barcas. nela, no porto de um rio, duas barcas, com seus respectivos barqueiros, o Anjo numa e o diabo e seu companheiro noutra, estão ancoradas. elas devem conduzir as almas para o seu destino: o paraíso ou o inferno. Antes do embarque, as almas dialogam com os barqueiros. O diálogo, quase sempre irônico, serve para justificar as causas da perdição ou da salvação das almas.
o diabo é a personagem mais interessante da peça. sua fala, marcada por ironias e sutilezas, revela o prazer que sente em conduzir as almas para o inferno; daí o fato de ser brincalhão e hipócrita, porque está sempre se divertindo com as almas pecaminosas.
o Anjo é a personagem séria. Fala pouco e dispensa às personagens apenas as palavras que justificam o embarque delas com o Diabo.
A primeira personagem a entrar é o Fidalgo, acompanhado pelo seu pa-jem, que lhe segura a calda da capa e lhe traz uma cadeira. ele embarcará com o diabo, pois o Anjo o acusa de tirania e de soberba. Antes do embarque, porém, o Diabo se diverte com ele, dizendo-lhe que a mulher não lhe era fiel e que chorou de alegria com a sua morte.
A segunda personagem a entrar é o onzeneiro (Agiota), que traz uma imensa bolsa vazia como símbolo de sua ganância e da inutilidade dela, pois nada levará para a eternidade.
A terceira personagem é o parvo (bobo) Joane. segundo o Anjo, seus pecados foram consequência de sua inocência, por isso irá para a barca do Anjo.
na sequência, entra o sapateiro, que traz consigo as formas com as quais exercia seu ofício e explorava o povo. Condenado pelo Anjo, embarcará com o diabo.
o Frade com sua namorada Florença vêm em seguida. entram dançando e cantando, pois o Frade está ciente de que seu hábito (suas vestes religiosas) lhe garantirá um lugar no céu. sua vida mundana o condena ao inferno.
em seguida, entra uma personagem trazendo a virgindade de seiscentas meninas, isto é, ela desencaminhou seiscentas moças. tenta conseguir o perdão do Anjo, mas este a despreza e ela embarcará com o diabo. trata-se de brízida Vaz.
o Judeu é a personagem seguinte. ele traz consigo um bode, como símbolo da religião judaica. deseja embarcar com o diabo, mas este o recusa, alegando que não poderia transportar o bode. dirige-se, então, à barca do Anjo, mas o parvo Joane não o deixa falar. Rejeitado por ambos os barqueiros, o Judeu embarcará com o diabo, mas num barco à parte, levando o bode.
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os dois personagens seguintes, o corregedor e o procurador, simbolizam a falta de ética daqueles que possuem função administrativa, pois eles faziam uso de suas funções para conseguir benefícios próprios e, por isso, embarcam com o diabo.
O Enforcado representa o ladrão estúpido, pois se deixou levar pela fala do tesoureiro da casa da moeda, que lhe induziu a acreditar que a morte por furtos o levaria ao paraíso. embarca com o diabo.
Por último entram os Quatros Cavaleiros, homens que morreram em defesa dos ideais da igreja católica e, por isso, embarcam com o Anjo.
Portanto, somente o Parvo Joane e os Quatros Cavaleiros embarcam com o Anjo em direção ao paraíso.
A linguagem empregada pelo autor (é sempre bom lembrar que a peça é de 1517) é bastante variada, funcionando como instrumento de caracterização das personagens. Assim, conforme a posição social, cada personagem apresenta um determinado tipo de linguagem. o Fidalgo possui um português mais distinto, típico da norma culta da época, enquanto o parvo Joane emprega linguagem coloquial, típica das pessoas sem nenhuma instrução formal.
em Auto da barca do inferno, Gil Vicente manteve-se fiel à redondilha, so-bretudo à redondilha maior (verso com sete sílabas métricas), empregando-o em estrofes com oito versos. Por esse motivo, o texto que se vai ler procurou (embora faça algumas alterações em relação ao texto original) ser o mais fiel possível quanto à rima e à estrofação.
em alguns casos, como na estrofe de abertura da peça, o aluno tende a contar nove versos, porque um deles, o quarto, aparece dividido:
diabo
1) /À/ /bar/ /ca, à/ /bar/ /ca/, /hou/ /lá!/
2) /que/ /te/ /mos/ /gen/ /til/ /ma/ /ré!
3) – /O/ /ra/ /ve/ /nha o/ /ca/ /rro a/ /ré!/
CompanHeiRo 4) /Fei/ /to/, /fei/ /to!/
diabo/bem/ /es/ /tá!/
5) Vai tu muitieramá,
6) atesa aquele palanco
7) e despeja aquele banco, 8) pera a gente que vinrá.
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repare que o quarto verso está dividido, mas no total possui sete sílabas mé-tricas, compondo um único verso, o que faz com que a estrofe tenha oito versos.
na sequência, ao comentarmos a peça, colocaremos entre colchetes as informações necessárias para melhor entendimento do texto.
Auto de moralidade composto por Gil Vicente por contemplação [em respeito] da sereníssima e muito católica rainha dona Lianor, nossa senhora, e representado por seu mandado ao poderoso príncipe e mui [forma arcaica de muito] alto rei dom Manuel, primeiro de Portugal deste nome.
começa a declaração e argumento da obra. Primeiramente, no presente auto, se fegura [isto é, se representa, representa-se por meio de figuras, alegorias] que, no ponto que acabamos de expirar [morrer], chegamos supitamente [de repente] a um rio, o qual per força havemos de passar em um de dous batéis que naquele porto estão, scilicet [a saber] , um deles passa pera o Paraíso e o outro pera o inferno: os quais batéis tem cada um seu arrais [barqueiro] na proa: o do Paraíso um Anjo, e o do inferno um Arrais infernal e um companheiro.
peRsonagens
Anjo (Arrais do céu) [arrais = barqueiro]diabo (Arrais do inferno)companheiro do diaboFidalgo [membro da nobreza]onzeneiro [agiota, usurário; pessoa que empresta dinheiro a juros.]Joane (parvo) [bobo]sapateiroFradeFlorençabrízida Vaz (Alcoviteira) [pessoa que vivia de arranjar mulheres para homens.]Judeucorregedor [juiz de direito]procurador [advogado do estado]enforcadoQuatro Cavaleiros
o primeiro entrelocutor [interlocutor] é um fidalgo que chega com um Page [pessoa que servia a um nobre], que lhe leva um rabo [a cauda da capa] mui com-prido e üa [uma] cadeira de espaldas [cadeira com apoio para as costas]. e começa o Arrais do inferno ante que o fidalgo venha.
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Cena idIABo À barca, à barca, houlá! que temos gentil maré!– ora venha o carro a ré!
coMPAnHeIro feito, feito!
dIABobem está!Vai tu muitieramá, [em muito má hora]atesa aquele palanco [palanco = corda que prende a vela; entenda: estica
aquela vela.]e despeja aquele banco, [despeja = desocupa; para dar espaço às almas
que virão.]pera a gente que vinrá. [virá]
À barca, à barca, hu-u! Asinha, que se quer ir! [depressa] oh, que tempo de partir, louvores a berzebu! [diabo] – ora, sus! que fazes tu? despeja todo esse leito! [espaço entre o mastro e a popa do barco]
coMPAnHeIro em boa hora! feito, feito!
dIABo Abaixa má-hora esse cu!
faze aquela poja lesta [poja = corda com que se vira a vela.]e alija aquela driça. [driça = corda com que se levanta a vela, isto é, o diabo dá
ordens ao seu Companheiro para afrouxar (alija) a driça, aportando, assim, o barco.]repare: note a euforia, a alegria do diabo. A causa da alegria é o fato de
ele saber que o seu barco partirá cheio de almas para o inferno.
coMPAnHeIro oh-oh, caça! oh-oh, iça, iça!
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dIABo oh, que caravela esta!Põe bandeiras, que é festa.Verga alta! Âncora a pique!– Ó poderoso dom Anrique, [Henrique]cá vindes vós? Que cousa é esta?...
Vem o fidalgo e, chegando ao batel infernal, diz:
Cena iifIdALGo esta barca onde vai ora,que assi está apercebida? [preparada]
dIABo Vai pera a ilha perdida, [para o inferno]e há-de partir logo ess’ora.
fIdALGoPera lá vai a senhora? [o Fidalgo confunde o diabo com uma mulher.]
dIABo Senhor, a vosso serviço.
fIdALGoParece-me isso cortiço...
dIABoPorque a vedes lá de fora.
fIdALGoPorém, a que terra passais?
dIABo Pera o inferno, senhor.
fIdALGoterra é bem sem-sabor.
dIABoQuê?... e também cá zombais?
fIdALGoe passageiros achaispera tal habitação?
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dIABoVejo-vos eu em feiçãopera ir ao nosso cais...
fIdALGoParece-te a ti assi!...
dIABoem que esperas ter guarida? [salvação]
fIdALGoQue leixo na outra vida [leixo = deixo]quem reze sempre por mi.
dIABoQuem reze sempre por ti?!...Hi, hi, hi, hi, hi, hi, hi!... e tu viveste a teu prazer, cuidando cá guarecer [salvar-se]por que rezam lá por ti?!
embarcai, hou! embarcai!, que haveis de ir à derradeira.Mandai meter a cadeira,que assi passou vosso pai. [segundo o diabo, o pai do Fidalgo já está no inferno.]
fIdALGoQuê? Quê? Quê? Assi lhe vai?! [é lá que ele está? repare no espanto
do Fidalgo.]
dIABoVai ou vem! embarcai prestes!Segundo lá escolhestes,assi cá vos contentai.
Pois que já a morte passastes,haveis de passar o rio. [na mitologia grega, o rio Aqueronte separa o mundo
dos vivos do mundo dos mortos.]
fIdALGonão há aqui outro navio?
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dIABonão, senhor, que este fretastes,e primeiro que expirastesme destes logo sinal. [o momento da morte do Fidalgo foi um sinal para
chamar o diabo, ou seja, tratava-se de uma alma com passagem garantida para o inferno.]
fIdALGoQue sinal foi esse tal? [O fidalgo deseja saber qual foi o “sinal” que ele deu
ao diabo.]
dIABodo que vós vos contentastes. [segundo o diabo, a rica vida do Fidalgo foi a
causa da sua perdição.]
fIdALGoA barca me vou.Hou da barca! Para onde is?Ah, barqueiros! não me ouvis? respondei-me! Houlá! Hou!... – Par deos, aviado estou! ...[por deus, que estou mesmo perdido.]quant’a isto é já pior.oue jiricocins, salvanor! [mas que burro, com todo o respeito!]cuidam cá que são eu grou? [incomodado com o silêncio do Anjo, o Fidalgo
pergunta-lhe se o estão tomando por um papagaio, por alguém que diz coisas sem sentido.]
AnJo Que quereis?
fIdALGoQue me digais,pois parti tão sem aviso,se a barca do Paraíso é esta em que navegais.
AnJoesta é; que demandais? [demandais = desejais]
fIdALGoQue me leixeis embarcar; [deixeis]Sou fidalgo de solar, [sou de família importante]é bem que me recolhais.
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AnJonão se embarca tirania [Repare: a fala do Anjo explicita as causas da perdi-
ção do Fidalgo.]neste batel divinal.
fIdALGonão sei porque haveis por malque entre a minha senhoria...
AnJoPera vossa fantesia [vaidade]mui estreita é esta barca.
fIdALGoPera senhor de tal marcanom há aqui mais cortesia?Venha a prancha e atavio! [equipamento para subir ao barco]Levai-me desta ribeira!
AnJo não vindes vós de maneirapera entrar neste navio. essoutro vai mais vazio:a cadeira entrará e o rabo caberáe todo vosso senhorio.
ireis lá mais espaçoso,com fumosa senhoria, [arrogante]cuidando na tirania do pobre povo queixoso. e porque, de generoso, desprezastes os pequenos,achar-vos-eis tanto menosquanto mais fostes fumoso. [repare nas causas da perdição do Fidalgo: tirania,
exploração do povo, arrogância.]
dIABoÀ barca, à barca, senhores!oh! que maré tão de prata!um ventozinho que mata e valentes remadores!
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diz, cantando:
Vós me veniredes a la mano, [Vós me vireis à mão]a la mano me veniredes. [À mão vós me vireis. entenda: o diabo, todo con-
tente, canta uma canção, algo como “você vai comer na minha mão / na minha mão você vai comer”.]
fIdALGoAo inferno, todavia!inferno há i pera mi?[i = aí]oh triste! enquanto vivinão cuidei que o i havia.tive que era fantesia:folgava ser adorado;confiei em meu estadoe não vi que me perdia.
– Venha essa prancha! Veremosesta barca de tristura.
dIABoembarque vossa doçura, que cá nos entenderemos...tomareis um par de remos,veremos como remais;e, chegando ao nosso cais,todos bem vos serviremos.
fIdALGo esperai-me vós aqui:tornarei à outra vidaver minha dama queridaque se quer matar por mi.
dIABoQue se quer matar por ti?!...
fIdALGoisso bem certo o sei eu.
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dIABo Ó namorado sandeu, [tolo, bobo]maior que nunca vi!...
fIdALGocomo pod’rá isso ser,que m’escrevia mil dias?!
dIABoQuantas mentiras que lias,e tu... morto de prazer!
fIdALGoPera que é escarnecer, [por que zombais]quem nom havia mais no bem? [amor maior nunca houve. O fidalgo acredita
na sinceridade do amor de sua amada.]
dIABoAssi vivas tu, amén, como te tinha querer! [o diabo zomba do Fidalgo, dizendo-lhe que ele de-
veria viver tanto quanto a namorada o amava, ou seja, nem mais um segundo de vida.]
(...)
Cena iiiVem um onzeneiro e pergunta ao Arrais do inferno, dizendo:
onZeneIroPera onde caminhais?
dIABooh! que má-hora venhais, onzeneiro, meu parente! [o diabo considera o agiota um parente.]como tardastes vós tanto?
onZeneIroMais quisera eu lá tardar... na safra do apanhar me deu Saturno quebranto. [o Agiota atribui a causa da sua morte ao deus
do tempo, saturno.]
dIABo ora mui muito m’espantonom vos livrar o dinheiro!...
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onZeneIroSolamente pera o barqueironom me leixaram nem tanto... [segundo a mitologia grega, no rio Aqueronte
havia um barqueiro, caronte, que conduzia as almas para o outro lado do rio, cobrando da alma uma moeda.]
dIABoora entrai, entrai aqui!
onZeneIro não hei eu i d’embarcar!
dIABooh! que gentil recear, e que cousas pera mi!...
onZeneIroAinda agora faleci,leixa-me buscar batel!
dIABoPesar de São Pimentel! [são pimentel parece tratar-se de uma brincadeira de
Gil Vicente com alguma figura conhecida pelo grande público.]Porque não irás aqui?...
onZeneIroe pera onde é a viagem?
dIABoPera onde tu hás-de ir.
onZeneIroHavemos logo de partir?
dIABonão cures de mais linguagem. [Deixa de conversa e vamos logo.]
onZeneIro Mas pera onde é a passagem?
dIABoPera a infernal comarca.
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onZeneIro dix! nom vou em tal barca. [dix! = interjeição de espanto]estoutra tem avantagem.
Vai-se à barca do Anjo, e diz:Hou da barca! Houlá! Hou! Haveis logo de partir?
AnJoe onde queres tu ir?
onZeneIroeu pera o Paraíso vou.
AnJoPois cant’eu mui fora estoude te levar para lá.essa barca que lá estávai pera quem te enganou!
onZeneIroPor quê?
AnJoPorque esse bolsão tomará todo o navio.
onZeneIroJuro a deus que vai vazio!
AnJonão já no teu coração. [O Anjo afirma que a bolsa do Agiota está vazia, mas
a sua alma ainda está cheia de ambição e desejos de fortuna.]
onZeneIro Lá me fica, de roldão, [Em sua defesa, o Agiota afirma que deixou toda a sua
fortuna e a alheia na terra.]minha fazenda e alhea.
AnJoÓ onzena, como és fea [onzena = usura, vareza]e filha da maldição!
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Cena ivVem Joane, o Parvo, e diz ao Arrais do inferno:
PArVoHou daquesta!
dIABoQuem é?
PArVoeu sô.É esta a naviarra nossa?
dIABo de quem?
PArVo dos tolos.
dIABo Vossa. entra!
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PArVode pulo ou de voo? Hou! Pesar de meu avô!Soma, vim adoecer [soma = em resumo]e fui má-hora morrer, e nela, pera mi só. [naquele momento só meu, isto é, ele morreu de diarreia.]
dIABo de que morreste?
PArVode quê?Samicas de caganeira.
dIABode quê?
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PArVode caga merdeira!Má rabugem que te dê! [repare: a fala do parvo é bastante grosseira.]
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chega o Parvo ao batel do Anjo e diz:
PArVoHou da barca!
AnJoQue me queres?
PArVoQueres-me passar além?
AnJoQuem és tu?
PArVoSamica alguém. [talvez alguém.]
AnJo tu passarás, se quiseres;porque em todos teus fazeresper malícia nom erraste. tua simpreza t’abastepera gozar dos prazeres. [o parvo é o primeiro passageiro a embarcar com o
Anjo, pois, embora tivesse cometido erros, ele os fez sem que tivesse consciência, isto é, o parvo não sabia que agia de forma errada. repare na simpatia de Gil Vicente pelas pessoas mais humildes.]
espera entanto per i:veremos se vem alguém, merecedor de tal bem,que deva de entrar aqui.
Vem um Sapateiro com seu avental e carregado de formas, e chega ao batel infernal, e diz:
SAPAteIroHou da barca!
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dIABoQuem vem i? – Santo sapateiro honrado! [o diabo ironiza o sapateiro.]como vens tão carregado?... [Carregado de apetrechos de sua profissão e
de pecados]
SAPAteIroMandaram-me vir assi...e pera onde é a viagem?
dIABoPera o lago dos danados
SAPAteIroos que morrem confessados,onde têm sua passagem?
dIABonom cures de mais linguagem! [chega de conversa!]esta é a tua barca, esta!
SAPAteIroArrenagaria eu da festae da puta da barcagem!como poderá isso ser,confessado e comungado?
dIABo tu morreste excomungado:nom o quiseste dizer.esperavas de viver,calaste dous mil enganos...tu roubaste bem trint’anoso povo com teu mester. [ofício]
embarca, eramá pera ti,que há já muito que t’espero! [o sapateiro embarca com o diabo, pois empre-
gava o seu ofício para roubar o povo.]
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Gil Vicente
Vem um frade com üa Moça [Florença] pela mão, e um broquel [escudo] e üa espada na outra, e um casco [capacete] debaixo do capelo [capuz]; e, ele mesmo fazendo a baixa [um certo tipo de dança], começou de dançar, dizendo:
frAde tai-rai-rai-ra-rã; ta-ri-ri-rã;ta-rai-rai-rai-rã; tai-ri-ri-rã:tã-tã; ta-ri-rim-rim-rã. Huhá!
dIABoQue é isso, padre?! Que vai lá?
frAdedeo gratias! Som cortesão. [Graças a deus! sou homem da corte. de todos
os tipos empregados por Gil Vicente, o Frade é o mais criticado. certamente era o que mais fazia rir o público da época, pois era conhecido em todas as camadas sociais.]
dIABoSabês também o tordião? [outro tipo de dança]
frAdePor que não? como ora sei!
dIABoPois entrai! eu tangerei e faremos um serão. [uma festa]essa dama é ela vossa? frAdePor minha la tenho eu, [sempre a tive como minha]e sempre a tive de meu.
dIABofezestes bem, que é fermosa! [formosa, bonita]e não vos punham lá grosa no vosso convento santo? [censura, isto é, não era
proibido ter esposas no convento?]
frAdee eles fazem outro tanto! [no convento, todos os religiosos tinham mulheres.]
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dIABoQue cousa tão preciosa... [repare na ironia do diabo.]
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[o Frade embarcará com o diabo porque sempre teve uma vida de prazeres, porque sempre usufruiu daquilo que a igreja católica condenava.]
entrai, padre reverendo!
frAdePara onde levais gente?
dIABoPera aquele fogo ardente que nom temestes vivendo.
frAdeJuro a deus que nom t’entendo! e este hábito no me val? [o frade acreditava que as suas roupas sacerdotais
fossem suficientes para livrá-lo do Inferno.]
dIABoGentil padre mundanal, a berzebu vos encomendo!
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tanto que o frade foi embarcado, veio üa Alcoviteira, per nome brísida Vaz, a qual, chegando à barca infernal, diz desta maneira:
BrÍSIdAHou lá da barca, hou lá!
dIABoQuem chama?
BrÍSIdAbrísida Vaz
dIABoea aguarda-me, rapaz!como nom vem ela já? [por que ela não vem já?]
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Gil Vicente
coMPAnHeIrodiz que nom há-de vir cá sem Joana de Valdês. [uma conhecida prostituta da época]
dIABoentrai vós, e remarês.
BrÍSIdA nom quero eu entrar lá.
dIABoQue sabroso arrecear! [temor, receio, medo]
BrÍSIdAno é essa barca que eu cato. [procuro]
dIABoe trazês vós muito fato? [muitas roupas]
BrÍSIdAo que me convém levar.
dIABoQue é o que havês d’embarcar?
BrÍSIdASeiscentos virgos postiços [hímens]e três arcas de feitiçosque nom podem mais levar. [porque não se pode levar mais nada.]
três almários de mentir, [armários]e cinco cofres de enlheos, [enleios, isto é, cofres cheios de sedução, de joias
e furtos]e alguns furtos alheios,assi em jóias de vestir,guarda-roupa d’encobrir,enfim – casa movediça; um estrado de cortiça comdous coxins d’encobrir. [almofadas]
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A mor cárrega que é: [a maior carga]essas moças que vendia.daquestra mercadoria trago eu muita, bofé! [em boa fé][Tudo o que Brísida Vaz traz consigo é artificial, são instrumentos de enga-
nar; sua profissão – ela era uma espécie de cafetina – consistia em criar e fornecer meninas para os homens da época, em particular para os fidalgos e as autoridades eclesiásticas. era uma especialista em enganar os homens, pois conseguia fazer com que moças “experientes” se passassem por virgens.]
dIABo ora ponde aqui o pé...
BrÍSIdAHui! e eu vou pera o Paraíso!
dIABoe quem te dixe a ti isso?
BrÍSIdALá hei-de ir desta maré.eu sô üa mártela tal!... [mártir]Açoutes tenho levados [As prostitutas recebiam chicotadas como castigo.]e tormentos suportados que ninguém me foi igual.Se fosse ò fogo infernal, [ò = ao]lá iria todo o mundo! A estoutra barca, cá fundo,me vou, que é mais real.
barqueiro mano, meus olhos,Prancha a brísida Vaz!
AnJoeu não sei quem te cá traz...
BrÍSIdAPeço-vo-lo de giolhos! [joelhos]cuidais que trago piolhos,anjo de deos, minha rosa?eu sou aquela preciosaQue dava as moças a molhos [em quantidade]
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Gil Vicente
A que criava as meninas Pêra os cônegos da Sé...Passai-me por vossa fé,Meu amor, minhas boninas [flores, margaridas]Olho de perlinhas finas
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tanto que brísida Vaz se embarcou, veo um Judeu, com um bode às costas; e, chegando ao batel dos danados, diz:
JudeuQue vai cá? Hou marinheiro!
dIABooh! que má-hora vieste!...
Judeu cuj’é esta barca que preste? [de quem é esta barca?]
dIABoesta barca é do barqueiro.
JudeuPassai-me por meu dinheiro.
dIABoe o bode há cá de vir?
Judeu Pois também o bode há-de vir.
dIABo Que escusado passageiro! [Que passageiro indesejado!]
JudeuSem bode, como irei lá?
dIABonem eu nom passo cabrões. [bodes]
Judeu eis aqui quatro tostões e mais se vos pagará.
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Por vida do Semifará [Não temos informação segura sobre o significado dessa palavra. Acreditamos que seja o nome de algum judeu.]
que me passeis o cabrão!Querês mais outro tostão?
dIABo nem tu nom hás-de vir cá.
JudeuPorque nom irá o judeuonde vai brísida Vaz? [repare: o diabo não quer embarcar o Judeu. este pergun-
ta por que o diabo pode embarcar uma prostituta, mas não pode embarcá-lo.]Ao senhor meirinho apraz? [o Judeu trata o Fidalgo por meirinho, espécie
de oficial de justiça.]Senhor meirinho, irei eu?
dIABo e o fidalgo, quem lhe deu...
Judeuo mando, dizês, do batel?corregedor, coronel, [Agora o Judeu trata o Fidalgo por coronel e pede a ele
que castigue o diabo.]castigai este sandeu!Azará, pedra miúda, [Azará = desgraça]lodo, chanto, fogo, lenha, [chanto = pranto]caganeira que te venha!Má corrença que te acuda! [corrença = diarreia]Par el deu, que te sacuda [por deus]coa beca nos focinhos! [beca = roupa de juiz]fazes burla dos meirinhos? [burla = deboche]Dize, filho da cornuda!
PArVo furtaste a chiba cabrão? [chiba = cabra]Parecês-me vós a mimgafanhoto d’Almeirim [cidade de portugal]chacinado em um seirão. [morto numa festa]
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Gil Vicente
dIABoJudeu, lá te passarão,porque vão mais despejados. [vazios]
PArVo E ele mijou nos finadosn’ergueja de São Gião! [igreja]
e comia a carne da panelano dia de nosso Senhor!e aperta o salvador, e mija na caravela!
dIABoSus, sus! demos à vela!Vós, Judeu, irês à toa, [à toa, a reboque, em outro barco]que sois mui ruim pessoa.Levai o cabrão na trela!
Vem um corregedor [juiz], carregado de feitos [processos] e, chegando à barca do inferno, com sua vara na mão, diz:
correGedorHou da barca!
dIABoQue quereis?
correGedor está aqui o senhor juiz?
dIABooh amador de perdiz, gentil cárrega trazeis! [carga]
correGedorno meu ar conhecereis que nom é ela do meu jeito. [não a carrego de boa vontade.]
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dIABocomo vai lá o direito?
correGedor nestes feitos o vereis.
dIABoora, pois, entrai. Veremos que diz i nesse papel...
correGedore onde vai o batel?
dIABono inferno vos poeremos. [poremos]
correGedorcomo? À terra dos demoshá-de ir um corregedor?
dIABo Santo descorregedor,embarcai, e remaremos!ora, entrai, pois que viestes!
correGedor non est de regulae juris, não! [não é dos preceitos da lei]
dIABoita, ita! dai cá a mão! [sim, sim!]remaremos um remo destes. fazei conta que nacestes pera nosso companheiro.– Que fazes tu, barzoneiro? [companheiro – o Diabo fala ao seu Companheiro.]faze-lhe essa prancha prestes! [Apronta logo essa prancha!]
correGedor oh! renego da viageme de quem me há-de levar!Há qui meirinho do mar? [oficial de justiça]
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dIABonão há tal costumagem. [costume]
correGedornom entendo esta barcagem,nem hoc non potest esse. [isto não pode ser.]
dIABo Se ora vos parecesse [se vós pensais]que nom sei mais que linguagem... [que não conheço essa língua]
entrai, entrai, corregedor!
correGedorHou! Videtis qui petatis! [Vede o que pedis]Super jure magestatis [Acima do direito de majestade]tem vosso mando vigor?
dIABo Quando éreis ouvidornonne accepistis rapina? [não aceitastes suborno?]Pois ireis pela bolina [à vela, junto aos cabos do navio; o diabo, ironicamente,
diz que o corregedor queimará nos fogos do inferno com os processos.]onde nossa mercê for...
oh! que isca esse papel pera um fogo que eu sei!
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estando o corregedor nesta prática [conversa] com o Arrais infernal chegou um Procurador, carregado de livros, e diz o corregedor ao Procurador:
correGedor Ó senhor Procurador!
ProcurAdor bejo-vo-las mãos, Juiz!Que diz esse arrais? Que diz?
dIABo Que serês bom remador. entrai, bacharel doutor, e ireis dando na bomba. [retirando a água do barco]
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ProcurAdore este barqueiro zomba...Jogatais de zombador? [brincais]
essa gente que aí estápera onde a levais?
dIABoPera as penas infernais.
ProcurAdordix! nom vou eu pera lá! outro navio está cá, muito milhor assombrado. [de melhor aparência]
dIABoora estás bem aviado! [está muito bem arranjado]entra, muitieramá! [em hora má, em má hora]
correGedor confessaste-vos, doutor?
ProcurAdor bacharel som. dou-me à demo!não cuidei que era extremo, nem de morte minha dor. e vós, senhor corregedor?
correGedor eu mui bem me confessei,mas tudo quanto roubeiencobri ao confessor...
Porque, se o nom tornais,não vos querem absolver,e é mui mau de volver depois que o apanhais.
dIABo Pois por que nom embarcais?
ProcurAdor Quia speramus in deo. [porque temos fé em deus.]
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Gil Vicente
dIABoimbarquemini in barco meo... [embarcai no meu barco]Pera que esperatis mais? [por que esperar mais?]
Vão-se ambos ao batel da Glória, e, chegando, diz o corregedor ao Anjo:
correGedorÓ arrais dos gloriosos, passai-nos neste batel!
AnJo oh! pragas pera papel,pera as almas odiosos! como vindes preciosos, sendo filhos da ciência! [o Anjo condena ambos, pois ambos tinham ciência
de suas funções.]
correGedor oh! habeatis clemência [tendes]e passai-nos como vossos!
PArVo Hou, homens dos breviairos, [manuais]rapinastis coelhorum [roubastes coelhos]et pernis perdigotorum [e pernas de perdizes]e mijais nos campanairos! [repare: Joane ironiza e condena o procurador e
o corregedor. Ambos embarcam com o diabo.]
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Vem um homem que morreu enforcado, e, chegando ao batel dos mal-aventurados, disse o Arrais, tanto que chegou:
dIABoVenhais embora, enforcado!Que diz lá Garcia Moniz? [pessoa importante na corte portuguesa]
enforcAdoeu te direi que ele diz: que fui bem-aventurado em morrer dependurado como o tordo na buiz, [como pássaro na armadilha]e diz que os feitos que eu fizme fazem canonizado. [Fizeram o enforcado acreditar que, se ele cometesse
suicídio, iria para o céu e tornar-se-ia santo.]
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dIABo entra cá, governarás atá as portas do inferno.
enforcAdonom é essa a nau que eu governo.
dIABoMando-te eu que aqui irás.
enforcAdo oh! nom praza a barrabás! [criminoso a quem o povo libertou no lugar de
cristo.]Se Garcia Moniz diz que os que morrem como eu fizsão livres de Satanás...
e disse que a deus prouvera que fora ele o enforcado; e que fosse deus louvado que em bo’hora eu cá nacera;e que o Senhor m’escolhera;e por bem vi beleguins. [beleguins = policiais]e com isto mil latins, [Nota: não conseguimos decifrar o significado dessas
expressões.] mui lindos, feitos de cera.e, no passo derradeiro, me disse nos meus ouvidosque o lugar dos escolhidosera a forca e o Limoeiro; [conhecido presídio de lisboa]nem guardião do moesteiro [mosteiro]nom tinha tão santa gente como Afonso Valente,que é agora carcereiro.
dIABodava-te consolação isso, ou algum esforço?
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enforcAdocom o baraço no pescoço, [corda]mui mal presta a pregação...e ele leva a devação que há-de tornar a jentar... [porque jantará novamente]Mas quem há-de estar no ar [estar no ar = pendurado]avorrece-lhe o sermão.[se aborrece com o sermão]
dIABoentra, entra no batel, que ao inferno hás-de ir!
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Vêm Quatro cavaleiros cantando, os quais trazem cada um a cruz de cristo, pelo qual Senhor e acrescentamento de Sua santa fé católica morreram em poder dos mouros. Absoltos [absolvidos] a culpa e pena per privilégio que os que assi morrem têm dos mistérios da Paixão d’Aquele por Quem padecem, outorgados por todos os Presidentes Sumos Pontífices da Madre Santa Igreja. E a cantiga que assi cantavam, quanto a palavra dela, é a seguinte:
cAVALeIroS À barca, à barca segura, barca bem guarnecida,à barca, à barca da vida!
Senhores que trabalhais pola vida transitória, memória, por deus, memória [lembrai-vos]deste temeroso cais! À barca, à barca, mortais, barca bem guarnecida,à barca, à barca da vida!
Vigiai-vos, pecadores,que, depois da sepultura, neste rio está a ventura de prazeres ou dolores!À barca, à barca, senhores, barca mui nobrecida, [nobre]à barca, à barca da vida!
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e passando per diante da proa do batel dos danados assi cantando, com suas espadas e escudos, disse o Arrais da perdição desta maneira:
dIABocavaleiros, vós passaise nom perguntais onde is?
1º cAVALeIroVós, Satanás, presumis? [como ousas nos dirigir a palavra?]Atentai com quem falais!
2º cAVALeIroVós que nos demandais? Siquer conhecê-nos bem:morremos nas Partes d’Além, e não queirais saber mais.
dIABo entrai cá! Que cousa é essa?eu nom posso entender isto!
3º cAVALeIroQuem morre por Jesu cristonão vai em tal barca como essa!tornaram a prosseguir, cantando, seu caminho direto à barca da Glória, e, tanto
que chegam, diz o Anjo:
AnJo Ó cavaleiros de deus,a vós estou esperando, que morrestes pelejando [lutando]por cristo, Senhor dos céus!Sois livres de todo mal, mártires da Santa igreja,que quem morre em tal pelejamerece paz eternal.
e assi embarcam.
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Gil Vicente
ComentáRio da CRítiCa
no início do século xVi, na aurora do renascimento, Gil Vicente compre-endeu que a nova ordem social que lentamente se instalava levava o homem a apegar-se aos bens materiais, fazendo-o se esquecer dos valores morais. lenta-mente se instalava a máxima de que “os fins justificam os meios” e, portanto, em nome da realização pessoal, tudo era permitido. o homem começava a separar meios e fins do quesito moral.
em Auto da barca do inferno, Gil Vicente condena os que se apegam exclu-sivamente aos valores deste mundo, esquecendo-se de que a virtude e a moral são valores essenciais para uma vida justa.
numa época como a nossa, em que consumir parece ser o sentido da existência, a peça de Gil Vicente mostra todo o rigor da sua atualidade. Somos instigados e condicionados a acreditar que os objetos constituem uma fonte de prazer e adquiri-los deve ser o sentido da vida. Sacrificamos a nossa inteligência, a nossa sensibilidade e a nossa atenção com o próximo em troca de um tênis e de um automóvel. Frequentamos shopping centers, mas não lemos um livro; beijamos mil pessoas e não provamos a ternura de nenhuma; valorizamos o corpo e nos esquecemos do nosso interior.
os erros das personagens vicentinas são erros humanos, demasiadamente humanos, e, por isso, podemos aprender com eles. não para repeti-los, evidente-mente, mas para nos tornarmos capazes de construir um ser humano um pouco melhor, um ser capaz de acreditar que a virtude e a ética nos tornam indestrutí-veis, pois, com essas qualidades, não terminamos em nós mesmos.
Gil Vicente soube ver os erros humanos de sua época. o Auto da barca do inferno é uma crença no homem, mesmo se apoiando em certas concepções medievais, pois o dramaturgo acreditou na arte, no teatro, como uma forma de ensinar aos homens a possibilidade de melhora e de salvação.
5. exeRCíCios1. em Auto da barca do inferno, de Gil Vicente, os personagens que embarcam com o Anjo são:a) os Quatro Cavaleiros e o Sapateiro.b) o Frade e o enforcado.c) o Judeu e o corregedor.d) os Quatro Cavaleiros e o Parvo Joane.e) brísida Vaz e Florença.
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textos para as questões 2 e 3
texto 1esta barca onde vai ora,que assi está apercebida? [preparada]
dIABo Vai pera a ilha perdida, [para o inferno]e há-de partir logo ess’ora.
fIdALGoPera lá vai a senhora?
dIABo Senhor, a vosso serviço.
fIdALGoParece-me isso cortiço...
dIABoPorque a vedes lá de fora.
fIdALGoPorém, a que terra passais?
dIABo Pera o inferno, senhor.
fIdALGoterra é bem sem-sabor.
dIABoQuê?... e também cá zombais?
fIdALGoe passageiros achaispera tal habitação?
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Gil Vicente
texto 2PArVoHou daquesta!
dIABoQuem é?
PArVoeu sô.É esta a naviarra nossa?
dIABo de quem?
PArVo dos tolos.
dIABo Vossa. entra!
PArVode pulo ou de voo? Hou! Pesar de meu avô! Soma, vim adoecer [soma = em resumo]e fui má-hora morrer, e nela, pera mi só. [naquele momento só meu, isto é, ele morreu de diarreia.]
dIABo de que morreste?
PArVode quê?Samicas de caganeira.
dIABode quê?
PArVode cagamerdeira!Má rabugem que te dê!
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2. a) Nos textos apresentados anteriormente, temos dois fragmentos da peça de
Gil Vicente intitulada Auto da barca do inferno. Aponte uma diferença quanto ao nível de linguagem empregado pelas personagens.
b) o nível da linguagem empregada nos fragmentos transcritos funciona como instrumento de caracterização das personagens? Justifique.
3.Ao dirigir-se ao diabo, o Fidalgo comete um engano e o diabo o corrige imedia-tamente. de que engano se trata?
4.Peço-vo-lo de giolhos! [joelhos]cuidais que trago piolhos,anjo de deos, minha rosa?eu sou aquela preciosaQue dava as moças a molhos [em quantidade]A que criava as meninas Pêra os cônegos da Sé...Passai-me por vossa fé,Meu amor, minhas boninas [flores, margaridas]Olho de perlinhas finas
a) no fragmento acima, brísida Vaz, a alcoviteira (cafetina que agenciava mu-lheres para os cônegos e os nobres), procura persuadir o Anjo para que este a levasse ao paraíso. na tentativa de convencê-lo, ela emprega certos termos e expressões típicos de uma linguagem sedutora. Quais são essas expressões? Por que as expressões caracterizam a personagem?
b) Além das expressões sedutoras, Brísida Vaz emprega um argumento a seu favor. de que argumento se trata?
5.das personagens de Auto da barca do inferno, a condenada ao inferno por explorar o povo por meio de seu ofício é:a) o Fidalgo.b) o Frade.c) o enforcado.d) o parvo Joane.e) o sapateiro.
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Gil Vicente
gabaRito
1. d2. a) O Fidalgo se expressa numa linguagem
correta, emprega vocabulário simples e cor-reto, enquanto a personagem parvo Joane emprega determinados termos e expressões (samicas de caganeiras, por exemplo) típicos das pessoas mais humildes e sem instrução formal.
b) no tempo de Gil Vicente, os recursos de cenários eram bastante pobres, e uma forma de caracterizar a personagem era por meio do recurso da fala. desta forma, como no fragmento transcrito, uma personagem da corte possui, além das roupas e do criado, um nível de linguagem condizente com sua origem socioeconômica. Já uma personagem de origem humilde possui linguagem mar-cada por expressões vulgares.
3. O Fidalgo confunde o sexo do Diabo, tratando-o por “senhora”, o que faz com que o diabo diga em seguida “senhor, a vosso serviço”.
4. a) brísida Vaz se dirige ao Anjo tratando-o por
“meus olhos”, “minha rosa”, “meu amor”, “minhas boninas”, “olho de perlinhas fi-nas”. As expressões condizem com a função da personagem, já que esta tinha por ofício a prostituição e a tarefa de seduzir as meninas para os cônegos.
b) brízida Vaz alega em sua defesa os favores que prestou aos cônegos da Sé, preparando- -lhes as meninas.
5. e O sapateiro é o condenado por explorar a
boa-fé do povo.