Anotações do Curso Ciência Política Professor Clóvis

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Anotações do Curso Ciência Política Professor da USP Clóvis

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Objetivo do curso cincia poltica informar sobre as formas de organizao da sociedade na plis, surgimento do Estado como forma legtima de organizao dos interesses do cidado e diversas formas de participao da sociedade na gesto da coisa pbica.

Objeto de estudo pretendido possui dois grandes problemas. O primeiro grande problema que as pessoas no esto abertas a um conjunto de informaes novas sobre aquilo que elas j possui conhecimento priori, esse, repleto de preconceitos e filtros. As pessoas no esto com a guarda abaixada para o assunto poltica. Assim, faz-se necessrio uma negociao permanente entre a fala do professor e o repertrio do aluno sobre o assunto. H vantagens e desvantagens nisso.

O senso comum consolidado sobre poltica considera que poltica apenas eleio e gesto do patrimnio pblico. Essa a perspectiva que se encontra inclusive dentro da universidade. Mas poltica no s isso. Esse entendimento exageradamente restritivo e permite as pessoas inferirem que poltica no tem nada a ver comigo".

Assim, necessrio mudar esse entendimento, pois mudando o entendimento sobre poltica possvel que as pessoas percebam que no so simples observadores de um fato social externo, mas partcipes de um espao onde a poltica est inserida.

A nossa convivncia social tem muito de contingncia. Nossa forma de organizao social no tem que ser necessariamente essa em que vivemos. Os poderes dominantes tem como princpio pregar que as relaes entre as pessoas so inexoravelmente do jeito que so. H um certo biologismo das relaes sociais. Comparaes com a natureza so feitas para convencer da inexorabilidade da vida humana, reduzindo-a a seus aspectos naturais e biolgicos.

Nossa convivncia poder sempre ser rediscutida e redefinida luz da nossa inteligncia. O que aprendemos com nossos antepassados, tem o seu valor, mas o mundo que nos toca conviver nenhum deles viveu. Assim, toda revoluo bem vida. No temos que pagar pedgio ao que aconteceu, at porque a histria da humanidade no um exemplo de convivncia justa.

Vivemos em um mundo onde os aspectos e atributos mais salientes so inditos na histria da humanidade. O certo e o errado da nossa convivncia. social no advm de verdades trans-histricas, mas da inteligncia compartilhada servio da convivncia.

Diferentemente, em um formigueiro h uma convivncia inexorvel, regida pela necessidade, definida pela natureza da formiga e, por isso, o formigueiro funciona da mesma maneira desde que existe formiga.

A Poltica tem a ver com a convivncia, organizao da vida em coletivo pela perspectiva que essa organizao no definida para sempre por ningum, mas resulta de disposies, investimentos, engajamento e conduta de seus agentes.

O primeiro degrau da poltica o mesmo da tica, pois tem o mesmo fundamento: a contingncia da vida e da convivncia humana.

O homem no um animal como qualquer outro e a vida no a nica que poderia ser. A convivncia no a nica que poderia ser. Acreditar nisso eliminaria o fundamento da poltica e da tica.

Se a vida contingente, logo no est pronta. No definida por instinto, mas ao longo do processo de convivncia. Escolher identificar a alternativa de maior valor.

A poltica a gesto de desejos contraditrios que no espao pblico se materializam em estratgias, cartas de inteno, propostas, programas, ideologias. a tentativa permanente de viabilizar convivncia entre seres desejantes e s problemtica porque a ndole desejante do homem escassa. Se houvesse mundo capaz de suprir todos os desejos no haveria conflitos.

Hobbes, em O leviat, diz: se o homem por natureza desejante, a plis por natureza uma guerra de todos contra todos. Isso porque os desejos quando manifestos no se deixam organizar priori como uma orquestra, mas apontam para mundos escassos.

Como exemplo, podemos citar o vestibular, que instrumento poltico de consagrao de desejos em detrimento de outros no satisfeitos. O banquete de Plato, tem por objeto o conceito de EROS (desejo). So sete discursos sobre Eros, sendo o mais famoso o de Aristfanes, que usa o mito do andrgeno.

Aristfanes usa o mito do andrgeno dizendo que em tempos miticos o homem possua os dois sexos. Era autossuficiente at que os deuses o dividiram em dois. Para Aristfanes amor o momento em que se reestabelece a unidade destruda pela amputao.

A definio de Plato para desejo, resulta em uma equao macabra: ou voc ama e deseja o que no tem, ou voc tem e no ama nem deseja mais. Assim, o que nos caracteriza no a satisfao, mas a busca da satisfao que insatisfeita. A meta aquilo que no conseguiu ainda. Eros insatisfao desejante. Destarte, a matria prima da poltica seria a busca da reduo ininterrupta de uma certa falta. Doutra sorte, desejantes alcanando o que querem tornam-se satisfeitos e no buscam mais nada. A a poltica seria apenas conservao de um status quo de satisfao e, portanto, uma soluo de convivncia definitiva.

Porm, todo desejo satisfeito extinto, dando lugar a um novo desejo. Um verdadeiro saco sem fundo e a poltica tem que dar conta de um movimento de guerra insatisfeita desejante e, portanto, profundamente dinmico.

Um exemplo claro a sociedade capitalista. Na sociedade capitalista no importa de que lado do balco voc est, tudo contribui para a erotizao da vida, ou seja, a consolidao do desejo como motor da histria. O que se estimula no capitalismo a insatisfao de todas as partes. Toda satisfao e contentamento confundido com algo negativo: ou voc ocioso e improdutivo ou no tem projeto de vida ou no tem ambio.

A politica a gesto de desejos que buscam satisfao de faltas preenchidas por mundos escassos. A relao entre as pessoas necessariamente de conflito e a poltica gere esses conflitos.

Quando nos deparamos com discursos dos jornais devemos perguntar: que tipo de interesse esse discurso esconde? A quem interessa que as coisas sejam como elas so? Essa pergunta pode ser aplicada a qualquer movimento, ao, conduta, etc., no mundo social.

O trabalho politico por excelncia consiste em negar, esconder o interesse do representante em proveito do interesse do representado, dando fundamento ao princpio da representao. Destarte, o cinismo est presente em todo trabalho politico, pois h o ocultamento das verdadeiras motivaes do agente por outras mais aceitveis no teatro da vida social.

Contudo, o cinismo no exclusivo do poltico, mas est generalizado. Qualquer atividade exige uma motivao q transcenda seu prprio desejo. Tendo isso em conta, voc entender muito melhor as notcias do jornal partindo da premissa que poltica apenas a gesto de desejos em conflito.

Para Spinoza, alegria no estado, afeto. Quando essa energia aumenta, aumenta o estado de afeto de alegria - passagem p um estado mais potente e perfeito do prprio ser. Se est com sua potncia elevada, h mais de voc em voc mesmo. Essa a definio de alegria de Spinoza.

Dessa forma, no s a falta que caracteriza po desejo, mas tambm a suposio do encontro alegrador. O mundo supostamente alegrador aquele q supostamente alavancar nossa potncia de agir. Para Spinoza, amor a alegria. Diferente de Plato, amor no desejo. Para Spinoza, amor a alegria mais ideia da sua causa.

Se sou afetado de alegria me dou conta que ganhei potncia e identifico o que causou essa alegria para escolher. Essa alegria ser amor quando olhar para o mundo e encontrar a causa dessa alegria.

Assim, poltica a gesto da alegria e da tristeza. Poltica buscar qual forma de organizao social que permite a melhor gesto possvel dos afetos de alegria e de tristeza dentro de um determinado espao. Eis o objeto da cincia poltica.