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Senac Ambiental Ano 21 N. 4 • 2013 Logística reversa: do consumidor ao produtor Semiárido: é preciso saber conviver Etnoclimatologia: outro olhar sobre as mudanças climáticas Ano 22 • N° 5 janeiro/junho 2014 ISSN 2238-6807 O papel das reservas privadas na preservação da Mata Atlântica

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Senac Ambiental

Ano 21 N. 4 • 2013Logística reversa:

do consumidor ao produtor

Semiárido: é preciso saber conviver

Etnoclimatologia: outro olhar sobre as mudanças climáticas

Ano 22 • N° 5

janeiro/junho 2014 ISSN 2238-6807

O papel das reservas privadas na preservação da Mata Atlântica

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Senac – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

Departamento NacionalAv. Ayrton Senna, 5.555, Barra da TijucaRio de Janeiro - RJ - Brasil - 22775-004

www.senac.br

Conselho NacionalAntonio Oliveira Santos

Presidente

Departamento NacionalSidney Cunha

Diretor-geral

A revista Senac Ambiental é uma publicação semestral produzida pelo Gerência de Marketing e Comunicação do Senac Nacional. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. Sua reprodução em

qualquer outro veículo de comunicação só deve ser feita após consulta aos editores.

Contato: [email protected]

ExpEdiEntE

EditorFausto Rêgo

Colaboraram nesta ediçãoAna Mendes, Francisco Luiz Noel,

João Roberto Ripper, Lena Trindade e Luiz Claudio Marigo

EditoraçãoGerência de Marketing e Comunicação

Projeto gráfico e diagramaçãoCynthia Carvalho

Produção gráficaSandra Amaral

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Senac ambiental / Senac, Departamento Nacional. – n. 1 (1992)- . – Rio de Janeiro : Senac/Departamento Nacional/Gerência de Marketing e Comunicação, 1992- . v. : il. color ; 26 cm.

Semestral. Absorveu: Senac e educação ambiental. ISSN 2238-6807.

1. Educação ambiental – Periódicos. 2. Ecologia – Periódicos. 3. Meio ambiente – Periódicos. I. Senac. Departamento Nacional.

CDD 574.505

Ficha elaborada pela Gerência de Documentação Técnica do Senac/DN.

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Sente o clima

Editorial

No último ano, o desmatamento voltou a aumentar nas regiões de

Mata Atlântica, o que reforça a importância de iniciativas

de preservação como as Reservas Particulares do

Patrimônio Natural. Mantidas por abnegados ou mesmo por empresas, essas unidades de conservação cresceram 80% nos últimos dez anos. É um

trabalho que você vai conhecer melhor nesta edição.

Também falamos do semiárido brasileiro, onde algumas

comunidades têm buscado alternativas para conviver com os longos períodos de seca. Elas mostram que é possível

permanecer na região e assegurar um desenvolvimento

sustentável.

Trazemos ainda um tema novo, a etnoclimatologia, que investiga como os povos da

floresta percebem as mudanças climáticas. E também

abordamos, em entrevista com o físico Heitor Scalambrini, a importância das energias

renováveis diante dos desafios impostos por essas mudanças.

Aproveitando: vamos mudar de página e começar?

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Sumário

18Entrevista

Energias renováveis: hora de inovar

Para o físico Heitor Scalambrini Costa, os gestores do setor elétrico não podem responder aos desafios

do século 21 com as mesmas soluções dadas aos problemas do

século 20.

8Capa

Nova consciênciaReservas particulares, mantidas

por cidadãos comuns ou empresas, têm prestado um enorme serviço à

manutenção da ameaçada Mata Atlântica.

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28Logística Reversa

Do consumidor ao produtorDestinação adequada de resíduos sólidos pós-consumo é o desafio

que se impõe para a eliminação de 200 mil toneladas de lixo

diárias no país.

50Mudanças Climáticas

Um outro olhar sobre o climaA observação das mudanças

climáticas pela ótica dos povos da floresta: é o que propõe a

etnoclimatologia.56Bioma

Aves notáveisÚnico bioma exclusivamente brasileiro abriga quase 700

espécies, muitas delas ameaçadas de extinção.

48Notas

62Estante Ambiental

Sumário

36Seca

Semiárido: onde o povo resiste e acha bonito viver

Unidas na rede de organizações sociais Articulação do Semiárido,

populações buscam alternativas de convivência com a terra e o clima.

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educaÇÃo ambiental

A arte da A arte da A arte da A arte da A arte da A arte da observação observação observação observação observação observação observação observação observação observação observação observação

de avesde avesde avesde avesde avesde avesobservação

de avesobservação observação observação

de avesobservação

de avesobservação

de avesobservação observação observação

de avesobservação

Texto e fotos:Luiz Claudio Marigo

Passatempo antes restrito a

poucos, hoje, com as novas

máquinas digitais, a prática

da observação de aves

experimenta um enorme

crescimento no Brasil,

contribuindo para o bem-

estar físico e mental dos seus

adeptos e servindo como

uma valiosa ferramenta de

educação ambiental.

As aves são símbolos de liberdade,

seres livres e selvagens, e represen-

tam o anseio do homem por voar, as-

cender às alturas, transcender seus

limites. O apelo é quase espiritual.

São também belas, coloridas, diver-

sifi cadas: sua aparência vai da ema,

que não voa, às andorinhas, mestras

do ar e do espaço; da plumagem mo-

nástica do sabiá-laranjeira à exube-

rância das saíras. Podem ser obser-

vadas em todos os ecossistemas, do

Ártico à Antártica ou nos desertos

mais inóspitos, e com abundância

em todos os ambientes tropicais,

onde temos a sorte de viver. Habitam

também as cidades, onde podemos

Luiz Carlos Ribenboim fotografando no Parque Nacional de Itatiaia

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No Pantanal, a onça-pintada sempre

foi considerada uma execrável pre-

dadora de gado, uma ameaça aos

seres humanos e uma peste a ser

erradicada. Quando os vaqueiros

encontravam uma vaca ou novilha

morta por onça, sua resposta era,

inevitavelmente, organizar uma ca-

çada para matar a culpada. Jogavam

seus onceiros no rastro da onça, se-

guiam-na a cavalo e, quando o felino

estava encurralado, o caçador, pro-

Bonito de verObservação de grandes mamíferos impulsiona o ecoturismo no Pantanal. Segundo biólogo,

atividade deve gerar 200 milhões de reais de renda bruta até 2020

Texto e fotos: Luiz Claudio Marigo

Ecoturismo

tegido pelo zagaieiro, dava o tiro de

misericórdia.

Essa tradição criou palavras próprias

para definir os participantes de uma

caçada de onça: onceiros – cães trei-

nados para rastrear a onça pelo faro

e encurralá-la – e zagaieiro – um in-

divíduo armado com uma lança, ou

zagaia, para defender o caçador, se

houvesse um enfrentamento corpo a

corpo com o felino. Às vezes, para

mostrar bravura, o próprio zagaieiro

empalava a onça quando ela dava o

bote sobre os caçadores.

Felizmente, em 1967 a lei de prote-

ção à fauna proibiu a caça, mas esta

continuou em segredo, então ilegal-

mente. Na década de 80, os depósi-

tos de peles de animais apreendidas

pelo Instituto Brasileiro de Desen-

volvimento Florestal – hoje Instituto

Brasileiro de Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis (Iba-

ma) – guardavam ainda muitas peles

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Flor a

O Pantanal Mato-grossense é mun-dialmente conhecido por sua riqueza faunística, que atrai turistas de todo o mundo. Essa grande planície inun-dável de 160 mil quilômetros quadra-dos abriga cerca de 130 espécies de mamíferos, 550 de aves, 180 de rép-teis e 50 de anfíbios. Devido a suas paisagens abertas, que permitem boa visibilidade, e à grande quanti-dade de indivíduos de cada espécie, essa profusão de animais é facil-mente observada a qualquer hora do dia. Mesmo à noite, durante as “fo-cagens” – excursões em caminhões abertos para observação da fauna noturna –, é possível avistar vários animais. Uma viagem de Porto Jofre a Poconé pela rodovia Transpanta-neira durante a madrugada, quando a estrada está praticamente deserta, pode proporcionar a observação de uma onça-pintada, alguns cachor-ros-do-mato, um mão-pelada, um tapiti (o coelhinho selvagem brasi-leiro) ou uma anta, por exemplo. A fama do Pantanal como um lugar pri-vilegiado para observação de fauna é merecida, mas parcial, injusta com suas paisagens e sua flora, que são subestimadas e relegadas a um pla-no menor.

Primavera pantaneiraEspetáculo raro e que dura apenas alguns dias, floração da piúva é uma das mais espetaculares manifestações da natureza

Texto e fotos: Luiz Claudio Marigo

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luiz Claudio marigo

Era sempre assim: bastava fechar-mos uma edição para chegar um e-mail do Luiz Claudio Marigo com duas, três, às vezes quatro sugestões de pauta para a revista seguinte. In-variavelmente, ideias boas, voltadas para a valorização da biodiversidade brasileira, da fauna e da flora mais ameaçadas ou para as iniciativas de preservação e educação ambiental. Não foi diferente da última vez.

Das sugestões que enviou, escolhe-mos a que abordava o papel das re-servas particulares para a conserva-ção da Mata Atlântica. Mas poderia ter sido qualquer outra. A certeza era de que viria um texto bem apurado e bem escrito, com fotos extraordi-nariamente belas. Como veio, e você vai poder conferir a partir da próxi-ma página.

Vai ser difícil não contar, daqui pra frente, com esse talento, o seu en-volvimento profundo com a natureza e a causa ambiental. A morte de Luiz Claudio Marigo, no dia 2 de junho, surpreendeu a todos e nos deixou órfãos.

Esta edição é dedicada a ele.

Viva!

foto

: Cec

ília

Banh

ara

Mar

igo

“Quando, sorrateiramente, sigo quase sem poder respirar os macacos, os tucanos ou as pequenas aves nas matas, naquele

momento entro em contato com o essencial significado da vida. Isso realimenta o meu espírito e dá sentido à minha existência. Tenho

também plena consciência de que o meu amor à natureza transparece em cada uma de minhas fotos, tornando o meu trabalho missionário

na luta pela conservação da natureza e sobrevivência dos seres que tanto amo e respeito”

Luiz Claudio Marigo www.lcmarigo.com.br

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Capa

Nova consciência

Reservas particulares, mantidas por cidadãos comuns ou empresas, têm prestado um enorme serviço à

manutenção da ameaçada Mata Atlântica.

Reserva de Guapiaçu

Texto e fotos: Luiz Claudio Marigo

Ao analisar a cobertura vegetal do litoral brasileiro entre o Ceará e o Rio Grande do Sul no Google Earth ou em um mapa de vegetação, o ob-servador vai perceber a devastação sofrida pela Mata Atlântica desde o Descobrimento e ao longo dos ciclos do pau-brasil, da cana-de-açúcar, do garimpo de ouro, do café, da retira-da de madeira e de outros produtos econômicos até nossos dias, quando a exploração da floresta diminuiu de intensidade. Diminuiu, mas não ces-sou. Ainda há desmatamento e, pou-co a pouco, posseiros, fazendeiros e empreendedores vão, em um “traba-lho de formiguinha”, cortando a mata pela orla para aumentar um pasto, uma lavoura ou abrir espaço para al-gum empreendimento imobiliário.

Ao examinar o mapa, comparando as manchas verdes da floresta ama-zônica e as da floresta da costa bra-sileira, é evidente a destruição desse bioma. Enquanto na Amazônia a floresta é contínua, na Mata Atlân-tica vê-se uma colcha de retalhos, com apenas 7% de sua área origi-nal contendo fragmentos acima de 100 hectares – o equivalente a 100

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campos de futebol. No Nordeste, restaram somente pequeníssimos fragmentos, cercados de plantações de cana ou pastos, e de onde até já foram extintas algumas espécies de animais e vegetais. Aves como o mu-tum-do-Nordeste e, provavelmente, também o limpa-folhas-do-Nor-deste não são mais avistadas pelos observadores de aves e ornitólogos. Mais ao sul, na Bahia e no Espírito Santo, a mata foi também reduzida a fragmentos isolados, relativamente pequenos, insuficientes para pre-servar em longo prazo animais com grandes necessidades territoriais, como a onça-pintada, o gavião-real (Harpia harpyja) e outros predadores de topo de cadeia alimentar.

No Rio de Janeiro, as florestas das montanhas altas e de difícil acesso das serras do Mar e da Mantiqueira ficaram razoavelmente protegidas, exatamente por essa razão. Nessas terras altas, foram criados, na Serra da Mantiqueira, a primeira unidade de conservação do país, o Parque Nacional de Itatiaia, em 1937, e logo depois, em 1939, na Serra do Mar, o Parque Nacional da Serra dos Ór-gãos. Nas terras baixas, a floresta foi praticamente devastada.

No sul de São Paulo e ao norte do Paraná, próximo ao litoral e na Ser-ra do Mar, estão as maiores exten-sões contínuas de Mata Atlântica. Em Santa Catarina e no norte do Rio Grande do Sul, subsistem outros fragmentos isolados, também pre-cariamente protegidos por unidades públicas de conservação que em todo o Brasil sofrem com a falta de demarcação, regularização fundiá-ria, plano de manejo, infraestrutura e vigilância.

“Matas atlânticas”Por Mata Atlântica entende-se uma grande área florestal que na época da chegada das caravelas portu-guesas cobria cerca de um milhão

e trezentos mil quilômetros quadra-dos, o equivalente à área do Peru e maior que a de qualquer país da Europa Ocidental. Entretanto uma análise mais detalhada desse grande bioma vai revelar diversas florestas de características muito diferentes, com espécies de plantas e animais com distribuição geográfica limita-da. Por exemplo: na Mata Atlânti-ca ocorrem, em regiões diferentes, quatro espécies de macacos-prego e seis espécies de micos, isoladas pelos grandes rios que separam as florestas e por outros fatores ecoló-gicos. Entre as aves, alguns gêneros são mais diversificados ainda, como as saíras, e outros têm espécies de distribuição muito restrita, como al-gumas insetívoras de mata fechada, o que demonstra uma realidade de diversas “matas atlânticas”. Ao longo de milhões de anos, a evolução da floresta, por meio de diversos pro-cessos, resultou em grande biodiver-sidade e muitos endemismos, pois há espécies que só ocorrem na Mata Atlântica e algumas apenas em áreas restritas desse bioma.

Das plantas, cerca de 8 mil espé-cies só ocorrem na Mata Atlântica. Os números são realmente impres-sionantes: 55% das árvores, 40% das plantas não-arbóreas, 70% das bromélias e 74% das palmeiras são endêmicas. O palmito da juçara, que o brasileiro morador do litoral con-sumia em sua alimentação diária, é hoje uma espécie ameaçada de ex-tinção. Industrialmente, foi substituí-do por uma palmeira amazônica, a pupunha (Bactris gasipaes).

Um estudo realizado pelo Jardim Bo-tânico de Nova York e pela Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira en-controu 458 espécies arbóreas em apenas um hectare da floresta sul-baiana, perto de Uma – um recorde de biodiversidade. O número total de espécies vegetais do bioma é es-timado em aproximadamente 20 mil.

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A Mata Atlântica abriga em torno de 7% das espécies do planeta.

É claro que essa biodiversidade exu-berante e tal riqueza de endemis-mos, combinadas com o extremo desmatamento e a fragmentação da mata, conduziram a uma delicada situação para a conservação da flo-resta e dos seres que a habitam. Na região onde crescia a Mata Atlântica vivem hoje 120 milhões de brasilei-ros, e é de onde vem 70% do nosso Produto Interno Bruto. O resultado é que o remanescente dessa floresta sofre grande pressão devido à ocu-pação humana, correndo sérios ris-cos de empobrecimento biológico e genético, com mais de 10% de suas espécies de aves e cerca de 14% de espécies de mamíferos ameaçadas de extinção – algumas criticamen-te. O problema se agrava porque as espécies não estão uniformemente distribuídas por toda a floresta. Há algumas que sofrem processos de aniquilamento em áreas de ocorrên-cia pequenas e, por isso, estão em perigo de extinção. Todo esforço de preservação é essencial para sua so-brevivência, e muito bem-vindo. A responsabilidade é nossa, para be-nefício de todos.

Reservas particulares crescem

Para estimular a criação de reservas em terras particulares, o governo federal criou uma legislação especí-fica, permitindo ao proprietário rural manter a propriedade de suas terras e protegê-las com uma Reserva Par-ticular do Patrimônio Natural (RPPN). Trata-se de uma unidade de conser-vação criada em área particular, em caráter perpétuo, por ato voluntário do proprietário da terra. Quando o proprietário rural registra suas ter-ras como RPPN, ele se compromete vitaliciamente com a conservação da natureza. RPPN é para sempre. O Brasil tem hoje cerca de 500 mil hectares em RPPNs, em todos os biomas. Essa categoria de unidade de conservação criada pela vontade de particulares cresceu 80% em dez anos, e continua crescendo.

Foi esse sentimento de responsabili-dade e amor pela natureza que levou o biólogo Vitor Becker e sua esposa Clemira, a empregarem as econo-mias de toda a vida para comprar terras na Bahia, na Serra Bonita, a 130 quilômetros de Ilhéus, nos mu-

Serra Bonita: à esquerda, uma fêmea de aracari-poca

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nicípios de Camacan e Pau-brasil, transformá-las num complexo de RPPNs e fundar o Instituto Uiraçu, para realizar pesquisas na floresta e implementar medidas para sua conservação. Na época da criação do instituto, Becker e outros asso-ciados perceberam que a riquíssima Mata Atlântica sul-baiana só possuía unidades de conservação perto do litoral e que na Serra Bonita ain-da crescia uma mata exuberante, de altíssima biodiversidade, com grande gradação altitudinal, de 200 a 950 metros sobre o nível do mar, com suas cotas mais altas frequen-temente envoltas em nevoeiros. Na

parte baixa da Serra Bonita, Becker comprou também matas de cabruca – matas onde se plantava cacau –, as quais terão seu sub-bosque recu-perado com a proteção e o tempo. É importante notar que só a RPPN Serra Bonita, de 1.800 hectares, e o Parque Nacional da Serra das Lon-tras protegem as Matas Atlânticas baianas de altitude, tão raras e pe-culiares.

Nessas duas áreas ocorre o acroba-ta, uma pequena ave rara e amea-çada de extinção, descoberta e descrita para a ciência em 1996. Entretanto, é apenas na Serra Boni-ta que o acrobata pode ser avista-do facilmente, em frente à casa da Dona Zica, na subida da serra, antes de chegar à sede das RPPNs. É para esse ponto que convergem os obser-vadores de aves que visitam a serra, às vezes com a única finalidade de observar o acrobata.

Na Serra Bonita vivem ainda quatro espécies de primatas, todas endê-micas, das quais três estão amea-çadas de extinção. Bandos grandes de macaco-prego-de-peito-amarelo, tão raro em toda sua área de distri-buição, vagueiam pela Serra Bonita. Grupos de sagui-de-wied, endêmi-cos da mata sul-baiana, são comuns. Já o guigó e o mico-leão-de-cara-dourada são mais difíceis de serem avistados. O muriqui-do-norte foi extinto na serra, assim como um dos 25 primatas mais ameaçados do mundo, o guariba-marrom-do-norte (Alouatta guariba guariba), com sua população estimada em menos de 350 indivíduos. Todas as populações estão isoladas e em fragmentos pe-quenos, em áreas particulares não protegidas, e são inviáveis a longo prazo. No entanto há planos para a translocação de indivíduos desta es-pécie de guariba para a Serra Bonita, para reintroduzi-los numa área pro-tegida e viabilizar sua sobrevivência. Há um ano, um macho quase adulto, o Pelé, anda nas proximidades do

Serra Bonita: macaco-prego-de-peito-amarelo pode ser visto em bandos pela reserva

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centro de pesquisas e está apro-ximando-se de Xuxa, uma fêmea que, em 7 fevereiro de 2014, chegou para tentar o acasalamento. No dia 18 de fevereiro deste ano, o Ibama de Porto Seguro e o Instituto Uiraçu firmaram uma parceria para a Serra Bonita receber outros exemplares de guariba e também outras espécies que já habitaram aquele local.

Becker ressalta que menos de 2% do Corredor Central da Mata Atlântica é protegido de forma integral. “Essas áreas protegidas, além de peque-nas – quase a metade tem menos de 2.500 hectares –, são também altamente isoladas e distribuídas de forma inadequada, tanto geográfica como ecologicamente. Tais fatores, combinados com severas limitações no manejo e graves problemas fun-diários, fazem que o sistema público de Unidades de Conservação não tenha, sozinho, condições suficien-tes de manter populações viáveis de espécies endêmicas ameaçadas nem de conservar a biodiversidade a longo prazo”. E conclui: “As RPPNs podem ser consideradas como as melhores aliadas das áreas públicas protegidas. Elas ampliam as áreas sob proteção, preenchem lacunas, conservam habitats únicos e formam corredores ecológicos que melho-ram significativamente a conectivi-dade das florestas, servindo também de abrigo e ponto de passagem para animais silvestres. Esses corredores permitem a circulação da fauna, im-pedindo que grupos de organismos fiquem isolados entre si, o que gera-ria problemas de consanguinidade e aumentaria os riscos de extinção.”

A RPPN Estação Veracel, conside-rada pela Unesco como Sítio do Patrimônio Mundial Natural por sua importância para a conservação da biodiversidade, nos municípios de Porto Seguro e Santa Cruz de Ca-brália, dista apenas 125 quilômetros em linha reta da Serra Bonita, mas o contraste entre as duas reservas é

marcante. A RPPN Estação Veracel está quase no nível do mar, entre 4 e 70 metros, numa região da forma-ção geológica chamada de “tabulei-ro do terciário”, de solo arenoso. É separada da RPPN Serra Bonita pelo rio Jequitinhonha. O sagui e o ma-caco-prego da Estação Veracel são o sagui-de-cara-branca e o macaco-prego-robusto, espécies diferentes dos da Serra Bonita, e ambas estão ameaçadas de extinção. O acroba-ta não ocorre na Estação Veracel, que abriga outras espécies de aves ameaçadas, como o raríssimo beija-flor balança-rabo-canela, o crejoá, o anambé-de-asa-branca, a tiriba-grande e o papagaio-chauá. A avi-fauna e a composição florística de sua floresta são diferentes da Serra Bonita. Na Estação Veracel, há árvo-res monumentais como o pequi-pre-to, o jacarandá e o pau-brasil, claro. A mata de baixada abriga espécies ameaçadas na Mata Atlântica, como a anta, e ameaçadas globalmente, como o guigó, o ouriço-cachei-ro-preto, a preguiça-de-coleira, a lontra e quatro espécies de gato-do-mato.

Com 6.069 hectares, a RPPN Esta-ção Veracel faz parte de um bloco de aproximadamente 8.000 hectares, composto por duas RPPNs, algumas reservas legais e a Estação Ecoló-gica Pau-Brasil. É uma unidade de conservação importante para o cor-redor central da Mata Atlântica, mas seu apoio às pesquisas e à educação ambiental e sua atenção à vigilância contra caçadores e incêndios fazem um diferencial. Uma equipe treinada percorre semanalmente a Reserva, desmontando armadilhas de caça-dores, monitorando possíveis focos de incêndio e também visitando as propriedades vizinhas para prevenir incêndios que os proprietários vi-zinhos provocam para “limpar” os campos. A equipe da Estação Ve-racel faz um trabalho de educação ambiental informando os lavradores

Estação Veracel abriga árvores monumentais, como a jueirana

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de que essa técnica é prejudicial para suas terras e para a floresta. Na RPPN são desenvolvidos também projetos de educação ambiental com as escolas da região. Anual-mente, a reserva recebe a visita de cerca de 5 mil pessoas interessadas na natureza.

No norte do Espírito Santo, no mu-nicípio de Linhares, na mesma for-mação geológica de tabuleiro e com fauna e flora muito parecidas com as da Estação Veracel, a Reserva Natu-ral Vale, de 23 mil hectares, compõe uma área contínua de 47.000 ha com a Reserva Biológica de Sooretama. É a mais extensa área de Mata Atlân-tica de tabuleiro e sua importância levou a Unesco a dar-lhe o título de Posto Avançado da Reserva da Bios-fera da Mata Atlântica. Em estudo sobre o valor econômico da reserva, por sua relevância para a conserva-ção da Mata Atlântica, seu valor de existência (não uso) chegou à cifra de 1 bilhão de dólares. O estudo foi desenvolvido pela Vale, em parceria com a Lawrence Berkeley Laboratory (Universidade da Califórnia), Quest Inteligência de Mercado Ltda. e es-pecialistas em economia ambiental. O valor de existência reflete o bene-fício econômico de um recurso am-biental, ou seja: embora as pessoas não o conheçam pessoalmente,

entendem a importância de sua pre-servação. Os valores de uso direto e indireto incluem aspectos como recreação, geração de conhecimen-to, polinização, estoque de carbono, tanto na vegetação como na produ-ção de mudas para a recuperação de áreas, regulação do solo, do ar e da água, além da provisão de água.

Novas espéciesLuiz Felipe Campos, gerente de Biodiversidade e Florestas da com-panhia Vale, explica que “a Reser-va Natural Vale não é uma área de conservação”, isto é, não é uma RPPN – única categoria existente de reserva privada –, “mas atua como tal, seguindo as melhores práticas e recomendações para a conservação da diversidade biológica. Ele ressal-ta sua importância para pesquisas da Mata Atlântica de tabuleiro. Sem esses estudos, todo esforço de con-servação seria uma atividade cega: “Atualmente, mais de 150 pesquisas estão em andamento na Reserva Na-tural Vale, entre as próprias e as rea-lizadas em colaboração com outras instituições de ensino e pesquisa do Brasil e do exterior. Destacam-se estudos relacionados à ecologia e à conservação de espécies vegetais e animais, manejo florestal, restaura-ção ecológica, formação de florestas

Reserva Natural Vale, em Linhares (ES): acima, paisagem de campo nativo na beira do rio Barra Seca. No centro, um jequitibá-rosa

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de uso múltiplo, estocagem de car-bono e mudanças climáticas, entre outros temas”. Nos últimos cinco anos, 20 espécies botânicas novas foram descritas para a ciência na Re-serva Natural Vale e, recentemente, pesquisadores da Universidade de São Paulo descobriram uma nova árvore que recebeu o nome vulgar de pindaíba-preta (Ephedranthus dimerus). É a única do gênero Ephe-dranthus registrada para esse bioma.

A equipe de fiscalização da Reser-va Natural Vale auxilia o ICMBio na fiscalização da Reserva Biológica de Sooretama, beneficiando a fauna e a flora de ambas. Como as duas reser-vas formam uma área tão extensa, é a única floresta no Espírito Santo onde ainda ocorrem a onça-pintada e o gavião-real, predadores de topo de cadeia alimentar que precisam de grandes áreas para sua sobrevivên-cia. Na Reserva ainda subsistem o tatu-canastra, espécie raríssima na Mata Atlântica, e o mutum-do-su-deste ou mutum-de-bico-vermelho (Crax blumenbachii). A Reserva Na-tural Vale e a Reserva Biológica Soo-retama protegem a mais importante população desta ave.

A vantagem de uma reserva com recursos próprios, propriedade de uma grande indústria – assim como

a Estação Veracel – é a disponibili-dade de recursos para geri-la com eficiência. Luiz Felipe Campos apon-ta que “por gerenciarmos orçamento próprio, conseguimos colocar em prática diversas ações necessárias à implantação da Reserva como área efetivamente protegida. O grande destaque é a extensão do território e a existência de recursos necessários para desenvolver plenamente nos-sos objetivos”.

Na Serra do Mar do Rio de Janeiro, a Reserva Ecológica Guapiaçu (Regua) é administrada pelo casal Nicholas e Raquel Locke. A Regua abrange uma área total de 7.500 hectares e seu objetivo é, nas palavras de Nicholas, “a conservação da alta bacia do rio Guapiaçu, uma bacia hidrográfica de 300 quilômetros quadrados lo-calizada no município de Cachoeiras de Macacu, a cem quilômetros da cidade do Rio de Janeiro”. A Regua é contígua ao Parque Estadual Três Picos e situa-se no centro do Corre-dor Ecológico Sul da Mata Atlântica, aumentando a conectividade da Re-serva Biológica do Tinguá, do Parque Nacional do Serra dos Órgãos, da APA de Macaé de Cima e do Parque Estadual do Desengano. Segundo Nicholas, “a Regua está localizada no centro desse longo corredor ver-de, mas, acima de tudo, vai permitir

Trabalhadores capinano em volta de árvores plantadas para reflorestamento

na Reserva Ecológica Guapiaçu, em Cachoeiras de Macacu (RJ)

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que essas áreas preservadas altas tenham conexão com as áreas de matas de baixada, mostrando que a área sob a administração da Regua é importantíssima para as espécies que dependem da integridade flores-tal desses gradientes altitudinais”.

O nome do município é significativo: Cachoeiras de Macacu abriga inú-meras nascentes e a água, hoje, cada vez mais escassa, é o mais impor-tante recurso natural. Recentemen-te, esse município viu a extração de água mineral tornar-se uma das ati-vidades econômicas importantes da região. Vizinha à Regua, a cervejaria Schincariol, agora Kirim, conserva suas florestas para preservar seus mananciais. A Regua também prote-ge do desmatamento, da caça e da exploração predatória de recursos naturais um importante remanes-cente florestal de mata atlântica de baixada. Além de proteger, a Reserva de Guapiaçu vem restaurando habi-tats nativos, através de um esforço de reflorestamento e de reintrodu-ção de espécies extintas localmente.

Segundo Nicholas, “a maior parte das terras baixas e pantanosas em frente à sede da Regua era coberta com caxeta (Tabebuia cassinoides), da família dos ipês. Há muitos anos, esses alagados foram drenados e as árvores cortadas para extração da madeira. Os tocos remanescentes foram queimados e a área transfor-mada em pastagem. Há muito minha vontade era restaurar os antigos ala-gados e, ao adquirir a fazenda São José em 2003, esse sonho se tornou possível. Em 2005, após a constru-ção de barragens, uma grande área foi inundada, resultando num alaga-do de 12 hectares, que maturou ra-pidamente e atraiu aves e uma fauna diversa. Levarão alguns anos para que a caxeta, orquídeas e bromélias possam ser reintroduzidas, mas o passo inicial foi dado, para restaurar esse habitat extremamente raro e especial”.

Na área de baixada onde cresciam florestas, a Regua já plantou cerca de 150 mil árvores de espécies na-tivas, com sobrevivência de 95% das mudas, provenientes de seus pró-prios viveiros e sementes coletadas em suas matas. O objetivo é também aumentar a conectividade com as áreas protegidas nas serras.

A avifauna da Regua é riquíssima, com 460 espécies registradas. A Reserva atrai muitos observadores de aves e também de lepidópteros (borboletas e mariposas). Entre as espécies ameaçadas de extinção protegidas pela Regua estão 13 es-pécies de aves, o muriqui-do-sul (Brachyteles arachnoides), a lontra e três espécies de gatos selvagens. É interessante notar que a Regua está ao sul do rio Doce, e o macaco-pre-go da Regua é outra espécie, o ma-caco-prego-preto (Sapajus nigritus), diferente da que ocorre na Reserva Natural Vale e da Veracel. Com o sa-gui acontece o mesmo. Nas áreas mais altas da região onde fica a Re-gua ocorre o sagui-da-serra-escuro

Cachoeira descoberta recentemente pela família Locke, em Guapiaçu

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(Callithrix aurita). Insetos ameaçados também são protegidos na reserva, como a libélula helicóptero-amália (Mecistogaster amalia) e a borbo-leta-da-restinga (Parides ascanius), endêmica do Rio de Janeiro.

Educação ambientalNo litoral norte do Paraná, no muni-cípio de Guaraqueçaba, a RPPN Sal-to Morato, propriedade da Fundação Grupo Boticário, protege 2.253 hec-tares de Mata Atlântica úmida, exu-berante, riquíssima em bromélias e outras plantas epífitas (que crescem sobre outras e não são parasitas). A área inclui ainda a cachoeira Salto Morato e a grande figueira do rio do Engenho, símbolos da reserva. Entre as espécies protegidas, ameaçadas de extinção, estão quatro espécies de gatos selvagens, o cachorro-do-mato-vinagre, o muriqui, o macuco, a maria-leque-do-sudeste, a cigarra-verdadeira (uma ave!), a choca-da-ta-quara e outras.

Esta RPPN destaca-se por seu tra-balho inovador sobre sinalização de áreas protegidas e interpretação de trilhas, isto é, educação ambiental. Com sua boa infraestrutura para visitação, a Salto Morato hospedou mais de cem cursos e capacitou mais de 2 mil alunos em diversas maté-rias, como administração e manejo de unidades de conservação, bio-logia da conservação, avaliação de biodiversidade, condutores de visi-tantes em unidades de conservação, educação ambiental e interpretação da natureza em unidades de conser-vação, além de outras relacionadas à proteção da natureza. A Salto Mora-to entendeu que o conhecimento e a sua difusão são ferramentas eficazes para a conservação da natureza. Sa-ber é poder.

Educação talvez seja o ingrediente essencial que ainda falta para salvar a Mata Atlântica. O Brasil carece de um processo civilizatório que leve

em conta a natureza e os processos am-bientais que susten-tam a prosperidade de um país. Houve um tempo em que a mata era derrubada apenas para dar lugar aos ciclos econômi-cos e nem a madeira de lei era aproveita-da. Era simplesmente queimada para “lim-par” os campos. Tem-pos de abundância e descuido. Hoje, até a água que a floresta mantém – e regula por meio de sofistica-dos processos hidro-lógicos que apenas começamos a com-preender – é escassa e motivo de disputa entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

A atitude dos proprie-tários de reservas par-ticulares reflete uma mudança de cons-ciência dos brasileiros em relação à grande floresta. São homens, mulheres e empre-sas preocupados em “fazer a sua parte”. E assim contribuem imensamente para a conservação do bio-ma que praticamente sustentou sozinho, com altos custos, o desenvolvimento da nação brasileira.

Estadista, filósofo e teórico político do século XVIII, Edmund Burke dizia que “ninguém comete erro maior do que não fazer nada porque só pode fazer um pouco”. As reservas parti-culares não incidem neste erro. Fa-zem muito!

Salto Morato, no município de Guaraqueçaba (PR)

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EntrEviSta

Energias renováveis:

hora de inovar

Fausto Rêgo

Heitor Scalambrini Costa, físico, mestre em Energia Solar pelo Departamento de Energia

Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco, estudioso das energias

renováveis e membro da Rede Brasileira de Justiça

Ambiental.

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Sistema de painéis fotovoltaicos em Thüngen, Alemanha. País é responsável por 30% do uso mundial de energia solar

“Se há um país no mundo que goza das melhores oportunidades eco-lógicas e geopolíticas para ajudar a formular outro modelo energético para toda a humanidade, este país é o Brasil”. Quem afirma é o físico Heitor Scalambrini Costa, mestre em Energia Solar pelo Departamento de Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco, estudioso das energias renováveis e membro da Rede Brasileira de Justiça Am-biental. Segundo ele, o mundo não está pronto para enfrentar as piores consequências de um aquecimento global – e a ameaça é real, conforme vem alertando o Painel Intergover-namental da ONU sobre Mudanças Climáticas. Para conter o impacto humano sobre o clima, é fundamen-tal buscar uma matriz energética que não se baseie no uso de combustí-veis fósseis. E o Brasil tem condições para isso.

Heitor observa que o uso predo-minante da energia gerada por hi-droelétricas nos torna muito vulne-ráveis às mudanças do clima, como ocorreu no último verão, quando as chuvas foram escassas em boa parte do território nacional. Diversificar é a solução. A opção nuclear, ponde-ra, não é boa – “temos alternativas mais seguras e baratas”. Mas a ener-

gia solar poderia ser mais explorada – “recebemos os maiores índices de radiação solar, em particular no Nor-deste, mas a capacidade fotovoltaica instalada é insignificante”.

O potencial das energias renováveis e as ameaças provocadas pelas mu-danças climáticas são os temas des-ta entrevista que o professor Heitor Scalambrini Costa nos concedeu por e-mail. Nela, ele adverte: “Os que de-cidem no setor elétrico não podem continuar a dar respostas aos gran-des desafios do século 21 com as mesmas soluções dadas aos proble-mas do século 20. A hora é de inovar”.

Senac Ambiental – O rigor do úl-timo verão brasileiro, com poucas chuvas em boa parte do território nacional, deixou os reservatórios das hidroelétricas em níveis preocupan-tes. E não foi a primeira vez que isso aconteceu. Com as mudanças climá-ticas potencializando os extremos, o risco de uma crise de abastecimento nos próximos anos é iminente?

Heitor Scalambrini Costa – Ob-viamente, o fato de a matriz elétrica brasileira ter nas hidroelétricas uma contribuição de mais de 80% da ener-gia elétrica ofertada no país nos torna extremamente dependentes dessa

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fonte energética. E nos deixa vulne-rável às mudanças no clima que já es-tão ocorrendo, implicando períodos mais frequentes de falta de chuvas.

Sem dúvida, esse problema irá se agravar, e necessitamos urgente-mente de políticas públicas que in-centivem a diversificação da matriz elétrica. Não somente baseada em um modelo hidrotérmico (hidroelé-tricas + usinas térmicas), mas que assegure uma maior participação da energia solar, da energia eólica e de outras fontes renováveis, além de programas sérios e consistentes de uso eficiente e racional de ener-gia, na indústria (principalmente), no comercio e nas residências. Também economizando energia nós a oferta-mos para o sistema elétrico. Portan-to a energia elétrica de que precisa-mos não virá somente da construção de grandes usinas, mas da economia em setores perdulários ou que utili-zem tecnologias ultrapassadas.

As palavras-chave para uma matriz elétrica (e mesmo energética) segura, menos suja, seriam a diversificação das fontes produtoras e a comple-mentaridade das fontes energéticas, associada ao uso racional da energia.

Senac Ambiental – A matriz energé-tica brasileira é baseada em hidroelé-tricas. Uma energia limpa, mas de for-te impacto ambiental. A construção de usinas como Belo Monte é polê-mica dos pontos de vista ambiental e do impacto sobre as populações tra-dicionais. Podemos mencionar tam-bém as cheias do rio Madeira, que quase isolaram o Acre no início deste ano e causaram inúmeros transtor-nos, pois há quem atribua esses efei-tos à construção das usinas de Jirau e Santo Antônio. Qual a sua percepção das vantagens e desvantagens desse modelo energético?

Heitor Scalambrini Costa – Se-gundo o Operador Nacional do Sis-tema Elétrico, mais de 80% da oferta de energia elétrica é proveniente das

hidroelétricas. Uma dependência que, sem dúvida alguma, tem pro-vocado muitas incertezas quanto à segurança energética do país.

As hidroelétricas, que até então eram consideradas “limpas” por não produzirem os chamados gases de efeito estufa – como dióxido de carbono, óxidos nitrosos e meta-no, entre outros –, têm hoje, com a evolução tecnológica e científica, essa premissa colocada em xeque por vários cientistas. Medidas reali-zadas, em particular, nos reservató-rios das grandes hidroelétricas têm detectado a emissão de quantidades consideráveis de metano, devido à decomposição da matéria orgânica encontrada nos reservatórios. Logo, virou “lenda” falar hoje que as gran-des hidroelétricas são “limpas”.

O rigor científico mostra que não existe fonte energética “limpa”, pois todo processo de transformação de energia emite resíduos e gases po-luentes. O que podemos é chamar essas fontes de “menos sujas”, pois aquelas chamadas de “sujas” são as fontes não renováveis (petróleo, gás natural, carvão mineral e as prove-nientes dos minérios radioativos).

Considero um grande erro a constru-ção de mega-hidroelétricas na região

Construção da Usina de Santo Antônio, no rio Madeira, pode ter contribuído para

as cheias deste ano na região

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Amazônica. A meu ver, desnecessá-rias para o suprimento de energia do país. Vejo com preocupação os impactos ambientais e sociais cau-sados por estses empreendimentos, que não levam em conta os interes-ses das populações ribeirinhas, dos índios da região. As decisões toma-das para a construção dessas usinas foram autoritárias, não levando em conta, também, estudos indepen-dentes daqueles realizados pelos maiores interessados (governo, em-preiteiras, construtores de equipa-mentos e políticos com interesses escusos no empreendimento), que mostraram impactos socioambien-tais enormes.

Senac Ambiental – Patrick Moore, que fundou a organização ambien-talista Greenpeace, é hoje um entu-siasta da energia nuclear. Em entre-vista, ele disse que “a única forma de reduzir o consumo de combustíveis fósseis de maneira significativa é fa-zer isso com um programa agressivo de energias renováveis combinado à energia nuclear”. É de fato uma op-ção viável para o Brasil, apesar dos riscos de contaminação e do proble-ma da geração de resíduos?

Heitor Scalambrini Costa – Dis-cordo da afirmativa de que as usi-

nas nucleares devam ser levadas em conta para a matriz elétrica/energéti-ca de um país. No Brasil, então, seria e é, no mínimo, um grande equivo-co a construção dessas usinas, pelo simples fato de que não precisamos. Temos alternativas mais seguras, ba-ratas e menos perigosas para o meio ambiente e a saúde das pessoas.

Como em engenharia não existe risco zero, a liberação de material radioativo é o que de pior pode acontecer em uma usina nuclear, acarretando a contaminação das pessoas, dos animais, da água, do solo e do ar, geralmente provenien-te de isótopos como urânio-235, césio-137, cobalto-60, iodo-131, es-trôncio-90, tório-232 e plutônio. Tais isótopos liberam energia por meio de ondas eletromagnéticas. É o que chamamos de radiação. O contato da radiação com seres vivos não é o que podemos chamar de uma boa relação.

Contaminantes altamente tóxicos chegam aos seres humanos pela in-gestão de água e alimentos ou pelo próprio ar respirado. Esta é a grande e maior preocupação com relação às vidas das pessoas e dos seres vivos de uma maneira geral, que podem ser atingidas até onde os elementos químicos que foram liberados para o meio ambiente podem chegar.

Os efeitos da radiação podem ser em longo prazo, curto prazo ou apre-sentar problemas aos descendentes da pessoa infectada (filhos, netos). O indivíduo que recebe a radiação em dose elevada sofre alterações genéticas, que podem ser transmi-tidas na gestação. A radiação afeta os átomos que estão presentes nas células, provocando alterações em sua estrutura. O resultado? Graves problemas de saúde, como a perda das propriedades características dos músculos e da capacidade de efetuar as sínteses necessárias à sobrevivên-cia. Muitos desses elementos quími-

Usina nuclear de Angra dos Reis: para Scalambrini, os riscos não compensam

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cos acabam se instalando nos os-sos, afetando a medula óssea, e na tiroide, entre outras partes do orga-nismo humano. Daí que, geralmente, em acidentes em usinas nucleares, o numero de mortes imediatas após o acidente é relativamente pequeno em relação a outros tipos de aciden-tes. Todavia as mortes ocorrerão ao longo de décadas.

Outros impactos de projetos que utilizam a energia nuclear para fins energéticos ocorrem em toda cadeia produtiva, chamada ciclo do com-bustível nuclear, desde a mineração até a fabricação do elemento com-bustível que é usado nas usinas. São atividades industriais em que podem ocorrer acidentes.

A proliferação e a militarização nuclear, consequência de um pro-grama que prevê construção de usinas, são altamente indesejáveis, principalmente para o Brasil e seus vizinhos, que são países pacíficos. A cada usina que construímos, au-mentaremos o volume de urânio produzido, aumentando assim o perigo que ronda a humanidade. Portanto os riscos são muito maio-res que os benefícios que se deseja atribuir a esta tecnologia.

Senac Ambiental – Em discurso recente, o presidente dos Estados Unidos disse que em seu país, a cada quatro minutos, uma casa ou empresa adota a energia solar. Por que esse impulso não ocorre tam-bém no Brasil, onde a incidência de raios solares é tão generosa, em es-pecial no Nordeste? É apenas ques-tão de reduzir impostos como ICMS, PIS e Cofins, já que ainda é uma energia cara?

Heitor Scalambrini Costa – Sem dúvida, os preços da tecnologia solar no Brasil são bem mais caros que os encontrados em países que apostam nessa tecnologia, o que la-mentavelmente dificulta uma maior difusão. Mas não é somente esta questão que atravanca a energia so-lar em nosso país.

A conversão em calor da energia so-lar para obtenção de baixas tempe-raturas (água quente para o banho, pré-cozimento de alimentos, higieni-zação) tem tido uma trajetória mais consistente do que a produção de energia elétrica. E é a esta que me refiro.

O Brasil recebe os maiores índices de radiação solar do planeta, em

A usina solar Gemasolar, na Espanha, armazena energia

por até 15 horas e pode fornecer eletricidade 24 horas por dia.

No Brasil, porém, o investimento nessa modalidade é ainda tímido

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particular sua região Nordeste. Se-gundo o Ministério de Minas e Ener-gia, em dezembro de 2012, a capaci-dade fotovoltaica (geração elétrica a partir da incidência da radiação solar em semicondutores chamados célu-las solares) instalada no país era de insignificantes oito megawatts.

De acordo com o Worldwatch Insti-tute, a capacidade instalada da ener-gia solar no mundo cresceu 41% em 2012, atingindo a marca de cem mil megawatts instalados. Dados apon-tam que no final de 2013 chegou próximo de 150 mil megawatts. Em 2007, eram menos de 10 mil.

A Europa é ainda a principal con-sumidora de energia solar, respon-dendo por 76% em 2012. O grande destaque é a Alemanha, que sozinha é responsável por 30% do uso mun-dial. Segundo a Solar Industry Asso-ciation, cerca de 8,5 milhões de pes-soas já estão usando a energia solar para gerar eletricidade ou calor. Ou seja: de cada dez alemães, um utiliza energia solar.

A energia solar fotovoltaica já aten-de 5% da demanda de eletricidade naquele país. As indústrias do setor têm como meta aumentar esta oferta para 10% em 2020 e cerca de 20% até 2030, mesmo com as taxas adicionais pagas pelo consumidor para subsi-diar as fontes energéticas renováveis.

Devido à atual situação econômica no continente europeu, o relatório da Worldwatch destaca que a posi-ção europeia com relação à produ-ção elétrica solar está ameaçada, pois a Itália e a Espanha recente-mente alteraram suas políticas de in-centivo às fontes renováveis de ener-gia, o que sem dúvida vai prejudicar a expansão do setor solar na região.

Os Estados Unidos e a China são os atuais mercados mais promissores à tecnologia fotovoltaica. A China di-vulgou recentemente a decisão do seu Conselho de Estado em aumen-tar em 10 mil megawatts a cada ano, chegando em 2015 com uma potên-cia instalada de 35 mil megawatts. Apenas em 2012, foram instalados 8 mil megawatts. Já o EUA esperam, até o fim de 2013, suplantar a marca dos 13 mil megawatts instalados.

Portanto, se existem esse cresci-mento e o crédito dessa tecnologia junto aos tomadores de decisão de vários países, por que no Brasil ela não emplaca?

Uma das causas dessa pífia utili-zação da fonte solar para produzir eletricidade é a completa falta de interesse dos formuladores e gesto-res da política energética brasileira. Esta afirmativa é corroborada nas políticas públicas planejadas para o país. Segundo a Empresa de Plane-jamento Energético, o Plano Decenal de Energia 2013-2022 prevê a gera-ção de irrisórios 1,4 mil megawatts de geração distribuída via fonte solar em 2022.

O preço dessa energia é o maior em-pecilho apontado pelo Ministério de Minas e Energia para sua ampla difu-são. Segundo estimativas do próprio Ministério, o custo da energia foto-voltaica estaria estimado em R$ 280 a R$ 300 por megawatt/hora e pode-ria cair para R$ 165 por megawatt/hora em cinco anos. O que é um disparate total, sem lastro na reali-dade atual, que acaba inibindo sua

Parque eólico de Osório, no RS

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utilização. Por outro lado, não existe uma política consistente de apoio e/ou incentivo dessa fonte energética. Existem arremedos, com ações uni-camente midiáticas.

Senac Ambiental – Diante do novo alerta divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudan-ças Climáticas da ONU em relação ao aquecimento global, torna-se imperativo reduzir drasticamente o uso de combustíveis fósseis em todo o mundo? Quais as chances de um pacto internacional em torno do uso de energias renováveis?

Heitor Scalambrini Costa – A principal mensagem do relatório “Impactos da Mudança Climática, Adaptação e Vulnerabilidade”, apre-sentado em 31 de março pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), entidade que reú-ne milhares de cientistas de mais de uma centena de países, foi de que os impactos das mudanças climá-ticas já afetam agricultura, ecossis-temas, recursos hídricos, oceanos, setores econômicos e a saúde hu-

mana. Felizmente, ainda há tempo para ações de mitigação e adapta-ção que reduzam os prejuízos des-ses efeitos. Porém, atualmente, não estamos prontos para enfrentar as piores consequências do aqueci-mento global.

Vivemos na era das mudanças climá-ticas produzidas pelo homem. Em muitos casos, não estamos prepara-dos para os riscos que já enfrenta-mos. Investimentos em uma melhor preparação podem render benefí-cios no presente e no futuro.

Uma das conclusões do trabalho é que, apesar de as mudanças cli-máticas afetarem a todos, serão os pobres os mais impactados. A alte-ração do clima está agindo como um multiplicador de outras ameaças, como a dificuldade em conseguir ali-mentos e moradia.

O relatório do IPCC destaca que quanto mais demorarmos para ado-tar medidas de mitigação e adapta-ção às mudanças climáticas, piores elas serão. Sem dúvida, é a cadeia

A palha do arroz pode ser queimada para a obtenção de energia

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produtiva da energia a maior res-ponsável pelas emissões. Cabe, por-tanto, incentivar as fontes renováveis em substituição aos derivados de petróleo, carvão mineral, gás natural e minérios radioativos.

Desgraçadamente, o lobby do petró-leo e gás é muito poderoso, agindo nos governos que ainda oferecem subsídios astronômicos a essas fontes em detrimento das fontes renováveis. Vejo ainda distante este pacto internacional em torno do uso de energias renováveis. A aceleração para redução do uso dos combustí-veis fósseis se dará com a pressão popular, e isto necessita de cons-cientização.

Veja, por exemplo, a contradição que vivemos hoje no Brasil. Reconhece-mos que o maior vilão das mudanças climáticas é o petróleo. Ao mesmo tempo, o petróleo descoberto no pré-sal é entusiasticamente apon-tado como solução que irá gerar os recursos econômicos para combater inúmeros problemas existentes na educação, na saúde etc.

Senac Ambiental – A Resolução Normativa nº 482/2012 da Agên-cia Nacional de Energia Elétrica diz que o consumidor residencial que investir na geração de energia de fonte própria, como a solar, pode trocar o excedente produzido por créditos para descontar da conta de luz elétrica. Este tipo de incentivo é suficiente? De que outras formas os governos poderiam fomentar o uso de energias naturais?

Heitor Scalambrini Costa – Em 2013, havia muita esperança de que a energia solar fotovoltaica de uso residencial pudesse deslanchar no Brasil após a edição da Resolução Normativa da Agência Nacional de Energia Elétrica. Ledo engano.

Segundo estudo realizado pelo Greenpeace em parceria com a Mar-ket Analysis (“Os brasileiros diante da microgeração de energia renová-

vel”), os resultados decorrentes da Resolução foram pífios. De onde se conclui que a Resolução Normativa 482, que deveria reduzir as barreiras e estimular a instalação de geração distribuída de pequeno porte conec-tada à rede elétrica, principalmente nas residências, tornou-se um gran-de fiasco.

Segundo a pesquisa, somente 131 sistemas domiciliares de geração fo-tovoltaica foram instalados em todo o Brasil. Foi em São Paulo onde se concentrou o maior numero de ins-talações, 22, vindo a seguir o Ceará, com 14. Em Pernambuco, apenas quatro instalações foram realizadas.

Esse número é irrisório diante das possibilidades que o país possui, principalmente devido à alta incidên-cia de radiação solar em praticamen-te todo seu território. Em contraste, a Alemanha, líder no mercado global de geração de energia solar em 2012, contava com cerca de 1,5 milhão de produtores individuais de energia, a partir de sistemas de painéis solares fotovoltaicos.

Então, se temos sol em abundân-cia, por que não aproveitá-lo mais para gerar eletricidade? Bem, a causa principal é a falta de interes-se dos gestores da área energética em relação a esta importante fonte de energia.

Em outros países que hoje utilizam consideravelmente o potencial so-lar, o Estado teve uma participação fundamental alavancando a cadeia produtiva fotovoltaica. Os incenti-vos foram para os dois extremos da cadeia: para quem produz os equipamentos e para quem os compra, reduzindo imposto, dando subsídios, criando linhas de crédi-to, informando à população sobre os benefícios e comprando gran-des quantidades para instalar nos equipamentos públicos (escolas, hospitais, escritórios dos órgãos públicos etc). Foram ações que

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resultaram no desenvolvimento do mercado, o que levou a preços mais acessíveis.

Outros aspectos interessantes da pesquisa Greenpeace/Market Analysis foram o baixo nível de conhecimento da população so-bre a Resolução da Aneel (75% dos entrevistados não sabem nada ou pouco sabem). Mesmo com o des-conhecimento, 90% dos entrevista-dos mostraram interesse em saber mais e, caso houvesse linhas de crédito com juros baixos, optariam por produzir sua própria energia, adotando os sistemas fotovoltai-cos em suas residências. Fica claro que o Governo Federal e as distri-buidoras responsáveis pelas insta-lações nada fizeram para divulgar a Resolução e as enormes possibili-dades que tem a energia solar em nosso país.

Senac Ambiental – O que falta, enfim, para que o Brasil passe a investir de forma decisiva em ener-gias naturais renováveis?

Heitor Scalambrini Costa – Em duas palavras: vontade política. No Brasil, estamos distantes de aproveitar esse enorme potencial, principalmente na região Nordeste, onde, ao longo do ano, o Sol bri-lha durante mais de três mil horas. Verificam-se atualmente iniciativas pontuais de geração centralizada fotovoltaica, como as instalações nas recém-construídas arenas para a Copa de 2014, ou mesmo a ex-periência bem-sucedida do gover-no de Pernambuco, que realizou um leilão exclusivo para esta fonte energética, acabando por selecio-nar seis projetos, totalizando 122,8 megawatts-pico de potência insta-lada, a um preço médio de R$ 228 por megawatt/hora. Serão projetos industriais de geração e não para microgeração descentralizada, o que acredito serem os mais inte-ressantes para o país.

Ainda é muito pequena a contribuição da eletricida-de solar na matriz elétrica brasileira, pois a falta de interesse do Governo Fe-deral acaba criando obs-táculos a uma maior disse-minação dessa tecnologia madura e promissora.

É completamente sem ca-bimento a resistência à eletricidade solar. A jus-tificativa de ser mais cara esbarra no simples fato de que a experiência mundial tem mostrado que é ne-cessário o apoio do Esta-do para abrir o mercado.

A energia de que preci-samos é aquela gerada pelas novas fontes reno-váveis, por meio de um modelo descentralizado de geração. Pois se há um país no mundo que goza das melhores oportunidades ecológicas e geo-políticas para ajudar a formular outro modelo energético para toda a humanidade, este país é o Brasil. Ele é a potência das águas, tem a maior biodiversidade do planeta e as maiores florestas tropicais – e, com isso, a possibilidade de pos-suirmos uma matriz energética me-nos agressiva ao meio ambiente, à base de água, vento, sol, marés, ondas do mar e biomassa.

Entretanto o Brasil ainda não “acordou” para esta realidade. Não despertou para as suas imensas possibilidades e para a sua res-ponsabilidade na preservação do planeta e da vida. Os que decidem no setor elétrico não podem conti-nuar a dar respostas aos grandes desafios do século 21 com as mes-mas soluções dadas aos problemas do século 20. A hora é de inovar, ousar, pensar mais no país e não nos próprios interesses econômi-cos que representam.

Produção de biodiesel: Scalambrini acha que o

Brasil tem potencial para formular outro modelo

energético para o mundo

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logíStiCa rEvErSa

Do consumidor

ao produtor

A contagem regressiva para a erra-dicação dos lixões no Brasil, previs-ta para 3 de agosto, promete render ainda muita polêmica. Mas uma coisa é certa: o destino correto dos resíduos sólidos – um volume de quase 200 mil toneladas diárias em todo o país – passa pela logística reversa. Bandeira ambiental cada vez mais difundida, a expressão resume a série de ações dedicadas à coleta e à devolução de materiais pós-consumo à indústria, para reu-tilização ou destinação adequada. A definição é da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), a Lei 12.305, de 2010 – a mesma que deu prazo para o fim dos lixões.

Ao mesmo tempo em que instituiu a PNRS, a lei prescreveu, no artigo 54, que somente rejeitos poderão ser depostos nos aterros sanitários (substitutos dos lixões) a partir de 3 de agosto, quatro anos depois da

Destinação adequada de resíduos sólidos pós-consumo é o desafio que se impõe para a eliminação

de 200 mil toneladas de lixo diárias no país

Francisco Luiz Noel

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publicação da 12.305. Rejeito, explica a legislação, são os resíduos inserví-veis, esgotadas todas as chances de tratamento e recuperação. Apesar dos esforços do Ministério do Meio Ambiente (MMA), de governos esta-duais e organizações ambientais, é remota a hipótese de o país chegar a agosto em dia com a lei. Mas, apesar do atraso, alguns setores da indús-tria já têm o que mostrar em matéria de logística reversa.

A corrida contra o tempo é acom-panhada no MMA pela diretora do Departamento de Ambiente Urbano, Zilda Veloso. “Para encaminharmos apenas os rejeitos aos aterros, o sis-tema de logística reversa precisa es-tar funcionando como instrumento de implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos”, salienta. Ou-tros princípios e práticas também são caros ao tema, como a coleta seletiva dos resíduos domiciliares e a responsabilidade compartilhada, que, no caso da logística reversa, distribui atribuições a todos os que participam do ciclo de vida dos pro-dutos, incluídos os consumidores.

O reaproveitamento dos resíduos sólidos tem triplo benefício. No plano ambiental, a reinserção dos materiais pós-consumo na cadeia produtiva da indústria atenua a pres-são sobre os recursos naturais não renováveis – entre eles o petróleo, matéria-prima dos plásticos – e au-menta o tempo de vida útil dos ater-ros sanitários, já que reduz a quanti-dade de lixo remetido a esses locais. Outra vantagem está no campo so-cial, com a geração de trabalho nas várias fases da logística reversa, com destaque para a inclusão socioeco-nômica dos catadores de materiais recicláveis e a formalização de sua atividade.

Setores prioritáriosO Brasil possui iniciativas de coleta e reciclagem em quatro ramos da eco-nomia – óleos lubrificantes, defensi-vos agrícolas, pneus e pilhas/bate-rias portáteis –, regulamentadas por resoluções baixadas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Cona-ma) desde os anos 1990. Com a san-ção da PNRS, a oficialização desses

Por lei, lixões devem ser substituídos por aterros sanitários e o prazo termina em agosto

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sistemas de logística ganhou mais duas formas – termo de compromis-so ou acordo setorial com o Minis-tério do Meio Ambiente. O primeiro setor a firmar um acordo do gênero foi o de lubrificantes, em 2012, ratifi-cando o recolhimento e a reciclagem de embalagens, feitos desde 2005.

Como esses setores já desenvolviam sistemas de coleta e reaproveita-mento de materiais quando a Lei 12.305 entrou em vigor, o Ministério do Meio Ambiente optou pela apos-ta na adesão de outros segmentos à logística reversa. “Houve o entendi-mento de que essas cadeias existen-tes seriam revistas posteriormente”, conta Zilda Veloso. Em fevereiro de 2011, o governo criou o Comitê Orientador para Implementação de Sistemas de Logística Reversa (Cori), formado pelas seguintes pastas: Meio Ambiente; Saúde; Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Fazenda; Desenvolvimento, Indústria e Co-mércio Exterior.

Responsável pelas regras de devo-lução dos resíduos à indústria, para reutilização ou destinação adequa-da, o Cori toma decisões com base em estudos especializados de seu Grupo Técnico de Assessoramento. Este conta com cinco grupos temá-ticos, que se dedicam à modelagem dos sistemas de logística reversa em cinco setores da indústria prio-rizados pela Lei 12.305: (1) medica-mentos; (2) embalagens de bebidas, alimentos e outros produtos; (3) lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio, mercúrio e luz mista; (4) eletroeletrônicos; (5) embalagens de lubrificantes e seus resíduos.

No rastro do acordo setorial em tor-no da coleta e reciclagem dos fras-cos de lubrificantes, o Ministério do Meio Ambiente lançou editais para a apresentação de sugestões volta-das para acordos semelhantes nos outros quatro setores prioritários. O chamamento, realizado sucessi-

vamente ao longo de 2012 e 2013, foi atendido por vários agentes das cadeias de produção e comercializa-ção desses ramos da economia, por meio de entidades representativas de fabricantes e importadores, dis-tribuidores e revendedores.

Propostas em debateUm dos maiores geradores de resí-duos sólidos descartados de ma-neira incorreta no país, o setor de embalagens entregou suas proposta em março, como resultado de parce-ria entre a Associação Brasileira de Embalagem (Abre), outras entidades do ramo e o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). No caso desses resíduos, os catadores têm papel central a desempenhar na logística reversa, cabendo a eles, organizados em cooperativas, efetuar a coleta e a se-paração das embalagens por tipo de material, a exemplo do que já é feito de forma não oficializada em muitas cidades do país.

A proposta será submetida a con-sulta pública após a análise do Cori, para que o acordo setorial possa ser assinado ainda neste ano. Simulta-neamente ao debate da proposição, o setor vem aumentando o número de produtos que passam a exibir nas embalagens o símbolo técnico do descarte seletivo. Ao todo, mais de dois mil artigos, de mais de 30 indús-trias, já apresentam essas imagens. Padronizadas pela Associação Bra-sileira de Normas Técnicas (ABNT), elas reforçam ante os consumidores a importância da destinação am-bientalmente correta das embala-gens, para reciclagem posterior.

Em abril, com vistas ao acordo no setor de medicamentos, entidades de laboratórios, distribuidores e re-vendedores também apresentaram suas propostas ao Ministério do Meio Ambiente. A logística reversa do setor deverá abranger tanto os

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Setores pioneirosA história da logística reversa no país credita à indústria de lubrificantes o pioneirismo na iniciativa, nos anos 1960, com a coleta do óleo retirado de motores, em postos de serviço e oficinas, para reaproveitamento por meio do rerrefino. Submetido a processos químicos, o lubrificante usado ou contaminado (Oluc) é con-vertido em óleo básico, semelhante ao produzido nas refinarias, e uti-lizado na formulação de produtos acabados. A reinserção do Oluc na cadeia produtiva, feita por algumas empresas, passaria a ter determina-ção legal em agosto de 1993, graças a uma resolução do Conama.

Em caso de destinação incorreta, os lubrificantes usados são resíduos de alta periculosidade para o solo, os cursos d’água e o lençol freático. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, um litro de Oluc descar-tado na natureza pode contaminar ate um milhão de litros de água, assim como a combustão do pro-duto gera gases nocivos aos seres humanos e ao ambiente. Em 2005, ao aperfeiçoar as regras para a logís-tica reversa do Oluc, pela Resolução 362, o Conama teve entre seus alvos uma danosa prática de olarias e pe-quenas indústrias, que queimavam lubrificantes usados para alimentar fornos e caldeiras.

Meio século depois das primeiras coletas de Oluc, o setor azeitou uma engrenagem de logística rever-sa que produz resultados melhores a cada ano. Em 2013, fabricantes e distribuidores recolheram 473,6 mi-lhões de litros de lubrificantes ua-dos, com acréscimo de 13,7% sobre a quantidade do ano anterior, de acordo com números da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Do volume recolhido, superior à meta nacional pactuada com o Ministério do Meio Ambiente, 423 milhões de litros fo-

resíduos gerados por consumido-res e estabelecimentos hospitala-res quanto as embalagens. No foco das preocupações ambientais es-tão os riscos de efeitos colaterais em rios, nos casos em que os re-síduos são descartados em pias e vasos sanitários, pois, na falta de tratamento adequado, parte consi-derável dos esgotos no país desá-gua em cursos d’água.

A diretora do Departamento de Ambiente Urbano do MMA assina-la que a modelagem dos sistemas de logística trilha vários caminhos, dependendo das peculiaridades de cada tipo de produto. Mundo afora, três formas de recolhimen-to tornaram-se usuais – de porta em porta, em postos de entrega voluntária e pelo trabalho dos ca-tadores. “Cada cadeia, por suas ca-racterísticas específicas, vai ter um sistema diferenciado”, diz Zilda Ve-loso. “Não se espera, por exemplo, que lâmpadas, eletroeletrônicos e medicamentos tenham coleta por-ta a porta, mas sim que o consumi-dor leve esses materiais aos postos de recebimento”.

Resíduos devem ter destinações conforme suas características. Descarte inadequado de medicamentos, lubrificantes e lâmpadas pode contaminar lençõis freáticos

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ram encaminhados ao rerrefino, o que gerou 268,8 milhões de litros de óleos básicos.

Limpando o campoPelo caminho da logística reversa, as embalagens de defensivos agrí-colas vêm sendo reaproveitadas desde o fim dos anos 1990. A coleta e a reciclagem, iniciadas por alguns fabricantes em conjunto com distri-buidoras e revendedores em meio ao debate sobre os riscos ambientais do descarte inadequado, foram tor-nadas obrigatórias pela Lei Federal 9.974, de junho de 2000. Dois anos depois, regulamentada a lei, o setor começou o recolhimento em larga escala, efetuada pelo recém-criado Instituto Nacional de Processamen-to de Embalagens Vazias (InpEV), formado por empresas e associa-ções ligadas à agricultura.

No caso das embalagens de defen-sivos, o êxito da coleta tem relação direta com o engajamento das gran-des empresas agrícolas e, sobretu-do, dos pequenos agricultores – uma legião de mais de cinco milhões de famílias em todo o país. A eles cabe o compromisso, previsto da legisla-ção, de levar os invólucros usados a pontos de recebimento nas suas re-giões ou, em lugares remotos, a uni-dades volantes a serviço do InpEV. A participação dos lavradores vem produzindo números promissores: em 2013, de acordo com o instituto, foram coletadas 40,4 mil toneladas de embalagens.

De 2002 a 2013, ao custo de R$ 700 milhões, o volume de embalagens de defensivos recolhido pelo siste-ma de logística reversa, denomina-do Campo Limpo, superou 280 mil toneladas – o que corresponde ao volume de resíduos sólidos de uma cidade de 500 mil moradores ao lon-go de uma década. No ano passado, a coleta abrangeu 94% dos invólu-cros de plástico e 80% dos de me-

tal e papelão gerados pelo setor. Na reciclagem, as embalagens plásticas têm servido de insumo para artefa-tos como caixas de descarga e de bateria automotiva, conduíte corru-gado e invólucros para defensivos e lubrificantes.

Lubrificantes, pneus e pilhas

Em paralelo à coleta e ao rerrefino do Oluc, o segmento de lubrifican-tes lançou-se à logística reversa das embalagens de seus produtos em 2005, em postos e outros pon-tos de venda no Rio Grande do Sul. A iniciativa, liderada pelo Sindicato Nacional das Empresas Distribuido-ras de Combustíveis e Lubrificantes e batizada de Jogue Limpo, utiliza caminhões com alta tecnologia de controle e comunicação a bordo, que percorrem os pontos de reco-lhimento e convergem para centrais de recebimento das embalagens, di-recionadas em seguida a empresas recicladoras de plástico.

Em oito anos de existência, o Jogue Limpo opera a logística reversa de embalagens em 15 estados nas re-giões Sul, Sudeste e Nordeste e no Distrito Federal, tendo coletado e encaminhado à reciclagem mais de 270 milhões de embalagens (12,7 mil toneladas). Foi graças à eficácia e aos resultados do programa que a indústria de lubrificantes foi a pri-meira a firmar com o Ministério do Meio Ambiente um acordo setorial pelas regras da PNRS. Com metas de recolhimento e reciclagem até 2016, o programa deverá chegar nesse ano a estados do Norte e Centro-Oeste.

Outros dois setores a recolher e reutilizar seus produtos de manei-ra ambientalmente correta após o consumo via logística reversa foram o de pneus e o de pilhas e baterias. No caso dos pneumáticos inserví-veis, a determinação legal remonta a dezembro de 2009, com a edição da

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Resolução 416 do Conama, mas ini-ciativas de coleta e destinação ade-quada já eram desenvolvidas desde 1999, com a chancela da Associação Nacional da Indústria de Pneumá-ticos (Anip), que congrega os fabri-cantes de pneus novos. A entidade criaria em 2007 a Reciclap, que pas-saria a recolher 65% da produção de pneus no país.

Com 819 pontos de coleta, instala-dos em parcerias com prefeituras, e 70 caminhões, a Reciclap coleta cer-ca de 200 mil pneus por dia, corres-pondentes a mil toneladas. Os pneu-máticos são reaproveitados como matéria-prima de uma gama de arte-fatos – tapetes para carro, solas de sapatos, dutos pluviais, pisos para quadras poliesportivas e indústrias – e como combustível em fábricas de cimento. De 1999 ao fim de 2013, de acordo com a Anip, foram coleta-dos mais de 536 milhões de pneus (equivalente a 2,7 milhões de tone-ladas), ao custo de R$ 551 milhões aplicados na logística reversa pelos fabricantes nacionais.

No setor de pilhas e baterias, a logística reversa foi iniciada em

novembro de 2010 por fabricantes nacionais e importadores, lide-rados pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, em atendimento à Resolução 401 do Conama, de 2008. O programa Abinee Recebe Pilhas já recolheu mais de 420 toneladas desses ma-teriais. O desempenho da iniciativa depende, a exemplo da logística reversa dos agrotóxicos, da par-ticipação dos consumidores, que devem entregar pilhas e baterias inservíveis em lojas, serviços de assistência técnica e outros locais de uma rede com mais de 1,1 mil pontos em todo o país.

As pilhas e baterias usadas, que são retiradas por transportadora cer-tificada nos pontos de coleta, são encaminhadas a uma recicladora na região metropolitana da Grande São Paulo e separadas por marcas. As que foram comercializadas pelas 16 empresas participantes do Abi-nee Recebe Pilhas seguem os cami-nhos normais; no caso das demais, fora dos padrões da legislação, a Abinne notifica a Polícia, a Receita Federal, o Ministério do Meio Am-biente e o Ibama, para que tomem as medidas cabíveis.

Muito a reciclarApesar do funcionamento de vá-rios sistemas de logística reversa, o país ainda tem muito a fazer. “O Brasil é novato em recolhimento pós-consumo”, observa a diretora de Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente. Nesse pano-rama, crescendo de forma espon-tânea, o segmento com maiores resultados em reciclagem é o das latas de alumínio do mercado de bebidas, mais por motivos so-ciais do que ambientais. Do total de latas usadas, mais de 60% são recolhidas e reencaminhadas à in-dústria. “As latas de alumínio têm números altos porque, como so-mos um país pobre, as pessoas as

Lixômetro em Belo Horizonte (MG): Brasil ainda tem muito a progredir em recolhimento pós-consumo

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descobrem em todos os lugares”, diz Zilda Veloso.

Nas negociações com vistas à ce-lebração de acordos setoriais de logística reversa, os representantes da indústria e o Ministério do Meio Ambiente vêm discutindo em tor-no de metas bem mais modestas, dependentes de estudos de viabili-dade da coleta e da reciclagem dos resíduos sólidos. Para o setor de embalagens em geral, por exemplo, a ideia é o recolhimento de 22% até 2015 e de 28% até 2019. Mesmo em países europeus, a coleta e reci-clagem de materiais pós-consumo fica distante do volume levado ao mercado, alcançando em média 40% do total.

Fator relevante nas discussões entre a indústria e o Ministério do Meio Ambiente é a conta das operações de logística reversa. “A tendência é que isso se estabilize e passe a fazer parte do custo fi-nal do produto”, diz Zilda Veloso. Entidades como o Compromis-so Empresarial para Reciclagem (Cempre), que congrega mais de 40 grandes empresas, defendem a concessão de incentivos fiscais para o desenvolvimento de ações de coleta e reciclagem como for-ma de reduzir no bolso do con-sumidor o peso de sua cota de responsabilidade pela defesa do meio ambiente.

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SECa

Semiárido: onde o povo

resiste e acha bonito

viverUnidas na rede de

organizações sociais Articulação do Semiárido,

populações buscam alternativas de convivência

com a terra

Texto e fotos: João Roberto Ripper

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“É no semiárido que o povo vive, é no semiárido que o povo resiste, é no semiárido que o povo produz”. São palavras de ordem cantadas no Nordeste, no Norte de Minas, no Vale do Jequitinhonha e no Espírito Santo. Mais do que isso: denotam a alegria e a esperança de um povo

aproveitar a água da chuva.

Para isso contam com o apoio da Articulação do Semiárido (ASA), uma rede que reúne mais de mil or-ganizações da sociedade civil que trabalham na gestão e no desenvol-vimento de políticas de convivência com a região semiárida. O objetivo é fortalecer processos participativos para o desenvolvimento sustentável, com base em valores culturais e jus-tiça social.

O semiárido brasileiro abrange uma área de 969.589,4 quilômetros qua-drados e compreende 1.133 muni-cípios de nove estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, segundo dados ofi-ciais do Ministério da Integração. A ASA atua em todos eles. Vinte e dois milhões de pessoas vivem nessa região, correspondendo a 11,8% da população brasileira, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo a ASA, a Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, ocupa a maior parte do semiárido em nosso país. Sua fauna e sua flora contam com várias espécies que só existem no Brasil. O bioma tem uma flora diversificada, que muda confor-me a região, pois a Caatinga dispõe de uma variedade de paisagens, es-pécies animais e vegetais, nativas e adaptadas. Essa variedade é funda-mental para a sobrevivência da sua população.

A jornalista e diretora de Comunica-ção da ASA Nacional, Fernanda Cruz, explica que “essa heterogeneidade tem levado alguns autores a utilizar a expressão ‘as Caatingas’”. Na sua pluralidade, diz ela, pode-se falar em pelo menos 12 tipos de Caatingas, que chamam atenção especial por sua capacidade de adaptação ao hábitat. Para Fernanda, isso signifi-ca que as famílias precisam se pre-parar para a chegada da chuva. “Ter

que pretende mostrar que suas his-tórias e suas imagens não se limitam apenas a gado morto e pessoas com sede e fome.

As populações que convivem com a seca sofrem, mas vêm assegurando grandes conquistas movidas a força de trabalho, sonhos e esperanças. Trocam experiências, conhecimen-tos e usam muita criatividade para

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reservatórios para captar e armaze-nar água é fundamental para garan-tir segurança hídrica no período de estiagem, a exemplo das cisternas domésticas, das cisternas-calçadão, das barragens subterrâneas e dos tanques de pedra”.

Apesar do enorme potencial da na-tureza e do seu povo, o semiárido é marcado por grandes desigualdades sociais. Segundo o Ministério da In-tegração Nacional, mais da metade (58%) da população pobre do país vive na região. Estudos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) demonstram que 67,4% das crianças e dos adolescentes do se-miárido são afetados pela pobreza. São quase nove milhões de crianças e adolescentes desprovidos dos di-reitos humanos e sociais mais bá-sicos e dos elementos indispensá-veis ao seu desenvolvimento pleno. Conforme informação da ASA, o Ín-dice de Desenvolvimento Humano (IDH) no semiárido é considerado baixo para aproximadamente 82% dos municípios, que possuem IDH até 0,65 (o índice varia de 0 a 1). Isso significa um déficit em relação aos indicadores de renda, educação e longevidade para 62% da população do semiárido. Apesar de todas essas dificuldades, as histórias de vida e as imagens da região vão muito além do estereótipo de bois morrendo e pessoas passando sede e fome. Essa história de imagens tristes foi, por muito tempo, a única contada sobre essas populações, a história única da seca. Assim, durante déca-das, o estereótipo favoreceu a repe-tição de falsas promessas e do dis-curso de acabar com a seca do qual se beneficiavam políticos, “coronéis” e outros líderes inescrupulosos.

Hoje, o trabalho de comunicação das organizações que compõem a ASA vem conseguindo mudar essa visão por meio de programas de rá-dio, ocupando alguns poucos espa-

ços em emissoras oficiais de vários municípios, bem como em rádios populares de inúmeras comunida-des. Também contribuem para a mudança de mentalidade gravações de vídeos, fotografias e o jornal O Candeeiro, produção independente

que circula em inúmeros municípios do semiárido. Por meio desses veí-culos alternativos, outras histórias são contadas. São histórias de supe-ração, experiências positivas como a de produção de sementes crioulas, troca de conhecimentos entre agri-cultores de diferentes regiões; criati-vidade e inventividade na produção, além de inúmeros relatos de apro-veitamento da água da chuva e de enfrentamento, por pequenos agri-

Famílias têm conseguido viver daquilo que plantam e vendem, de porta em

porta, em suas comunidades

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cultores, de uma das maiores secas de todos os tempos.

Com isso, a dignidade do povo da Caatinga, do Cerrado e do Sertão está sendo recuperada.

Estratégia contra estiagem

Ao longo de 2012, a agricultura fami-liar de base agroecológica foi uma das estratégias apontadas por traba-lhadores e trabalhadoras rurais para enfrentar a estiagem. O Candeeiro contou algumas dessas histórias, como a do agricultor Noé Ursulino, da comunidade de Quebrado, no mu-nicípio de Triunfo (PE). Segundo ele, o sistema agroecológico em que tra-balha teve perdas, mas também van-tagens ao longo do período de seca.

“Eu produzo bastante acerola, e até com pouca chuva dá uma safra. O Nordeste é rico e a pessoa não valo-riza. Temos as plantas nativas, como o umbu. O caju, por exemplo, é do Sertão, e produz nesse período. Eu acredito que a agroecologia é um caminho para esse momento de es-tiagem. Ainda não temos o hábito de

trabalhar com aquilo que o sertão pode nos oferecer”, diz Noé.

Outra história contada por O Can-deeiro é a do agricultor Sebastião de Souza, da cidade de Flores, em Pernambuco. Ele aponta a constru-ção de um silo e o armazenamento de forragem como outra estratégia. “É o primeiro ano em que armaze-no, e acho que acertei. Você pode pegar capim, milho ou sorgo, passar na forragem e cobrir com terra. Pode até guardar por um ano, que não tem problema. Eu fiz em fevereiro, comecei a abrir em setembro e está da mesma forma que coloquei. Deu certo, e é com isso que estou man-tendo os animais”.

O pequeno jornal, feito em várias comunidades, conta ainda a história da agricultora Alaíde Martins, da co-munidade de Sítio Souto, de Triunfo. Ela sabe a importância de os traba-lhadores rurais se prepararem para o futuro. “Mesmo que tenhamos um bom inverno, temos de preparar ali-mentação para os animais para um ano, dois ou três. Eu já passei dos 50 anos de idade e nunca vi um ano tão seco como este. A dificuldade é grande para todo mundo, então te-mos mais é que armazenar, porque aí vamos ter segurança de, ao final de um ano ou dois, ter alimentação para os nossos animais”.

Como contar histórias não exclui a denúncia nem maquia a realidade, a ASA alerta que “as contradições e injustiças que permeiam a região podem ser percebidas até mesmo no acesso à renda, que reflete também uma forte desigualdade de gênero”. Metade da população no semiárido, o que representa mais de dez mi-lhões de pessoas, não possui renda ou tem como única fonte de rendi-mento os benefícios governamen-tais. A maioria (59,5%) são mulheres.

Ainda no site da ASA, o público tem acesso às seguintes informações: os que dispõem de até um salário mí-

Nem desertificação, nem animais morrendo: com criatividade e bom aproveitamento da água da chuva, as histórias de vida e as imagens da região têm superado os estereótipos

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nimo mensal somam mais de cinco milhões de pessoas (31,4%), sendo 47% mulheres. Enquanto isso, ape-nas 5,5% dispõem de uma renda en-tre dois a cinco salários mínimos, a maioria (67%) homens; de 0,15% com renda acima de três salários míni-mos, apenas 18% são mulheres.

O índice de Gini, que mede o nível de desigualdade a partir da renda, está acima de 0,60 para mais de 32% dos municípios do semiárido, demons-trativo de uma elevada concentração da renda na região. Quanto mais pró-ximo de 1, maior é a desigualdade.

Essa realidade reflete a luta de mi-lhões de seres humanos que traba-lham cotidianamente sem acesso a direitos sociais e humanos elementa-res, entre os quais o direito à água. Essa realidade provoca as organiza-ções que fazem parte da Articulação do Semiárido a serem protagonistas de mudanças fundamentais. Essas mudanças são feitas pela própria população, que aos poucos vai mos-trando que é possível ser feliz, produ-zir e captar água nas regiões de seca.

Naidison Baptista, coordenador da ASA da Bahia, avalia que o que fa-vorece a ASA no cenário nacional e internacional é o impacto de suas ações no semiárido. Para ele, “numa estiagem prolongada como a que enfrentamos, nos defrontamos com famílias que possuem cisternas ou água de produção, famílias que já entraram em processos de transição agroecológica e que participam de outras dimensões da ação da ASA, e vemos que elas resistiram ou con-viveram, embora com dificuldades, com a perspectiva da estiagem. Não foram expulsas, não passaram fome. Mantiveram, até certo modo, seus plantéis. Permaneceram no semiári-do baiano. Isso fez o governo olhar com mais atenção e mais carinho as ações e as perspectivas recomenda-das pela ASA e pelos movimentos na dimensão da convivência com o semiárido”, diz ele.

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Acesso à águaA universalização do acesso à água para consumo humano, que o Go-verno Federal assegura desde 2012, é outro elemento importante, avalia o coordenador da ASA. Ele afirma que, na busca dessa universalização, “aqueles que eram considerados os parceiros mais especiais do governo, como os consórcios, os estados e o próprio Ministério da Integração, não ofereceram a resposta de que o governo precisava, em termos da eficácia e eficiência, enquanto a ASA se projetou na perspectiva da boa gestão e de uma boa ação”, diz.

Segundo ele, porém, o desempenho da rede às vezes era prejudicado pela burocracia, porque os termos de parceria eram encerrados e le-vavam de três a quatro meses para recomeçar.

“Passamos de uma organização que era suportada, mas não muito de-sejada, no início da relação do Go-verno Dilma, para uma organização que hoje é citada em vários espaços, inclusive pela presidente da Repúbli-ca, que nos coloca como parceiros exemplares, fundamentais”. Ainda

segundo o coordenador, a própria presidente teria recomendado, bem como o Ministério do Desenvolvi-mento Social (MDS), que boa parte dessas ações fosse feita em parceria com a ASA. “Das 70 mil, mais de 50 mil estão com a ASA: 20 mil com o Banco Nacional de Desenvolvimen-to Econômico e Social (BNDES) e a Fundação Banco do Brasil; 20 mil com a Petrobras e 10 mil, mais ou menos, com o MDS, além das cerca de 10 mil que teremos implementado até julho deste ano, que fazem parte do novo convênio que a ASA está re-novando com o MDS”, explica.

Nova legislaçãoOutro fato importante em 2013, na avaliação de Naidison Batista, deve-se à nova legislação para implanta-ção do processo de água e cisternas no Brasil – “afinada com muitas das nossas propostas e exigências”, diz. Segundo ele, conforme o novo texto legal, a prestação de contas se dá por contrato e apresenta um conjun-to de novidades e perspectivas que facilita a implantação dos processos, mas, ao mesmo tempo, oferece de-safios e riscos para a ASA.

“Certamente esta nova fase vai nos trazer muitos ganhos e alguns problemas, mas estamos nos or-ganizando para fazer frente e não sermos pegos de surpresa. Temos certeza de que esta nova legislação é um ganho político, operacional e estratégico para o governo, para a ASA e para o semiárido, e vai nos trazer bons resultados”, aposta. Para Naidison Baptista, os desafios da ASA estão em descobrir e atuar na consolidação de novos processos de convivência com o Semiárido. “Hoje estamos começando o debate das sementes, os bancos de sementes comunitários, familiares. É uma di-mensão nova, porque o debate so-bre a convivência não se faz apenas a partir da água, se faz a partir da terra, do banco de sementes, de

Produções de sementes na região do médio Jequitinhonha, em Minas Gerais

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criação de animais, da silagem, da fenação. Então o desafio da ASA é ver como ela vai entrando, gradativa-mente, em outros componentes da convivência com o semiárido”.

Um milhão de cisternas

Em 2003, a ASA criou o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), que já beneficiou mais de dois milhões de pessoas com a construção de mais de 525 mil cisternas de capta-ção de água para consumo humano (até 30 de março de 2014). Soma-se ainda outra iniciativa, chamada Uma Terra e Duas Águas (P1+2), que é uma das ações do Programa de Formação e Mobilização Social para Convivência com o Semiárido da ASA. Pelo P1+2, a ASA já utilizou mais de 46 mil tecnologias sociais de captação da água para produção de alimentos.

O objetivo do P1+2 é fomentar a construção de processos participa-tivos de desenvolvimento rural no semiárido brasileiro e promover a soberania, a segurança alimentar e nutricional e a geração de emprego e renda às famílias agricultoras por meio de acesso e manejo susten-táveis da terra e da água para pro-dução de alimentos. O algarismo 1 significa terra para produção. O 2 corresponde a dois tipos de água – a potável, para consumo humano, e a que é utilizada para produção de alimentos.

As tecnologias adotadas pelo P1+2 são simples, baratas e de domí-nio dos agricultores e agricultoras. Existem vários tipos de processos para captar água para produção de alimentos. Atualmente, o P1+2 tra-balha com sete tipos: cisterna-calça-dão, cisterna-enxurrada, barragem subterrânea, barreiro-trincheira, bar-raginha, tanque de pedra e bomba d’água popular.

O intercâmbio entre trabalhadores tem como filosofia e prática a for-mação do conhecimento a partir de experiências. O P1+2 promove intercâmbios entre agricultores e deles com os técnicos. Esses mo-mentos de partilha ocorrem entre comunidades, municípios, estados e territórios. O intercâmbio, segundo a direção da ASA, acaba promovendo uma identidade camponesa regio-nal, sertaneja e catingueira, fazendo

Mutirão para construção de cisternas em Tacaratu (PE)

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circular o conhecimento produzido nos diversos lugares de todo o se-miárido.

A união entre o saber popular e o conhecimento técnico produzido pelas organizações, universidades e centros de pesquisas gera soluções inovadoras com impactos positivos na vida das famílias. O trabalho de comunicação é intenso no intercâm-bio e os boletins que são criados in-formam sobre a troca de experiên-cias em todo o semiárido brasileiro.

O P1MC, por sua vez, foca na for-mação e mobilização social para a convivência com o semiárido. Essa convivência é sustentável e se utiliza do próprio ecossistema. O objetivo é beneficiar cerca de cinco milhões de pessoas em toda a região semiá-rida com água potável para beber e cozinhar, por meio das cisternas de placas. Juntas, elas formam uma in-fraestrutura de abastecimento com capacidade para 16 bilhões de litros de água.

O programa é destinado às famílias com renda até meio salário mínimo por membro da família, incluídas no Cadastro Único do Governo Fe-deral e que contenham o Número de Identificação Social (NIS). Além disso, é preciso residir permanente-mente na área rural e não ter acesso ao sistema público de abastecimen-to de água.

A cisterna é uma tecnologia simples, de baixo custo e adaptável a qualquer região. A água é captada das chuvas por calhas instaladas nos telhados das casas. Cada cisterna tem capaci-dade para armazenar 16 mil litros de água, quantidade suficiente para uma família de cinco pessoas beber e co-zinhar por um período de seis a oito meses – época da estiagem na região.

As placas da cisterna são construí-das com cimento pré-moldado pela própria comunidade. A construção é feita por pedreiros de cada loca-lidade, formados e capacitados pelo P1MC. A contribuição das famílias no

Apesar de todas as dificuldades, povos da Caatinga, do Cerrado e do Sertão têm conseguido recuperar sua dignidade

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processo de construção se caracte-riza como a contrapartida.

A cisterna promove a independência e a autonomia das famílias, dando liberdade de cada uma escolher seus próprios gestores públicos, buscar e conhecer outras técnicas de con-vivência com o semiárido e propor-ciona mais saúde e mais tempo para cuidar das crianças, dos estudos e da vida em geral.

Transposição gera polêmica

A busca por soluções para a questão da seca no semiárido brasileiro sem-pre gerou grandes discussões. Uma delas é a proposta de transposição do rio São Francisco, levada a efeito pelo Governo Federal e cujo objetivo principal seria garantir água para 12 milhões de pessoas em 390 municí-pios do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.

Segundo informações do portal de notícias do Senado Federal, obtidas em 11 de abril deste ano, 75% das obras do projeto de transposição do rio São Francisco serão concluí-das até dezembro. A expectativa é que todas as obras, que integram o Programa de Aceleração do Cresci-mento (PAC), sejam encerradas até dezembro de 2015. Os dados foram apresentados pelo ministro da In-tegração, Francisco Teixeira, em au-diência pública da Comissão de De-

senvolvimento Regional e Turismo, no Senado.

Estão em construção canais, aque-dutos e barragens naquela que vem sem classificada pelo governo como a “maior obra de infraestrutura hí-drica do país”. Prevê a retirada de 26,4m³/s de água (1,4% da vazão da barragem de Sobradinho), que será destinada ao consumo urbano.

O projeto surgiu com a proposta de resolver a deficiência hídrica na região do semiárido com a transfe-rência de água do rio para abasteci-mento de açudes e rios menores na região Nordeste, diminuindo a seca no período de estiagem.

Atualmente, as obras, que incluem recuperação de 23 açudes, cons-trução de 27 reservatórios, além de nove estações de bombeamento, 14 aquedutos e quatro túneis exclusivos para a passagem de água, empregam mais de 9.200 trabalhadores.

Contudo é considerado polêmico e tem gerado crítica de estudiosos e ambientalistas, muitos deles inte-grantes da Rede de Articulação do São Francisco. Orçado em cerca de R$ 8 bilhões, o projeto, que con-templa 477 quilômetros de canais (mais do que a distância entre Rio de Janeiro e São Paulo), é considera-do de custo extremamente elevado, segundo seus críticos. Segundo eles, a transposição do São Francisco é uma obra muito cara e incapaz de

Obra de transposição do rio São Francisco no município

de Floresta (PE)

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atender às necessidades da popula-ção da região, pois o problema não seria de déficit hídrico, mas de má administração de recursos.

Eles alegam que o Nordeste do Brasil é a região com mais açudes no mundo. São 70 mil, nos quais são armazenados 37 bilhões de metros cúbicos de água. Desta forma, ob-servam, o problema da seca poderia ser resolvido apenas com a conclu-são das 23 obras de distribuição que estão paradas nos municípios a se-rem beneficiados pela transposição. Os críticos consideram que concluir as obras de distribuição implicaria um custo muito menor e seria mais viável do que executar a transposi-ção do único grande rio inteiramente brasileiro.

Esses estudiosos propõem também a inversão da lógica de pensamento, trocando o discurso de acabar com a seca pelo discurso de conviver com o semiárido.

Em depoimento ao jornal Santuário de Aparecida, Roberto Malvezzi, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e especialista em estudos sobre o Rio São Francisco, declarou que o foco central da Igreja Católica no Brasil no que diz respeito à questão da água é o acesso das populações à água po-tável. Por isso defende o projeto de captação de água da chuva por meio de cisternas desenvolvido pela ASA.

Malvezzi diz que a Campanha da Fraternidade de 2004 já ressaltava a defesa da água como um direito humano, um bem público que não está sujeito a qualquer tipo de priva-tização. A água, lembra, é um patri-mônio de todos os seres vivos. “Essa questão é um nó da política em todo o mundo. Nas pastorais e nos mo-vimentos sociais, chamamos essa política de hidronegócio, um filão de ouro para as empresas”, analisa. “Afinal”, conclui, “quem pode viver sem água?”.

Ele denuncia o que alguns estudio-sos chamam de “oligarquia interna-cional da água”, pela qual “um res-trito número de empresas, apoiadas por organismos como o Banco Mun-dial e o FMI, além de contar com o apoio de governos locais, iniciou um processo mundial de privatização da água”. No mundo inteiro também ocorrem reações a esse processo, diz, citando como exemplo a guerra da água em Cochabamba, na Bolívia, onde a população resistiu para ga-rantir a desprivatização do setor.

Dimensão política Malvezzi explica que a distribuição da água no Brasil é desigual natural-mente, mas esclarece que mesmo a região mais pobre de água no país, o sertão de Pernambuco, conta com uma média de água suficiente para abastecer toda a população da re-gião com tranquilidade. “O desafio é a distribuição dessa água para a população”, diz.

“Hoje, com o Atlas Brasil de Águas, da Agência Nacional de Águas (ANA), podemos mapear região por região, município por município de todo o Brasil e averiguar a situação hídrica, o que precisa ser feito, o custo do que deve ser feito. É um trabalho fantástico, jamais feito no Brasil em outras épocas”.

Para ele, trata-se de uma decisão po-lítica. “O governo brasileiro poderia ter optado pelas adutoras do Atlas do Nordeste para abastecer toda a população nordestina urbana, mas preferiu fazer a transposição do São Francisco, que tem finalidade eco-nômica. Portanto o acesso à água passa por uma dimensão política, de quem está no poder, de fazer o que é recomendado por estudiosos do assunto e pela experiência das po-pulações locais. As soluções técni-cas estão em nossas mãos, mas falta decisão política”, conclui.

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• Paulo Feitosa nasceu em 1945 e vive só, no sertão pernam-bucano:

“Trabalhei na roça, quebrei pedra, ajudei a construir casa. Fiz de tudo um pouco e agora estou aqui, em Itacuruba. De obra entendo um pouco, mas nunca vi nada igual a essa transposi-ção. Anda, para, volta pra trás, estraga o que já fez, depois ca-minha um pouco novamente. Acho que isso só fica pronto em 2015. Já ouvi falar que vão asfaltar essas estradas vicinais que ficam perto do canal da transposição do São Francisco. Falam que vão gradear tudo pra gente não pegar água. Então vai ter muito emprego pra vigilante. Eu moro a 200 metros do canal e já fui avisado de que a água não vai pra minha casa, vai direto pra fazendeiro grande. Vivo de aposentadoria, já lutei muito nessa vida. Fiz várias cirurgias. Agora tenho uma casinha con-fortável, só não tem televisão, pois o dinheiro não deu ainda. Tenho 20 cabeças de cabras presas e umas tantas soltas. Sou que nem essas cabras: gosto de viver solto e ter o meu canto de sombra pra descansar.”

• Manoel Tenório dos Santos, conhecido como Caboclo Biró, mora na Agrovila 6, Bloco 4, no município de Floresta (PE). Tem 72 anos e é indígena da nação Papipanaí, de Serra Negra, na mesma região:

“Primeiro veio essa empreiteira. Logo depois, o Exército. Fi-zeram muita poeira, que entrava na nossa casa e os carros passavam correndo. Conseguimos fazer os quebra-molas e melhorou um pouco. Mas agora está quase tudo parado. Não sei dizer se essa obra sai ou não sai.”

• João Pereira Soares tem 82 anos e é casado com Lumerinda Francisco Soares, de 71 anos. Estão juntos há 54, vivem em Ca-beceira da Boa Vista, na Comunidade Vereda Funda, município de Rio Pardo de Minas. João e Lumerinda cultivam uma grande diversidade de produtos, como alho, cebola, feijão, mandio-ca, quiabo, abóbora, café, couve, brócolis, repolho, abóbora, cheiro-verde, erva-doce, hortelã, capim-santo, cenoura, bata-ta-doce e batatinha. Entre os frutos, plantam e colhem manga, laranja, abacate, pequi, pêssego, mexerica, coquinho, caigaite, abacaxi e jabuticaba.

É uma produção típica dos povos que moram nas Gerais, região mais verde que a Caatinga. Nessa região do semiárido, planta-se mais e há bastante fruta durante todo o ano. “Acaba a época de uma, chega outra” conta Lumerinda. Mas a roça é a atividade principal, e o que mais produzem é mandioca, guandu e café, explica João. “Aqui nós só compramos sal, açúcar, carne e óleo. Não temos mais criações como antigamente porque já estamos idosos, então cuidamos apenas de galinhas”, diz.

Ele narra também a luta dos pequenos agricultores locais con-tra o cultivo predatório do eucalipto:

“Aqui enfrentamos uma luta medonha contra o eucalipto. Foi duro, eles arrasaram com a gente, secaram as águas. Tudo em volta virou eucalipto. A gente plantava em volta do córrego e nem precisava regar. O eucalipto secou tudo, só deram prejuí-zo. Às vezes passamos por grandes estiagens, mas esses dois anos foram as piores, e aí o que nos salva é a troca de conheci-mentos, são as cisternas e o aproveitamento das águas.

Vi o progresso chegar. Nos anos 1960 e 1970, eu levava fari-nha e café no lombo do burro desde Vereda Funda ate Salinas. Demorava um dia e meio pra ir e um dia e meio pra voltar, dormia na estrada. Mas o melhor é que cada vez estamos mais unidos. Nós nunca brigamos nem de bate boca e criamos no amor nossos 12 filhos. Hoje estão grandes, estão no mundo, e nós continuamos aqui”.

• Geraldo Gomes Barbosa nasceu na comunidade de Barra do Touro, munícipio de Serranópolis de Minas (MG) e ganhou este ano o prêmio Trip Transformadores por causa do seu trabalho com sementes crioulas. Criado pela revista Trip, o prêmio tem o objetivo de reconhecer as pessoas que, com seu trabalho, ideias e iniciativas de grande impacto ou originalidade, ajudam a promover o avanço da coletividade. É o caso de Geraldo, que trabalha com sementes de feijão, milho, abóbora e soja adaptadas pelos trabalhadores rurais para o bioma de cada região brasileira, fazendo assim uma alternativa sustentável aos transgênicos.

Geraldo luta contra o sumiço de várias espécies e contribui de forma significativa para manter a diversidade de nossas semen-tes mais comuns, tradicionais, mantendo viva uma tradição dos produtores rurais: a troca de sementes crioulas.

A família de Geraldo come apenas o que produz e cria. Produz alimentos, licores e também trabalha com artesanato. O que é produzido além da necessidade de consumo vai para a coope-rativa Grande Sertão.

Além do seu trabalho como agricultor e guardião da biodiver-sidade, Geraldo é artista e divulga suas experiências na rádio de sua cidade, além de registrar em vídeo as experiências dos produtores rurais de sua região.

“Falam que somos os guardiãos da biodiversidade, mas só tratamos com carinho o meio ambiente. Sem agredir aquilo que vai alimentar as sementes e sem agredir aquilo que vai ser alimento”, afirmou em entrevista ao site da Trip.

A vida de Geraldo é diversa e intensa como são as cores das suas garrafas de sementes crioulas, que ele e diversos produ-tores do semiárido vão espalhando por inúmeras regiões do Brasil.

Algumas histórias: a visão do sertanejo

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Mata Atlântica: desmatamento cresceO desmatamento da Mata Atlântica voltou a subir entre 2012 e 2013, chegan-do a quase 24 mil hectares. A informação foi divulgada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e pela Fundação SOS Mata Atlântica, no final de maio, registrando um aumento de 9% em relação ao período anterior. É a maior taxa desde 2008.

Ao apresentarem os novos dados do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, as duas instituições registraram que a área desmatada passou de 21.977 hectares no período 2011-2012 para 23.948 em 2012-2013. Nos últi-mos 28 anos, o bioma perdeu o equivalente a 12 vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Para mais informações, acesse bit.ly/desmata.

Um plano para o tatu-bolaTerminada a Copa do Mundo, não dá pra fingir que o tatu-bola não existe. Aliás, é preciso cuidar para que ele, mascote do Mundial do Brasil, continue existindo, já que é um dos animais que fazem parte da Lista Oficial das Espé-cies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção. Por esse motivo, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) desenvolveu um plano de ação nacional para conservação do tatu-bola. Vítima da caça-pre-datória e da destruição do seu habitat natural, nas regiões da Caatinga e do Cerrado, a espécie é tipicamente brasileira.

O ICMBio pretende que, em um prazo de cinco anos, o tatu-bola saia da categoria de espécie ameaçada para a de espécie vulnerável. Um grupo de assessoramento estratégico foi criado para fazer o acompanhamento do pla-no, que prevê 38 ações e tem uma série de objetivos, entre os quais estão os seguintes: mapear as áreas de ocorrência das espécies de tatu-bola e suas principais ameaças; sensibilizar a sociedade para a importância da sua prote-ção; ampliar o conhecimento sobre a biologia e a ecologia para desenvolver melhores estratégias de conservação; ampliar, qualificar e integrar a fiscaliza-ção para coibir a caça e reduzir a perda do habitat natural da espécie.

O plano de ação nacional para o tatu-bola foi anunciado no dia 22 de maio, juntamente com outras medidas empreendidas pelo Ministério do Meio Am-biente em benefício da preservação de espécies ameaçadas.

Combate à desertificação tem reconhecimento

Dezesseis instituições que desen-volvem projetos de combate à de-sertificação e à degradação do solo no semiárido receberam da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, o certificado Dryland Champions, concedido por iniciativa da Conven-ção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, que trabalha pela melhoria das condições de vida das populações que vivem em regiões afetadas pela seca.

A entrega dos certificados ocorreu em 17 de junho, quando é comemo-rado o Dia Internacional de Combate à Desertificação. Em seu pronun-ciamento, a ministra valorizou a im-portância do trabalho integrado do poder público com as organizações da sociedade civil e destacou inicia-tivas de construção de cisternas e dessalinização da água. De acordo com dados do próprio ministério, as regiões vulneráveis à seca abrangem um total de 1.400 municípios de 11 estados, o que corresponde a cerca de 20% do território nacional.

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Espécies ameaçadas no Pará

Estudo publicado pela revista nor-te-americana Conservation Biology alerta para a possível extinção de 47 espécies de aves características da região metropolitana de Belém (PA). Entre elas figuram a ararajuba e o ga-vião-real (fotos).

O desaparecimento dessas espécies pode ser atribuído ao desmatamen-to ocorrido nos últimos duzentos anos. Esses animais, no entanto, po-dem ser encontrados no estado, em regiões onde as florestas ainda se mantêm razoavelmente preservadas.

O estudo foi desenvolvido por cien-tistas de aproximadamente 20 insti-tuições brasileiras – como o Museu Emílio Goeldi, no próprio Pará – e estrangeiras – como o Instituto Am-biental de Estocolmo.

Tema da conversa que tivemos com o professor Heitor Scalambri-ni (veja na seção Entrevista, nes-ta edição), a geração de energia a partir de fontes renováveis é uma alternativa da maior importância, especialmente considerando o potencial brasileiro e o imperativo das mudanças climáticas.

O Complexo Eólico Campos Neu-trais, apresentado como o maior da América Latina e formado pelos parques eólicos Geribatu, Chuí e do Hermenegildo, nas cidades de Santa Vitória do Palmar e Chuí, ambas no Rio Grande do Sul, tem inauguração prevista para este se-gundo semestre. A capacidade de

geração de energia é de 550 mega-watts – suficiente para atender uma cidade com quase 3,5 milhões de habitantes. Toda a energia produzi-da será interligada ao Sistema Inte-grado Nacional, que atende quase a totalidade do território brasileiro, por meio de 500 quilômetros de linhas de transmissão que estão sendo construídos.

A obra é viabilizada pelo Progra-ma de Aceleração do Crescimento 2, cuja meta é entregar 218 usinas eólicas até o fim do próximo ano – a maior parte delas na região Nordeste, onde se verifica a maior incidência de ventos, seguida da região Sul.

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Sul terá maior complexo eólico da América Latina

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Criança da tribo dos Ashaninkas. Para eles, o Sol criou o mundo e está voltando à Terra, trazendo mais calor

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mudançaS ClimátiCaS

Um outro olhar

sobre o clima

A observação das mudanças climáticas pela ótica dos

povos da floresta: é o que propõe a etnoclimatologia

Ana Mendes

Os aspectos geográficos e espaciais foram os maiores empecilhos para o avanço civilizatório sobre a Amazô-nia nos séculos passados. Relatos de expedicionários narram dificuldades no enfrentamento da malária, das formigas venenosas e da fome. As barreiras naturais colocavam em xe-que a vida dos trabalhadores e, para avançar na mata, o engajamento compulsório de indígenas foi usual nesses grupos de trabalho. Eram eles os guardiões de um saber práti-co que, em última instância, para os “homens brancos”, significava sobre-vivência. Atuavam, portanto, como remadores, peões, seringueiros, guias e intérpretes. Doando mão de obra e conhecimento, etnias inteiras

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foram escravizadas ou dizimadas na-quele território dito inóspito.

O conhecimento enciclopédico que as populações originárias e tradi-cionais têm da floresta parece estar sendo gradativamente incorporado pela ciência. É o que afirma a antro-póloga Érika Mesquita, doutora pela Universidade Federal de Campinas (Unicamp). “Nos grandes polos de conhecimento do Brasil, a etno-ciência está ganhando força, até por conta do fim da biodiversidade da Amazônia. Eles [os índios] têm um conhecimento muito grande que até então não era valorizado, mas agora a coisa está mudando. Como dizem nas manifestações Brasil afora, ‘o gi-gante acordou’, e acordou para mui-ta coisa mesmo. Não só tardiamen-te, em manifestações, mas também na ciência, com relação ao conhe-cimento indígena. Só está faltando virar política pública”.

Este ano, Mesquita lança um livro, pela editora Mercado das Letras, com o resultado de sua tese intitu-lada “Ver de perto pra contar de cer-to: as mudanças climáticas sob os olhares dos moradores da floresta”. Este é um trabalho pioneiro no país, baseado em uma linha de pesquisa denominada etnoclimatologia, que aborda os fenômenos climáticos a partir do olhar da antropologia. Sig-nifica entender como são sentidas as mudanças climáticas nas situações corriqueiras do cotidiano dessas po-pulações, tais como plantar, pescar e observar os animais e vegetais. Para pesquisar estes fenômenos, Mesqui-ta acompanhou durante cinco anos dois grupos étnicos – os Ashaninka e os Kaxinawá – e três comunidades extrativistas situadas na Reserva Ex-trativista Alto Juruá, todas no estado do Acre. Sua pesquisa traz informa-ções importantes para entender a visão indígena sobre as mudanças climáticas e notar, com exemplos concretos, qual a contribuição des-sas populações para a manutenção

da biodiversidade e da vida.

Bichos, plantas e humanos perten-cem a uma mesma categoria. São se-res vivos e facilmente se relacionam. Os bichos vivem em estruturas so-ciais e são dotados de intencionali-dade análoga à humana. Falam outra língua, o “sotaque” é diferente, mas a decodificação do comportamento deles é feita por qualquer Ashaninka. O pássaro martim-pescador avisa que é tempo de pesca; a saracura canta alto, dizendo que vem chuva; no período anterior às alagações, a cotia está gorda; o tracajá põe sua última ninhada na primeira chuva do ano (é o inicio do verão); o Cauã, quando canta em cima de pau seco, está anunciando o verão; se for em cima de pau verde, o inverno.

“Os ‘animais professores’ são como ‘animais mestres’. Porque eles conhe-cem muito mais a natureza do que os homens. Na verdade, o índio também conhece, ele sabe escutar e perceber o que acontece ao seu redor”, afirma a antropóloga. Essa meteorologia po-pular inclui ainda a interpretação das plantas em seus aspectos de floração e abundância de frutos; a observação da posição dos astros e estrelas; a di-reção dos ventos e a quantidade de nuvens no céu.

O problema é que, em consequência das mudanças climáticas, todo esse repertório de condutas está comple-tamente mudado. Os ciclos de chuva e seca, que representam o verão e o inverno, estão desregulados. Por conta disso, as crianças estão fican-do mais gripadas, a produção de ali-mento está menor e as inundações e tempestades são menos previsíveis do que antes. Entre os Ashaninka há relatos de que os ventos não coinci-dem mais com a época de floração de certas espécies nativas. Sendo assim, eles cumprem o papel de polinizadores e, como rajadas de ar, dispersam sementes com as mãos. A baixa diversidade é prejudicial ao

A antropóloga Érika Mesquita estuda a percepção que os povos da floresta têm sobre as mudanças do clima

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sistema ecológico como um todo. É por isso, também, que os moradores da Reserva Extrativista Alto Juruá adotaram o cultivo agroflorestal para o seu roçado. Eles conservam árvo-res nativas entre pés-de-feijão e ba-nana. Mantendo o solo mais úmido e fértil, a colheita é mais garantida e a população de animais nativos per-manece estável.

A natureza está confusa e os deuses, furiosos. O Sol é a entidade supre-ma dos Ashaninka. Por sua posição de superioridade, vive sempre acima da cabeça dos homens, observando o que eles fazem. No tempo antigo, ele criou as montanhas e os seres. E, mais recentemente, está voltando à Terra. “A mitologia explica que o mundo é cíclico, e uma hora ele vai acabar mesmo. Então eles entendem isso como o Sol que está abaixan-do, por isso esse calor. É por conta da chegada dessa divindade que, no entendimento deles, está havendo mudança climática”, descreve a an-tropóloga.

Parece que inquietudes cosmológi-cas antigas e contemporâneas es-tão se encontrando. Os cientistas também andam especulando sobre o fim do mundo e divergem mui-to ao discorrer sobre quais são as reais consequências do aquecimen-to global. Recentemente, o cientista britânico, James Lovelock, criador da Teoria Gaia, afirmou que não há mais necessidade de tentar reverter o processo de calamidade no qual nos encontramos, simplesmente porque não há mais tempo. Outros, como o físico Paulo Artaxo, brasilei-ro e membro do Painel Intergoverna-mental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), acreditam que não há motivo para pânico, as mudanças globais não são apocalípticas e, no caso do Brasil, contamos com vantagens no setor energético, pois temos grande potencial de exploração de energia eólica e solar.

Para as populações ameríndias, não é difícil conceber o fim dos tempos, isso já está expresso na sua tradição

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Ashaninkas: Aldeia Alto Bonito

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oral. Para eles, há ciclos sucessivos de criação e destruição da humani-dade. Já aconteceu, tempos atrás, e irá acontecer novamente, em breve. Claro que a partir de novos fatos eles reconfiguram a lógica do cosmos, dando dinâmica aos mitos. A interfe-rência do homem branco, por exem-plo, é que está acelerando o proces-so de exterminação. Com extração de minerais, perfurações e outras interferências na superfície terrestre, estamos abalando as fundações do planeta. São os xamãs, com as paje-lanças e os rituais para agradar aos deuses, que mantêm ainda nossa frágil estabilidade. “Os pró-prios indígenas estão ten-tando entender o que está acontecendo, estamos em um processo. Enquanto os antigos viam tudo e sabiam de tudo, os de hoje estão perdidos. Mas é porque está tudo mudado mesmo. Antes, a constelação das Plêiades era bem iluminada e cheia de estrelinhas ao redor. Hoje, não. Eles estão passando por uma mudan-ça de paradigma. Mas os cientistas do IPCC também estão tentando entender por que os oceanos estão subindo, se perguntam se isso já aconteceu no pas-sado ou não, se tem a ver com uma era glacial ou o quê. Ninguém sabe”, explica Mesquita.

Entretanto não restam dúvidas de que há uma inversão de escalas no mundo atual: fenômenos geológicos estão acontecendo mais rapida-mente do que fenômenos sociais. O penúltimo relatório do painel do IPCC sobre este assunto apontou que desde a Revolução Industrial a temperatura média do planeta au-mentou um grau centígrado. E em termos de prognósticos afirma que sentiremos o aumento entre quatro

e sete graus centígrados até 2100. No Brasil, o que mais contribui para a emissão de gases do efeito estu-fa são o desmatamento e as quei-madas na Amazônia. Estes eventos estão diretamente ligados à aber-tura de espaço para agropecuária e monoculturas. Por causa de uma legislação frágil, vide a atual flexibi-lização do Código Florestal, e uma fiscalização inglória em terras muito extensas e de difícil acesso, reinam no norte do país a grilagem e a “Lei do Homem”. Além disso, incentivos federais e programas de desenvol-vimento e expansão da fronteira

agrícola e energética colocam em aceleração esses processos. O mo-delo de desenvolvimento do Sul e do Sudeste aplicado na região põe em risco um ecossistema riquíssimo e ainda praticamente desconheci-do. Lá deveriam investir alternativas sustentáveis, tais como extração de óleos, sementes, castanha e cacau, em vez de cana e pecuária. Porque é a floresta em pé que vai manter o clima da região e quiçá do mundo – um certo mundo, pelo menos.

A pesquisa de Érika Mesquita traz informações importantes para a

compreensão das peculiaridades da visão indígena sobre os fenômenos da natureza

e suas transformações

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Raso da Catarina, Bahia: apesar do clima semiárido que predomina na região, a paisagem na Caatinga é variada e abriga uma grande diversidade tanto na flora como na fauna

Arara-azul-de-lear: embora ameaçada, a espécie está protegida na Estação Biológica de Canudos

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Bioma

Aves notáveis

A Caatinga é feita de solo árido, es-pinhoso, coberto de pedras, onde o vento transporta muita poeira, que cobre a vegetação arbustiva e rala, deixando-a branca. Caatinga quer dizer mata (caa) branca (tinga).

Nesta paisagem por vezes desola-dora, o que vemos são pequenos arbustos, muitas bromélias e cac-tos, que aprenderam, através dos anos, a guardar a água de que pre-cisam para viver.

Durante muito tempo, a Caatinga foi considerada pobre em biodiversida-de. No entanto, apesar de ser um bioma frágil, tem paisagem variada e abriga uma grande variedade de espécies, além de ser o único ex-clusivamente brasileiro. Cobre 12% do país (840 mil quilômetros qua-drados), passando pelos estados da Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Ceará, bem como parte do norte de Minas Gerais e do noroeste do Espírito Santo. Na Caatinga vivem aproximadamente 510 espécies de aves – mais do que no Panta-

Único bioma exclusivamente brasileiro abriga quase

700 espécies, muitas delas ameaçadas de extinção

Texto e fotos: Lena Trindade

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nal (463) e do que no Pampa (476). Muitas delas (por volta de 25) são endêmicas (só existem na região) e algumas (por volta de dez) estão na lista oficial da avifauna ameaçada de extinção. É o caso da arara-azul-de-lear (Anodohrynchus leari), do tiriba-de-peito-cinzento (Pyrrhura griseipectus) e do soldadinho-do-a-raripe (Antilophia bokermanni). Po-

rém muitas outras estão correndo risco e, conforme a listagem oficial, já se encontram em perigo.

A lista oficial – ou lista vermelha – é elaborada pela União Internacional para Conservação da Natureza (co-nhecida pela sigla em inglês IUCN), que divide as espécies em catego-rias: Ex (extinta), CR (criticamente

João-chique-chique (Gyalophylax hellmayri): de porte grande, é encontrado apenas no bioma Caatinga. Leva este nome pelo fato de utilizar espinhos do cacto chique-chique na construção dos seus ninhos

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ameaçada), EN (em perigo) NT (qua-se ameaçada) e LC (pouco preocu-pante). Este órgão avalia o real es-tado de conservação das espécies, com o objetivo de saber quais estão sob risco e desenvolver programas de conservação.

As principais ameaças são o uso não sustentável do solo pela extração mineral, os desmatamentos para a

agricultura mecanizada (cultura da soja, feijão e algodão), incêndios (devido a longas estiagens, como atualmente), turismo desordenado e a captura e o tráfico de animais – bastante comum na região, seja por questões culturais ou econômicas –, além dos projetos de construção de barragens, que mudam o curso de rios e inundam paisagens.

Bico-virado-da-caatinga (Megaxenops parnaguae): vive

na copa das árvores da Caatinga e chama atenção pelo bico forte e

arrebitado

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Falar em falta de diversidade no Nordeste é adotar um conceito pré-concebido e distante da realidade. Quem acompanha o ornitólogo e grande conhecedor da região Ciro Albano pode constatar essa enor-me riqueza, vendo e ouvindo muitas vezes, ainda de madrugada, os be-los cantos das aves.

A Caatinga, mesmo com toda essa riqueza de endemismos e diver-sidade, é ainda pouco estudada. Dessa forma, ainda se conhece pouco da evolução e da ecologia da avifauna da região, o que se re-flete na existência de poucas ações de conservação. Em 2011 criou-se

Soldadinho-do-araripe (Antilochia boukermanni), ave símbolo de Barbalha (CE): descoberto apenas em 1996, vive somente nas nascentes da Chapada do Araripe. Apesar disso, já é ameaçado de extinção

Bacurauzinho-da-caatinga (Caprimulgus hirundinaceus): encontrada apenas no Nordeste do Brasil, esta ave se confunde com as pedras onde costuma caçar insetos

Belíssimas formações rochosas compõem o cenário do Raso da Catarina, região mais seca do estado da Bahia, território de difícil acesso que Lampião e seu bando conheciam bem e onde se sentiam seguros

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um Plano de Ação para a Natureza (PAN) voltado para as aves da Caa-tinga, com o objetivo de reduzir es-sas ameaças.

O ornitólogo Fernando Pacheco lembra que em 2000 o Ministério do Meio Ambiente organizou um inédito Workshop de Prioridades de Conservação da Caatinga. Um gru-po de pesquisadores selecionou 35 áreas como prioritárias para a con-servação das aves deste bioma. A presença das aves endêmicas exibi-das nesta reportagem, em ambien-tes bem conservados, foi o motivo maior para a escolha dessas áreas especiais.

Papa-formiga-de-sincorá (Formicivora grantsaui): tem este nome porque segue as trilhas das formigas de correição. Vive na Serra de Sincorá, parte da Chapada Diamantina

Beija-flor-de-gravata-vermelha (Augastes

lumachella): é um dos mais raros beija-flores do Brasil e vive nas montanhas da

Chapada Diamantina, no coração da Bahia. De voo muito rápido e veloz, é espécie rara e

endêmica. Por sua restrita distribuição geográfica, encontra-se em perigo

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Tel.: (11) 4196-6000 www.manole.com.br 1.250 pagsA publicação trata da gestão ambiental sob uma pers-pectiva multidisciplinar, voltada para o uso sustentável dos recursos naturais no atendimento às necessidades e conveniências da sociedade. Nesta segunda edição, a obra incorpora novos capítulos, que contribuem para ampliar a visão de conjunto daqueles que têm responsa-bilidade e interesse na melhoria das condições ambien-tais e de vida das nossas cidades e da população.

Sustentabilidade e emancipação: a gestão de pessoas na atualidade

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Tel.: (11) 2187-4450 www.editorasenacsp.com.br 154 pags A autora, mestre em psicologia organizacional e douto-ra em psicologia social, comenta o surgimento de uma “identidade verde”, um modelo de conduta vinculado à reprodução de comportamentos ecologicamente corre-tos, mas questiona sua efetividade. Os atuais esforços pela sustentabilidade são capazes de levar o indivíduo a refletir sobre seus hábitos de consumo ou apenas pro-põem uma lista de tarefas que só serão cumpridas caso não prejudiquem seus hábitos?

Geografia aplicada ao turismoRaphael de Carvalho Aranha e

Antonio José Teixeira Guerra (organizadores)Oficina de Textos, 2014

Tel.: (21) 3085-7933 www.ofitexto.com.br 192 pagsO conhecimento da geografia é um diferencial para os turismólogos, pois o Brasil dispõe de uma diversidade de paisagens a beneficiar as atividades desses profissionais. Este livro procura apresentar uma abordagem ampla e integradora das ciências sociais e ambientais a partir de uma perspectiva interdisciplinar, evidenciando a aplica-bilidade da climatologia, da geologia, da geomorfologia, da biogeografia, da cartografia, da geopolítica e da cul-tura no turismo.

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O Senac tem como característica a busca contínua pela excelência na educação profi ssional para o Setor do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Desde sua criação, em 1946, a Instituição já atendeu mais de 58 milhões de brasileiros.

E o Senac não para. A cada dia, são criadas mais ações inovadoras, que promovem o crescimento profi ssional de mais trabalhadores e, assim, contribuem para o constante desenvolvimento do país.

Em 2013:

www.senac.br facebook.com/SenacBrasil

twitter.com/SenacBrasil

Excelência em

educação profi ssional

mais de2,5 milhões de atendimentos

cerca de 1 milhão de matrículas gratuitas

presente em

4.610 munícipios

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