Antonio da Conceição Nascimento

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1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS V PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL A Irmandade do Glorioso São Bartolomeu de Maragogipe: suas práticas devocionais e a romanização (1851 1995). ANTONIO DA CONCEIÇÃO NASCIMENTO SANTO ANTONIO DE JESUS BA MAIO/ 2011

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL

A Irmandade do Glorioso São Bartolomeu de Maragogipe: suas práticas devocionais e a

romanização (1851 – 1995).

ANTONIO DA CONCEIÇÃO NASCIMENTO

SANTO ANTONIO DE JESUS – BA

MAIO/ 2011

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ANTONIO DA CONCEIÇÃO NASCIMENTO

A Irmandade do Glorioso São Bartolomeu de Maragogipe: suas práticas devocionais e a

romanização (1851 – 1995).

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em História Regional e Local da

Universidade do Estado da Bahia – UNEB,

Campus V, como requisito para obtenção do

título de Mestre, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª

Suzana Maria de Souza Santos Severs.

Área de concentração: História; Religião.

Santo Antonio de Jesus, Bahia

Maio / 2011

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ANTONIO DA CONCEIÇÃO NASCIMENTO

A Irmandade do Glorioso São Bartolomeu de Maragogipe: suas práticas devocionais e a romanização (1851 – 1995).

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em História Regional e Local da

Universidade do Estado da Bahia – UNEB,

Campus V, como requisito para obtenção do

título de Mestre, sob a orientação da Professora

Dra. Suzana Maria de Souza Santos Severs

Santo Antônio de Jesus, 06 de maio de 2011

BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Suzana Maria de Souza Santos Severs (Orientadora) – UNEB

______________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Lucilene Reginaldo (UEFS)

____________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Sara Oliveira Farias (UNEB)

____________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Nancy Rita Sento Sé de Assis. (UNEB) - (Suplente)

______________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Carmélia Aparecida Silva Miranda UNEB - (Suplente)

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Todo o meu esforço para construir este trabalho ofereço à

minha Santa mãe, e a todas as mulheres de minha família.

Minha avó Sinhá Bia, nossa rainha e senhora; tia Marta

que me ensinou as primeiras lições. “Ai, ai saudade,

saudade dela, ela se foi, saudade fiquei sem ela” (Geraldo

Pereira). A tia Tonha de quem também sou filho, a fiel e

companheira Pole, e as minhas primas e irmãs Edinha e

Lêu.

Pra você Carlinhos, meu amado irmão que sempre

consegue me descortinar horizontes.

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AGRADECIMENTOS

O caminho da pesquisa é muito solitário. Enveredamo-nos por arquivos a procura de

documentos, com uma idéia na cabeça, mas, sempre com a certeza de que nunca saberemos o

que nos aguarda. Nessa minha trajetória decifrando manuscritos, interpretando discursos e

tentando fazer conexões, percebi que o trabalho começa a se desenhar nas primeiras

discussões com o papel. Ele é nosso primeiro interlocutor, quem presencia nossas expressões

de angustia, de satisfação, ou de questionamento diante do que revela ou omite. Mas, isso não

encerra todo o processo, é somente uma parte dele.

Enquanto seres sociais, agradavelmente dependentes do outro, vivemos numa teia de

relações que se processam em todos os aspectos de nossa vida. Nesse caminho não foi

diferente, muitas pessoas contribuíram para a concretização dessa jornada. Muitas delas, sem

mesmo saber pra onde eu ia. Outras já visualizando a minha chegada. Mas todas sabendo em

que direção eu seguia. Como sou feliz com elas. São presentes e manifestação de Deus.

Agradeço aos colegas da graduação e companheiros da universidade que acreditaram

na minha capacidade e me incentivaram a continuar a jornada. Laly, Anne, Manu, Catarina,

Valney, Silvana Oliveira, Silvana Bispo, Flávia, Eduardo, Sayonara, Murilo, Wilkens,

Luciana, Gerlan, Fabiane, Danila, Andréia, Rene, Geane, Ariane, Ivonice, Guilherme,

Wanderson, obrigado a todos.

Entre os presentes que tive na minha formação acadêmica, certamente o professor

Raimundo Nonato da Fonseca foi um deles. Em 15 de julho de 2004, primeiro dia de aula na

UNEB, Campus V, foi ele quem recebeu minha turma. Empenhado como era em seu ofício,

nos apresentou com a disciplina “Teoria da História I” as primeiras malícias de um

historiador. Posteriormente conduziu a turma na elaboração dos incipientes projetos que

definiriam em grande parte nossos interesses de pesquisa. Sua morte nos pegou de surpresa. O

“Adeus Nonato” que recebemos por e-mail golpeou nossas pretensões de tê-lo como nosso

paraninfo, restando somente a possibilidade de nomear a turma com seu nome. Felizes os que

te conheceram Rai.

Não posso deixar de agradecer pela confiança e pelo incentivo a Cristiane Lírio, a

Denílson Lessa por ser tão humano, a Nancy pela sinceridade e comprometimento, qualidades

veneráveis com as quais me acompanhou na escrita do TCC (Trabalho de conclusão de curso)

e no tirocínio docente do mestrado. À minha orientadora Suzana Severs, que num equilíbrio

entre a severidade e a solicitude, generosamente acompanhou-me de perto, mas deixando que

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eu trilhasse os caminhos. A todos do Campus V e do Mestrado em História Regional e Local,

Ane, Consuelo Vilma, os meus colegas, em especial os mais próximos, Alex, Didi, Gilson,

Marilva, Priscila, Carol, Wilma, Oscar, Regina, Lielva, Gabriela e os professores do programa

que nas reuniões de linha, nas aulas e nos corredores deram contribuições para o andamento

da pesquisa, meu muito obrigado.

Fora do espaço da Academia, são nossos familiares e amigos que nos dão bases para

que continuemos a luta. A todos da minha família, em especial meus irmãos Rodrigo e Júnior,

agradeço somente por serem quem são, isso é o suficiente pra que eu tenha referências, e não

esqueça quem sou e dos meus propósitos.

Aos meus amigos, que também me dão solo para pisar, agradeço pelo incentivo, pelas

acolhidas, pelas alegrias vividas, pelos planos que juntos traçamos. Muito obrigado Dilma,

Reizinho, Dinda, Léo, Percília, Zé Carlos (meu padrinho), Teresinha, Any, Edson, Francis,

Rita Guedes, Dona Dita, Fátima e Ritinha.

Rebeldes queridos, vocês são meu lócus de amizade. Assim como Jesus ia para

Bethânia para descansar, são vocês que me proporcionam os melhores momentos de

tranquilidade e de alegria sem ensaios. Paty, Ney, Tethy, Naty, Bel, Pêu, Janilson, Elly,

Egidinho, Cleber, Marcos, Rebouças, Nete, Rakel, Tiago, Vero, Paulinho, Gal, Priscila,

Marivaldo, Américo, Luciano, Nina, Jorge e Rose meus compadres e Sam, meu afilhado,

obrigado.

Grupo Shalom Adonai, louvo a Deus por vocês, nos momentos de crise, quando

desistir seria o mais fácil, vocês me mostraram onde encontrar forças.

Ita, obrigado pela generosidade da acolhida, pelas orações e pela preocupação com as

minhas realizações. Cristóvão meu padre e amigo querido, obrigado por ter me

proporcionado, ao longo de minha trajetória como seu coroinha e quando me acolheu em sua

casa no início de minha graduação, raros momentos em que soube o que é carinho de pai.

A todos os meus companheiros de trabalho, em especial Adilson, Geane, Kátia, Jânio,

Silvana, Nice, Lurdinha, Suelem, Dona Rita e Lia, obrigado pelo incentivo e apóio.

Pela contribuição direta com esse trabalho de pesquisa quero agradecer a Manoel do

Serrote, que sempre esteve disposta a me ajudar, a Cremilda Feitosa, funcionária da Casa da

Cultura de Maragogipe que me cedeu sua coleção de jornais antigos e a Alessandro, que

confiou a mim um dos únicos exemplares do Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu

reformado em 1943.

A todos minha gratidão sincera.

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“Certa mulher trabalhava em uma casa como

doméstica, e o que ganhava não dava pra seu sustento e

de sua família. Quando saia do trabalho, todos os dias a

patroa revistava sua sacola pra que ela não levasse nada

pra casa. Sempre no final da tarde, depois de ralar o

milho e fazer o mingau da família para a qual

trabalhava, ela deixava os seus braços sujos com a

borra. Em casa, ela lavava seus braços dentro de uma

panela, e era com aquela água que ela fazia o mingau

de seus três filhos”.

(Catarina Domiciano da Conceição – Santa, minha mãe)

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RESUMO

A criação da Irmandade de São Bartolomeu, se comparada ao tempo de existência das

demais que já existiam na freguesia de Maragogipe desde o século XVIII, pode ser

considerada tardia. Ainda assim, ela tornou-se a confraria de maior ressonância da cidade.

Conforme os seus Compromissos de 1851 e 1943, sua criação atendeu ao objetivo de cuidar

do culto ao santo apóstolo padroeiro da cidade, São Bartolomeu, atividade com a qual se

ocupou até 1995, quando foi substituída pelas comissões de festas que haviam sido

incorporadas à sua Mesa Administrativa desde 1912. Além disso, a assistência funerária aos

irmãos confrades também fez parte de suas práticas devocionais mesmo depois da construção

do cemitério em Maragogipe na década de 1860, quando os enterramentos deixaram de ser

realizados nos templos católicos. Já no momento de sua fundação em 1851, em carta de

aprovação de seu Compromisso, o Arcebispo Primaz da Bahia, o ultramontano Dom

Romualdo de Seixas, fez algumas recomendações que demonstram sua preocupação em evitar

práticas que pudessem se desviar dos preceitos católicos romanos. Estas recomendações não

interferiram tanto na autonomia da confraria. Foi já no início do século XX, depois da

separação entre a Igreja e o Estado que as medidas da Romanização se fizeram sentir, e a

Irmandade de São Bartolomeu foi colocada sob a presidência do vigário, perdendo dessa

forma a autonomia.

Palavras-chave: Irmandade, práticas devocionais, romanização, Igreja católica.

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ABSTRACT

The creation of the Brotherhood of St. Bartholomew, compared to the duration of the others

that already existed in the parish of Maragogipe since the eighteenth century, may be

considered late. Still, she became the fraternity of the city with the most resonance. According

to its commitments in 1851 and 1943, its establishment has met the goal of caring for the cult

of the apostle and patron saint of the city, St. Bartholomew's activity with which he held until

1995 when he was replaced by party committees that have been incorporated into your table

Administration since 1912. In addition, the funeral assistance to the brethren brothers was

also part of their devotional practices even after the construction of the cemetery Maragogipe

in the 1860s, when burials ceased to be held in Catholic churches. From the moment of its

foundation in 1851, in a letter of approval of its Commitment, the Archbishop Primate of

Bahia, Dom Romualdo de Seixas ultramontano made some recommendations that

demonstrate their concern to avoid practices that might deviate from the Roman Catholic

precepts. These recommendations did not affect both the autonomy of the brotherhood. It was

in the early twentieth century, after the separation of church and state that the measures were

felt Romanization, and the Brotherhood of St. Bartholomew was placed under the

chairmanship of the vicar, thus losing autonomy.

Keywords: Brotherhood, devotional practices, Romanization, Catholic Church

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LISTA DE IMAGNS E TABELAS

Imagem1 – Imagem de São Bartolomeu no altar mor da Igreja Matriz de Maragogipe .........32

Imagem 2 – Imagem de São Bartolomeu usada nas procissões................................................33

Imagem 3 – Imagens de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário........................................47

Imagem 4 – Imagem de Nossa Senhora da Boa Morte da igreja Matriz de Maragogipe.........49

Tabela 1 – Classificação Racial e ocupação da população escravizada de Maragogipe..........48

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LISTA DE ABREVIATURAS

APEBA – Arquivo Público do Estado da Bahia

ARENA – Aliança Reedificadora nacional

IGHB – Instituto Geográfico e Histórico da Bahia

LEV – Laboratório Eugênio da Veiga

PSD – Partido Social Democrático

SPOM – Sociedade Protetora dos Operários de Maragogipe

UNEB – Universidade do Estado da Bahia

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Irmandades da freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe............................... 21

Quadro 2 – Vilas mais próximas de São Bartolomeu de Maragogipe......................................22

Quadro 3 - Equivalência das jóias pagas pelos irmãos de São Bartolomeu.............................55

Quadro 4 – Mesa Administrativa de 1943, Irmandade do Santíssimo Sacramento..................80

Quadro 5 – Mesa Administrativa de 1943-1945, Irmandade Nossa Senhora da Conceição....81

Quadro 6 – Mesa Administrativa de 1943, Irmandade de São Bartolomeu.............................82

Quadro 7 – Mesa Administrativa de 1912, Irmandade de São Bartolomeu.............................86

Quadro 8 – Balancete de receita e despesas da festa de São Bartolomeu no ano de 1936.....132

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................14

1. A IRMANDADE PARA ORGANIZAR UMA DEVOÇÃO.............................21

1.1 O APÓSTOLO SÃO BARTOLOMEU.......................................................................29

1.2 A FUNDAÇÃO DA IRMANDADE DE SÃO BARTOLOMU .................................31

1.3 UMA IRMANDADE LIDERADA POR HOMENS BRANCOS E PARDOS ..........38

1.4 CLASSIFICAÇÃO RACIAL E SOCIAL NA IRMANDADE ...................................39

1.5 IRMANDADES DA FREGUESIA DE MARAGOGIPE ..........................................42

1.6 A MESA ADMINISTRATIVA E SUAS RELAÇÕES HIERÁRQUICAS ...............51

2. UMA IRMANDADE EM TEMPOS DE ROMANIZAÇÃO............................64

2.1 A POLÍTICA REGALISTA E A REAÇÃO DA IGREJA NO BRASIL.....................69

2.2 A REATIVAÇÃO DA IRMANDADE DE SÃO BARTOLOMEU............................77

2.3 AS REGRAS DA ROMANIZAÇÃO E A IRMANDADE..........................................90

3. PRÁTICAS DEVOCIONAIS DOS IRMÃOS DE SÃO BARTOLOMEU.100

3.1 OS CUIDADOS COM A MORTE.............................................................................100

3.1.1 Os sufrágios pelas almas dos irmãos de São Bartolomeu........................................106

3.1.2 Mudanças na cultura funerária: o fim dos enterramentos na Igreja.........................109

3.1.3 A construção do cemitério.......................................................................................113

3.1.4 Os ritos fúnebres depois do cemitério......................................................................120

3.2 ORGANIZR A FESTA: UMA TAREFA DA IRMANDADE...................................122

3.2.1 O crescimento da festa de São Bartolomeu e a atuação da Irmandade ...................123

CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................143

FONTES ...........................................................................................................146

REFERÊNCIAS................................................................................................150

ANEXOS...........................................................................................................155

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INTRODUÇÃO

A escolha do tema desse trabalho está intrinsecamente ligada a uma trajetória de

dificuldades para a realização da pesquisa. Já cursando as disciplinas do mestrado, em março

de 2009, e com o foco voltado para as sensibilidades diante da morte em Maragogipe na

transição do Império para a República, nos deparamos com uma adversidade que deu um

golpe certeiro nas nossas pretensões. Voltando ao Fórum de Maragogipe para continuar a

leitura dos inventários e testamentos, fontes primordiais para a realização do trabalho, por

serem “depoimentos incomparáveis do teor da vida e da feição das almas”1, nos foi barrado o

acesso pela juíza em exercício, alegando ela não ter funcionários disponíveis, espaço físico

adequado e que os documentos eram particulares, e mesmo já estando prescritos

judicialmente, não tínhamos o direito de sondar a vida alheia. Não é necessário que façamos

qualquer crítica ao caso ocorrido, o fato por si, evidencia as dificuldades criadas para a

pesquisa histórica quando não se trata de arquivos especializados.

Diante disso, tentamos dar continuidade à pesquisa buscando a documentação no

Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Para nossa surpresa, encontramos uma razoável

quantidade de inventários de Maragogipe, mas pouquíssimos do período que pretendíamos

analisar. Tentamos redefinir o recorte temporal, para o momento em que se efetivaram as leis

de proibição dos enterramentos nas igrejas, ou seja, início da segunda metade do século XIX,

mas nos deparamos com outro problema, dentre todos os inventários, menos de 5% tinha em

anexo o testamento, documento que priorizávamos por fornecerem informações sobre as

últimas vontades humanas. Entre busca de documentação e mudança de recorte temporal,

atentamos para o papel das irmandades no trato com a morte. Enveredamo-nos então, pela

busca de informações sobre as irmandades.

Nesse processo, encontramos uma considerável documentação da Irmandade de São

Bartolomeu. Entre elas podemos elencar os Compromissos de 1851, que primeiro regeu a

vida da confraria durante toda a segunda metade do século XIX, e o de 1943, que foi

reformado segundo os ideais da romanização. Esses dois documentos, base para nossa

pesquisa, nos permitiram, quando comparados, perceber as mudanças ocorridas na Irmandade

em meados da década de 1940. As cartas do padre Florisvaldo José de Souza ao Arcebispado

da Bahia, nas quais ele demonstra seu empenho em reativar as irmandades e reformar seus

Compromissos para que voltassem a cuidar das festas de seus oragos, nos revelaram os

1 MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. Belo Horizonte. Itatiaia, 1980, p. 34.

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motivos que fizeram com que essas confrarias não fossem deixadas no ostracismo, nem

substituídas pelas associações religiosas que a romanização propunha.

Algumas lacunas se seguem nesse trabalho, em razão da falta de fontes com

informações que as preenchesse. Saber quem foram os membros fundadores da Irmandade,

por exemplo, não foi possível. Assim como não encontramos as composições das Mesas

Administrativas formadas desde a sua fundação até 1912, de quando consta a primeira lista de

mesários que encontramos. Depois disso, só as encontramos novamente datadas de 1934 até

1971, mesmo assim, com a sequência interrompida entre 1937 a 1942, e 1948 a 1970. Essas

listagens foram extremamente importantes, pois nos informaram pelo menos os nomes dos

membros que administravam a Irmandade, e também as alterações no formato das

composições da Mesa ao longo do período.

Saber somente os nomes dos membros da Irmandade era pouco. Precisávamos saber

sobre suas vidas, ocupação e condição social, para então postularmos algumas análises. Para

isto, nos enveredamos na leitura dos jornais de Maragogipe. Não os encontramos em

sequência nem organizados, salvo o Redenção, arquivado no IGHB. Exceto esse periódico,

contamos com os números de outros jornais guardados por uma funcionária da Casa da

Cultura de Maragogipe, que nos permitiu o acesso. Esses jornais nos quais garimpamos

informações sobre os membros da Mesa Administrativa, nos permitiram também acompanhar

como a Irmandade conduziu a festa de seu orago, e estabeleceu o fim de nosso recorte

temporal, com as notícias que apresentavam a substituição da Irmandade pelas comissões

organizadoras da festa de São Bartolomeu.

Os inventários com testamentos foram essenciais para analisarmos as atitudes diante

da morte no período da segunda metade do XIX, levando-se em conta as atitudes individuais

dos testadores. Com os documentos da Câmara de Maragogipe e da Santa Casa de

Misericórdia, pudemos acompanhar o processo da construção do cemitério, bem como a

resistência da população de Maragogipe em enterrar seus mortos longe do templo. Isso

demonstrou a força da cultura funerária que as irmandades ajudavam a manter.

Entre todas as irmandades que encontramos, a de São Bartolomeu foi a única criada na

segunda metade dos oitocentos. Isso nos chamou a atenção, pelo fato de que em sua maioria,

mesmo que tenham estendido suas atividades e duração até o século XIX, essas confrarias

tiveram sua criação no século XVIII. Essa criação posterior da Irmandade de São Bartolomeu

nos trouxe alguns questionamentos.

Mesmo sendo o apóstolo Bartolomeu padroeiro de Maragogipe, desde que esta se

tornara freguesia sua irmandade só fora criada em 1851. O que fez com que, a essa altura,

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quando o momento áureo das irmandades, o século XVIII, já havia passado, surgisse a

necessidade de criação de uma confraria para cuidar das festas do padroeiro? Acreditamos que

a criação da Irmandade de São Bartolomeu tenha relação com a elevação de Maragogipe de

vila à cidade. Os documentos nada dizem enfaticamente, mas, colocando-nos no lugar do

“leitor operário de Brecht”2 ao questionar quem teria construído Tebas, fazemos nossa as

palavras de Ginzburg: “a pergunta conserva todo seu peso”3. Além disso, outros

acontecimentos concomitantes verificaram-se no mesmo período como a criação da

Irmandade da Santa Casa de Misericórdia que cuidou do hospital de caridade e mais tarde

construiu o cemitério.

Sendo a Irmandade a responsável pelo culto do orago da cidade, certamente seus

membros correspondiam ao peso dessa responsabilidade. Assim, interessou-nos saber sobre o

perfil social dos irmãos de São Bartolomeu, bem como, estando à frente da irmandade, de que

forma eles conduziram o culto ao padroeiro ao longo da existência da confraria, mesmo

porque, o início da segunda metade do século XIX foi marcado pela atitude ultramontana de

parte do corpo episcopal brasileiro que defendia a aproximação da Igreja à Cúria romana em

detrimento dos mandos do poder político imperial, e uma vivência da fé sem as misturas

religiosas que muitas irmandades já haviam incorporado aos seus cultos. Diante disso,

certamente a aprovação do Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu, ato necessário

para a sua existência legal, foi condicionada a esse contexto, haja vista que o Arcebispo

Primaz nesse momento era Dom Romualdo de Seixas, precursor do ultramontanismo4 na

Bahia.

As tensões entre a Igreja e o Estado fizeram urgir a necessidade da romanização do

catolicismo brasileiro na segunda metade do século XIX. Esse processo estendeu-se até o

início do século XX. Assim, em linhas gerais, os condicionamentos da aprovação da

Irmandade de São Bartolomeu, os posicionamentos tomados frente à realização de suas

práticas devocionais, e as transformações sofridas com a romanização iniciada em 1850 e

efetivada em finais do XIX e início do XX, conduziram o desenrolar desse trabalho.

Seguindo os desdobramentos das questões que se apresentavam pelo avanço da leitura

da documentação, refizemos o projeto com o intuito de abordar sobre a Irmandade de São

2 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição.

São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 15 3 Ibidem.

4 O Ultramontanismo foi uma doutrina política começada pelos católicos franceses que tinha o objetivo de

buscar inspiração e apóio além dos montes (daí o termo ultramontanismo), que seria a Cúria Romana, e defendia

a autoridade absoluta do Papa em matéria de fé. Essa doutrina política se espalhou por outras nações inclusive no

Brasil.

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Bartolomeu, suas práticas devocionais, e as transformações que ela foi sofrendo ao longo de

sua existência, ocasionadas pelas medidas da romanização que se fizeram sentir até finais da

primeira metade do século XX e pelas tensões entre a Igreja e o Estado no Brasil. Assim

decidimos pelo seguinte título: “A Irmandade do Glorioso São Bartolomeu de Maragogipe:

suas práticas devocionais e a Romanização (1851 – 1995)”.

O nosso recorte temporal foi redefinido levando-se em consideração principalmente a

atividade devocional principal da Irmandade de São Bartolomeu, o culto ao seu orago. O

tempo em que ela ficou à frente da organização dos festejos iniciou-se com a sua criação em

1851 e se estendeu até 1995, quando ela foi substituída por comissões. Estas foram

incorporadas à sua Mesa Administrativa em 1912, quando sofreu a primeira reforma em seu

Compromisso. As transformações pelas quais passou a Irmandade estiveram relacionadas ao

posicionamento da Igreja católica frente às mudanças políticas que se processavam no país. A

importância do estudo da Irmandade de São Bartolomeu se justifica justamente por isso, as

confrarias, de um modo geral, “espelham e retratam os diversos momentos e contextos

históricos nos quais se inserem”5. A Irmandade de São Bartolomeu, ao longo de sua atuação

em Maragogipe pode experimentar os posicionamentos ultramontanos do clero brasileiro, que

teve na pessoa de Dom Romualdo de Seixas seu primeiro expoente, e a romanização que

influenciou essa atitude do clero e postulou uma série de medidas de controle da vivência da

fé, que incidiram diretamente na sua autonomia e alteraram sua estrutura organizacional.

Para contemplar a proposta do título e responder aos questionamentos, dividimos a

dissertação em três capítulos que poderíamos resumir respectivamente em três palavras:

criação, romanização e devoção. Ao tratar da criação da Irmandade de São Bartolomeu em

1851 e dos objetivos dos quais ela se incumbia, abordamos também o contexto religioso no

qual ela foi inserida fazendo um breve histórico de Maragogipe, onde a vivência da fé era

mediada pelas irmandades religiosas formadas por diferentes grupos étnicos e sociais. Além

disso, analisamos a sua estrutura organizacional no momento de sua fundação e como a

devoção ao santo apóstolo chegou a Maragogipe.

No segundo capítulo, focamos especificamente nas recomendações dadas por Dom

Romualdo de Seixas à Irmandade de São Bartolomeu, mostrando como elas provinham das

tensões que se processavam naquele momento entre a Igreja e o Estado, que dividiu de um

lado o clero ultramontano que buscava em Roma o centro de onde emanavam as regras a

serem seguidas, e de outro os políticos regalistas que defendiam a completa subordinação da

5 BOSCHI, Caio. Os leigos e o poder. São Paulo: Ática, 1986, p. 12.

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Igreja ao Estado. Analisamos o Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu, reformado

em 1943, para mostrar como as medidas que o clero adotou cercearam o poder e autonomia da

Irmandade. Isso nos permitiu perceber de forma mais evidente o controle que a Igreja

estabeleceu no processo de romanização que se estendeu até a primeira metade do século XX.

No terceiro capítulo, procuramos discutir as práticas devocionais da Irmandade, que se

resumiam basicamente a dois rituais: o da festa do orago e o da morte de membros. Para tratar

da morte, usamos principalmente os Compromissos, pois eles descrevem com detalhes os

procedimentos realizados quando da morte de algum irmão. Na impossibilidade de encontrar

os testamentos dos membros da Irmandade, que poderiam nos fornecer informações acerca de

seus posicionamentos diante da morte, buscamos analisar a partir dos testamentos de outros

indivíduos de Maragogipe, como a morte era encarada. Além disso, abordamos sobre a

epidemia de cólera que aconteceu em 1855 efetivando a proibição dos enterramentos nas

igrejas, o que fez urgir a necessidade de construção do cemitério. Isso alterou as práticas da

Irmandade frente à morte de seus irmãos. Discutimos também nesse capítulo, como a

Irmandade conduziu a festa de seu orago, as ações que ela desenvolveu para custear os

festejos, bem como sua atenção tanto com a programação religiosa, quanto com a diversão

popular nas ruas.

As referências bibliográficas foram de fundamental importância para o progresso do

trabalho. Alguns autores como Célia Maria Borges e Caio Boschi possibilitaram a

compreensão do tema estudado ao mostrar as tipologias das irmandades. Para entender a

configuração e atuação dessas confrarias no Brasil e na Bahia, bem como quais grupos sociais

elas representavam, dialogamos com Lucilene Reginaldo, João José Reis e Julita Scarano.

Esses historiadores deram subsídios para as análises feitas da Irmandade de São Bartolomeu.

Sendo as igrejas o lugar de atuação das irmandades, logo elas mantinham relações com

o corpo eclesiástico que extrapolavam as celebrações das missas e a administração dos

sacramentos. Muitas vezes mantinham financeiramente os templos, e decidiam acerca da

utilização de seus espaços internos. A Matriz, já sendo templo referencial da fé católica, ao

abrigar todas as confrarias, fragmentava-se internamente em lugares de identidade dos irmãos

religiosos. A organização do espaço era então definida pelo lugar ocupado pelo santo. Diante

disso, além de compreender as irmandades, foi necessário compreender também a estrutura da

Igreja no período imperial. Para tal, foram necessárias leituras que tratassem não somente da

Igreja especificamente, mas das relações que ela estabelecia com o Estado. Assim, partimos

da obra “Igreja e Estado em tensão e crise” de Thales de Azevedo, em que o autor traça uma

trajetória da relação da Igreja Católica com o Estado no Brasil desde o período colonial,

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mostrando que não é “possível dissociar a história da religião da história da sociedade, mesmo

quando se analisam as estruturas associativas ou os negócios eclesiásticos em uma

coletividade do passado ou em determinado período do tempo histórico”6.

Outros autores como Sergio Buarque de Holanda, Eduardo Hoornaert e Oscar Lustosa,

que discutem a Igreja católica no Brasil republicano, além de Roberto Romano e Nilo Pereira,

mais focado na “Questão Religiosa”, nos ajudaram a compreender as relações entre o poder

político e a Igreja. Relacionamento baseado em posicionamentos liberais e regalistas por parte

do Estado como abordou Brasil Gérson. Para entender a postura da Igreja diante desse

processo, foi de extrema importância a obra de Cândido da Costa e Silva, “Os Segadores e a

Messe” que analisa o perfil do clero baiano, enfatizando principalmente a sua formação.

Também trata do tema Sergio Miceli, que analisa a elite eclesiástica, e Pedro A. Ribeiro

Oliveira, que discute a ideologia da Igreja no Brasil e as atitudes dos eclesiásticos para a

estruturação do catolicismo romanizado. Esse último autor, juntamente com Riolando Azzi,

nos permitiu entender como as regras da romanização foram sendo implantadas

principalmente no tocante às irmandades. Todas essas obras, mesmo as que não tratavam

especificamente do assunto das irmandades, deram uma visão da estrutura da Igreja no Brasil,

e nos trouxeram algumas explicações sobre a influência dos leigos na condução da vida

espiritual católica.

Para estabelecer alguns conceitos iniciais acerca do objeto estudado, foi necessário

recorrer a algumas obras teóricas como “A Interpretação das Culturas” de Clifford Geertz,

“Sociologia da religião” de Thomas F. O‟Dea e “As formas elementares da vida religiosa” de

Émile Durkheim ajudaram a definir os conceitos de religião e santo a serem trabalhados. A

forma de atuação da Igreja que, enquanto instituição dominante, cumpria sua função pôde ser

tratada através da idéia de “função de regularidade” apresentada por Paul Ricoeur em “A

memória, a história, o esquecimento”.

Com Pierre Bourdieu pudemos analisar o poder exercido pela Igreja sobre a

Irmandade de São Bartolomeu, assim como o poder exercido pela própria Irmandade na

configuração religiosa de Maragogipe. Uma religiosidade na qual identificamos elementos

ainda barrocos segundo definição dada por Afonso Ávila. Essa religiosidade que guardava

seus tons barrocos constituía uma linguagem própria daquele período, que pudemos definir a

partir do conceito de Raymond Willians de “linguagem constitutiva”. Em atos concretos, além

6 AZEVEDO, Thales. Igreja e Estado em Tensão e crise: a conquista espiritual e o padroado na Bahia. São

Paulo: Ática, 1978, p. 13.

Page 20: Antonio da Conceição Nascimento

20

de configurar a religiosidade local, as irmandades reconfiguravam também o espaço interno

da Matriz, e decidiam sobre ele. O conceito de Certeau acerca do “espaço” ajudou a fazer essa

reflexão, bem como identificar as “estratégias” do clero no intuito de ponderar o poder que as

irmandades assumiam.

Estudar em escala menor um município ou uma entidade torna-se importante, pois

“não são os mesmos encadeamentos que são visíveis quando mudamos de escala, mas

conexões que passaram despercebidas na escala macro-histórica”7. Com esse trabalho,

queremos contribuir com os estudos sobre a relação da Igreja com o Estado no processo de

romanização na Bahia, bem como sobre as transformações sofridas pela Igreja Católica no

Brasil da Segunda Metade do século XIX, e suas estratégias de estruturação no século XX

frente à política republicana. A Irmandade de São Bartolomeu constituiu um termômetro

significativo para acompanharmos esses processos, pois ela atravessou esse período e sofreu

diretamente as ressonâncias de seus acontecimentos.

Pretendemos apresentar algumas informações que enriqueçam a história local, mais

especificamente, no que tange a religiosidade católica de Maragogipe, e uma de suas

principais manifestações religiosas, a festa de São Bartolomeu, que teve como organizadora

durante 144 anos a Irmandade do mesmo apóstolo. Nessa função, ela definiu a festa,

tornando-a o que veio a ser posteriormente.

Estamos cientes de que esse trabalho não encerra todas as análises possíveis, o que

pode ser dito sobre a Irmandade de São Bartolomeu, o tempo e as circunstâncias que

apresentamos acima, são co-autores e impõem algumas dificuldades. Assim, a Irmandade de

São Bartolomeu ainda pode revelar muito sobre a história de Maragogipe e da Igreja nessa

parte do Recôncavo Sul da Bahia na segunda metade do XIX.

7 RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2007, p. 221.

Page 21: Antonio da Conceição Nascimento

21

1. A IRMANDADE PARA ORGANIZAR UMA DEVOÇÃO.

Em Maragogipe, desde o século XVIII, em tempos de vila, até a segunda metade do

século XIX, tivemos notícia da criação de doze irmandades (quadro 1). Mesmo comportando

duas freguesias, a de São Bartolomeu (1640) e a de São Filipe (1718), só encontramos

registros de irmandades na primeira. Isso talvez se explique pelo fato de serem essas

confrarias “mais numerosas e influentes, do ponto de vista religioso e social, nos centros mais

urbanizados”8.

Irmandade Em atividade Classificação racial

Nossa Senhora da Conceição 1768 Pardos forros

São Benedito 1768 Negros

Santíssimo Sacramento 1812 Brancos

Nossa Senhora do Rosário 1820 Pretos

São Bartolomeu 1851 Brancos e Pardos

Santa Casa de Misericórdia 1856 Brancos

Santas Almas 1857 -

Nossa Senhora da Boa Morte 1879 Pretos

Santa Ana - -

Nossa Senhora do Amparo - Pardos forros

Nossa Senhora de Guadalupe - Pardos cativos

Quadro 1 – Irmandades da freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe séculos XVIII e XIX.

Elaborador pelo autor a partir das fontes utilizadas e das bibliografias que tratam das irmandades na

Bahia.

A Vila de Maragogipe era pouco povoada se comparada com as demais do Recôncavo,

mas, a Freguesia de São Bartolomeu era consideravelmente mais desenvolvida que a

Freguesia de São Filipe desde o século XVIII. O quadro abaixo nos oferece uma proporção da

densidade demográfica das duas freguesias e nos permite uma comparação.

8 REGINALDO, Lucilene. Irmandades e devoções de africanos e crioulos na Bahia setecentista: histórias e

experiências atlânticas. Stockholm REVIEW OF Latin American Studies, Issue No. 4, March 2009, p. 26.

Disponível em:

<www.lai.su.se/.../SRoLAS_No4_2.%20Irmandades%20e%20devoc ̧ões%20de%20africanos.pd>. Acesso em:

mar.2010.

Page 22: Antonio da Conceição Nascimento

22

Vilas9 Freguesias Fogos Almas Total

de

almas

Santo

Amaro

Nossa Senhora da Purificação de Santo Amaro

São Pedro em Jacuípe, ou Rio Fundo

Nossa Senhora da Oliveira nos Campos

São Domingos de Saubara

753 5.782

14.310 571 4.827

284 1.586

242 2.115

Cachoeira Nossa Senhora do Rosário, Vila de Cachoeira

São Pedro da Muritiba

Nossa Senhora do Desterro do Oiteiro Redondo

São Gonçalo nos Campos

São José nas Itapororocas

Santa Ana no Camisão

São Tiago no Iguape

Santo Estevão no jacuípe

986 5.814

26.980

562 4.012

379 2.947

455 3.625

312 5.017

91 540

337 3.671

175 1.354

Jaguaripe Nossa senhora vila Ajuda da Vila de Jaguaripe

Nossa Senhora de Nazaré

Santo Antônio em Jequiriçá

N. Senhora de Madre-de-Deus na Pirajuía

718 5.016

8.159 183 1.213

138 698

230 1.232

Maragogipe São Bartolomeu na Vila de Maragogipe

São Filipe10

886 5.684

8.316 282 2.632

Quadro 2 – Vilas mais próximas de São Bartolomeu de Maragogipe

11.

O número de pessoas na primeira freguesia chega a mais que o dobro do da segunda.

Seguem nessa mesma proporção os fogos12

de cada uma. Pela quantidade destes, junto ao

número populacional, podemos constatar a diferença do desenvolvimento urbano entre ambas.

Isso talvez tenha propiciado o surgimento das irmandades somente na Freguesia de São

Bartolomeu.

Mesmo sendo o apóstolo Bartolomeu padroeiro de Maragogipe desde a instituição da

freguesia em 1640, a Irmandade de São Bartolomeu só fora crida em 1851, já na segunda

metade do XIX. Na data de sua fundação, considerando a aprovação de seu Compromisso em

10 de abril de 1851, faltava pouco menos de um mês para Maragogipe completar seu primeiro

9 HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário da Língua portuguesa. Rio de janeiro: Editora Nova

Fronteira, 1992. As vilas eram “povoações de categoria superior à de aldeia ou arraial e inferior à de cidade”. 10

Grifo nosso. 11

Elaborado a partir do “Mapa de todas as freguesias que pertenciam ao arcebispado da Bahia”. In: VILHENA,

Luis dos Santos. A Bahia no século XVIII. Vol. 2, livro II. Bahia: Editora Itapuã, 1969. 12

“Residência de uma família, lar, casa”. Op. Cit.

Page 23: Antonio da Conceição Nascimento

23

aniversário com o título de “Patriótica Cidade”13

. Elevada pela Lei Provincial nº. 389 de 08 de

maio de 1850 à categoria de cidade, Maragogipe fora Vila desde 1724 quando suas terras,

parte da Capitania do Paraguaçu14

, ainda pertenciam à família do primeiro donatário, Duarte

da Costa, que as recebeu em 1557 da Coroa portuguesa em reconhecimento aos seus serviços

enquanto terceiro governador provincial. Parte dessas terras se tornara uma sesmaria doada a

Dom Álvaro da Costa por seu pai. Este por sua vez, instituiu o “regime do arrendamento aos

pequenos colonos”15

. Somente em 1733, segundo Osvaldo Sá16

, estas terras foram compradas

por D. José I, Rei de Portugal, em razão das disputas de terras que estavam ocorrendo entre os

colonos, e a partir de então passaram a pertencer à Coroa portuguesa17

.

A parte da sesmaria de Dom Álvaro da Costa, que se tornou a freguesia de São

Bartolomeu, desenvolveu uma dinâmica de produção agrícola diferenciada do restante do

Recôncavo. Como nem só de açúcar podia viver o Recôncavo, era necessário alimentar quem

produzia o expoente da exportação daquele período, assim, as freguesias do Sul, Maragogipe

e Jaguaripe, eram de fundamental importância para a subsistência no recôncavo açucareiro.

Barickman afirma que enquanto as freguesias do norte da Bahia de todos os Santos e de

outras partes do Recôncavo, principalmente São Francisco do Conde, Santo Amaro e Iguape,

plantavam cana-de-açúcar, nas freguesias do Sul os “roceiros” ocupavam-se do plantio de

mandioca18

. Essa idéia é reforçada por Kátia Mattoso que identifica Maragogipe, Jaguaripe e

Nazaré como “as principais regiões produtoras de farinha de mandioca no Recôncavo”19

.

Exemplo significativo da especialidade agrícola a que se dedicava Maragogipe foi a

quantidade relevante de dois mil alqueires20

de farinha de mandioca doada pela população ao

quarto vice-rei o Visconde de Sabugosa21

, em retribuição por ter tornado vila a freguesia de

São Bartolomeu. Mais significante ainda é essa quantidade do derivado da mandioca por se

13

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Enciclopédia dos Municípios. XXI Vol.

Rio de Janeiro, 1958, p. 28-33. 14

Sobre a divisão das Capitanias da Bahia ver MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Bahia, século XIX. Uma

província no Império. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1992, p. 43. 15

BARROS, F. Borges de. A Margem da História da Bahia. Imprensa Oficial do Estado: Bahia, 1934, p. 167. 16

SÁ, Oswaldo. Histórias Menores: Capítulos da história de Maragogipe. Vol. 1. São Félix, 1981, p. 43. O

trabalho de Oswaldo Sá foi produzida a partir de obras antigas, anais da Câmara de vereadores, notícias de ornais

do século XIX, obras sobre o Recôncavo, e da tradição oral. 17

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1958, p. 29. Segundo a Enciclopédia do

Município a vila de Maragogipe recebeu foros de cidade em 08 de maio de 1850, quando recebeu o título de

“Patriótica Cidade”. 18

BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-

1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 42-43. 19

MATTOSO, 1992, p. 73. 20

. Op. Cit. Segundo Barickman, um alqueire de farinha correspondia a aproximadamente 36, 27 litros, o que nos

leva a uma quantidade maior que 72.000 litros de farinha 21

BARROS, 1934, p. 212. Aponta Barros que “Nesse mesmo ano (1724) visitou o Vice-Rei o Recôncavo

elevando Maragogipe a Villa e a mesma categoria Jacobinas e Minas do Rio de Contas”.

Page 24: Antonio da Conceição Nascimento

24

tratar de uma “estação em que a esterilidade ocasionava dificuldades não pequenas de adquirir

tal gênero”22

. A farinha produzida nessas freguesias além de servir ao consumo doméstico, era

escoada por embarcações e vendida em outras partes do Recôncavo e na capital da Província

da Bahia23

. A marca forte dessa produção agrícola em Maragogipe, acrescentou um adendo ao

nome da freguesia de seu termo, São Filipe, que passou a ser conhecida como São Filipe das

roças, dada a grande quantidade de pequenos lavradores que se dedicavam a produção de

mandioca. Já município, também Nazaré passou a ser chamado de Nazaré das farinhas24

.

Esses aspectos econômicos de Maragogipe estão localizados principalmente entre o

século XVIII e primeira metade do XIX, mas, interessa-nos saber sobre eles ao tempo da

criação da Irmandade de São Bartolomeu. Para discutir sobre isso, recorremos à leitura dos

inventários da população urbana que datam de 1851 e 1852. A amostra de inventários é

pequena, pouco menos de 20, o que é insuficiente para se fazer uma análise aprofundada dos

aspectos econômicas da cidade de Maragogipe, mas significativa, pois nos dá pistas das

atividades econômicas das quais vivia a população urbana.

Os inventários nos apontam que a maioria dos moradores da cidade possuía sítios na

área rural de Maragogipe. O casal João Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de Jesus25

, por

exemplo, tinham um Sítio com casa de telhado e arvoredos, e terras da Fazenda das Cabaças.

Também Joaquim Martins Barbosa26

possuía um sítio. Nessas posses rurais, esses

proprietários, através de seus escravos, desenvolviam atividades agrárias. Como exemplos,

podemos citar Alexandre Pereira Guedes27

, senhor de Manoel, africano de 50 anos mais ou

menos que se ocupava do serviço da lavoura; José Pereira de Souza28

, que mantinha seus

escravos Luis de 35 anos, pardo, e Joana, crioula de quase 30 anos, ambos no serviço da

lavoura; Josefa Rosa Ferreira da Costa29

, senhora da crioula de 30 anos, Martha, ocupada do

22

SILVA, Ignácio Accioli de Cerqueira e. Memórias Históricas e políticas da Província da Bahia. Tomo I. 2.

Ed. Bahia, 1892, p. 271. Certamente o autor se refere aos tempos de seca que castigava a Bahia naquele período.

Na Enciclopédia dos Municípios a informação é mais enfática: “No começo de 1724, quando calamitosa seca

devastava a Bahia, o Conde de Sabugosa, na época 4º vice-rei, fez uma viagem de inspeção pelo interior do

estado para conhecer suas cidades, vilas e freguesias”. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E

ESTATÍSTICA, 1958, p. 29. 23

VILHENA, 1969, p. 484. Ao tratar sobre a vila de Maragogipe Vilhena afirma: “os efeitos do seu comércio

são unicamente farinha que dali se conduz em diferentes embarcações para a cidade e seu Recôncavo.”. 24

Ver MATTOSO, 1992, p. 73. 25

APEBa – 04/1838/2309/03. Essa numeração corresponde respectivamente à estante, caixa, maço e número do

documento. 26

APEBa – 05/1835/2360/01 27

APEBa – 05/1838/2309/06 28

APEBa – 05/1837/2308/03 29

APEBa – 05/1836/2307/02

Page 25: Antonio da Conceição Nascimento

25

trabalho na lavoura; e Maria Inácia do Amor Divino30

, senhora de Florindo, crioulo de 25

anos e Theodora também crioula de 30 anos mais ou menos, ambos do serviço da lavoura.

Pela pequena quantidade de escravos que eram mantidos nas lavouras supomos que

essas propriedades eram pequenas e serviam para a subsistência dos proprietários. Não

podemos dizer com exatidão o que nelas era cultivado, pois, nem sempre os documentos

trazem essa informação. Mas, a partir dos bens móveis avaliados nos inventários, é possível

fazer algumas indicações. Na avaliação dos bens de Ana Joaquina do Amor Divino31

, são

listados 1300 pés de cafés e 800 pés de café ainda novos e pequenos. Entre os bens de

Antonio Basílio Leite32

encontramos uma balança sem uma mola e sete libras de pesos, um

terno de medidas quadradas, um terno de medidas redondas, um estrado velho todo quadrado,

uma balança para pesar café, três cestos de café e 12 libras de balança.

Conforme pode ser percebido no parágrafo anterior, o café tornou-se uma das

atividades econômicas da cidade e desenvolveu-se na segunda metade do século XIX. Em

1877, entre os impostos definidos pela Câmara de Vereadores, a arroba do café era um dos

itens relacionados33

. No entanto, nesse mesmo ano, a Câmara fez reclamação ao presidente da

Província contra a cobrança dos impostos feita pela Comarca do Município de Cachoeira

sobre o fumo, o algodão e o café34

. Diante disso, acreditamos que as atividades agrícolas a

que se dedicavam os moradores da cidade eram diversificadas. Não sabemos da demanda de

produção e venda desses produtos, mas podemos afirmar que havia uma forte vocação

agrícola na Maragogipe da segunda metade do século XIX e que a monocultura da mandioca

não mais era a principal característica. Pelos menos até 1889, encontramos entre os

documentos da Câmara de Vereadores a questão agrícola como uma das preocupações. Isso

revela o trabalho do campo como uma forma de subsistência mesmo para muitas pessoas que

moravam na cidade.

Se nos aspectos econômicos a Freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe

diferenciou-se das demais do Recôncavo, exceto Jaguaripe, em termos religiosos não

aconteceu o mesmo. Como nos mostram alguns estudos35

, as irmandades deram a principal

30

APEBa – 05/1838/2309/18 31

APEBa – 05/1837/2308/07 32

APEBa – 04/1835/2306/14 33

Documentos da Câmara de Maragogipe. Seção de Arquivo colonial e provincial. APEBa – Maço 1350. 34

Documentos da Câmara de Maragogipe. Seção de Arquivo colonial e provincial. APEBa – Maço 1350. 35

Ver CARDOZO, Manoel da Silveira. “As irmandades da antiga Bahia”.In: Revista de História, n. 47, 1973.

REGINALDO, Lucilene. Os rosários dos angolas: irmandades negras, experiências escravas e identidades

africanas na Bahia setecentista. Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História do Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 2005. REGINALDO, Lucilene.

Irmandades e devoções de africanos e crioulos na Bahia setecentista: histórias e experiências atlânticas.

Stockholm REVIEW OF Latin American Studies, Issue No. 4, March 2009. REIS, João José. A morte é uma

Page 26: Antonio da Conceição Nascimento

26

característica da religiosidade das freguesias ao redor da baía de Todos os Santos. Por toda

essa região elas foram criadas e delinearam o catolicismo leigo que organizou a vida espiritual

dos tantos fiéis católicos. Na freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe, no Recôncavo

baiano, onde houve grande concentração de população africana e dela descendentes, o

catolicismo não se estabeleceu de forma diferente como pudemos ver no início do capítulo.

As irmandades religiosas eram muitas e agregavam pessoas de distintas classificações de cor,

uma das formas de hierarquia social vigente (quadro 1).

Comunidades fraternais tiveram início na Europa durante a chamada Baixa Idade

Média (século XI ao século XV). Segundo Rssell-Wood, a crise do sistema feudal propiciou o

surgimento das cidades, estas por sua vez recebiam as vítimas da fome e da peste que

abandonavam o campo e se tornavam pobres, desempregados e famintos nos aglomerados

urbanos. Com o “duplo objetivo de proteger seus membros de tais infortúnios e de praticar

obras de caridade” 36

, homens e mulheres se uniam em torno de associações voluntárias

subdivididas em corporações de ofícios e guildas de artesãos, onde se reuniam “pessoas com

atividades profissionais similares”37

; confrarias religiosas, que “tinham nos fins devocionais e

de ajuda mútua o seu eixo principal”38

; e as Casas de Misericórdia que além de vestir “tratava

e enterrava os pobres sem distinção de nacionalidade, classe social credo ou cor”39

.

É difícil datar o surgimento das primeiras irmandades no Brasil, mas, certamente elas

começaram com o estabelecimento das capelas. Era sob a proteção delas que os povoados e

vilas eram fundados. Cada um desses povoados tinha templo próprio, geralmente dedicado ao

santo de devoção de seu respectivo fundador, ou da família que primeiro se estabeleceu. Isso

aconteceu em Maragogipe como veremos mais adiante. A insegurança e a incerteza que

acompanhavam os recém-chegados que se lançavam na aventura da busca de riquezas,

juntando-se a isso o “instinto natural de se agrupar40

, levaram esses homens, no cumprimento

de suas responsabilidades religiosas, a apoiarem-se mutuamente, dividindo os problemas e

certamente tomando as decisões que poderiam melhorar suas vidas. Assim, “as capelas

festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

Identidade e diversidade étnicas nas irmandades negras no tempo da escravidão. Tempo, Rio de janeiro, vol. 2,

nº. 3, p. 7-33. VILHENA, Luis dos Santos. A Bahia no século XVIII. Vol. 2, livro II. Bahia: Editora Itapuã, 1969.

FARIAS, Sara de Oliveira. Irmãos de cor de caridade e de crença: a Irmandade do Rosário do Pelourinho na

Bahia do século XIX. Dissertação de mestrado em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da

UFBA, 1997. 36

RUSSEL-WOOD. A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Civilização Brasileira:Rio de janeiro, 2005,

p. 191. 37

BORGES, 2005, p. 44. 38

Ibidem. 39

Op. Cit., p. 219. 40

BOSCHI, 1986, p. 21-22.

Page 27: Antonio da Conceição Nascimento

27

tornam-se não apenas palco de práticas religiosas, como também centro de vida social”41

, na

medida em que também se estabeleceram as irmandades.

O formato das confrarias foi trazido para as terras brasileiras no conjunto das práticas

religiosas lusitanas. Em Portugal, esses sodalícios começaram a ter expressão no século XII e

atingiram o ápice no século XIV42

. Nas Ordenações do Reino para ultramar elas foram

classificadas em eclesiásticas e seculares43

. As primeiras, sendo as irmandades fundadas por

autoridades instituídas da Igreja com consentimento dos prelados, e as demais seriam aquelas

fundadas e administradas por leigos. Mas, a ocorrência das confrarias de caráter secular

prevaleceu no Brasil44

. Sobre as irmandades de clérigos na Bahia, é conhecida somente a de

São Pedro na qual se reuniam os “clérigos do „hábito de São Pedro‟” desde fins do século

XVI45

.

Muitos trabalhos buscam compreender os porquês da proliferação e da forte influência

de tantas associações leigas no âmbito religioso católico. Muitas das respostas encontradas

têm vinculação direta com a trajetória de quase quatro séculos de ligação entre a Igreja e o

Estado. As explicações desse fenômeno no Brasil Colônia, que perpassou o Império e chegou

até a República, passam pelo crivo da Instituição do Padroado e da posição da Igreja Católica

frente a todo esse processo. Como afirma Thales de Azevedo,

Os modos de ser do catolicismo brasileiro, o seu estilo de religiosidade, a

sua organização eclesial, as suas conexões com as instituições e com a

sociedade, as suas projeções sobre a vida política e o Estado, são

determinados a partir da maneira como a religião católica é introduzida na

Bahia já em 150046

.

As interferências do Estado nas decisões da vida religiosa foram comuns no Brasil

desde o período colonial, e pode ser melhor compreendida, se atentarmos para o fato de que o

bispado da Bahia, e primeiro do Brasil, foi fundado a pedido do monarca lusitano em carta ao

Sumo Pontífice em 1550. A partir de então, o monarca passou a ser o chefe da Igreja no

Brasil, e “delegado da Santa Sé para a evangelização das novas terras”47

. Assim institui-se o

regime do Padroado que tornou-se a base dessa relação que submetia a Igreja ao Estado.

Através do Padroado, o Estado procedia com as nomeações das autoridades religiosas,

41

BOSCHI, 1986, p. 21-22. 42

BORGES, 2005, p. 44. 43

Op. Cit., p. 15. 44

Ibidem, p. 15. 45

SILVA, Cândido da Costa e. Os Segadores e a Messe. O clero oitocentista na Bahia. Salvador: STC,

EDUFBA, 2000, p. 29. 46

AZEVEDO, 1978, p. 17. 47

Ibidem, p. 27.

Page 28: Antonio da Conceição Nascimento

28

recolhia para si o direito do dízimo, além de “edificar estabelecimentos religiosos”48

. Esta

situação processou-se numa teia de conflitos que em muitos momentos interferiram

diretamente no estabelecimento e organização das irmandades.

Na Província da Bahia, em sua quase totalidade, as irmandades mantiveram seu caráter

leigo não somente por se enquadrarem na tipologia associativa desse gênero, mas, porque

moldaram sua religiosidade a partir da dinâmica de uma fé não tão arraigada nos pressupostos

rigidamente eclesiásticos, regidos pelo Concílio de Trento. As vacâncias de bispos ao longo

da história da Sé na Bahia, por exemplo, foram parênteses que possibilitavam essa dinâmica.

Sobre isso, Thales de Azevedo escreveu que a Sé baiana durante 75 anos teve apenas três

bispos efetivos e residentes: “D. Constantino Barradas, que governou 18 anos, seguindo-se 4

anos de vacância; D. Marcos Teixeira que governou apenas 3 anos, após o qual houve 10 anos

sem bispo residente, e D. Pedro Sampaio de 1634 a 1649”49

. Desde a chegada do primeiro

bispo, até o início do século XIX, totalizaram-se 73 anos sem bispos titulares. Assim, “não se

pode duvidar do caráter eminentemente leigo da tradição católica no Brasil”50

.

Fora da Bahia, na capitania das Minas Gerais, por exemplo, que teve uma incidência

forte das irmandades leigas, o Poder Régio proibiu a entrada de religiosos regulares, sob

alegação de que estes insuflavam a população a não pagar os impostos e extraviavam ouro51

.

O temor do Estado frente às ordens religiosas, devia-se ao fato delas estarem instaladas em

diversos lugares do país e no exterior. Essa rede de contatos poderia facilitar o envio de ouro e

pedras preciosas para fora da capitania das Minas Gerais, e até da América portuguesa52

.

No entanto, o interdito dessas ordens religiosas era também uma precaução do Estado,

no intuito de evitar instabilidades políticas. Como os eclesiásticos das ordens primeiras

(jesuítas, beneditinos e franciscanos), já haviam se envolvido em rebeliões nas duas primeiras

décadas setecentista e não se subordinavam nem à Coroa nem aos bispos diocesanos, eram

encarados como “desestabilizadores do sistema” 53

. Seja como for, a ausência desses

religiosos desencadeou a ação de leigos que tomaram a iniciativa de fundar irmandades como

suplemento da vivência da fé, uma forma também de institucionalizar a religiosidade,

expressão do sentimento religioso.

48

BORGES, 2005, p. 56. 49

AZEVEDO, 1978, p. 88. 50

HOORNAERT, Eduardo. A Igreja no Brasil - colônia (150-1800). Coleção tudo é História. São Paulo:

Brasiliense, 1982, p. 21-22. 51

BOSCHI, 1986, p. 5. 52

SCARANO, Julita. Devoção e Escravidão. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Rosário dos Pretos

no Distrito Diamantina no século XVIII. São Paulo: Nacional (Col. Brasiliana), 1997, p. 17. 53

BORGES, 2005, p. 57.

Page 29: Antonio da Conceição Nascimento

29

É nessa dinâmica de vivência da religião baseada nas irmandades que vai ser criado o

sodalício de São Bartolomeu. Em fins da primeira metade do século XIX, o apóstolo não

tinha ainda uma irmandade que cuidasse de seu culto apesar de ser orago em Maragogipe

desde a segunda metade do XVII, quando da instituição da freguesia.

1.1 O APÓSTOLO SÃO BARTOLOMEU

São poucas as informações históricas sobre São Bartolomeu e algumas delas, salvo as

provenientes dos estudos bíblicos, provêm da tradição católica. Diante disso, não nos é

possível fazer uma hagiografia aprofundada sobre o patrono da Irmandade que nos propomos

a analisar, mas é importante frisar algumas informações a seu respeito.

Bartolomeu era apóstolo de Cristo e na bíblia é citado com o nome de Natanael. Na

versão hebraica seu nome era Bar-Tolmai, ou seja, filho de Tolmai da cidade de Caná54

. Esta

referência patronímica originou o nome Bartolomeu. No evangelho segundo João, logo no

primeiro capítulo é descrita sua apresentação a Jesus, quando ele se torna apóstolo:

No dia seguinte, Jesus decidiu partir para a Galiléia. Encontrou Filipe e

disse: “Siga-me”. Filipe era de Betsaida, cidade de André e Pedro. Filipe se

encontrou com Natanael e disse: “Encontramos aquele de quem Moisés

escreveu na Lei e também os profetas: é Jesus de Nazaré, o filho de José”.

Natanael disse: “De Nazaré pode sair coisa boa?” Filipe respondeu: “Venha,

e você verá”.

Jesus viu Natanael aproximar-se e comentou: “Eis aí um israelita verdadeiro

sem falsidade”. Natanael perguntou: “De onde me conheces?” Jesus

respondeu: “Antes que Filipe chamasse você eu o vi quando você estava

debaixo da figueira”. Natanael respondeu: “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és

o rei de Israel!” (Jo 1: 43-49)55

.

No relato do livro dos Atos do Apóstolos quando é apresentado o nome dos 12 apóstolos,

entre eles consta Bartolomeu:

Entraram na cidade e subiram para a sala de cima, onde costumavam

hospedar-se. Aí estavam Pedro e João, Tiago e André, Filipe e Tomé,

Bartolomeu e Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão Zelota e Judas filho de

Tiago (At 1: 13)56

.

As feições de Bartolomeu que podem ser reconhecidas nas suas iconografias provêm

da tradição católica. Conta-se que “Sus cabellos son negros, su figura blanca, sus ojos

grandes, su nariz recta, su barba comienza a platear; viste túnica púrpura y candido manto

54

Ver TAVARES, Jorge Campos. Dicionário de Santos. 2. ed. Porto: Lello e Irmão – Editores, 1990, p. 28. 55

JOÃO. In: Bíblia Sagrada: Edição pastoral. São Paulo: Paulus, 1991. 56

ATOS DOS APÓSTOLOS. In: Bíblia Sagrada: EdiçãoPastoral. São Paulo: Paulus, 1991.

Page 30: Antonio da Conceição Nascimento

30

adornado de piedras preciosas”57

. A situação de sua morte também influenciou as iconografias

do santo que povoam o imaginário da fé católica. Conta-se que Bartolomeu teria evangelizado

na Índia, na Arábia, na Mesopotâmia e na Armênia, onde foi preso por difundir o

Cristianismo e condenado a ser esfolado vivo. A faca que segura na mão direita, símbolo de

seu martírio é um dos atributos mais freqüentes nas imagens que o representam. A partir do

século XIII, “también se le ha representado com su propia piel colgando del brazo”58

. Outras

variações se apresentam como um livro em lugar da pele e o demônio sob seus pés.

Oswaldo Sá, baseando-se na tradição oral, afirma que o primeiro padroeiro escolhido

para o agrupamento humano que posteriormente daria origem a freguesia vila e cidade de

Maragogipe teria sido São Gonçalo. Isso foi mudado pela interferência de Bartolomeu Gato

de Castro, identificado pelo autor como um líder senhorial na região. Certamente com o

intuito de homenagear o santo de seu nome ou mesmo seu próprio nome, ele, “em meados do

século XVII projetou a construção da capela de São Bartolomeu”59

e para consolidar o santo

como orago, um milagre teria acontecido: “numa pedra próxima do local da construção da

capela teria aparecido uma imagem de São Bartolomeu”60

. Dessa forma, São Bartolomeu teria

se tornado padroeiro do povoado e posteriormente da freguesia consagrada entre 1875 e 1880

por manipulação de Bartolomeu Gato de Casto.

Na Igreja Matriz de Maragogipe, existem duas imagens do santo apóstolo padroeiro da

cidade e orago da irmandade. Uma que é fixa no altar mor, e outra que é usada nas procissões.

Ambas apresentam características semelhantes entre si e condizentes com as referencias

iconográficas sobre o santo (ver imagem 1 e 2). Achamos pouco provável que alguma dessas

imagens tenha sido a que a tradição oral aponta como achada à beira do lugar onde se

construiu a capela, mas não podemos afirmar com tanta certeza, pois pouca informação se

sabe a esse respeito, e o documento que poderia nos informar sobre, o livro de tombo da

Igreja Matriz, desapareceu.

Algumas características do santo representadas nessas imagens se enquadram

perfeitamente nas descrições que apresentamos de São Bartolomeu. Na feição, por exemplo,

os cabelos negros, a barba destacada, a cor branca e os olhos grandes. A ausência de outros

elementos como a pele nos braços o livro nas mãos e o demônio sob os pés, não é de espantar,

afinal, o principal em sua representação é a faca com que foi esfolado, símbolo de seu

martírio e de sua doação em defesa do cristianismo. As duas imagens não diferem muito uma

57

ROIG, Juan Ferrando. Iconografia de los santos. Ediciones Omega, S. A.: Barcelona, 1950, p. 57 58

Ibidem, p. 57. 59

SÁ, 1981, p. 23-24. 60

Ibidem p. 23-24.

Page 31: Antonio da Conceição Nascimento

31

da outra, exceto, nas vestes da imagem usada nas procissões, que segue as descrições da cor

apontada pela tradição: “túnica púrpura y candido manto”61

. Essa é a representação do

padroeiro de Maragogipe, o santo que careceu de uma irmandade para tornar seu culto mais

celebrado entre os fiéis católicos apesar de ser deles padroeiro, e que passou a protagonizar a

maior manifestação religiosa da cidade na primeira metade do século XX como veremos no

terceiro capítulo.

1.2 A FUNDAÇÃO DA IRMANDADE DE SÃO BARTOLOMEU.

Assim foi confirmado o Compromisso da Irmandade do Glorioso São Bartolomeu em

10 de abril de 1851:

Francisco Gonçalves Martins, que faço saber aos que esta carta virem que

em virtude da lei da Assembléia Legislativa Provincial de 25 de fevereiro de

1839 sob nº. 93 me foi requerida pela Irmandade do Glorioso São

Bartolomeu padroeiro da Igreja Matriz da cidade de Maragogipe

confirmação de Compromisso da mesma irmandade [...] e tendo em muito o

seu requerimento a aprovação do Exmo. Mmo. Prelado diocesano na parte

religiosa em conformidade ao artigo 2º da citada lei [...] dei por confirmado,

com que esta confirma o referido Compromisso escrito em seis e meia folhas

contendo treze capítulos [...]62

.

Não é de se espantar que isso tenha ocorrido já na segunda metade do século XIX,

pois mesmo tendo as confrarias seu momento áureo no período colonial, elas ainda

perduraram com força nos tempos do Império63

. Tampouco, a irmandade devotada ao santo

Bartolomeu foi a única que aprovou compromisso nesse período na cidade de Maragogipe.

Depois dela, ainda tiveram seus compromissos confirmados as irmandades da Santa Casa de

Misericórdia em 1856, e das Santas Almas, possivelmente em 1857.

61

ROIG, 1950, p. 57. 62

Livro de cartas de confirmação de compromisso nº. 1, p. 53-53. APEB. Seção de arquivo colonial e provincial.

Religião / Irmandades – 1839-1885. Maço: 5264. 63

AZZI, Riolando. A Instituição eclesiástica durante a primeira época colonial. In: História da Igreja no Brasil.

Ensaio de interpretação a partir do povo. Primeira Época. Tomo II/1. Petrópolis: Edições Paulinas/ Vozes, 1992,

p. 234.

Page 32: Antonio da Conceição Nascimento

32

Imagem 1 – Imagem de São Bartolomeu no altar mor da Igreja Matriz de Maragogipe64

.

64

Imagem de São Bartolomeu no altar mor da Matriz de Maragogipe, Bahia. Agosto de 2010. 1 fotografia

digital 16X 21 cm. Coleção Particular. Autoria: Antonio da Conceição Nascimento.

Page 33: Antonio da Conceição Nascimento

33

Imagem 2 – Imagem de São Bartolomeu usada nas procissões65

.

65

Imagem de São Bartolomeu usada nas procissões. Agosto de 2010. 1 fotografia digital 16X 21 cm. Coleção

Particular. Autoria: Antonio da Conceição Nascimento.

Page 34: Antonio da Conceição Nascimento

34

Se para a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, o ano de confirmação de seu

Compromisso, tenha sido o mesmo de sua fundação, haja vista que outros documentos como

as cartas, requerimentos e ofícios da Câmara de Maragogipe passem a registrar suas

atividades posterior a esse ano, para a Irmandade das Santas Almas, não há a mesma certeza.

No relatório enviado ao Arcebispado em 1863, o vigário Mato Grosso66

informa ter sido sua

fundação em 1857, no entanto, em suas correspondências com o arcebispado da Bahia em

1948, em razão da restauração e reforma de algumas irmandades de Maragogipe, o padre

Florisvaldo José de Souza, informa ter feito o esboço do Compromisso da “mais antiga

irmandade – a das Almas”67

que teve sua criação em 1666. Isso nos leva a crer, que muitas

das irmandades de Maragogipe não dispunham de documentação acessível suficiente, que

pudesse estabelecer com exatidão seu tempo de funcionamento ou mesmo datações exatas.

Por conta dessa lacuna deixada pelas fontes, não podemos resolver esta divergência

entre o padre José de Araújo Mato Grosso e o padre Florisvaldo José de Souza sobre a

Irmandade das Almas. Não podemos afirmar que ela de fato tenha sido fundada em 1666, mas

também não descartamos a possibilidade de que assim tenha acontecido e que somente em

1857 seu compromisso tenha sido aprovado. Podemos afirmar que antes da data apresentada

pelo vigário José de Araújo Mato Grosso ela já exercia atividades conforme fica evidente no

testamento de Joaquim José de Santana feito em 1849. Ao organizar o seu funeral, o senhor

de escravos pede para ser “sepultado ao pé do cruzeiro aonde possa acontecer à companhia do

vigário e seu sacristão e a Irmandade das Almas”68

.

O caso da Irmandade das Almas nos leva a refletir sobre o que nos aponta Boschi

acerca da definição e existência de uma irmandade. Segundo ele,

não é o tipo de autorização que define a agremiação, mas sim sua forma de

organização. A autorização, ato formal, apenas chancela uma situação de

fato, já existente. A essência está no elemento que conduz os indivíduos a se

66

Não sabemos exatamente o tempo que o padre José de Araújo Mato Grosso ficou a frente de Freguesia de São

Bartolomeu de Maragogipe. A partir do que encontramos de documentação que a ele se refere podemos afirmar

que entre os anos de 1863 a 1874 a freguesia esteve sua sob sua direção. Ele assina uma correspondência em

1863 informando ao Arcebispado as irmandades que existiam naquele momento na freguesia, bem como os bens

que cada uma delas possuía. Mais tarde em 1874, o vigário Mato Grosso se envolveu numa querela com seus

paroquianos que foi resolvida pela Câmara de vereadores da cidade. Segundo o documento de 27 de janeiro do

referido ano, houve “grandes contestações entre o parocho d‟esta Freguesia José de Araújo Mato Grosso com

seus parochianos por motivos de emolumentos que diz aquele pertencer-lhe, e os parochianos impugnaram

entendendo excessos o que há trazido conflitos entre eles em detrimento da ordem social e da Religião”. Ao que

parece as quantias cobradas pelo vigário para execução de serviços religiosas estavam desrespeitando uma tabela

que já havia sido feita em 30 de julho de 1853 pelo Marquês de Santa Cruz. Diante disso a Câmara de vereadores

pede solicita ao Presidente da Província que tome providências para que a tabela fosse executada. APEB – Seção

de documentos coloniais e provinciais – Maço: 1348 – Câmara de Maragogipe 1874. 67

Carta do Padre Florisvaldo José de Souza de 1948 ao Arcebispado da Bahia. LEV – Laboratório Eugênio da

Veiga. Caixa de capelas e paróquias. 68

Inventário de Joaquim José de Santana. APEBa – 05/1835/2360/01

Page 35: Antonio da Conceição Nascimento

35

associarem, independente das formalidades, eximindo-se de aprovações

prévias69

.

Diante disso, sem transformar a análise que se segue no cerne da questão, afinal importa-nos

entender o contexto de sua criação, procederemos ao trabalho de tentar classificar a

Irmandade de São Bartolomeu e entender a partir de sua documentação em que tipologia se

insere.

Com base na documentação encontrada, podemos afirmar que a Irmandade de São

Bartolomeu de fato tenha sido fundada no ano de confirmação de seu Compromisso. Mesmo

que tenha sido planejada e organizada anterior a essa data, não executou nenhuma atividade

ligada à sua vida devocional, ao menos, não encontramos registros que apontem para isso.

Assim como a Irmandade das Santas Almas, de Santa Ana e do Amparo, da Freguesia de São

Bartolomeu, ela foi apresentada no documento escrito pelo vigário José de Araújo Mato

Grosso entre aquelas “que se [sustentavam] das oblatas dos fiéis”70

, e não possuía bens como

algumas outras. Assim, subentende-se no documento do vigário, uma divisão entre os

sodalícios apresentados.

As distinções entre irmandades e confrarias eram estabelecidas por legislação. Mesmo

sendo estes termos colocados muitas vezes como sinônimos, do ponto de vista organizacional

e jurídico, existiam diferenças. As irmandades seriam aquelas reguladas por um estatuto, e

além do objetivo devocional também se dedicavam à caridade e a ajuda mútua. Já as

confrarias, se erigiam para promover tão somente os cultos religiosos71

. No entanto, as

fronteiras dessa diferenciação são muito tênues, e as bibliografias muitas vezes as tratam da

mesma forma, e usam irmandade e confraria como sinônimos.

Na própria definição de irmandade existe outra subclassificação que a divide em

irmandades de obrigação e de devoção. Somente as irmandades de obrigação precisavam de

“um estatuto, livros de registros da vida da organização e de uma mesa diretora, tudo

reconhecido pelas autoridades” enquanto a segunda se mantinha isenta de “qualquer ato

formal”72

, ou seja, não havia a necessidade de aprovação de estatuto ou de reconhecimento do

Estado.

69

Ver BOSCHI, 1986, p. 16-17. 70

Relação das irmandades e confrarias com seus bens existentes na Freguesia de São Bartolomeu de

Maragogipe, feita pelo Vigário José de Araújo Mato Grosso em 1863. LEV- Laboratório Eugênio da Veiga.

Caixa de capelas e paróquias. 71

Op. Cit. p. 17. 72

BORGES, 2005, p. 52-53.

Page 36: Antonio da Conceição Nascimento

36

Diante disso, podemos caracterizar o sodalício dedicado a São Bartolomeu como uma

irmandade de obrigação73

. O trecho do capítulo VII do Compromisso aprovado no ano de sua

criação deixa mais evidente o que afirmamos:

Haverão na Irmandade sete livros, a saber: o 1º para termo de eleições dos

Juizes, Escrivães, Tesoureiros, Procuradores, e mais Oficiais da Irmandade;

o 2º para termos de entradas dos irmãos que se houverem de nomear; o 3º

para termo de todas as deliberações, e atos da mesa; o 4º para lançamento

das quitações das missas que hajam de se dizer nos domingos, e pelas almas

dos irmãos falecidos; o 5º para lançamento do inventário das jóias, das

alfaias, e ornamentos das irmandades; 6º e 7º finalmente, para receita e

despesa da mesma Irmandade.74

Alguns elementos apresentados são exemplos que confirmam a classificação que atribuímos a

Irmandade de São Bartolomeu. Primeiro, porque ela prestava assistência aos irmãos

principalmente no momento da morte, segundo, ela se submeteu a aprovação religiosa e

jurídica, e mantinha uma complexa estrutura organizacional para fins de administração e

registros.

Retornemos ao que aponta Boschi sobre a importância do estudo das irmandades.

Segundo ele, a “essência está no elemento que conduz os indivíduos a se associarem”75

. É isso

que define os objetivos da irmandade. Diante disso, precisamos proceder a uma análise do

objetivo principal da Irmandade de São Bartolomeu, para tentarmos responder ao porquê de

sua criação só ter acontecido em 1851, haja vista que o apóstolo era padroeiro desde 1640:

Todo motivo da instituição desta santa Irmandade não é outro mais que

aquele católico zelo com que os fiéis devotos devem servir a Deus nosso

senhor para que com [ilegível] cultos possam melhor dedicar os devidos

aplausos ao Apóstolo S. Bartolomeu, e sendo este o único motivo que os

elevam a um sem fim [ilegível] para maior segurança e estabilidade dela, os

capítulos deste Compromisso para por eles se regerem e guardarem as suas

disposições76

.

Não podemos afirmar com exatidão se a festa em louvor ao apóstolo São Bartolomeu

já acontecia anterior à criação da irmandade. A documentação encontrada, que trata das

questões religiosas na freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe, não aponta nenhuma

forma de celebração ao orago anterior a 1851. Tampouco, podemos descartar que já houvesse,

pois o próprio compromisso traz como objetivo da ereção do sodalício, levar os fiéis a

73

Usaremos sempre o termo Irmandade em maiúsculo quando tratarmos da confraria de São Bartolomeu.

Tratando de outras associações da mesma natureza, usaremos o mesmo termo em minúsculo, ou sinônimos como

confraria ou sodalício. 74

Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 75

BOSCHI, 1986, p. 16-17. 76

Prólogo manuscrito do Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851.

Page 37: Antonio da Conceição Nascimento

37

“melhor dedicar os devidos aplausos ao Apóstolo S. Bartolomeu”77

. Isso supõe a existência de

alguma forma de celebração, porém, se havia o culto, certamente não se tratava de algo de

grande proporção, ou que constituísse uma devoção popular. Não podemos deixar de frisar

que a criação da irmandade se deu logo após Maragogipe ter sido reconhecida como cidade.

Talvez esteja aí um dos motivos de sua criação, agregar fiéis que pudessem organizar uma

celebração ao apóstolo condizente com o que ele agora representava: orago da “patriótica

cidade”78

de Maragogipe.

O título de “patriótica cidade”, reconhecido a Maragogipe, foi dado em maio de 1850.

Logo em abril do ano seguinte, a Irmandade de São Bartolomeu foi criada. Também a Santa

Casa de Misericórdia segue nessa cronologia de acontecimentos. Sua criação esteve ligada ao

hospital de caridade, fundado em 1846 por uma subscrição do então Juiz Municipal Dr.

Gustavo Xavier de Sá, e prosseguida pelo seu substituto o também Juiz Municipal “Dr.

Antonio Plácido da Rocha que continuou a subscrição e a quem incontestavelmente deve-se a

realização de tão útil estabelecimento”79

, edificado em terras doadas pela Benfeitora Juliana

Theodora Maria dos Reis. A organização da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia que

passou a cuidar do hospital e posteriormente do cemitério da cidade, deu-se em junho de

1851, ano de aprovação de seu compromisso80

e também da criação da Irmandade de São

Bartolomeu. Tudo isso se deu logo após Maragogipe sair da condição de vila para cidade.

Mesmo sem documentos suficientes para comprovar o que ora dizemos, mas,

associando estes acontecimentos que coincidem num mesmo período, acreditamos que a

criação da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, administradora do hospital de caridade

da cidade e que mais tarde empenhou-se na construção do cemitério, bem como a criação da

Irmandade de São Bartolomeu para melhor organizar o culto ao padroeiro, tiveram suas

razões nas necessidades dos ideais de organização da nova cidade de Maragogipe.

O que podemos afirmar com certeza é que a irmandade e a devoção ao santo padroeiro

caminharam juntas. A irmandade foi a grande responsável pelo crescimento da festa e da

devoção ao santo em Maragogipe. “Os devidos aplausos” foram alcançados e já na primeira

metade do século XX, São Bartolomeu passou a ser o santo de maior devoção entre os fiéis de

Maragogipe.

77

Prólogo manuscrito do Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 78

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1958, p. 28-33 79

Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1863. Maço 5393. Caixa 1751. 80

Ver o Livro I de Cartas de confirmação de Cartas e Compromissos. APEB. Seção de arquivo colonial e

provincial. Religião e Irmandades 1839-1885, nº. 5264.

Page 38: Antonio da Conceição Nascimento

38

1.3 UMA IRMANDADE LIDERADA POR HOMENS BRANCOS E PARDOS.

O capítulo primeiro do Compromisso aprovado em 1851 trata da formação da

irmandade e nele é especificado quem nela poderia entrar da seguinte forma: “Para que esta

irmandade possa conservar-se por muitos anos, serão nela admitidos por irmãos homens e

mulheres tanto desta Freguesia e Termo da Cidade, como de fora dela, sendo pessoas brancas

e pardas somente”81

. Os critérios utilizados pata fazer tal classificação eram sociais e raciais.

No contexto da sociedade escravista e patriarcal, os negros não poderiam fazer parte da

irmandade, e as mulheres, nela entravam somente através de seus maridos, caso fossem

membros da Irmandade. Convém fazermos uma análise desses critérios no intuito de perceber

a configuração social que teve a Irmandade de São Bartolomeu em seu começo.

Mesmo sendo permitida a entrada de mulheres e não tendo no Compromisso nenhum

capítulo que proibisse que elas assumissem algum cargo na mesa administrativa, em nenhum

momento da história da irmandade, isso ocorreu (ver anexo 4). Em todas as composições de

mesas administrativas que encontramos inclusive na posterior a 1943, quando a associação foi

reativada82

, somente homens assumiram os cargos da administração. Às esposas, só eram

reservados os lugares de mordomas e juízas das festividades. Na Irmandade do Rosário do

Pelourinho, ao que prece, a situação não era muito diferente. Sobre isso seu Compromisso

reza o seguinte: “Em cada hum ano se elegerão as Juízas que forem sufficientes de huma e

outra nação, doze Mordomas, ou mais se poder ser, duas Procuradoras as quaes poderão ser

Irmãs ou não, e com estas se praticará o mesmo que a respeito dos Mordomos”83

. Salvo os

cargos de procuradoras que as mulheres poderiam assumir na época da festividade, também

tinham sua participação extremamente ligada á festa, cabendo aos homes as decisões que

regiam a vida da confraria.

Essas funções ou cargos temporários estavam ligados a um objetivo bem prático. Se

para os homens administrar a vida da confraria era a razão de seus cargos, para as mulheres

organizar os detalhes dos festejos lhes proporcionava anualmente a condição de liderança dos

trabalhos que seriam executados para que tudo ocorresse bem, como os adornos do andor para

a procissão, a arrumação da Igreja, a lavagem das capas, a limpeza das tochas. No entanto,

81

Capítulo I, Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 82

Trataremos da reativação da Irmandade de São Bartolomeu, bem como das transformações que ela sofre nesse

processo no capítulo 2. 83

Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos homens pretos, 1820. Apud. FARIAS, Sara de

Oliveira. Irmãos de cor de caridade e de crença: a Irmandade do Rosário do Pelourinho na Bahia do século XIX.

Dissertação de mestrado em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, 1997, p. 127.

Page 39: Antonio da Conceição Nascimento

39

esses trabalhos talvez não se restringissem somente aos momentos anuais de festejo do santo,

afinal, não era esse o único momento em que a irmandade se reunia, e para que se

apresentassem em atividades de cunho devocional, os irmãos precisavam estar

adequadamente vestidos de capas e portando suas tochas, assim o trabalho das mulheres era

necessário durante todo o ano.

As jóias84

pagas pelas mulheres da irmandade eram aplicadas na festa segundo a

função que ocupavam. Assim, as quantias provenientes das mordomas eram aplicadas nas

noites do novenário, enquanto a doação da juíza servia para as despesas do dia solene da festa

ao padroeiro. Certamente os mordomos e mordomas eram divididos para a organização de

cada um dos dias do novenário e suas respectivas contribuições eram usadas para cobrir os

gastos que se faziam em cada uma das celebrações. Já no século XX, é que a participação

feminina vai se ampliar na vida da confraria com as comissões formadas somente por

mulheres como veremos no capítulo III, mas ainda assim, elas continuaram longe dos cargos

de administração da Irmandade de São Bartolomeu.

1.4 CLASSIFICAÇÃO RACIAL E SOCIAL NA IRMANDADE.

Como já havíamos citado só era permitida na Irmandade de São Bartolomeu a entrada

de brancos e pardos. Para os negros, mesmo que devotos do santo apóstolo, não havia brechas

que lhe permitissem a entrada. Nem através da união conjugal era possível que isso

acontecesse. O Compromisso de 1851 era enfático ao tratar dessa questão: “Os irmãos

solteiros que entrarem nesta irmandade, casando-se com pessoa de sua igualdade, ficará esta

sendo irmã, sem que pague coisa alguma de entrada e somente sujeita aos anuais”85

.

Não há mais discussão no capítulo acerca do que seria uma pessoa da mesma

“igualdade”, no entanto, se levarmos em conta as duas classificações de cor permitidas pela

irmandade, saberemos quem não seriam estes iguais a que o Compromisso se refere.

Certamente os escravizados estavam incluídos nesse bojo. Mas o termo, “igualdade”, usado

pela Irmandade, podia estar relacionado não somente à condição de escravo ou livre, mas a

critérios de classificação referentes a cor e moral. Isso nos leva à necessidade de uma breve

discussão acerca deste assunto já que a sociedade não era composta somente de negros, mas

também de pardos e brancos.

84

A jóia era uma taxa financeira paga por todos, fossem homens ou mulheres, que pretendessem participar na

condição de irmão de alguma irmandade. 85

Capítulo IV, Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851.

Page 40: Antonio da Conceição Nascimento

40

Desde o século XVII, os termos negro, mulato e crioulo estavam presentes nos

documentos da Santa Casa de Misericórdia da Bahia86

. Na Bahia eram comuns as

classificações, branco, mulato, cabra, pardo e preto. Salvo os brancos, todas as demais eram

provenientes de ascendência africana87

. Russel-Wood elenca algumas outras classificações

que considera não tão bem definidas, a saber, mestiço, crioulo, trigueiro, escuro ou moreno.

Todas estas definições buscavam “definir o grau de brancura ou negritude de um indivíduo”88

.

Ao tratar do assunto na sociedade pernambucana setecentista, analisando livros de

batismo, casamento e compromissos de irmandades, Janaína Santos Bezerra afirma que não

foi possível identificar nenhum sujeito que se denominasse como mulato, sendo mais comum

o uso do termo pardo89

. Isso porque muitas vezes as classificações de cor serviam também

como classificações morais ou comportamentais. Assim, muitas vezes o indivíduo de pardo

era identificado como mulato no sentido de lhe atribuir adjetivos como “preguiçoso ou

imprestável”90

. Dessa forma, os considerados pardos numa relação hierárquica das

classificações de cor tornavam-se superiores aos mulatos. No entanto, isso não significava,

com exatidão, uma gradação da cor da pele para mais clara ou mais escura. A discussão que

apresentamos mostra que nesse universo de classificações de cor, os pardos eram moralmente

mais aceitos que os demais descendentes das populações escravizadas. Eles aproximavam-se

muito mais do mundo dos brancos, e muitas vezes era difícil estabelecer as diferenças, quando

o indivíduo era identificado como “pardo disfarçado” ou “branco misturado”91

. A linha tênue

dessa diferenciação fazia com que a identificação recaísse nos pressupostos sociais. Assim o

parentesco e as relações estabelecidas com os brancos serviam para identificar quem eram os

pardos92

, ou seja, descendestes de negros que na maioria das vezes eram forros e obtiveram

alguma ascensão financeira e social. Mas, essa classificação de cor poderia também ser

atribuída a cativos.

Algumas décadas antes da fundação da Irmandade de São Bartolomeu, os irmãos do

Rosário de Maragogipe, em seu compromisso de 1820, postulavam que o escrivão da

86

SANTOS, Jocélio Teles. De pardos disfarçados a brancos pouco claros: Classificações raciais no Brasil dos

séculos XVIII e XIX. In: Afro-Ásia. Universidade Federal da Bahia. N. 32. p. 116-137, 2005, p. 117. 87

SCHWARTZ. Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravismo na sociedade colonial (1550-1835). (Trad.)

Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.p.213. 88

RUSSEL-WOOD, 2005, p. 49. 89

BEZERRA, Janaina Santos. Pardos na cor & impuros no sangue: etnia, sociabilidades e lutas por inclusão

social no espaço urbano pernambucano do XVIII. RECIFE. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em História do Departamento de Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal Rural de

Pernambuco, 2010, p. 37. Disponível em: www.pgh.ufrpe.br/dissertacoes/Janaina.pdf. Acesso em: Out. 2010. 90

Op. Cit., p. 49. 91

SANTOS, 2005, p. 132. 92

Ibidem, p. 132.

Page 41: Antonio da Conceição Nascimento

41

irmandade deveria ser “branco ou pardo; por não haver na dita povoação pretos, que

[soubessem] ler, e contar...”93

. Isso nos dá mais uma indicação da posição social desse último

grupo. Ao que parece, eles estavam muito mais próximos dos brancos que dos pretos, ao

ponto de serem equiparados aos primeiros pelos irmãos do Rosário, quando da necessidade de

alguém que soubesse ler e contar. Segundo Russel-Wood94

, no início do século XVII os

pardos que até então se ajuntavam nas irmandades de Nossa Senhora do Rosário, passaram a

criar suas próprias irmandades. Percebe-se aí um processo de diferenciação desse grupo que

não sendo composto por indivíduos brancos, buscavam, entretanto, se diferenciar dos pretos

através das irmandades.

O fato de a Irmandade de São Bartolomeu, na segunda metade do XIX congregar

irmãos brancos e pardos a torna uma confraria com uma configuração social diferenciada das

demais que já haviam sido criadas até então em Maragogipe. Os documentos de sua

organização e criação não nos informam sobre a condição social de seus membros. Porém, a

partir das informações do único irmão que atuou nesse período, Assênio Rodrigues, morador

de Nagé povoado de Maragogipe, um bacharel em direito e especialista em advogar “no

crime, no civil orphanológico e comercial” 95

que esteve no cargo de tesoureiro em 1877,

associadas ao que encontramos acerca de alguns membros já na primeira metade do século

XX, todos, homens de algum prestígio na sociedade de Maragogipe e ocupantes de alguns

cargos políticos e da administração pública, nos leva a crer que os irmãos de São Bartolomeu

eram homens da elite.

Diante disso é que, mesmo sem poder afirmar com exatidão, acreditamos que a

presença dos pardos na Irmandade de São Bartolomeu se deu por conta da posição social

destes na sociedade de Maragogipe. Não é demais afirmar que certamente para eles, estar na

mesma irmandade que os brancos fosse mais uma forma de elevação social. Fato é que os

pardos de Maragogipe na segunda metade do século XIX podiam participar de uma mesma

irmandade que os brancos. Sendo assim, possivelmente não mais precisassem se diferenciar

em irmandades próprias. Talvez esse tenha sido o motivo de em 1863 a Irmandade de Nossa

Senhora do Amparo está inativa96

.

93

Compromisso de 1820 da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos da Freguesia de São Bartolomeu

de Maragogipe, apud REIS, João José. Identidade e diversidade étnicas nas irmandades negras no tempo da

escravidão. Tempo, Rio de janeiro, vol. 2, nº. 3, p. 7-33, 1996, p. 12. 94

RUSSEL-WOOD, 2005, p. 204. 95

Democrata, ano VI, n. 201 de 21/04/1877. 96

Relação das irmandades e confrarias com seus bens existentes na Freguesia de São Bartolomeu de

Maragogipe, feita pelo Vigário José de Araújo Mato Grosso em 1863. LEV- Laboratório Eugênio da Veiga.

Caixa de capelas e paróquias.

Page 42: Antonio da Conceição Nascimento

42

Todas as irmandades, como foi comum no Ocidente cristão, desde a Baixa Idade

Média, voltavam sua atuação para a devoção e a caridade, salienta Machado97

. No entanto,

continua o autor afirmando que “a atuação das irmandades, no século XIX, foi transformada

por uma nova conjuntura social e, efetivamente, a pujança daquelas instituições não era a

mesma do século anterior”98

. Consideramos que no contexto de Maragogipe, a Irmandade de

São Bartolomeu teve um caráter diferenciado das demais que foram criadas desde o século

XVIII. Mas é interessante que compreendamos como as irmandades criadas antes de 1851

estavam estruturadas em sua organização e a que grupos sociais elas ajuntavam para que

melhor visualizemos, mais especificamente, em que a Irmandade de São Bartolomeu se

diferenciava.

1.5 IRMANDADES DA FREGUESIA DE MARAGOGIPE.

Desde a segunda metade do século XVIII, haviam se erigido na freguesia de São

Bartolomeu, irmandades bem específicas para brancos, negros e pardos. Encontramos uma

declaração assinada pelo vigário José de Araújo Mato Grosso para o Arcebispado da Bahia

com data de 05 de fevereiro de 1863, onde ele além de listar as irmandades, também informa

alguns dos bens que possuíam99

. No entanto, a quantidade de irmandades declaradas pelo

vigário não resume o número total das confrarias que exerceram efetivamente atividades em

Maragogipe. Por isso, a partir de outras fontes e bibliografias tentamos identificá-las,

estabelecendo possíveis anos de suas confirmações de compromisso e a classificação sócio-

racial dos seus irmãos (quadro 1).

O documento assinado pelo vigário José de Araújo Mato Grosso não informa a cor dos

irmãos que congregavam nessas confrarias, mas, foi possível estabelecer algumas

diferenciações com base em estudos realizados sobre as irmandades no Brasil. Na Província

Mineira “as irmandades do Santíssimo Sacramento [eram] reservadas à melhor nobreza”100

.

97

OLIVEIRA, Anderson José Machado de. Devoção e Caridade: o cotidiano das irmandades na Corte - século

XIX, p. 1. Disponível em: www.rj.anpuh.org/.../Anderson%20Jose%20Machado%20de%20Oliveira2.doc.

Acesso em: Nov. 2011. 98

Ibidem, p.1. 99

Relação das irmandades e confrarias com seus bens existentes na Freguesia de São Bartolomeu de

Maragogipe, feita pelo Vigário José de Araújo Mato Grosso em 1863. LEV- Laboratório Eugênio da Veiga.

Caixa de capelas e paróquias. 100

LIMA JÚNIOR, Augusto de. A Capitania de Minas Gerais; Origens e Formação. 3. ed. Belo Horizonte:

Instituto de História Letras e Arte, 1965, p. 128.

Page 43: Antonio da Conceição Nascimento

43

Em todo o território do Império brasileiro ela tinha o caráter de uma associação de brancos101

,

assim como a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia.

Vejamos alguns aspectos dessas confrarias. Pelos pertencentes da Irmandade do

Santíssimo Sacramento é possível perceber o quanto essa associação era importante na

execução das atividades religiosas, fosse na organização das festas, ou no suprimento material

da Matriz (anexo 5). Alguns deles, como as alfaias litúrgicas, eram usados justamente para o

trato de seu símbolo maior, a hóstia consagrada. Sem elas a celebração não poderia acontecer.

O momento mais importante de uma missa, por exemplo, a transubstanciação da hóstia e do

vinho em corpo e sangue de Jesus Cristo segundo a fé católica, dependia do cálice e da

patena, onde respectivamente são postos o vinho e a hóstia maior que é consagrada e elevada

diante dos fiéis. A custódia grande de prata tinha uma função de extrema importância nos

momentos festivos e de adoração do Santíssimo Sacramento. Nas procissões, nas bênçãos de

dias festivos e nas ocasiões em que era necessária a exposição da hóstia consagrada para os

fiéis, era a custódia que garantia a suntuosidade do momento.

A Semana Santa, um momento de relevância para a fé católica, em que se celebra os

últimos momentos de Jesus na Terra, a ceia que fez com seus discípulos na qual lavou-lhes os

pés, a sua morte na cruz e a ressurreição, se concretizava através das celebrações e procissões

como a do Senhor dos Passos relembrando seu trajeto até o lugar da crucificação. Os

elementos necessários para o cumprimento dessas obrigações religiosas como a cruz, a

imagem do Senhor dos Passos, a imagem do senhor Morto, a imagem do Senhor ressuscitado

e outras peças como o resplendor do Senhor dos Passos eram posse da Irmandade do

Sacramento.

Além de garantir a exposição das imagens com todos os adornos e jóias usadas nas

procissões próprias dessa ocasião, esta irmandade desempenhou uma função primordial na

Matriz de Maragogipe, na medida em que supria materialmente e garantia o exercício dos

cultos através dos materiais sacros. Sendo subordinada ao poder político, durante muito tempo

a Igreja teve suas necessidades materiais por ele sustentadas através dos dízimos que eram

recolhidos pelo Estado. Nos primeiros tempos da colonização essa arrecadação não era

suficiente para pagar todas as despesas, situação que vai melhorando ao longo do tempo. Mas,

quando esses rendimentos tornaram-se mais que suficientes para o fim a que se destinava, o

poder régio decidiu destinar parte dele para gastos civis. Essa medida temporária tornou-se

101

HOORNAERT, 1982, p. 21.

Page 44: Antonio da Conceição Nascimento

44

comum, e a Igreja diante dos poucos subsídios que lhe eram repassados, tornou-se cada vez

mais dependente das doações de fiéis102

.

A nobreza do objeto da devoção da irmandade do sacramento perpassava pela posição

social de seus membros. Assim “esses leigos ocupavam posições de destaque em relação aos

demais, por estarem mais perto dos ministros sacerdotes”103

. Essa proximidade devia-se à

própria localização interna da capela em que era guardada a hóstia consagrada. Em algumas

igrejas, elas poderiam ficar num tabernáculo, anexo ao centro do altar, ou numa capela

próxima a ele. Na Matriz de Maragogipe, ela é ainda hoje o lugar mais próximo do altar mor.

O Santíssimo Sacramento da Eucaristia é o “Augusto objeto”104

de adoração da Igreja, por se

tratar do próprio corpo de Jesus Cristo. É o que, de mais nobre, há na fé católica. Aí está a

explicação de sua localização. Assim, para os nobres fiéis maragogipanos não poderia haver

uma associação que melhor atendesse aos seus interesses. A devoção ligava-se ao status

social. Os homens dessa elite, “tiveram como preocupação principal manter sua posição

privilegiada numa sociedade onde os contrastes sociais eram tremendos”105

. Assim as

irmandades eram responsáveis também pela distinção social, além do cuidado com as coisas

da religião.

Algumas dessas confrarias, como a Irmandade de São Benedito, uma das mais antigas

das terras brasileiras, e que em Maragogipe confirmou Compromisso desde 1768, juntamente

com o sodalício de Nossa Senhora do Rosário106

, disputava a preferência da maioria dos

negros escravizados A propagação da devoção a São Benedito tem relação com a Ordem

primeira dos franciscanos, da qual Benedito foi irmão, e foi nos seus conventos que surgiram

as primeiras confrarias do santo negro107

. Segundo Oliveira, os franciscanos e também os

carmelitas incentivaram a devoção a outros santos negros, como Santa Ifigênia, São Elesbão,

Santo Antonio de Categeró e Santo rei Baltazar. Ele destaca a figura do frei carmelita José

Pereira de Santana, com suas publicações hagiográficas de Santo Elesbão e Santa Efigênia,

santos oriundos respectivamente da Etiópia e da Núbia, na “tentativa de estabelecer uma

tradição cristã nas regiões”108

. O discurso do frei, refere-se à cor preta dos santos como “um

102

Ver CARDOZO, 1973, p. 245. 103

AZZI, 1992, p. 237. 104

Em todos os documentos da Irmandade do Santíssimo Sacramento ela se refere à hóstia consagrada como o

Augusto objeto de sua devoção. 105

Op. Cit., p. 377. 106

REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo:

Companhia das Letras, 1991, p. 62. 107

Ver REGINALDO, 2009. 108

OLIVEIRA, Anderson José Machado de. Igreja e escravidão africana no Brasil Colonial. Cadernos de

Ciências Humanas - Especiaria. v. 10, n.18, jul. - dez. 2007, p. 355-387. Disponível em:

http://www.uesc.br/revistas/especiarias. Acesso em 18/10/2010 às 22h58min, p. 372.

Page 45: Antonio da Conceição Nascimento

45

acidente que poderia ser superado pelas virtudes e pela submissão aos dogmas religiosos” 109

.

Esse mesmo discurso, continua Oliveira, foi usado pelo franciscano Apolinário em relação a

São Benedito.

Os irmãos das ordens primeiras viram nos santos negros a possibilidade de facilitar a

catequização dos pretos escravizados, se aproveitando da cor como elo comum entre eles.

Essa autonomia que os negros tiveram para fundar suas irmandades desde o século XVI110

,

também revela uma medida política de controle dessa população. “Em certo sentido pode-se

dizer que a instituição serviu para isolar os choques e violências de uma ordem social ainda

longe de estar integrada”111

. O sermão do Padre Antonio Vieira a uma Irmandade do Rosário

dos Pretos no Recôncavo é bem revelador desse uso da religiosidade como forma de

manutenção de uma ordem: Quando servis aos vossos senhores, não sirvais como quem serve

a homens, senão como quem serve a Deus; porque então não servis como cativos senão como

livres, nem obedeceis como escravos senão como livres112

.

O sentimento da religiosidade é usado como forma de amenizar a sufocante situação

da escravidão. Deus e o céu tornam-se significantes ícones da liberdade que não está neste

mundo. É evidente a intenção de levar o negro cativo à sensação de igualdade perante Deus,

com o qual ele poderia inclusive se relacionar através da irmandade, sem que isso significasse

uma mudança estrutural no interior da sociedade escravista, era a característica do catolicismo

colonial que agia como “meio de controle e de integração”113

do negro na sociedade. Na

freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe, diante da amostra da quantidade de negros ali

existentes, e da quantidade de irmandades, nas quais essa população estava congregada, essa

estratégia deve ter sido fundamental na manutenção da ordem. Inclusive, porque os dias de

descanso desses trabalhadores condicionados, de certa forma, à própria prática religiosa, eram

os domingos e dias santos, em que certamente estavam incluídos aqueles dedicados aos ícones

devocionais de suas irmandades.

No entanto, não podemos deixar de lado que a aceitação destes santos, bem como a

presença de negros nas irmandades, perpassava por uma ótica particular dos mesmos, que

109

Ibidem. 110

Sobre a Irmandade do Rosário Ver HISTÒRIA da Igreja no Brasil. Ensaio de interpretação a partir do povo.

Primeira Época. Tomo II/1. Petrópolis: Edições Paulinas/ Vozes, 1992, p. 237. REGINALDO, Lucilene. Os

rosários dos angolas: irmandades negras, experiências escravas e identidades africanas na Bahia setecentista.

Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da

Universidade Estadual de Campinas, 2005. 111

CARDOZO, 1973, p. 243-244. 112

Sermão do Padre Antonio a uma Irmandade do Rosário dos Pretos no Recôncavo baiano em 1633, Apud

HOORNAERT, 1982, p. 76. 113

BASTIDE, Roger. As Religiões africanas no Brasil. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1985, p. 163.

Page 46: Antonio da Conceição Nascimento

46

recorriam a elementos de sua cosmovisão, para ressignificá-los. Dessa forma, “como os

espíritos dos ancestrais, os santos podiam socorrer os africanos na solução de problemas

temporais específicos”114

. O interior das irmandades negras constituiu-se também num espaço

de criação de laços de identidade, que muitas vezes extrapolavam as diferenças étnicas e

agrupava negros de várias nações, que se solidarizavam e criavam mecanismos de resistência,

“como foram os enfrentamentos e as negociações com os brancos”115

.

Estas negociações implicavam muitas vezes em admitir brancos nas irmandades próprias para

as pessoas de cor. Os irmãos do Rosário de Maragogipe reservavam o cargo de escrivão de

mesa afirmando em seu Compromisso de 1820 que, aquele que assumir esta posição “será

branco ou pardo; por não haver na dita povoação pretos, que saibam ler, e contar...” 116

. Isto

não significava a perda da identidade de uma associação de negros, mas uma estratégia de uso

dos serviços que o homem branco poderia oferecer para o bom funcionamento da confraria.

Uma prática que podemos entender no nível da negociação.

Também Nossa Senhora da Boa Morte estava presente nas invocações e devoções da

população negra. Na Matriz de Maragogipe, há um altar com a imagem representando a morte

da mãe de Jesus. Nela, Maria está deitada num esquife, vestida de branco, com as mãos

postas (Imagem 4). Além disso, Sebastião Costa se refere a uma litogravura da santa, por ele

analisada, que contém a seguinte legenda: “Nossa Senhora da Boa Morte que se venera na

cidade de Maragogipe – 1879”117

. Não há documentos suficientes que comprovem a efetiva

existência de uma irmandade, mas, a litogravura e o altar são indícios da existência de uma

devoção organizada.

114

REGINALDO, 2009, p. 32. 115

REIS, 1996, p. 3. 116

Compromisso de 1820 da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos da Freguesia de São

Bartolomeu de Maragogipe. Apud REIS, 1996, p. 12. 117

Ver COSTA, Sebastião Heber Vieira. Das memórias de Filhinha às litogravuras de Maragogipe. Salvador:

Faculdade 2 de julho, 2007, p. 57.

Page 47: Antonio da Conceição Nascimento

47

Imagem 3 – Imagens de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário que dividem um dos altares

laterais do lado esquerdo da Matriz de Maragogipe118

.

118

Imagens de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário da Matriz de Maragogipe. Agosto de 2010. 1 fotografia

digital 16X 21 cm. Coleção Particular. Autoria: Antonio da Conceição Nascimento.

Page 48: Antonio da Conceição Nascimento

48

A presença dessas irmandades nos leva a constatar que o contingente da população

negra cativa devia ser considerável o suficiente para que se estabelecessem meios coletivos de

comunicação e organização. Não foi possível fazer, com precisão, um levantamento da

população escrava em Maragogipe no período de criação de todas essas irmandades, o fôlego

de uma iniciativa dessas seria o suficiente para nos desviarmos do nosso foco, mas tentamos a

partir dos inventários datados de 1851 e 1852 perceber algumas características dessa

população escravizada, no intuito de entender a configuração que se estabelecia no momento

de criação da Irmandade de São Bartolomeu (tabela 1)

Tabela 1 – Classificação Racial e Ocupação da população escravizada de Maragogipe nos anos de

1851-1852119

.

A população escravizada da freguesia de Maragogipe mantinha contato através das

irmandades, e estabelecia relações de mutualismo, ao menos no momento da morte. Não

obstante o fato de alguns desses cativos ocuparem-se com os trabalhos da lavoura, uma

indicação de que residiam no espaço rural, não podemos descartar sua participação nas

confrarias que possuíam seus altares na Matriz, pois “parece ter sido freqüente a participação

de escravos dos engenhos e fazendas nas irmandades criadas nas Matrizes de suas vilas,

povoados e arraiais”120

.

119

Essa tabela foi feita a partir dos dados que apresentam os inventários da Vila de São Bartolomeu de

Maragogipe que consta no APEB e datam de 1851 e 1852. Para melhor localização, elencamos no anexo A, os

nomes dos negros escravizados, seus senhores e a localização arquivística. 120

REGINALDO, 2005, p. 86.

Classificação % de 66 Lavoura Rua Casa Outras Não declarada

Africanos 22,7 % 6,6 % 20% 13,3% 6,6 % 53,3 %

Cabras 18,1 % - - - - 100 %

Crioulos 53 % 14, 28 % - 25,71 % - 60 %

Outras 3 % 25 % - - - 75 %

Page 49: Antonio da Conceição Nascimento

49

Imagem 4 – Imagem de Nossa Senhora da Boa Morte localizada em um dos altares laterais do lado

esquerdo da Matriz de São Bartolomeu em Maragogipe121

.

121

Imagem de Nossa Senhora da Boa Morte da Matriz de Maragogipe. Agosto de 2010. 1 fotografia digital 16X

21 cm. Coleção Particular. Autoria: Antonio da Conceição Nascimento.

Page 50: Antonio da Conceição Nascimento

50

A pouca quantidade de pardos encontrada na população escravizada é indício da sua

situação social. Isso corrobora a nossa análise acerca dos motivos de a Irmandade de São

Bartolomeu admitir brancos e pardos juntos, já que antes os pardos forros tinham suas

irmandades específicas, das quais não poderiam participar cativos, mesmo que também

fossem pardos. Mesmo não havendo no Compromisso das irmandades de pardos

impedimentos aos cativos, a divisão dessas confrarias “com base na condição jurídica,

aparece com muita freqüência nos registros documentais”122

. Assim, os pardos cativos da

freguesia de Maragogipe criaram uma irmandade dedicada a Nossa Senhora de Guadalupe123

,

enquanto que os forros associavam-se nas irmandades de Nossa Senhora do Amparo, e de

Nossa Senhora da Conceição. Isso nos mostra que as irmandades serviam também como

forma de distinção social, a cor não era o elo mais forte a determinar o agrupamento dos

irmãos, mas a condição social dos mesmos.

Assim, as irmandades de Maragogipe configuravam a religiosidade local, suprindo

material e espiritualmente a vida da Igreja na freguesia de São Bartolomeu, onde a vivência

da fé baseava-se num receituário de práticas com marcas do catolicismo barroco, vivido ainda

no século XIX124

. Algumas peças usadas no adorno dos santos, como um par de sapatos de

ouro de um Deus menino, três botões de ouro, medalha de ouro e broches de diamantes e de

pedra branca são exemplos desse teor barroco. Também na capital da Bahia, o historiador

João José Reis identifica

Um catolicismo que se caracterizava por elaboradas manifestações externas

da fé: missas celebradas por dezenas de padres, acompanhadas por corais e

orquestras, em templos cuja abundante decoração era uma festa para os

olhos, e sobretudo funerais grandiosos e procissões cheias de alegorias, de

que participavam centenas de pessoas125

.

Usando um conceito de Pierre Verger, João José Reis classificou esse catolicismo de

„barroco de rua‟126

. A prática de presentear o santo, ou de rodeá-lo com os utensílios de ouro e

prata, primando sempre pela melhor qualidade e beleza no seu culto de devoção, constituem

uma linguagem comum vivenciada entre os membros de irmandade, que não se fazia

necessária somente para a apresentação externa. Além de ser uma herança das tradições

religiosas lusitanas que, como forma de expressar a fé, ornava os santos de jóias e roupas, essa

122

REGINALDO, 2005, p. 90. 123

Ibidem, p.88. 124

Entendemos a partir do conceito de Afonso Ávila, que o barroco não representa apenas “um estilo artístico”,

mas uma sistematização de gosto que se reflete em todo um estilo de vida, um estilo portanto global de cultura”.

ÁVILA, Afonso. O lúdico e as projeções do mundo barroco. São Paulo: Editora Perspectiva, 1971, p. 22. 125

REIS, 1991, p. 49 126

Ibidem,p. 49.

Page 51: Antonio da Conceição Nascimento

51

forma de vivência religiosa constituía uma compreensão da realidade, “através da linguagem,

que como consciência prática [estava] saturada por toda atividade social”127

. Essa linguagem

recheada de símbolos e elementos que revelavam a devoção e a iniciativa de manter um bom

relacionamento com o santo, traduzia um processo de incorporação e vivência de uma

determinada forma de crer da época em que “era preciso estar bem com os santos, convivendo

com eles numa relação de intimidade”128

.

Na medida em que os irmãos se inseriam nesse contexto de uma religiosidade de tom

barroco como já discutimos, que era comum não somente na freguesia de Maragogipe, mas

característica da religiosidade católica na Bahia até o século XIX, como nos apresentou João

José Reis, acontecia um processo de apropriação que configurava novas práticas e formas de

relacionamento com o sagrado. Assim, a linguagem torna-se “constitutiva”129

, ou seja, num

movimento de ida e volta a religiosidade era criada pelo indivíduo ao mesmo tempo que

também ela o moldava dentro de sua realidade social. Sujeito e realidade iam se

transformando nesse relacionamento de incorporação e criação de novos mecanismos de

vivência da fé.

É nesse contexto de vivências devocionais que vai ser fundada a Irmandade do

Glorioso São Bartolomeu. Tardia, se comparada ao tempo de fundação das outras suas

conterrâneas, ainda mais se tratando de ser o santo o padroeiro da freguesia. Não obstante, ela

realizou suas atividades e elevou a devoção a São Bartolomeu à maior festa da cidade. Uma

das formas de tentar compreendê-la é analisando sua organização, a partir de seu primeiro

compromisso aprovado em 1851, bem como dos documentos de sua aprovação, que nos darão

mais informações a seu respeito. Assim poderemos perceber como ela estava estruturada, suas

hierarquias internas, os critérios de entrada de irmãos, as regras de eleição da Mesa

Administrativa, as funções de cada mesário. Dessa forma, compreenderemos melhor sua

função na sociedade católica maragogipana da segunda metade do século XIX. Isso nos

ajudará acompanhar sua trajetória, e perceber as transformações que sofreu pela romanização

católica.

1.6 A MESA ADMINISTRATIVA E SUAS RELAÇÕES HIERÁRQUICAS.

127

WILLIANS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores S.A., 1979, p. 43. 128

BORGES, 2005, p. 159. 129

Op. Cit., p. 30.

Page 52: Antonio da Conceição Nascimento

52

A mesa administrativa da irmandade de São Bartolomeu em 1851 era composta por

“Juiz, Escrivão, Tesoureiro, dois procuradores e oito mesários”, que tinham poder de voto na

escolha de nova mesa. O procedimento de eleição era feito pela indicação de três nomes de

irmãos por quem estivesse ocupando cada um dos cargos. A orientação do Compromisso era a

seguinte:

o Juiz escreverá em uma pauta o nome de três irmãos de sua escolha para

juízes e apresentando-o à mesa, fará correr sobre eles o escrutínio secreto,

em que votarão o Escrivão, o Tesoureiro, Procuradores, e Mesários; e aquele

dos três propostos que tiver a maioria será o juiz;130

.

No compromisso, os dois candidatos ao cargo que não fossem eleitos serviriam de

“suplentes para serem chamados em lugar do primeiro quando este não queira aceitar,

preferindo-se sempre o mais votado até o terceiro, que não aceitando também, [serviria] de

juiz o mesmo santo”131

. Não temos notícia se houve alguma situação em que algum dos

eleitos tenha desistido do cargo, ou mesmo que nenhum deles tenha assumido e se efetivado a

vacância para São Bartolomeu ser declarado o juiz da Irmandade. Mas essa possibilidade

existia e revela que o cargo de juiz era o mais alto posto na hierarquia interna da irmandade.

Um cargo que poderia ser ocupado pelo santo padroeiro não seria entregue nas mãos de

qualquer pessoa.

A situação apresentada nos leva a pensar nas relações que os membros da irmandade

estabeleciam com seu orago. Na condição de santo, o apóstolo Bartolomeu era sublimado

pelos irmãos, mas também estava muito próximo, era uma força viva que influenciava

diretamente na vida dos confrades. Poderia ser o juiz, justamente porque estava além das

“concepções racionais e éticas”132

humanas.

A mesma dinâmica de votação que se seguia para o Juiz também era executada para o

Escrivão, a ele cabia apresentar a proposta dos três nomes que o substituiria. Assim também

se procedia para o Tesoureiro e os dois procuradores. Somente para os Mesários não cabia a

lista tríplice, eles eram propostos por cada um dos efetivos, e aprovados por toda a mesa.

Todos esses cargos eram assumidos por um ano, o que não obstante, não “ficam inibidos de

continuarem por mais um, se algum, ou alguns dos referidos Oficiais tiverem de ser

reeleitos133

. O procedimento da lista tríplice, escolhido pela Irmandade de São Bartolomeu,

130

Capítulo II, Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 131

Ibidem. 132

Ver O‟DEA, Thomas. Sociologia da religião. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1969, p. 35. 133

Op. Cit.

Page 53: Antonio da Conceição Nascimento

53

assemelhava-se àquelas das irmandades de pretos, em que “cada membro da mesa propunha

dois ou três candidatos que considerava mais adequado para ocupar seu posto”134

.

Todos os membros da mesa votavam secretamente nos nomes indicados, com exceção

ao ocupante do cargo que estava em pleito. Tudo isso era assistido pelo reverendo vigário que

mesmo sendo ele a autoridade máxima da Igreja local, estava ele mesmo impedido de votar na

eleição da irmandade, salvo se também fosse irmão. O reverendo somente assinava o Livro de

Ata juntamente com os demais membros da diretoria, dando a necessária legitimidade ao

processo eleitoral. Isso demonstra um poder sobreposto das irmandades em relação à sua

autonomia organizacional, longe do controle clerical. Esta situação, pelo que sabemos,

permanece até 1943, quando o compromisso reformado reza que o vigário obrigatoriamente

seria o presidente da irmandade como discutiremos no segundo capítulo.

A eleição era prevista sempre para o dia 15 de agosto. A escolha da data era em razão

do início do novenário, para a solene festa do padroeiro que acontecia dia 24 do mesmo mês.

Assim, a eleição marcava, junto com o novenário, o começo das celebrações devocionais da

Irmandade. Isso modificou-se em 1943, quando foi indicado que a mesa fosse eleita na

Primeira Sessão Ordinária da Assembléia Geral. A primeira dessas sessões estava prevista

para “um dos dias da primeira quinzena de Agosto, sendo preferível o dia 15”135

. Assim, o

calendário dos processos organizacionais da Irmandade de São Bartolomeu estava pautado na

festividade solene que era a festa do orago.

A data da eleição já não era uma certeza. Essa mudança estava ligada a alguns fatores

provenientes da nova situação em que se encontrava a irmandade, como a obrigatoriedade da

presença do novo presidente que era o vigário, sem o qual a eleição não acontecia. Logo não

era mais possível estabelecer uma data fixa, pois isto estava fora do controle dos confrades e

do próprio vigário, tendo em vista o trabalho pastoral que se intensificava em razão da

influência e controle que a Igreja precisava manter diante das influências e ameaçadas do

novo contexto político, a República. Também, as interferências que o vigário poderia fazer no

processo eleitoral como a anulação de escolha de qualquer mesário impedia que a tradição do

dia 15 de agosto permanecesse, haja vista que, se alguma anulação acontecesse, uma nova

eleição na segunda Assembléia Geral precisaria ser feita.

A entrada dos irmãos na Mesa Diretora da irmandade acontecia por eleição, mas, era

necessário também o pagamento da jóia que era de 4$000 (quatro mil réis). Para os que se

tornassem mesários, além da jóia de entrada, precisavam pagar o valor que estava associado

134

RUSSEL-WOOD, 2005, p. 204. 135

Art. 30. Capítulo VII. Compromisso da irmandade de São Bartolomeu de 1943.

Page 54: Antonio da Conceição Nascimento

54

hierarquicamente ao cargo que ocupassem. Assim, para o juiz, a quem competia presidir, bem

como assistir todos os atos da irmandade, custava 50$000 (cinqüenta mil réis), isso

correspondia mais ou menos ao valor de um bom cavalo. Para o escrivão, que além de

responsável pela “escrituração de todos os livros da Irmandade” 136

e por guardá-los, cabendo-

lhe também a tarefa de substituir o juiz quando por “legítimo impedimento” não pudesse

comparecer, o valor era de 20$000 (vinte mil réis).

Para os oito mesários, o custo da administração da Irmandade era menor. Eles

contribuíam com 4$000 (quatro mil réis) cada um. Ao tesoureiro e aos procuradores, nenhuma

taxa de entrada era cobrada, eles somente pagavam o valor da anuidade que era de 500r$

(quinhentos reis) para os irmãos casados, inclusive as mulheres, e de 320r$ (trezentos e vinte

réis) para os solteiros e viúvos sem filhos. As anuidades era uma obrigação de todos os

irmãos, e independia do pagamento da jóia de entrada. O fato do Tesoureiro e dos

Procuradores não pagarem as referidas jóias não foi uma singularidade da Irmandade de São

Bartolomeu, em algumas irmandades de Recife, as do Livramento dos Homens Pardos, do

Santíssimo Sacramento e do Rosário137

, os tesoureiros e procuradores também eram

dispensados desse pagamento.

Esses valores, principalmente o do juiz é considerável, chegando a mais que o triplo se

comparado ao que era pago por algumas irmandades de pretos por exemplo. Segundo Russel-

Wood138

, entre os diretores da Irmandade do Rosário pagavam respectivamente, o presidente

que correspondia ao juiz, o escrivão e os consultores, cargo equivalente ao dos mesários,

16$00 (dezesseis mil reis), 8$00 (oito mil réis) e 4$00 (quatro mil réis). Isso demonstra que os

valores das jóias estavam relacionados com as condições financeiras dos membros da

irmandade.

Numa comparação dos valares das jóias pagas pelos irmãos de São Bartolomeu a

alguns bens de grande valor no período, eles ficariam longe, por exemplo, do preço de um

escravo adulto que poderia custar entre 200$000 (duzentos mil réis) a 600$00 (seiscentos mil

réis) variando de preço nesse intervalo, equivalente no caso da jóia do juiz, a uma criança

escrava, como Germana de 8 anos, pertencente a João Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de

Jesus139

que custava 50$000 (cinquenta mil réis), ou superior no caso da menor das jóias

pagas que era a dos mesários, a uma criança escrava de 1 ano de idade como Luis, também

pertencente ao mesmo casal que custava 1 mil réis. Ficavam longe também do valor de uma

136

Capítulo VI, Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 137

BEZERRA, 2010, p. 106. 138

RUSSEL-WOOD, 2005, p. 210. 139

Partilha amigável dos bens de João Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de Jesus. APEB - 04/1838/2309/03

Page 55: Antonio da Conceição Nascimento

55

propriedade como uma casa na cidade no valor de 1: 200$000 (um conto e duzentos mil réis)

ou de um sítio de 800$00 (oitocentos mil réis). Mas, os valores das jóias pagas pelos irmãos

de São Bartolomeu podem ser melhor visualizados se os compararmos a produtos do próprio

período com custo mais aproximado (quadro 3)

Valor Equivalência

50$000 (cinquenta mil reis)

Juiz

1 cavalo – 55$000 (cinquenta e cinco mil réis);

1 casa pequena coberta de telhas 60$000 (sessenta mil réis);

20$000 (vinte mil réis)

Escrivão

1 oratório de madeira sem pintura com duas imagens aparelhadas de prata – 20$000 (vinte mil réis);

Mais ou menos 28 pés de café novos – 600 réis cada um;

4$000 (quatro mil réis)

Mesários

2 balanças para pesar café – 2$000 (dois mil réis) cada uma;

2 camas pequenas – 2$000 (dois mil réis) cada uma;

4 cestos de carregar café – 1$000 (mil réis) cada um;

Quadro 3 – Equivalência das jóias pagas pelos irmãos de São Bartolomeu

140.

Em 1943, quando o Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu foi reformado, os

valores das jóias foram atualizados para a moeda corrente, o cruzeiro, passando o juiz a pagar

Cr$ 50,00 (cinquenta cruzeiros), o Escrivão Cr$ 20,00 (vinte cruzeiros), os Consultores Cr$

5,00 (cinco cruzeiros) quando assumissem os referidos cargos. A jóia de entrada de qualquer

irmão era de Cr$ 10,00 (dez cruzeiros) sendo a anuidade para qualquer um deles de Cr$ 6,00

(seis cruzeiros). O Tesoureiro e os Procuradores continuaram isentos das taxas de entrada.

Como já citamos, os valores das jóias tinham relação com a hierarquia dos cargos da

Mesa Administrativa. Assim, os mesários que pagavam a menor taxa, não estavam

incumbidos de funções tão importantes se comparadas às do Juiz e do Tesoureiro. A eles

cabia assistir a todos os eventos da irmandade, além de participar e opinar nas reuniões, o que

lhes dava algum poder de interferência nos rumos da irmandade. Na renovação do

Compromisso em 1943, o termo “Mesário” foi substituído por “Consultor”, cuja função não

foi alterada, mas reforçada: “dar a mesa o seu parecer sobre os diversos assuntos que então se

tratarem, auxiliando assim os demais mesários no bom desempenho de suas obrigações”141

.

Este reforço, ao que parece tinha o objetivo de permitir que os consultores assumissem o novo

140

Quadro feito a partir das avaliações dos bens que constam nos inventários listados no anexo A, datados entre

1851 e 1852. 141

Art. 28. Capítulo VI. Compromisso da irmandade de São Bartolomeu de 1943.

Page 56: Antonio da Conceição Nascimento

56

adendo de suas obrigações: “substituir o Juiz, o Tesoureiro, o Escrivão e o primeiro

Procurador”. Esta mudança ocorrida foi acompanhada dos critérios de escolha dos homens

que comporiam estes cargos, a saber, que fossem “homens de provada prudência e

experiência”142

.

Certamente se enquadravam nessas qualidades o vigário Adolpho José da Costa

Cerqueira de quem trataremos no capítulo II e os sete militares que também ocuparam o cargo

de Procurador na Mesa Administrativa de 1912. Nos anos seguintes encontramos nomes

como o dos negociantes Benigno Rebouças143

, Bartolomeu Santana144

, Bartolomeu de Souza

Santos145

e Péricles Figueiredo146

, do funcionário do escritório da Fábrica Suerdieck

147Corbiniano Rocha

148, Vitoriano Alves de Souza que também foi Tesoureiro da Irmandade

de Nossa Senhora da Conceição em 1935, Heráclio Guerreiro que era Coletor estadual149

,

Raul Leonídio Guerreiro que era tesoureiro da prefeitura e também Consultor da Irmandade

de Nossa Senhora da Conceição150

, o Oficial do Registro de Imóveis e Hipotecas Anfilófio

Vieira de Melo151

, o industrial Manoel Geminiano Barbosa 152

, Salmanazar de Jesus que já

havia se ocupado da organização de festas religiosas como a de Pentencostes153

, assim como

Manoel Vespasiano dos Santos que esteve encarregado da festa de Nossa Senhora da Saúde,

promovida pela Santa Casa de Misericórdia154

.

Essa mudança ocorrida em 1943 retirou a centralidade hierárquica do Juiz, do

Escrivão e do tesoureiro na condução da confraria. A ocupação desses cargos pode ser

142

Ibidem. 143

Redenção, ano V, nº. 162 de 07/12/1935 144

Cidade de Maragogipe, ano II, nº. 95 de 20/04/1913 145

Cidade de Maragogipe, ano II, nº. 77 de 27/10/1912 146

Redenção, ano VI, nº. 176 de 07/03/1936 147

A Suerdieck tivera seu início em 1888 com o alemão August Wilhelm Suerdieck na cidade de Cruz das

Almas. Em 1899, em pleno crescimento, os negócios da Suerdieck foram estendidos até a cidade de Maragojipe

onde foi edificado o primeiro armazém na Praça Sebastião Pinho. Em 1905, foi dado início a primeira fábrica de

charutos Suerdieck. “A cidade oferecia ótimas condições, com excelentes charuteiras, rio navegável com porto

natural - o que facilitava o escoamento da produção para Salvador e de lá para o exterior - além de possuir boa

infraestrutura. Inicialmente a fábrica funcionou com cinco operários, em 1909 eram duzentos e em 1915, contava

com setecentos trabalhadores” (p. 22-23). A década de 50 marcou o apogeu da Suerdieck e consequentemente de

Maragogipe já que dos seus 4.128 funcionários 2.052 eram da cidade. A crise da Suerdieck começou em 1968 e

atingiu profundamente Maragogipe em 1992 quando a fábrica foi fechada e transferida para Cruz das Almas

devido à sua localização às margens da BR 101. GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA. Carnaval de

Maragogipe. Secretaria de Cultura. IPAC. Salvador: FPC, 2010. Disponível:

http://www.ipac.ba.gov.br/site/conteudo/downloads/arquivos/arquivo1112/3.maragojipe.pdf. Acesso em Nov.

2010. 148

Redenção, ano VI, nº. 173 de 07/03/1936 149

Redenção, ano V, nº. 135 de 27/04/1935 150

Redenção, ano V, nº. 141 de 19/12/1935 151

Arquivo, ano II, nº. 18 de 27/04/1953 152

Arquivo, ano II, nº. 18, 27/04/1953 153

Redenção, ano V, nº. 140 de 08/06/1935 154

Redenção, ano VI, nº. 205 de 05/12/1936

Page 57: Antonio da Conceição Nascimento

57

confiada a partir de então, a um dos consultores. Essa nova possibilidade de substituição

deveria facilitar o controle do vigário, quando da anulação da eleição de algum irmão que ele

achasse impróprio para a função. Infelizmente não encontramos informações de como

aconteceram as eleições das Mesas Administrativas ao longo da segunda metade do século

XIX, nem mesmo nomes suficientes de irmãos que fizeram parte da irmandade nesse período,

para saber se este revezamento ocorreu, é uma lacuna que não conseguimos preencher. Mas

da primeira metade do século XX podemos fazer algumas análises a esse respeito.

Mesmo não sendo uma regra que a substituição dos cargos de Juiz, Tesoureiro e

Procurador fossem revezados entre os que estivessem cumprindo tais funções, acontecia de

alguns mesários alternarem sua função nessa circunscrição hierárquica composta dos três

principais cargos. Oscar de Araújo Guerreiro é um bom exemplo disso. Homem da elite de

Maragogipe, conhecido comerciante e político, ele foi candidato a prefeito pelo Partido Social

Democrático (PSD) em 1935155

e provedor da Santa Casa de Misericórdia em 1936156

. Ao

apresentar a sua segunda candidatura a prefeito em 1953, o periódico Arquivo assim a ele se

refere:

Comerciante. Burguez. Progressista. Carrega na cacunda onze lustre de

existência bem vivida. Como toda peça humana de nervo e sangue na guela,

às vezes se dá ao luxo de crise violenta. E, todavia ponderado nas mais das

circunstâncias. [...]. É tímido às responsabilidades públicas. Ranzinza, mas

honesto. Governou o município durante seis anos entre o período

constitucional e o regimen pré-fascista de Chico Campos. Trabalhou.

Produziu. Economizou. Deixou o herário municipal desafogado. Cometeu o

erro de calçar a rua da Enseada sem ter dado à mesma um ramal de esgoto.

Exigente, conta pedra por pedra, por isso não agrada muita gente157

.

As informações que temos da participação de Oscar de Araújo Guerreiro na Irmandade

de São Bartolomeu são das mesas administrativas, onde, entre os anos de 1934 e 1945 ele

ocupou três posições diferentes. De consultor em 1934, Oscar Guerreiro passou a escrivão em

1936, juiz em 1944 e tesoureiro em 1945. Os cargos por ele assumidos refletiam bem sua

posição social na sociedade de Maragogipe. Além dele, somente João Thomaz da Silva

ocupou por mais de uma vez uma das posições privilegiadas da Irmandade. Escrivão entre os

anos de 1935 e 1946 participara da Comissão Auxiliar da Mesa de 1934, para onde voltou

155

Redenção. ano V, nº. 162 de 07/12/1935. O Partido Social Democrático (PSD) foi liderado na Bahia pelo

tenente Juracy Magalhães e logo em seu início, o partido manteve uma postura firme contra o Integralismo. Ver

JUNIOR, Carlos Zacarias de Sena. Os impasses da Estratégia: os comunistas, o analfabetismo e a revolução

burguesa no Brasil 1936-1948. São Paulo: Annablume, 2009, p. 377. 156

Redenção. ano VI, nº. 206 de 19/12/1936 157

Arquivo. ano II, nº. 18 de 27/04/1953. A frase “Carrega na cacunda onze lustre de existência bem vivida”

refere-se aos 35 anos de idade que Oscar de Araújo Guerreiro carrega nos ombros, “cacunda”. O termo lustre

corresponde a intervalos de cinco em cinco anos.

Page 58: Antonio da Conceição Nascimento

58

dois anos depois; fora procurador em 1944 e, em 1971, apareceu como mesário da última lista

de composição da Mesa Administrativa que encontramos. Também homem de

reconhecimento social, assumiu em 1937 o cargo de primeiro Secretário da Sociedade

Protetora dos Operários de Maragogipe (SPOM)158

.

Na ordem de importância, que é apresentada pelo Compromisso de 1851, logo abaixo

do juiz estava o escrivão. Sua função era ter “a seu cargo a escrituração de todos os livros da

Irmandade, em cujo poder [ficariam] existindo enquanto [exercesse] este cargo”159

. Isso lhe

possibilitava um conhecimento geral dos assuntos da associação. Talvez justamente por isso

fosse encarregado de substituir o juiz. Após a renovação do Compromisso em 1943, suas

atribuições aumentaram, para atender a complexidade organizacional do novo contexto. Entre

elas estava a feitura de ofícios que precisavam ser assinados pelo juiz e vistoriado pelo

vigário, guardar o arquivo documental da irmandade, como manter “em dia e em ordem toda a

escrituração” 160

.

As pessoas que assumiram o cargo de escrivão gozavam na sociedade de Maragogipe

de algum prestígio social, e possuíam uma situação financeira confortável. Da mesa de 1912,

a primeira de que temos informação na íntegra, ocupou o cargo o senhor Januário Soriano de

Jesus do qual não encontramos informações. Nos anos de 1934 e 1935, assumiram a função

respectivamente Álvaro Pereira Brito (também sem informações adicionais) e João Thomaz.

Seguiu-se a estes, Oscar de Araújo Guerreiro do qual já falamos, e no ano de 1944, Abelardo

Sacramento cuidou da escrituração dos livros da irmandade, seguido de Alexandre Ribeiro da

Conceição e, mais uma vez, o mesmo João Thomaz. Alberto Costa, Santos que fora candidato

a vereador em 1971 pelo partido ARENA161

, ocupou o cargo no ano de 1971 foi o último

escrivão de que tivemos notícia.

A organização dos documentos e sua conservação arquivística tornaram-se uma das

preocupações mais citadas no novo Compromisso. Os acontecimentos, as decisões, a entrada

e saída de irmãos ou tudo aquilo que fosse considerado de importância precisava ser

cuidadosamente registrado e preservado. Essa medida servia também para o tesoureiro, que

158

Redenção, ano VII, nº. 209 de 23/01/1937. A Sociedade Protetora dos Operários era uma espécie de sindicato

que tinha por finalidade defender os interesses dos operários que trabalhavam nas fábricas de charuto Suerdieck

e Dannemann. A Dannemann foi instalada em São Félix em 1873 pelo alemão Gerhard Dannemann e desativada

em 1948 quando foi adquirida por um grupo suíço. Maragogipe funcionava com uma de suas filiais. GOVERNO

DO ESTADO DA BAHIA. Carnaval de Maragogipe. Secretaria de Cultura. IPAC. Salvador: FPC, 2010.

Disponível: http://www.ipac.ba.gov.br/site/conteudo/downloads/arquivos/arquivo1112/3.maragojipe.pdf. Acesso

em Nov. 2010. 159

Capítulo IV. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 160

Art. 22. Capítulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 161

Aliança Renovadora Nacional (ARENA) foi um partido político brasileiro criado em 1965 com a finalidade

de dar sustentação política ao governo militar instituído a partir do Golpe Militar de 1964.

Page 59: Antonio da Conceição Nascimento

59

deveria ter não somente um livro para recebimentos e gastos, mas também fazer essas

anotações separadas minuciosamente. Essas exigências tinham lugar no novo contexto em que

a irmandade vivia. Como forma de controle maior da organização, o reverendo que procedeu

na reforma de seu Compromisso, tomou as precauções necessárias para que tudo pudesse ser

documentado, e que nada pudesse ser feito fora dos novos critérios exigidos para a irmandade.

Na ausência do escrivão, o tesoureiro representava a terceira opção de substituição do

cargo principal. Sobre ele o Compromisso trata o seguinte:

Ao tesoureiro fica competindo a conservação e guarda de tudo quanto

pertencer à Irmandade, e a seu cargo fica também toda despesa dela, que não

fará sem a deliberação da mesa, que para esse fim o autorizará; exceto porém

naqueles que se fizerem nas missas nos Domingos ao santo desta Irmandade,

antes da conventual em seu próprio altar: com a dos Irmãos falecidos, e com

o despendido da mortalha, e sepultura dos que por nimiamente pobres, não

tiverem meios para isso, como se acha expresso no capítulo 1º 162

.

Apesar de ter que prestar contas à Mesa dos rendimentos e gastos financeiros da

Irmandade, o tesoureiro gozava de certa autonomia na deliberação de recursos, principalmente

porque, para alguns dos gastos fixos da Irmandade, ele não precisava do consentimento do

juiz ou demais membros da Mesa Administrativa. Em muitas situações ele acabava sendo o

personagem mais importante, principalmente naquelas referentes aos gastos. Não é difícil de

presumir que, em épocas de festas do padroeiro, ele estivesse à frente das resoluções tanto

quanto o juiz. Nos momentos de falecimento dos irmãos, também sua participação era de

fundamental importância, pois era ele quem deliberava os recursos para o “despendido da

mortalha, e sepultura dos que por nimiamente pobres não [tivessem] meios para isso”163

. Nas

notícias das festas de São Bartolomeu, a partir do início do século XX, por exemplo, o

tesoureiro ocupou um lugar de destaque, na medida em que prestava contas dos gastos,

conclama a população para contribuir com os eventos e loterias que promovia em prol da festa

(essa questão será melhor discutida na capítulo III).

Essa posição do tesoureiro dava-lhe o status de poder tanto dentro da irmandade

quanto fora dela. Um exemplo bem evidente ocorreu com a Irmandade do Santíssimo

Sacramento alguns anos antes da existência da Irmandade de São Bartolomeu. Em ofício de

28 de março de 1846, o presidente da Câmara Luiz Everadino dos Santos pede que o salão do

consistório da Matriz seja usado pelo Doutor Juiz de Direito da comarca na reunião do júri

que aconteceria no dia 25 do mês de abril, já que o prédio da Câmara estava em reforma e o

dito salão possuía a capacidade necessária para a realização do evento. A Irmandade do

162

Capítulo V, Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 163

Ibidem.

Page 60: Antonio da Conceição Nascimento

60

Sacramento respondeu à solicitação, e colocou-se numa posição veemente de defesa do

espaço sagrado recorrendo aos preceitos religiosos, numa evidente definição do fim a que se

destinava o espaço em questão, para negar ao pedido da Câmara.

O documento é direcionado ao tesoureiro da irmandade o Sr. Vicente Barboza, em

razão de ser passível “pagar alguma quantia razoável por essa ocupação temporária”164

. Em

1860, a Mesa Administrativa da Irmandade de São Bartolomeu enviou um documento à

Assembléia Legislativa Provincial que apresentava o seguinte conteúdo:

Diz a mesa administrativa da Irmandade de São Bartolomeu desta cidade de

Maragogipe que tendo a Assembléia Legislativa provincial assinado na Lei

do orçamento nº. 727 de 17 de dezembro de 1858 a quantia de dois contos de

réis e na de nº. 797 de 16 de julho de 1859 a quantia de oitocentos mil réis

para reparos da respectiva matriz que está precisando de consertar o altar

[...].165

O documento data de 25 de agosto de 1860 e é assinado pelo tesoureiro da Irmandade

Antonio Fernando de Borba. A preocupação dos irmãos de São Bartolomeu com o templo de

seu orago, não teve um resultado favorável. A Assembléia Legislativa Provincial respondeu

no mesmo ano, negando o pedido sob a alegação de que

foi consignada na lei do orçamento do ano passado a quantia de 2:000$000

[dois contos de réis] para reparos daquela matriz e na deste ano a de

800$000 [oitocentos mil réis] e tendo-se porém findado o exercício a que

pertencia a primeira das quantias não pode mais esta ser entregue [...].

Quanto aos 800$000 que respeita ao exercício corrente, [...] que também ele

não pode ser entregue em vista do mau estado das finanças provinciais

[...]166

.

As situações que apresentamos mostram que as funções assumidas pelo tesoureiro lhe

permitiam intermediar assuntos entre a irmandade, pessoas e demais órgãos da sociedade,

quando estes envolviam algum valor financeiro. Mais especificamente, o caso da Irmandade

de São Bartolomeu nos mostra que além dos assuntos devocionais, ela preocupava-se também

com questões de outra ordem, a exemplo, as condições físicas do templo de seu padroeiro, a

Matriz da cidade de Maragogipe.

Para executar uma função dessa importância, certamente eram escolhidos homens que

tivessem reconhecimento e status social como Assênio Rodrigues Seixas que fora tesoureiro

no ano de 1877 e do qual já elencamos algumas informações. Na primeira metade do século

XX, os homens que ocuparam o cargo de tesoureiro eram vultos relevantes da sociedade de

164

Ofício da Câmara Municipal pedindo o salão do consistório a Irmandade do Santíssimo Sacramento, 1846.

LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de documentos de Irmandades. 165

Documentos da Câmara de Maragogipe. Seção de Arquivo colonial e provincial. APEB – Maço 1350. 166

Ibidem.

Page 61: Antonio da Conceição Nascimento

61

Maragogipe: em 1912 estivera o Capitão de polícia Vitoriano Alves de Souza que novamente

em 1934 assumiu o mesmo cargo. O capitão continuou na Irmandade nos dois anos seguintes

como procurador, sendo que em 1935, ele dividira seu tempo assumindo também o cargo de

Tesoureiro da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição. Em 1935 esteve na função um

Bartolomeu Pereira de Borba, e sucedeu-lhe no ano seguinte Benigno dos Santos Rebouças

que, além de negociante e proprietário de terras, era político do PSD e havia se candidatado a

vereador no ano anterior. Já em 1944, foi a vez de Bartolomeu José de Santana assumir a

tesouraria. Suas experiências anteriores foram de procurador, e consultor não somente na

Irmandade de São Bartolomeu, mas também na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia,

onde também assumiu a função cargo em 1936. Nos anos de 1945, 1946 e 1971 estiveram

respectivamente à frente dessa função, Oscar de Araújo Guerreiro e os anônimos Antonio

Eduardo de Andrade e José Vieira Rebouças.

É importante frisar que ao tesoureiro cabia somente o dispêndio financeiro. A função

de cobrança das esmolas, anuidades, mordomagens167

dívidas e rendas, mesmo fazendo parte

das questões financeiras, era função dos procuradores, sendo eles “obrigados a saírem às

esmolas às portas dos fiéis devotos, e mais lugares que [julgassem] de interesse à

Irmandade”168

. Por esse serviço prestado, os procuradores ficavam livres do pagamento da

jóia.

Era dois o número de procuradores e assim permaneceu até a reforma do

Compromisso em 1943, quando foi aumentado para quatro. Se levarmos em conta que as

preocupações com a reserva financeira e patrimonial também se tornaram patentes por parte

dos eclesiásticos que reformaram o Compromisso da irmandade, veremos que esse acréscimo

tinha suas razões. Era preciso cobrar as anuidades dos irmãos e todo rendimento que fosse de

direito da confraria e para essa função era necessário que o irmão fosse “probo, ativo e

delicado”, além de ser “diligente em fazer as cobranças e ser atencioso para todos, procurando

corresponder a confiança nele depositada”169

. Mas de fato os procuradores da irmandade se

enquadravam nessas exigências?

Talvez não consigamos responder a essa questão, mas, podemos elencar algumas

informações sobre alguns deles, para compreender pelo menos o perfil dos homens que

assumiam essa função. Cornélio Florentino de Souza, que esteve no cargo em 1912 era

167

Diferente das jóias que eram pagas quando da entrada na irmandade, os anuais eram as taxas pagas pelos

irmãos anualmente à mesa administrativa. Já as mordomagens eram uma espécie de jóia que pagavam os

mordomos responsáveis pelas celebrações do novenário em preparação para a festa. O valor pago pela juíza da

festa era chamado de “jóia da juíza”. 168

Capítulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 169

Art. 24. Capítulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943.

Page 62: Antonio da Conceição Nascimento

62

Escrivão da Coletoria Federal de Maragogipe170

. João Melo Albuquerque em 1937, dois anos

depois de ter estado como procurador da Irmandade de São Bartolomeu assumiu a vice

presidência da Sociedade Protetora dos Operários de Maragogipe171

. Ele dividiu o cargo com

José Luiz Paranhos. Sobre este somente sabemos que em 1981 esteve na presidência do

Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Fumo de Maragogipe. No ano seguinte, 1936,

Bartolomeu Sant‟Ana e Corbiniano Rocha exerceram a função. Do primeiro, sabemos que era

comerciante. Em 1913, o periódico Cidade de Maragogipe noticia a visita do Sr. Julio

Almeida Santos, “ativo representante de uma das firmas comerciais da capital do Estado”

trazido por Bartolomeu Sant‟Ana172

. Isso pelo menos nos indica que o procurador mantinha

um circulo influente de relações. Corbiniano Rocha por sua vez, além de político do PSD era

funcionário de confiança do escritório da fábrica Suerdieck e Cia173

.

Os primeiros a comporem a lista dos quatro procuradores em 1944 foram João

Thomaz da Silva, Benigno dos Santos Rebouças, sobre os quais falamos anteriormente,

Apúlio Gonçalves Pimentel e Manoel Veríssimo dos Santos quem, além de ter assumido a

vice presidência do diretório da Sociedade Protetora dos Operários de Maragogipe em

1937174

, assumiu também neste mesmo ano a função de auxiliar de escritório da Fábrica

Suerdieck175

. O segundo quarteto de procuradores em 1945 foi composto por Antonio

Eduardo Andrade, Manoel Barbosa dos Santos, Abdon Pinto e Leonardo Macedo. Entre os

que sucederam a estes em 1945, estava o cunhado de Anísio Malaquias176

Manoel Vespasiano

dos Santos que já possuía experiência em participar de irmandades e organizar festas. Em

1935 ele esteve encarregado da festa de Nossa Senhora da Saúde promovida pela Santa Casa

de Misericórdia177

. Em 1971, o cargo de procurador não mais fez parte da última Mesa que

tivemos notícia. Mais uma alteração sofrida pela estrutura organizacional da irmandade.

Em 1851, a irmandade não especificava em seu Compromisso as qualidades

necessárias para que um dos irmãos assumisse algum dos cargos da mesa, somente que

fossem brancos ou pardos. Essa realidade muda em 1943, quando a classificação de cor nãos

mais aparece, contudo, cada um dos cargos administrativos vinha acompanhado dos adjetivos

170

Redenção, ano V, nº. 152 de 14/09/1935. 171

Redenção, ano VII, nº. 209 de 23/01/1937. 172

Cidade de Maragogipe, ano II, nº. 95 de 20/04/1913. 173

Redenção, ano VI, nº. 173 de 07/03/1936 174

Redenção, ano VII, nº. 209 de 23/01/1937 175

Redenção, ano VII, nº. 211 de 06/02/1937 176

Anísio Malaquias foi um político influente na cidade de Maragogipe. Elegeu-se prefeito pelo PSD e em 1935,

como vereador assumiu a presidência da Câmara. 177

Redenção, ano VI, Nº. 205 de 05/12/1936

Page 63: Antonio da Conceição Nascimento

63

que os candidatos deveriam ter. O juiz, que fosse “um homem de reconhecida capacidade”178

;

o tesoureiro que tivesse “reconhecida probidade”179

; o escrivão deveria “ser um homem de

habilitações para o cargo”180

; e os consultores deveriam ter “provada prudência e

experiência”. Não podemos atestar essas qualidades, embora as informações que encontramos

dos membros das Mesas Administrativas da Irmandade de São Bartolomeu mostrem que eram

homens de reconhecida notoriedade em Maragogipe, assumiam cargos na política e no serviço

público, e estavam ligados à produção industrial e ao comércio local. Além disso, muitos

deles participavam de mais de uma agremiação, fosse religiosa ou não. Isso nos mostra que

eles constituíam o perfil dos homens socialmente aceitos para representar qualidades como

“capacidade”, “probidade” “prudência” e “experiência”, exigidas não somente pela Irmandade

de São Bartolomeu, mas ao que parece comungada por outras agremiações.

Levando em consideração o bacharel em Direito Assênio Rodrigues Seixas, tesoureiro

em 1877, que pela profissão devia ser um cidadão abastado de Maragogipe, também a

tendência percebida ao longo da primeira metade do século XX, chegamos à conclusão que a

Irmandade de São Bartolomeu foi ao menos conduzida pela elite de Maragogipe. A

preocupação do poder eclesiástico com as qualidades desses homens, a essa altura tinha

razões nos interesses de condução da irmandade. Essa procedência certamente servia para

evitar que sujeitos não condizentes com os ideais católicos romanizados chegassem à direção

da confraria, mas, sobretudo, servia também para selecionar entre os mais abastados aqueles

que conduziriam os rumos da confraria.

2. UMA IRMANDADE EM TEMPOS DE ROMANIZAÇÃO

As reformas das práticas católicas propostas pela Romanização começaram no Brasil

na segunda metade do século XIX. Em Maragogipe, como trataremos mais adiante, essas

medidas estavam sendo executadas ainda no florescer do século XX e perdurou até a década

de 1940, pelo menos no que se referiu às irmandades. Algumas delas, incluindo a Irmandade

178

Art. 15. Capítulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 179

Art. 18. Capítulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 180

Art. 21. Capítulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943.

Page 64: Antonio da Conceição Nascimento

64

de São Bartolomeu, sofreram reformas em seus Compromissos e foram subordinadas ao

poder do clérigo local. As medidas propostas por Dom Antonio de Macedo Costa, então chefe

do bispado brasileiro, no documento “Pontos de reforma na Igreja do Brasil” 181

lançado em

1890, serviram de base para todo esse processo nas primeiras metade do século XX.

Nas principais dioceses do Brasil, ecos da romanização se fizeram sentir. Em Mariana,

esse processo de reformas foi iniciado por Dom Antonio Ferreira Viçoso, que assumiu o cargo

episcopal em 1844 e permaneceu por três décadas. Nesse período, o Arcebispo trabalhou,

veementemente, pela renovação da Igreja e em 1853, em relatório enviado à Santa Sé,

demonstrava suas preocupações com a formação católica, propondo a reorganização do

Seminário para sanar as deficiências do clero182

. Dom Sebastião Dias Laranjeira atuou de

forma incisiva em Porto Alegre junto às irmandades, e na reafirmação da importância

sacramental e “respeito às designações romanas”183

. Na diocese de Olinda, a Romanização

teve início entre 1865 e 1866, quando da passagem de Dom Emanuel do Rego de Medeiros,

que iniciou as conversações para que os jesuítas voltassem à diocese184

. Estes por sua vez, no

ano de 1867, foram os introdutores da devoção ao Sagrado Coração de Jesus185

. Essa

associação religiosa foi fortalecida pelo incentivo dos clérigos, durante o processo da

romanização, no intuito de substituir as irmandades.

Na Bahia, as medidas da Romanização foram levadas a cabo, primeiro por Dom

Romualdo de Seixas, que esteve à frente da Sé baiana entre os anos de 1828 e 1860. Ativo

representante do Episcopado brasileiro, um exemplo da sua atuação foi uma recomendação

dada à Irmandade de São Bartolomeu, na carta de aprovação de seu Compromisso em 1851:

a eleição e posse da nova mesa deve preceder as missas de costume

celebradas pelo reverendo vigário ou quem ele designar, outro sim que o uso

de incenso nas missas privadas é alusivo o que reprova a prática da Igreja, e

181

Ver OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro. Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo

romanizado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 279-282. 182

Sobre a atuação de Dom Antonio Ferreira Viçoso como arcebispo da arquidiocese de Mariana ver COELHO,

Tatiana Costa. A reforma católica em Mariana e o discurso ultramontano de Dom Viçoso (Minas Gerais, 1844-

1875). Disponível em: http://www.ichs.ufop.br/ner/images/stories/Tatiana_Costa_Coelho.pdf. Acesso em: Jul.

2010. 183

Ver TAVARES, Mauro Dillmann. Irmandades religiosas, devoção e Ultramontanismo em Porto Alegre no

bispado de Dom Sebastião Dias Laranjeira (1861-1888). Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em História da Universidade do vale do Rio dos Sinos, 1997. 184

Os jesuítas haviam sido expulsos do Brasil ainda no século XVIII pelo Ministro Marquês de Pombal, por

causa da autonomia política e econômica que adquiriram com a catequese dos índios. Essa autonomia constituiu

uma ameaça, principalmente quando os padres das missões do Sul armaram os índios contra as autoridades

portuguesas, numa sangrenta guerra. 185

Ver SILVA, Severino Vicente da. Entre o Tibre e o Capibaribe: os limites da Igreja progressista na

Arquidiocese de Olinda e Recife. Recife: Editora Universitária UFPE, 2006, p. 113-114.

Page 65: Antonio da Conceição Nascimento

65

que as suas disposições em nada prejudiquem os direitos paroquiais que

ficam em seu inteiro vigor186

.

Numa demonstração de aceitação às regras propostas por Dom Romualdo, os

Irmãos o transformam em seu protetor perpétuo e Juiz de devoção da Mesa de 1852. Talvez,

uma forma de garantir o funcionamento da Irmandade nesse momento em que a Igreja já

começava a tomar um posicionamento mais firme em relação à vivência da fé veiculada pelas

confrarias. A essa homenagem respondeu Dom Romualdo em 23 de agosto de 1851:

Sumamente grato às obsequiosas expressões da carta que V. S.S. me

dirigiram com data de 17 do corrente oferecendo-me o título de protetor

perpétuo dessa irmandade e a nomeação de juiz por devoção para o vindouro

ano de 1852 tenho a satisfação de assegurar a V. S.S. que aceito essa

duplicada [ilegível] a que desejarei corresponder de [...] [ilegível] possível

confiando que a mesma Irmandade [ilegível] ao seu destino e as santas

obrigações que [ilegível] me dará motivos de lisonjear-me [ilegível]

protetorato que se dignou confiar-me.

Sou com a maior consideração187

.

Além das recomendações de que a eleição e posse da Mesa tivessem sua realização

antes das missas de costume, que se tratavam das celebrações ao apóstolo São Bartolomeu, e

que se adequassem de tal forma que não prejudicassem os direitos da paróquia, bem como a

proibição do incenso nas missas particulares, Dom Romualdo aproveitou o ensejo do

agradecimento, pelo título recebido, para alertar a Irmandade, lembrando-a do cumprimento

de suas “santas obrigações”, o que lhe daria motivos para se lisonjear dos títulos recebidos.

Essas recomendações são reveladoras da preocupação e intenção do arcebispo em

manter um controle das práticas dessa confraria, para que ela não se desviasse do referencial

da “religião”188

católica. Uma preocupação que certamente tinha suas razões nos

“excessos”189

cometidos por muitas irmandades, inclusive aquelas formadas por negros.

Especificamente em Maragogipe não encontramos fontes que nos permitissem pelo menos

elencar algumas das atividades dessas irmandades negras 190

, mas sabemos que, no intuito de

186

Compromisso da Irmandade São Bartolomeu de Maragogipe – 1851. APEB – Seção de arquivo colonial e

provincial. Maço 5260. 187

Carta de Dom Romualdo de Seixas anexa ao Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. APEB

– Seção de arquivo colonial e provincial. Maço 5260. 188

Entendemos a partir de Geertz, que aponta ser a religião “um sistema de símbolos que atua para estabelecer

poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de

uma ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e

motivações parecem singularmente realistas. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro:

Guanabara/Koogan, 1989, p. 104-105. 189

OLIVEIRA, 1985, p. 285. O termo é usado pelo autor referindo-se à visão do clero sobre as práticas das

irmandades. Sentido o qual também fazemos uso. 190

Ver a tabela quadro 1.

Page 66: Antonio da Conceição Nascimento

66

“marcar um lugar de distinção na sociedade”191

e também visando “a conservação de seu

patrimônio físico e simbólico”192

, essas confrarias excediam nas realizações das festas de seus

oragos. Em Porto Alegre, os brancos fizeram sair os negros da igreja “sob o pretexto de que

suas festas eram muito barulhentas acompanhadas de danças e tambores e indignas da Casa de

Deus”193

.

Era corriqueiro o uso de incenso nas missas católicas, existindo até um utensílio

próprio para isso, o turíbulo. Em Maragogipe, apesar das fontes nada dizerem a este respeito,

certamente a mistura das religiosidades, católica e de matrizes africanas, deve ter produzido

algum tipo de intervenção nas missas, o que levou Dom Romualdo, seguindo a cartilha da

romanização, a agir no intuito de “remover e extirpar toda mistura de irreverência e

superstição que, ou pela desgraça dos tempos, ou por incúria e malícia dos homens, se

[pudesse] introduzir na demonstração de um culto fundado em espírito e verdade”194

. Era a

face da romanização, que se revelava em seu caráter de “europeização da instituição

eclesiástica, com a conseqüente rejeição, em grande parte, dos valores culturais negros”195

.

É evidente que o Arcebispo sentia o perigo que pairava sobre as “duradouras

disposições e motivações”196

da fé católica, não somente em Maragogipe, mas em todo o

Brasil. Essa ameaça, provinda das misturas de práticas que não pertenciam ao bojo do

catolicismo, era intensificada pela relação estabelecida entre a Igreja e o Estado desde o

período colonial, e que no século XIX, foi desvelada pela proposta romanizadora, que visava

controlar a forma como se vivia a fé, e questionava de forma contundente a subordinação da

Igreja Católica ao Estado.

Os motivos da iniciação de um processo de controle maior da vivência religiosa dos

leigos, e da busca de aproximação dos preceitos da fé, mais romanizados, estavam ligados às

relações da Igreja com o Estado e às implicações que isso trazia para a instituição católica. A

partir do chamado Segundo Reinado, tornou-se ainda mais delicado e difícil manter a

estabilidade dessa relação que, até então, foi necessária para a manutenção da ordem. O

191

REGINALDO, Lucilene. Festas dos confrades pretos: devoções, irmandades e reinados negros na Bahia

setecentista. In.: Formas de Crer: Ensaio de história religiosa do mundo luso-afro-brasileiro, séculos XVI-

XXI.BELLINI, Lígia. SAMPAIO, Gabriela dos Reis. SOUZA, Evergton Sales (org). Salvador: Editora

Corrupio. EDUFBA, 2006, p. 198. 192

Ibidem, p. 205. 193

BASTIDE, 1985, p. 168. 194

Apud COUTO, Edilece Souza. Festejar os santos em Salvador: Regras eclesiásticas e desobediências leigas

(1850-1930), p. 3. Disponível em: http://www.uesb.br/anpuhba/artigos/anpuh_II/edilece_souza_couto.pdf.

Acesso em: Out. 2010. 195

HOORNAERT, Eduardo. A evangelização do Brasil durante a primeira época colonial. In: HISTÓRIA da

Igreja no Brasil. Ensaio de interpretação a partir do povo. Segunda Época. Tomo II/2. Petrópolis: Edições

Paulinas/ Vozes, 1985, p.144. 196

GEERTZ, 1989, p. 104.

Page 67: Antonio da Conceição Nascimento

67

influxo de novas idéias filosóficas, seja no plano político ou eclesiástico, “havia criado uma

nova consciência”197

, de forma que nenhum dos dois âmbitos via mais a Igreja como parte

integrante do poder político. No entanto, a Monarquia manteve o propósito de subordinar aos

seus interesses o aparato pastoral e continuar aproveitando os benefícios que sua ligação com

a instituição católica trazia. A sagração do Imperador, uma prova pública do apóio da Igreja

ao novo Regime, não foi dispensada. O Catolicismo continuou sendo a religião oficial do

Estado, o que, de certa forma, lhe garantia supremacia, pois, junto a isto, seu posto de único

culto oficialmente permitido foi resguardado, em contrapartida, o caráter “institucional de

poder e dominação”198

do Estado sobre ele também foi mantido.

A relação de submissão, vivida pela Igreja se agravou ainda mais no período regencial,

quando tomaram maior proporção as discussões sobre a abolição do celibato e a criação de

uma Igreja separada de Roma e completamente submetida ao Estado brasileiro. O Padre

Diogo Feijó foi um defensor dessas idéias199

. Na oposição a esses posicionamentos estava

Dom Romualdo de Seixas, responsável por impedir que as discussões chegassem à votação e

consequentemente se efetivassem. Dom Romualdo pertencia ao grupo do clero defensor das

idéias ultramontanas. O “catolicismo mundial passava pela expansão ultramontana, buscando

alargar a ordem católica no mundo, principalmente através das missões e do reforço

disciplinar do clero, centralizada em Roma”200

. O Syllabus, documento lançado pelo Pontífice

Pio IX, foi consequência desse ideal e, em sua trigésima sétima proposição, condenara mais

tarde a atitude pretendida por Feijó, ao afirmar o seguinte erro do liberalismo moderno:

“Podem ser instituídas Igrejas nacionais isentas da autoridade do Pontífice Romano, e

separadas dele”201

.

Entre as queixas dos políticos brasileiros que defendiam ainda maior subordinação da

Igreja, o que fortalecia o conflito dos dois poderes, se destacava a ligação que os eclesiásticos

brasileiros mantinham com Roma. Para eles, isso significava uma ameaça, pois poderia

prejudicar a ordem e a coesão nacional, principalmente depois da declaração da infalibilidade

197

AZEVEDO, 1978, p. 122. 198

Ibidem, p. 122. 199

Diogo Antonio Feijó foi um sacerdote católico. Como estadista liderou o Brasil Imperial como regente (1835-

1837), e foi um dos fundadores do Partido Liberal, posição política que o levou a entrar em conflitos com a

Igreja. Também Foi deputado geral por São Paulo (1826 e 1830), senador (1833) e ministro da Justiça (1831-

1832) 200

ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra Estado. São Paulo: Kairós, 1979, p. 102. 201

MONTFORT ASSOCIAÇÃO CULTURAL. Syllabus. Disponível em: http://www.montfort.org.br. Acesso:

Jul. 2010. O Syllabus, documento anexado a Encíclica Quanta Cura (1864) com oitenta proposições, não trazia

afirmativas de posturas a serem seguidas, mas declarava uma posição firme da Igreja contra pensamentos

filosóficos e políticos que se baseavam no liberalismo. Essa postura buscava uma maior autonomia dos poderes

eclesiásticos, através do estreitamento dos laços de subordinação com Roma.

Page 68: Antonio da Conceição Nascimento

68

do Papa. Se, por um lado, isso assinalou “o apogeu no reconhecimento das prerrogativas do

Bispo de Roma”202

– o Papa – por outro, constituía uma ameaça para os políticos liberais,

uma ameaça à “razão moderna, anti-religiosa”203

, pois, Roma passou a ser vista como uma

nação que poderia influenciar politicamente o clero brasileiro e não somente um lócus de

autoridade religiosa.

Essa preocupação dos políticos liberais, que buscavam “garantir, acima de tudo, ao

Estado, o direito exclusivo de imposição legal”204

, tinha suas razões principalmente no fato de

que “a atuação da maioria dos padres era muito próxima da população”, o que fazia deles

“líderes populares em potencial”205

. Além disso, muitos padres assumiam cargos políticos em

suas freguesias. Em Maragogipe, por exemplo, em 1860, o padre Joaquim Francisco Manoel

da Purificação foi eleito vereador com expressivos 1360 votos206

. Como se dava a conciliação

das tarefas religiosa e política, e como os preceitos religiosos influenciavam as decisões

políticas locais não conseguimos mensurar. Porém, a função política trazia prejuízos para os

trabalhos eclesiásticos. O caso do padre Aniceto de Souza, nos permite um aprofundamento

dessa questão.

Atuante na política em Maragogipe, o padre Ignácio Aniceto de Souza foi provedor da

Irmandade da Santa Casa de Misericórdia e esteve diretamente ligado à sua criação e à

construção do cemitério da cidade, além de assumir a Presidência da Câmara de Maragogipe

até 1887, quando foi substituído pelo Coronel Antonio Felippe de Mello. Ao contrário do

consenso a que chegaram as testemunhas de seu processo de genere et moribus207

, da “grande

vocação que tinha Ignácio Aniceto em servir a Deus e ao estado sacerdotal”208

, tendo sua

formação antes da liderança de Dom Romualdo, sua vocação estava muito mais voltada para

as coisas da política que da religião. Essa dedicação política acabava gerando a insuficiência

do trabalho pastoral do clero e sobressaindo, dessa forma, o “Estado no controle episcopal”209

.

As relações políticas não se davam somente pelo fato de que os padres eram

considerados funcionários do Estado, mas eles estavam também envolvidos diretamente nos

202

SILVA, 2000, p. 118. 203

ROMANO, 1979, p. 102. 204

Ibidem, p. 106. 205

CARVALHO, José Murilo de. A Construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política

imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.183. 206

Documentos da Câmara de Maragogipe. Seção de arquivo colonial e provincial. APEB, maço 1348. 207

O genere et moribus era um processo eclesiástico para comprovação de pureza de sangue, exigida para

aceitação em certos cargos e honrarias. Quando se tratava de seminaristas, o processo era feito antes de sua

ordenação. 208

Processo de genere et moribus do padre Ignácio Aniceto de Souza. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga,

caixa 07, estante 01, 20GE17. 209

SILVA, 2000, p. 115.

Page 69: Antonio da Conceição Nascimento

69

rumos políticos em nível local, como observamos em Maragogipe. Para o clero ultramontano,

tornava-se cada vez mais difícil conservar a identidade da Igreja no Brasil frente a essa

submissão, e conviver num “sistema de dupla lealdade era fonte potencial e permanente de

conflitos” 210

. Tanto os representantes políticos quanto os eclesiásticos viviam num delicado

jogo de cintura, em que era necessário manter suas posições de autonomia e fidelidade ao

grupo a que pertenciam, mas, ao mesmo tempo, ceder às exigências de uma relação, que

precisava manter o status quo da ordem social existente desde a colônia.

2.1 A POLÍTICA REGALISTA E A REAÇÃO DA IGREJA NO BRASIL.

A mercê da política regalista, a Igreja Católica no Brasil foi reduzida a uma instituição

utilitária e subalterna211

. A política regalista baseava-se na submissão da Igreja ao Estado e

tinha suas raízes desde a organização de Portugal como nação absolutista, quando

os papas geralmente não mais passaram a nomear bispos portugueses e criar

suas prelazias, abrindo mão desse seu antigo direito em favor de seus reis, no

que se poderia chamar a consolidação, ali, do regalismo, que mais

consistente se tornaria precisamente no reinado de D. José I, no governo do

Marquês de Pombal, que foi quando o país ganhou o seu patriarca212

.

Além disso, em 1418, uma bula papal entregava à Ordem de Cristo, sob o grão-mestrado do

rei, a administração, inclusive espiritual, sob todas as áreas conquistadas na África e nas

chamadas Índias. Assim, ele era “autorizado a indicar os candidatos a todos os benefícios e

cargos do clero secular e regular e impor censuras e penalidades eclesiásticas e a exercer os

poderes de um ordinário nos limites de suas jurisdições”213

. Isso vai se estender para o Brasil

com a instituição do Padroado, quando o Monarca fundou o bispado da Bahia em 1550 e,

desde então, ele tornou-se “o chefe religioso efetivo da Igreja no Brasil, como delegado da

Santa Sé para a evangelização das novas terras”214

. Assim, ficava a cargo de Dom João VI a

escolha dos arcebispos, bispos e prelados. E isso era uma “regalia perpétua, e inseparável de

sua real coroa e soberania; assim como a confirmação deles haveria de ser um direito dos

papas, de acordo com os princípios da disciplina eclesiástica, que reconhecia neles o supremo

pastor da Igreja, o seu chefe visível militante”215

.

210

CARVALHO, 2003, p.182. 211

Ver AZEVEDO, 1978, p. 129. 212

GÉRSON, Brasil. O regalismo brasileiro. Rio de Janeiro. Brasília: Cátedra, INL, 1978, p. 37. 213

AZEVEDO, 1978, p. 26. 214

Ibidem, p. 27. 215

GÉRSON, 1978, p. 37.

Page 70: Antonio da Conceição Nascimento

70

A dependência e falta de autonomia instituída pelo padroado foi se tornando

insustentável, e já no século XIX, os eclesiásticos ultramontanos reagiram buscando “a

reanimação autêntica da vida religiosa, a partir da recuperação do clero”216

. Assim, sob o

comando de Dom Romualdo de Seixas, a Bahia vai se tornar um dos focos dessa renovação

em meados do século XIX. Seguindo essa proposta, Dom Antonio de Macedo Costa no Pará,

Dom Antonio Viçoso, em Mariana, e Dom Antonio Joaquim de Melo, em São Paulo, serão os

nomes fortes dessa busca de retirar a Igreja da condição de “simples braço do poder secular”

217. O forte incômodo que essa situação causava a muitos episcopais, pôde ser bem entendido

no documento lançado em março de 1890, que, ao se referir à relação que mantinham com o

Estado afirmam: “Era uma proteção que nos abafava”218

.

O acirramento de forças, entre o poder religioso e estatal, levou o Estado a proibir nos

conventos no Brasil, a recepção de clérigos que professaram em ordens religiosas no exterior.

A conseqüência dessa trajetória conflituosa foi a tentativa de reforma, que buscava estreitar

mais os laços da Igreja do Brasil com Roma, impedida pelo poder político chancelado pelo

Padroado. Essa atitude do Estado foi condenada mais tarde, pelo Syllabus, da forma seguinte:

“A autoridade civil pode impedir que os prelados e os fiéis comuniquem livremente entre si e

com o Pontífice Romano”219

. Assim, os bispos reformadores, através de cartas, abertura dos

seminários e da imprensa religiosa, se empenharam na condução do clero e dos fiéis para

novas atitudes e práticas, e uma vivência da fé ao modo católico proposto pelo Pontífice

romano.

A preocupação com os rumos da Igreja e a formação dos seus dirigentes já

incomodava Dom Romualdo desde 1830, quando começou a formular um projeto de

formação do clero na Bahia220

. Mas foi a partir de 1851 que houve uma mudança estrutural na

formação do clero. O projeto que começava a ganhar corpo, pretendia uma “instituição

fechada, estabelecida à margem do mundo, reduzindo ao mínimo a comunicação com ele,

erguendo muros ao contágio da corrupção que se [infiltrava] por toda a parte”221

Isso desembocou na “Questão Religiosa” ou “A questão dos Bispos”, em 1870. Dom

Macedo Costa e Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, foram condenados à prisão, em

razão de terem colocado em interdição irmandades de suas dioceses que se negavam a

expulsar os membros maçons. Este caso é uma relevante evidência de como Estado e Igreja

216

Ibidem, p. 141. 217

HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 118. 218

Apud HOLANDA, 2004, p. 119. 219

MONTFORT ASSOCIAÇÃO CULTURAL. Syllabus... 220

Ver SILVA, 2000, p. 150-151. 221

Ibidem, p. 173.

Page 71: Antonio da Conceição Nascimento

71

mantinham propósitos diferentes. O poder eclesiástico estava buscando de forma mais

enfática sua autonomia nas decisões que afetavam diretamente o âmbito religioso, certamente

confiando no Syllabus que, na proposição trigésima, condenava o seguinte: “A imunidade da

Igreja e das pessoas eclesiásticas nasce do direito civil”222

. No entanto o Estado apegava-se no

poder que tinha de “rescindir, de declarar e tornar nulos os convênios solenes, ou Concordatas

celebradas com a Sé Apostólica, relativos ao uso dos direitos pertencentes à imunidade

eclesiástica sem consentimento da mesma Sé Apostólica, e mesmo se ela reclamar”223

.

A interferência política do Estado sobre as coisas da religião podia ser sentida, não

somente a níveis macros, no que tangia ao episcopado brasileiro, mas também a níveis mais

locais. Em Maragogipe, no ano de 1874, uma querela entre os fiéis católicos e o pároco local

foi resolvida com a ajuda da câmara de vereadores:

Dando-se continuamente grandes contestações entre o pároco d‟esta

Freguesia José de Araújo Mato Grosso com seus paroquianos por motivos de

emolumentos que diz aquele pertencer-lhe, e os paroquianos impugnarem

entendendo excessos o que há trazido conflitos entre eles em detrimento da

ordem social e da Religião, e havendo remédio pronto a fazer desaparecer

tais ocorrências uma vez que seja observada a tabela feita em 30 de julho de

1853, pelo finado Metropolitano Marquês de S. Cruz cuja tabela já foi

mandada executar por o então Presidente d‟essa Província Conselheiro

Antonio Coelho de Sá e Albuquerque, por Portaria que fez expedir em data

de abril de 1863, vai esta Câmara em bem dos habitantes d‟esta mesma

Freguesia e para a paz entre eles e seu pároco solicitar de V. Exa. que tal

medida seja executada enquanto não for a [...] tabela revogada por outra

porque assim, ficarão guardados os direitos entre eles224

.

Mesmo que tenha sido feita por Dom Romualdo de Seixas, o Marquês de Santa Cruz,

a execução da tabela de preços de serviços prestados pelo pároco, foi permitida pelo

Presidente da Província, na época, o Conselheiro Antonio Coelho de Sá e Albuquerque. Os

excessos denunciados, geradores dos conflitos, sofreram a intervenção das autoridades locais.

Assim, a depender do assunto, o trabalho do vigário estava diretamente submetido mais à

política local, que poderia ingerir de forma direta, do que ao seu superior, o Arcebispo.

Percebe-se aí uma clara divisão de poderes, nesse caso, uma relação conciliatória entre

política e religião, o Arcebispado e a Presidência da Província, mas certamente conflituosa

entre o pároco e a Câmara de vereadores.

Isso nos mostra que os conflitos, da relação Igreja e Estado, estavam espalhados pelo

território brasileiro e, mesmo quando tinham localização exata, poderiam ter ressonâncias que

extrapolavam as fronteiras do lugar onde ocorriam. Bom exemplo disso foi a “Questão

222

MONTFORT ASSOCIAÇÃO CULTURAL .Syllabus... 223

Ibidem 224

Documentos da Câmara de Maragogipe. Seção de documentos coloniais e provinciais. APEB. Maço 1348.

Page 72: Antonio da Conceição Nascimento

72

Religiosa”. Mesmo tendo sido Recife e Pará os palcos desse acontecimento, que intensificou

um debate “filosófico-religioso”225

entre a Igreja e a maçonaria, através da imprensa católica e

da imprensa maçônica, o caso repercutiu na Bahia, onde a imprensa católica “disparou contra

as elites liberais brasileiras reunidas na maçonaria”226

. já na década de 1870, como afirmou

Costa e Silva, “o clero era uma voz, entre as várias de mensagens divergentes ou abertamente

contestatórias”227

.

No debate travado, os maçons apoiavam-se nas suas contribuições políticas,

principalmente por terem lutado pela Independência “nos seus areópagos, lojas, academia”,

enquanto Dom Vital e Dom Macedo Costa, apoiavam-se na “decretação da infabilidade

pontifícia pelo Concílio Vaticano I”228

. Era uma briga de duas tradições, a política e a

evangelizadora, uma luta entre “o Regalismo e a Ortodoxia”229

da Igreja. Os bispos por sua

vez, estavam cumprindo suas funções enquanto representantes do Pontífice romano e

seguidores das Encíclicas que condenavam a maçonaria. No entanto, para os políticos

regalistas, eles eram funcionários do Estado e não deveriam desobedecer à autoridade do

Imperador, que já havia pedido a suspensão das interdições. A ordem de Dom Pedro II era

fruto do poder que o Padroado exercia sobre a Igreja e que pode ser melhor compreendido na

condenação que fazia Pio IX:

A autoridade civil pode envolver-se nas coisas relativas à religião, aos

costumes e ao governo espiritual; donde se segue que tem competência sobre

as instruções que os pastores da Igreja publicam em harmonia com a sua

missão, para a direção das consciências. Ainda mais, tem poder para decretar

a respeito da administração dos divinos Sacramentos e das disposições

necessárias para os receber230

.

No entanto, acatar a ordem imperial seria dar vitória ao liberalismo maçônico em

detrimento do ultramontanismo católico. O momento era oportuno para as decisões tomadas

pelos bispos, pois agora podiam argumentar a partir de bases documentais da Igreja

provenientes diretamente de Roma.

O evento, que muito contribui para o dilaceramento das relações entre os eclesiásticos

e o poder político no Brasil, além das tensões internas, pode ser entendido também mediante a

225

PEREIRA, Nilo. Dom Vital e a questão religiosa no Brasil. Recife: Tempo brasileiro, 1986, p. 19. 226

Ver SANTOS, Israel Silva dos. Igreja católica na Bahia: a reestruturação do arcebispado primaz (1890-1930).

Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA. Salvador, 2006, p.

17. 227

SILVA, 2000, p. 221. 228

Op. Cit., p. 19. 229

Ibidem, p. 21. 230

MONTFORT ASSOCIAÇÃO CULTURAL .Syllabus...

Page 73: Antonio da Conceição Nascimento

73

substituição, feita pelo Vaticano, do placet pelo non placet231

. Se o imperador via-se no

direito de interferir nas questões religiosas, apegando-se ao direito que lhe havia sido

concedido, de vetar bulas papais, os bispos, em virtude da suspensão desse direito, apegavam-

se na infalibilidade do papa e não interferência do Estado nesses assuntos. A essa altura, o

foco do episcopado brasileiro já eram as condenações que Pio IX tinha lançado no Syllabus.

Entre as oitenta proposições, o pontífice condenava uma série de questões do racionalismo

moderno, consideradas erros para a Igreja Católica. Entre elas, a afirmação de que

A igreja não é uma sociedade verdadeira e perfeita, inteiramente livre, nem

goza de direitos próprios e constantes, dados a ela pelo seu divino Fundador,

mas pertence ao poder civil definir quais sejam os direitos da Igreja e os

limites dentro dos quais pode exercer os mesmos232

.

No tocante às relações com o Estado, algumas proposições golpeavam diretamente o

domínio político sobre a vida religiosa:

20º O poder eclesiástico não deve exercer a sua autoridade sem licença e

consentimento do governo civil.

[...]

25º Além do poder inerente ao Episcopado, é-lhe atribuído outro poder

temporal, concedido expressa ou tacitamente pelo império civil, que o

mesmo império civil pode revogar quando lhe aprouver.

[...]

36º A definição de um Concílio nacional não admite discussões

subsequentes, e o poder civil pôde exigir que as questões não progridam233

.

Em outras palavras, o que Pio IX propunha era a liberdade da Igreja, assim como do

seu clero, não precisando sujeitar-se ao poder civil, mas, unicamente ao Pontificado romano, a

quem cabia as decisões referentes às coisas sagradas, e à vida pastoral do episcopado, do clero

e dos fiéis, conforme nos aponta a condenação 41º:

Ao poder civil, mesmo exercido por um príncipe infiel, pertence um poder

indireto e negativo sobre as coisas sagradas; pertence-lhe não só o direito

que se chama "exequatur", mas ainda o da apelação que se chama "ab

ababusu"”234

.

Quanto ao Estado, não estaria entre as suas atribuições interferir nos rumos da vida religiosa,

tanto no que diz respeito ao corpo clerical, suas decisões e comunicação com Roma, quanto

no trabalho pastoral, que envolvia os cultos e atos sagrados ligados aos sacramentos.

A década de 70 do século XIX foi relevante nas posições que a Igreja passaria a tomar

a partir de então. Uma das medidas, no intuito de defender seus interesses e demarcar sua 231

O placet era uma espécie de direito no qual a Igreja Católica concedia aos reis de sua confiança, ou seja,

aqueles que lhe apoiavam a possibilidade de vetar bulas papais. 232

Op. Cit. 233

Ibidem. 234

MONTFORT ASSOCIAÇÃO CULTURAL .Syllabus...

Page 74: Antonio da Conceição Nascimento

74

influência no destino político do país, foi a criação do Partido Católico. Na Bahia “um dos

incentivadores da criação de um Partido Católico nesse período foi o padre Romualdo Maria

de Seixas Barroso”235

. Apesar da tentativa e dos esforços o partido não vingou. No entanto,

não podemos eleger os acontecimentos aí ocorridos como marco inicial do processo de

reformas no Brasil. Nem tampouco, cristalizar as atitudes e medidas do episcopado brasileiro

frente ao Estado daí em diante. Talvez, esse período tenha sido mais um estopim do que um

começo. O desejo de aproximação maior com a Cúria Romana foi fruto do processo de

restrição da autonomia que a Igreja sofria em razão de sua subordinação ao Estado pelo

Regime do Padroado e da política regalista. Essa busca de aproximação com os ideais da fé

romanizada se prolongou após a República, e foi posta em prática, de maneira diferente e em

tempo diferente, nas dioceses brasileiras, como já apontamos no início desse capítulo.

A atitude do Pontífice romano, que sustentou o posicionamento dos bispos brasileiros,

foi a forma encontrada para resolver, não somente o problema da submissão ao Estado, mas

também para cercear as manifestações religiosas que se desviavam dos preceitos católicos. O

Syllabus, além das questões políticas que subordinavam a Igreja, fazia condenações às

sociedades secretas, bíblicas e clérico-liberais, e defendia a moral e o matrimônio cristão.

Diante disso, podemos afirmar que havia duas preocupações, a busca da autonomia nos

assuntos religiosos e a manutenção de poder e controle, que a ligação com o Estado havia

garantido até então, principalmente no que dizia respeito à ocorrência de outras religiões.

Prova disso é que, entre os erros da sociedade civil, o quinquegésimo quinto item era: “A

Igreja deve estar separada do Estado e o Estado da Igreja”236

.

A união conflituosa entre o Estado Imperial e a Igreja perdurou no Brasil até 1890,

quando do advento da República, e enfim, da separação legal dos dois poderes. Foi justamente

nesse ano que o maragogipano Dom Macedo Costa, orientado pelo Concílio Vaticano I,

lançou o documento “Pontos de reforma na Igreja do Brasil”, em que propôs nove capítulos

com as medidas que seriam mais urgentes para direcionar a Igreja diante da nova situação

política:

1. As conferências episcopais: “[...] os bispos deveriam reunir-se

periodicamente para tomar as medidas a serem executadas [...]. 2. O

episcopado: “Devem reforçar sua autoridade e seu controle sobre as

autoridades do clero [...]”. 3. O clero: “Recomenda aos bispos que sejam

rigorosos na vigilância do clero, de modo a curar seus males; recomenda

também que os padres ampliem seu campo de atividades pastorais [...]. 4. Os

seminários: “que os seminários sejam destinados exclusivamente a

candidatos ao sacerdócio, [...] os melhores seminaristas devem ser enviados

235

SANTOS, 2006, p. 49. 236

MONTFORT ASSOCIAÇÃO CULTURAL .Syllabus...

Page 75: Antonio da Conceição Nascimento

75

a continuarem sua formação em Roma”. 5. As missões: “é preciso ascender a

fé e aumentar a prática das virtudes, por meio das missões populares”. 6. Os

colonos imigrantes: [...] é necessário ter um zelo especial por eles, contando

para isso com a colaboração de congregações religiosas européias”. 7. As

ordens religiosas: “dada a impossibilidade de restaurar as ordens religiosas

tradicionais por seus próprios meios, faz-se necessário trazer da Europa

membros dessas ordens para que tomem em mãos a direção dos conventos.

Além disso, convém trazer da Europa outras congregações religiosas,

masculinas e femininas, para fundar e dirigir escolas católicas”. 8. As

confrarias: “aproveitando a separação entre Igreja e Estado, é preciso

resolver de uma vez por todas a situação das irmandades e confrarias,

expurgando-as de elementos maçônicos”. 9. As dioceses: “é preciso

aumentar o número de dioceses proporcionalmente à dimensão do País. Já

que não há mais a interferência do estado, a Santa Sé poderá criar novas

dioceses, desde que tenham uma dotação suficiente”237

.

Para Dom Macedo Costa, era necessário que ocorressem periodicamente as

conferências episcopais no intuito de garantir a unidade do bispado e o reforço de sua

autoridade. Rigorosidade e ortodoxia deveriam ser as características do ensino nos seminários.

Essas preocupações tinham o intuito de sanar os abusos e desvios dos bons costumes

católicos, que prejudicavam a vida eclesiástica, a administração dos sacramentos e o zelo

pelos cultos e símbolos sagrados da fé. Nota-se que o episcopado foi o corpo que se pretendeu

organizar primeiramente, para que dele viessem as regras a serem seguidas. A relação

hierárquica proposta demonstra bem os critérios que iriam reger a vida católica desde então.

Uma vivência baseada, não mais nas práticas espontâneas dos leigos, mas a partir de critérios

romanizados. A reativação das ordens religiosas evidencia a busca da referência estrangeira,

mas também a negação dessa vivência, baseada em organizações formadas por leigos.

O bispo Macedo Costa entendia que os rumos da Igreja Católica não perpassavam

somente pelo clero, mas também pelo controle dos fiéis na prática e vivência da religião.

Assim, orientava o clero a

visitar as escolas e exercer influência sobre os professores; visitar os doentes

e os hospitais; [...] difundir a boa imprensa católica; organizar associações de

bons católicos para a manutenção do culto, e fundar e dirigir associações e

obras pias238

Em Maragogipe, algumas associações religiosas foram criadas, entre elas, o Apostolado da

Oração, as Filhas de Maria, a Legião de Maria e a Associação São Vicente de Paulo, todas

condizentes com as propostas da romanização, que a essa altura, começava a se consolidar.

237

OLIVEIRA, 1985, p. 280-282. 238

OLIVEIRA, 1985, p. 281.

Page 76: Antonio da Conceição Nascimento

76

Em todo o Brasil, os desvios de postura do clero ou a falta de comunicação com os

fiéis deu margem para a formação de uma religiosidade popular, alheia a Roma, e liderada por

beatos, beatas, rezadores e capelães carismáticos que gozavam de grande prestígio,

principalmente entre as massas rurais. Essas figuras constituíram ameaça para o poder da

Igreja, diante de um clero com problemas de disciplina religiosa como aponta o chefe do

episcopado brasileiro, esses lideres carismáticos, agindo fora do cotidiano católico formal,

eram “uma fonte de instabilidade e inovação”239

. O episcopado e o clero brasileiro não viam

com bons olhos essas práticas, por se tratarem de uma negação ao catolicismo romano. Diante

disso, tornava-se necessário reestruturar o aparelho religioso para torná-lo apto a exercer a

função social de hegemonia no novo contexto.

Não podemos esquecer que, essa ausência do clero junto ao povo e a forma como

conduziam as coisas da religião, não era uma realidade somente da segunda metade do século

XIX, mas uma característica de toda a trajetória da vida da Igreja no Brasil até o período das

reformas, em razão das vacâncias episcopais e das dificuldades dos episcopais em manter o

controle do clero, submetido ao poder político. Na província da Bahia, por exemplo, apesar da

regularidade de toda a estrutura e aparato organizacional religioso, segundo os moldes

trazidos da Metrópole, não havia um controle tão direto, realizado pelo poder eclesiástico, das

formas de crer dos fiéis, devido a circunstâncias próprias, principalmente no tocante às

distâncias e aos recursos para que o trabalho pastoral se realizasse de forma efetiva240

. Assim,

a “vivência da religião católica foi dessa forma pouco afetada pela estrutura eclesiástica”241

. O

clero recebia “subsídios notoriamente insuficientes”, sendo, muitas vezes, obrigados a

procurar outros empregos. Isso limitava, inclusive, o contato dos bispos com Roma, pois

devido à falta de recursos, “as visitas ad limina”242

não aconteciam.

O conjunto de orientações do bispo Macedo Costa foi observado nos anos seguintes, e

serviu de programa para as reformas da igreja, na virada do século. Em Maragogipe nas

primeiras décadas do período republicano, medidas bem mais veementes foram tomadas

principalmente com as irmandades leigas, o que certamente contribuiu para limitar as

atividades de muitas irmandades, mas não conseguiu controlar as manifestações populares,

pelo menos da Irmandade de São Bartolomeu.

239

O‟DEA, 1969, p. 37. Ao discutir sobre o carisma a partir de Weber o autor destaca a sua importância

estratégica na mudança social. A figura carismática, ao atrair seguidores e evocar respeito se “torna

voluntariamente respeitada, aceita e seguida”. 240

HOORNAERT, 1982, p. 13. O autor afirma que devido às distâncias e as dificuldades de viagem “poucos

bispos realizavam a visita pastoral, recomendada pelo Concílio de Trento”. 241

Ibidem,p. 13. 242

AZEVEDO, 1978, p. 86. O termo latim ad limina significa ao umbral ou morada, referindo-se às visitas que

os episcopais faziam a Roma para visitar os túmulos dos apóstolos.

Page 77: Antonio da Conceição Nascimento

77

2.2 A REATIVAÇÃO DA IRMANDADE DE SÃO BARTOLOMEU.

No documento “Pontos de reforma na Igreja do Brasil”, Dom Macedo Costa ressaltou

a necessidade de se resolver, de uma vez por todas, a situação das irmandades, principalmente

retirando delas os maçons, “aproveitando a separação entre Igreja e Estado”243

. Essa

separação ocasionada pela República, certamente facilitou o posicionamento da Igreja frente

às irmandades, já que elas não mais podiam recorrer ao protetorato do Estado. No entanto, ele

previne: “Entretanto, devido à sua influência em nossa sociedade, é preciso proceder com a

mais madura reflexão”244

. Muitas dessas confrarias eram formadas por pessoas da elite e que

tinham muita influência na sociedade. A advertência do chefe episcopal é bem condizente

com o posicionamento da Igreja na Primeira República, quando se empenhou em aproximar-

se da “elite política nacional à medida que a influência positivista dos militares se tornou

menor” 245

. A influência positivista no corpo militar do Brasil já podia ser verificada desde a

década de 1870. Como nos aponta Costa e Silva: “A oficialidade formada na Academia

Militar estava imbuída de que a ciência esgotaria o saber”246

.

Como já afirmamos, o motivo pelos quais Dom Macedo Costa pedira cautela no trato

com as irmandades era a influência que muitas delas tinham na sociedade. E parece ter sido

esta, a causa da reativação da Irmandade de São Bartolomeu, na qual concentramos nossos

esforços de análise. Podemos afirmar que sua influência estava relacionada a dois motivos

extremamente importantes: a condição social de seus membros e a sua ligação à festa

religiosa mais popular da cidade de Maragogipe, que era dedicada a São Bartolomeu.

Essa reativação aconteceu já em 1912, ano em que foi realizada uma reforma no seu

compromisso, que infelizmente não conseguimos encontrar e cuja Mesa Administrativa

formada é bem reveladora de seu perfil social. Acreditamos ter sido esse o momento em que

efetivamente, a Irmandade de São Bartolomeu voltou a realizar sua principal atividade, a

organização da festa de seu orago. Antes dessa data, logo após a Proclamação da República,

apesar de termos encontrado pouquíssimas informações sobre a festa de São Bartolomeu, não

encontramos informações que evidenciam a atuação da Irmandade, o que denota sua possível

inatividade nesse período.

243

OLIVEIRA, 1985, p. 280-282. 244

Ibidem, p. 280-282. 245

SANTOS, 2006, p. 57. 246

SILVA, 2000, p. 220.

Page 78: Antonio da Conceição Nascimento

78

Nas décadas seguintes, a Irmandade esteve na direção da festa de São Bartolomeu, e

novamente na década de 40, ela passou por outro momento de inatividade, por estar seu

compromisso defasado, segundo os critérios legais e religiosos, o que não permitia que

gozasse de regularidade jurídica. Sua reativação se deu em 1943, juntamente com as

irmandades de Nossa Senhora da Conceição e do Santíssimo Sacramento, como podemos ver

na carta do padre Florisvaldo José de Souza para o Arcebispo da Bahia:

Existem na paróquia de Maragogipe a Irmandade do Santíssimo Sacramento

fundada em 1806 com Compromisso dessa data, a Irmandade de São

Bartolomeu com Compromisso de 1912 e, na capela de Coqueiros, a

Irmandade de Nossa Senhora da Conceição com Compromisso de 1920 sem

aprovação da autoridade eclesiástica. Desejando as referidas irmandades

continuar o ritmo de suas vidas e atividades e para que juridicamente possam

funcionar nesta paróquia, venho pedir a Vossa Excelência Revma. se digne

determinar a reforma dos mencionados Compromissos e lhes conceder as

necessárias aprovações247

.

A justificativa dada pelo protagonista desse processo, o reverendo já citado, era que as

irmandades pudessem continuar “suas tradições, suas glórias, suas atividades, para a glória de

Deus e o bem e proveito das almas”248

. Como fica bem expresso na sua fala, mesmo depois de

todo o processo de romanização, essas irmandades ainda se faziam necessárias na Paróquia de

São Bartolomeu de Maragogipe porque exerciam atividades ligadas às “tradições” e “glórias”,

certamente das festas que organizavam, de grande repercussão na cidade e, no caso dos

festejos de São Bartolomeu, de ressonância além das fronteiras de Maragogipe.

Ao requerimento do padre responde o arcebispado que

as Irmandades de que trata o presente requerimento apresentem os projetos

dos respectivos seus Compromissos organizados conforme o Código do

Direito Canônico e sob a direção imediato do Revmo. Pároco para ulterior

estudo e juízo de aprovação da autoridade arquidiocesana249

.

De todas as irmandades que foram eretas em Maragogipe, desde o tempo de freguesia,

um reduzido número de três irmandades é enumerado, inicialmente, pelo padre Florisvaldo.

Ao que parece, elas foram se desarticulando ao longo do tempo e não estavam no foco dos

interesses do clérigo local. Não podemos afirmar, com certeza, que tenha sido o processo da

romanização que veio a fazê-las desaparecer. As organizações devotas de Santa Ana e de

Nossa Senhora do Amparo, por exemplo, no ano de 1863 já foram declaradas inativas.

247

Requerimento do Padre Florisvaldo José de Souza ao Arcebispo da Bahia para restauração de algumas

irmandades de Maragogipe. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 248

Carta do Padre Florisvaldo José de Souza informando a eleição da mesa diretora da irmandade do santíssimo

Sacramento. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 249

Carta do Arcebispo da Bahia ao Padre Florisvaldo José de Souza. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV –

Laboratório Eugênio da Veiga.

Page 79: Antonio da Conceição Nascimento

79

Além das três irmandades já citadas, o Padre Florisvaldo em carta enviada ao

Arcebispado em 1948 informa-nos o seguinte:

Já estão sendo elaborados os Compromissos da Irmandade do Santíssimo

Sacramento fazendo se o esboço da mais antiga irmandade – a das Almas

(1666) para a reforma dos estatutos e em breve iniciar-se- á a restauração da

Irmandade do Divino Espírito Santo. É muita coisa que requer tempo e

paciência250

.

As confrarias citadas estavam nesse momento “suspensas em virtude [de] irregularidade na

existência das mesmas”251

. Sem referência, às outras tantas irmandades, nas cartas e

requerimentos feitos pelo padre Florisvaldo, nem mesmo da efetiva volta ás atividades dos

irmãos das Santas Almas e do Divino Espírito Santo, só podemos afirmar que continuaram a

funcionar as confrarias de Nossa Senhora da Conceição, Santíssimo Sacramento e São

Bartolomeu. Da primeira, informa o próprio arcebispado que depois do favorável parecer do

Monsenhor e Procurador, achou-se por bem

aprovar o Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora da

Conceição, ereta na Igreja Matriz de Maragogipe, atualizado e

reformado de acordo com o direito canônico, o qual foi submetido ao

nosso juízo e está escrito em cinco folhas datilografadas, todas

rubricadas pelo secretario do arcebispado constando de oito capítulos

e quarenta e seis artigos conforme nos foi apresentados, após as

emendas propostas pelo Revmo. Provedor do Arcebispado.252

Conforme orientações, depois de acrescentadas as emendas no Compromisso

aprovado, foram enviadas para a Cúria Metropolitana uma cópia rubricada e outras impressas

para serrem arquivadas. Quanto à irmandade do Santíssimo Sacramento, logo no ano de

1943, é requerida a aprovação da nova mesa diretora que trabalharia na sua restauração. Foi

aproveitada a solene festa de Corpus Christi, de 24 de julho, como o dia em que os trabalhos

recomeçariam, para ser informando aos fiéis quem seriam os irmãos que conduziriam a partir

de então os louvores ao Corpo de Cristo (quadro 4).

IRMANDADE DO S. S. SACRAMENTO DA PARÓQUIA DE MARAGOGIPE

Para a reorganização da Irmandade e para o ano social de 1943 a 1944

Presidente Padre Florisvaldo José de Souza

250

Carta do Padre Florisvaldo José de Souza ao Arcebispo da Bahia. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV –

Laboratório Eugênio da Veiga. 251

Requerimento do Padre Florisvaldo José de Souza ao Arcebispo da Bahia para restauração de algumas

irmandades de Maragogipe. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 252

Carta do Arcebispado Primaz da Bahia informando a aprovação do Compromisso da Irmandade de Nossa da

Conceição. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga.

Page 80: Antonio da Conceição Nascimento

80

Juiz Snr. Sylvio Vieira de Melo

Tesoureiro Anfilófio Vieira de Melo

1º. Procurador José Hermes de Castro

2º. Procurador Tobias Gonçalves

MESÁRIOS

Snr. Cel. Oscar de Araújo Guerreiro

Dr. Abílio Alves Peixoto

Snr. Antonio Barboza de Souza

Snr. Raul Leonídio Guerreiro

Snr. Claudionor Fernandes

Snr. Corbiniano Rocha

Snr. Reinaldo de Moraes

Snr. Leonel Estellita Tourinho

Snr. Corintho Ferreira

Snr. Vitoriano Alves de Souza

Snr. Clodoaldo Malaquias

Snr. João Raimundo Fernandes

Quadro 4 – Mesa Administrativa eleita em sessão de 24 de junho de 1943, dia solene de “Corpus –

Christi”253

.

As Mesas da Irmandade de São Bartolomeu e da Irmandade de Nossa Senhora da

Conceição, foram respectivamente aprovadas em maio e outubro do mesmo ano (quadros 5 e

6). Algumas pessoas participaram de mais de uma irmandade. Isso demonstra que esses

irmãos pertenciam a um seleto grupo, escolhido pelo padre Florisvaldo José de Souza.

Certamente, formado por pessoas que atendiam às características ressaltadas no Compromisso

da Irmandade de São Bartolomeu (ver próximo tópico).

IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DA PARÓQUIA

DE MARAGOGIPE

Juiz Áureo Boaventura Guerreiro

Tesoureiro Raul Leonídio Guerreiro

Escrivão Salmanzar de Jesus

Procuradores João Melo e Albuquerque

Manoel Vespasiano dos Santos

Antonio Crisóstomo de Moraes

João Thomaz da Silva

MESÁRIOS

253

LEV- Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de documentos de Capelas e Paróquias.

Page 81: Antonio da Conceição Nascimento

81

Snr. Álvaro Pereira de Brito

Snr. Alexandre Ribeiro da Conceição

Snr. Claudionor Fernandes

Snr. Bartolomeu de Souza Santos

Snr. Aderbal Gusmão

Snr. Ignácio Bartholomeu da Silva

Snr. Manoel Gregório da Costa

Quadro 5 – Mesa administrativa eleita para o exercício de 1943 – 1945

254.

Entre doutores e coronéis, nomes de prestígio social em Maragogipe, como Oscar de

Araújo Guerreiro, político que chegou a ser prefeito de Maragogipe por mais de uma vez,

Anfilófio Vieira de Melo, que, além de alto funcionário público, era político influente do

Partido Social Democrático (PSD), Raul Leonídio Guerreiro, Corbiniano Rocha, que, além de

funcionário do escritório da Suerdieck, era político do PSD, entre outros que também

participavam da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição e da Irmandade de São

Bartolomeu. Sobre eles, daremos mais informações no desenrolar das discussões sobre a

forma como a Irmandade conduziu a festa de seu orago (capítulo 3).

IRMANDADE DE SÃO BARTOLOMEU DA PARÓQUIA DE

MARAGOGIPE

Juiz Cel. Oscar de Araújo Guerreiro

Tesoureiro Sr. Bartolomeu José dos Santos

Escrivão Sr. Abelardo Sacramento

Procuradores Sr. João Thomaz da Silva

Benigno dos Santos Rebouças

Apúlio Gonçalves Pimentel

Manoel Veríssimo dos Santos

Dr. Cláudio Rodrigues da Costa

MESÁRIOS

Snr. Sr. Áureo Boaventura Guerreiro

Snr. Anfílófio Vieira de Melo

Snr. Abdom Pinto

Snr. Bartolomeu de Souza Santos

Snr. Manoel Geminiano Barbosa

Snr. Péricles Figueiredo

Snr. Salmanazar de Jesus

254

LEV- Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de documentos de Capelas e Paróquias.

Page 82: Antonio da Conceição Nascimento

82

Quadro 6 – Mesa Administrativa eleita em sessão extraordinária de organização da Irmandade no dia

20 de maio de 1943255

.

Os indícios nos levam a acreditar que havia uma intenção do padre Florisvaldo na

restauração de algumas dessas confrarias, haja vista a forma como ele se posicionava nas

correspondências. No primeiro requerimento ao arcebispado em 1942, ele envia

antecipadamente os Compromissos das irmandades da Conceição e de São Bartolomeu

afirmando que isso “facilitará e abreviará a normalização das funções das ditas

irmandades”256

. “Atendendo a necessidade urgente da restauração da Irmandade do

Santíssimo Sacramento”257

, um ano depois, ele encaminha os nomes da Mesa Diretora que

cuidaria desse processo. Mais tarde, em 1945, ele mesmo assumiu a presidência dos trabalhos

de eleição da Mesa Administrativa da Irmandade da Conceição, como o fez também no

processo eleitoral da irmandade de São Bartolomeu. Como o próprio reverendo afirmou,

“[era] muita coisa que [requeria] tempo e paciência”258

. Talvez a vivência da fé, que seguia

uma dinâmica de atividades ligadas às irmandades, desde o período imperial, fosse forte o

suficiente para não se deixar substituir por outras organizações.

Algumas bibliografias apontam que as confrarias, durante a fase republicana, não mais

se fizeram necessárias, e que “esse tipo de associação passou a ser marginalizado pela Igreja

oficial que começou a valorizar um novo tipo de associação religiosa mais vinculada ao clero,

como o Apostolado da Oração as Congregações Marianas e as Filhas de Maria”259

. A

estratégia utilizada pelo clero ultramontano era de “não combater diretamente as devoções

tradicionais, limitando-se a não participar delas e a condenar os excessos cometidos durante

as festas de santos, com a dança, a bebida e o mau uso do dinheiro recolhido pelos

devotos”260

. O historiador João José Reis, levando em consideração a intensa atividade das

irmandades ligada à morte, afirma que, ainda na primeira metade do XIX, elas já vinham se

declinando. Segundo ele, a separação entre os fiéis e seus mortos, quando estes foram

255

LEV- Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de documentos de Capelas e Paróquias. 256

Requerimento do Padre Florisvaldo José de Souza ao Arcebispo da Bahia para restauração de algumas

irmandades de Maragogipe. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 257

Carta do Padre Florisvaldo José de Souza informando a eleição da mesa diretora da irmandade do santíssimo

Sacramento. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 258

Carta do Padre Florisvaldo José de Souza informando as alterações feitas no Compromisso da irmandade da

Conceição. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 259

AZZI, 1992, p. 234. 260

OLIVEIRA, 1985, p. 285.

Page 83: Antonio da Conceição Nascimento

83

colocados nos cemitérios, feriu “mortalmente o poder das irmandades”261

. Já Kátia Matoso

afirma ser a década de 1870 o início da decadência das confrarias religiosas262

.

Partamos do exemplo da Irmandade de São Bartolomeu para fazer algumas ressalvas

aos pensamentos que citamos. Mesmo sem poder enterrar seus irmãos nos templos, as

irmandades não deixaram de prestar assistências na hora da morte e sufrágios como também

as missas continuaram a acontecer. Além disso, uma das principais atividades das irmandades,

e no caso da confraria dedicada a São Bartolomeu, o principal objetivo era o culto ao seu

orago. Foi esse também o motivo da sua reativação, acreditamos, em 1912, e afirmamos com

certeza, em 1943.

Festas que, ainda hoje compõem o bojo das tradições religiosas da então paróquia de

Maragogipe, como o 24 de agosto, dia de São Bartolomeu, o dia 08 de dezembro dedicado a

Nossa Senhora da Conceição, mais o dia de Corpus Christi263

, são as celebrações religiosas

mais populares. Essas devoções começaram ou tomaram proporções maiores graças às suas

irmandades.

O comum seria que, estando essas irmandades inativas, pelas propostas da

Romanização, seriam substituídas pelas associações apostólicas como o Apostolado da

Oração, que mantinha a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, As filhas de Maria e a Legião

de Maria, ou mesmo pelas devoções difundidas por congregações religiosas em santos, como

Nossa Senhora do perpétuo Socorro e Santo Afonso de Liguori, ligados aos redentoristas,

Nossa Senhora Auxiliadora e São João Bosco, ligados aos salesianos, São Luis Gonzaga, aos

jesuítas. Era essa a estratégia do processo romanizador da Igreja. Na Bahia, as Cartas

Pastorais eram bem claras quando tratavam desse assunto, diferenciando-se as Obras Pias das

Confrarias, apresentavam também os critérios para suas criações em que, se nota a facilidade

concedida às primeiras:

As confrarias só podem ser constituídas por meio de um decreto formal de

ereção. Para as Pias Uniões serem estabelecidas, basta a aprovação do

Ordinário, a qual uma vez obtida, as pias uniões, ainda que não sejam

pessoas morais, são, são capazes de obter graças espirituais e especialmente

indulgências264

.

Maragogipe não era uma comunidade rural, onde o processo da substituição das

irmandades pelas associações religiosas pudesse encontrar a dificuldade da não “presença

261

REIS, 1991, p. 318. 262

MATTOSO, 1992, p. 400-401. 263

A celebração de Corpus Christi não se realiza em uma data fixa. Ela sempre acontece na primeira quinta-feira

60 dias depois da Páscoa. 264

Carta Pastoral Coletiva do Episcopado das Províncias Eclesiásticas Setentrionais do Brasil, 1919, p. 83. LEV

– Laboratório Eugênio da Veiga.

Page 84: Antonio da Conceição Nascimento

84

constante do vigário”, que era “um agente permanente da romanização”265

no trabalho de

cercear as irmandades, nem estava isolada do contato com sua Arquidiocese. E mesmo com a

implantação de algumas dessas associações, como o Apostolado da Oração, As filhas de

Maria e a Associação Vicentina, não se deu uma substituição de todas as irmandades por elas.

Assim, as irmandades ainda se fizeram necessárias para manter a tradição de cultos de

grande ressonância entre os fiéis. Talvez, esteja aí, uma explicação para entendermos as

motivações do Padre Florisvaldo na restauração dessas confrarias e um dos critérios que ele

usou para eleger quais delas restaurar, sem deixar de lado, claro, que os membros das três

irmandades, que mencionamos, eram pessoas da elite de Maragogipe ou de certo prestígio

social.

Fica bem evidente, nas correspondências do padre Florisvaldo, sua preocupação com a

suspensão das confrarias, por não estarem dentro da regularidade e ao pedir a aprovação da

irmandade do Sacramento em 1943, empenha-se em abreviar o processo para que a confraria

“continue suas tradições, suas glórias, suas atividades, para a glória de Deus e o bem e

proveito das almas”266

. O mesmo faz com a Irmandade de São Bartolomeu, só que dessa vez,

de forma mais explícita.

Peço-lhe encaminhá-los ao Excelentíssimo Prelado como, para os caminhos

legais até a aprovação de tudo, solicitando ainda se possível o seu cuidado de

pedir urgência nos despachos (exceção ao sr, Arcebispo, por quem temos de

esperar humildes e pacientemente), pois desejaria dar posse aos mesários e

fazer funcionar a Irmandade no domingo do Espírito Santo. Se por acaso, a

revisão do Compromisso demorar, pelo menos que viesse a aprovação da

mesa pois deve a mesma cuidar logo da festa do padroeiro.267

Mesmo pedindo pressa no despacho do processo de aprovação do Compromisso já

reformado, foi enfatizada a aprovação da mesa, pois ela se fazia necessária nos preparativos

da festa do padroeiro. A resposta é favorável, e, em 18 de junho do mesmo ano, responde o

secretário do Arcebispado, que tinha “a grata satisfação de transmitir a [...] aprovação de S.

Exma. Revma. o Sr. Arcebispo Primaz à “Mesa administrativa da Irmandade de São

Bartolomeu” dessa Paróquia[...]”268

.

265

OLIVEIRA, 1985, p. 288. 266

Carta do Padre Florisvaldo José de Souza informando a eleição da mesa diretora da irmandade do santíssimo

Sacramento. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 267

Carta do padre Florisvaldo José de Souza ao Padre Eliseu Simões Mendes, Secretário do Arcebispado

pedindo urgência na aprovação do compromisso e da mesa administrativa da irmandade de São Bartolomeu. .

Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 268

Carta do Secretário do Arcebispado da Bahia o Padre Eliseu Simões Mendes ao padre Florisvaldo José de

Souza, transmitindo a aprovação da mesma administrativa da Irmandade de São Bartolomeu. Caixa de Capelas e

Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga.

Page 85: Antonio da Conceição Nascimento

85

Precisamos ressaltar que o retorno dessas confrarias às atividades, desde o início do

século XX, em Maragogipe, se deu já sob um controle maior do crivo dos eclesiásticos. Em

muitos lugares, onde as irmandades foram integradas ao novo contexto, elas perderam o

caráter de confraria e se tornaram associações paroquiais269

. Com isso, perderam a autonomia

que tinham e não mais eram chefiadas por leigos, mas pelo próprio vigário. No cenário

religioso de Maragogipe, elas se mantiveram enquanto associações leigas, porém, sob

vigilância eclesiástica. A Mesa Administrativa de 1912, por exemplo, contou com a

participação do padre Gustavo A. Marinho das Neves no cargo de Juiz, e do padre Adolpho

José da Costa Cerqueira como Consultor (quadro 6).

Gustavo Adolpho Marinho das Neves era natural da freguesia de Iguape, quando foi

dado início o seu processo de genere, o já então seminarista residia na freguesia de Sant‟Anna

d‟Aldeia. Seus pais Alvino das Neves Marinho e D. Hermenegilda de Azevedo Neves, seus

avós paternos de Joaquim das Neves Nascimento e D. Maria Luiza Marinho, e avó materna

Maria Virgínia do Nascimento, todos católicos e praticantes, atestavam a fidelidade do

seminarista à Igreja.

No intuito de receber ordens, menores e sacras, para tornar-se presbítero, pelo

processo de genere, Gustavo Adolpho Marinho das Neves foi habilitado em 1879270

. O

depoimento do vigário da freguesia de Sant‟Anna d‟Aldeia Umbelino José de Azevedo deve

ter contribuído para sua habilitação:

E quando assim, como pároco desta freguesia onde é ele morador tenho a

informar a V. Rvma. Que o seminarista é de certo de boa vida e costumes,

sempre aplicado desde menino aos serviços de Deus e exerceu o cargo de

sacristão por mais de doze anos na Freguesia de São Tiago do Iguape sendo

eu vigário da mesma Freguesia, onde o conheci e a seus pais Alvino das

Neves Marinho e sua mulher D. Hermenegilda de Azevedo Neves, pessoas

de boa qualidade, bem conceituadas em vida e costumes, descendendo de

boa família da que tenho perfeito conhecimento271

.

Adolpho José da Costa Cerqueira, natural da freguesia de Maragogipe, assim como

seus pais Doutor José Antonio da Costa Cerqueira e Dona Maria Ângela Cerqueira, foi

habilitado pelo processo de genere em 1877. Assim como Gustavo Adolpho Marinho das

Neves, também recebeu formação eclesiástica depois das iniciativas de Dom Romualdo.

Assim, podemos considerá-los da nova geração de padres mais especializados provenientes

269

Ver OLIVEIRA, 1985, p. 287-291. O autor traz como exemplo a pesquisa de O. Nogueira intitulada Família

e comunidade, em que essa idéia é discutida a partir da irmandade do Santíssimo Sacramento que perde seu

caráter de confraria e tem todo seu compromisso alterado para tornar-se uma associação paroquial. 270

Processo de genere de Adolpho José da Costa Cerqueira. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga, caixa 14,

estante 01, 50PA04. 271

Processo de genere de Gustavo Adolpho Marinho das Neves. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga, caixa 06,

estante 01, 19GE16.

Page 86: Antonio da Conceição Nascimento

86

do seminário, e que tornaram “a Igreja mais clericalizada pela hegemonia de seu corpo

sacerdotal”272

. Certamente cumpriram esse papel religioso em suas atuações na Irmandade de

São Bartolomeu.

IRMANDADE DE SÃO BARTOLOMEU DE MARAGOGIPE

Cargo Nome Posição Social

Juiz Rvmo. Gustavo A. Marinho das Neves Cônego/Eclesiástico

Juíza Exma. Sr. D. Adélia Amado de Souza

Tesoureiro Snr. Victoriano Alves de Souza Capitão

Escrivão Snr. Januario Soriano de Jesus

Procuradores Snr. Antonio Pereira de Brito

Tº. Cornélio Florentino de Souza

Consultores Rvmo. Adolpho José da Costa Cerqueira Cônego/Eclesiástico

Crescenciano de Melo e Albuquerque Major

Affonso de Santana Rebouças Capitão

Arthur de Souza Bittencourt Capitão

Crescenciano Alves de Souza Capitão

Manoel Pereira Rebouças Capitão

Porphirio José de Queiroz Tenente

Manoel Amâncio Malaquias Tenente

Comissão Auxiliar Alfredo Cândido da Costa Capitão

Manoel Pereira de Souza Capitão

Affonso de Santana Rebouças Capitão

Arthur de Souza Bittencourt Capitão

Secondino da Costa e Almeida Tenente

Porphirio José de Queiroz Tenente

Leonardo Alves Bandeira Tenente

José Pereira de Brito Tenente

Quadro 7 – Mesa Administrativa da Irmandade de São Bartolomeu de 1912-1913.

Afirma Miceli que

as duas primeiras décadas do regime republicano constituiu um momento

particularmente crítico para a Igreja Católica brasileira. Tendo que enfrentar

movimentos sociais da magnitude de Juazeiro, Canudos e Contestado, e

encontrar soluções viáveis para manutenção e expansão de suas instituições,

os dirigentes eclesiásticos viram seus esforços condicionados, quer pela

necessidade de negociar fórmulas de acomodação com as elites oligárquicas,

quer pelas diretrizes impostas pela política pontifícia de “romanização” nas

regiões periféricas273

.

272

SILVA, 2000, p. 157. 273

MICELI, Sergio. A elite eclesiástica brasileira: 1890-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 135.

Page 87: Antonio da Conceição Nascimento

87

Foi dessa geração que fizeram parte os reverendos, membros da Mesa Administrativa

de 1912, e que talvez seja a de formação mais peculiar dentre as que encontramos. Dos seus

22 membros 17 eram militares de patentes como capitão, tenente e major. A presença de

tantos militares numa confraria religiosa, que tinha por finalidade conduzir um culto a um

santo católico é intrigante, haja vista a ligação dos militares com o positivismo desde o

período imperial, quando “os positivistas brasileiros encontrarão, de seu lado, no exército, um

poder já ativo, visando a uma política global para o País”274

. Uma política que previa a

“necessidade de suprimir a religião transcendente da vida pública, reiterando as premissas da

soberania laica”275

, como se concretizou na Proclamação da República.

Mas, a Mesa Administrativa formada em 1912, estava relacionada com os

posicionamentos que a Igreja foi tomando no desenrolar da República, como forma de se

adequar ao novo regime político. Tratando sobre isso, Lustosa define dois momentos de

reações diferentes da Igreja276

. O primeiro, iniciado em 1889, e que se estende até 1910, seria

o momento da desconfiança perante o Estado laico e da insegurança da Igreja e “que serviu de

ponto de partida e de base pra o comportamento de poder civil em face às questões

religiosas”277

. O segundo momento é definido como, a lenta busca da reconciliação e

estendeu-se de 1910 a 1930. Mesmo que, antes desse ano a Igreja já estivesse “entrando no

esquema do status quo governamental”278

, foi em 1910, com a Pastoral Coletiva, carta

resultante da Conferência Episcopal dos Prelados do Sul do Brasil, que fica evidente a

discreta posição de apóio governamental por parte da Igreja, que ressaltou a necessidade de

“orientar bem os votos dos católicos, e a colaboração espiritual através da oração por todos os

que detêm parcelas de poder no país”279

.

Encontramos aí as razões para a composição da Mesa Administrativa em questão, ou

seja, o processo da reconciliação da Igreja com o poder político da República que foi se

consolidando ao longo da primeira metade do século XX, fazendo com que a “linguagem dos

católicos ultramontanos e dos bispos, outrora tão rude e agressiva, contra o Estado laico e

ateu, [mudasse] agora de registro e de tom, achando que a situação de fato, criada com a

separação de 1890, foi uma bênção”280

.

274

ROMANO, 1979, p. 119. 275

Ibidem, p. 120. 276

Ver o Capítulo I de LUSTOSA, Oscar F. A Igreja Católica no Brasil República. Cem anos de Compromisso

(1889-1989). São Paulo: Edições Paulinas, 1991. 277

Ibidem, p. 17. 278

LUSTOSA, 1991, p. 27. 279

Ibidem, p. 33. 280

Ibidem, p. 33-34.

Page 88: Antonio da Conceição Nascimento

88

Eclesiásticos e militares, juntos na preparação e direção da Festa de São Bartolomeu,

eis uma sinal da ressonância da aliança entre a Igreja e os poderes instituídos a nível local.

No entanto, uma aliança que esteve sob a vigilância dos vigários Gustavo A. Marinho das

Neves, chefiando o primeiro escalão dos mesários composto pelo tesoureiro, escrivão e

procuradores, e Adolpho S. da Costa Cerqueira, encabeçando a lista dos consultores, mesários

que assumiam funções menos relevantes. A Vigilância do clero romanizado não deixou de ser

feita quando a aliança da Igreja com o Estado se fez necessária. Acreditamos que essa Mesa

Administrativa tenha sido feita excepcionalmente pelos motivos que já citamos, mas também

para conduzir a Irmandade após a Reforma, assegurando-lhe certo respaldo social, haja vista

que em nenhum outro momento, ao longo da existência da Irmandade, termos encontrado

tantos militares e dois vigários compondo a Mesa Administrativa.

A atitude do padre Florisvaldo, em 1943, de reativar as irmandades, deu

prosseguimento ao processo da romanização. No periódico o Luzeiro, do qual era diretor e

redator, e que em 1947, já contava com dez anos de circulação, o referido vigário escreveu

uma nota sobre a festa de São Bartolomeu da maneira seguinte:

Depois do Pregão e do Bando Anunciador, está em preparativos febris toda a

cidade para festa solene do PADROEIRO SÃO BARTOLOMEU este ano

com a singularidade ou a solenidade de um Pontifical pelo exmo. e revmo.

Sr. D. Florêncio Sinízio Vieira. 1º bispo de Amargosa e que em 1929

paroquiou esta freguesia quando vigário de São Felipe.

Pelo programa amplamente espalhado pela cidade prevê-se uma imponente

festa que animará ainda mais a devoção ao Padroeiro queridíssimo e tudo,

por certo, a afervorar a piedade sólida que merece tal devoção, de vez que o

Padroeiro foi apóstolo e Mártir de um terrível Martírio para confessar a sua

fé, o seu amor ao Divino Mestre.

Que Maragogipe celebre as glórias do padroeiro, mas com os atos internos e

externos que indiquem ou confirmam verdadeira devoção.

E São Bartolomeu proteja, anime a faça feliz a todos281

O texto do padre Florisvaldo é bem voltado para a programação religiosa da festa e

mesmo quando se refere às atividades “externas”, de forma implícita, ele alerta para que os

fiéis se comportem de maneira a demonstrar “verdadeira devoção”. O vigário não deixa de

frisar o real motivo da festa, o apóstolo São Bartolomeu, e o que essa comemoração deveria

despertar nos fiéis, ânimo na devoção e afervoramento da piedade cristã inspirada no martírio

e sofrimento do apóstolo. Ao lado da notícia da festa do padroeiro, ele colocou a

programação do “Jubileu de Ouro da Pia União das Filhas de Maria”. O texto enfatiza bem as

solenidades religiosas e os padres que iriam presidir cada momento:

281

Luzeiro, ano X, nº. 162 de 10/08/1947.

Page 89: Antonio da Conceição Nascimento

89

Maragogipe prepara-se para assistir as grandes solenidades do Jubileu de

Ouro da fundação da Pia União das Filhas de Maria.

Os atos solenes começarão no dia 06 com o novenário de preparação,

havendo no dia 15, missas de Primeira Comunhão e comunhão geral,

recepção de 35 senhorinhas e meninas na Pia União, sermão do Padre

Francisco Dórea, efetivação da Ação católica pelo exmo. e revmo. Sr.

Vigário Geral da A. C., Monsenhor dr. Antonio Mendonça Monteiro, e Te-

Deum.

No dia 16 – Recepção do exmo. e revmo. Sr. Arcebispo Primaz, de

sacerdotes ilustres e representações de Filhas de Maria da Capital.

Dia 17 – Missa de Comunhão, às 7 horas pelo exmo. sr. Arcebispo, missa

solene às 10 horas com assistência Pontifical e sermão do Monsenhor dr.

Mendonça Monteiro. Procissão Soleníssima, e Consagração da Paróquia ao

Imaculado Coração de Maria, no encerramento pomposo das solenidades

pelo insigne Arcebispo Primaz282

.

A estratégia do padre Florisvaldo, colocando as notícias, uma ao lado da outra,

fazendo advertências sucintas para a festa de São Bartolomeu e enfatizando a programação

puramente religiosa da Pia União das Filhas de Maria, nos remete a Oliveira, quando afirma

que “veiculando representações religiosas, o aparelho religioso age sobre a consciência, a

vontade, os sentimentos de indivíduos e grupos de modo a guiar seus comportamentos”283

.

Ou pelo menos tentar, haja vista que, a festa de São Bartolomeu continuou a crescer

principalmente nas suas manifestações populares externas ao programa religioso.

Isso indica que a reativação das confrarias foi cerceada pelo controle do clérigo local.

As cartas referentes às suas restaurações e reforma de Compromissos eram respondidas pelo

Arcebispado sempre frisando a recomendação de que “apresent[assem] os projetos dos

respectivos seus Compromissos organizados conforme o Código do Direito Canônico e sob a

direção imediata do Revmo. Pároco”284

. No entanto, os leigos ainda mantiveram certa

autonomia na condução de atividades como a organização da festa do padroeiro, e mesmo

com o alerta do padre Florisvaldo, como vimos acima, os irmãos de São Bartolomeu se

dedicavam e despendiam quantias, também, em eventos de diversão fora da Igreja. Isso

demonstra uma preocupação do clero voltada mais para a composição da Irmandade e o

comportamento de seus membros, do que para a programação da festa. Pela análise do

Compromisso da Irmandade reformado, em 1943, perceberemos melhor isso, bem como as

interferências diretas que o controle eclesiástico trouxe para essa confraria.

2.3 AS REGRAS DA ROMANIZAÇÃO E A IRMANDADE.

282

Ibidem. 283

OLIVEIRA, 1985, p. 296. 284

Requerimento do Padre Florisvaldo José de Souza ao Arcebispo da Bahia para restauração de algumas

irmandades de Maragogipe. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga.

Page 90: Antonio da Conceição Nascimento

90

Como já vimos, a restauração de algumas irmandades se deu em razão de sua ligação

com as festas mais populares do receituário da fé dos católicos, e também, por serem seus

membros da elite da cidade, grupo com o qual a Igreja procurou se afinar depois da

República, chegando ao ponto de, nos cultos, reservar para pessoas ilustres, “segundo sua

dignidade e grau [...] um lugar distinto, segundo as regras litúrgicas”285

. Assim, sua estratégia

foi conduzir as irmandades a outra dinâmica, em que se aproximaram muito das associações

religiosas trazidas pela romanização, pelo menos no caráter estatutário.

Se “um aparelho hegemônico funciona na medida em que veicula representações, isto

é, na medida em que as idéias e práticas simbólicas que ele produz ou sistematiza são

transmitidas e incorporadas à consciência e à prática dos atores sociais”286

, então, podemos

caracterizar dessa forma a Igreja, na medida em que veiculou a devoção aos santos. Mas, ao

passarem para os domínios dos irmãos leigos através das irmandades, nessas devoções foram

impressas suas marcas. Assim, no desenrolar do período colonial e imperial, os irmãos que

compunham as mesas administrativas das irmandades foram os agentes que assumiram o

controle das práticas devocionais. Com o processo da romanização, o aparelho burocrático da

Igreja buscou de forma contundente controlar essas devoções no intuito de retirar essas

marcas das irmandades, e fez isso cerceando sua autonomia e tentando conduzi-las a uma

nova vivência segundo os preceitos do clero renovado e afinado com Roma. Assim, a Igreja

buscava retomar sua a função de “regularidade”287

na vivência devocional.

A Irmandade de São Bartolomeu passou por esse processo de interferências, que a

relegou, em termos organizacionais, aos mandos dos vigários. Como informa o padre

Florisvaldo, o seu Compromisso já havia passado por uma reforma em 1912, e acreditamos

que tenha regido a Irmandade até 1918, quando entrou em vigor o novo Código de Direito

Canônico. Segundo a Carta Pastoral de 1918, escrita por Dom Jerônymo Tomé da Silva,

Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil,

O Código de Direito Canônico, já reclamado no Concílio Vaticano, por

muitos Bispos, e começado há doze anos, depois de ouvidos os pareceres do

Episcopado, que sugeriu úteis modificações, tanto no fundo quanto na forma,

ao Schema que lhe foi apresentado, teve, enfim, sua promulgação no dia 27

de maio de 1917, festa de Pentencostes, pela citada Constituição Apostólica

Providentíssima Mater Ecclesia, estabelecendo o santo padre que ele só

285

Carta Pastoral Coletiva do Episcopado das Províncias Eclesiásticas Setentrionais do Brasil, 1919, p. 67. LEV

– Laboratório Eugênio da Veiga. 286

OLIVEIRA, 1985, p. 296. 287

RICOEUR, 2007, p. 132. Ao discutir “os principais usos da idéia de instituição”, o autor mostra como eles

podem ser amplos, mas, destaca principalmente a sua função de regular a vida social.

Page 91: Antonio da Conceição Nascimento

91

começasse a vigorar no dia de Pentencostes de 1918, isto é a 19 de maio do

corrente ano288

.

Mas, as alterações necessárias para que o Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu se

adequasse ao novo Código de Direito Canônico só foram feitas em 1943, pelo padre

Florisvaldo, resultando no documento impresso em 1947 que vamos analisar comparando-o

com o primeiro elaborado em 1851.

Aprovado em 20 de agosto de 1943, por Dom Augusto Álvaro da Silva (Arcebispo de

Salvador entre 1924-1968), o Compromisso enviado pelo Padre Florisvaldo, em 23 de maio

do mesmo ano, já contava com as adequações exigidas pelo arcebispado, feitas pelo próprio

reverendo. Datilografado em 17 folhas, com oito capítulos e 46 artigos, ele foi submetido a

juízo para verificar se tudo estava de acordo com o Código do Direito Canônico e com o

Concílio Plenário Brasileiro289

, para os efeitos civis segundo o Decreto 18.542 de 24 de

dezembro de 1928290

, e registrado na folha 38 do livro de numero sete de Registros de

Portarias do Arcebispado.

Em relação ao primeiro, elaborado em 1851, a estrutura do Compromisso foi alterada,

alguns capítulos a menos, mas, um texto muito maior e mais detalhado, principalmente no

tocante às funções dos oficiais da mesa, os limites de sua atuação e sua submissão à hierarquia

eclesiástica. O motivo principal da existência da irmandade não foi alterado, o “esplendor do

culto ao santo apóstolo São Bartolomeu” continuou sendo o que parecia ser também o

objetivo de sua restauração.

Os irmãos, além de “propagar e tornar estimada a devoção ao seu Santo Patrono”,

precisavam dar o “bom exemplo de uma vida verdadeiramente cristã e pelo espírito de

submissão à Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana, nas pessoas dos seus Superiores

Hierárquicos” 291

. O capítulo III é bem revelador do controle pretendido pela Igreja, na

qualidade dos fiéis católicos. Vejamos o artigo 6 do terceiro capítulo do Compromisso de

1943:

a) - Que seja Católico, Apostólico e Romano. b) - Que como Tal assista a Santa Missa aos domingos e dias santificados.

c) - Que comungue ao menos, pela Páscoa.

d) - Que admita humildemente todo o ensino da Santa Madre Igreja.

e) - Que não pertença a seita ou sociedade alguma condenada pela Igreja.

288

Carta Pastoral de Dom Jerônymo Tomé da Silva, Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil, 1918, p. 02. LEV –

Laboratório Eugênio da Veiga. 289

O Primeiro Concílio Plenário ocorreu em setembro de 1939 e reuniu todo o Episcopado Nacional. 290

O Decreto Federal de 24 de dezembro de 1928 tratava da execução dos serviços concernentes aos registros

públicos estabelecidos pelo Código Civil. 291

Art. 2.º. Capítulo I. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943.

Page 92: Antonio da Conceição Nascimento

92

f) - Que não seja, em vês de casado religiosamente, ligado só

civilmente292

.

Não gozando mais da estabilidade de uma organização oficial do Estado, a Igreja precisava

criar “novas bases sociais de sustentação”293

. Reformar apenas o aparelho eclesiástico não lhe

garantiria sobrevivência no novo contexto social e político. As exigências para ser confrade

da Irmandade constitu´ram, na verdade, uma “estratégia”294

que deveria garantir a assiduidade

dos fiéis, e guiá-los à vivência de uma fé que não estivesse ligada a nenhum elemento

contrário aos preceitos católicos romanizados.

Essas exigências haviam sido previstas na Carta Pastoral Coletiva desde 1915, quando

foram estabelecidas as instruções para a reforma nos compromissos das irmandades e

confrarias. Assim rezava o documento episcopal: “além de ser católico, é necessário que seja

pessoa de bons costumes, que admita tudo o que a Santa Madre Igreja ensina, que não

pertença a sociedade alguma condenada pela Igreja, e que não seja, em vez de casado, ligado

somente pelo contrato civil”295

.

O último item, relacionado à união conjugal necessária para a entrada na irmandade,

que nos apresenta as duas citações, é colocado em destaque no Compromisso de 1943. Assim

como os outros ele traz uma das preocupações e objetivos da Igreja romanizada, “a

espiritualidade centrada na prática dos sacramentos e o senso da hierarquia eclesiástica” 296

.

Desde a sua separação oficial do Estado, com a Proclamação da República, a Igreja já se

posicionava veementemente contra a união civil.

Não podia ser mais eloqüente e expressiva a manifestação de repulsa que

vota o povo ao tal casamento civil, que, apesar de ser exigida pela

civilização, como pretendem alguns defensores das instituições de data

recente, não teve ainda direito de cidade na grande República dos Estados

Unidos, onde os casamentos são deixados à religião, a cuja alçada pertencem

de direito nacional297

.

292

Grifo no original. 293

OLIVEIRA, 1985, p. 283 294

CERTEAU, Michael De. A invenção do cotidiano: artes do fazer. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1990, p. 99.

Certeau chama de estratégia “o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir

do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição

científica) pode ser isolado. A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser

a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças [...]”. a Irmandade de São

Bartolomeu é então o lugar circunscrito para coibir a ameaça de indivíduos e práticas que pudessem desvirtuar a

ordem pretendida pela romanização. 295

Carta Pastoral Coletiva do Episcopado das Províncias Eclesiásticas Setentrionais do Brasil, 1915, p. 49. LEV

– Laboratório Eugênio da Veiga. 296

OLIVEIRA, 1985, p. 283-284. 297

“Leituras Religiosas da Bahia” (04/1889 a 08/1906); Leituras Religiosas, 1 de junho de 1890. p. 72. Arquivo

Público do Estado da Bahia (APEBa) - Seção de microfilmes.

Page 93: Antonio da Conceição Nascimento

93

Não podemos garantir que, de fato, essa repulsa ao casamento civil fosse uma iniciativa

popular. Mas, é certo que, mais que uma oposição ao novo sistema político, o que a Igreja

estava tentando resguardar era o seu controle sobre a união conjugal. A união civil, trazida

pelo regime republicano, colocava em xeque o sacramento do matrimônio, e isso seria para

ela mais um problema, entre os tantos que ela precisava resolver para se manter enquanto

instituição mantenedora dos preceitos religiosos que defendia.

No Compromisso de 1851, o único momento em que o vigário se fazia necessário,

além das celebrações das missas, era no ato de eleição da nova mesa administrativa, conforme

reza o Compromisso: “A este ato não poderá deixar de assistir o Reverendo Pároco, ou o seu

substituto, os quais não terão voto algum nesta eleição, salvo o direito de lhes pertencer como

membros de algum dos cargos da mesa”298

. Pelas listas das Mesas Administrativas que

encontramos, foi somente em 1912 que dois padres estiveram na condição de irmãos,

assumindo os cargos de Juiz e Consultor, como já citamos acima. No ato da eleição, o vigário

apenas assinava a ata como forma de dar probidade ao processo. Essa é uma das pouquíssimas

menções que se faz ao chefe eclesiástico local. No entanto, a situação muda muito no

Compromisso de 1943, quando a figura do padre esteve presente na maioria dos

acontecimentos de ordem administrativa. Isso garantiu o controle dessa confraria pelos

clérigos.

Ao tratar da composição da mesa administrativa o artigo dez reza:

Para o bom andamento da Irmandade, haverá uma Mesa Administrativa

composta de um Presidente que é o Rvmo. Vigário, um Juiz, um Tesoureiro,

um escrivão, quatro Procuradores e oito Consultores. Cada um dos membros

desta Mesa terá a denominação de mesário299

.

Enquanto presidente, o vigário passou a presidir todas as sessões ordinárias e

extraordinárias que acontecessem, e poderia, além de opinar como um membro da irmandade,

decidir em questões de empate. Aliás, o vigário da paróquia era o único membro vitalício da

Irmandade como rezava o Compromisso: “A mesa Administrativa, à exceção do Rvmo.

Presidente será eleita anualmente, na primeira sessão ordinária de Assembléia Geral, podendo

qualquer dos mesários ser reeleito”300

. Depois de 1912, quando, excepcionalmente, um

vigário esteve no cargo de juiz, em todas as composições das Mesas Administrativas

seguintes eles assumiram o cargo de “Presidente de honra”. Dessa forma, a mesa

298

Capítulo II. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 299

Art. 10. Capítulo V. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 300

Art. 11. Capítulo V. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943.

Page 94: Antonio da Conceição Nascimento

94

administrativa somente realizava os trabalhos, a liderança e os rumos da irmandade estavam

sob seu controle

Esta situação era bem diferente em 1851, quando, sobre o juiz, foi dito: “eleito,

presidirá todos os atos dela”, isso pelo prazo de um ano, podendo isso ser alterado por um

período igual, “se por sua devoção o quiser”301

. Em tempos da Igreja romanizada, a devoção

não era mais o critério para que o cargo se estendesse, agora, a reeleição dependia da

aprovação do Rvmo. Presidente e Vigário. Estando ele com o poder máximo de deliberação

na irmandade, ao juiz, cabia somente a função de organizador dos serviços e eventos como

marcar dias de sessão e convocação dos mesários, designar os irmãos que iriam servir nos

atos em que se fizessem necessárias suas presenças, alertar os demais membros no

cumprimento de seus deveres e conferir os livros de anotações da irmandade.

No parágrafo seis do capítulo que trata das funções do juiz é postulado que “nas

questões ventiladas em sessão, em casos de empate tem ainda o Juiz o direito de decidir”,

mas, o parágrafo seguinte tira todo o efeito dessa resolução ao afirmar que “a última palavra,

em caso de dissídios com as referidas questões, será sempre do Rvmo. Vigário e Presidente,

cuja determinação devem os mesários acatar”. Assim, a manutenção da ordem pretendida pela

Igreja, era mobilizada, contando com a “crença” “na legitimidade das palavras”302

do

representante da Igreja que as pronunciava. A única brecha para uma possível decisão, sem

anteriormente comunicar à mesa e ao reverendo, era que deveria “dar as providências

necessárias nos casos urgentes sempre que a Mesa não [pudesse] reunir-se, devendo, porém,

na primeira sessão dar conhecimento à mesma de tudo o que [tivesse] feito” 303

. Assim, o juiz

não passava de um administrador, que deveria apresentar

por ocasião da posse da nova Mesa Administrativa um relatório minucioso

de todo o movimento da Irmandade durante o ano de sua gestão fazendo

menção do estado financeiro da mesma. Este relatório [deveria] ser sempre

apresentado, ainda mesmo que o Juiz [fosse] reeleito304

.

A escolha das Mesas Administrativas eram feitas pela indicação dos irmãos ocupantes

de cada um dos cargos. Isso é modificado, e o Compromisso renovado diz que

O juiz que terminar o seu mandato, em harmonia de vistas com o Rvmo.

Vigário e demais mesários, poderá apresentar à escolha do eleitorado uma

301

Capítulo III. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 302

BOURDIEU, Pierre. O Poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 15. Para Bourdieu, “o que

faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem [...] é a crença na legitimidade das

palavras e daquele que as pronuncia. No caso da irmandade de São Bartolomeu, essa interferência do vigário é

legitimada pela instituição que ele representa, a Igreja. 303

Art. 15. Capítulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 304

Ibidem.

Page 95: Antonio da Conceição Nascimento

95

lista com o nome de três pessoas para uma delas o substituir no cargo de juiz

da irmandade, sendo todavia, livres os eleitores na aceitação da proposta305

.

A esse número, a mesa poderia acrescentar mais dois nomes e a eleição procedia para

a escolha do novo juiz que, eleito, apresentava dois nomes para tesoureiro. O tesoureiro eleito

escolhia seus procuradores e apresentava dois nomes para escrivão, e estes juntando à mesa

outros três para então ser escolhido um. Os oito consultores eram nomeados entre os mais

votados para os cargos. Tudo isso era realizado por intermédio do Rvmo. Presidente e

Vigário, a quem cabia “harmonizar os interesses na apresentação dos mesmos nomes”306

. Não

é difícil de imaginar que essa harmonização tivesse muitas vezes caráter decisivo. Ainda mais

porque, caso a irmandade quisesse, por algum interesse, manter algum nome na constituição

dos membros da mesa diretora, era preciso evitar as discórdias, pois

Não se podendo por acaso, chegar á harmonia entre a Mesa na apresentação

dos nomes para as eleições, [cabia] ao Rvmo. Presidente e Vigário escolher

ele próprio 20 nomes para os 15 encargos, designando 5 nomes para cada

membro da Mesa Administrativa. O colégio eleitoral só poderá votar em um

desses nomes apresentados307

.

A preocupação da Igreja com as confrarias pode ser compreendida em decorrência da

liberdade de culto e da criação de práticas religiosas que essas associações poderiam almejar.

Essas práticas, muitas vezes, estavam pautadas em tradições de outras matrizes religiosas.

Além disso, por estar gerida unicamente pelos leigos, acabavam acolhendo indivíduos de

seitas e sociedades condenadas pelo catolicismo, como os maçons. A presença desses

indivíduos significava a fomentação de idéias modernas, baseadas no positivismo, como o

panteísmo, o naturalismo e o racionalismo absoluto. Estas idéias haviam sido condenadas pelo

Syllabus, por representar um perigo para a fé católica. Havia dois caminhos para sanar este

problema, ou acabar com as irmandades ou mantê-las sob vigilância constante.

As atribuições da mesa administrativa foram organizadas de forma que a irmandade

não pudesse ser usada para nenhuma especulação particular. Além de cuidar da parte

administrativa, promovendo a boa organização interna dos trabalhos, a mesa conjunta tinha o

poder de admitir novos irmãos e excluir os que tivessem se tornado indignos de continuar na

Irmandade, assim como demitir o Mesário que não cumprissem os seus deveres. Para assim

proceder, os irmãos administradores precisavam “tomar conhecimento de tudo que [fizesse]

305

Art. 10. Capítulo V. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 306

Ibidem. 307

Ibidem.

Page 96: Antonio da Conceição Nascimento

96

cada um dos mesários no exercício de seu cargo”308

. Até aí, nenhuma novidade, pois a relação

se daria entre iguais, ou seja, de irmão leigo com irmão leigo. No entanto, o que vai alterar

essa estrutura organizacional, é a presença do vigários.

Além de empossar a nova mesa diretora e receber, de cada um dos mesários, o

juramento, ao qual seriam exigido cumprir “fielmente os deveres de seu cargo”, o vigário

tornou-se a figura central na vida da irmandade, pois, sem ele a mesa administrativa não

poderia funcionar em suas sessões ordinárias e extraordinárias. Inclusive a eleição dos novos

irmãos administradores, que acontecia sempre na primeira sessão ordinária, poderia funcionar

sem a presença da mesa que estivesse em vigor, mas nunca na ausência de vigário. Caso isso

acontecesse, a eleição seria nula, pois não teria o reconhecimento legal que passava pelo

vigário e dele para a Arquidiocese.

As eleições aconteciam no salão da sacristia da Matriz, lugar de reuniões por tradição,

desde a sua fundação, como regia o Compromisso de 1851. Isso tornava ainda mais difícil,

que a irmandade realizasse alguma atividade contrária aos desejos do reverendo pároco,

imbuído da missão de estruturar o catolicismo segundo os preceitos romanos. Sua

interferência chegava a ultrapassar os limites da democrática escolha dos irmãos de São

Bartolomeu, conforme o parágrafo oito do Compromisso:

O Presidente da sessão de eleição da Nova Mesa administrativa tem o direito

de anular a eleição de qualquer dos mesários quando o eleito for inapto para

o cargo ou quando o pedir o bem da Irmandade. Nesse caso, far-se-á nova

eleição para o cargo do mesário não aceito309

.

A Irmandade de São Bartolomeu, ainda composta por leigos, sobreviveu na estrutura

renovada da Igreja, submetida ao poder eclesiástico. O seu Compromisso, que antes servia

para a manutenção de uma ordem interna e de uma estrutura organizacional, passa a ser usado

como instrumento de controle. As alterações às quais foi submetido foram cerceando de tal

forma a autonomia dos irmãos, que seu caráter laico foi sendo apagado. O artigo 14 é um

exemplo patente disso:

Nem a Mesa Administrativa, nem mesmo a Assembléia Geral podem, por si

só, alterar o presente Compromisso, nem ir de encontro às suas disposições.

Não podendo também dispor do dinheiro ou de qualquer bem do Patrimônio

da Irmandade sem licença da autoridade Eclesiástica310

.

308

Art. 13. Capítulo V. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 309

Art. 30. Capítulo VII. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 310

Art. 14. Capítulo V. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943.

Page 97: Antonio da Conceição Nascimento

97

Além de garantir a vigência do Compromisso sem alterações, o clero estava

preocupado também com as questões financeiras e patrimoniais da Irmandade. No momento

de fundação da Irmandade, ela aparece sempre relacionada às jóias pagas pelos membros da

Mesa Administrativa, que eram gastos com os serviços prestados como as celebrações de

missas para o santo padroeiro ou de irmãos falecidos e à compra de materiais fúnebres, como

mortalha e caixão, para os que não tinham condições de fazê-lo, ou seja, a preocupação com

dinheiro estava vinculada ao uso prático devocional. Assim também o era com o acúmulo de

bens. Ao tratar das obrigações do tesoureiro, o Compromisso de 1851 informa:

Tomará por inventário todos os bens da Irmandade, inclusive jóias, alfaias, e

ornamentos a ela pertencentes, que de tudo levará o Escrivão termo no Livro

Competente, com o qual assinará o mesmo escrivão, e o Tesoureiro, que não

poderá fazer empréstimos do que for da irmandade para fora da Matriz, sem

o prévio consentimento da mesa311

.

Ao que parece, a confraria não investia seus rendimentos em imóveis, mas, os gastava

no cumprimento de suas atividades devocionais, inclusive na compra de objetos que

servissem para tal fim. Pelo menos até 1864, assim foi feito, como confirma a declaração do

vigário José de Araújo Mato Grosso. Segundo ele, a Irmandade de Nossa Senhora Conceição

possuía uma morada térrea na Rua Nova, A Irmandade de São Benedito também uma casa

térrea na Rua do Porto, e a Irmandade do Santíssimo Sacramento, além de uma casa, também

na Rua Nova, possuía terras nos lugares denominados Caicar, Ilha da Outra Banda, e na

freguesia de São Felipe. O sodalício do santo apóstolo padroeiro foi colocado entre aqueles

“que se sustentam das oblatas dos fiéis”312

.

O Compromisso de 1943 amplia as possibilidades de acumulação de bens da

Irmandade, assim, seu patrimônio passou a ser constituído de

10 por cento de todo e qualquer dinheiro que entrar para a Irmandade, das

alfaias e bens imóveis que a irmandade possuir e dos bens móveis

necessários ao valor e à conservação dos imóveis. As demais quantias

poderão ser empregadas no desempenho dos encargos da irmandade,

observado o disposto no Compromisso313

.

As arrecadações da irmandade além de cobrir os gastos obrigatórios, passaram a ser

acumuladas como patrimônio. Isso fica mais evidente numa das observações a cerca das

funções do tesoureiro, que além de manter sob sua guarda os bens da Irmandade e efetuar os

pagamentos previamente aprovados pela mesa, consta num dos parágrafos que a ele cabia

311

Capítulo V. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 312

Relação dos bens e confrarias existentes na Freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe feita pelo Vigário

José de Araújo Mato Grosso em 1863. 313

Art. 14. Capítulo V. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943.

Page 98: Antonio da Conceição Nascimento

98

“zelar os interesses da irmandade, empenhando-se pela conservação e aumento de seus bens e

cumprindo fielmente tudo o que lhe diz respeito”314

.

Essa nova relação com os recursos financeiros partia diretamente do clero. Talvez uma

forma de controlar uma prática comum às irmandades, “os excessos cometidos durante as

festas de santos, como a dança, a bebida e o mau uso do dinheiro recolhido pelos devotos”315

.

Mas parece que a preocupação tinha também o caráter de defesa de um patrimônio que não

pertencia unicamente à irmandade. “A autorização de venda de algum bem só [poderia] ser

dada depois do “placet” ou da aprovação da autoridade eclesiástica ou do Ordinário

Diocesano”316

. Isso revela que, apesar dos bens legalmente pertencerem à Irmandade, ela não

podia dispor deles livremente, somente os administrava, em última instância, era a Igreja que

os possuía. Isso fica bem expresso na final do Compromisso que diz: “Dissolvida ou extinta a

Irmandade, por qualquer circunstância, o que Deus não permita, passarão todos os seus bens

moveis ou imóveis a pertencer a Fabrica da Matriz de Maragogipe”317

.

O objetivo do clero ultramontano era a edificação de uma Igreja consistente e unida

num mesmo ideal. Para tal, era necessário substituir as velhas formas de vivência da fé ou

conduzi-las de tal forma que não incomodassem. Assim foi feito com a irmandade de São

Bartolomeu, não podendo extingui-la, pelos motivos que já discutimos, a alternativa da Igreja

local foi reativá-la, segundo os ditames de supremacia do clero necessários para a nova ordem

pretendida. A sua sobrevivência, que antes estava vinculada às devoções dos irmãos de São

Bartolomeu, é submetida agora “à Autoridade Eclesiástica, cuja decisão dever[ia] ser

incondicionalmente posta em execução”, e “havendo causas que o Ordinário julg[asse]

ponderáveis, pertenc[ia]-lhe eliminar Irmãos e até suprimir a irmandade”318

.

O trabalho romanizador da Igreja, junto à comunidade católica de Maragogipe,

caracterizou-se por um processo de ajustamento à sociedade estabelecida. Sem atacar o cerne

da vivência da confraria, o culto ao padroeiro São Bartolomeu, o clero afirmou sua autoridade

em relação aos devotos que lideravam a organização, mas sem suprimir diretamente essas

lideranças. Os cargos são mantidos e as atribuições que lhes cabiam também, no entanto, isso

foi alterado, com o acréscimo de cláusulas no Compromisso, onde outra liderança, o vigário,

passou a protagonizar em última instância, nas decisões a serem tomas e nos rumos a seguir.

Isso mantinha, superficialmente, a legitimidade da confraria enquanto organizadora do culto e

314

Art. 19. Capitulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 315

OLIVEIRA, 1985, p. 285. 316

Art. 18. Capitulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 317

Art. 43. Capitulo VIII. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 318

Art. 45. Capitulo VIII. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943.

Page 99: Antonio da Conceição Nascimento

99

dos festejos ao apóstolo, permanecendo nos fiéis a sensação de nenhuma ruptura com o

cotidiano de suas devoções.

Não obstante, o fato de a Irmandade de São Bartolomeu ter sido formada por leigos, a

Igreja nunca deixou de ser um referencial, e assim o foi desde a sua fundação, quando os

mesários escolheram Dom Romualdo para protetor perpétuo e Juiz de devoção da segunda

Mesa Administrativa. Muitos aspectos da vida da confraria, sempre estiveram submetidos ao

poder religioso, como a aprovação de Compromisso, a presença de sacerdotes em

determinadas ocasiões administrativas e nos cumprimentos devocionais ligados ao santo e à

morte. Portanto, “o poder simbólico”319

exercido pela Igreja sempre esteve no campo da

visibilidade dos irmãos confrades e reconhecido como sendo legítimo. Não fosse assim, as

transformações executadas no processo de romanização não teriam efeito, e se o teve o fora,

justamente, por conta do reconhecimento de uma estrutura hierárquica em que o poder estava

nas mãos dos eclesiásticos. Assim, o clero, principalmente os episcopais reassumem seus

postos de “produtores especializados de discursos e de ritos religiosos”320

. Conseqüência

disso foi o afastamento laico do direcionamento das crenças e vivências da fé, que se deram

através do controle das irmandades.

Não podemos deixar de lado o fato de que, os leigos de que falamos, eram pessoas da

elite e que, no período posterior à Proclamação da República, faziam parte do grupo social

com o qual a Igreja buscou aliar-se. Isso certamente facilitou a sobrevivência da Irmandade,

bem como a aceitação pacífica das transformações pelas quais ela passou, ainda mais porque,

pelo que verificamos em relação aos festejos do padroeiro, não foram realizadas interferências

que alterassem significativamente o que constituía, a essa altura, o seu principal objetivo.

3. PRÁTICAS DEVOCIONAIS DOS IRMÃOS DE SÃO BARTOLOMEU.

Entre as práticas devocionais da Irmandade de São Bartolomeu, se observava duas

especificamente: a realização da festa do orago, e os cuidados com a morte dos seus irmãos.

Sua criação deu-se num momento em que as irmandades não mais eram um referencial

privilegiado de vivência da fé católica e os objetivos destas, entre eles a ajuda mútua, já não

mais correspondiam àqueles dos séculos anteriores e, ao que parece, não figurava ao lado do

319

BOURDIEU, Pierre. 2007, p. 14. O autor aponta que o poder simbólico tem o poder de transformar a visão de

mundo e agir sobre ele conseguindo pela mobilização aquilo que só é conseguido pela força, mas isso só é

possível quando esse poder é “reconhecido”, ao mesmo tempo “ignorado como arbitrário”. 320

Ibidem, p. 12.

Page 100: Antonio da Conceição Nascimento

100

culto ao santo o foco central de atuação dos irmãos, como dissemos antes. Mas, mesmo

passando por transformações próprias de “uma nova conjuntura social”321

, “a palavra

decadência não chega a dar conta da real situação dessas instituições no século XIX”322

.

Assim, pudemos perceber que na segunda metade deste, ainda se verificou na Irmandade de

São Bartolomeu os dois vieses de ação, os quais lhe davam o caráter de instituição voltada

para as coisas sagradas e para caridade sendo que a devoção era o objetivo pretendido em

primeiro lugar e a caridade se revelava nos momentos de morte dos filiados.

Nesse capítulo, a partir do que apresentam os seus Compromissos de 1851 e 1943, que

analisamos, discutiremos de forma mais específica as práticas da Irmandade de São

Bartolomeu no que tange à morte e à festa. Nosso foco é perceber como a irmandade

conduziu esses dois processos que faziam parte de sua vida devocional. Não se trata de uma

discussão da festa em si, ou da morte, mas da relação que os irmãos de São Bartolomeu

estabeleceram com ambas. Não nos furtaremos, sempre que necessário em recorrer aos

postulados dessas duas discussões, no intuito de não tratar do assunto de forma desarraigada

de suas diretrizes e definições acadêmicas. Entretanto, privilegiaremos a forma como a

irmandade cuidou da morte e conduziu a festa.

3.1 OS CUIDADOS COM A MORTE.

Desde o período colonial até grande parte do século XIX, os enterramentos feitos sob

a responsabilidade das irmandades eram realizados no interior das igrejas. O ato de enterrar

nos templos católicos estava ligado a uma mentalidade que compunha o bojo das relações da

sociedade ocidental com a morte. Cabe, então, que façamos uma breve reflexão acerca do

assunto, para perceber como o desenrolar do processo de enterramento foi condicionado a

fatores ligados às concepções de morte, mas também a anseios imediatos ligados à

modernização e à saúde pública.

Segundo Ariès “as civilizações da Idade Média e da época moderna até o século XVII,

pelo menos, não concederam aos mortos nem espaço nem mobiliário”323

, diferente do período

anterior, em que os povos não cristãos mantiveram-no afastado do meio dos viventes. Esta

afirmativa refere-se à absorção dos cemitérios pelas igrejas cristãs, ao ponto de se tornaram

321

OLIVEIRA, Devoção e Caridade... p. 1. 322

Ibidem, p. 6. 323

ARIÈS, Philippe. O Homem Diante da Morte. 2. Ed. Vol. 2. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1990, p. 218-

19. Ao discutir sobre o sumiço dos cemitérios no período da Idade Média até o século XVII, Áries classifica as

regiões européias por ele estudadas como não sendo estas civilizações de cemitério.

Page 101: Antonio da Conceição Nascimento

101

delas uma extensão. A partir desse período, o cemitério, enquanto lugar de enterramento foi

esquecido e os mortos foram trazidos para os templos católicos. O destino do cadáver não era

a preocupação maior. Nos enterramentos, até então, não constavam placas personalizadas ou

alguma forma de identificação do falecido, mas importava sim a proximidade a que este

ficaria dos santos católicos, dentro da igreja e nas suas terras imediatamente próximas ao

redor da Igreja. Essa idéia concentra aproximações e distâncias do pensamento de Santo

Agostinho:

Uma vez que o sepultamento é, em si mesmo, obra religiosa, essa atenção

posta na escolha do local não pode ser estranha ao ato religioso. É para os

vivos um consolo e maneira de testemunhar sua ternura para com os parentes

desaparecidos. Mas não vejo como os mortos possam, por ai, encontrar

alguma ajuda, a não ser no caso de ao visitar o local onde descansam eles

serem encomendados na oração, à proteção dos santos protetores, junto ao

Senhor. Entretanto isso poder ser feito ainda quando não é possível inumá-

los em tais lugares santos324

.

Para Santo Agostinho, o enterramento no espaço sagrado da igreja perto dos santos católicos,

não era condição fundamental para a salvação da alma, servia sim como consolo aos vivos.

Dessa forma, continua ele afirmando que “os fiéis nada sofrem por estarem privados de

sepultura, assim como os infiéis não tiram proveito algum por a receberem”325

.

A partir da segunda metade do século XVIII, notou-se uma mudança na mentalidade

ocidental em relação à importância do corpo dos mortos e ao destino que estes teriam, como

afirma Ariès. Os vivos queriam então, ter a possibilidade de visitar seus entes queridos e,

nesse processo, os túmulos tornaram-se signos de importância fundamental, pois recordavam

aqueles que partiram. Essa atitude é classificada por Ariès como produto da não aceitação da

morte do outro. Ter um lugar de recordação significava, nesse sentido, conferir “ao morto

uma espécie de imortalidade”326

. Pensava-se a sociedade como composta de vivos e mortos, e

estes últimos, junto com sua família, como donos do exato lugar do enterramento, através de

suas sepulturas. A partir de então, o cemitério retomou o seu lugar na paisagem da cidade e,

ao que parece, tornou-se uma necessidade do espaço urbano.

324

AGOSTINHO, Santo. A verdadeira religião; O cuidado devido aos mortos. São Paulo: Paulus, 2002, p. 162-

163. 325

Ibidem, p. 171. 326

ARIÈS, Philippe. História da Morte no ocidente. Trad. Priscila Viana de Siqueira. Rio de Janeiro. Ediouro,

2003, p. 75.

Page 102: Antonio da Conceição Nascimento

102

Esse novo sentido que foi dado à morte e que consequentemente definiu um novo

lugar para o cemitério é definido por Ariès como a “morte romântica”327

. A morte do outro,

que inspirava saudade e lembrança, passou a ter mais importância do que a morte de si

mesmo. A lembrança e a saudade dos entes queridos fizeram com que o cemitério se tornasse

um lugar de visitação e espaço de recordação. Essa idéia, segundo o autor, vai inspirar nos

séculos XIX e XX os novos cultos aos túmulos e ao cemitério, garantindo a harmonia entre

mortos e vivos na sociedade urbana.

Concordamos que nos séculos XIX e XX, mais especificamente a partir da segunda

metade do oitocentos, o cemitério passou a ser o lugar de enterramento e de visitação, mas na

Bahia, isto aconteceu por motivos ligados às questões sanitárias como discutiremos mais

adiante. No entanto, a preocupação mais com a morte do outro do que com a morte de si

mesmo, não parece ser a única que pairava entre os católicos do período. Um dos motivos de

se entrar numa irmandade, por exemplo, era o medo de não se ter na hora da morte os ritos

necessários para a salvação da alma, o que, por si só, já demonstra uma preocupação muito

particular com a própria morte.

Os anseios individuais perante a morte podiam ser expressos de forma direta na escrita

do testamento ou sob as cláusulas da ajuda mútua, bandeira comum nas irmandades. Os

irmãos de São Bartolomeu, em seu primeiro compromisso de 1851, demonstram essa

preocupação:

e sendo que alguns dos irmãos suceda cair em pobreza e que por isso não

possa pagar o que estiver a dever, não deixará quando morrer de se lhe fazer

os sufrágios de costume, e dar-se-lhe a mortalha e a sepultura que será a

custa da irmandade328

.

Esta é a primeira menção feita sobre a morte no Compromisso de 1851 da Irmandade

de São Bartolomeu. É evidente a preocupação com a realização dos “sufrágios de costume”,

mesmo caso viesse acontecer uma situação de pobreza, em que os irmãos não pudessem

custear os ritos necessários para uma boa morte. Assim, ao elaborar seu compromisso, os

irmãos de São Bartolomeu preocuparam-se em garantir os tratos necessários no momento

último da vida terrena. Dessa forma, a relação com a morte estabelecia-se a partir da caridade

entre os irmãos, bandeira das irmandades que as definiam enquanto “associações corporativas,

no interior das quais se teciam solidariedades”329

. Nesse sentido, a preocupação não se

327

Ibidem, p. 75. Ariès afirma que a partir do século XVIII, ocorre uma mudança de mentalidade que vai

diminuindo a preocupação com a morte de si mesmo e crescendo o temor à morte do outro, o que ele define

como período da morte romântica. 328

Capítulo I, Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 329

REIS, 1991, p. 51.

Page 103: Antonio da Conceição Nascimento

103

restringia à morte do outro. A morte de si mesmo não foi colocada em evidência nos

Compromissos, pois as orações estavam garantidas pela pertença à irmandade, assim, todos os

membros poderiam gozar dos direitos.

Se no Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu, por se tratar de um documento

que regia uma coletividade, não foi possível perceber desejos individuais perante a morte, mas

somente procedimentos comuns para o grupo de irmãos, nos testamentos pudemos perceber as

preocupações e prerrogativas particulares. Um passeio através de alguns deles, datados do

século XIX, nos mostrará como a preocupação individual com a salvação da alma era

constante entre homens e mulheres.

Como afirmamos anteriormente, as fontes encontradas não nos forneceram

informações sobre os irmãos de São Bartolomeu na segunda metade do XIX, o que permitiria

visualizar suas preocupações individuais sobre a morte. Mas, uma análise feita a partir de

outros indivíduos como padres, fazendeiros e senhoras de Maragogipe, nos ajudará pelo

menos a contextualizar o assunto no espaço de atuação da irmandade.

O Padre Manoel Plácido Martins ao escrever seu testamento, em 1826 declarou:

Primeiramente encomendo minha alma a Santíssima Trindade, que a

ofereço, e rogo ao Eterno padre a queira receber na Glória, como recebeu a

de seu unigênito filho meu Senhor Jesus Cristo quando expirou na cruz para

me remir, e a virgem Maria minha Senhora peço seja minha intercessora

perante seu Santíssimo filho para que já que nesta vida me deu o fruto do

trabalho da sua sagrada paixão, e morte, me dê o mesmo deles, [...] a eterna

bem aventurança para a qual fui criado, em cuja fé tenho vivido e espero

morrer, salvar minha alma por sempre crer, como creio em todos os

mistérios e dogmas da santa madre Igreja330

.

Já em 1849, o senhor de escravos Joaquim José de Santana “desejando por [sua] alma

no caminho da salvação por não saber o que Deus dela queira fazer e quando será servido

[levá-la] para si”331

, resolveu fazer seu testamento no qual determina seu sepultamento:

Declaro se eu morrer nesta vila ou em qualquer outro lugar, meu corpo será

envolto em pano branco, sepultado ao pé do cruzeiro aonde possa acontecer

à companhia do vigário e seu sacristão e a Irmandade das Almas e carregado

pelas suas filhas se estiverem no lugar do meu falecimento e quando não por

quatro pobres dando-se antes a cada um mil réis, no dia do meu

enterramento o meu testamenteiro dará de esmolas a doze pobres na porta da

igreja a pataca cada um sendo cego ou aleijado e isso com assistência do

Reverendo Vigário de quem receberá certidão de haver cumprido. Declaro

330

Testamento do Padre Manoel Plácido Martins APEB – 04/1822/2293/01 331

Inventário de Joaquim José de Santana. APEB – 05/1835/2360/01

Page 104: Antonio da Conceição Nascimento

104

que meu testamenteiro mandará dizer duas capelas de missas por minha alma

e uma capela de missas pela alma de minha primeira mulher332

.

Duas capelas de missas foi o que pediu também, em seu testamento, Caetana Maria de

Oliveira em 1848333

. Já em 1866, Inês Maria da Cruz pede uma capela de missas não somente

para ela, mas estende o pedido: “uma dita pela alma de minha comadre Carlota, meu

compadre Faustino [...] minha mãe Maria, minha filha Esmeria, Antonio, Athanásio,

Benedita, Maria”334

. Diferente de muitos que encomendavam sua alma a Nossa Senhora, Inês

Maria da Cruz preferiu outra forma de relacionamento com a santa, deixando seus “brincos de

diamantes a Nossa Senhora da Conceição ereta na matriz de Maragogipe”, e a “Nossa

Senhora da Boa Morte ereta na mesma matriz vinte mil”335

, importância de uma toalha que

havia prometido à mesma senhora cuja promessa ainda não havia cumprido.

O medo do que aconteceria depois da morte era uma das preocupações recorrentes dos

testadores que o expressavam contundentemente. José Gonçalves dos Santos, ao fazer seu

testamento em 1861, encomenda sua alma a “Nosso Senhor Jesus Cristo e a sua mãe Maria

Santíssima a fim de que dela se lembrem, e a livrem das penas eternas”336

. Mesmo quando

não encomendavam suas almas aos santos de sua devoção, os testadores procuravam garantir

que os ritos costumeiros e necessários para uma boa morte seriam feitos. Assim o fez Aline

Moreau em 1880 que sem pedidos muito específicos em relação ao seu funeral pede para ser

sepultada em uma carneira (sepulcro de forma quadrangular) do cemitério da cidade, e instrui

seu testamenteiro da forma seguinte: “guardadas as cerimônias do culto a que pertenço e

decência precisa para o ato mandará meu testamenteiro celebrar no sétimo dia de meu

falecimento a missa de costume” 337

.

A partir do que apresentamos, podemos afirmar que os testadores cuidavam de

preparar sua morte. Não podemos descartar por completo o conceito da “morte romântica” 338

de Ariès, afinal a preocupação com a alma dos entes queridos, já falecidos, também se

apresentava nos testamentos. Mas os pedidos que alguns deles fizeram nos mostra que a

preocupação com a própria morte apresentava-se de forma muito mais recorrente, tornando-se

um dos conteúdos quase que obrigatório dos testamentos.

332

Inventário de Joaquim José de Santana. APEB – 05/1835/2360/01 333

Testamento de Caetana Maria de Oliveira. APEB – 04/1825/2296/15 334

Testamento de Inês Maria da Cruz. APEB – 04/1833/2304/10 335

Testamento de Inês Maria da Cruz. APEB – 04/1833/2304/10 336

Testamento de José Gonçalves dos Santos. APEB – 05/1850/2321/01 337

Testamento de Aline Moreau. APEB – 05/1920/2392/23 338

ARIÈS, 2003, p. 75.

Page 105: Antonio da Conceição Nascimento

105

À medida que o século XX foi se aproximando, os desejos de cuidados com os ritos

fúnebres e com a salvação da alma foram se mostrando menos recorrentes, mas não a ponto

de deixar de ser uma preocupação. Em 1896, por exemplo, o Major Francisco Antonio

Bacellar pede: “Meu enterro será feito sem pompa, porém com decência. Em sufrágio de

minha alma o meu testamenteiro mandará dizer algumas missas como melhor entender” 339

.

Não muito diferente agiu o farmacêutico Corbiniano Coelho Bahia que pediu somente que seu

funeral fosse o “mais simples possível e decente e que sendo possível que [houvesse] uma

missa de corpo presente”340

. Já em 1920, Dona Ana Cardoso de Almeida Mello deixa a

critério de seus herdeiros o local do enterro e as missas em sufrágio de sua alma, e pede que

seja sua sepultura perpétua.

Seria a atitude de Dona Ana Cardozo de Almeida Mello uma negação da morte,

através da tentativa de perpetuação da sua memória na sepultura perpétua? Talvez. Cartoga

chama a atenção para isto, afirmando que os signos funerários, sejam os túmulos ou o próprio

cemitério, constituem nos níveis visível e invisível uma totalidade significante, ou seja, sua

compreensão perpassa por uma análise das atitudes humanas e pelos sentimentos cultuados

diante da morte. Assim, podemos definir a atitude da testadora em questão como uma forma

de “simular a não morte, [e transmitir] às gerações vindouras a semântica capaz de individuar

e de ajudar [...] à re-presentificação do ontolicamente ausente”, e, “nesse jogo de negação da

morte e da corruptibilidade do tempo, os signos são assim dados em troca do nada segundo

uma lei de compensação ilusória pela qual, quanto mais signos temos mais existe o ser e

menos o nada”341

.

As atitudes desses três últimos testadores apresentam uma forma de administrar o

momento da morte, diferente dos anteriores que apresentamos. Comum, entre os três, é que

deixam a cargo de seus testamenteiros ou herdeiros o sufrágio das missas. Estas, que pareciam

tão necessárias para homens e mulheres ao longo do século XIX, tornaram-se uma cláusula

menos importante na virada para o século XX. Segundo Ariès, essa atitude é fruto do

sentimento de “confiança do testador em seus herdeiros, [e] na sua família”342

. Essa idéia é

perfeitamente aplicável a Maragojipe e se revela nas declarações do Major Francisco Antonio

Bacellar e do farmacêutico Corbiniano Coelho Bahia. Já Da Mata vê esse comportamento

como típico da sociedade moderna, onde

339

Inventário de Francisco Antonio Bacellar. Arquivo do Fórum de Maragogipe. Caixa 01. N. 15 340

Inventário de Corbiniano Coelho Bahia. Arquivo do Fórum de Maragogipe. Caixa 02. N. 21. 341

CARTOGA, Fernando. Memória, História e Historiografia. Coimbra: Quarteto Editora, 2001, p.43. 342

ARIÈS, 2003, p. 511.

Page 106: Antonio da Conceição Nascimento

106

o homem está só diante dos outros homens e de Deus, e será inteiramente

responsável por sua „salvação‟. Não há mais confissão, nem compadrio, nem

purgatórios, nem indulgências, rezas ou missas que os outros possam realizar

por sua melhoria moral. Em outras palavras, não há nenhuma mediação

realizada por meio das relações pessoais, tornando-se diretas as falas dos

homens com Deus!343

Nossa observação nos leva a ponderar a afirmação de Da Mata, pois não houve uma

abdicação dos ritos religiosos, mas sim uma abstenção por parte dos testadores em administrar

esses ritos, e a presença forte da Igreja verificou-se ainda na “manutenção de alguns elos

importantes, como a participação nos funerais, mantendo o controle sobre a extrema-unção e a

encomendação da alma”344

.

3.1.1 Os sufrágios pelas almas dos irmãos de São Bartolomeu.

Para os irmãos de São Bartolomeu, os sufrágios pela alma eram garantidos pela

irmandade. Nas atribuições do tesoureiro constadas no primeiro compromisso, estavam entre

os gastos que não precisavam da deliberação da Mesa Administrativa, aqueles feitos com as

“missas nos Domingos ao santo desta Irmandade, antes da conventual em seu próprio altar:

com a dos Irmãos falecidos, e com o despendido da mortalha, e sepultura dos que por

nimiamente pobres, não tiverem meios para isso, como se acha expresso no capítulo 1º”345

.

Ficava a cargo do tesoureiro também mandar dizer pela alma dos irmãos falecidos

dez missas de esmolas de 500 rs. cada uma, as quais, in continenti, se

mandarão logo dizer, com preferência a quaisquer outras despesas, a fim de

que não passem de um para o outro ano, e delas cobrará o Tesoureiro

quitações, que a apresentará a mesa, no dia que for empossada a que houver

de suceder-lhe346

.

A preocupação com as missas de costume parece ter sido freqüente, e uma das

assistências espirituais perante a morte, garantida pela Irmandade de São Bartolomeu. Mesmo

sem contar com as informações acerca do assunto no intervalo de tempo entre 1851 e 1943,

quando foi distribuído entre os irmãos o último compromisso reformado, acreditamos que

essas missas não deixaram de ser celebradas, haja vista a ênfase que foi dada a esse costume,

343

DA MATTA, Roberto. A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro:

Rocco, 1997, p. 134. 344

RIBEIRO, André Luiz Rosa. Memória e identidade: reformas urbanas e arquitetura cemiterial na região

cacaueira (1880-1950). Ilhéus: Editus, 2005, p. 121. 345

Capítulo V. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 346

Capítulo VIII. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. O termo in continenti na citação

(grifo nosso) “Trata-se de advérbio latino, que tem o sentido de sem demora, imediatamente”. Significado

disponível em: http://www.migalhas.com.br/Gramatigalhas/10,MI72884,101048-Incontinenti. Acesso em: Dez.

2010.

Page 107: Antonio da Conceição Nascimento

107

mantendo como obrigação da Irmandade “mandar celebrar uma Missa em sufrágio à alma de

cada irmão que [falecesse]. Esta Missa [deveria] ser celebrada dentro do mês do falecimento

do irmão”347

.

Celebradas todos os domingos e acompanhadas pelos irmãos de forma solene, elas

aconteciam da seguinte forma:

Dir-se-á em cada uma das domingas do ano, das 6 às 7 horas da manhã,

antes da missa conventual por um capelão a expensas da Irmandade, uma

missa incensada e assistida por seus Irmãos com capas (que serão

encarnadas, e de capuzes brancos) e cada um com sua tocha acesa por tenção

dos irmãos vivos e falecidos, no altar do mesmo santo, para o que concorrerá

a Irmandade com as despesas para isso necessárias 348

.

Esse rito era feito, não somente pelo irmão, mas na hora da morte toda a família

poderia ser assistida pela irmandade, “sua mulher ou filho menor, até a idade de 21 anos, e as

filhas dos mesmos enquanto [vivessem] honestamente, debaixo do pátrio, ou materno

poder”349

. A assistência post-mortem às filhas era da alçada da Irmandade, mas estava

acompanhada de condições ligadas à preservação moral da família, ao mesmo tempo em que

resguardava valores hierárquicos de obediência paterna e materna, o que não era exigido para

os filhos menores. Assim, os ritos de morte também refletiam a estrutura sócio-familiar

fundamentada na figura masculina e eram usados como elementos de manutenção dessa

estrutura.

Mas, a assistência prestada pela Irmandade de São Bartolomeu não se resumia às

missas em sufrágio da alma. O ritual era assistido pelos irmãos desde o primeiro momento do

falecimento, e ganhou um capítulo específico no primeiro compromisso. Assim que era sabida

a morte de algum irmão, ou de alguém a ele ligado que tivesse a irmandade obrigação de

prestar assistência, o procedimento se seguia da forma seguinte:

O tesoureiro mandará para a casa do irmão falecido quatro tocheiros, e a ser

feito o enterro a custa da Irmandade, mandará também quatro tochas, e duas

velas para o altar da imagem do Senhor crucificado, assim como a capa

rocha para o reverendo pároco, que sendo o irmão ou irmã pobre, lhes faça

por caridade essa santa esmola350

.

Os quatro tocheiros que seguiam para a casa do irmão falecido transportavam seu

corpo para a igreja, onde a missa de corpo presente seria celebrada pelo vigário vestido de

capa rocha diante do altar do Cristo crucificado, o qual era iluminado pelas tochas e velas. A

missa poderia ser custeada pelo valor que geralmente era deixado em testamento, celebrada

347

Art. 5º. Capítulo II. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 348

Capítulo VIII. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 349

Capítulo X. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 350

Ibidem.

Page 108: Antonio da Conceição Nascimento

108

gratuitamente, quando se tratava de um irmão pobre, ou sob responsabilidade financeira da

irmandade.

O ritual continuava depois da missa, quando o féretro era conduzido até o local do

enterramento. O direcionamento da irmandade a esse respeito era o seguinte:

sairá a Irmandade com os irmãos que se puderem convocar, com Cruz,

tocheiros e suas tochas acesas, ornados de suas capas. O Juiz levará a vara, e

na sua falta o Escrivão, Tesoureiro, ou algum outro irmão da mesa mais

velho; e todos em boa ordem irão acompanhando o corpo até a sepultura,

rezando cada o Padre Nosso e Ave Maria351

.

A descrição quase fotográfica nos permite uma visualização do acompanhamento do

enterro com detalhes de sua organização e objetos utilizados. Além da veste adequada para os

ritos solenes e as tochas e cruz, a vara era carregada seguindo uma ordem hierárquica

respectivamente composta pelo juiz, escrivão e tesoureiro, ou algum membro da mesa que

fosse mais velho. Percebe-se que a vara era um símbolo de poder, algo como um cetro nas

mãos daquele que representava, na Irmandade, um referencial de autoridade. Na Irmandade de

Nossa Senhora do Rosário do Crato no Ceará, em 1870, a vara “com pouco mais de uma

braça de comprimento, ornada de flores”352

era usada pelo arauto, a terceira pessoa na

hierarquia da confraria, em ocasiões de desfiles processionais. No século XVIII, nas festas em

homenagem a São Benedito, o escolhido rei do Congo postava uma vara na mão, “símbolo do

seu poder”353

.

Nos documentos que analisamos não encontramos menção ao exato lugar utilizado

pela Irmandade de São Bartolomeu para os enterramento de seus irmãos. Mas, como era de

costume, certamente eles eram feitos no interior da Matriz do padroeiro. Em 1855, esse

costume foi modificado e um campo aberto passou a ser o destino temporário dos irmãos

falecidos. A única possibilidade, nesse momento, de retorno ao templo foram os carneiros de

ossos354

pertencentes a outras irmandades como discutiremos mais abaixo.

3.1.2 Mudanças na cultura funerária: o fim dos enterramentos nas igrejas.

351

Capítulo X. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 352

CAMPOS, Eduardo. As irmandades religiosas do Ceará provincial. Apontamentos para a sua história.

Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, 1980, p.19. Disponível em:

http://www.eduardocampos.jor.br/_livros/e10.pdf. Acesso em: Dez. 2010. 353

SOUZA, Marina de Mello e. Catolicismo negro no Brasil: santos e minkisi, uma reflexão sobre miscigenação

cultural. In.: Afro-Ásia, nº. 228, p. 125-142, 2002, p. 133. Disponível em:

www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n28_p125.pdf. Acesso em: Mar.2010. 354

Os carneiros de ossos eram construções no formato de urnas para guardar restos mortais. Podiam ser

construídas junto às paredes externas das igrejas, no interior delas em partes subterrâneas ou mesmo em seu

adro.

Page 109: Antonio da Conceição Nascimento

109

Quando a irmandade foi criada, em 1851, os enterramentos, ao que parece, eram feitos

nas Capelas dedicadas aos santos, espalhadas pela cidade e na Matriz de São Bartolomeu. A

partir de 1855 quando uma “devastadora epidemia de cólera-morbo teve lugar na Bahia” 355

,

esse costume foi alterado, como demonstra o documento da Irmandade de Nossa Senhora do

Amparo enviado por seu juiz Manoel Procópio S. Ribeiro ao presidente da Província:

Diz a Irmandade de Nossa Senhora do Amparo da Freguesia de São

Bartolomeu da cidade de Maragogipe que sendo pobre e falta de meios para

sustentar as despesas com o culto e festividades da mesma senhora, lhe foi

dado um pequeno patrimônio de doze carneiros d‟ossos por esmolas do Pe.

Ignácio Aniceto de Souza, para os rendimentos desse mesmo patrimônio ser

fornecida a cera que anualmente se gasta no altar da mesma Senhora e com

essa podendo a mesma irmandade dispor das sobras com a festividade e

urgência da mesma, foi privada desde 1855, ano em que a cholera naquela

cidade apareceu, em virtude da proibição a enterramentos nas Igrejas, de

maneira que se tem desta necessidade quando vier a perder esse pequeno

patrimônio por não ser possível diverso caso fazer-se dele, contanto que

esses carneiros d‟ossos sejam fora do corpo da Igreja Matriz, e erigidas em

um dos corredores externos dela pela mesma forma e lugar onde a

Irmandade do Santíssimo Sacramento da mesma matriz erigiu alguns

posteriormente aos da Irmandade super. Vem esta implorar a equidade e

retidão de V. Excia. para que se digne conceder-lhe a continuação dos

carneiros, seu pequeno patrimônio356

.

No documento apresentado, percebemos a preocupação da Irmandade do Amparo com

os prejuízos que a proibição dos enterramentos nas Igrejas, em razão da epidemia de cólera

lhe causaria. Os carneiros de ossos que dispunha na Matriz, por doação do Padre Aniceto, era

uma das únicas formas de conseguir renda para as despesas devocionais da irmandade. No

entanto, precisando construí-los fora do corpo do templo, num dos corredores externos, ela

teve que disputar o espaço com a Irmandade do Sacramento que também assim procedeu. Em

sua defesa, os irmãos do Amparo alegam ser a irmandade “pobríssima e aquela ter outros

patrimônios como terras que não [pagavam] rendimentos” 357

, o que justifica o direito da

primeira de continuar construindo os carneiros de ossos, já que de “nenhum outro recurso

[podia] dispor”358

.

Para João José Reis, os carneiros redefiniram

o lugar dos mortos no espaço e a relação, neste espaço, entre vivos e mortos.

Estes deixaram de ser pisados e lembrados diariamente pelos freqüentadores

das igrejas, tornando-se reclusos, ocultos àqueles que não se lembrassem de

visitá-los naqueles subsolos. Longe das visitas dos vivos, os mortos agora

355

DAVID, Onildo Reis. O inimigo invisível. Epidemia na Bahia no século XIX. Salvador: EDUFBA. Editora

SARAHLETRAS, 1996, p. 15. 356

Requerimento da Irmandade de Nossa Senhora do Amparo para o presidente da Província. APEB. Seção de

documentos coloniais e provinciais. Maço 5255. 357

Ibidem. 358

Ibidem

Page 110: Antonio da Conceição Nascimento

110

também se separavam de seus santos de devoção e do senhor do altar-

menor359

.

Em Maragogipe, não podendo as irmandades construir no subsolo, a alternativa foi aproveitar

as laterais da igreja Matriz para erguer os carneiros de ossos. Esse local talvez relativize o

“completo distanciamento” que nos apresenta João José Reis, pelo menos do campo de visão

dos fiéis católicos que freqüentavam a igreja. Acreditamos que essa relação de distanciamento

se deu, sobretudo, após o efetivo funcionamento do cemitério, que, além de lugar de

enterramento, dispunha de carneiros de ossos. Com isso, os mortos foram definitivamente

afastados do templo e dos vivos.

O documento dos irmãos de Nossa Senhora do Amparo nos mostra ainda as estratégias

das irmandades depois do dia 03 de agosto de 1855, quando o governo provincial confirmou

definitivamente a lei de proibição das inumações dentro da cidade360

em razão da epidemia de

cólera que acometeu a Bahia. Depois de passado o perigo da cólera, o costume de “depositar

os ossos na capela da Igreja onde o morto era irmão ou simpatizante da confraria”361

se tornou

freqüente. Em Maragogipe, sem poder enterrar na igreja, pelo menos os ossos eram levados

pelos irmãos confrades para perto do templo e depositados nos carneiros, na sua parte externa,

certamente quando o perigo de contaminação que o corpo em decomposição oferecia já havia

passado. O inverso se deu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 1850. As irmandades

mesmo com muita resistência, transladaram os restos mortais de seus irmãos para o novo

cemitério362

.

A epidemia de cólera na Bahia (1855) foi a oportunidade dos médicos baianos

colocarem em prática seu projeto de higienização da cidade, no intuito de limpar o ar, “pois

ele era o veículo dos miasmas e estes causavam a cólera”363

. Os gases exalados pela

decomposição dos cadáveres tornavam-se cada vez mais perniciosos na opinião dos médicos.

Isso colocou os enterramentos nas igrejas no cerne das preocupações com a saúde pública.

Não era a primeira vez que os médicos interferiam nos costumes relacionados à morte

em nome da higienização da cidade. Segundo João José Reis, em 1825, um decreto imperial

atacava as práticas tradicionais de enterro como anti-higiênicas e supersticiosas, e exigia que

medidas fossem tomadas no intuito de colocar o cemitério para fora das cidades. Foi só com a

lei de estruturação dos municípios em 1828 que esta política imperial ganharia uma dimensão

359

REIS, 1991, p. 178. 360

Ver DAVID, 1996, p. 83-84. 361

FARIAS, 1997, p. 105. 362

TAVARRES, 2007, p. 210. 363

DAVID, 1996, p. 83.

Page 111: Antonio da Conceição Nascimento

111

nacional. Assim, as idéias médicas referentes aos enterramentos “rapidamente ganhavam

corpo no Brasil na década de 1830”364

. A sociedade civilizada do espaço urbano requeria que

a morte fosse higienizada e que os mortos fossem segregados em cemitérios afastados da

cidade. Os médicos propunham tirar os mortos do meio da agitação dos vivos e pregavam

uma destinação moderna para eles, ou seja, cemitérios espacialmente equilibrados e a uma

boa distância da vida social. Era necessário preservar a higiene pública do grande inimigo que

os corpos mortos produziam: os miasmas. Eram muitas as histórias em que pessoas haviam

adoecido e morrido depois de terem estado próximas às sepulturas abertas, onde os gases

miasmáticos exalavam.

Mesmo diante dos riscos e medos que se propagavam em relação aos males

miasmáticos, a Bahia do século XIX possuía uma forte cultura funerária legada às irmandades

religiosas, e estas reagiram quando se viram ameaçadas por um decreto que rompia

radicalmente com os costumes tradicionais. Podemos perceber melhor a força dessa cultura

numa comparação dos casos francês e baiano, que aconteceram respectivamente no final do

século XVIII e primeira metade do XIX. Em 1785, o cemitério dos Inocentes foi arrancado do

coração de Paris sem nenhuma reação coletiva da população. Para Ariès “o fato dessa situação

ter sido possível revela o estado de sensibilidade coletiva em meados do século XVIII, e a

indiferença existente com respeito aos mortos e sua sepultura, pelo menos em Paris”365

.

Diferente dos franceses, os baianos foram às ruas em 1836 protestar e tentar impedir a

construção do cemitério Campo Santo, que significava o fim dos enterramentos nas igrejas.

Mais que isso, a construção do cemitério significava uma ameaça à rede de relações que

incluía os cidadãos baianos, as irmandades e a Igreja. A Cemiterada366

foi uma luta motivada

pelos sentimentos dos baianos, em defesa da conservação de toda a representação ritualística

que envolvia a morte. No entanto, mesmo diante de toda a agitação e revolta popular em face

da mudança do costume de enterramento, os planos para a construção do novo espaço de

enterro se concretizou.

O modelo de cemitério definido para a Bahia “o previa cercado, mas sem fechá-lo

inteiramente à visão dos vivos, com grades de ferro sobre um muro baixo e um portão de ferro

364

REIS, 1991, p.247. 365

ARIÈS, 1990, p. 542. 366

REIS, 1991, p.13. A Cemiterada ocorreu em 25 de outubro de 1836 e começou com uma manifestação de

protesto organizada pelas irmandades e ordens terceiras de Salvador, que cuidavam dos funerais de seus

membros. A reação popular foi por causa da lei de proibição dos enterros nas igrejas que entraria em vigor no dia

seguinte. Esta lei feriu diretamente os interesses dessas irmandades que, tinham como uma de suas atividades o

trato de funerais que quase sempre eram feitos nas igrejas.

Page 112: Antonio da Conceição Nascimento

112

apoiado em dois fortes pilares”367

. Haveria agora um lugar específico para os vivos orarem

próximos aos seus defuntos, pois estava incluso no plano uma capela no centro. Um elemento

novo nos ritos fúnebres, que mais tarde, nos séculos que se seguiram, gerou a individualidade

da oração pelos mortos, haja vista, que isso ficava por conta da Igreja, quando nelas os corpos

eram sepultados, e, coletivamente os fiéis oravam pela salvação das almas.

Diferente do caso europeu, onde o cemitério passou a fazer parte das cidades a partir

do século XVIII, foi na primeira metade do XIX que essa idéia começou a ser cogitada na

Bahia. No entanto, foi em 1855 “auxiliados pela epidemia [que] os doutores e os

governantes”, efetivamente, conseguiram proibir os enterramentos nos templos católicos e os

colocaram em cemitérios localizados fora do perímetro da cidade, aquém da sociabilidade

rotineira dos vivos. Em São Luis no Maranhão, no final da primeira metade dos oitocentos, a

construção de cemitérios que substituíssem as igrejas como locais de enterramentos já fazia

parte do projeto de higienização da cidade, mas, mesmo com a realização do projeto, foi

somente em 1855 que “a legislação proibindo os enterros nas igrejas em São Luís parece ter

sido mais severamente seguida”368

.

Mesmo não podendo fazer as inumações no corpo da igreja, como vimos no

documento enviado ao Presidente da Província pela Irmandade de Nossa Senhora do Amparo,

as irmandades conseguiram, de alguma forma, manter um costume que se apresentava forte

entre os cristãos: manter o corpo dos irmãos falecidos no templo. Em não podendo dessa

forma proceder, a estratégia foi tentar manter o vínculo através dos carneiros de ossos. Esse

cuidado com os restos mortais que se apresenta na Maragogipe da segunda metade do XIX

constitui uma atitude defendida por Santo Agostinho, não enquanto necessária para a

salvação, mas no nível do cuidado que se deve ter com o corpo, por figurar neste gesto uma

virtude cristã, a piedade:

Isso, contudo, não é motivo para se deixar com desdém, ao abandono os

despojos dos mortos, em especial os dos justos e dos fiéis, órgãos e

instrumentos do espírito para toda boa obra. Se a roupa do pai, o anel ou

objeto semelhante é tanto mais precioso para os filhos quanto mais terna é

sua piedade filial, que cuidado não nos merece nosso corpo, que está mais

intimamente ligado que a roupa, seja ela qual for? Com efeito o corpo não é

apenas ornamento do homem, adjutório exterior, mas é parte de sua natureza

humana. Esta é a causa dos derradeiros deveres de piedade solenemente

prestados aos justos dos velhos tempos, a pompa de suas exéquias, os

cuidados com sua sepultura e as ordens que eles mesmos, durante a vida,

367

REIS, 1991,p. 295. 368

Ver COE, Agostinho Júnior Holanda. O Discurso Médico de Transferência dos Enterramentos das igrejas

Para os cemitérios Em São Luís (1820-1860). XII Encontro Regional de História ANPHU-RJ, 2006. Disponível

em:http://www.rj.anpuh.org/resources/rj/Anais/2006/conferencias/Agostinho%20Junior%20Holanda%20Coe.pd

f. Acesso em 11.12.2010.

Page 113: Antonio da Conceição Nascimento

113

confiavam aos filhos, para o sepultamento ou a transladação de seus restos

mortais369

.

A preocupação com o lugar onde jazeria o corpo era bastante forte na sociedade de

Maragogipe e mesmo com a posterior construção do cemitério, que veio a dar uma destinação

definitiva aos mortos, a proteção dos santos e símbolos religiosos não foi dispensada nos

túmulos que datam ainda da segunda metade do XIX. O túmulo retangular, com uma pequena

capela com uma cruz em cima e uma imagem de um santo de devoção apresenta suas

semelhanças com uma igreja, talvez uma recriação saída do desejo, não mais viável, de ser

enterrado sob a proteção da igreja. “Essas pequenas igrejas permitiram transportar para o

terreno do cemitério a sacralidade dos enterros no solo dos templos”370

, afirma Ribeiro.

Se os riscos que as inumações endógenas nos templos poderiam causar à saúde

tornaram-se questão de saúde pública, o trato que os corpos estavam tendo depois da

proibição também mobilizou setores governantes em Maragogipe. A 8 de abril de 1858, três

anos depois da radical medida, a Câmara de Maragogipe informa e pede ao Procurador Fiscal

da tesouraria da Província:

A Câmara Municipal de Maragogipe vendo o estado indecente e pernicioso,

com que se fazem aqui os enterramentos, indigno de pessoas civilizadas vai

unir suas vozes a da Casa da Santa Misericórdia desta cidade a fim de que V.

Exa. se digne mandar aprovar a desapropriação do terreno em que está

projetada a edificação do cemitério abstendo-se de apresentar e desenvolver

o que a Mesa Administrativa daquela casa tão bem já o fez quando pediu a

valiosa coadjuvação de V. Exa.371

O documento assinado por membros das duas instituições, a Câmara Municipal e da

Santa Casa de Misericórdia, revela a desestabilizadora situação em que ficaram os

enterramentos em Maragogipe. Não podendo mais voltar a enterrar nas igrejas, o cemitério

tornou-se urgente para manter a decência dos ritos que faziam parte da forte cultura funerária

dos cidadãos de Maragogipe.

3.1.3 A construção do cemitério.

A preocupação com os enterramentos que apresentou a Câmara de Maragogipe tinha

suas razões. No período entre 1855 e 1861, conforme nos aponta a documentação da Santa

Casa de Misericórdia, os corpos estavam sendo enterrados num lugar improvisado e sem

369

AGOSTINHO, 2002, p. 160-161. 370

RIBEIRO, 2005, p. 148. 371

Documentos da Câmara de Maragogipe. APEB. Seção de documentos colonial e provincial. Maço 1348

Page 114: Antonio da Conceição Nascimento

114

muitas possibilidades de realização dos rituais que compunham a cultura funerária. Em 1860,

a mesma Santa Casa fez um pedido de urgência na desapropriação do terreno para a

construção do cemitério “porque os corpos humanos são enterrados em um campo aberto

aonde pastam os animais”372

. Eis aí os motivos da preocupação da Câmara e senão uma

localização, pelo menos uma indicação de onde passaram a ser feitos os enterramentos após a

lei de 1855.

Sobre os arranjos para a construção do cemitério a própria Santa Casa nos informa os

percalços dessa trajetória que não tiveram fim nem mesmo com a inauguração do cemitério

em 18 de novembro de 1862373

. Ao que parece, a preocupação com a construção de um

cemitério já pairava entre os membros da Santa Casa antes mesmo de 1855 pois,

Para esta obra havia um conto de réis oferecido desde antes da epidemia da

cólera pelo Capitão Manoel Ferreira d‟Oliveira atual provedor da Santa Casa

e esta de sua parte se comprometia a dar cinco ou seis contos, pedindo,

porém a Presidência a desapropriação do terreno indigitado, pertencente a

uns órfãos, feita a indenização pelos cofres Provinciais374

.

Isso demonstra que, pelo menos, os membros da Santa Casa de Misericórdia estavam em

sintonia com os ideais de saúde pública que se propagavam na Bahia desde a primeira metade

do XIX.

O terreno onde se edificaria o novo lugar de enterramento já havia sido avaliado desde

1858, no entanto, a desapropriação que dependia do Procurador Fiscal da Província, o Dr.

Joaquim Carneiro de Campos, não foi realizada, como fica expresso no trecho do documento

abaixo:

No tempo da sabia administração do Exmo. Conselheiro João Lins Vieira

reconhecendo ele a necessidade que havia do cemitério mandou examinar o

terreno por engenheiro e tirar a planta, [...] sendo o terreno particular

ordenou ao Procurador Fiscal interino da Tesouraria Provincial para

desapropriá-lo, parece deixando aquele conselheiro a administração da

Província, jamais cuidou o Procurador Fiscal em cumprir com o que lhe foi

ordenado, e esta Mesa não pode dar princípio a edificação do cemitério por

falta do terreno, que aquele administrador prometera dar a Custa da

Província. Depois vindo administrar a Província o Sr. Francisco Xavier

Barreto ordenou ao mesmo Procurador Fiscal que lhe exprimisse a razão por

que ainda não se tinha desapropriado, e o que Dalí em diante passou, esta

Mesa ignora. Assim confiando na [...] e justiça de V. Exa. espera que V.

Exa. se digne dar suas ordens para que se leve a efeito uma obra tão precisa

372

Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1860. Maço 5393. Caixa 1751. 373

“Tendo hoje realizado a inauguração solene do cemitério desta Santa Casa a Mesa abaixo assinada julgando

de seu dever o levar ao conhecimento de V. Excia. e cumprindo-o pelo presente”. Documentos da Santa Casa de

Misericórdia, 1862. Maço 5393. Caixa 1751. 374

Op. Cit.

Page 115: Antonio da Conceição Nascimento

115

como V. Exa. reconheceu e como prometeu ao Provedor desta Casa quando

aqui esteve375

.

Aos questionamentos do presidente da Província acerca da desapropriação do terreno

para a edificação do cemitério que ainda não havia sido feita, respondeu o Sr. Francisco

Xavier Pinto Lima sem dar explicações que esclarecessem os motivos de tal emperramento:

Havendo o antecessor de V. Excia. o Exmo. Senador Cansansão do Sinibú

nomeado uma comissão de que fiz parte para a vista do exame que fizesse

indicação a localidade mais adequada à construção de um cemitério para

aquela cidade, deu ela seu parecer, designando não o lugar onde hoje são

sepultados os cadáveres dos fiéis mas sim o conhecido pela denominação de

Bena Boi.

Com este parecer conformou-se o engenheiro Sanoir, que depois mandou o

mesmo Exmo. Administrador à referida cidade e apresentou uma planta e

orçamento do projetado cemitério.

[...]

Na presidência do Exmo. Sr. Paes Barreto a este recorreu de novo a Santa

Casa de Maragogipe e designando-se o mesmo presidente pedir-me

informações foram estas dadas circunstanciadamente em todo o acontecido e

em conseqüência das que mandou ele de novo que o predito Procurador

Fiscal procedesse a desapropriação; mas ainda sem efeito porque hum só ato

não fez esse empregado a tal respeito até o presente376

Não encontramos nenhuma declaração ou resposta do Procurador Fiscal Dr. Joaquim

Carneiro de Campos, mas, ainda em 1861, o terreno foi desapropriado, pois encontramos na

prestação de contas da Santa Casa de Misericórdia, de julho do mesmo ano, declarada a

quantia de um conto e quinhentos mil réis na feitura do cemitério, sendo que um terço desse

valor foi doado “por S. M. o Imperador por ocasião de sua imprescindível e sempre lembrada

visita”377

a Maragogipe em 1859, e o restante, doado pelo então provedor, o Capitão Manoel

Ferreira d‟Oliveira. A construção do cemitério da Santa Casa em Maragogipe, apesar das

reclamações de atraso para a liberação do terreno, aconteceu dentro de um prazo razoável, em

Cuiabá, isso só ocorreu em 1864, quando se instituiu um Regulamento para os cemitérios

públicos e os enterramentos deixaram de acontecer no interior das igrejas378

.

No interstício entre a epidemia de cólera e o começo da edificação do cemitério, os

enterramentos voltaram a acontecer no interior da igreja matriz. Ainda em 1861, antes

mesmo da liberação do terreno que tanto se protelou, a Santa Casa em uma de suas

reclamações alegava a urgência da efetivação da obra “a fim de acabar por uma vez com as

375

Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1860. Maço 5393. Caixa 1751. 376

Ibidem. 377

Ibidem. 378

Ver ROCHA, Maria Aparecida Borges de Barros. História, memória e documentação: arquivos, prática

historiográfica e a secularização dos cemitérios de Cuiabá nos séculos XIX e XX. In.: História Agora: a revista

de História do tempo presente. Disponível em: www.historiagora.com/dmdocuments/revista9_DOSSIE_8.pdf.

Acesso em Ago. 2010, p. 18.

Page 116: Antonio da Conceição Nascimento

116

sepulturas de que consta o pavimento da matriz”379

. Ao que parece, passado o perigo e o

medo da cólera, as inumações voltaram a ser realizadas no templo de São Bartolomeu. A

Santa Casa atrelou essa situação ao fato de que os carneiros ainda não haviam sido

construídos. O que não foi possível de ser feito devido ao esforço financeiro que excedeu seu

patrimônio. Além disso, ela foi “privada nos anos de 1864 e 1865 das Ordinárias que as Leis

Provinciais anteriores concedia-lhe e com cujo auxílio fazia parte de suas despesas na

admissão e tratamento dos miseráveis que a ela se socorriam”380

. Assim, “foram, portanto

fechadas as portas aos desolados por não haver recursos, e por espaço desses dois anos

abandonado o estabelecimento”381

.

Nos anos seguintes, o cemitério foi mantido com dificuldades por não receber a Santa

Casa, em 1866 e 1867, o que para ela foi orçado. Assim, o conteúdo dos ofícios enviados ao

Presidente da Província quase sempre era o mesmo, como fica bem expresso no documento

datado de 15 de novembro1868:

Desde então até o presente estando a Santa Casa com grandes dificuldades

para manter-se não lhe tem sido entregue pelo cofre Provincial um só real do

que lhe tem sido consignado nos orçamentos vigentes e viu-se por demais

forçada a não concluir a obra do cemitério que com grande sacrifício se acha

só faltando o levantamento de carneiros e a conclusão da capela para acabar

com os enterramentos na Igreja Matriz da cidade onde há um século e meio

sepultando-se os cadáveres da Freguesia já se acha em um estado quase

impossível de continuação ameaçado dos grandes males que pode causar aos

que nela entram pelo fétido que respiram de suas sepulturas especialmente

nas ocasiões em que são abertas e que se acha a Igreja freqüentada382

.

A citação elucida que nesse período os enterramentos continuaram a ser feitos no

interior da igreja Matriz. O costume de enterrar em carneiros sob a administração das

irmandades era forte o suficiente para não ser facilmente substituído pelo novo costume

implantado pelas autoridades de inumar os corpos no cemitério. Para resolver esta situação a

Santa Casa procedeu logo em construir os carneiros para atender a essa necessidade da

população de Maragogipe ao que informou em 02 de setembro de 1869 ao Presidente da

Província:

Informamos a V. Exa. acerca da Santa Casa de Misericórdia desta cidade [...]

que ela se acha aberta exercendo os fins e que a obra do cemitério se acha

bastante adiantada contando já mais de quarenta carneiros sendo de crer que

em novembro do ano corrente sejam ali os enterramentos383

.

379

Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1861. Maço 5393. Caixa 1751. 380

Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1867. Maço 5393. Caixa 1751. 381

Ibidem 382

Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1869. Maço 5393. Caixa 1751. 383

Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1869. Maço 5393. Caixa 1751.

Page 117: Antonio da Conceição Nascimento

117

Já em 1870, a obra parece ter sido adiantada e o cemitério já contava com “quarenta e

quatro carneiros para homens, trinta e dois para meninos, e outros por acabar”384

. Em 1871,

além de “mais carneiros para adultos e meninos”385

, ficou pronta também a capela do

cemitério. No mesmo documento em que passava essas informações a Santa Casa informou

também que

passou procuração para se requerer quando fosse necessário, a fim de

benzer-se o cemitério e nele terem-se lugar os enterramentos, donde pretende

a santa casa tirar sua receita, pois retirou dos estabelecimentos o capital que

tinha para fazer face as despesas da obra, visto como viu-se sem aqueles dos

cofres públicos386

.

Mais que uma preocupação com a saúde pública, o funcionamento do cemitério era

um investimento para a Santa Casa de Misericórdia. No entanto, os rendimentos que ela

esperava obter com os enterramentos não foram possíveis imediatamente conforme ela mesma

informou em 1877, sua condição financeira não melhorou com o funcionamento do cemitério:

acha-se hoje em alguma decadência e sem recursos próprios até por que o

pequeno patrimônio de que dispunha foi-lhe consumido na edificação de um

cemitério com todas as acomodações higiênicas possíveis para exemplo da

lei que os criou, que depois do da Capital é o que se acha em melhores

condições; não obstante isso sua receita não contrabalança sua despesa, tanto

assim que a santa casa dos seus pequenos rendimentos, ainda dispende parte

deles com as despesas do cemitério, se bem que tenha reduzido o seu pessoal

que acha-se hoje limitado a um administrador e a um servente, devido isso

ao estado da população que é assas pobre e à disposição do art. 10 do

Regimento do cemitério que determina que aqueles que se acham nessas

condições sejam sepultados gratuitamente387

.

No entanto, a crise financeira da Santa Casa é questionável, pois, no ano de 1881 ela

despendeu a quantia de um conto e cento e noventa mil réis em reformas no cemitério, mesmo

mantendo a reclamação de que o que se arrecadava com ele não era suficiente para cobrir as

despesas:

Com tais obras ficou ele em bom estado precisando apenas rebocar os lados

externos das muralhas do nascente e do poente obra que realizarei logo que

as força dos cofres permitirem. Cumpre, entretanto informar a V. Excia. que,

infelizmente o rendimento d‟este estabelecimento não dá para cobrir as

despesas resultando daí haver todos os anos um déficit e é isso devido ao

grande número de sepulturas que gratuitamente se dá as pessoas desvalidas.

Nesse momento, os enterramentos já estavam sendo feitos no cemitério, pois, mesmo

com as dificuldades apresentadas, a reforma aconteceu, porém, não antes de 1872, quando foi

384

Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1870. Maço 5393. Caixa 1751. 385

Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1871. Maço 5393. Caixa 1751. 386

Ibidem 387

Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1877. Maço 5393. Caixa 1751.

Page 118: Antonio da Conceição Nascimento

118

informado que “a capela do Cemitério e este que são propriedade da Santa Casa se acham

prontos faltando somente ter lugar os enterramentos”388

. Até este ano os enterramentos ainda

continuaram a serem feitos no interior da matriz de São Bartolomeu. Mesmo porque, o

regulamento para os enterramentos e utilização do cemitério só se tornou uma preocupação da

Casa de Misericórdia nos anos seguintes, indicação da atividade funerária. Isso não aconteceu

no momento de sua inauguração em 1862, certamente por não haver a necessidade de regular

o que não estava efetivamente sendo usado.

Foi logo em janeiro de 1874 que a Santa Casa enviou ao Presidente da Província o

Regulamento do cemitério para a aprovação. Cremos que a necessidade de regular o espaço

cemiterial, deu-se em decorrência da epidemia de uma varíola que fez muitas vítimas e gerou

uma grande quantidade de enterramentos, como fica expresso na citação abaixo:

Havendo a Mesa Administrativa desta Santa Casa em data de 04 de janeiro

do corrente ano enviado a V. Excia. o regulamento pelo qual se deve reger o

cemitério que se acha pronto a funcionar solicitando de V. Excia as devidas

aprovações, e não havendo até hoje recebido solução vai renovar a V. Excia

aquela súplica atenção à necessidade de prestar-se o mesmo cemitério a os

enterramentos que ora são freqüentes pelas vítimas que a varíola há feito389

.

A resposta à solicitação foi dada em maio do mesmo ano, e ao Regulamento foram

acrescentadas as alterações sugeridas pelo Prelado Diocesano. Assim a Santa Casa recebeu

uma cópia do “respectivo regulamento para ter-lhe efeito as indicadas alterações e tornar-se

efetiva a sua execução”390

.

Pronto o regulamento, já no ano seguinte, 1875, se percebeu sua interferência nos

costumes relacionados à morte. A Santa Casa, em ofício enviado ao Presidente da Província,

informou sobre os conflitos havidos por conta do enterramento de Benta, filha de Dionísio de

Souza Aguiar, membro da Irmandade de São Bartolomeu. Segundo a Santa Casa o parágrafo

cinco do artigo quinto do Regulamento dos cemitérios não permitia o enterramento sem a guia

do pároco que a dava depois de passadas 24 horas do falecimento. Dionísio de Souza Aguiar

queria proceder ao enterramento de sua filha sem a guia e antes de decorrido o tempo

necessário, o que foi permitido pelo escrivão da Santa Casa, gerando assim o conflito entre a

Santa Casa e o pároco, que exigiu providências diante da infração.

No desenrolar das explicações, Dionísio de Souza Aguiar alegou que o pároco negou-

lhe a guia, então, ele recorreu aos costumes para montar sua defesa: “antes os enterramentos

eram feitos sem que precisasse esperar tanto tempo, mas na hora em que pela família fosse

388

Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1872. Maço 5393. Caixa 1751. 389

Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1874. Maço 5393. Caixa 1751. 390

Ibidem.

Page 119: Antonio da Conceição Nascimento

119

decidido.”391

. Reforçou ainda que sua prática tivesse razões no próprio costume da Irmandade,

da qual fazia parte: “os irmãos do orago dessa cidade sempre assim procederam com as

inumações já no cemitério da Santa Casa”. Diante disso resolveu “tomar as providências para

a inumação de sua filha”392

. A versão foi desmentida pelo pároco, que alegou não ter sido

procurado para fornecer a guia e que também não a daria, tendo em vista que “Benta, filha de

Dionísio de Aguiar havia falecido na madrugada ou na manhã do mesmo dia como era sabido,

as vinte e quatro horas só seriam findas na manhã do dia seguinte, e não às seis horas da tarde

do dia do falecimento” 393

. Sem muita repercussão senão a nível local, o Presidente da

Província advertiu que a Santa Casa respeitasse “o regulamento e as coisas da religião para

evitar quaisquer problemas”394

.

O caso em questão nos mostra, de forma muito clara, as mudanças que os

enterramentos no espaço do cemitério, seguindo regras condicionadas a um regulamento,

ocasionaram nos costumes relacionados à morte na sociedade de Maragogipe. Esse caso

reflete bem o que postula Vovelle acerca dos eventos relacionados à morte: “em um mesmo

momento, variando segundo os meios e os lugares, coexistem atitudes tradicionais e atitudes

novas”395

. E estas atitudes muitas vezes coexistem numa relação conflituosa.

Ousamos dizer que este momento do funcionamento do cemitério de Maragogipe,

formal e baseado num regulamento, tenha sido o da intensificação da secularização da morte.

No entanto atentemos para o cuidado do uso do conceito, no sentido que Burke define como

“secularização em sentido fraco”396

, ou seja, as relações estabelecidas pela sociedade católica

de Maragogipe com a morte “que tradicionalmente tinham se expressado em termos

religiosos”397

, sofreram interferências de outros campos, diga-se de passagem a preocupação

política com a saúde pública.

Não mais a família ou a irmandade decidiria sobre os enterramentos, com o

regulamento do cemitério estes teriam que submeter seus costumes às novas regras. Isso nos

391

Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1875. Maço 5393. Caixa 1751 392

Ibidem. Nos documentos que tratam do assunto não há nenhum que tenha sido elaborado diretamente pelo

pároco ou pelo Sr. Dionísio de Souza Aguiar. As versões de cada cerca do ocorrida foram ditas e transcritas pela

Santa Casa de Misericórdia nos ofícios que enviou ao Presidente da Província o Sr. Venâncio José Lisboa para

explicar o conflito. Portanto, o que afirmamos enquanto opinião de cada um dos envolvidos foi feitas a partir

desses documentos. 393

Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1875. Maço 5393. Caixa 1751 394

Ibidem. 395

VOVELLE, Michael. Ideologias e Mentalidades. 2. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 135 396

BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 279-280.

Burke não fecha uma única definição para o termo “secularização”, mas a divide em duas acepções. A primeira,

a secularização no sentido forte, ele classifica como “a rejeição da religião”, já no sentido fraco, seria o “declínio

do sobrenatural”, em que a religião começa a dividir terreno com outras esferas como a política. 397

BURKE, 1989, p. 280.

Page 120: Antonio da Conceição Nascimento

120

remete a Certeau quando trata dos “deslocamentos no quadros de referência”398

. No caso em

questão, as idéias religiosas foram mantidas, mas, a partir de então usadas pela instituição

política, e empregadas numa nova ordem que elas não mais determinavam. Certeau chegou à

conclusão de que mesmo com os deslocamentos nos quadro de referência, o conteúdo da

prática continuou o mesmo, a sua “formalidade” sim passou por transformações no sentido de

adequação ao novo campo referencial. Com o cemitério não foi diferente, as interferências da

religião continuaram, além dos ritos, um exemplo mais direto da divisão do poder foi a guia

que era fornecida pelo pároco e sem a qual não poderiam ser realizados os enterramentos, mas

adequadas e submetidas a regras que não dependiam mais dela definir completamente. É

nesse contexto que vão se estabelecer as relações com a morte da sociedade de Maragogipe e

também dos irmãos de São Bartolomeu a partir de 1874.

3.1.4 Os ritos fúnebres depois do cemitério.

O cemitério, sem dúvida, foi o elemento que possibilitou uma série de mudanças nos

costumes relacionados à morte na sociedade de Maragogipe. Mesmo com a Proclamação da

República em 1889, que secularizou os cemitérios, acreditamos que na organização dos

funerais não houve alterações que interferissem diretamente nas práticas na Irmandade de São

Bartolomeu que já não tivesse sido feita antes. A República atingiu mais o poder da Igreja nas

interferências que fazia em relação aos enterramentos do que o das irmandades, já que a

principal interferência que as irmandades sofreram foi antes desse período com a construção

dos cemitérios.

Mesmo sem poder mais definir completamente sobre o enterramento de seus irmãos, a

Irmandade de São Bartolomeu não deixou de prestar as assistências necessárias na hora da

morte. Mesmo com ma pompa menor, daquelas do século XIX, em que os os cortejos que

eram acompanhados com tochas, velas e os irmãos vestidos com suas capas e capuzes, na

primeira metade do século XX399

, cada um dos membros da irmandade ainda poderiam

398

CERTEAU, Michael de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982, p. 153. No

capítulo IV da segunda parte desta obra, Certeau discute como os quadros de referência vão se deslocando

variando entre religião, moral, Igreja e Estado na transição da Idade Média para os Estados Absolutistas. A

oposição entre protestantes e católicos assim como a investigação científica rompem com a “enfeudação

religiosa”. Em meio a essa oposição surge então a moral como nova posição para referendar comportamentos e

atitudes. As teorias das condutas elaboradas antes a partir da matriz religiosa passaram para o campo da prática

social. A ética passou a classifica os comportamentos no lugar da teologia moral. Diante dessas rupturas houve a

perda das certezas. Não sendo possível encontrá-las através da união das religiões, “se impõe a lei política em

substituição” ao “estilhaçamento” que as incertezas provocaram. 399

Mesmo sem contar com informações detalhadas no intervalo de tempo depois do efetivo funcionamento do

cemitério com seu regulamento até 1943, e o compromisso de 1812, o qual não tivemos acesso, podemos deduzir

Page 121: Antonio da Conceição Nascimento

121

ser acompanhado, na ocasião de seu enterro até o cemitério, por todos os

Irmãos que o puderem fazer e a receber sepultura em carneiro da Irmandade,

quando a mesma os possuir. Logo que se tiver notícia certa do falecimento

de algum irmão, deverá a Irmandade fazer com que seja dado sinal no sino

da Matriz400

.

O enterro continuou sendo por conta da irmandade caso o irmão falecido não deixasse

recursos para a realização de suas exéquias. No entanto a irmandade assim procederia

somente se o pudesse. Foram acrescidas as missas particulares pelas almas dos mesários, além

das que costumeiramente já seriam realizadas para todos os irmãos falecidos. Cada mesário

passou a ter “mais uma missa por sua alma, com a assistência da Mesa Administrativa,

devendo essa ser celebrada o mais cedo possível e devendo também comparecer a ela todos os

irmãos que o puderem fazer”401

. Assim, como afirma Farias se referindo à Irmandade do

Rosário do Pelourinho, “os sufrágios estavam presentes não apenas na hora da morte do

irmão, mas acompanhavam o cotidiano da irmandade em outras ocasiões”402

.

Isso demonstra que, na primeira metade do século XX, os ritos fúnebres ainda tinham

espaço entre as ações da Irmandade de São Bartolomeu, e a missa, como necessidade da

salvação da alma, ainda era uma preocupação entre os seus irmãos. Entre as obrigações da

irmandade constava:

mandar celebrar uma Missa por mês, por todos os irmãos vivos e defuntos e

pelos benfeitores da Irmandade. A esta Missa, que deverá ser celebrada no

altar de São Bartolomeu, deverão assistir, pelo menos dois irmãos revestidos

de capas e de tochas acesas. Para regularidade de sua celebração e para

lembrança mai fiel dos Irmãos, essa Missa deve ser sempre no dia 24 de cada

mês, a não ser que motivo justo determine a sua mudança, o que será

comunicado ao 1º Procurador para aviso à Irmandade403

.

A citação nos apresenta não somente a garantia do sufrágio da missa, e também

algumas formas de organização do rito, como o uso das capas e tochas acesas e o costume da

celebração no altar do santo orago, sempre no dia 24 de cada mês. Esse era um momento, não

somente de rezar pela alma dos irmãos falecidos, mas também, momento de celebração da

memória, na data que corresponde, até hoje, ao dia dedicado a São Bartolomeu. Assim, tantos

os irmãos vivos quanto os falecidos eram lembrados numa mesma celebração diante do santo

padroeiro. Percebemos aí uma forma de comunhão desses três grupos diferentes, mas que

compõem a irmandade em sua totalidade: os irmãos vivos e benfeitores, os falecidos e o santo

que os costumes que se apresentaram no Compromisso de 1943 não se alteraram tanto, haja vista que o cemitério

já estava em funcionamento desde 1874, portanto as alterações já se processaram desde esse período. 400

Art. 8º. Capítulo IV. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 401

Art. 40º. Capítulo VIII. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 402

FARIAS, 1997, p. 102. 403

Art. 4º. Capítulo II. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943.

Page 122: Antonio da Conceição Nascimento

122

padroeiro. Como afirma O‟Dea, “as forças sagradas atuam nos crentes e praticantes de

maneira a fortalecê-los e mantê-los”404

. Talvez a celebração servisse como forma de buscar no

santo o fortalecimento e coesão da irmandade.

Foi assim que permaneceram os costumes da Irmandade de São Bartolomeu na

segunda metade do século XX. Uma vez que esta confraria não mais podia contar com as

sepulturas intra-templo, para garantir um bom funeral aos seus irmãos, situação oscilante

entre 1855 e 1874, anos em que ocorreram respectivamente a epidemia de cólera (a qual não

impediu por muito tempo que os enterramentos voltassem a acontecer no interior da igreja), e

o funcionamento regulamentado do cemitério (com isso cessaram-se as inumações na Matriz),

a preocupação com a salvação da alma permaneceu firme. As missas celebradas

constantemente e que foram enfatizadas no Compromisso de 1943 foram salutares para

manter o ritmo devocional ligado à morte dos irmãos de São Bartolomeu.

3.2 ORGANIZAR A FESTA: UMA TAREFA DA IRMANDADE.

A festa de São Bartolomeu foi o motivo da criação da Irmandade do mesmo orago. Em

estreita relação, ambas caminharam juntas, chegando a um grau de importância central entre

os festejos da sociedade católica de Maragogipe.

As festas religiosas eram freqüentes no Brasil desde o período colonial405

, e no

decorrer do século XIX, nelas foi mantido com força o caráter devocional que ganhava ainda

mais ênfase quando o símbolo referencial da irmandade, o padroeiro, era celebrado nas

missas, ou saía em procissão. Dividindo espaço nas ruas e na programação dos festejos, os

eventos lúdicos também compunham o bojo das práticas de comemoração e louvor aos santos

dos fiéis. Movidos pela crença no poder de intercessão do santo, os irmãos realizavam todo

este “ritual”406

que externava em práticas a devoção a São Bartolomeu.

Como disse Bakhtin, “quase todas as festas religiosas possuíam um aspecto cômico

popular e público, consagrado pela tradição”407

. Estas comemorações, por se desviarem dos

ideais do catolicismo romanizado passaram a ser uma preocupação do clero ultramontano a

partir da segunda metade do XIX, situação evidente nas preocupações de Dom Romualdo de

404

O‟DEA, 1969, p. 35. 405

Ver DEL PRIORE, Mary Lucy. Festas e utopias no Brasil colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000, p. 89-103. 406

BURKE, 1989, p. 204. Tomamos aqui o conceito de Peter Burke que define ritual como “o uso da ação para

expressar significados, em oposição às ações mais utilitárias”, e também a “expressão de significados através de

palavras ou imagens”.. 407

BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de

François Rabelais. São Paulo: HUCITEC, 1987, p. 04.

Page 123: Antonio da Conceição Nascimento

123

Seixas acerca da Irmandade de São Bartolomeu, e principalmente no uso do incenso nas

missas particulares que ele considerou como alusivas a outras práticas que não a de católicos

romanizados, como já discutimos anteriormente. No entanto, a instabilidade da relação entre a

Igreja e o Estado causada pelo ecoar das vozes regalistas levou o clero a “atenuar seu discurso

repressivo em relação às festividades e às manifestações devocionais vivenciadas pelas

irmandades”408

, como ocorreu em Porto Alegre. Ao que parece, a preocupação com a festa

tinha razões no seu caráter público, era uma exposição da própria instituição católica que era

feita pelas irmandades. Dessa forma, “elas precisavam de uma direção oficial por parte da

Igreja”409

.

Diante disso, levando em conta o momento em que a Irmandade foi criada, e não

tendo notícias de que houvesse antes dessa data um culto a São Bartolomeu que fosse

expressivamente popular na freguesia de Maragogipe, acreditamos que a festa ao apóstolo já

tenha começado obedecendo às regras propostas por Roma. Mas verifiquemos o que reza o

Compromisso de 1851 para então percebermos como a irmandade conduziu a festa.

3.2.1 O crescimento da festa de São Bartolomeu e a atuação da Irmandade.

Desde o princípio da Irmandade, estabeleceu-se o dia dedicado a São Bartolomeu para

a realização de sua festa, salvo fosse por ela determinado que acontecesse em outra ocasião.

Para organizar a festa de São Bartolomeu, os irmãos se reuniam um mês antes na sacristia da

igreja Matriz no intuito de deliberar sobre os detalhes do evento. Cumprindo assim o papel

que lhe cabia na organização das atividades católicas da sociedade de Maragogipe.

Sobre o ritual que deveria ser realizado o compromisso trata o seguinte:

esta solenidade se faça (sempre que se possa) com novenas, exposição do

Santíssimo Sacramento no dia da festa, missa cantada, sermão, e procissão à

tarde pelas ruas desta cidade, preparando-se com o maior ornato o altar-mor,

trono, e armação na igreja, na qual assistirão todos os irmãos com suas capas

e tochas, como em quinta-feira maior, e de tarde acompanharão a procissão

do mesmo modo, na qual segurarão as varas do Palio410

;

A descrição nos dá a idéia dos trabalhos realizados nas festividades de 24 de agosto,

começando com a missa participada somente pela irmandade por volta das cinco horas da

manhã, exclusiva da Irmandade - certamente a missa particular a que se refere o Arcebispo

408

TAVARES, 2007, p. 194. 409

AZZI, Riolando. O Episcopado do Brasil frente ao catolicismo popular. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 60. 410

Capítulo XI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851.

Page 124: Antonio da Conceição Nascimento

124

Primaz Dom Romualdo de Seixas quando proibiu o incenso. No mesmo dia mais tarde, às

nove horas, era celebrada outra missa que era aberta aos fiéis que não eram membros da

irmandade, embora também assistida pelos irmãos com seus paramentos.

A ornamentação do altar era uma das preocupações da Irmandade para a boa

composição do ritual da festa. Sendo o lugar privilegiado de São Bartolomeu, ele precisava

corresponder à sua santidade, mas também representar a dedicação e o zelo dos fiéis. Assim o

altar era o lócus, o marco referencial que determinava uma posição de “intenso respeito”411

relacionada com o ícone sagrado. As missas, as orações, as novenas e o próprio ato de adornar

a imagem sacra do padroeiro eram ações que garantiam a dinâmica da fé, e tornavam o altar

ornamentado um espaço movimentado pela ação dos fiéis, ou seja, “um lugar praticado”412

.

A programação se estendia por todo o dia e somente se encerrava com a chegada da

procissão na Matriz, depois de ter passeado por todas as ruas da cidade com a imagem de São

Bartolomeu. Na matriz era dada a benção do Santíssimo Sacramento e encerrados os trabalhos

e louvor ao padroeiro. Assim se dava o ápice do dia dedicado ao padroeiro da cidade. Para

receber sua proteção os fiéis se organizavam para “fortalecê-lo com as festas em seu louvor,

festas que representavam exatamente um ritual de intercâmbio de energias”413

entre fieis e

santo.

Essas atividades que aconteciam no dia culminante da festa eram antecedidas pelas

novenas que eram organizadas e financiadas pelos mordomos e mordomas conforme aponta o

compromisso ao tratar das despesas da festa:

para cujas festividades, serão aplicadas não só as jóias do Juiz, Escrivão, e

mais Oficiais da mesa, como também a que der a Juíza (que haverá),

mordomos, e mordomas para as novenas, e o mais que faltar quando isto não

baste, será satisfeito pelo Tesoureiro, a custa do cofre da Irmandade;

guardando-se em tudo a maior decência possível.

Os mordomos necessariamente não faziam parte da Irmandade, nem constituíam um grupo

com caráter de comissão, trabalhavam juntamente com os irmãos somente durante as

festividades e geralmente se ocupavam individualmente por algumas noites do novenário. As

mordomas muitas vezes eram as próprias esposas dos membros que já se ocupavam de

atividades parecidas, geralmente ligadas à decoração e organização de ritos celebrativos como

a quinta feira maior e demais missas em que a irmandade participava.

411

O‟DEA, 1969, p. 34-35. Ao discutir sobre “o sagrado” abordando idéias de autores como Rudolf Otto e Émile

Durkheim, O‟Dea afirma que a relação humana com sagrado exprime seriedade e leva a atitude da interdição das

coisas que o representam, ou seja os símbolos são postos fora do cotidiano profano, e inseridos nas “práticas

rituais”. Essa relação que não se estabelece com a coisa em si, mas com “um poder que se difunde [nelas]”, faz

uma exigência ao crente ou praticante. “Dá à consciência humana uma obrigação moral, um imperativo ético”. 412

CERTEAU, 1990, p.202. 413

REIS, 1991, 61.

Page 125: Antonio da Conceição Nascimento

125

Levando em conta que as irmandades da Bahia sofreram alterações significativas nos

cultos realizados aos seus oragos na segunda metade do XIX, quando Pio IX proclamou o

dogma da Imaculada Conceição, no intuito de afirmar “o culto mariano em detrimento dos

santos tradicionais cultuados pelos leigos de forma espetacular, carnavalesca e com a inclusão

de elementos de outras crenças religiosas”414

, e tendo a Irmandade de São Bartolomeu já

surgido no contexto das tentativas dessas reformas, principiadas na Bahia por Dom Romualdo

de Seixas, podemos afirmar que sua organização já se deu a partir das ponderações do

Arcebispo, como discutimos no capítulo anterior. Assim, o culto organizado pela Irmandade

ao apóstolo São Bartolomeu surgiu já moldado por critérios estabelecidos pelo clero

ultramontano que desejava para os fiéis católicos uma vivência da fé romanizada. No entanto,

como veremos mais adiante, isso não impediu que os festejos populares se realizassem da

forma mais heterodoxa possível.

Diante disso, acreditamos que assim ocorreu o culto a São Bartolomeu durante toda a

segunda metade do século XIX, sob a organização da Irmandade e seguindo os requisitos que

o compromisso rezava, pois as descrições da festa que encontramos já na primeira metade do

século XX não apontam modificações que interferissem na sua estrutura inicial.

São poucas as informações sobre a situação da Irmandade na condução da festa no

momento da Proclamação da República, que ocasionou a separação oficial entre a Igreja e o

Estado. Isso nos permitiria verificar possíveis alterações feitas nesse período. O que sabemos

data de antes disso, 1884, quando o jornal Echo Maragogipano noticia a distribuição feita

pela Irmandade de São Bartolomeu, dos editais com o programa da festa que parece, já havia

tomado proporção para além dos limites de Maragogipe:

Essa festa que sempre é feita com vivo entusiasmo e imenso esplendor, é de

crer que, no ano corrente, em vista da grande influência que está apoderada a

população e dos esforços envidados pelos encarregados dessa missão

augusta, sobressaia a dos anos pretéritos.

Os habitantes das cidades vizinhas – BAHIA, CACHOEIRA, NAZARÉ e

SANTO AMARO que, por algumas vezes tem tomado parte ativa do

regozijo de que se dominam os maragogipanos por ocasião dessa Festa,

devem louvar nosso dia augusto com as suas presenças, bem assim as

distintas filarmônicas, a fim de darem maior brilhantismo a Festa de nosso

Orago415

Pelas informações que verificamos no periódico Constitucional de 1897, pudemos

perceber que a festa continuou a ser realizada. No entanto, não há certeza da participação da

414

COUTO, Edilece Souza. Festejar os santos em Salvador: Regras eclesiásticas e desobediências leigas (1850-

1930), p. 2. Disponível em: http://www.uesb.br/anpuhba/artigos/anpuh_II/edilece_souza_couto.pdf. Acesso em:

Out. 2010. 415

Echo Maragogipano, ano II, nº. 53 de 24/07/1884.

Page 126: Antonio da Conceição Nascimento

126

Irmandade enquanto a organizadora, tal qual versava o Compromisso de 1851, já que a notícia

não traz nenhuma referência a ela, e somente de alguns nomes assumindo cargos que

remetiam àqueles similares da irmandade. Foram eles José Francisco de Vasconcellos como

tesoureiro, Cornélio Florentino de Souza como escrivão e na função de procuradores Cândido

Gonçalves dos Santos e Serapião Eunápio de Figueiredo.

Alguns trechos da notícia deixam transparecer a possibilidade da não realização da

festa:

É fora de dúvida que enquanto habitar no solo maragogipano corações

devotos à nossa Santa Religião católica, espíritos verdadeiramente cristãos,

filhos amorosos e estremecidos pelas rememorações das glórias imperecíveis

de seu berço natal, a tradicional festa do Ínclito S. Bartolomeu será um fato

consumado416

.

Ora, sendo a festa uma certeza de todos os anos, não haveria motivos para a afirmação

ressaltar de tal forma o seu acontecimento. Mais adiante, fica evidente uma incerteza em

relação à data em que ela seria realizada, que parece, não estava acontecendo no dia dedicado

a São Bartolomeu:

A ansiedade da massa popular pelo rompimento da aurora desse dia traduz-

se pelo interesse particular que cada um de per si revela na indagação da data

designada para os cânticos louvores ao nosso Ínclito orago S. Bartolomeu, o

advogado invencível dos habitantes da cidade das palmeiras417

.

Nesse ano, os “encarregados pela referida festa, no cumprimento restrito de seus deveres”

anunciaram ao público que esta se realizaria “improrrogavelmente [sic], no dia 29 de agosto

próximo vindouro”418

.

Acreditamos que, em meio às agitações e incertezas causadas pela Proclamação da

República, a Festa de São Bartolomeu não tenha sido realizada ou não tenha acontecido com

as pompas de costume. Foi a partir de 1912, quando a Irmandade sofreu uma reforma em seu

compromisso, certamente para se adequar ao novo contexto vivido pela Igreja, que o evento

voltou a acontecer com regularidade. Mesmo que antes disso tenha sido realizado, pela notícia

do ano de 1897 que analisamos, pode ter havido oscilações nesse período de pouco mais de

uma década.

Nos anos seguintes, a Irmandade continuou a empenhar-se na organização da festa de

São Bartolomeu, que já na altura da década de 20 havia ganhado repercussão para além das

fronteiras de Maragogipe. O Jornal “O Prélio” de 1928 trouxe a seguinte notícia: “Como já é

de domínio público virão a esta cidade como de costume vários passeios de recreio,

416

Constitucional, ano II, nº. 76 de 22/07/1897. 417

Ibidem. 418

Constitucional, ano II, nº. 76 de 22/07/1897.

Page 127: Antonio da Conceição Nascimento

127

promovidos pelas estudiosas philarmonicas de cachoeira, Santo Amaro e Capital para se

confraternizar com os seus irmãos do Paragussú, no dia dos louvores ao padroeiro”419

. A festa

de São Bartolomeu ao que parece havia se tornado a manifestação maior da religiosidade

católica de Maragogipe segundo o entusiasmado anúncio do periódico:

É a festa maior: é a sagração mais elevada: o Hosana mais fervoroso, o

glória mais entusiasmático – que este povo celebra, que essa multidão

pratica, que esta população manda aos Céus, num arroubo de fé verdadeira,

com a potencialidade de sincero amor, na ânsia incontida de que para todos

desçam os eflúvios bons do justo, venham os raios vivificadores da luz

portentosa do olhar do Santo, o fluido santo do Apóstolo, o perdão do

Mártir420

À medida que a festa foi crescendo, a irmandade foi sentindo a necessidade de dividir

a tarefa de sua organização e a Mesa administrativa ganhou um grupo extra que pudesse se

ocupar de tais atividades. Acreditamos que essa medida tenha sido começada com a reforma

de 1912, quando os mesários daquele ano contaram com a ajuda de uma Comissão auxiliar,

formada por oito militares, o que denota que, desde lá, a repercussão da Festa de São

Bartolomeu propiciou transformações na tradicional Mesa Administrativa.

A Festa de São Bartolomeu não parou de crescer e na década de 30 já havia ganhado

grande repercussão. O movimento gerado por ela era aguardado por toda a cidade, que se

preparava para receber os visitantes que chegavam por conta dessa ocasião. Uma notícia do

periódico Redenção, de 1936, nos dá uma idéia de como isso ocorria:

Mais vinte e dois dias e o povo maragogipano sentir-se-á satisfeito e

regozijado, e virtude da realização, mo vindouro dia 30, da tradicional Festa

em honra ao nosso Ínclito patrono São Bartolomeu.

Para esse sublime e primoroso acontecimento todos os habitantes desse

rincão adorável, onde nascemos, já se preparam com entusiasmo e capricho,

a fim de serem soleníssimas as homenagens que serão tributadas ao querido

e grande apóstolo do meigo Rabi da Galiléia.

O Sr. Prefeito municipal, por sua vez, dando provas de bom administrador

não tem se descuidado no desempenho de suas árduas funções, empregando

todo esforço possível no louvável intuito de dar a nossa cidade um aspecto

melhor, que proporcione boa impressão àqueles que nos visitem e venham,

como de costume compartilhar de nossas íntimas alegrias.

Pelo que foi anunciado, virão a esta cidade no sorridente dia 30, atraentes

Passeios de Recreio das progressistas cidades de Cachoeira, São Félix,

Muritiba, etc.

[...]

A <Terpsícore Popular>, no Coreto à Praça Dr. João Pessoa deleitará,

deleitará as nossas almas durante os belos dias festivos.

E assim a Grande Festa de Maragogipe será, este ano, imponente e

deslumbrante421

.

419

O Prélio, ano VIII, nº. 347 de 24/08/1928. 420

Ibidem. 421

Redenção, ano VI, nº. 192 de 08/08/1936

Page 128: Antonio da Conceição Nascimento

128

A preocupação do Prefeito com o embelezamento da cidade, podia ter suas razões nas

implicações políticas que isso lhe traria, tendo em vista a importância da festa para a cidade e

sua ressonância nas cidades vizinhas, mas também, poderia estar ligada ao fato de que o

prefeito, Oscar de Araújo Guerreiro, também era membro da Irmandade e, naquele mesmo

ano, assumiu o cargo de Escrivão. De qualquer forma, é notória a repercussão e proporção

que a festa já havia tomado. E pelo que evidencia a notícia, a presença dos visitantes já havia

se tornado um costume.

No ano seguinte, 1937, o mesmo jornal nos informa sobre os visitantes de cada cidade

que visitariam Maragogipe nas festas de São Bartolomeu:

Da heróica Cachoeira, é certo chegarão aqui no dia 29, dois vapores da

Navegação Baiana, trazendo centenas de passeantes e as aplaudidas

filarmônicas – Lira Ceciliana – Minerva Cachoeirana – União Sanfelixta –

Lira Muritibana – e a Lira Guarani – de Cruz das Almas.

Da Capital do Estado virão Também dois passeios de recreio. Um de exmas.

famílias e outro da Associação Tipográfica Baiana, abrilhantando-as duas

filarmônicas422

.

Um verdadeiro festival de filarmônicas se estabelecia na cidade que também abrigava os

visitantes, dando, assim, o tom da grande festa que já havia se tornando o culto ao apóstolo

São Bartolomeu.

Quanto às composições das mesas, de 1912 partimos para 1934, quando novamente

encontramos as listagens de irmãos e comissões que se ocupavam da organização da festa.

Desse último ano em diante, podemos afirmar que os irmãos de São Bartolomeu passaram a

dividir com frequência os trabalhos ligados à festa com comissões que variavam de nome e

função ano a ano. A composição tradicional da Irmandade, composta pelo Juiz, Escrivão

Tesoureiro, Procuradores, Consultores e a Juíza da festa, foi mantida e eram eles quem

coordenavam os trabalhos realizados pelos demais.

Em 1934, as grandes firmas fabricantes de charutos, Suerdieck & Cia e Dannemann &

Cia423

, ocuparam o lugar de Juízas Protetoras. Esta função tinha, certamente, a importância

das quantias que estas firmas poderiam ceder para os gastos com as festividades. Dois anos

depois, as participações das fábricas ainda se fizeram pela colaboração financeira, mas

422

Redenção, ano VII, nº. 234 de 14/08/1937. 423

GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA. Carnaval de Maragogipe. Secretaria de Cultura. IPAC. Salvador:

FPC, 2010. Disponível:

http://www.ipac.ba.gov.br/site/conteudo/downloads/arquivos/arquivo1112/3.maragojipe.pdf. Acesso em Nov.

2010, p. 21. Entre as fábricas de charutos que se espalharam pelo Recôncavo, a “Dannemann e a Suerdieck

foram as que mais se destacaram, pelo comércio estável que possuíam, pela quantidade de mão-de-obra utilizada

e por terem contribuído para a prosperidade das cidades onde estavam situadas” Entre essas cidades estava

Maragogipe.

Page 129: Antonio da Conceição Nascimento

129

também com as comissões auxiliares formadas pelos operários de cada uma delas. Dezoito

homens respondendo pela Suerdieck & Cia e dez pela Dannemann & Cia. Entre eles estava

Augusto Malaquias, auxiliar de escritório da Dannemann424

e também membro da Comissão

de Sindicância da Sociedade Protetora dos Operários425

. Não encontramos muitas informações

sobre os demais membros das duas comissões. Operários e homes simples, suas vidas não

estavam no foco dos interesses dos jornais locais.

Durante toda a vida da irmandade, no nível da administração, as mulheres somente

eram representadas pela Juíza da festa, que não tinha o mesmo poder de chefia do Juiz.

Mesmo que assumissem atividades ligadas à Irmandade, seus nomes não constavam nas listas

que compunham as Mesas Administrativas. Em 1934, para além desse cargo assumido pela

esposa do prefeito Anísio Malaquias, Senhora Zilda Marta Malaquias, “alta representação

social, dama da elite, senhora possuidora de excelentes requisitos morais e mãe modelar”426

,

as mulheres passaram a ocupar comissões constituídas somente por elas. A primeira que

temos notícia foi a das “Excelentíssimas Senhoras” em 1934, composta por treze mulheres.

Entre elas, Maria Amélia Dias Peixoto, apontada pelo jornal Redenção como “símbolo da

bondade, uma verdadeira esposa modelar e carinhosa mãe de família”427

.

No ano seguinte, a Irmandade ganhou uma “Comissão de Senhorinhas Auxiliares”,

formada por dez mulheres, da qual faziam parte senhoritas da influente família Guerreiro428

como Bernadete Guerreiro e Auta Damiana Guerreiro, e um outro grupo de oito mulheres

assumindo a função de Juízas protetoras. Ajudaram a compor esse grupo, a esposa do gerente

da Dannemann, João Todt, a Senhora Estela Machado Todt e a esposa do Coronel Afonso

Portela, a Senhora Raimunda Portela, considerada mulher de “gestos altruísticos e nobres

virtudes”, professora de “fidalgo trato” e “rainha e senhora na arte do saber e edificadora mãe

de família”429

. Encabeçando a lista das mulheres, assumiu nesse ano o cargo de Juíza, a

Senhora Claudemira de Brito, esposa de Vitoriano Alves de Souza, político influente do

partido PSD430

. A partir de 1936, a participação das mulheres foi reduzida, e além do cargo de

Juíza, em grupo de cinco, elas compuseram a “Comissão encarregada da ornamentação dos

altares”. Sobre elas, as informações são poucas, e deste ano em diante, nas listagens das

424

Redenção, ano V, nº. 136 de 11/05/1935 425

Redenção, ano VII, nº. 209 de 23/01/1937 426

Redenção, ano V, nº. 144 de 13/05/1935. 427

Redenção, ano V, nº. 136 de 11/05/ 1935. 428

A família Guerreiro da qual estamos citando alguns membros, e a geração dos filhos de João Primo Guerreiro.

Eles eram em número de dez. Heráclio, Oscar, Raul, Temístocles, Juarez, Hibernon, João Mourinho, Afrodísio,

Áureo e Maria Guerreiro. Muitos deles assumiram cargos públicos e políticos em Maragogipe. 429

Redenção, ano III, nº. 65 de 23/09/1933. 430

Redenção, ano VII, nº. 227 de 19/07/1937.

Page 130: Antonio da Conceição Nascimento

130

Mesas administrativas as comissões ou grupos formados especificamente pelas mulheres, não

mais apareceram.

Mesmo diante das poucas informações sobre as mulheres que estiveram na Irmandade,

seja como Juíza da festa ou assumindo uma das Comissões auxiliares, foi possível estabelecer

o perfil social exigido para que pudessem participar de alguma forma da organização da festa

de São Bartolomeu. Virtudes socialmente aclamadas, como “esposa modelar”, “mãe de

família”, “esposa desvelada”, eram requisitos morais que de alguma forma reservava para as

mulheres mais abastadas a participação nos trabalhos da irmandade.

Essa mesma lógica era aplicada à maioria dos homens que fizeram parte das

comissões auxiliares, salvo as que foram formadas pelos operários das fábricas de charutos.

Em 1934, foram nove Juízes protetores devotos do santo, todos chamados Bartolomeu:

Bartolomeu de Brito Souza

Bartolomeu de Albuquerque

Bartolomeu de Souza Santos

Bartolomeu Rebouças

Bartolomeu Alves de Souza

Bartolomeu Moreira

Bartolomeu Faleiro

Bartolomeu de Figueiredo

Bartolomeu Diogenes de Souza

Pelo que sabemos sobre alguns desses devotos de São Bartolomeu, é possível afirmar

que eram homens da elite da cidade. Bartolomeu de Albuquerque dedicava-se ao comércio,

assim como Bartolomeu de Souza Santos, que era um influente comerciante da cidade. Sobre

este último, em ocasião que estava sendo cogitado para disputar as eleições municipais, o

periódico Arquivo fala o seguinte:

Burguês estacionário. Cidadão de conduta exemplar. Fino e astuto. Em suas

gavetas de judeu onzenário vivem acorrentadas muitas figuras boas.

Balzaqueano pesado de voz e físico. Apartidário, não assume compromisso.

É amigo das coisas caídas do céu. Nunca administrou coisa pública. Como

administrador de coisa privada, apesar do atraso, é obreiro e honesto.

Entre elogios e comentários nada favoráveis, pelo menos podemos ter certeza da condição

sócio-econômica dos dois juízes protetores.

Em 1935, mais uma vez, Bartolomeu de Souza Santos assumiu a função, só que desta

vez não a dividiu com seus homônimos, mas com outros vultos de destaque da elite de

Maragogipe. Estavam entre eles, Hibernon Guerreiro que era proprietário de casas de jogos,

atelier de moda e candidato a vereador, nesse mesmo ano, pelo PSD431

, Anfilófio Melo, que

431

Redenção, ano V, nº. 162 de 07/12/1935; Redenção, ano VI, nº. 138 de 25/05/1935.

Page 131: Antonio da Conceição Nascimento

131

além de Oficial do Registro de Imóveis e Hipotecas, era influente político do PSD432

, Anísio

Malaquias, que fora prefeito de Maragogipe e vereador por mais de uma vez, chegando a

assumir a presidência da Câmara em 1937433

, João Batista Soares, que fora Consultor da

Santa Casa de Misericórdia em 1937434

e João Pereira Guedes, proprietário de terras, também

era consultor da Santa Casa de Misericórdia e vereador pelo PSD435

.

Nas comissões auxiliares masculinas também pudemos perceber a abastada condição

social de alguns dos que a compuseram. Por elas passaram nomes como Hibernon Guerreiro,

de quem já falamos, Reinaldo José de Moraes, “competente contador da prefeitura local”436

e

Octaviano Teixeira do Sacramento, negociante e proprietário rural que fora candidato a

vereador pelo PSD em 1935437

. No entanto, pessoas ligadas ao operariado também passaram a

fazer parte dessas comissões, a saber, João Thomaz da Silva, primeiro secretário da Sociedade

Protetora dos Operários de Maragogipe438

, José Luiz Paranhos, que viera a se tornar

presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Fumo em 198439

, o vice-presidente

da Sociedade Protetora dos Operários de Maragogipe João Melo440

, Manoel Veríssimo dos

Santos, Vice-Presidente do Diretório da Sociedade Protetora dos Operários e auxiliar de

escritório da Fábrica Suerdieck441

. Assim, de certa forma, se promovia “a sociabilidade e o

sentimento de pertencimento e identidade”442

relacionado, ao santo padroeiro.

As adições feitas à Irmandade de São Bartolomeu, pelo menos para a ocasião da festa,

sendo as principais as comissões auxiliares e os juízes protetores agruparam pessoas de

grupos sociais distintos. No entanto, o grupo dos juízes protetores, era formado a partir de

critérios de posicionamento, relacionados à condição sócio-econômica e a influência que os

membros tinham na sociedade de Maragogipe. Talvez por fazer referência ao próprio cargo

do Juiz da Irmandade que sempre foi assumido por homens de elevada condição social, assim

como os demais cargos, o que nos permite classificar o perfil social da Irmandade de São

Bartolomeu como uma confraria da elite de Maragogipe. Assim, a Irmandade de São

432

Arquivo, ano V, nº. 44 de 24/08/1955; Arquivo, ano II, nº. 18 de 27/04/1953. 433

Redenção, ano VII, nº. 206 de 19/12/1936; Redenção, ano VII, nº. 13 de 20/02/1937. 434

Redenção, ano VI, nº. 206 de 19/12/1936. 435

Redenção, ano V, nº. 162 de 07/12/1935; Redenção, ano VI, nº. 206 de 19/12/1936. 436

Arquivo, ano II, nº. 18, 27/04/1953. 437

Redenção, ano V, nº. 162 de 07/12/1935 438

Redenção, ano VII, nº. 209 de 23/01/1937. 439

Tribuna do Povo, ano III, nº. 2. 440

Redenção, ano VII, nº. 209 de 23/01/1937 441

Redenção, ano VII, nº. 209 de 23/01/1937; Redenção, ano VII, nº. 211 de 06/02/1937 442

COUTO, Edilece Souza. Devoções, festas e ritos... p. 2.

Page 132: Antonio da Conceição Nascimento

132

Bartolomeu assumia sua “função implícita de representar socialmente, se não

politicamente”443

os diversos grupos sociais, mas, definindo bem o lugar de cada um.

A presença dos operários das fábricas de charutos da cidade nas comissões auxiliares,

que foram formadas nesse período, poderia ter quebrado esse perfil, ou pelo menos aberto

uma via de acesso para as pessoas menos abastadas participarem da organização da festa do

padroeiro, junto com os tradicionais membros da Mesa administrativa, no entanto, pela

análise das Mesas administrativas posteriores não foi isso que verificamos.

Além do crescimento da festa, que tornou necessária a ampliação do contingente para

se ocupar das diversas atividades realizadas, a criação dos grupos extras na Mesa

Administrativas tinha outro desdobramento: as quantias geradas pelas doações de seus

membros, que ajudavam a endossar as jóias pagas pelos mesários. O balancete da receita do

ano de 1936 nos permite visualizar melhor o que ora afirmamos:

FESTA DE SÃO BARTOLOMEU – RECEITA

Do Juiz – Heráclio Guerreiro 200$000

Da Juíza – D. Eleonora Borba 100$000

Do Escrivão – Oscar de Araújo Guerreiro 50$000

Dos Procuradores – Bartolomeu Sant’Anna e Corbiniano Rocha a 20$000

cada um

40$00

Do Consultor – Victoriano Alves de Souza 100$000

Dos Consultores – Claudionor José Fernandes, Dácio Corrêa Carmo,

Marcelino Ribeiro da Silva e Bartolomeu Borba a 20$000 cada um

80$000

Dos Consultores – Dr. Claudio Costa, Álvaro Britto e Raul Leonídio

Guerreiro

25$000

Da Firma Suerdieck Companhia 200$000

Da Companhia de charutos Dannemann 75$000

Da Prefeitura Municipal 200$000

Ofertas de Hibernon Guerreiro 200$000

Dos Operários da C.C. Dannemann (Nagé) 177$000

Dos operários de Themistocles Guerreiro (Coqueiros) 102$000

De João Pereira Guedes, Heurick Caspelhers, João Schicek, Typ. Peixoto,

Antonio Eloi da Silva, Octaviano Teixeira, José Claudino da Silva, Rosalvo

Sanches e Dona Ângela Maria da Silva a 50$000 cada um

450$000

Das Cartas distribuídas por Dácio C. Carmo 131$000

Alexandre Alves Peixoto 24$000

Durval Antonio de Souza 20$000

De cadernetas de Operários – Octaviano Teixeira 95$000

Anselmo T. da Silva 22$500

443

REIS, 1991, p. 53.

Page 133: Antonio da Conceição Nascimento

133

Vieira de Melo e Cia 10$000

Edistío Rebouças 10$000

Manoel Daltro de Castro 10$000

Contribuição dos operários da Fábrica de charutos Suerdieck por intermédio dos

mestres

Almiro Andrade 181$500

Egberto Soares 139$500

Roque Silva 133$500

Jeremias Silva 106$500

Antonio Moreira 105$500

Vicente França 102$000

Manoel Florêncio 92$500

Inocêncio Silva 89$500

B. Bandeira 80$000

Manoel Guimarães 74$000

Clementino Sacramento 73$500

José Batista do Rosário 67$000

Osvaldo Queiroz 65$000

Osvaldo Rebouças 63$5000

João Neréga 63$5000

Antonio Almeida 40$000

José Maurício 41$500

Edílio Carvalho 31$5000

Virgílio Laranjeira 26$000

Contribuição dos operários da Fábrica Dannemann por intermédio dos mestres

Antonio Ignácio 95$000

José Eduardo 68$000

Samuel Carneiro 67$500

Geraldo Grato 31$100

Manoel Lopes 28$500

Arthur Lima 20$300

Manoel dos Santos 128$000

Oscar Silva 11$000

Augusto Malaquias 9$000

Jóias e anuidades dos irmãos 204$000

Esmolas de bolsas 203$000

Resultado de uma Kermesse 102$000

Subscrição geral 1.904$000

S.E.O 6.654$100

DESPEZA

Importância despendida com a festa 6.129$700

Saldo a favor da Irmandade. S.E.O. R$ 524$400

Maragogipe, 30 de setembro de 1936

O Tesoureiro – Benigno dos Santos Rebouças

Page 134: Antonio da Conceição Nascimento

134

Quadro 8 – Balancete de recita e despesa da festa de São Bartolomeu do ano de 1936

444.

Se compararmos o montante da arrecadação das jóias e anuidades dos irmãos, mesmo as que

eram feitas pelos mesários em ocasião da festa com as doações realizadas por aqueles

pertencentes às comissões auxiliares e demais, veremos o quanto elas aumentavam a receita

da irmandade.

Mas o custeio da Festa de São Bartolomeu não era feito somente com as contribuições

dos mesários e das novas comissões auxiliares. Volta e meia, os jornais anunciavam as

iniciativas dos tesoureiros para conseguir fundos que custeassem as despesas com o

tradicional festejo. Em 1937, o tesoureiro “resolveu angariar donativos por meio de cupons

numerados e com direito a onze prêmios”445

. No balancete das despesas e receita de 1968446

,

encontramos, além dos cinco livros de ouro distribuídos em Maragogipe, Salvador,

Guanabara, Recife e Mataripe, ações como balaios juninos, venda de flâmulas com a imagem

de São Bartolomeu e cartas pedindo doações que eram distribuídas na cidade. Esses lugares,

onde se recolhiam quantias dos livros de ouro, correspondiam às colônias de cidadãos de

Maragogipe que moravam fora. Essas medidas foram freqüentes ao longo do tempo em que a

Irmandade esteve efetivamente na condução da festa. Em 1970, além dos livros já citados, o

balancete apresentou prestação de contas de livros que foram entregues inclusive à Petrobrás.

A prefeitura municipal também esteve presente entre os contribuintes.

Se nos anos posteriores a 1936 houve algum hiato nas atividades relacionadas às

comissões auxiliares, certamente, depois de 1943, elas voltaram a ser formadas e executar

funções na organização da festa de São Bartolomeu. O Compromisso reformado desse último

ano, ao estabelecer a data da sessão extraordinária para cuidar da festa que seria num dos

domingos de julho, versava sobre as comissões auxiliares da forma seguinte: “Nessa sessão

serão eleitas as comissões que devem se incumbir de tirar esmolas afim [sic] de auxiliar a

Irmandade nas despesas com a dita festa. Essas comissões poderão ser constituídas por irmãos

e por qualquer pessoa, ainda mesmo alheia à Irmandade”447

. Era nessa ocasião também que se

elegia “uma Juíza de devoção, bem como os mordomos e mordomas da novena ou do tríduo,

conforme o costume”448

. Diante disso, acreditamos que elas continuaram a funcionar, mesmo

porque a festa não regrediu da repercussão que já havia ganhado para que não mais houvesse

444

Fonte: Redenção, Ano VII, Nº 207 de 25 de dezembro de 1936. 445

Redenção, ano VII, nº. 227 de 19/06/1937. 446

Arquivo, ano XVIII, nº. 183 de 27/11/1968. 447

Art. 36. Capítulo VIII. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943 448

Capítulo VIII. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943.

Page 135: Antonio da Conceição Nascimento

135

a necessidade dessas comissões. O que pode ter havido, é que, assim como os nomes dos

mordomos e mordomas nunca apareceram na composição da Mesa administrativa e depois de

1943, também o da juíza de devoção, certamente por não se tratarem de membros oficiais da

Mesa, os eleitos para as comissões auxiliares também deixaram de ser incorporados às

listagens que passaram a ser compostas somente pelos tradicionais cargos da Irmandade.

Além disso, em 1970, na prestação de contas feita no jornal Arquivo, foi mencionada a

quantia de Cr$ 2.592,00 (dois mil quinhentos e noventa e dois cruzeiros)449

, como montante

da contribuição das ditas comissões, o que denota sua participação nos trabalhos da festa.

O mesmo Compromisso trazia também uma serie de seis exigências necessárias para o

ingresso na Irmandade, como já tratamos no capítulo anterior. No entanto, a condição sócio-

econômica continuou a definir quem seriam os irmãos de São Bartolomeu responsáveis por

cuidarem de seus louvores. Entre esses homens, estava Oscar de Araújo Guerreiro que

assumiu o cargo de Juiz, a quem o periódico Arquivo se refere como “comerciante. Burguês.

Progressista” que “governou o município durante seis anos entre o período constitucional e o

regime pré-fascista [sic] de Chico Campos” 450

. Político do PSD, novamente em 1953 ele foi

candidato a prefeito. Antes disso, entre os anos de 1933 e 1936, ele havia assumido os cargos

de Procurador e Tesoureiro da Santa Casa de Misericórdia. Como Tesoureiro estava

Bartolomeu José de Sant‟Anna, que há muito era um influente negociante. No jornal Cidade

de Maragogipe, ainda em 1913, foi noticiada a visita à cidade, do Sr. Julio Almeida Santos,

“ativo representante de uma das firmas comerciais da capital do Estado” 451

que ali veio a

convite de seu amigo Bartolomeu José Sant‟Anna. Isso nos mostra que o tesoureiro da

Irmandade exercia suas influências comerciais para além de Maragogipe. Entre os

procuradores encontramos o negociante e proprietário de terras Benigno dos Santos Rebouças

que já havia assumido o cargo de Tesoureiro em 1936, quando foi vereador eleito pelo PSD452

e Manoel Veríssimo dos Santos, sobre quem já citamos mais acima. Entre os Consultores,

cargo que tinha substituído os mesários desde a reforma de 1912, encabeça a lista o Dr.

Claudio Rodrigues da Costa. Sobre este não sabemos o que lhe conferia o título de doutor,

mas, certamente uma posição social de prestígio. Também Anfilófio Vieira de Mélo e

Bartolomeu de Souza Santos, dos quais já tratamos, fizeram parte desse seleto grupo,

acompanhados pelo “conceituado industrial”453

Manoel Geminiano Barbosa, pelo comerciante

449

Arquivo, ano 21, nº. 214 de 23/06/1971. 450

Arquivo, ano II, nº. 18 de 27/04/1953. 451

Cidade de Maragogipe, ano II, nº. 95 de 20/04/1913. 452

Redenção, ano V, nº. 162 de 07/12/1935. 453

Arquivo, ano II, nº. 18 de 2704/1953.

Page 136: Antonio da Conceição Nascimento

136

Péricles Figueiredo454

e por Salmanazar Antonio de Jesus que já tinha experiências em festas

religiosas, visto que, em 1935 foi responsável pela celebração de Pentencostes da Igreja

Matriz455

.

No ano seguinte, praticamente as mesmas pessoas se alternaram nos cargos, sendo

acrescidos poucos novatos como Corbiniano Rocha. Juiz em 1944, ele era auxiliar de

confiança do escritório da Fábrica Suerdieck & Cia e membro do PSD456

. Também Raul

Leonídio Guerreiro, que assumiu o cargo de mesário no mesmo ano e era tesoureiro da

prefeitura. A experiência de Raul Leonídio em irmandades já tinha antecedente, ele havia sido

Consultor da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição em 1935457

. Fizeram parte desse

grupo também Reinaldo José de Moraes, que mais tarde se tornou “competente contador da

prefeitura local” 458

e Manoel Vespasiano dos Santos, que foi o encarregado da Festa de

Nossa Senhora da Saúde promovida pela Santa Casa de Misericórdia em 1936459

, e era

cunhado de Anísio Malaquias, relevante político da cidade, que já havia sido prefeito de

Maragogipe, vereador em 1935, Consultor da Santa Casa de Misericórdia em 1936 e

Presidente da Câmara de Vereadores em 193460

. Em 1947, quando o Compromisso reformado

foi impresso e distribuído entre os membros da Irmandade, poucos nomes foram acrescidos à

mesa administrativa. O coronel Antonio Eduardo de Andrade, que também era negociante461

,

e Augusto Malaquias, auxiliar da Dannemann e membro da Comissão de Sindicância da

Sociedade Protetora dos Operários462

foram alguns desses, sobre os quais conseguimos

informações.

Pelo perfil social de alguns dos irmãos que apresentamos, é possível perceber que a

elite local continuou a conduzir os louvores ao orago São Bartolomeu. A passagem dos

operários pelas comissões auxiliares, o que poderia significar uma possibilidade de acesso

destes aos cargos da Mesa Administrativa, parece ter sido passageira. Mesmo aqueles que,

não temos certeza se eram abastados, estavam ou já haviam assumido cargos de lideranças em

sindicatos ou até mesmo outras irmandades. Diante disso, podemos afirmar que a Irmandade

de São Bartolomeu era conduzida por aqueles que tinham privilegiada posição social ou de

alguma forma, tinham certo prestígio na sociedade por conta de algum cargo que exerciam.

454

Redenção, ano VI, nº. 176 de 07/03/1936. 455

Redenção, ano V, nº. 140 de 08/06/1935. 456

Redenção, ano VI, nº. 173 de 07/03/1936. 457

Redenção, ano V, nº. 141 de 19/12/1935. 458

Arquivo, ano II, nº. 18 de 27/04/1953. 459

Redenção, ano VI, nº. 205 de 05/12/1936. 460

Redenção, ano VII, nº. 206 de 19/12/1936; Redenção, ano VII, nº. 13 de 20/02/1937. 461

Redenção, ano III, nº. 54 de 25/03/1933. 462

Redenção, ano VII, nº. 209 de 23/01/1937.

Page 137: Antonio da Conceição Nascimento

137

Depois da reforma de seu Compromisso em 1947, mesmo com algumas restrições que

a colocou sob o poder eclesiástico local, a Irmandade de São Bartolomeu seguiu na condução

da festa de seu orago, que ainda consistia no seu objetivo principal. Entre as suas obrigações

ordinárias constadas no Capítulo II, o segundo parágrafo a incumbia de “fazer todos os anos

com religioso esplendor a festa de São Bartolomeu, no dia próprio no domingo que a ele se

seguir, quando o dia 24 de Agosto não cair em dia de domingo, havendo, sempre que for

possível, uma novena ou um tríduo em preparação à festa”463

.

Sobre quem conduziu a Irmandade primeira metade do século XX, somente sabemos

até 1947. Entretanto, podemos afirmar que ela continuou conduzindo a festa. Em 24 de agosto

de 1957, o periódico Arquivo noticia a programação que se fez da forma seguinte:

Conforme o programa distribuído pela Mesa Administrativa da Irmandade

de São Bartolomeu, amanhã, dia 25, as 5,30 e seis horas, serão celebradas

missas festivas na Basílica de São Bartolomeu, por S. Emcia. Caedeal D.

Augusto; às 6,30, 7 e 7,30 horas, por S. Excia. Arcebispo Coadjutor; às 10

horas missa soleníssima cantada pelo Revdmo. Cônego Florisvaldo José de

Souza com assistência Pontificial de S. Emcia. Cardeal da Silva e sermão

por S. Excia. D. Mario Vilas Boas.

À tarde, no coreto do Largo da Matriz, a filarmônica Dois de Julho, deleitará

o povo na execução de várias harmonias de seu rico repertório. Às 20 horas

o S. Excia. Arcebispo Coadjutor oficiará solene Te Deum em Ação de

Graças. Ocupando o púlpito para o sermão de encerramento o Exmo. E

Revdmo. Cônego Rubem Mesquita.

E esperando vários navios da cidade de Cachoeira, Nazaré e Salvador

trazendo inúmeros passeantes e filarmônicas.

Segunda- feira, 26, às 16 horas, percorrerá toda cidade imponente procissão

conduzindo as veneradas imagens do padroeiro e da Imaculada Conceição

acompanhadas das Irmandades, filarmônicas e vultuoso número de fiéis.

Terca- feira, 27, às 15 horas, haverá retreta no coreto do Largo da Matriz,

pela filarmônica Dois de Julho, e às 21 horas a Terpsícore fará a última

tocata, quando um belíssimo trabalho pirotécnico encerará os festejos desse

ano464

A notícia deixa claro que a organização da festa foi um trabalho da Irmandade de São

Bartolomeu. Além disso, nos apresenta atividades que estavam ligadas à festa, mas que não

constituíam a parte religiosa, como a apresentação das filarmônicas no coreto no Largo da

Matriz. Essa diversão fora da igreja já acontecia desde 1920 pelo que sabemos das notícias do

encontro de filarmônicas na cidade. Assim, a festa religiosa, “transformava-se em cenário

para a sociabilidade e, sobretudo, para o lazer, ambos sinônimos de confraternização”465

. Tal

463

Capítulo II. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 464

Arquivo, ano VIII, nº. 63 de 24/08/1957. 465

DEL PRIORE, 2000, p. 92.

Page 138: Antonio da Conceição Nascimento

138

combinação dos elementos religiosos e não religiosos se tornaram “o padrão da maioria das

festas religiosas populares brasileiras”466

desde a época colonial.

Uma notícia do Redenção, de 1937, nos dá uma ideia mais clara de como a diversão

nas ruas acontecia:

Por isso é que encerramos esta nota, pedindo ao povo local para se prepara a

fim de realizar uma festa modernizada no último dia das solenidades do mês

de agosto desse ano, evitando-se é lógico e razoável, com a presença dos

lindos cordões, das batucadas, das filarmônicas, orquestras e grupos

fantasiados, corso de automóveis e etc., a esquisita corrida de cavalos e

burros pelas ruas da cidade.

Desejamos que na terça-feira da grande Festa, o povo se divirta com

entusiasmo, fazendo uso de lança-perfume, serpentinas e confetes, dançando

todos ao ar livre, e ao som de uma das nossas filarmônicas, que ocupará, à

noite, o suntuoso coreto.

Assim o sendo, como deve ser, é bonito, é agradável, empolgará a todos, até

ser queimado o belo fogo de artifício467

.

Essa diversão toda era custeada pela irmandade que pagava para as filarmônicas

tocarem como bem aparece nos balancetes de despesas. Ela também pagava o custo com as

bebidas do Bando anunciador468

, que acontecia sempre no início do mês de agosto tornando

pública a programação da festa. No dia em que era realizado o Bando Anunciador, reuniam-se

cordões469

de senhoritas, filarmônicas, as batucadas que alegravam o carnaval, mascarados e

homens a cavalo que percorriam as ruas da cidade distribuindo a programação da festa. No

final da tarde, na Praça João Pessoa, ajuntavam-se todos para dançar ao som das filarmônicas

Dois de Julho ou a Terpychore Popular470

. No ano de 1937, esse momento tornou-se ainda

mais significativo, pois, pela primeira vez, os devotos de São Bartolomeu iriam ouvir o texto

do Bando Anunciador pela Rádio Sociedade. Para isso, foi instalado pela Irmandade no

coreto, que foi por ela construído471

, certamente para servir a essas comemorações, um alto-

falante que proporcionasse a todos os que estivessem ali reunidos ouvirem a programação da

festa.

Uma programação elaborada pela Irmandade que trazia tanto os ritos religiosos,

missas, procissões e benção do Santíssimo, como as diversões na praça ao som das

filarmônicas que faziam parte do conjunto das festividades de São Bartolomeu. Numa rápida 466

SOUZA, Marina de Mello e. Catolicismo negro no Brasil: santos e minkisi, uma reflexão sobre miscigenação

cultural. In.: Afro-Ásia, nº. 228, p. 125-142, 2002, p. 132. 467

Redenção, ano VII, nº 234 de 14 de agosto de 1937. 468

O Bando anunciador acontecia sempre no início do mês de agosto e constituía uma manifestação festiva nas

ruas de Maragogipe, onde filarmônicas e batucadas garantiam a diversão, enquanto homens a cavalo distribuíam

pelas ruas da cidade a programação da festa de São Bartolomeu. 469

Os cordões eram agrupamentos de foliões que saíam às ruas na festa carnavalesca. No bando anunciador

servia para organizar a manifestação do anúncio da festa de São Bartolomeu. 470

Redenção, ano VII, nº 230 de 17/07/1937. 471

Redenção, ano V, nº 151 de 14/08/1935.

Page 139: Antonio da Conceição Nascimento

139

observação, poderíamos classificar tais eventos em sagrados ou não. Durkheim, tratando

sobre as crenças religiosas, afirma que todas elas apresentam um caráter em comum: “supõem

uma classificação das coisas, reais ou ideais, que os homens representam, em duas classes ou

em dois gêneros opostos, designados geralmente por dois termos distintos traduzidos,

relativamente bem, pelas palavras profano e sagrado”472

. No entanto, não é bem uma

oposição o que verificamos no conjunto das práticas devocionais da Irmandade, no que tange

à festa de São Bartolomeu. Os eventos da festividade, fossem os religiosos ou não, eram

organizados de tal forma que constituíam um todo. A diversão do Bando Anunciador que

poderia ser considerada a parte profana, era importante para a execução da parte religiosa,

assim como a procissão agregava tamanho número de pessoas que, após o seu término, se

divertiam esperando os fogos que homenageavam São Bartolomeu. Havia uma inter-relação

entre ambas as partes, uma “convivialidade entre o sacro e o profano”473

.

Na década de 60, o jornal Arquivo, depois de fazer uma aclamação à festa que já havia

sido realizad,a fez a seguinte alerta:

Há, porém, sobre o que atentar. E cabe aqui fazê-lo. Crê-se não ater ainda

havido por parte da Mesa Administrativa a mínima lembrança de voltar as

vistas, antes do mais, para as condições – quase diríamos – de precariedade

do templo, naquilo que concorre à sua apresentação, ao asseio que se lhe

deve proceder, tanto interna, quanto externamente, e de pequenos reparos,

inclusivemente. Será ele, o Templo, o cartão de visitas de turistas, peregrinos

e forasteiros que regurgitam por entre as ruas da Cidade durante o mês

festivo. É a casa de todos de todo dia. É o céu das gentes, a Voz Dei.

Que a Mesa recém eleita para o próximo ano, sob o decidido comando desse

Paranhos, que não é santo sendo Bartolomeu, dinâmico como se nos mostra,

valha por si e valha sobretudo por quantos o antecederam, no volver as suas

vistas de lince para esse painel secular que é a Igreja Catedral de

Maragogipe474

.

O redator da coluna reconheceu, primeiro, o brilhante trabalho da Irmandade de São

Bartolomeu, mas, não deixou passar o pouco cuidado dela com a manutenção do Templo.

Essa responsabilização mostra como a Irmandade era um referencial quando o assunto eram

as coisas ligadas ao padroeiro, nesse caso, a Igreja Matriz. Mesmo não constando em nenhum

de seus Compromissos, uma sequer linha que a incumbisse disso, ao que parece, socialmente

suas responsabilidades extrapolavam a organização da festa e era agregado tudo o que

dissesse respeito ao orago São Bartolomeu.

472

DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo:

Edições Paulinas, 1989, p. 68. 473

DEL PRIORE, 2000, p. 92. 474

Arquivo, ano XVIII, nº. 181 de 24/09/1968.

Page 140: Antonio da Conceição Nascimento

140

Novamente encontramos, no ano de 1971, uma lista da Mesa Administrativa da

Irmandade de São Bartolomeu, o que nos mostra que, nesse período, ela esteve à frente dos

trabalhos da festividade. Além disso, em janeiro de 1970, o candidato a vereador pelo partido

ARENA, Sr. Bartolomeu Borges Paranhos, que havia sido tesoureiro no ano anterior,

procurou a redação do Arquivo para explicar os motivos de não ter prestado contas do Livro

de Ouro, que circulou entre os maragogipanos que moravam na capital. Explicou o tesoureiro,

que havia confiado o dito livro a um desses moradores, que até a presente data não havia

entregado, nem o livro nem o dinheiro arrecadado. Uma de suas preocupações em tornar

público o caso, foi por não ter podido até então “prestar contas à Mesa Administrativa e ao

novo Tesoureiro, Sr. Ronaldo Souza” 475

que precisava “movimentar os negócios da

Irmandade”476

. Seis anos mais tarde, 1976, a Irmandade lançou no mesmo jornal um balancete

onde constava a receita e despesas da festa e das reformas que ela se empenhou em fazer na

Igreja Matriz. Mesmo não sendo sua responsabilidade, ela considerou as críticas feitas no

jornal e despendeu a quantia de Cr$ 30.780,00 (trinta mil, setecentos e oitenta cruzeiros) com

a compra de materiais e Cr$ 31.050,00 (trinta e um mil e cinquenta cruzeiros) no pagamento

dos trabalhadores que realizaram os reparos que o templo de São Bartolomeu precisava.

Pelas notícias dos jornais, nos anos de 1980, a situação manteve-se, no entanto, cada

vez mais se destacava a figura do tesoureiro como o grande responsável pela festa e, muitas

vezes, nem se mencionava a Irmandade ou a Mesa Administrativa e ele era identificado como

o Tesoureiro da festa, como podemos ver na notícia que se segue:

Do tesoureiro da última festa realizada em louvor ao nosso Padroeiro, Sr.

Walfredo Moraes Santos recebemos o bem elaborado Relatório da festa,

sobressaindo-se o orçamento da receita e despesa.

[...]

Aproveitamos da oportunidade para fazer justiça ao trabalho do Sr. Walfredo

Moraes Santos, não só pelo brilhantismo que soube impor a festa, como

também pela quebra de um tabu, apresentando um verdadeiro fogo de

artifício que, embora fraco, mostrou grandes possibilidades para o futuro477

Isso denota que a Irmandade como um todo já não tinha a mesma força com que vinha

assumindo a organização da festa ao longo de seus 129 anos de devoção ao apóstolo São

Bartolomeu, e o Juiz, que deveria ser a figura mais importante na hierarquia dos cargos,

passou a ficar em segundo plano devido às incumbências do tesoureiro, extremamente

importantes para que a festa acontecesse. Mas, foi nos anos 90, especificamente 1995, data

em que encontramos no jornal Tribuna do Povo, uma notícia reclamando da forma como a

475

Arquivo, ano XIX, nº. 197 de 24/01/1970. 476

Ibidem. 477

Tribuna do Povo, ano VI, nº. 83, Nov/Dez 1985

Page 141: Antonio da Conceição Nascimento

141

festa do São Bartolomeu havia sido realizada, que aconteceu a retirada da irmandade na

condução e organização dos festejos. A notícia é bem clara:

No decorrer do tempo a evolução vai impondo a sua influência irrefreável.

De começo a festa em louvor ao padroeiro era humanizada e atualmente

está completamente comercializada, perdendo assim sua característica

primitiva.

Outrora víamos a música no coreto, tocando peças de harmonia, ouvidas

com respeito, o parque à vontade na praça e o fogo de planta que já se

tornara chato, não passando de uma roda de girar, soltando faíscas

coloridas, outra roda, pequena, a se desfazer no alto, o morteiro a ribombar

nos intervalos, e, por fim, a cara de São Bartolomeu surgindo entre os

fogos ara receber aplausos bobos.

[...]

Outrora, as filarmônicas se revezavam, cada uma ocupando o coreto em

sua noite. Casais e grupos passeavam em torno do coreto. Era uma festa

isenta de maldade, em estilo verdadeiramente provinciano.

Depois veio as disputas entre as cervejas e o maragogipano tornou-se um

grande bebedor dela. Maragogipe está incluída entre as cidades grandes

consumidoras de cerveja. Um primeiro lugar que não lhe traz qualquer

vantagem. Mas se o povo assim o quer nada temos a fazer.

Hoje não é mais possível se passar no Largo da Matriz. Tudo esta apertado

de tal maneira que uma simples pessoa tem dificuldade de andar. Barracas

de todos os lados, partes de parque aqui e ali, mulheres do acarajé,

vendedores de bolas e tudo quanto é bugiganga, bancas de jogo de todo

lado, objetos de cerâmica espalhados pelo chão, e um som infernal para

impedir conversa e ensurdecer pessoas que queiram ou não. Um verdadeiro

ínfero.

No interior da Majestosa Matriz, as beatas não cedem seus lugares por

preço algum. Muita gente de fora, principalmente da zona rural, que vem

prestar homenagem ao santo e agradecer benefícios que nunca receberam.

Maragogipanos residentes no Rio de Janeiro, São Paulo, interior da Bahia,

Sergipe etc. aproveitam a data para vir a terrinha e ao encontro de velhos

amigos.

Há uma observação muito séria a se fazer. O sistema de festa que os

dirigentes da Igreja Católica adotaram, retirando-o de Tesoureiro para o de

Comissão não agradou a população. A queixa é geral e em termos

desagradáveis. Alegam que o tesoureiro da festa, bem ou mal, apresentava

balancete, prestando contas ao público do dinheiro arrecadado etc.

Realmente o povo tem o direito de saber onde e como suas contribuições

foram aplicadas478

.

O texto do periódico nos traz uma clara descrição do que se tornara a festa de São

Bartolomeu. Ao longo dos anos, ela foi crescendo e passando por transformações que a

colocou no posto de uma das maiores festas populares de Maragogipe. Essas transformações

são compreensíveis, afinal, “assim como não há uma História imóvel, também não há uma

festa imóvel”479

, bem disse Vovelle. O passar do tempo e a repercussão que ela tomou a

478

Tribuna do Povo, ano 16, nº. 15, de setembro de 1995. 479

VOVELLE, 1991, p.251

Page 142: Antonio da Conceição Nascimento

142

conduziram a esse processo “continuum de mutações, de transições, de inclusão”480

de

elementos novos e afastamentos de outros.

A irmandade de São Bartolomeu esteve à frente da organização do culto ao seu orago

por 144 anos e, ao longo desse período, o conduziu ao posto alcançado de grande festa

popular. Em 1912, a reforma de seu compromisso agregou à sua Mesa Administrativa as

comissões auxiliares que eram responsáveis por atividades diversas. Com o passar do tempo,

essas comissões, reforçadas no Compromisso de 1943, foram aos poucos sendo coordenadas

pelo irmão Tesoureiro de São Bartolomeu, o que indicou uma refração da Mesa

Administrativa em sua totalidade na condução da festa. Isso fez com que paulatinamente, as

comissões assumissem completamente a condução da festa, culminando, em 1995, na retirada

completa da Irmandade de São Bartolomeu do papel de protagonista dos festejos de seu

padroeiro. Depois dessa data, a Irmandade não mais se articulou para eleger novas Mesas

Administrativas, haja vista que o objetivo de sua criação não mais era sua responsabilidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proliferação das irmandades no Brasil teve relações com as dificuldades de

implantação de uma hierarquia católica forte e centralizada. Esta dificuldade deveu-se

principalmente à ligação entre o Estado e a Igreja, através da instituição do Padroado, que

limitava a autonomia do poder religioso, mantendo-o para atender aos seus interesses. Isso

somado às dificuldades internas do próprio corpo eclesiástico brasileiro, principalmente de

realização do trabalho pastoral devido às dificuldades de locomoção, e também financeiras,

480

Ibidem, p.251

Page 143: Antonio da Conceição Nascimento

143

contribui para que a religiosidade fosse permeada pelas iniciativas dos leigos que, com a

fundação de irmandades, supriam a vida material e espiritual das capelas dos povoados e

cidades brasileiras.

No entanto, não podemos reduzir a atitudes de tantos fiéis que se congregavam em

torno da devoção de um santo, enquanto conseqüência da relação dos dois poderes instituídos,

o religioso e o político, e das dificuldades da Igreja católica na realização de seu trabalho

pastoral. A criação das confrarias tem explicação também nas necessidades espirituais e

materiais dos fiéis católicos. Exemplo disso são as distinções sociais que nelas se

processaram. Cada grupo social reunia-se não somente para cultuar seus santos de devoção,

mas também para ajudarem-se mutuamente a partir das dificuldades que cada um sentia.

Mesmo as confrarias compostas por homens da elite podem ser encaradas dessa forma, um

modo de reunião de um grupo, que procurava se diferenciar e demarcar sua posição social.

Brancos, pardos, negros cativos e libertos, cada um procurou uma forma de manter-se

amparado, ao menos na hora da morte. Além disso, tratando-se da Irmandade de São

Bartolomeu, ao que parece, sua criação atendeu às necessidades de uma recém elevada cidade

que ainda não dispunha de uma forma de melhor organizar o culto ao seu padroeiro.

Administradas pelos próprios leigos, essas irmandades adquiriram independência e

autonomia. Dessa forma, muitas de suas práticas foram se configurando desarraigadas dos

preceitos tridentinos, puramente católicos. Isso incomodava à Igreja, pois, para ela poderia

significar uma perda do controle dessas confrarias. Os próprios episcopais brasileiros, como

Dom Romualdo de Seixas, atento ás questões políticas do Brasil e como essas questões

poderiam interferir nos rumos da Igreja, demonstra preocupações em torno disso. Exemplo

disso foi a recomendação dada à Irmandade de São Bartolomeu sobre o uso de incenso nas

missas particulares.

A saída da Igreja, para recuperar seu controle, foi o processo de romanização

começado na segunda metade do século XIX. Principalmente após a Proclamação da

República, quando da separação oficial entre Estado e Igreja, esse processo se intensificou

devido à necessidade de ajustamento interno para demarcar seu espaço no novo contexto

político. Com isso, medidas começaram a ser colocadas em práticas para manter a ordem

católica nos padrões romanizados. Em muitos casos, as irmandades foram substituídas por

outras devoções trazidas pelas congregações religiosas ou por associações de inteiro controle

do poder eclesiástico como o Apostolado da Oração, que dedicava sua devoção ao Coração de

Jesus, as Filhas de Maria, as Filhas da Caridade de São Vicente, entre outras que se

estabeleciam como as novas formas de agregar os fiéis.

Page 144: Antonio da Conceição Nascimento

144

Em Maragogipe, mesmo com a presença destas associações, algumas irmandades que

estavam inativas ou com seus Compromissos defasados foram selecionadas e reativadas.

Foram elas, as irmandades do Santíssimo Sacramento, de Nossa Senhora da Conceição e de

São Bartolomeu. Essa última estava ligada de tal forma aos festejos de seu santo padroeiro,

que se tornou a confraria mais ressonante em Maragogipe, graças à festa de São Bartolomeu

ter se tornado a maior manifestação religiosa da paróquia. Mas, isso não significou um

resguardo da autonomia dessa confraria, quando das reformas de seu compromisso para que

se adequasse ao controle pretendido pela Igreja na Primeira República. Apesar de manter a

sua função administrativa, ela foi subordinada às decisões do clérigo local através de seu

próprio Compromisso que garantia ao reverendo presidente, a palavra final.

Essa postura da Igreja, em Maragogipe, mostra os caminhos percorridos pelo clero,

frente às irmandades, para concretizar a romanização do catolicismo brasileiro, quando

precisou mantê-las em funcionamento. Essa medida é completamente condizente com as

propostas do documento “Pontos de reforma da Igreja”, do chefe episcopal Dom Macedo

Costa, que aconselhou a manutenção das atividades das irmandades, mas, sob controle para

que não gerassem problemas para a Igreja. No caso da irmandade de São Bartolomeu,

pudemos verificar dois fatores que contribuíram para sua reativação: a festa de seu orago, e

por serem seus membros pessoas de prestígio e representação em Maragogipe. Isso mostra

duas posturas da Igreja no início da república, manter a tradição de cultos de grande

popularidade para não perder fiéis, e firmar aliança com as elites como forma de garantir certa

influência social.

Assim foi feito, sob a organização da Irmandade de São Bartolomeu, da qual estava à

frente pessoas de destacada posição social, o culto foi mantido, e ao que parece, sem

alterações em seus atos tradicionais, haja vista não haver nenhuma reclamação nas fontes

quanto a isso. Talvez por isso ela tenha conseguido manter-se em funcionamento mesmo

depois de todas as transformações pelas quais passou ao longo da segunda metade do XIX e

primeira metade do XX, quando as irmandades, de forma imposta, deixaram de ser um

referencial da vivência da fé dos católicos.

Mesmo nos momentos em que as regras romanizadoras se fizeram sentir na confraria,

através das reformas do seu Compromisso, as fontes mostram que o culto manteve-se com

suas tradicionais diversões populares nas ruas. A única alteração nas práticas devocionais da

Irmandade de São Bartolomeu que verificamos foi a proibição dos enterramentos na igreja

Matriz, ao serem transferidos para o cemitério na década de 1860, mas isso esteve ligado às

questões de saúde pública e não com a romanização. Além disso, essa transferência não

Page 145: Antonio da Conceição Nascimento

145

privou a Irmandade de continuar prestando assistência funerária aos seus confrades, e de

realizar os sufrágios por suas almas, que eram as missas. As investidas da Igreja estavam

muito mais voltadas para os membros da Irmandade do que para suas práticas devocionais. Os

requisitos exigidos para se ser um irmão São Bartolomeu, bem como para ser um dos

mesários atestam isso.

Entre reformas de Compromisso e manutenção das atividades devocionais, dentre as

transformações que a confraria dedicada a São Bartolomeu sofreu, além da perda da

autonomia plena devido à presença do vigário como presidente, também ligada diretamente à

administração e organização da festa, foi a incorporação da comissão auxiliar a partir de 1912.

Ao longo do século XX, outras comissões foram se formando, dentre elas, a de ornamentação,

a de juízes de devoção e a de senhorinhas, que assumiam diversas funções na organização e

manutenção financeira da festa. Estas comissões, cridas pelas reformas da romanização,

foram aos poucos minando o papel da Irmandade de protagonista da organização do culto ao

seu orago, até o ponto em que, no meado da década de 1990, substituíram completamente a

confraria.

FONTES

1. Fontes manuscritas

Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. Seção de arquivo colonial e

provincial. Número 5260.

Documentos da Câmara de Maragogipe. Seção de Arquivo colonial e provincial. APEB –

Maço 1350

Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1863. Maço 5393. Caixa 1751.

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colonial e provincial. Religião / Irmandades – 1839-1885. Maço: 5264.

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Eugênio da Veiga, caixa 07, estante 01, 20GE17.

Processo de genere de Adolpho José da Costa Cerqueira. LEV – Laboratório Eugênio da

Veiga, caixa 14, estante 01, 50PA04.

Processo de genere de Gustavo Adolpho Marinho das Neves. LEV – Laboratório Eugênio da

Veiga, caixa 06, estante 01, 19GE16.

Requerimento da Irmandade de Nossa Senhora do Amparo para o presidente da Província.

APEB. Seção de documentos coloniais e provinciais. Maço 5255.

1.1. Inventários com testamentos

Alexandre Pereira Guedes – APEBAa – 05/1838/2309/06

Aline Moreau. APEBa – 05/1920/2392/23

Ana Joaquina do Amor Divino – APEBAa – 05/1837/2308/07

Angélica Maria das Mercês – APEBAa – 05/1837/2308/04

Antonio Basílio Leite – APEBAa – 04/1835/2306/14

Antonio Pereira da Cunha – APEBAa – 05/1837/2308/06

Augusta Carlota de Jesus – APEBAa – 05/1836/2307/06

Caetana Maria de Oliveira. APEB – 04/1825/2296/15

Corbiniano Coelho Bahia. Arquivo do Fórum de Maragogipe. Caixa 02. N. 21.

Francisco Antonio Bacellar. Arquivo do Fórum de Maragogipe. Caixa 01. N. 15

Inês Maria da Cruz. APEBa – 04/1833/2304/10

Inês Maria de Jesus – APEBa – 05/1837/2308/02

João Gonçalves de Carvalho – APEBa – 05/1839/2310/04

João Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de Jesus – APEBA – 04/1838/2309/03

Joaquim José de Santana – APEBa – 05/1835/2360/01

Joaquim Martins Barbosa – APEBa - 05/1839/2310/03

Page 147: Antonio da Conceição Nascimento

147

José Gonçalves dos Santos. APEBa – 05/1850/2321/01

José Pereira de Souza – APEBa – 05/1837/2308/03

Josefa Rosa Ferreira da Costa – APEBa – 05/1836/2307/02

Padre Manoel Plácido Martins APEBa – 04/1822/2293/01

Maria Inácia do Amor Divino – APEBa – 05/1838/2309/18

Sebastião Eugênio de Quadros – APEBa – 04/1837/2308/08

Úrsula Luiza das Virgens – APEBa – 05/1838/2309/05

1.2. Correspondências

Cartas e requerimentos do Padre Florisvaldo José de Souza ao Arcebispado da Bahia. LEV –

Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de Capelas e Paróquias.

Cartas do Arcebispado Primaz da Bahia para o Padre Florisvaldo José de Souza. LEV –

Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de Capelas e Paróquias.

Lista dos bens da Irmandade do Santíssimo Sacramento. LEV – Laboratório Reitor Eugênio

da Veiga. Caixa de documentos de Irmandades.

Ofício da Câmara Municipal pedindo o salão do consistório a Irmandade do Santíssimo

Sacramento. LEV – Laboratório Reitor Eugênio da Veiga. Caixa de documentos de

Irmandades.

Relação dos bens e confrarias existentes na Freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe.

LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de documentos de Irmandades.

2. Fontes impressas e digitais:

Carta Pastoral Coletiva do Episcopado das Províncias Eclesiásticas Setentrionais do Brasil,

1915, p. 49. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga.

Carta Pastoral de Dom Jerônymo Tomé da Silva, Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil,

1918, p. 02. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga.

Carta Pastoral Coletiva do Episcopado das Províncias Eclesiásticas Setentrionais do Brasil,

1919. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga.

Page 148: Antonio da Conceição Nascimento

148

Compromisso da irmandade de São Bartolomeu de 1943 – acervo particular do professor

Alessandro.

Mapa de todas as freguesias que pertenciam ao arcebispado da Bahia. VILHENA, Luis dos

Santos. A Bahia no século XVIII. Vol. 2, livro II. Bahia: Editora Itapuã, 1969

MONTFORT ASSOCIAÇÃO CULTURAL. Syllabus. Disponível em:

http://www.montfort.org.br. Acesso em: Jul. 2010.

2.1. Jornais

Arquivo, ano II, nº. 18 de 27/04/1953.

Arquivo, ano V, nº. 44 de 24/08/1955.

Arquivo, ano VIII, nº. 63 de 24/08/1957.

Arquivo, ano XVIII, nº. 183 de 27/11/1968.

Arquivo, ano XIX, nº. 197 de 24/01/1970.

Arquivo, ano XIX, nº. 197 de 24/0/1970.

Arquivo, ano XVIII, nº. 181 de 24/09/1968

Arquivo, ano 21, nº. 214 de 23/06 de 1971.

Casa da Cultura de Maragogipe

Cidade de Maragogipe, ano II, nº. 77 de

27/10/1912

Cidade de Maragogipe, ano II, nº. 95 de

20/04/1913

Casa da Cultura de Maragogipe

Constitucional, ano II, nº. 76 de 22/06/1897

Casa da Cultura de Maragogipe

Democrata, ano VI, nº. 201 de 21/04/1877

Casa da Cultura de Maragogipe

Echo Maragogipano, ano II, nº. 53 de

24/07/1884

Casa da Cultura de Maragogipe

Luzeiro, ano X, nº. 162 de 10/08/1947.

Casa da Cultura de Maragogipe

O Prélio. Ano VIII, nº. 347 de 24/08/1928.

Casa da Cultura de Maragogipe

Redenção 1935-1937

IGHB – Instituto Geográfico e

Histórico da Bahia

Tribuna do Povo, ano VI, nº. 83, Nov/Dez

1985

Tribuna do Povo, ano 16, nº. 15/09/1995.

Casa da Cultura de Maragogipe

3. Fontes microfilmadas

Page 149: Antonio da Conceição Nascimento

149

Leituras Religiosas da Bahia (04/1889 a 08/1906); Leituras Religiosas, 1 de junho de 1890. p.

72. Arquivo Público do Estado da Bahia (APEBAa) - Seção de microfilmes.

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Page 155: Antonio da Conceição Nascimento

155

ANEXOS

ANEXO A – Lista de escravos de Maragogipe nos anos de 1851-1852

Africanos 481

Nome Idade Ocupação Senhor

Joana 20 anos Serviço da rua Antonio Basílio Leite

Rita 40 anos Serviço da rua Antonio Basílio Leite

481

Todos esses registros foram tirados dos inventários da Vila de São Bartolomeu de Maragogipe que consta no Arquivo Público do estado da Bahia e datam de 1851 e 1852. Para melhor localização segue os nomes dos senhores e a numeração arquivística dos documentos na lista de fontes.

Page 156: Antonio da Conceição Nascimento

156

Damiana 28 anos Serviço da rua Antonio Basílio Leite

[...] mulher 20 anos Ana Joaquina do Amor Divino

Manoel 50 anos Serviço da

lavoura

Angélica Maria das Mercês

Simão 80 anos Serviço da casa Angélica Maria das Mercês

Bonifácio 40 anos Carregador de

pedra

Joaquim Martins Barbosa

Salvador Joaquim Martins Barbosa

Ricardo Joaquim Martins Barbosa

Veríssimo 50 anos Joaquim Martins Barbosa

Luzia Já idosa 482

Joaquim Martins Barbosa

Eugênia 70 anos Cozinheira Joaquim Martins Barbosa

Antonio 24 anos Augusta Carlota de Jesus

Rita 30 anos Sebastião Eugênio de Quadros

Manoel Úrsula Luiza das Virgens

Cabra

Nome Idade Ocupação Senhor

Martinho 26 José Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de

Jesus

Maria 12 José Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de

Jesus

Desidéria 10 José Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de

Jesus

Manoel 6 José Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de

Jesus

Luis 1 José Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de

Jesus

Luis de

Francisca

1 José Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de

Jesus

Germano 8 José Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de

Jesus

Joana Joaquim José de Santana

Rita 8 Josefa Rosa Ferreira da Costa

Balbina 6 a 7 Maria Inácia do Amor Divino

Balbino 2 Maria Inácia do Amor Divino

Isabel Joaquim José de Santana

Crioulo

Joana 18 Serviço da casa Alexandre Pereira Guedes

Francisco 12 Serviço da casa Ana Joaquina do Amor Divino

Estévam 20 Serviço da casa Ana Joaquina do Amor Divino

482

O termo “já idosa” está sendo usado como aparece no documento, assim como “já velha” foi usado para referenciar a idade da crioula Rita.

Page 157: Antonio da Conceição Nascimento

157

Geraldo 13 Angélica Maria das Mercês

José 6 Angélica Maria das Mercês

Zeferino 7 Angélica Maria das Mercês

Teodósio 3 Angélica Maria das Mercês

Hermínia 22 Serviço da casa Angélica Maria das Mercês

Joaquina 40 Serviço da casa Angélica Maria das Mercês

Maria 11 Angélica Maria das Mercês

Francisca 8 Angélica Maria das Mercês

Luisa 20 Serviço da casa Angélica Maria das Mercês

Maria 18 Serviço da casa Augusta Carlota de Jesus

Luis 30 Antonio Pereira da Cunha

Manoel 18 Antonio Pereira da Cunha

Rita velha Antonio Pereira da Cunha

Manoel 60 Antonio Pereira da Cunha

Luis 30 Inês Maria de Jesus

Daiana 60 Inês Maria de Jesus

João 30 Serviço de casa João Gonçalves de Carvalho

Henrique Joaquim José de Santana

Manoel Joaquim José de Santana

Manoel

Pequeno

Joaquim José de Santana

Rita483

Joaquim José de Santana

Francisco Joaquim José de Santana

Joana Quase 30 Serviço da

lavoura

Ana Roza das Virgens

Zeferino Josefa Rosa Ferreira da Costa

Joaquina 25 Serviço de casa Josefa Rosa Ferreira da Costa

Martha 30 Serviço da

lavoura

Josefa Rosa Ferreira da Costa

Vicente 20 Sebastião Eugênio de Quadros

Iridano 18 Sebastião Eugênio de Quadros

Benedita 6 a 7 Sebastião Eugênio de Quadros

Joaquim 25 Serviço da

lavoura

Maria Inácia do Amor Divino

Floriano 25 Serviço da

lavoura

Maria Inácia do Amor Divino

Theodora 30 Serviço da

lavoura

Maria Inácia do Amor Divino

Outras classificações

Domingas/Pard 1 Antonio Basílio leite

483

Tanto Rita quanto Francisco que vem logo abaixo na tabela eram crianças, apesar de não ter suas idades especificadas, no inventários são denominados crioulinhos.

Page 158: Antonio da Conceição Nascimento

158

a

Luis /Pardo 35 Serviço da

lavoura

José Pereira de Souza

Agostinho/Nag

ô

Joaquim José de Santana

Maria/Nagô Joaquim José de Santana

ANEXO B – Lista de confrarias e irmandades feita pelo padre José de Araújo Mato Grosso

em 1863

Irmandade/Confraria Confirmação Bens que possuía484

484

Relação das irmandades e confrarias com seus bens existentes na Freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe, feita pelo Vigário José de Araújo Mato Grosso em 1863. LEV- Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de capelas e paróquias.

Page 159: Antonio da Conceição Nascimento

159

Irmandade de Santo

Antonio

Por Carta Régia de 1758

Irmandade Nossa Senhora

da Conceição

Por Provisão Régia de 18 de

janeiro de 1768

Uma morada de casa térrea

sita na Rua Nova

Irmandade de São Benedito Por Provisão Régia de 08 de

março de 1768

Uma morada de casa térrea

sita na Rua do Porto

Irmandade do Santíssimo

Sacramento

Por Provisão Régia de 11 de

maio de 1812

Cento e setenta e cinco

braços de terras nos

subúrbios desta cidade no

lugar denominado Caicar;

Uma porção de terras

também nos subúrbios desta

cidade e lugar denominado

Ilha da outra banda;

Uma porção de terras na

freguesia de São Felipe no

lugar denominado Bebedor;

Uma morada de casa térrea

sita a rua nova;

Irmandade São Bartolomeu Por carta passada a 10 de

abril de 1851

Santa Casa de Misericórdia Por carta de 26 de julho de

1856

Em diversos

estabelecimentos de créditos

onze contos novecentos e

doze mil trezentos e sessenta

reis;

A terra em que está edificado

o hospital;

Um terreno no porto das

vacas desta cidade;

Um sítio no lugar

denominado Medeiros neste

termo;

Um escravo por título de

doação.

Page 160: Antonio da Conceição Nascimento

160

Irmandade das Santas

Almas

Por Carta Régia de 05 de

março de 1857.

As Irmandades de Santa

Ana (inativa)

Irmandade do Amparo

(inativa)

ANEXO C – Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de Maragogipe – 1851

Compromisso da Irmandade do Apóstolo São Bartolomeu erecta na sua igreja matriz desta

cidade feita em o ano de 1851 (Bahia, Typographia de Carlos Poggetti. Rua do Julião, n. 32,

1852)

Page 161: Antonio da Conceição Nascimento

161

PRÓLOGO

Todo motivo da instituição desta santa Irmandade não é outro mais que aquele católico zelo

com que os fiéis devotos devem servir a Deus nosso senhor para que com [ilegível] cultos

possam melhor dedicar os devidos aplausos ao Apóstolo S. Bartolomeu, e sendo este o único

motivo que os elevam a um sem fim [ilegível] para maior segurança e estabilidade dela, os

capítulos deste compromisso para por eles se regerem e guardarem as suas disposições.

CAPÍTULO I – DA ENTRADA DOS IRMÃOS

Para que esta irmandade possa conservar-se por muitos anos, serão nela admitidos por irmãos

homens e mulheres tanto desta Freguesia e Termo da Cidade, como de fora dela, sendo

pessoas brancas e pardas somente, as quais darão de entradas a esmola de 4$000 (quatro mil

réis) tanto casados como solteiros, e pagarão todos anualmente 500r$ sendo casados, e os

solteiros ou viúvos sem filhos 320r$, além das mordomagens, pelas quais pagarão R$ 2$000

quando lhes tocar cujas esmolas de entradas, cobrará o irmão Tesoureiro carregando-as no

Livro de Receitas que para esse fim haverá.

Os irmãos solteiros que entrarem nesta irmandade, casando-se com pessoa de sua igualdade,

ficará esta sendo irmã, sem que pague coisa alguma de entrada e somente sujeita aos anuais de

500r$ por si, gozando dos privilégios de irmã, e bem assim seus filhos enquanto estiverem

debaixo do pátrio ou materno poder: e sendo que alguns dos irmãos suceda cair em pobreza e

que por isso não possa pagar o que estiver a dever, não deixará quando morrer de se lhe fazer

os sufrágios de costume, e dar-se-lhe a mortalha e a sepultura que será a custa da irmandade.

CAPÍTULO II – DA ELECEIÇÃO DOS OFICIAIS

Haverá na irmandade um Juiz, Escrivão, Tesoureiro, dois procuradores e oito mesários, os

quais serão eleitos em plena mesa da maneira seguinte: o Juiz escreverá em uma pauta o nome

de três irmãos de sua escolha para juizes e apresentando-o à mesa, fará correr sobre eles o

escrutínio secreto, em que votarão o Escrivão, o Tesoureiro, Procuradores, e Mesários; e

aquele dos três propostos que tiver a maioria será o juiz; e os dois servirão de suplentes para

serem chamados em lugar do primeiro quando este não queira aceitar, preferindo-se sempre o

mais votado até o terceiro, que não aceitando também, servirá de juiz o mesmo santo.

A mesma ordem de votação servirá para o Escrivão, cuja proposta será também deste, e assim

o Tesoureiro e os dois procuradores somente: os Mesários serão propostos por cada um dos

efetivos, e aprovados por toda a mesa, os quais servirão por tempo de um ano, o que não

obstante, nem por isso ficam inibidos de continuarem por mais um, se algum, ou alguns dos

referidos Oficiais tiverem de ser reeleitos.

Page 162: Antonio da Conceição Nascimento

162

A este ato não poderá deixar de assistir o Reverendo Pároco, ou o seu substituto, os quais não

terão voto algum nesta eleição, salvo o direito de lhes pertencer como membros de algum dos

cargos da mesa.

Esta eleição será feita impreterivelmente no dia 15 de agosto, antes do da festividade do Santo

Apóstolo, na Sacristia, ou Consistório de sua matriz, e pelo escrivão lançada com o nome de

todos os votados, no livro respectivo das atas, no qual assinarão o juiz, Pároco e toda a mesa,

para no dia da festividade ser publicada no púlpito.

CAPÍTULO III – DO JUIZ DA IRMANDADE

O juiz da irmandade que for eleito, presidirá todos os atos dela, a que será obrigado a assistir,

não tendo legítimo impedimento, e havendo-o, fará saber à mesa, para que possa em seu lugar

servir o Escrivão, e na falta deste o tesoureiro. A sua jóia não será menos de Rs. 50$000, e

não poderá se obrigado servir mais de uma vez este cargo, salvo se por sua devoção o quiser

ser.

CAPÍTULO IV – DO ESCRIVÃO

O escrivão que for eleito pela forma especificada no capítulo II, será obrigado a dar de jóia de

sua entrada, para as despesas da Festividade a quantia de Rs. 20$000 e terá a seu cargo a

escrituração de todos os livros da Irmandade, em cujo poder ficarão existindo enquanto

exercer este cargo.

CAPÍTULO V – DO TESOUREIRO

Ao tesoureiro fica competindo a conservação e guarda de tudo quanto pertencer à Irmandade,

e a seu cargo fica também toda despesa dela, que a não fará sem a deliberação da mesa, que

para esse fim o autorizará; exceto porém naqueles que se fizerem nas missas nos Domingos ao

santo desta Irmandade, antes da conventual em seu próprio altar: com a dos Irmãos falecidos,

e com o despendido da mortalha, e sepultura dos que por nimiamente pobres, não tiverem

meios para isso, como se acha expresso no capítulo 1º.

Dará conta da receita e despesa da Irmandade, que será lançada em seu competente livro, a

qual será aprovada pela mesma mesa e desatendidas quaisquer parcelas que por suas

declarações se considerarem mal dispendidas, e não poderão servir este cargo mais do que

dois anos, ainda que para isso reeleitos sejam.

Tomará por inventário todos os bens da Irmandade, inclusive jóias, alfaias, e ornamentos a ela

pertencentes, que de tudo levará o Escrivão termo no Livro Competente, com o qual assinará

o mesmo escrivão, e o Tesoureiro, que não poderá fazer empréstimos do que for da irmandade

Page 163: Antonio da Conceição Nascimento

163

para fora da matriz, sem o prévio consentimento da mesa; ficando a cargo deste, a cobrança

de todos os anuais, mordomagens, e o mais que pertencente for a Irmandade, e no caso de ser

precisa qualquer cobrança por justiça, o fará comunicar aos respectivos Procuradores, para

usarem dos meios competentes.

CAPÍTULO VI – DOS PROCURADORES

Haverão dois procuradores, que serão eleitos anualmente, pela maneira estabelecido no

Capítulo 2º, os quais terão por obrigação procurarem tudo quanto pertencente for à

Irmandade, assim de esmolas a anuais, mordomagens, dívidas, rendas, e outras quaisquer

cobranças tendentes à Irmandade, no ano de sua eleição, e do que receberem farão pronta

entrega ao Tesoureiro, de quem haverão recibo, e este as fará lançar pelo Escrivão no livro de

sua receita: sendo mais obrigados a saírem às esmolas às portas dos fiéis devotos, e mais

lugares que julgarem de interesse à Irmandade, que por isso nada pagarão, em atenção aos

seus serviços.

CAPÍTULO VII – DOS LIVROS DA IRMANDADE

Haverão na Irmandade sete livros, a saber: o 1º para termo de eleições dos Juizes, Escrivães,

Tesoureiros, Procuradores, e mais Oficiais da Irmandade; o 2º para termos de entradas dos

irmãos que se houverem de nomear; o 3º para termo de todas as deliberações, e atos da mesa;

o 4º para lançamento das quitações das missas que hajam de se dizer nos domingos, e pelas

almas dos irmãos falecidos; o 5º para lançamento do inventário das jóias, das alfaias, e

ornamentos das irmandades; 6º e 7º finalmente, para receita e despesa da mesma Irmandade.

CAPÍTULO VIII – DAS OBRIGAÇÕES DA IRMANDADE

Dir-se-á em cada uma das domingas do ano, das 6 às 7 horas da manhã, antes da missa

conventual por um capelão a expensas da Irmandade, uma missa incensada e assistida por

seus Irmãos com capas (que serão encarnadas, e de capuzes brancos) e cada um com sua tocha

acesa por tenção dos irmãos vivos e falecidos, no altar do mesmo santo, para o que concorrerá

a Irmandade com as despesas para isso necessárias.

Dir-se-á também pela alma de cada um irmão que falecer, dez missas de esmolas de 500 rs.

Cada uma, as quais, in continenti, se mandarão logo dizer, com preferência a quaisquer outras

despesas, a fim de que não passem de um apara o outro ano, e delas cobrará o Tesoureiro

quitações, que a apresentará a mesa, no dia que for empossada a que houver de suceder-lhe.

CAPÍTULO XIX – DOS IRMÃOS DE MESA

Page 164: Antonio da Conceição Nascimento

164

Eleitos no dia aprasado, o Juiz e mais Oficiais da Irmandade, tomarão estes posse no dia 08 de

setembro do mês seguinte da festividade, do que pagarão os oito mesários, como jóias de suas

entradas a quantia de Rs. 4$000, os quais terão por obrigação assistirem todas as mesas que se

fizerem necessárias para o bem e aumento da dita Irmandade, para o que serão avisados pelos

Procuradores; e dado caso que algum dos referidos mesários por impedimento, ou ausência,

deixe de aparecer, serão chamados para substituir, outros da mesa transacta, até o número

legal.

CAPÍTULO X – DOS ACOMPANHAMENTOS

Falecendo algum irmão, sua mulher ou filho menor, até a idade de 21 anos, e as filhas dos

mesmos enquanto viverem honestamente, debaixo do pátrio, ou materno poder, sairá a

Irmandade com os irmãos que se puderem convocar, com Cruz, tocheiros e suas tochas

acesas, ornados de suas capas. O Juiz levará a vara, e na sua falta o Escrivão, Tesoureiro, ou

algum outro irmão da mesa mais velho; e todos em boa ordem irão acompanhando o corpo até

a sepultura, rezando cada o Padre Nosso e Ave Maria.

O tesoureiro mandará para a casa do irmão falecido quatro tocheiros, e a ser feito o enterro a

custa da Irmandade, mandará também quatro tochas, e duas velas para o altar da imagem do

Senhor crucificado, assim como a capa rocha para o reverendo pároco, que sendo o irmão ou

irmã pobre, lhes faça por caridade essa santa esmola.

CAPÍTULO XI – DO DIA DA FESTA

A festa do Apóstolo São Bartolomeu se fará no seu próprio dia 24 de agosto de cada um ano,

ou naquele em que por deliberação da mesa, esta assentar dever ser, para o que, um mês antes

da mencionada festividade, se reunirá a dita mesa na sacristia, ou consistório de sua matriz, a

fim de tratar sobre um tal objeto, a respeito do qual deverá ter em vista, que esta solenidade se

faça (sempre que se possa) com novenas, exposição do Santíssimo Sacramento no dia da

festa, missa cantada, sermão, e procissão à tarde pelas ruas desta cidade, preparando-se com o

maior ornato o altar-mor, trono, e armação na igreja, na qual assistirão todos os irmãos com

suas capas e tochas, como em quinta-feira maior, e de tarde acompanharão a procissão do

mesmo modo, na qual segurarão as varas do Palio; para cujas festividades, serão aplicadas

não só as jóias do Juiz, Escrivão, e mais Oficiais da mesa, como também a que der a Juíza

(que haverá), mordomos, e mordomas para as novenas, e o mais que faltar quando isto não

baste, será satisfeito pelo Tesoureiro, a custa do cofre da Irmandade; guardando-se em tudo a

maior decência possível.

CAPÍTULO XII – DA POSSE DOS IRMÃOS

Page 165: Antonio da Conceição Nascimento

165

No dia 08 de setembro da Natividade de Nossa Senhora, se ajuntarão os Oficiais novamente

eleitos para servirem na Irmandade, com os Oficiais que têm de se retirarem, e logo o juiz da

mesa finda dará o juramento dos santos evangelhos, aos irmãos que de novo entrarem, de bem

e verdadeiramente servirem a Irmandade, fazendo-lhe entrega de todas as peças e o mais da

Irmandade, pelo livro do inventário, e sendo que alguma coisa lhe falte, fará com que se

pague aquele por cuja culpa se perdeu; e de tudo mais que existir, entregará a dita mesa ao

Tesoureiro, o qual que por seu termo que será lavrado pelo escrivão da mesa finda, assinarão

todos.

Nesse mesmo dia o tesoureiro da mesa finda, apresentará a conta de sua receita e despesa que

teve nesse ano, para ser vista e aprovada pela mesa, que acaba, conforme já fica dito no

capítulo 5º.

CAPÍTULO XII – DAS DISCÓRDIAS ENTRE OS IRMÃOS

Havendo entre os irmãos da nossa Irmandade, algum que seja rebelde aos mandatos da mesa,

perturbando as eleições que se fizerem, ou contra o bem delas, o Juiz fará convocar na

sacristia, ou consistório da nossa Igreja Matriz, os oficiais da mesa, e ali juntos, se proporá

sobre a matéria que deu causa, ou lugar á rebeldia do irmão; e achando-se estar o mesmo

compreendido como perturbador da boa ordem que deve haver entre todos os irmãos, se porá

a votos, os quais serão tomados em escrutínio secreto por toda mesa, e sendo que o irmão

tenha contra si as duas terças partes da votação, será esse imediatamente riscado da Irmandade

para sempre; do que se fará termo, em que assinarão todos.

Sempre que hajam votações, se distribuirão a cada um irmão de mesa duas favas, uma

branca, e outra preta, a branca manifestará a aprovação da mesa em todos os seus atos, e a

preta a reprovação.

10 de abril de 1851

ANEXO D – Alfaias litúrgicas da Irmandade do Santíssimo Sacramento

Alfáias litúrgicas da Irmandade do Santíssimo Sacramento

ALFAIAS LITÚRGICAS MÓVEIS

Duas âmbulas de prata dourada;

Uma custódia grande de prata;

Um par de galhetas de prata com prato e

Uma estante torneada no altar;

Nove cadeiras enfolhadas de sacristia;

Dois bancos de jacarandá;

Page 166: Antonio da Conceição Nascimento

166

outro par sem partos;

Um cálice e patena de prata;

Um cálice grande de prata pára comunhão;

Uma campanhia de prata;

Um sinete de prata com cobre;

Um turíbulo de prata;

Uma naveta com uma colher de prata;

Um altar dourado na capela do Santíssimo

Sacramento;

Um tabernáculo dourado com três astes de

prata;

Um par de candelabros de metal branco;

Um altar da sacristia;

Um relicário de prata decorado;

Três sacras sendo uma grande e duas

pequenas;

Um banco envernizado;

Uma mesa torneada na sacristia;

Um banco envernizado na sacristia;

Uma cômoda na Sacristia;

Quatro bancos de madeira branca para

descansar de charolas;

IMAGENS SACRAS ROUPAS E TAPETES

Uma imagem do Senhor do Bonfim;

Uma imagem do Senhor do Bonfim

aparelhada;

Imagem do Senhor do Bonfim sem

resplendor

Três imagens que serve ao altar

Uma imagem do Senhor ressuscitado;

Uma imagem do senhor Morto;

Uma imagem do Senhor dos Passos;

Uma imagem de Nossa Senhora da Soledade;

Uma imagem do Senhor Menino para o

presépio;

Uma imagem de Deus menino;

Uma cruz de guião;

Uma cruz do Santo lenho;

Um quadro lacrado do Senhor do Bonfim;

Um tapete grande

Dois tapetes pequenos;

Duas estampas de prata, do Santíssimo

Sacramento e do Senhor do Bonfim;

Dois pálios, sendo um roxo e um encarnado;

Dois frontões sendo um roxo e outro branco;

Uma colcha preta de veludo que cobre o

túmulo;

Dois véus de ombro de cetim bordado;

Nove toalhas de altar;

Uma casula;

Uma estola;

Duas fitas do juiz e do escrivão;

OUTRAS PEÇAS

Um resplendor dezoito e astes de metal branco;

Dezoito jarras de louça;

Duas credencias douradas com lastro de mármore;

Um par de serpentinas de metal dourado;

Uma lâmpada grande de prata;

Oito canos de prata de pálio;

Um jarro de prata;

Um resplendor de prata do Senhor dos passos

Um círculo e espada de prata de Nossa Senhora da Soledade;

Duas lanternas de prata;

Duas lanternas pequenas de metal dourado;

Dois tocheiros e uma cruz de prata;

Um diadema; cajado; bandeira; sapatos e cinto de prata;

Duas umbelas sendo uma grande e outra pequena;

Duas charolas em metal dourado;

Page 167: Antonio da Conceição Nascimento

167

Um par de sapatos de ouro de Deus menino;

Três botões de ouro de punho e cordãozinho de Deus menino;

Uma medalha de ouro;

Um broche de diamantes;

Um broche de pedra branca;

ANEXO E – Mesas Administrativas da Irmandade de São Bartolomeu

Mesa administrativa da Irmandade de São Bartolomeu de 1912-1913

Cargo Nome Posição Social

Page 168: Antonio da Conceição Nascimento

168

Juiz Rvmo. Gustavo A. Marinho das Neves Cônego/Eclesiástico

Juiza Exma. Sr. D. Adélia Amado de Souza

Tesoureiro Snr. Victoriano Alves de Souza Capitão

Escrivão Snr. Januario Soriano de Jesus

Procuradores Snr. Antonio Pereira de Brito

Tº. Cornélio Florentino de Souza

Consultores Rvmo. Adolpho José da Costa Cerqueira Cônego/Eclesiástico

Crescenciano de Melo e Albuquerque Major

Affonso de Santana Rebouças Capitão

Arthur de Souza Bittencourt Capitão

Crescenciano Alves de Souza Capitão

Manoel Pereira Rebouças Capitão

Porphirio José de Queiroz Tenente

Manoel Amâncio Malaquias Tenente

Comissão Auxiliar Alfredo Cândido da Costa Capitão

Manoel Pereira de Souza Capitão

Affonso de Santana Rebouças Capitão

Arthur de Souza Bittencourt Capitão

Secondino da Costa e Almeida Tenente

Porphirio José de Queiroz Tenente

Leonardo Alves Bandeira Tenente

José Pereira de Brito Tenente

Mesa Administrativa de 1934

Cargo Nome Condição Social

Juiz Erothides José da Silva Coronel

Juiza Exma. Sra. D. Zilda Marta Malaquias

Tesoureiro Vitoriano Alves de Souza

Page 169: Antonio da Conceição Nascimento

169

Escrivão Álvaro Pereira Brito

Procuradores Claudionor José Fernandes

Bartolomeu Borba

Consultores Oscar de Araújo Guerreiro

Benigno Rebouças

Bartolomeu Santana

Corbiniano Rocha

Abdom Pinto

Alberto Correia de Araújo Peixoto

Francisco Barbosa dos Santos

José Francisco de Souza

Juizas Protetoras

(As grandes

firmas)

Suerdick e Cia

Dannemem e Cia

Exma. Senhoras Maria Amélia Dias Peixoto

Simirames Seixas Tourinho

Hercilia Barbosa de Souza

Maria Mota Peixoto

Cecília Gonçalves Mendes

Sabina de Carvalho

Adalgisa de Barros Rebouças

Edith Nunes

Verbena de Matos Guerreiro

Adelina da Cruz Malaquias

Camila de Andrade Barbosa

Etelvina Cecília Barbosa

Almerinda Tourinho Estrela

Juízes Protetores Bartolomeu de Brito Souza Doutor

Bartolomeu Diogenes de Souza

Bartolomeu de Souza Santos

Bartolomeu Rebouças

Bartolomeu Alves de Souza

Bartolomeu Moreira

Bartolomeu Falheiro

Bartolomeu de Figueiredo

Bartolomeu de Albuquerque

Presidente de

Honra

Revmo. José Gomes Loureiro Cônego/Eclesiástico

Comissão Auxiliar José Luiz Paranhos

Secundino da Costa e Almeida

Hibernon Guerreiro

Manoel Barbosa dos Santos

Décio Correia do Carmo

Antonio Andrade

Leonardo Macedo

João Thomaz da Silva

Juízes de Devoção Todos os devotos do Apóstolo São

Bartolomeu.

Mesa Administrativa de 1935

Cargo Nome Condição Social

Juiz Otaviano Teixeira do Sacramento

Juíza Claudemira de Brito

Tesoureiro Bartolomeu Pereira de Borba

Page 170: Antonio da Conceição Nascimento

170

Escrivão João Thomaz da Silva

Procuradores João Melo Albuquerque

José Luiz Paranhos

Consultores Claudionor José Fernandes

Álvaro Pereira de Brito

Bartolomeu Santana

Vitoriano Alves de Souza

Secundino da Costa Almeida

Heráclio Guerreiro

Fortunato Ricardino dos Santos

Dacio Correira do Carmo Presidente de Honra Padre José Gomes Loureiro

Comissão de

Senhorinhas

Auxiliares

Maria Lourdes Ribeiro

Perolinda Soares

Maria Jesus Ribeiro

Elisa Sandes

Berlita Teixeira Baião

Zelita Reis

Bernadete Guerreiro

Auta Damiana Guerreiro

Helena Mato-Grosso

Amália Mato-Grosso

Juízas Protetoras Semírames Tourinho

Julia Souza Santos

Etelvina Barbosa

Maria Mota Peixoto

Maria Melo Peixoto

Maria José Alves Ferreira

Raimunda Portela

Estela Machado Todt Professora

Juízes Protetores Bartolomeu Souza Santos

Hibernon Guerreiro

Anfilófio Melo

Anísio Malaquias

Dr. Abílio Peixoto

Antonio Venâncio Barbosa

João Batista Soares

João Pereira Guedes

Comissão Auxiliar Abdom Pinto

Antonio Andrade

Leonardo Macedo

Manoel Barbosa dos Santos

Manoel Paulo Menezes

Francisco Soriano de Jesus

Abílio Barbosa Guimarães

Mesa Administrativa de 1936

Cargo Nome Condição Social

Juiz Heráclio Paraguassú Guerreiro Capitão

Juíza Eleonora Barbosa

Tesoureiro Benigno dos Santos Rebouças

Page 171: Antonio da Conceição Nascimento

171

Escrivão Oscar de Araújo Guerreiro

Procuradores Bartolomeu Sant‟Ana

Corbiniano Rocha

Consultores Dr. Claudio Costa

Dacio Correia do Carmo

Vitoriano Alves de Souza

Álvaro Pereira de Brito

Marcelino Ribeiro

Raul Leonídio guerreiro

Claudionor Fernandes

Bartolomeu Borba

Presidente de Honra Cônego José Gomes Loureiro

Comissão Auxiliar Abdom Pinto

Antonio Eduardo de Andrade

José Luiz Paranhos

Secundino da Costa e Almeida

Agenor Borges de Barros

João Melo

Manoel Veríssimo dos Santos

João Thomaz da Silva

Reinaldo Morais

José Caussú

Octávio Batista Soares

Octaviano Teixeira do Sacramento

Comissão Encarregada

da ornamentação dos

altares

Gracinda de Andrade

Maria Joana da Silva

Clementina Iluminatta dos Santos

Guiomar Borba

Aquilina Guedes

Comissão Auxiliar da

Festa (na Suerdick e

Cia)

Almiro Bartolomeu de Andrade

Clementino Sacramento

Bartolomeu Moreira da Silva

Edílio Carvalho

Roque Américo Silva

Egberto Soares

João Baptista Nerega

Inocêncio Américo Silva

Manoel Florêncio Santos

Vicente Januário da França

Osvaldo Rebouças

Aníbal Carneiro Santos

Antonio Silva Morais

Jeremias Santos

Manoel Guimarães Santos

Osvaldo Queiroz

Virgílio Laranjeira

João Baptista Rosário

Comissão Auxiliar da

Festa (na filial da C.C.

Dannemmann)

Samuel Hermeto carneiro

Augusto Malaquias

Manoel Lopes

Arthur Lima

Agenor Borges de Barros

Geraldo Grato de Souza

Oscar Silva

José Ferreira

Antonio Ignácio de Souza

José Eduardo de Miranda

Mesa administrativa de 1943

Page 172: Antonio da Conceição Nascimento

172

Cargo Nome Posição Social

Juiz Oscar de Araújo Guerreiro Comerciante/Político

Escrivão Abelardo Sacramento

Tesoureiro Bartolomeu José de Santana

Procuradores João Thomaz da Silva

Benigno dos Santos Rebouças

Apúlio Gonçalves Pimentel

Manoel Veríssimo dos Santos

Consultores Dr. Claudio Rodrigues da Costa

Áureo Boaventura Guerreiro

Anfilófio Vieira de Mélo Chefe do partido PSD

Abdon Pinto

Bartolomeu de Souza Santos Negociante

Manoel Germiniano Barbosa Industrial

Pericles Figueiredo

Salmanazar Antonio de Jesus

Page 173: Antonio da Conceição Nascimento

173

Mesa Administrativa 1945-1946

Cargo Nome Posição Social

Juiz Corbiniano Rocha

Tesoureiro Oscar de Araújo Guerreiro

Escrivão Alexandre Ribeiro da Conceição

Procuradores Antonio Eduardo Andrade

Manoel Barbosa dos Santos

Abdon Pinto

Leonardo Macedo

Mesários Bartolomeu de Souza Santos

Manoel Germiniano Barbosa

Raul Leonídio Guerreiro

Reinaldo José de Moraes Contador da Prefeitura local

Salmanazar Antonio de Jesus

Claudionor José Fernandes

Manoel Vespasiano dos Santos

Abelardo Sacramento

Page 174: Antonio da Conceição Nascimento

174

Mesa Administrativa 1946-1947

Cargo Nome Posição Social

Juiz Antonio dos Santos Vieira

Tesoureiro Antonio Eduardo de Andrade

Escrivão João Thomaz da Silva

Procuradores Frederico Raton

Inocêncio Américo da Silva

Edílio Carvalho

Manoel Vespasiano dos Santos

Mesários

Juíza

Bartolomeu Sant‟Anna Capm. Negociante

Neraldo Mota

Salmanazar Antonio de Jesus

Augusto Malaquias

Abelardo Malaquias

Reinaldo Moraes

João Raimundo Fernandes

D. Hilda

Page 175: Antonio da Conceição Nascimento

175

Mesa administrativa da Irmandade de São Bartolomeu de 1971

Cargo Nome Posição Social

Presidente de honra Mons. Florisvaldo José de Souza Eclesiástico

Juíza Maria Carvalho Fernandes Borba Professora

Juiz Ronaldo Pereira de Souza

Vice -Juiz Alberto Souto

Tesoureiro José Vieira Rebouças

Escrivão Alberto Costa Santos Vereador

Vice -Escrivão Edvaldo Antonio Aragão da Silva

Mesários Bartolomeu Paranhos vereador

José Daltro Castro

João Thomaz da Silva

Rubem Guerreiro

Marcos Oliveira Conceição

Manoel Alves Correia

Antonio Malaquias Souza

Jovino Lima

Armando Sales

Andre Pires

João Guedes dos Santos

Bartolomeu Almeida

João [ilegível] de Farias

Antonio Miranda

Benedito Carneiro Carvalho Professor

Valter Vieira

Isaac Oliveira

Raimundo Alves Santos

Page 176: Antonio da Conceição Nascimento

176

ANEXO F – Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943

COMPROMISSO DA IRMANDADE DE SÃO BARTOLOMEU

DA CIDADE E PARÓQUIA DE MARAGOGIPE, 1943

CAPÍTULO I

DA IRMANDADE E SEUS FINS

Art. 1º. – A Irmandade de S. Bartolomeu, da cidade de Maragogipe, é uma associação

religiosa composta de associados de um e outro sexo, em número ilimitado, podendo dela

fazer parte não só pessoas residentes no território da Paróquia de Maragogipe, como também

paroquianos de outras freguesias, tendo todos a denominação de Irmãos.

Art. 2º. – Além dos fins comuns a toda associação religiosa, esta Irmandade tem por fim

particular trabalhar pelo esplendor do culto devido ao Santo Apóstolo São Bartolomeu, Orago

da Igreja Matriz de Maragogipe, esforçando-se os Irmãos, principalmente, pelo bom exemplo

de uma vida verdadeiramente cristã e pelo espírito de submissão à Santa Igreja Católica,

Apostólica e Romana, nas pessoas dos seus Superiores Hierárquicos, e por propagar e tornar

estimada a devoção ao Santo Patrono.

CAPÍTULO II

DAS OBRIGAÇÕES ORDINÁRIAS DA IRMANDADE

Art. 3º. – Para preencher o fim particular a que se destina, a Irmandade compromete-se:

§ 1º. – A zelar a Imagem de São Bartolomeu da Matriz de Maragogipe, correndo por sua

conta todas as despesas com a dita Imagem e o seu nicho, ao quais deverão sempre achar-se

cuidadosamente asseiados e providos do devido ornato.

§ 2º. – A fazer todos os anos com religioso esplendor a festa de São Bartolomeu, no dia

próprio ou no domingo que a ele se seguir, quando o dia 24 de Agosto não cair em dia de

domingo, havendo, sempre que for possível, uma novena ou um tríduo em preparação à festa.

Art. 4º. – Além das obrigações, deverá a Irmandade mandar celebrar uma Missa por mês, por

todos os irmãos vivos e defuntos e pelos benfeitores da Irmandade. A esta Missa, que deverá

ser celebrada no altar de São Bartolomeu, deverão assistir, pelo menos, dois irmãos revestidos

de capas e de tochas acesas. Para regularidade de sua celebração e para lembrança mais fiel

dos Irmãos, essa Missa deve ser sempre no dia 24 de cada mês, a não ser que o motivo justo

determine a sua mudança, o que será comunicado ao 1º Procurador para aviso à Irmandade.

Page 177: Antonio da Conceição Nascimento

177

Art. 5º. – Deverá também a Irmandade mandar celebrar uma Missa em sufrágio à alma de

cada irmão que falecer. Essa Missa deverá ser celebrada dentro do mês de falecimento do

Irmão.

CAPÍTULO III

DA ADMISSÃO DOS IRMÃOS

Art. 6º. – §1) Para ser irmão é necessário:

a) – Que seja Católico, Apostólico e Romano.

b) – Que, como tal, assista à Santa Missa aos domingos e dias santificados.

c) – Que comungue, ao menos, pela Páscoa.

d) – Que admita humildemente todo o ensino da Santa Madre Igreja.

e) – Que não pertença a seita ou sociedade alguma condenada pela Igreja.

f) – Que não seja, em vês de casado religiosamente, ligado só civilmente.

§ 2) O irmão que transgredir as disposições do parágrafo precedente, deixará ipso facto de

pertencer à Irmandade.

Art. 7º. – §1) O que quiser ser Irmão, deverá ser proposto à Mesa Administrativa em sessão,

por algum dos mesários.

§ 2) – Para ser aceito, deverá reunir dois terços dos votos dos Irmãos presentes à eleição.

§3) –Se for aceito, depois de ter recebido comunicação feita pelo Escrivão, pagará ao

Tesoureiro a jóia de dez cruzeiros (Cr. $10,00) e dele receberá o diploma de Irmão. Este

diploma deverá ser assinado pelo Revmo. Sr. Vigário da Freguesia, pelo Juiz, pelo Tesoureiro

e pelo Escrivão e valerá de recibo da jóia. Nessa icasião ser-lhe-á entregue um exemplar do

Compromisso da Irmandade.

CAPÍTULO IV

DOS DIREITOS E DEVERES DOS IRMÃOS

Art. 8º. –Todo irmão tem direito:

§ 1) – A votar nas sessões de Assembléia Geral, nas quais poderá também propor, discutir e

reclamar. Não poderá, porém, exercer esses direitos o Irmão que não estiver, por negligência,

quites com a Irmandade.

§ 2) – A se apresentar revestido da Capa da Irmandade, nos atos religiosos em que a

Irmandade comparecer, para o que deverá a Irmandade possuir as capas necessárias.

§ 3) – A ser acompanhado, na ocasião de seu enterro até o cemitério, por todos os Irmãos que

o puderem fazer e a receber sepultura em carneiro da Irmandade quando a mesma os possuir.

Logo que s tiver notícia certa do falecimento de algum Irmão, deverá a Irmandade fazer com

que seja dado sinal no sino da Matriz.

§ 4) – A enterro por conta da Irmandade, se falecer sem deixar com que esse possa ser feito. A

Irmandade, porém, só é obrigada a isso se puder.

Art. 9º. – Todo Irmão é obrigado:

§ 1) – A cumprir tudo o que lhe é determinado pelo Presente Compromisso.

Page 178: Antonio da Conceição Nascimento

178

§ 2) – A conformar-se com o que for resolvido, quer em sessão da Mesa Administrativa, quer

em sessão da Assembléia Geral.

§ 3) – A fazer tudo o que lhe for razoavelmente mandado por qualquer dos mesários no

exercício de seu cargo.

§ 4) – A pagar, além da jóia, a quantia de seis cruzeiros anuais (Cr. $6,00) de vez ou

parceladamente, ao Procurador em exercício, que lhe dará recibo. A anuidade da entrada deve

ser paga integralmente, ainda que a mesma seja no fim do ano.

§ 5) – A contribuir, sempre que puder, nas subscrições que a Mesa Administrativa fizer, quer

coletivamente, quer por intermédio de um ou mais mesários.

CAPÍTULO V

DA MESA ADMINISTRATIVA

Art. 10. – Para o bom andamento da Irmandade, haverá uma Mesa Administrativa composta

de um presidente que é o Rvmo. Vigário, um Juiz, um Tesoureiro, um Escrivão, quatro

Procuradores e oito Consultores. Cada um dos membros desta Mesa terá a denominação de

mesário.

Art. 11. – § 1) A Mesa Administrativa, à exceção do Rvmo. Presidente, será eleita

anualmente, na primeira sessão ordinária de Assembléia Geral, podendo qualquer os mesários

ser reeleito.

§ 2) – Essa reeleição deverá se aprovada pelo Rvmo. Snr. Vigário da Freguesia.

§ 3) – Tanto o juiz como os demais mesários devem ser eleitos por maioria absoluta de votos

dos eleitores que se fizerem presentes.

§ 4) – O Juiz que terminar o seu mandado, em harmonia de vistas com o Rvmo. Vigário e

demais mesários, poderá apresentar à escolha do eleitorado uma lista com o nome de três

pessoas para uma delas o substituir no cargo de Juiz da Irmandade, sendo, todavia, livres os

eleitores na aceitação da proposta.

§ 5) – Para a eleição dos diversos mesários há de se adotar o seguinte critério:

a) – O Juiz, como ficou dito no parágrafo precedente, em harmonia de vistas com os demais

mesários, apresentará três nomes, aos quais a Mesa ajuntará outros dois, apresentando

todos aos sufrágios do colégio eleitoral, isso para o cargo de JUIZ.

b) – O juiz eleito apresentará três nomes para Tesoureiro, acrescentando a Mesa outros dois,

para os sufrágios.

c) – O tesoureiro eleito escolherá seus Procuradores e apresentará dois nomes para Escrivão,

aos quais a Mesa ajuntará outros três.

d) – Os oito Consultores serão depois nomeados escolhendo-se os mais votados dos nomes

apresentados às urnas para os diversos encarregados anteriormente preenchidos.

e) A Mesa, de que falam os pontos do parágrafo precedente, apresentará os diversos nomes

por intermédio do Rvmo. Presidente que deve, com sua autoridade, harmonizar os interesses

na apresentação dos mesmos nomes.

f) – Não se podendo, por acaso, chegar a harmonia entre a Mesa na apresentação dos nomes

para as eleições, cabe ao Rvmo. Presidente e Vigário escolher ele próprio 20 nomes para os

15 encargos, designando 5 nomes para cada membro da Mesa Administrativa. O colégio

eleitoral só poderá votar em um desses nomes apresentados.

Page 179: Antonio da Conceição Nascimento

179

Art. 12. – A posse da nova Mesa será na segunda sessão ordinária de Assembléia Geral e será

dada pelo Rvmo. Vigário da Freguesia, diante do qual cada um dos mesários deverá prestar

juramento de que procurará cumprir fielmente os deveres de seu cargo.

Art. 13. – § 1) À Mesa Administrativa que não poderá funcionar em suas sessões sem a

presença, pelo menos, de dois terços dos mesários e do Rvmo. Snr. Vigário da Freguesia, que

nelas tem o direito de propor, discutir, reclamar e votar, e que deverá reunir-se em sessões

ordinárias, de três em três meses, em dia de domingo ou de festa, compete:

a) – Admitir novos Irmãos e excluir os que tiverem se tornado indignos de continuar na

Irmandade, assim como demitir o Mesário que não cumprir os seus deveres.

b) – Autorizar as despesas para o desempenho dos encargos da Irmandade e as outras despesas

julgadas necessárias.

c) – Aceitar os legados e as doações feitos à Irmandade.

d) – Demandar em juízo, por intermédio do mesário ou Irmão que melhor convier, o

recebimento dos legados e doação feitos à Irmandade e o pagamento das dpividas à mesma.

e) – Tomar conhecimento de tudo o que fizer cada um dos mesários no exercício de seu cargo,

assim como a atender as justas reclamações dos Irmãos e dar-lhes as necessárias

providências.

f) – Convocar as sessões da Assembléia Geral.

§ 2) – A Mesa deve reunir-se, extraordinariamente, a convite expresso do Rvmo. Vigário e

quando o solicitem dois terços dos mesários.

Art. 14. – Nem a Mesa Administrativa, nem mesmo a Assembléia Geral podem, por si sós,

alterar o presente Compromisso, nem ir de encontro às suas disposições. Nem poderão

também dispor do dinheiro ou de qualquer bem do Patrimônio da Irmandade sem licença da

autoridade Eclesiástica. O patrimônio da Irmandade será constituído de 10 por cento de todo e

qualquer dinheiro que entrar para a Irmandade, das alfaias e bens imóveis que a Irmandade

possuir e dos bens móveis necessários ao valor e à conservação dos imóveis. As demais

quantias poderão ser empregadas no desempenho dos encargos da Irmandade, observando o

disposto no Compromisso.

CAPÍTULO VI

DOS DIREITOS E DOS DEVERES DE CADA UM DOS MESÁRIOS

DO JUIZ

Art. 15. – É o Juiz o presidente da Mesa Administrativa e o chefe da Irmandade, devendo,

portanto, haver todo cuidado em que seja eleito para este elevado cargo, um homem de

reconhecida capacidade. A ele compete:

§ 1) – Marcar os dias da sessão, quer ordinárias quer extraordinária, da Mesa Administrativa,

e convocar os mesários para as mesmas.

Page 180: Antonio da Conceição Nascimento

180

§ 2) – Dar as providências necessárias nos casos urgentes sempre que a Mesa não puder

reunir-se, devendo, porém, na primeira sessão dar conhecimento à mesma de tudo o que tiver

feito.

§ 3) – Designar quais os Irmãos que devam servir nos atos em que o Compromisso exige a

presença de alguns Irmãos.

§ 4) – Avisar, aconselhar e repreender caridosamente os mesários e demais irmãos que se

tiverem descuidado do cumprimento de seus deveres.

§ 5) – Numerar e rubricar os livros de escrituração da Irmandade, na forma do estilo.

§ 6) – Nas questões ventiladas em sessão, em casos de empate tem ainda o Juiz o direito de

decidir.

§ 7) – A última palavra, em casos de dissídios com as referidas questões, será sempre do

Rvmo. Vigário e Presidente, cuja determinação devem os mesários acatar.

§ 8) – Não se conformando os presumidos prejudicados com a decisão do Rvmo. Presidente,

cabe-lhe o recurso extraordinário ao Exmo. e Rvmo. Ordinário Diocesano em termos da lei e

dentro das normas do Direito Canônico.

Art. 16. – Deverá o Juiz:

§ 1) – Pagar antes de sua posse, a jóia de cinquenta cruzeiros (Cr. $50,00), entregando-a ao

Tesoureiro que lhe dará recibo.

§ 2) –Empenhar-se pelo bem da Irmandade e esforçar-se pelo fiel cumprimento de todas as

disposições do Compromisso.

§ 3) – Apresentar por ocasião da posse da nova Mesa Administrativa um relatório minucioso

de todo o movimento da Irmandade durante o ano de sua gestão fazendo especial menção do

estado financeiro da mesma. Este relatório deverá ser sempre apresentado, ainda mesmo que o

Juiz seja reeleito.

Art. 17. – em seus impedimentos e em sua falta será o Juiz substituído por um dos

Consultores, à escolha da Mesa, até outra eleição que deve ser feita no mais curto espaço de

tempo possível, se a falta se verificar no início da gestão ou do Mandato da nova Mesa.

DO TSOUREIRO

Art. 18. – Ao Tesoureiro, que deve ser um homem de reconhecida probidade, compete:

§ 1) – Ter sob sua guarda todos os bens da Irmandade;

§ 2) – Fazer o pagamento de todas as despesas autorizadas pela Mesa Administrativa;

§ 3) – Fazer as despesas com os enterros dos irmãos desvalidos;

§ 4) – Fazer as autorização da Mesa, a venda do a Irmandade puder e tiver de dispor, bem

como contratar os alugueis das propriedades que a Irmandade possuir para este fim. A

autorização de venda de algum bem da Irmandade por parte da Mesa Administrativa só pode

ser dada depois do placet ou da aprovação da Autoridade Eclesiástica ou do Ordinário

Diocesano.

Art. 19. – Deverá o Tesoureiro:

Page 181: Antonio da Conceição Nascimento

181

§ 1) – Receber por inventário, e pela mesma forma passar a seu sucessor, todos os bens da

Irmandade, e um outro para nele serem passados os recibos das quantias despedidas pela

mesma;

§ 2) – Ter um livro para nele serem escrupulosamente lançadas a receita e a despesa da

Irmandade, e um outro para nele serem passados os recibos das quantias despendidas pela

mesma;

§ 3) – Dar conhecimento à Mesa, em cada uma de suas sessões, de todo o movimento

financeiro da Irmandade;

§ 4) – Zelar os interesses da Irmandade, empenhando-se pela conservação e aumento de seus

bens e cumprindo fielmente tudo o que lhe diz respeito;

Art. 20. – Em seus impedimentos e em sua falta será o Tesoureiro substituído pelo Escrivão

em seu impedimento por um dos Procuradores.

DO ESCRIVÃO

Art. 21. – Ao escrivão, que deve ser um homem de habilitações para o cargo, compete:

§ 1) – Lavrar as atas de todas as sessões, assinando-as com o Rvmo, Snr. Vigário da

Freguesia, com o Juiz e o Tesoureiro e redigir e escrever todos os ofícios que tiverem de ser

expedidos pela Mesa Administrativa, assinando-os com o Juiz, com o visto Rvmo. Presidente

e Vigário;

§ 2) – Ter sob sua guarda, o arquivo da Irmandade.

Art. 22. – Deverá o Escrivão:

§ 1) – Pagar antes de sua posse, a jóia de vinte cruzeiros (Cr.$20,00), entregando-a ao

Tesoureiro que lhe dará recibo;

§ 2) – Receber por inventário, e pela mesma forma passar ao seu sucessor o arquivo da

Irmandade;

§ 3) – Fazer escrituração do livro da inscrição dos Irmãos;

§ 4) – Registrar em um livro próprio todos os ofícios de importância expedidos pela Mesa

Administrativa ou algum dos mesários, assim como certos documentos de que se deva fazer

registro;

§ 5) – Trazer em dia e em ordem toda a escrituração que estiver a seu cargo, conservar com

todo o cuidado e na devida reserva, todos os papeis de Arquivo da Irmandade.

Art. 23. – Em seus impedimentos e em sua falta, será o Escrivão substituído por um dos

Consultores, á escolha da Mesa.

DO PRIMEIRO PROCURADOR

Art. 24. – Ao primeiro Procurador, que deve ser um homem probo, ativo e delicado, compete:

§ 1) – Fazer a cobrança das anuidades dos Irmãos e de todo o rendimento da Irmandade,

dando recibo de todas as quantias que tiver recebido.

Art. 25. – Deverá o primeiro Procurador:

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182

§ 1) – Entregar ao Tesoureiro todo o dinheiro que tiver recebido, devendo o Tesoureiro dar-

lhe recibo de todas as quantias que por ele tiverem sido entregues.

§ 2) – Fazer a escrituração do livro de lançamento das anuidades pagas dos Irmãos.

§ 3) – Ser diligente em fazer as cobranças e ser atencioso para todos, procurando corresponder

a confiança nele depositada.

DO SEGUNDO PROCURADOR

Art. 26. – Ao segundo Procurador, que deve ter as mesmas qualidades do primeiro, compete:

§ 1) – Substituir o primeiro Procurador em seus impedimentos e em sua falta, podendo este

também ser substituído por alguns dos Consultores, à escolha da Mêsa.

Art. 27. – Deverá o segundo Procurador ajudar o primeiro Procurador sem que ele solicitar o

seu auxílio, para o bom desempenho de seus deveres.

Os outros dois procuradores terão funções idênticas às do 2.º

DOS CONSULTORES

Art. 28. – Aos consultores que devem ser homens de provada prudência e experiência,

compete:

§ 1) – Dar em Mesa o seu parecer sobre os diversos assuntos que então se tratarem,

auxiliando assim os demais mesários no bom desempenho de suas obrigações.

§ 2) – Votar com os demais mesários.

§ 3) – Substituir o Juiz, o Tesoureiro, o Escrivão e o primeiro Procurador, de conformidade

com o Compromisso.

Art. 29. – Deverão os Consultores:

§ 1) – Pagar cada um, antes de sua posse, a jóia de cinco cruzeiros (Cr. $5,00), entregando-a

ao Tesoureiro que lhe dará recibo.

§ 2) – Proceder em tudo com inteira isenção de interesses vis, dando sua opinião com toda a

pureza, de consciência e tendo sempre em vista o bem e o progresso da Irmandade.

CAPÍTULO VII

DA ASSEMBLÉIA GERAL

Art. 30. – Todo ano haverá duas sessões Ordinárias da Assembléia Geral. A primeira sessão

será em um dos dias da primeira quinzena de Agosto, sendo preferível o dia 15, e segunda em

um dos oito dias do mês de Setembro, sendo preferível o dia 8.

Art. 31. – essas duas sessões, assim como as outras extraordinárias que, porventura houver,

deverão ser presididas pelo Rvmo. Snr. Vigário da Freguesia que nelas tem direitode decidir

em caso de empate.

Page 183: Antonio da Conceição Nascimento

183

Art. 32. – Todos os Irmãos que não se acharem verdadeiramente impedidos deverão

comparecer a essas sessões, para o que pedirá ao Rvmo. Vigário que as anuncie à estação da

Missa Conventual, com a antecedência necessária.

Art. 33. –§ 1) Na primeira sessão ordinária, far-se-á a eleição da nova Mesa Administrativa.

§ 2) – A referida eleição será feita perante o Rvmo. Vigário, toda a Mêsa atual e metade, pelo

menos, do número de Irmãos previamente convocados. Em casos de rebeldia comprovada e

injustificável, com que se consiga a abstenção do comparecimento de irmãos para as eleições

da Mêsa, essas poderão ser realizadas com um terço dos Irmãos convocados, mesmo ausente a

Mêsa atual. Haverá, entretanto, para os presumidos prejudicados, o recurso ao Tribunal

Eclesiástico.

§ 3) – Será sempre nula a sessão de eleição, se a ela não estiver presente o Rvmo. Vigário ou

quem suas vezes fizer na regência da Freguesia.

§ 4) – No dia dessa sessão, sendo possível, deverá a irmandade mandar celebrar uma Missa

ao Divino Espírito Santo.

§ 5) – Realizada em ambiente de fraternidade cristã, a eleição deve ser registrada pelo

Escrivão para receber o visto do Rvmo. Presidente e Vigário e ser encaminhada ao Ordinário

Diocesano para a sua aprovação, isso dentro do passo de oito dias da sua realização.

§ 6) – A falta de observância do tempo marcado para as eleições, bem como a não

comunicação imediata da eleição realizada para a devida aprovação implica a privação do

direito de eleger e a nulidade da eleição, ficando ao ordinário o direito de nomear os diversos

membros da Diretoria. (Cans. 177 e 178)

§ 7) – Se algum membro da Irmandade se fizer empossar em um cargo para o qual foi eleito,

antes de ter a aprovação, por parte do Ordinário, da eleição em que foi vencedor, fica “ipso

fato” incompatível para o referido cargo e deve ser punido pelo ordinário; e o colégio eleitoral

que o escolheu e lhe reconheceu a posse nessas circunstâncias perderá igualmente o direito de

eleger. (Cans. 2 394 e 178.)

§ 8) – O Presidente da sessão de eleição da Nova Mêsa administrativa tem o direito de anular

a eleição de qualquer dos mesários quando o eleito for inapto para o cargo ou quando o pedir

o bem da Irmandade. Nesse caso, far-se-á nova eleição para o cargo do mesário não aceito.

Art. 34. –§ 1) Na segunda sessão ordinária de Assembléia Geral far-se-á a posse da Nova

Mêsa, depois de lido o relatório do Juiz que terminou o seu mandato.

§ 2) – Nessa sessão como na da eleição, poderão ser tratados outros assuntos e tomadas

outras medidas concernentes ao bem da Irmandade.

Art. 35. – As atas das sessões da Assembléia Geral serão lavradas no mesmo livro das atas

das sessões da Mêsa Administrativa.

CAPÍTULO VII

DISPOSIÇÕES DIVERSAS

Page 184: Antonio da Conceição Nascimento

184

Art. 36. – Todo ano, em um dos domingos do mês de Julho, deverá a Mêsa Administrativa

reunir-se em sessão extraordinária com o fim de tratar da festa de São Bartolomeu. Nessa

sessão serão eleitas as comissões que devem se incumbir de tirar esmolas afim de auxiliar a

Irmandade nas despesas com a dita festa. Essas comissões poderão ser constituídas por Irmãos

e por qualquer pessoa, ainda mesmo alheia à Irmandade. Será também eleita uma juíza de

devoção, bem como os mordomos da novena ou do tríduo, conforme o costume.

Art. 37. – A Irmandade prestará contas, anualmente, à Cúria Diocesana ao Tribunal de Contas

da Diocese, apresentando-lhe cada ano o inventário das alfaias, dos patrimônios etc., devendo

conformar-se inteiramente com as determinações da Autoridade Eclesiástica.

Art. 38. – Não deverão os Irmãos esquivar-se de comparecer aos atos religiosos feitos ou

auxiliados pela Irmandade.

Art. 39. – A Irmandade poderá ter o seu Capelão, devendo, ma falta desse ser preferido o

Rvmo. Snr. Vigário da Freguesia para fazer as suas vezes.

Art. 40. – O Irmão falecido que tiver sido mesário, além dos sufrágios a que tem direito como

Irmãos, terá mais uma Missa por sua alma, com a assistência da Mêsa Administrativa,

devendo ser essa celebrada o mais cedo possível e devendo também comparecer a ela todos os

Irmãos que o puderem fazer.

Art. 41. – A Mêsa Administrativa, por intermédio de um ou mais mesários, poderá tirar

esmolas para auxiliá-la no desempenho dos encargos da Irmandade.

Art. 42. – O lugar de reunião da Mêsa Administrativa e da Assembléia Geral é a sacristia da

Fábrica da Igreja Matriz.

Art. 43. – Os cofres de esmolas deverão ter três chaves diferentes das quais uma será confiada

ao Juiz, uma ao tesoureiro e outra ao primeiro procurador. Esses cofres deverão ser abertos,

ordinariamente de três em três meses, no dia ou na véspera da sessão ordinária da Mêsa

Administrativa, pelos três Irmãos acima ditos. As quantias neles encontradas deverão ser

retiradas e entregue em sessão ao Tesoureiro, devendo de tudo se fazer menção na ata

respectiva. A Mêsa ou o Juiz, havendo necessidade, poderão autorizar a abertura

extraordinária desses cofres, devendo também, nesse caso, serem observadas as formalidades

acima exigidas, e, na primeira sessão se dará conta de tudo, que deverá constar na ata.

Art. 44. – Nos casos omissos ou duvidosos, haverá sempre recurso á Autoridade Eclesiástica,

cuja decisão deverá ser incondicionalmente posta em execução.

Art. 45. – Dissolvida ou extinta a Irmandade, por qualquer circunstância, o que Deus não

permita, passarão todos os bens moveis ou imóveis a pertencer à Fábrica da Matriz de

Maragogipe.

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Art. 46. – Revogam-se todas as disposições do antigo Compromisso e ficam abolidos todos os

costumes contrários às determinações.

– FIM –

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ANEXO G – Fotografias dos irmãos de São Bartolomeu na celebração do novenário em

preparação para a festa do orago de 2010.

Irmãos de São Bartolomeu segurando o crucifixo e o castiçal na procissão de entrada da celebração da

novena em preparação à festa do padroeiro.

Fotografia: Antonio da Conceição Nascimento.

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Entrada dos irmãos de São Bartolomeu na celebração do novenário em preparação a festa do orago na

Matriz de Maragogipe

Fotografia: Antonio da Conceição Nascimento

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Procissão de saída dos irmãos de São Bartolomeu da celebração do novenário em preparação à festa

do orago na Matriz de Maragogipe.

Fotografia: Antonio da Conceição Nascimento