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antropologia e educação

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  • Associao Nacional de Histria ANPUH

    XXIV SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA - 2007

    Identidade cultural, etnicidade e educao na regio do Vale do Rio Pardo

    Mozart Linhares da Silva*

    ResumoO objetivo desta comunicao apresentar alguns dos resultados da anlise acerca do processo de construo das narrativas identitrias, sobretudo tnicas e culturais, no ambiente escolar da Regio do Vale do Rio Pardo, nomeadamente nos municpios marcados pelo discurso identitrio germnico. Problematiza-se, neste processo, os mecanismos de subjetivao dos sujeitos afro-descendentes e as estratgias de visibilidade/invisibilidade sociais da advindas bem como o papel da educao, sobretudo o ensino de histria, na fixao e naturalizao das identidades. A partir de dados recolhidos em entrevistas semi-estruturadas e questionrios aplicados junto a docentes (na maioria professores de histria) e discentes das escolas foi instrumentalizado o mtodo de anlise de discurso, o que permitiu identificar uma srie de enunciados e dispositivos que norteiam as relaes intertnicas no ambiente escolar; relaes estas caracterizadas pela hierarquizao social, tnica e cultural, revelando ainda uma complexa relao entre pertencimento identitrio e racializao da alteridade. Palavras-chave: Educao. Identidade tnica. Alteridade.

    AbstractThe objective of this communication is to present some of the results of the analysis about the process of construction of the identity narratives, especially ethnic and cultural, in the school environment of the Vale do Rio Pardo region, nominally in the counties marked by German identity speech. A problem is brought forward in this process, the mechanisms of subjectivation of the afro-descendants subjects and the strategies of social visibility/invisibility coming from them as well as the rule of education, above all the history education, in the fixation and naturalization of the identities. Starting with the data searched in semi-structured interviews and questionnaires applied on teachers (in the majority History teacher) and students of the schools was instrumentalized the method of speech analyses, what permitted to identify a series of enounced and dispositives which orient the interethnic relationships in the school environment; relationships these characterized by the social ethnic and cultural hierarquization, revealing still a complex relationship between identity belonging and racialization of the alterity.Key-words: Education. Ethnic identity. Alterity.

    O espao escolar se define, entre outras, por ser um dispositivo cujos processos de

    subjetivao esto articulados a redes discursivas e regimes de verdades onde o sujeito

    produzido e constitudo dentro de uma coletividade. Este espao , para utilizar uma

    terminologia foucaultina, um dispositivo disciplinar (Ver: FOUCAULT, 1991, 1995, 2006); e

    mais, um espao cuja produo dos sujeitos articulada no nvel da circulao de saberes e

    verdades revelados e disseminados no apenas pelas diretrizes curriculares mas sobretudo por

    enunciados que, ao atravessarem tais diretrizes, mas no s elas, possibilitam a construo de

    um campo enunciativo onde os prprios sujeitos iro se adequar e interagir. O espao escolar

    ocupa, assim, um importante papel na produo de narrativas identitrias, de narrativas

    legitimadoras. Dentre todos os saberes articulados na escola enfatizamos, aqui, a histria. Isto

    porque a histria se ocupou tradicionalmente da importantssima tarefa poltica de situar os

    sujeitos no apenas no tempo mas tambm no quadro das classificaes e identificaes. No

    * Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC. Doutor em Histria pela PUCRS (com extenso em Coimbra). Esta pesquisa conta com o apoio da FAPERGS e PUIC/UNISC.

  • caso das identidades tnicas, a escola, e, mais especificadamente, o ensino da histria,

    cumpriu relevante papel legitimador no processo de naturalizao da cultura, dos valores, das

    condutas e moralidades.

    No que tange as identidades culturais e tnicas no mundo contemporneo est a

    cargo do ensino de histria, pelo menos em grande parte, de acordo com as diretrizes

    curriculares nacionais, a tarefa de colocar a alteridade na agenda educacional e, a partir dela,

    construir espaos de interculturalidade e tolerncia. E nesta perspectiva que necessrio

    uma avaliao constante da formao docente para atuar a partir do que podemos chamar

    paradigma da diferena.

    O desafio da educao hoje est posto na dinmica de um processo que encaminhe

    a intertrans/culturalidade que, vale lembrar, permite que a polissemia da cultura se

    manifeste nas relaes concretas da vida social. O problema da educao intertrans/cultural

    corresponder s idiossincrasias do local e do universal a um s tempo. Para tanto, segundo a

    reflexo de Edgar Morin, preciso que o objetivo maior de todo o ensino seja a condio

    humana (2001:15). Nestes termos, o foco pedaggico no se centraliza no sujeito histrico de

    uma nao ou grupo, mas investe naquilo que estabelece a igualdade na diferena. A condio

    humana no corresponde assim ao relato da razo unificadora como no iluminismo, porm na

    condio bio-antropo-social que considera a diversidade e as diferenas encerradas na prpria

    humanidade. Trata-se de uma espcie de eco-humanismo.

    No Brasil, o reflexo de tais consideraes foi traduzido numa srie de iniciativas

    que visam combater o racismo e todas as formas de preconceito e, entre estas iniciativas,

    destacam-se as intervenes nas Diretrizes curriculares nacional, sobretudo aquelas que

    enfatizam o campo das identidades tnico-culturais, como o caso das Diretrizes curriculares

    nacional para a educao das relaes tnico-raciais e para o ensino de histria e cultura

    afro-brasileira e africana (2004).

    A problematizao pertinente, neste caso, encontra-se nas formas de

    enfrentamento de uma tradio (estruturante do prprio Estado-nao brasileiro, vale

    lembrar,) que colocou o problema da diversidade racial sob o manto da democracia racial e

    da miscigenao como rasura da idia de preconceito (Ver sobre: BARBOSA, 2004 e FRY,

    2005). E esta tradio por muito tempo formou geraes de docentes e norteou o discurso

    identitrio nacional de forma unssona. Soma-se a isso as questes referentes ao regionalismo,

    sobretudo considerando-se os fluxos migratrios e as identidades regionais construdas a

    partir de uma concepo imigrantista, como no sul do Brasil.

    2ANPUH XXIV SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA So Leopoldo, 2007.

  • Tomando-se como estudo de caso a regio do Vale do Rio Pardo, mais

    especificamente os municpios colonizados por imigrantes alemes, a problematizao da

    alteridade, no caso, dos afro-descendentes, legitima, considerando-se a tendncia a

    homogeneizao do discurso identitrio germnico desta regio e seus desdobramentos nos

    processos de excluso social.

    O conjunto das representaes acerca da identidade cultural de Santa Cruz do Sul,

    tanto na historiografia regional como nos meios de comunicao e manifestaes folclricas,

    ampara um discurso legitimador dos vnculos de pertencimento comunitrio. Na

    historiografia, por exemplo, o proselitismo do pioneiro como marco inicial de

    comportamentos e moralidades fundantes de um mito de origem calcado na etnicidade, narra

    as epopias civilizatrias do municpio como parte de um todo integrado pelas comunidades

    de origem germnica que povoaram partes do Estado. Este mito fundador torna-se

    referncia importante para os enredos folclricos e manifestaes da imprensa acerca da

    identidade tnica e cultural da regio. Entre os elementos que compe este enredo pode-se

    destacar os valores estruturantes como a tica do trabalho, a religio, a lngua, a honestidade o

    empreendedorismo e o esprito associativo (Ver: NEUMANN, 2006). Estes valores so

    comumente contrastados com os valores ou caractersticas dos chamados luso-brasileiros e

    afro-descendentes: trabalho X preguia/escravismo; religio catlica ou protestante X

    sincretismo; honestidade X corrupo; empreendedorismo X indolncia, servilismo e pobreza;

    esprito associativo X individualismo, entre outros.

    No que se refere ao ambiente escolar importante problematizar como so

    construdas as redes discursivas e as representaes das identidades frente a diversidade tnica

    e cultural que caracteriza a populao discente. Enfatizamos aqui a populao afro-

    descendente em funo de uma srie de questes j histricas no enredo da excluso social no

    pas (com suas especificidades locais e regionais) mas tambm em funo das novas diretrizes

    curriculares que insere a obrigatoriedade do ensino da histria afro-brasileira (DIRETRIZES,

    2004 e HASENBALG, 2005).1

    A insero da histria afro-brasileira e africana nos currculos dos ensinos

    fundamental e mdio implica na formao docente no s das futuras geraes mas tambm

    dos que hoje atuam na rede escolar. E isso enfatizado pelas prprias diretrizes que apontam

    que tal deciso poltica possui fortes repercusses pedaggicas, inclusive na formao de 1 Poderamos ampliar a questo chamando a ateno para a estereotipao de diversos grupos sociais, religiosos e tnicos como indgenas, chineses, judeus, muulmanos, entre outros. O que se problematizaria, ento, seria a formao dos professores para tratar das temticas relacionadas a alteridade, diversidade e identidade ou, alm, da prpria questo da condio humana em suas diversas manifestaes culturais. Se a questo cara (e histrica) para a Antropologia cultural, no menos para a histria e para o ensino da histria.

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  • professores (DIRETRIZES, 2004: 17). A histria regional ter importncia central neste

    sentido, pois, considerando-se as peculiaridades regionais, seria incontornvel, a tal

    historiografia, a reviso profunda de seus postulados, comumente centrados no proselitismo

    identitrio local, no raras vezes produzida por historiadores acadmicos.

    As pesquisas at aqui realizadas (ver nota 2) procuraram ordenar uma srie de

    informaes que dizem respeito a construo das narrativas identitrias da comunidade de

    Santa Cruz do Sul e arredores, a percepo que as pessoas que emigraram para cidade tm da

    comunidade, a percepo que a comunidade tm dos emigrados, a forma como a comunidade

    constri seus referenciais de pertencimento tnico e cultural e quais as representaes que so

    construdas acerca dos afro-descendentes que compem a populao da cidade.2

    Dentre as fontes pesquisadas enfatizamos, nesta comunicao, as entrevistas

    realizadas nas escolas. Elas revelaram como so articulados os mecanismos de fixao das

    identidades e os processos de subjetivao dos sujeitos, calcados numa srie de representaes

    que nomeiam as diferenas a partir de categorias contrastivas. Em que pese focarmos a

    formao do professor de histria, preciso considerar que as temticas relacionadas a

    educao das relaes tnico-raciais se constituem como temas transversais atinentes s

    diversas disciplinas. Nesse sentido, as entrevistas realizadas no se detiveram exclusivamente

    aos professores de histrias mas tambm ao conjunto de professores de outras reas.

    Delimitemos dois eixos explorados nas entrevistas: o primeiro diz respeito s

    formas de representao acerca dos afro-descendentes e ao racismo na escola e comunidade; o

    segundo, aos mecanismos de estereotipao das diferenas.

    Analisando as entrevistas, identifica-se de imediato um discurso que atravessa

    praticamente a todas, um discurso que, na realidade, compe a mstica da democracia racial

    no Brasil: o constrangimento ao falar do racismo. Contudo, quatro posturas so muito comuns

    nos depoimentos, a admisso do racismo com a ressalva de que so manifestaes

    individualizadas e isoladas, o que permite descaracterizar a comunidade como racista; a

    segunda, a admisso do racismo com a ressalva de que esta manifestao tambm muito

    comum entre os grupos que se dizem vtimas; a terceira, a negao do racismo e a quarta, sua

    admisso na comunidade.

    2 Para tanto foram aplicados mais de 500 questionrios na comunidade e realizadas 23 entrevistas semi-estruturadas com professores do ensino fundamental e mdio das escolas da regio. Outra fonte pesquisada foi a imprensa escrita, atravs da anlise das publicaes do jornal de maior circulao na cidade, a Gazeta do Sul, entre os anos de 1950 e 2000. O conjunto destas informaes permite um diagnstico dos enunciados que marcam as relaes de alteridade bem como dos dispositivos de subjetivao das identidades.

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  • Como exemplo do primeiro tipo de postura, citamos a seguinte passagem3: uma

    docente ao ser perguntada sobre a existncia do racismo na escola ou na comunidade afirma

    que

    Agente ainda tem pessoas que so muito racistas na suas falas, mas acredito que no seja um discurso que predomina, mas ainda so pessoas, principalmente, da origem alem, que ainda trazem aquele racismo enraizado, elas so muito preconceituosas, mas no que seja uma coisa assim que domine, uma e outra pessoa que ainda pensa assim.

    Do segundo tipo de postura, destacamos os seguintes depoimentos:, H

    preconceitos a serem superados, a serem enfrentados, e quem se discrimina normalmente so

    os prprios grupos que se consideram discriminados. Na mesma direo e respondendo a

    mesma pergunta, outra docente afirma que, Na condio de descendente alem eu ouo dizer

    isso com muita freqncia, acredito que este discurso exista, t impregnado, mas, como dito

    anteriormente, quem mais se esconde atrs dele so os que se dizem perseguidos. Por ltimo,

    destacamos este depoimento:

    Existe, ainda existe, ainda mais assim de pessoas de mais idade, mais idosas, muito difcil pra elas ainda deixarem de ter isso, eu acho que o preconceito ainda ocorre bastante. S que tambm, eu acredito que o preconceito desse racismo ocorre bastante com eles tambm, todas as raas tem esse preconceito deles mesmos, isto agente percebe aqui na escola tambm, que isso vem. Acho que bastante deles tambm.

    Em resposta a mesma pergunta, alguns docentes negam a presena do racismo

    afirmando que No, aqui no se percebe tanto, porque geralmente dizem assim, o alemo

    tem um preconceito, os de origem alem tm preconceito. No se percebe isso. Porque aqui

    na nossa escola tem muitos negros, ou de origem, mas no se percebe isso.

    Um exemplo de aceitao do racismo no ambiente escolar explicitado nas

    seguintes entrevistas: Existe sim um discurso subliminar, racista, eu tenho alunos de 15, 16

    anos, que se dizem alemes puros, eu sou alemo (...). Outra docente faz a seguinte

    afirmao:

    aqui ainda se percebe este preconceito, quando tu observa a classe social ou no sentido assim em relao ao emprego e no sentido assim de cultura, onde se concentra cada grupo e no h efetivamente uma mistura. Eu que dou aula no interior, os encontros l so s com alemes, como eu dou aula aqui na nossas vilas, nas regies mais perifricas, s encontro ento negros e mestios, no se percebe muita a origem alem, ento ainda tem essa diviso.

    3 Optamos por reproduzir integralmente todas as passagens citadas das entrevistas, inclusive com os erros de linguagem.

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  • A estereotipao das identidades outro fator recorrente nas entrevistas. Giralda

    Seyferth ao estudar a identidade tnica alem no Rio Grande do Sul faz a seguinte

    considerao que ajuda a entender os depoimentos abaixo:

    o processo de colonizao se tornou smbolo da etnicidade e modelo contrastante em relao sociedade brasileira mais ampla. A imagem do imigrante alemo que dignifica o trabalho remete a uma apropriao simblica da histria da colonizao uma imagem construda por oposio a brasileiros estereotipados, num contexto de identidades contrastivas (1994: 23).

    Tomamos o seguinte depoimento como exemplo da percepo acerca da

    importncia da imigrao europia para o desenvolvimento econmico e cultural da regio:

    Primeiro que um povo (o alemo) que trabalha muito, valoriza o trabalho, no sentido at de horrio, respeita muito o horrio, por isso as empresas aqui da nossa regio crescem com isso, porque sempre temos nas porta gente pra trabalhar; trabalham mesmo na nossa regio. Mesmo que o Brasil est sendo considerado o pas que mais pe atestados no mundo, como apontou a ONU, mesmo assim eu acho que a nossa regio trabalha muito. Alm disso, essa cultura europia, eles tem muito a questo da limpeza e organizao das suas casas, o lugar aonde moram, a roupa que usa, a questo do capricho, porque tem que se comear com a gente pra depois desenvolver o resto n. Agora que a cultura europia contribuiu para o desenvolvimento da regio, tanto que tu pode ver, que Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paran, so os estados que mais crescem economicamente no Brasil, que mais tem desenvolvimento e que a cada ano que passa aumenta a safra e os gros polidos. Ento a gente muito importante dentro do Brasil na questo econmica, e todos tem uma colonizao europia, RS, PR e SC, nesse sentido importante.

    Respondendo a uma questo semelhante, que aborda a relao entre raa e etnia e

    desenvolvimento scio-econmico, uma entrevistada explicita os esteretipos da populao

    do Estado:

    At acredito que exista, s que agente no d importncia para isso, porque a gente faz parte da etnia, da raa da qual nos somos, e agente vai se situando dentro daquilo que a gente tem na famlia, na cultura e na tradio. S que se ns pararmos e analisarmos assim, vimos que a forma como os europeus se organizam, ns podemos falar dos alemes que tem muita determinao. So muito rgidos com sigo mesmo, tem muita disciplina; os italianos tambm tem muita garra, mas eles j so mais bonzinhos, j no so mais to dures. E os portugueses agente percebe assim que eles tem uma auto-depreciao, porque eles dizem ah pelo duro no adianta, no adianta! , ento observando o que as trs (?), e o que agente conhece sobre elas, e o que elas mesmas dizem de si, acho sim que tem importncia.

    Sobre as relaes intertnicas em sala de aula importante observar a percepo

    dos docentes no que diz respeito a presena de afro-descendentes. Os mecanismos

    classificatrios, estigmatizantes e tipolgicos aparecem nos discursos, relacionados, como o

    caso abaixo, com a categoria de deficiente. A pergunta feita a seguinte: Voc possui ou

    possuiu alunos negros? Como era essa relao em sala de aula? Como era a relao entre eles

    e os demais alunos? Resposta: Tranqilos, tranqilos, no tem... no tem. So normais. Ns

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  • temos tambm deficientes. E da h problemas, deficincia auditiva, cadeirantes, esse tipo de

    aluno. Ento, esse sim mais preocupante porque agente no sabe como lidar. Mas a cor de

    forma alguma!.

    A forma de tratamento baseada em prticas compensatrias e diferencialistas

    outra tnica dos discursos docentes. E aqui fica explcito como o vis da diversidade cultural

    e da tolerncia podem criar armadilhas. No raras vezes a tolerncia est mais prxima da

    indiferena ou da caridade do que de uma ao construtiva de espaos transculturais. Homi

    Bhabha faz esta advertncia ao considerar a poltica da diversidade cultural como uma nova

    forma de essencializar as fronteiras culturais em espaos especficos (Ver: BHABHA, 1999).

    Uma docente ao responder a questo acima afirma que:

    A questo racial principalmente no interior de (...) forte n ento eu trabalho bastante essa questo sempre quando tem um aluno negro na minha aula n. Na minha sala eu sempre procuro tentar que ele se sinta orgulhoso de ser negro de ter o seu grupo tnico e que respeite os outros e que os outros respeitem ele tambm n.

    Outra docente ao falar da maneira como lida com a questo dos alunos afro-

    descendentes em sua escola utiliza um exemplo significativo. Por ocasio das festividades dos

    500 anos do Brasil a escola resolveu organizar uma pea teatral e, neste espetculo, deveria

    existir um peloto de negros. Como os alunos negros se recusaram a participar, a soluo

    encontrada foi, nas palavras da docente: pretiar uns branquinhos nossos aqui pra ter gente

    naquele peloto.

    Entre as questes apontadas nas entrevistas, destacamos a concepo de identidade

    que perpassa a formao dos professores. Trata-se de uma concepo essencialista da

    identidade que tende a naturalizao da cultura e a construo de prticas divisrias e

    diferencialistas adequadas ao processo de legitimao de discursos homogeneizadores e

    excludentes. Os esteretipos da decorrentes fixam as identidades a partir de estratgias de

    visibilidade/invisibilidade da alteridade o que significa que o outro sempre uma rasura

    identidade considerada normal. A violncia simblica desdobrada destas prticas

    constituem os elementos de subjetivao na construo dos indivduos, hierarquizando as

    diferenas tnicas e culturais. Nesse sentido, a educao cumpri um papel conservador ao

    (re)produzir os discursos triunfalistas da identidade tnico-cultural de um determinado grupo

    tnico. As prticas educativas da oriundas no esto distantes do preconceito tnico/racial e

    da excluso. Se as diferenas so toleradas porque elas cumprem um papel importante na

    afirmao da identidade homogeneizadora pois funciona como elemento contrastivo das

    narrativas identitrias da regio.

    7ANPUH XXIV SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA So Leopoldo, 2007.

  • O ambiente escolar, nesta direo, funciona com um dispositivo a partir do qual os

    sujeitos so subjetivados e esquadrinhados, constitudos em seu corpo/psiqu em

    normais/anormais a partir de referenciais a priori definidos da alteridade. Os indivduos

    assimilam, neste processo, o pr-constitudo como seu prprio sentido.

    Referncias

    BARBOSA, Lcia Maria de Assuno (org.). De preto a afro-descendente: trajetos de pesquisa sobre o negro, cultura negra e relaes tnico raciais no Brasil. So Carlos: EdUFSCar, 2003.

    Diretrizes curriculares nacional para a educao das relaes tnico-raciais e para o ensino de histria e cultura afro-brasileira e africana. Braslia: Secretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial e Ministrio da Educao, 2004.

    FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: histria da violncia nas prises. 8. ed., Petrpolis: Vozes, 1991.

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    ________. O poder psiquitrico. So Paulo: Martins Fontes, 2006.FRY, Peter. A persistncia da Raa. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2005.HASENBALG, Carlos. Discriminao e desigualdades raciais no Brasil. 2 ed., Belo

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    Braslia: UNESCO, 2001.SEYFERTH, Giralda. A identidade teuto-brasileira numa perspectiva histrica. In:

    MAUCH, Cludia e VASCONCELLOS, Naira. (Orgs.) Os alemes no sul do Brasil: cultura, etnicidade e histria. Canoas: Ed. ULBRA, 1994.

    NEUMANN, Marines Teresinha. Narrativas identitrias e associativismo de tradio germnica na regio de Santa Cruz do Sul: o discurso da identidade regional (1850-1950). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006.

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