ANTROPOLOGIA, ÉTICA E CULTURA COMPLETO.pdf

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ANTROPOLOGIA, ÉTICA E CULTURA

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  • ANTROPOLOGIA, TICA E CULTURA

  • CURSOS DE GRADUAO - EAD

    Antropologia, tica e Cultura Prof. Ms. Eugenio Daniel e Prof. Dr. Svio Carlos Desan Scopinho

    Meu nome Eugenio Daniel. Sou formado em Filosofia e Teologia com especializao em Educao, com nfase no Ensino e Aprendi-zagem, e em Filosofia Clnica e Filosofia para criana e Psicopedago-gia: processo ensino-aprendizagem. Atuo como orientador vocacio-nal h mais de 30 anos e leciono Filosofia e Antropologia Teolgica em vrios cursos. Mestre em Cincias e Prticas Educativas pela Unifran (SP), sou coordenador geral de Ao Comunitria do Centro Universitrio Claretiano.

    E-mail: [email protected]

    Meu nome Svio Carlos Desan Scopinho. Sou diretor acadmico das Faculdades Integradas Claretianas de Rio Claro-SP, onde atuo, tambm, como professor, ministrando a disciplina Antropologia Teolgica. Tenho o ttulo de Doutor em Teologia Dogmtica pela Pontifcia Universidade Gregoriana de Roma (1995-1997), com a seguinte tese: "Igreja e Laicato Adulto: A Teologia do Laicato nas Conferncias Gerais do Episcopado e no debate teolgico da Amrica

    Latina" (1955-1995). Tambm sou mestre em Filosofia pelo Programa de Mestrado em Filosofia Social, da Pontifcia Universidade Catlica de Campinas (SP). O tema da minha dissertao, que culminou na publicao de um livro, foi: "Filosofia e Sociedade Ps-Moderna: a reflexo de Gianni Vattimo para uma compreenso da crise dos paradigmas da Modernidade". Fiz, ainda, um MBA em Administrao Acadmica & Universitria, nas Faculdades Integradas Pedro Leopoldo, em Belo Horizonte (MG). O ttulo do Trabalho de Concluso de Curso foi "Avaliao Institucional Externa e a Formao do Corpo Docente: entre a legislao e a realidade". Tenho bacharelado em Teologia pela PUC de Campinas (1986-1989) e mestrado em Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assuno, em So Paulo (1991-1995), e licenciatura em Filosofia pela PUC de Campinas (1982-1985). A dissertao de mestrado em Teologia versou sobre o seguinte tema: "A questo epistemolgica nas obras de Juan Luis Segundo e sua contribuio para um estudo crtico da Teologia que deve ser da libertao".

    E-mail: [email protected]

  • ANTROPOLOGIA, TICA E CULTURA

    Prof. Dr. Svio Carlos Desan Scopinho

    Prof. Ms. Eugnio Daniel

    Caderno de Referncia de Contedo

  • Ao Educacional Claretiana, 2010 Batatais (SP)Trabalho realizado pelo Centro Universitrio Claretiano de Batatais (SP)

    Cursos: GraduaoDisciplina: Antropologia, tica e Cultura

    Verso: jul/2013

    Reitor: Prof. Dr. Pe. Srgio Ibanor PivaVice-Reitor: Prof. Ms. Pe. Jos Paulo Gatti

    Pr-Reitor Administrativo: Pe. Luiz Claudemir BotteonPr-Reitor de Extenso e Ao Comunitria: Prof. Ms. Pe. Jos Paulo Gatti

    Pr-Reitor Acadmico: Prof. Ms. Lus Cludio de Almeida

    Coordenador Geral de EAD: Prof. Ms. Artieres Estevo RomeiroCoordenador de Material Didtico Mediacional: J. Alves

    Corpo Tcnico Editorial do Material Didtico Mediacional

    Preparao Aline de Ftima Guedes

    Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera

    Ctia Aparecida RibeiroDandara Louise Vieira Matavelli

    Elaine Aparecida de Lima MoraesJosiane Marchiori Martins

    Lidiane Maria MagaliniLuciana A. Mani Adami

    Luciana dos Santos Sanana de MeloLuis Henrique de Souza

    Patrcia Alves Veronez MonteraRita Cristina Bartolomeu

    Rosemeire Cristina Astolphi BuzzelliSimone Rodrigues de Oliveira

    RevisoFelipe Aleixo

    Rodrigo Ferreira Daverni

    Talita Cristina Bartolomeu

    Vanessa Vergani Machado

    Projeto grfico, diagramao e capa

    Eduardo de Oliveira Azevedo

    Joice Cristina Micai

    Lcia Maria de Sousa Ferro

    Luis Antnio Guimares Toloi

    Raphael Fantacini de Oliveira

    Tamires Botta Murakami de Souza

    Wagner Segato dos Santos

    Todos os direitos reservados. proibida a reproduo, a transmisso total ou parcial por qualquer forma e/ou qualquer meio (eletrnico ou mecnico, incluindo fotocpia, gravao e distribuio na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permisso por escrito do autor e da Ao Educacional Claretiana.

    Centro Universitrio Claretiano Rua Dom Bosco, 466 - Bairro: Castelo Batatais SP CEP 14.300-000

    [email protected]: (16) 3660-1777 Fax: (16) 3660-1780 0800 941 0006

    www.claretiano.edu.br

  • SUMRIO

    CADERNO DE REFERNCIA DE CONTEDO

    1 INTRODUO ................................................................................................... 92 ORIENTAES PARA O ESTUDO DA DISCIPLINA ............................................ 10

    UNIDADE1 SER HUMANO E SOCIEDADE: CONTEXTO HISTRICO

    1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 332 CONTEDOS ..................................................................................................... 333 ORIENTAES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 344 INTRODUO UNIDADE ............................................................................... 365 SER HUMANO ................................................................................................... 396 CONTEXTO HISTRICO .................................................................................... 417 SER HUMANO E SOCIEDADE ........................................................................... 518 CAMINHOS A PERCORRER ............................................................................... 589 QUESTES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 6310 CONSIDERAES .............................................................................................. 6411 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................... 6412 E-REFERNCIA .................................................................................................. 65

    UNIDADE2 SER PESSOA UMA PROPOSTA HUMANISTA

    1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 672 CONTEDOS ..................................................................................................... 673 ORIENTAES GERAIS PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................. 684 INTRODUO UNIDADE ............................................................................... 695 DIMENSES DA PESSOA .................................................................................. 726 QUESTES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 847 CONSIDERAES .............................................................................................. 848 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................... 85

    UNIDADE3 SER PESSOA, TICA E CIDADANIA

    1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 872 CONTEDOS ..................................................................................................... 873 ORIENTAES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 884 INTRODUO UNIDADE ............................................................................... 895 O SER HUMANO COMO PESSOA ..................................................................... 906 QUESTO DA CIDADANIA ................................................................................ 1057 QUESTES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 1148 CONSIDERAES ............................................................................................. 1159 E-REFERNCIAS ................................................................................................ 117

    10 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................... 118

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    UNIDADE4 ESTRUTURA DO SER HUMANO: SER BIO-PSQUICO-ESPIRITUAL- TRANSCENDENTE

    1 OBJETIVOS ....................................................................................................... 1192 CONTEDOS .................................................................................................... 1203 ORIENTAES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 1204 INTRODUO UNIDADE .............................................................................. 1215 HOMEM: UM NICO SER E UM NICO SUJEITO ........................................... 1226 REGIES ESSENCIAIS DO HOMEM .................................................................. 1277 HOMINIZAO ................................................................................................. 1358 PARALELISMO "PSICOFSICO" ......................................................................... 1389 SUJEITO ............................................................................................................. 141

    10 DIMENSO MUNDANA DO SERBIO-PSQUICO- ESPIRITUAL ........................ 14311 OS ATOS HUMANOS ......................................................................................... 14512 SER SOCIAL ...................................................................................................... 14513 PESSOALIDADE E PERSONALIDADE: PARTICIPAO DO TU ......................... 14614 O SUJEITO ABERTO AO MUNDO ..................................................................... 14915 QUESTES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 15216 CONSIDERAES.............................................................................................. 15417 E-REFERNCIAS ................................................................................................ 15518 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..................................................................... 155

    UNIDADE5 CARACTERSTICAS DA PESSOA HUMANA, CONSTITUTIVOS ESSENCIAIS

    1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 1572 CONTEDOS .................................................................................................... 1573 ORIENTAES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 1584 INTRODUO UNIDADE ............................................................................... 1595 CATEGORIAS PARA COMPREENDER O HOMEM ............................................ 1596 LIBERDADE ........................................................................................................ 1637 HISTORICIDADE ................................................................................................ 1728 COMUNICAO ................................................................................................ 1729 HOMEM: SER HISTRICO E VALORES ............................................................. 179

    10 QUESTES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 18611 CONSIDERAES.............................................................................................. 18812 E-REFERNCIAS ................................................................................................ 18813 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................... 188

    UNIDADE6 A BIOTICA E A INTERDISCIPLINARIDADE

    1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 1912 CONTEDOS ..................................................................................................... 1913 ORIENTAES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 192

  • Claretiano - REDE DE EDUCAO

    4 INTRODUO UNIDADE .............................................................................. 1935 PONTO DE PARTIDA DA BIOTICA MODERNA ............................................... 1946 BIOTICA E INTERDISCIPLINARIDADE ............................................................ 1957 BIOTICA E SUAS FRONTEIRAS EPISTEMOLGICAS ...................................... 1978 QUESTO AUTOAVALIATIVA ............................................................................ 2079 CONSIDERAES .............................................................................................. 207

    10 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................... 208

    UNIDADE7 A FINALIDADE DA TICA E A ESSNCIA DA MORAL

    1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 2092 CONTEDOS ..................................................................................................... 2103 ORIENTAES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 2104 INTRODUO UNIDADE ............................................................................... 2115 MORAL .............................................................................................................. 2146 TICA NORMATIVA E O FENMENO MORAL ................................................. 2227 QUESTES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 2248 CONSIDERAES .............................................................................................. 2259 E-REFERNCIAS ................................................................................................ 226

    10 REFERNCIAS BLIBLIOGRFICAS .................................................................... 227

    UNIDADE8 O HOMEM SER CULTURAL

    1 INTRODUO ................................................................................................... 2302 O HOMEM SER CULTURAL ............................................................................... 2323 CULTURA E EDUCAO .................................................................................... 2334 CONSIDERAES .............................................................................................. 2345 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................... 2356 E-REFERNCIAS ................................................................................................ 235

    APNDICE 1 PROJETO EDUCATIVO CLARETIANO ................................................................ 236

    ANEXO 1

    2 UM SENTIDO PARA A VIDA .................................................................................. 260

    ANEXO 2

    1 EU ETIQUETA .................................................................................................... 274

  • Claretiano - REDE DE EDUCAO

  • CRC

    Caderno de Referncia de Contedo

    Ementa Aspectos histricos que envolveram o ser humano e influenciaram a concepo social, ao mesmo tempo em que a sociedade influenciava a concepo de pes-soa. As implicaes nas diferentes reas da atuao do ser humano. A maneira como a sociedade atual concebe e trata o ser humano, bem como as implicaes decorrentes disso. Noo de pessoa a partir do Projeto Educacional Claretiano e as correlaes nas diferentes reas de atuao do ser humano.

    1. INTRODUO

    Seja bem-vindo, vamos iniciar o estudo da disciplina Antro-pologia, tica e Cultura! Teremos muito prazer em desenvolv-la com voc. Vamos, juntos, descobrir e aprofundar reflexes que se referem pessoa humana. No queremos discutir com voc qual-quer "tipo" de pessoa, nem qualquer estudo sobre a pessoa.

    Nossa inteno analisar como o Centro Universitrio Clare-tiano entende e deseja que seus alunos conheam, qual e como a pessoa com quem convivemos e ainda vamos conviver e em nosso ambiente de trabalho

  • Antropologia, tica e Cultura10

    Claretiano - REDE DE EDUCAO

    Nesta disciplina, voc ter oportunidade de conhecer como a pessoa foi pensada e tratada nos vrios perodos da histria. De-pois, ter oportunidade de analisar como a sociedade atual pensa e trata a pessoa, qual o seu interesse e a sua proposta para ela. Por fim, voc estudar a proposta de pessoa que o Claretiano acha mais conveniente para os dias de hoje. Isso envolve o campo edu-cacional ou qualquer outro, pois, seja qual for o curso que voc faa ou seu ramo de atuao, o ponto de referncia ou o destina-trio daquilo que voc est fazendo, ou pretende fazer, a pessoa.

    Como futuro profissional, em qualquer campo, importante compreender que voc tem uma grande responsabilidade na ma-neira de entender e tratar as pessoas, pois disso depende o futuro da sociedade e do mundo, em geral. Conseguiremos construir um mundo melhor se tivermos um cuidado muito grande com relao vida; e o ser humano no pode ficar merc de interesses eco-nmicos, polticos ou sociais. Cabe a cada um de ns contribuir para a melhoria da vida.

    2. ORIENTAES PARA O ESTUDO DA DISCIPLINA

    Abordagem Geral da Disciplina

    Prof. Dr. Svio Carlos Desan Scopinho

    Prof. Ms. Eugnio Daniel

    Neste tpico, apresenta-se uma viso geral do que ser es-tudado nesta disciplina. Aqui, voc entrar em contato com os as-suntos principais deste contedo de forma breve e geral e ter a oportunidade de aprofundar essas questes no estudo de cada uni-dade. No entanto, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conhe-cimento bsico necessrio a partir do qual voc possa construir um referencial terico com base slida cientfica e cultural para que, no futuro exerccio de sua profisso, voc a exera com competncia cognitiva, tica e responsabilidade social.

  • 11 Caderno de Referncia de Contedo

    Vamos comear nossa aventura pelo conhecimento da disci-plina Antropologia, tica e Cultura?

    Inicialmente, importante recordar que esta uma discipli-na institucional, ou seja, todos os cursos do Centro Universitrio Claretiano a tm em sua grade curricular.

    O nome pode at parecer estranho e, s vezes, cria receio em algumas pessoas por remeter ao tema catequese ou aula de religio. Mas voc perceber que no essa a inteno. Embora nossa Instituio seja confessional, no temos a inteno de fazer uma aula de catequese.

    Uma nova imagem de ser humano

    Nossa proposta mostrar uma nova imagem de ser huma-no. A sociedade tem uma concepo toda prpria do ser humano, como veremos no decorrer dos nossos estudos. Essa maneira de tratar o ser humano acabou criando nas pessoas um jeito negativo de ver a vida, a sociedade, a si mesmo e aos outros seres huma-nos.

    Poderemos perceber que h alternativas e outros modos de entender a pessoa, utilizando uma viso positiva. E isso que pro-pomos para o estudo de nossa disciplina.

    Vamos conhecer novas alternativas e buscar juntos novos ca-minhos e possibilidades de ser e de viver. Um dia uma aluna disse com toda simplicidade: "As outras disciplinas ensinam a gente a fa-zer, esta disciplina ensina a gente como ser". E ela expressou muito bem o que pretendemos.

    Com as atividades e interatividades, discutiremos abundan-temente a maneira de vida das pessoas e como elas esto sendo tratadas pela sociedade contempornea. Vamos perceber que o sistema capitalista em que vivemos nos coloca diante de uma re-alidade cruel. Com uma ideologia prpria, esse sistema criou um padro de vida e de entendimento da sociedade conforme os inte-resses das classes dominantes.

  • Antropologia, tica e Cultura12

    Claretiano - REDE DE EDUCAO

    No fundo, o que interessa para as classes dominantes o lucro cada vez maior. A riqueza que acompanha esse modo de con-ceber a sociedade vai fazendo com que as pessoas vivam, cada vez mais, de modo egosta, egocntrico e imediatista.

    A pessoa, na viso neoliberal, acaba valendo pelo que produz e pelo que consome. Ou seja, s quem produz e quem consome tem seu espao, pequeno e sem muitas alternativas, na sociedade.

    Mas a pessoa no s isso. Veremos que ela muito mais do que uma mquina de produzir e de consumir.

    Nosso objetivo, voc poder perceber, analisar como o ser humano est sendo tratado pela sociedade atual e, a partir da, apresentar a maneira como o Centro Universitrio Claretiano pensa a pessoa e qual a postura que podemos adotar, adiante da socieda-de neoliberal (ou capitalista) e a postura adotada pela sociedade.

    Ainda na disciplina Antropologia, tica e Cultura, vocs po-dero analisar, compreender e discutir as influncias da sociedade atual sobre a vida das pessoas e a maneira de construir uma nova forma de comportar-se no relacionamento consigo mesmo, com os outros e com o mundo em que vivemos.

    Nossa disciplina est dividida em trs unidades, alm de trs anexos, que apresentam textos para complementar seu estudo, dentre eles o Projeto Educativo do Centro Universitrio Claretiano. Seu tutor apresentar um roteiro para que todos sigam com mais se-gurana as propostas que temos para desenvolver nosso trabalho.

    Por que estudar esta disciplina?

    Talvez, voc possa estar se perguntando: "o que esta disci-plina tem a ver com o que quero estudar?". preciso entender que em qualquer rea do saber, ou como profissional em qualquer campo, deve-se compreender a grande responsabilidade na ma-neira de entender e tratar as pessoas, pois disso depende o futuro da sociedade e do mundo em geral.

  • 13 Caderno de Referncia de Contedo

    Cabe a qualquer um de ns, educadores ou profissionais de qualquer rea, dar uma parcela de contribuio para a melhoria da vida.

    Em todas as fases da histria, o homem quer saber sobre o fundamento e o sentido do mundo e da vida. Ao querer entender a si mesmo no seu mundo, na sua histria e no conjunto da reali-dade, ele faz um exerccio filosfico.

    Na verdade, essa uma preocupao presente na vida dos povos em geral.

    Vamos dispensar um breve olhar pela histria para conhe-cermos alguns pensamentos significativos do Ocidente, porque o que vai interferir diretamente na formao de nossa sociedade e em nossa maneira de ser e de viver.

    A imagem do homem na histria

    No pensamento grego, o homem entendido como o eixo unificador da ordem universal, porm, o que o caracteriza a pr-pria essncia e a alma.

    Aristteles trata da alma, mas no do homem integral, utili-zando uma viso psicolgica, no antropolgica.

    O que se percebe no pensamento grego primitivo uma du-alidade fundamental da alma espiritual e do corpo material. Para Plato tudo o que diz respeito essncia e dignidade do homem se situa no espiritual. Por isso, em Plato percebemos o dualismo: esprito e matria, alma espiritual e corpo material.

    No pensamento cristo podemos encontrar a viso de ho-mem como pessoa. Esta resultado, sobretudo, da experincia do dilogo entre Deus e o homem. Mas essa deciso implica na deci-so e na responsabilidade do ser humano. O diferencial que vamos perceber aqui a revelao.

    Na Idade Mdia, uma sociedade teocrtica (ou seja: a seguran-a estava na f em Deus), o cristianismo utiliza o pensamento filosfi-

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    Claretiano - REDE DE EDUCAO

    co grego para explicar racionalmente a f. Para Santo Agostinho, por exemplo, a alma no tem o mesmo sentido que em Plato, de preexis-tncia, mas se apresenta como livremente criada por Deus.

    Santo Toms de Aquino adota a doutrina de Aristteles. Para ele, alma e corpo no so duas substncias separadas, mas dois princpios eternos que formam o nico e mesmo homem concreto.

    No Renascimento, o humanismo predomina. O homem olhado como situado neste mundo, cuja referncia Deus e a se-gurana est na f nesse Deus. O homem questiona-se sobre seu ser e o sentido de sua vida.

    Mas na Idade Moderna a sociedade torna-se antropocrtica (ou seja: o homem torna-se o centro da sociedade). A submisso do homem a uma religio substituda pela autonomia no pensa-mento humano por meio da razo e da experincia.

    Na modernidade surge, portanto, o Racionalismo. O homem reduzido a um sujeito pensante, ele um ser racional e no se leva em conta o homem total, concreto.

    Nesse perodo, o pensador mais influente o francs Ren Descartes, que continua com o dualismo corpo e alma.

    Na Ps-Modernidade, o reflexo de tudo o que est sendo discutido e pensado: o homem passa por uma autoexperincia concreta. Agora, o homem se v diante da vida, da sociedade e de si mesmo e no encontra mais nenhuma segurana que d sentido para sua existncia.

    Essa fase se caracteriza pela forma materialista de olhar o mundo, a sociedade e a humanidade. E para o materialismo o ho-mem uma realidade material como outra qualquer.

    Alguns pensadores dessa forma de pensar so:

    Augusto Comte (considerado o pai do positivismo), v o homem como um simples objeto do estudo cientfico natural emprico.

  • 15 Caderno de Referncia de Contedo

    Darwin, com o evolucionismo, afirma que a evoluo fruto da seleo natural e o ser humano est includo nessa seleo.

    Para Nietzsche, o homem produto da evoluo que levar ao "super-homem", tudo acontece na livre competio.

    Karl Marx e Engels so os pais do materialismo dialtico. As coisas no so estticas, mas dinmicas. O princpio material. O homem no passa de um conjunto de relaes sociais, que, na ver-dade destroem o sentido da pessoa individual e a torna "funo" dentro do processo da sociedade.

    Contudo, nessa poca, surgem o Existencialismo e o Persona-lismo. Entre os pensadores dessas correntes de pensamento esto:

    Pascal, que acrescenta razo o corao. A existncia do ho-mem explica-se por meio do imediatismo da experincia pessoal. Porm, o homem jogado contra si mesmo e pode compreender sua prpria existncia.

    Sartre vai ao extremo. Para ele, a existncia humana con-duzida plena nulidade, ou seja, no tem validade alguma.

    Voc pde ver, rapidamente, algumas concepes feitas so-bre o homem no decorrer da histria.

    Na Unidade 2, vamos estudar como a sociedade atual est tratando o ser humano.

    J vimos em que implica a situao humana dependendo da maneira como se olha o ser humano. Durante muitos anos, a socie-dade ocidental tratou a pessoa de uma maneira no muito boa.

    Apesar das mudanas que ocorreram durante cada momen-to histrico, nota-se que o ser humano, em geral, sempre foi dei-xado em um plano inferior pela sociedade.

    Estamos vivendo numa sociedade neoliberal. O neoliberalis-mo um estilo de governar em que o governo central no exerce influncia direta na sociedade, deixando para a iniciativa privada e a livre concorrncia todas as decises com relao ao mercado

  • Antropologia, tica e Cultura16

    Claretiano - REDE DE EDUCAO

    e aos preos. As coisas que esto relacionadas ao social tambm saem da responsabilidade do governo.

    O neoliberalismo coloca toda a sociedade envolvida em uma lgica tecnicista, excluindo quem no se adapta a ela.

    um estilo de sociedade que reduz a pessoa numa mquina de fazer e de consumir, por isso precisamos estar atentos a tudo o que nos envolve para percebermos se nossa atitude est sendo tecnicista ou se h espao para uma forma humanitria de ser e de agir.

    No sistema capitalista no qual vivemos, os atrativos para uma vida de consumo levam as pessoas a buscarem, desenfrea-damente, a satisfao ilusria de inmeras necessidades. mais fcil desencadear a perspectiva de uma vida sem objetivo e sem valores, do que uma vida de esperana e realizaes.

    sabido e notrio que o sistema capitalista sufoca cada vez mais os anseios de grande parte da populao mundial.

    Com a descoberta das cincias modernas, o mundo passou por profundas transformaes. Quando as primeiras sociedades capitalistas comeam a surgir, no final do sculo XVIII, as pessoas foram se juntando em torno das fbricas.

    Na sociedade ps-moderna, o capitalismo se estabelece como sistema econmico, influenciando o social e interferindo no poltico. Aos poucos o neoliberalismo vai se implantando e de-monstrando regresso no campo social e poltico. O individualis-mo a tnica constante de todo o seu agir. O raciocnio neoliberal tecnicista, pois reduz problemas sociais a questes administrati-vas, e os problemas da educao em problemas de mercado e de tcnicas de gerenciamento.

    Olhando dessa forma, podemos perceber que o ser humano vale pelo que produz e pelo que consome. Enquanto produz, o ho-mem tem, ainda, possibilidade de ser considerado pela sociedade, essa a tica tecnicista. Porm, se no produzir s ter lugar se tiver posses para consumir.

  • 17 Caderno de Referncia de Contedo

    O sistema capitalista considera aquilo que far que as pes-soas tenham atitudes nitidamente competitivas visando o lucro. Numa viso estreita da sociedade e do ser humano, dentro dessa tica tecnicista, a pessoa se reduz e seu valor e no levado em conta.

    O ponto fundamental sobre que precisamos refletir que estamos num sistema que prioriza a competio. O individualismo carrega consigo todo o envolvimento de uma sociedade competiti-va em que o sucesso individual est acima de qualquer outro valor.

    O mercado, de forma contraditria, impulsiona as pessoas para uma maneira competitiva e individualista de ser e viver.

    O ser humano, de maneira geral, no costuma perceber--se, conhecer-se e valorizar-se. Esse um ponto que fica obscuro quando lemos e falamos de relacionamento.

    Finalizando esta etapa, podemos perceber que o homem es-teve e est diante de uma situao no muito confortvel para sua vida e para o entendimento da sua existncia.

    O homem como pessoa humana

    Vimos que o homem, durante a histria, no foi valorizado como deveria. Queremos, agora, estudar um pouco o sentido da pessoa e, principalmente, a maneira como o Centro Universitrio Claretiano entende esse sentido, e, ao mesmo tempo, qual a sua proposta com relao ao tema.

    Pretendemos analisar a pessoa na sua totalidade, inserida num contexto e numa realidade mais amplos. Convidamos, como Scrates, o famoso filsofo grego, todos para realizar o desafio que ele fazia aos cidados de sua poca: "conhece-te a ti mesmo".

    urgente resgatar o verdadeiro sentido do ser humano. Toda pessoa que compartilha parte de sua vida com o Claretiano est convidada a perceber a importncia de si mesmo e do outro com quem compartilha seu saber, sua profisso e sua vida.

  • Antropologia, tica e Cultura18

    Claretiano - REDE DE EDUCAO

    No entanto, o Centro Universitrio Claretiano tem como par-te de sua misso o compromisso com a vida e com a formao integral do ser humano. O objeto de seu Projeto Educativo tem pelo homem um apreo inigualvel, dedicando-lhe um estudo es-pecial e um jeito prprio de tratar o que est ligado e relacionado ao humano.

    A base da Unidade 3 o modo Claretiano de ver a pessoa. A preocupao principal e fundamental entender como esses con-ceitos podero incorporar nosso fazer e nossa maneira de atuar em nossa profisso, seja ela qual for, e em nossa sociedade. No serve a maneira da ideologia capitalista, muito menos o conceito tecnicista que da decorre, reduzindo o homem a um objeto que faz e consome.

    O Projeto Educativo Claretiano, preocupado com a pessoa no sentido em que acabamos de abordar, deixa claro sua posio frente situao humana da realidade em que vivemos. Esse pro-jeto ressalta a educao para a justia e para o amor. O centro de toda a preocupao o homem, pois ele " um ser nico e irrepetvel, constitudo das dimenses biolgica, psicolgica, so-cial, unificadas pela dimenso espiritual, que o ncleo da pessoa humana" (Apndice, p. 136).

    Queremos analisar o homem como um ser multidimensional. Precisamos olhar a pessoa na sua totalidade se quisermos compre-end-la. Olhar uma parte no significa olhar o todo. Por isso, nos-so olhar antropolgico quer olhar a totalidade para compreender quem o homem e qual sua responsabilidade neste mundo.

    Vamos analisar cada uma dessas dimenses para podermos ter ideia do compromisso que devemos assumir como membros integrantes de uma sociedade que busca aperfeioar-se e dar sen-tido sua existncia. Enquanto seres humanos que somos, esta-mos comprometidos com o bem comum e com cada pessoa em particular. Nosso compromisso comea em nosso prprio ser, mas ultrapassa nossa realidade e nos lana diante do outro, da socieda-de, do mundo e de Deus.

  • 19 Caderno de Referncia de Contedo

    As dimenses da pessoa humana

    So quatro as dimenses da pessoa: biolgica, psicolgica, social e espiritual.

    Quando nos referimos parte biolgica, falamos, natural-mente, de tudo o que se relaciona ao corpo da pessoa. Sem d-vida, por meio do corpo que o ser humano faz contato com os outros seres, com o mundo e com Deus, seu Criador.

    Como sempre, no podemos deixar de perceber que estamos inseridos em um contexto social capitalista, neoliberal. Nesse am-biente, o homem acaba sendo reduzido a um ser que produz e que consome. Diante desse enfoque, o que acaba tendo valor para esse sistema de sociedade a parte do ser humano que est em contato com o mundo e que possui a fora produtiva e consumidora.

    No queremos dizer que o corpo no tenha valor. Pelo con-trrio, achamos e afirmamos que seu valor inenarrvel. por meio dele que o homem constri o mundo, adquire conhecimen-to, transforma a realidade e consegue dar sentido sua existncia. Portanto, necessrio cuidar bem do corpo que temos.

    No entanto, no isso que podemos perceber, mas, sim, uma realidade que explora e expe o corpo das pessoas a uma si-tuao ridcula, como em diversos nveis da mdia em que h uma explorao total da realidade corprea.

    A mdia criou padres de beleza e de biotipo na moda, nas novelas, nos programas de televiso, nas revistas etc. Quem, por uma razo ou por outra, no se sente enquadrado nesses padres gasta muito dinheiro para se adequar a eles ou se sente excludo da convivncia geral da sociedade.

    s notar as roupas produzidas pelas grandes grifes. Elas no so feitas para qualquer pessoa ou qualquer corpo. Quem desejar "ficar na moda" precisa adaptar o prprio corpo para vesti-las, pois as grandes grifes no querem qualquer tipo de corpo utilizando suas roupas.

  • Antropologia, tica e Cultura20

    Claretiano - REDE DE EDUCAO

    Do mesmo modo, assistimos, atualmente, a uma corrida impressionante atrs dos bisturis, dos "Botox" e de toda ou qual-quer espcie de cirurgia para mudar a esttica facial e corporal. H uma supervalorizao da dimenso corporal em detrimento das demais.

    A dimenso "psicolgica" remete-nos ao que os filsofos gre-gos chamam de anima, que, no portugus, chamamos alma, aquilo que d vida. E o que faz a vida da pessoa acontecer a sua interiori-dade. Remetendo novamente ao pensamento filosfico, nos depa-ramos com o conceito de essncia. Mas o que vem a ser essncia?

    Por essncia, entendemos aquilo que faz que o ser seja ele mesmo. Ou seja, o ser o que ele por causa da sua essncia, que o torna um ser nico. S eu sou eu. S voc voc. E o que me faz ser eu e voc ser voc a essncia. No existe outro igual. Eu sou nico. Voc nico.

    Como afirma Scrates, o indivduo um centro de autocons-cincia e vontade, por isso dotado de um poder dinmico, capaz de observar, dominar e dirigir todos seus processos psicolgicos.

    Se tomarmos como exemplo o perfume, sabemos que em todos eles h elementos qumicos, h o lcool, h um fixador etc. Porm, o que diferencia um perfume do outro sua essncia. E a quantidade da essncia pouca, mas ela que faz a diferena e torna o perfume nico. Voc j deve ter ouvido a expresso popu-lar que diz: "nos pequenos frascos, os grandes perfumes".

    A essncia no ser humano uma pequena parte do seu ser. O resto hereditrio e influncia social.

    Aqui fica a interrogao: como a pessoa conhece e entra em contato com essa essncia? E a resposta vem de forma simples: quem tem a chave de nosso interior somos ns mesmos. Para co-nhec-lo preciso entrar em contato consigo mesmo atravs da reflexo e da meditao. Para isso preciso prestar ateno em si mesmo, no seu modo de ser, de pensar e de agir.

  • 21 Caderno de Referncia de Contedo

    Quanto tempo voc gasta consigo mesmo? Cinco minutos por dia? Cinco por semana? Cinco por ms? por meio desse tem-po que voc consegue perceber e entender quem voc de fato.

    Mas h um segundo passo. Alm de se conhecer, preciso se aceitar na essncia. "Tenho erros?"; "Como e o que posso fazer para corrigi-los?"; "Tenho defeitos?", claro que sim, mas quando percebemos nossa essncia na profundidade, vemos a beleza do que somos. Aceitar-nos como somos um passo adiante, mas no tudo. H mais pela frente, hora de gostar de ns como somos.

    Quando consigo dar esses passos, percebo que nossos se-melhantes so to importantes quanto eu e que merecem meu carinho, minha ateno, meu apreo, meu amor. A entendemos as palavras do Cristo referindo-se a um dos dez mandamentos: "Ama-rs teu prximo como a ti mesmo" (MATEUS, 19, 19).

    Quem consegue amar-se na essncia, ama o outro, ama o mundo, ama a natureza, ama o Criador, porque se v parte do todo.

    O eu do indivduo a sua individualidade, o seu Ser Pes-soa. essa a marca do Eu Sou. E a conscincia disso que faz o indivduo perceber que ningum jamais vai ocupar o seu lugar no mundo. Sua misso no mundo nica. Entrar em contato com seu ncleo, com seu Ser Interior, abrir as portas para descobrir a sua individualidade, a sua importncia, o caminho para a autorrealiza-o, para a felicidade.

    Quanto mais profundo for esse contato com o seu prprio eu, mais profundo ser seu conceito de pertena do todo e a per-cepo de seu papel na melhora do meio em que vive e do mundo onde habita.

    No possvel ser feliz sozinho. Quanto mais o indivduo bus-ca sua realizao pessoal mais ele percebe que ela s acontece na medida em que se abre para o outro, para o todo, para que todos tenham vida, e vida em abundncia, como quer Jesus Cristo.

  • Antropologia, tica e Cultura22

    Claretiano - REDE DE EDUCAO

    Fechar-se em si mesmo causar morte, no vida. Contribuir para que haja vida significa estar centralizado, mas aberto, sem deixar que o meio social tire a possibilidade de autorrealizao, a qual abrir as portas para que os outros tambm se realizem e se-jam felizes. Contribuir para que haja vida lutar contra tudo aquilo que impede que a vida esteja ao alcance de todos.

    O que caracteriza o indivduo frente comunidade saber que homem algum uma ilha e que um necessita do outro para ser o que . No contato com as outras pessoas, o indivduo percebe-se e v que na relao com o outro que ele prprio se identifica.

    Na dimenso social, segundo os especialistas, somos o pro-duto do meio onde nascemos e vivemos, pois recebemos uma car-ga gentica e influncia desse meio.

    No devemos esquecer, ainda, que a ideologia do sistema capitalista influencia nosso pensar, nosso sentir e nosso agir. Por-tanto, essa carga de influncia que recebemos atravs da famlia, da mdia, da escola, do grupo dos amigos etc., confere a ns uma maneira toda prpria de ser.

    Alm da carga gentica, carregamos a influncia do meio. Mas isso no tudo. Temos algo em ns que nos identifica e nos torna diferentes. O que vai nos mostrar essa diferena a forma e a maneira como olhamos a ns mesmos e nos identificamos com nosso interior para podermos distinguir o que prprio de cada um e o que influncia do meio em que vivemos.

    Sabe-se que cada ser humano um ser nico. No entanto, est inserido num contexto mais complexo, bem mais amplo do que seu prprio ser, que a sociedade. No podemos olh-lo de forma distinta, pois estaramos tirando dele as caractersticas que do sentido sua existncia.

    A pessoa vive em sociedade. Ela no pode e no deve ficar isolada em sua existncia, pois um ser em constante relao. No podemos restringir a anlise e a concepo da pessoa huma-

  • 23 Caderno de Referncia de Contedo

    na como costumamos ouvir pela vida afora: o homem um ser que nasce, cresce, reproduz, envelhece e morre. Muitas vezes, ou-vimos crianas e adolescentes fazerem esse tipo de brincadeira. Mas, na atitude, percebemos que muitas pessoas adultas tambm agem como se esse fosse o sentido da vida, fazendo simplesmente uma leitura biolgica, tecnicista e neoliberal da existncia. Assim, valorizam uma parte do ser em detrimento do restante.

    E, por fim, h a dimenso espiritual. Mas, antes de tudo, va-mos entender melhor o significado etimolgico da palavra espiri-tual.

    Em outras lngua, no existe problema em entender o signifi-cado dessa palavra. Mas existe um problema na lngua portuguesa por causa do uso equivocado da palavra "esprito" com "e" mins-culo. As palavras "Esprito" e "Espiritual" s so usadas para o Es-prito divino e seus efeitos no homem, e so escritos com "E" mai-sculo. Queremos entender, como muitos autores, o sentido dessa palavra designando uma dimenso particular da vida humana.

    Nesse sentido, falamos do esprito como poder de vida, que tem o poder de animar e no uma parte acrescentada ao siste-ma orgnico. Alguns pensamentos filosficos, aliados a tendncias msticas e ascticas, separaram esprito e corpo. Como veremos, e que j foi brevemente abordado em Descartes, a palavra recebeu a conotao de "mente" e a prpria "mente" recebeu a conotao de "intelecto". O elemento de poder no sentido original de esprito desapareceu e, finalmente, a prpria palavra foi descartada.

    A vida em si possui um significado prprio e d ao ser huma-no uma expresso de totalidade.

    A questo fundamental como ajudar a pessoa a descobrir-se e perceber-se dessa forma. Sua existncia no est isolada, pois o ser humano um ser de relao, relao esta que abrange o seu eu, o outro, o mundo e a transcendncia.

  • Antropologia, tica e Cultura24

    Claretiano - REDE DE EDUCAO

    Por isso, constantemente muitos autores chamam ateno para o cuidado, o respeito, a venerao e a ternura que devemos ter para com a vida de maneira geral e a pessoa, em particular. a vida que garante a todos os seres a razo de seu existir, do seu ser-no-mundo.

    Mas preciso entrar em contato com algo que est implcito no homem, o esprito. Alguns indcios mostram a espiritualidade: a autoconscincia, a reflexo, a contemplao, o colquio, a auto-transcendncia etc. Mas o indcio mais certo, porm, a liberdade. Esta a condio prpria do esprito.

    esse elemento espiritual que envolve o ser humano no todo. A autoconscincia e a liberdade representam para a pessoa a capacidade de entender seu papel no mundo.

    Com essa dimenso espiritual o homem goza de uma aber-tura sem limites, infinita. Ele est em busca da plena realizao porque participa dessa esfera espiritual que o coloca em contato com o infinito.

    O Projeto Educativo Claretiano (ver Anexos) afirma que cada pessoa o princpio de suas aes, de sua capacidade de governar-se tendo em vista sua liberdade. Fundamentalmente, o ser huma-no livre para se realizar como pessoa e, por isso, responsvel pelo seu projeto pessoal e social de vida.

    Quem consegue olhar para si mesmo percebe-se como pes-soa humana, nica e irrepetvel, capaz de criar e dar respostas po-sitivas a seus anseios; essa pessoa tem todas as chances de fazer uma opo livre e consciente.

    A evoluo tcnica experimentada nos ltimos sculos de-sumanizou o ser humano. No entanto, ele entender essa respon-sabilidade quando adquirir a liberdade de pensamento, quando aguar a capacidade de discernimento e puder compreender seus sentimentos e imaginao.

  • 25 Caderno de Referncia de Contedo

    Unidade e totalidade

    Quando tratamos do entendimento sobre a pessoa impor-tante notarmos que ela unidade e totalidade, ao mesmo tempo. No podemos tratar o ser humano como se fosse possvel dividi-lo e olh-lo com um nico enfoque. J que cada pessoa um ser ni-co e absolutamente novo, com capacidade de se decidir, de esco-lher, pois um ser livre por existncia, ao mesmo tempo um ser dinmico, aberto ao outro e transcendncia.

    A pessoa consciente da unidade e da totalidade abre espa-o para a realizao pessoal. Ela compreende seu estar-no-mundo enquanto compreende o sentido de ser-no-mundo. S o ser huma-no goza do privilgio de ter conscincia de si mesmo, do seu eu, do seu ser e do seu existir.

    A pessoa precisa perceber que ela constri seu prprio ser, o que lhe permite adquirir conscincia de si mesmo para conquistar sua identidade.

    Ela busca uma finalidade e um sentido para sua existncia. O que est no cerne de toda a questo a realizao da pessoa, o seu ser.

    Veja, a seguir, os principais conceitos que iro nortear seu estudo nesta disciplina. Sempre que estes termos surgirem, tenha presente o seu significado. Isso facilitar o seu estudo.

    Glossrio de Conceitos

    O Glossrio de Conceitos permite a voc uma consulta rpi-da e precisa das definies conceituais, possibilitando-lhe um bom domnio dos termos tcnico-cientficos utilizados na rea de co-nhecimento dos temas tratados na disciplina Antropologia, tica e Cultura. Por opo pedaggica do autor, os termos do Glossrio no seguem a ordem alfabtica, mas a ordem cronolgica da im-portncia que cada um dos conceitos adquire ao longo deste ma-terial. Veja, a seguir, a definio dos principais conceitos:

  • Antropologia, tica e Cultura26

    Claretiano - REDE DE EDUCAO

    1) Antropocntrico: onde o homem o centro das atenes.2) Antropologia: do grego (anthropos), "ho-

    mem", e (logos), "razo" / "pensamento", a ci-ncia que tem como objeto o estudo sobre o homem e a humanidade de maneira que abranja todas as suas dimenses.

    3) Cosmos: do grego (csmos): cosmos, mundo. Se-gundo Burnet em sue Aurora da filosofia grega, primei-ramente essa palavra designivava a organizao de um exrcito, mas com o desenvolvimento das sociedades na Grcia Antiga ela passou a ocupar o lugar do conceito de (caos) para designar a organizao do universo. Isso ocorreu mais ou menos ao mesmo tempo em que se dava a famosa passagem "do Mito ao Lgos".

    4) Idealismo: corrente de pensamento que reduz toda a existncia a ideias ou considera que toda a existncia se determina pela conscincia.

    5) Holstico: significa totalidade. Considerar o todo levando em considerao as partes e suas inter-relaes.

    6) Logos: do grego (logos): razo, pensamento. Tudo o que se refere ao conhecimento, estudo.

    7) Mecanicista: a Escola Mecanicista procura explicar os fen-menos sociais por analogia com os fenmenos fsicos. V o universo como se fosse uma mquina. Peas discretas inte-ragem no espao e no tempo e quando alguma fora atua sobre elas o resultado uma sequncia de aes e reaes em cadeia. Nessa corrente de pensamento o homem visto exclusivamente como sendo um elemento que reage quan-do se lhe aplicam foras; em outras palavras, as atividades s ocorrem em resposta a foras que lhe foram aplicadas.

    8) Modernidade: refere-se poca moderna, ou seja, pe-rodo entre o sculo 15 e 18. Essa poca marcada pela descoberta cientfica e pelo novo rumo que a sociedade ocidental tomou.

    9) Neoliberalismo: uma corrente de pensamento que de-fende a absoluta liberdade de mercado a no interven-o estatal sobre a economia.

  • 27 Caderno de Referncia de Contedo

    10) Pragmatismo: Corrente de pensamento filosfico que adota como critrio da verdade a utilidade prtica, iden-tificando o verdadeiro como til; senso prtico.

    11) Racionalismo: Trata-se da doutrina que atribui exclusiva confiana na razo humana como instrumento capaz de conhecer a verdade. O pensamento a nica fonte de conhecimento (verdade absoluta). Para os racionalistas o tipo de conhecimento que verdadeiro o que pro-vm da razo, do pensamento.

    Esquema dos Conceitos-chave

    Para que voc tenha uma viso geral dos conceitos mais impor-tantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um Esquema dos Conceitos-chave da disciplina. O mais aconselhvel que voc mesmo faa o seu esquema ou mesmo o seu mapa mental. Esse exerccio uma forma de construir o seu conhecimento, ressignifi-cando as informaes a partir de suas prprias percepes.

    importante ressaltar que o propsito do Esquema dos Conceitos-chave representar, de maneira grfica, as relaes entre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxili--lo na ordenao e na sequenciao hierarquizada dos contedos de ensino.

    Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se que, por meio da organizao das ideias e dos princpios em esquemas e mapas mentais, o indivduo pode construir o seu co-nhecimento de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pe-daggicos significativos no processo de ensino e aprendizagem.

    Aplicado a diversas reas do ensino e da aprendizagem es-colar (como planejamentos de currculo, sistemas e pesquisas em Educao), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda, na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que estabe-

  • Antropologia, tica e Cultura28

    Claretiano - REDE DE EDUCAO

    lece que a aprendizagem ocorre pela assimilao de novos concei-tos e de proposies na estrutura cognitiva do aluno. Assim, novas ideias e informaes so aprendidas, uma vez que existem pontos de ancoragem.

    Tem-se de destacar que "aprendizagem" no significa, ape-nas, realizar acrscimos na estrutura cognitiva do aluno; preci-so, sobretudo, estabelecer modificaes para que ela se configure como uma aprendizagem significativa. Para isso, importante con-siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem. Alm disso, as novas ideias e os novos concei-tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez que, ao fixar esses conceitos nas j existentes estruturas cogniti-vas, outros sero tambm relembrados.

    Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que voc o principal agente da construo do prprio conhecimen-to, por meio de sua predisposio afetiva e de suas motivaes internas e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tornar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu conhecimento sistematizado em contedo curricular, ou seja, estabelecendo uma relao entre aquilo que voc acabou de conhecer com o que j fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do site . Acesso em: 11 mar. 2010).

  • 29 Caderno de Referncia de Contedo

    Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave da disciplina Antropologia, tica e Cultura.

    Como voc pode observar, esse Esquema d a voc, como dissemos anteriormente, uma viso geral dos conceitos mais im-portantes deste estudo. Ao segui-lo, voc poder transitar entre um e outro conceito da disciplina e descobrir o caminho para cons-truir o seu processo de ensino-aprendizagem. Sem o domnio con-ceitual desse processo explicitado pelo Esquema, pode-se ter uma viso confusa do tratamento da temtica da Antropologia, tica e Cultura proposto pelos autores deste CRC.

    O Esquema dos Conceitos-chave mais um dos recursos de aprendizagem que vem se somar queles disponveis no ambiente virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como queles

  • Antropologia, tica e Cultura30

    Claretiano - REDE DE EDUCAO

    relacionados s atividades didtico-pedaggicas realizadas presen-cialmente no polo. Lembre-se de que voc, aluno EaD, deve valer-se da sua autonomia na construo de seu prprio conhecimento.

    Questes Autoavaliativas

    No final de cada unidade, voc encontrar algumas questes autoavaliativas sobre os contedos ali tratados, as quais podem ser de mltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas.

    Responder, discutir e comentar essas questes, bem como relacion-las com Antropologia, tica e Cultura pode ser uma for-ma de voc avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a re-soluo de questes pertinentes ao assunto tratado, voc estar se preparando para a avaliao final, que ser dissertativa. Alm disso, essa uma maneira privilegiada de voc testar seus conhe-cimentos e adquirir uma formao slida para a sua prtica profis-sional.

    Bibliografia Bsica

    fundamental que voc use a Bibliografia Bsica em seus estudos, mas no se prenda s a ela. Consulte, tambm, as biblio-grafias complementares.

    Figuras (ilustraes, quadros...)

    Neste material instrucional, as ilustraes fazem parte inte-grante dos contedos, ou seja, elas no so meramente ilustrativas, pois esquematizam e resumem contedos explicitados no texto. No deixe de observar a relao dessas figuras com os contedos da disciplina, pois relacionar aquilo que est no campo visual com o conceitual faz parte de uma boa formao intelectual.

    Dicas (motivacionais)

    O estudo desta disciplina convida voc a olhar, de forma mais apurada, a Educao como processo de emancipao do ser

  • 31 Caderno de Referncia de Contedo

    humano. importante que voc se atente s explicaes tericas, prticas e cientficas que esto presentes nos meios de comunica-o, bem como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao compartilhar com outras pessoas aquilo que voc observa, per-mite-se descobrir algo que ainda no se conhece, aprendendo a ver e a notar o que no havia sido percebido antes. Observar , portanto, uma capacidade que nos impele maturidade.

    Voc, como aluno dos Cursos de Graduao na modalidade EAD, necessita de uma formao conceitual slida e consistente. Para isso, voc contar com a ajuda do tutor a distncia, do tutor presencial e, sobretudo, da interao com seus colegas. Sugeri-mos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas.

    importante, ainda, que voc anote as suas reflexes em seu caderno ou no Bloco de Anotaes, pois, no futuro, elas pode-ro ser utilizadas na elaborao de sua monografia ou de produ-es cientficas.

    Leia os livros da bibliografia indicada, para que voc amplie seus horizontes tericos. Coteje-os com o material didtico, discuta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista s videoaulas.

    No final de cada unidade, voc encontrar algumas questes autoavaliativas, que so importantes para a sua anlise sobre os contedos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua formao. Indague, reflita, conteste e construa resenhas, pois esses procedimentos sero importantes para o seu amadure-cimento intelectual.

    Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na modalidade a distncia participar, ou seja, interagir, procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.

    Caso precise de auxlio sobre algum assunto relacionado a esta disciplina, entre em contato com seu tutor. Ele estar pronto para ajudar voc.

  • Claretiano - REDE DE EDUCAO

  • 1EAD

    Ser Humano e Sociedade: Contexto Histrico

    1. OBJETIVOS

    Compreender a realidade e os fatos que marcaram as fa-ses principais da histria.

    Analisar como o ser humano foi tratado nas diversas situ-aes histricas.

    Compreender a realidade da sociedade capitalista neoli-beral e como o ser humano tratado nesse sistema.

    2. CONTEDOS

    Ser humano, como entend-lo melhor.

    Contexto histrico, a realidade de cada poca e de cada situao.

    Ser humano e sociedade. No se pode entender o ser hu-mano sem entender a sociedade em que ele est inserido.

    Caminhos a percorrer.

  • Antropologia, tica e Cultura34

    Claretiano - REDE DE EDUCAOCentro Universitrio Claretiano

    3. ORIENTAES PARA O ESTUDO DA UNIDADE

    Antes de iniciar o estudo desta unidade, sugerimos que voc leia atentamente as informaes seguintes:

    1) Para conhecer as situaes histricas, importante lem-brar que cada poca tem suas caractersticas prprias. Cada realidade diferente da outra. Para pensar a hist-ria, precisamos conhecer um pouco mais da realidade de cada poca e as situaes que envolvem cada contexto.

    2) Concentre-se em compreender o processo cultural e a experincia vivida em cada poca. Se voc conseguir perceber isso, conseguir entender melhor cada pro-posta, pois tudo est inserido dentro de um contexto prprio e peculiar. No podemos julgar o passado com o pensamento de hoje. Alis, nem mesmo podemos jul-gar o passado. As razes de cada poca dependem dos acontecimentos e pensamentos de cada poca.

    3) A anlise da sociedade capitalista atual dar oportunida-de para que voc compreenda um pouco mais as condi-es de vida das pessoas e as influncias que interferem no pensar, no sentir e no agir do ser humano. Por isso, na medida do possvel, leia os livros indicados na Biblio-grafia. Acima de tudo, discuta os assuntos nos Fruns, coloque suas dvidas para seu tutor, enfrente o desafio de entender cada situao dentro do contexto prprio.

    4) Antes de iniciar os estudos desta unidade, pode ser inte-ressante conhecer um pouco da biografia dos pensado-res cujo pensamento norteia o estudo desta disciplina. Para saber mais, acesse os sites indicados.

    Ren Descartes (1596-1650)Nasceu de uma famlia nobre dedicada medicina e ao co-mrcio. Os Descartes se fixaram em La Haye, Tourenne. Seu pai se chamava Joaquim e era conselheiro do Parlamento britnico. Ren tinha uma sade frgil e era cuidado por sua av. Entrou no colgio jesuta de Le Flche, que havia sido fundado dois anos antes, mas j adquirira notoriedade. Nes-se estabelecimento Ren teve formao filosfica e cient-fica. Foi um bom aluno, mas no encontrou a verdade que procurava, como escreveu no Discurso do Mtodo. Apren-deu a filosofia pelo mtodo escolstico, e Ren, apesar de ser catlico, percebeu a diferena existente entre aquele tipo de ensino antigo e o recente esprito renascentista, baseado

  • 35 Ser Humano e Sociedade: Contexto Histrico

    nas ltimas descobertas e inovaes cientficas e culturais. Agradava a Descar-tes a matemtica, por dar respostas exatas. A educao em Le Flche havia sido religiosa, e havia um clima de atraso e submisso s instituies polticas, acompanhados de estudos das infindveis controvrsias tericas da escolstica. Portanto Descartes saiu de l um pouco confuso e decepcionado. Mas apesar disso recomendava o colgio para os filhos de amigos. Entrou para a Universi-dade de Poitiers, curso de direito, e se formou. Como no ficou satisfeito com os conhecimentos adquiridos, resolveu entrar para o exrcito. Se alistou nas tropas holandesas de Maurcio de Nassau. Descartes tinha uma ligao com a Holanda, e foi combater os espanhis. Fez ento uma forte amizade com um entusiasta da Fsica e da Matemtica, Isaac Beckman, jovem mdico holands (imagem e texto disponveis em: . Acesso em: 15 out. 2010).

    Leonardo BoffNasceu em Concrdia, Santa Catarina, aos 14 de de-zembro de 1938. neto de imigrantes italianos da re-gio do Veneto, vindos para o Rio Grande do Sul no final do sculo XIX. Fez seus estudos primrios e se-cundrios em Concrdia-SC, Rio Negro-PR e Agudos--SP. Cursou Filosofia em Curitiba-PR e Teologia em Petrpolis-RJ. Doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique-Alemanha, em 1970. Ingres-sou na Ordem dos Frades Menores, franciscanos, em 1959.

    Durante 22 anos, foi professor de Teologia Sistemtica e Ecumnica em Petr-polis, no Instituto Teolgico Franciscano. Professor de Teologia e Espiritualidade em vrios centros de estudo e universidades no Brasil e no exterior, alm de professor-visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espa-nha), Harvard (EUA), Basel (Sua) e Heidelberg (Alemanha).Esteve presente nos incios da reflexo que procura articular o discurso indigna-do diante da misria e da marginalizao com o discurso promissor da f crist gnese da conhecida Teologia da Libertao. Foi sempre um ardoroso defensor da causa dos Direitos Humanos, tendo ajudado a formular uma nova perspectiva dos Direitos Humanos a partir da Amrica Latina, com "Direitos Vida e aos meios de mant-la com dignidade". doutor honoris causa em Poltica pela Universidade de Turim (Itlia) e em Teo-logia pela Universidade de Lund (Sucia), tendo ainda sido agraciado com vrios prmios no Brasil e no exterior, por causa de sua luta em favor dos fracos, dos oprimidos e dos marginalizados e dos Direitos Humanos.De 1970 a 1985, participou do conselho editorial da Editora Vozes. Nesse pero-do, fez parte da coordenao da publicao da coleo Teologia e Libertao e da edio das obras completas de C. G. Jung. Foi redator da Revista Eclesistica Brasileira (1970-1984), da Revista de Cultura Vozes (1984-1992) e da Revista Internacional Concilium (1970-1995).Em 1984, em razo de suas teses ligadas Teologia da Libertao, apresenta-das no livro Igreja: Carisma e Poder, foi submetido a um processo pela Sagra-da Congregao para a Defesa da F, ex-Santo Ofcio, no Vaticano. Em 1985, foi condenado a um ano de "silncio obsequioso" e deposto de todas as suas

  • Antropologia, tica e Cultura36

    Claretiano - REDE DE EDUCAO

    funes editoriais e de magistrio no campo religioso. Dada a presso mundial sobre o Vaticano, a pena foi suspensa em 1986, quando pde retomar algu-mas de suas atividades (Imagem: disponvel em: . Acesso em: 29 out. 2010. Texto: disponvel em: . Acesso em: 29 out. 2010).

    4. INTRODUO UNIDADE

    Ao analisar o contexto histrico, possvel compreender como a sociedade, em alguns momentos, tratou o ser humano. Do mesmo modo, possvel ver como alguns pensadores enten-deram e se pronunciaram a respeito do ser humano. Contudo, no se pode deixar de olhar tudo isso dentro do contexto em que ele vivia, levando em considerao tudo o que acontecia naquela rea-lidade. Muitos se dispuseram a falar e a tecer alguns comentrios a respeito do ser humano. importante analisar algumas concep-es, de algumas pocas para entender alguns pensamentos que norteavam as atitudes e as aes da sociedade e quais as influn-cias que esses pensamentos exerciam na vida das pessoas e da sociedade em geral.

    Interessa notar que a concepo a respeito do conceito que se criava ou que se criou sobre a pessoa influenciou a maneira de ser e de agir da sociedade em cada poca determinada. Ou o con-trrio. Aquilo que se pretendia da sociedade e para a sociedade acabava criando uma concepo a respeito do ser humano. A ma-neira como o ser humano era tratado dependia, muitas vezes, do modo como a sociedade era concebida. Isso parece simples, mas preciso notar as diferenas na concepo de homem que tive-mos em cada momento da histria, para que se possam compre-ender os fatos de forma clara. Ao conseguir enxergar todos esses mecanismos, pode-se entender a relao existente entre o modo de vida da poca e os pensamentos que regiam as sociedades em cada perodo da histria. Alis, difcil dizer o que vem primeiro.

    Tudo acontece quase ao mesmo tempo: enquanto a situao da sociedade se apresenta de uma forma ou de outra, as anlises vo

  • 37 Ser Humano e Sociedade: Contexto Histrico

    surgindo e as propostas vo sendo feitas. Naturalmente, essas an-lises podem provocar mudanas na maneira de pensar e de agir do homem. E as consequncias nem sempre so facilmente percebidas.

    Aqui interessa entender o que est relacionado com o ho-mem em todo esse processo. Sero estudadas algumas teorias que influenciaram a sociedade em cada perodo histrico e a maneira de entender a pessoa. Em contrapartida, preciso ver as relaes existentes entre essa maneira de entender o homem e as propos-tas que interferem na sociedade. Esse um grande desafio.

    Antes de prosseguirmos, importante que voc perceba que tudo est relacionado Antropologia. Alis, o estudo antropol-gico que vai tratar desses assuntos. No se deve, porm, confundir Antropologia com Humanismo. Estudaremos a antropologia como forma de compreender o ser humano e a sociedade dentro do contexto histrico. importante que voc perceba como o homem busca compreender a si mesmo, pois, ao fazer isso, ele representa sua experincia original. Enquanto o homem se compreende, ele representa o todo ou a sua totalidade concreta sem se desligar da experincia e da compreenso de si mesmo.

    O ser humano sempre procurou entender o significado de sua existncia. Desde tempos remotos, ele quis saber sobre sua existncia e sobre a existncia do mundo e das coisas ao seu redor. Preocupou-se em entender os meandros da sociedade e o signifi-cado de tudo. Percebeu que era uma parte do todo. O todo com-plexo, mas preciso compreender bem o que isso significa.

    Sem separar as coisas, sem separar a parte do todo, pois a parte s tem sentido no todo, assim tambm o ser humano. No se pode separar o homem em partes. certo que, em alguns mo-mentos da histria, essa separao vai aparecer, e isso se torna um enorme problema para as pessoas e para a sociedade. As ideias mecanicistas, muito presentes na contemporaneidade, atuam des-sa forma e fragmentam tudo em partes, como se nada (cada coisa ou cada parte) tivesse sentido isoladamente.

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    Tambm importante perceber que essas coisas no so percebidas facilmente nem so percebidas por todos. Muitos es-tudiosos, porm, conseguem analisar essas situaes e apontam o que est por trs dos acontecimentos.

    O ser humano capaz de se inquietar; ele est aberto ao mundo, e essa abertura se converte em abertura ao ser. Essa ati-tude explica a liberdade que o ser humano possui e que prpria dele. O homem um ser aberto ao mundo e ao ser, podendo per-ceber a verdade e o valor que h nessa atitude humana. Nisso, o homem percebe sua essncia, isto , a essncia dele se concretiza na abertura ao mundo e ao ser. Por isso, ele se pergunta sobre sua prpria essncia, sobre o que faz no mundo, por que est neste mundo e qual a razo de sua existncia.

    S o homem possui essa capacidade, possibilidade e neces-sidade; por isso, ele faz a si esse tipo de pergunta. Em outras pa-lavras, podemos perceber que o homem se tornou um problema para si mesmo. Sua experincia de vida questionou suas concep-es; por isso, comeou interrogar-se e procurou respostas.

    Como o homem possui a capacidade de questionar-se sobre sua essncia, ele tem a possibilidade de ter conscincia de si mes-mo e, ao mesmo tempo, a capacidade de se compreender. Mas, como vive em um mundo em que a realidade no favorece a com-preenso de si mesmo, por causa dos acontecimentos materiais, ele no consegue ter uma completa autocompreenso.

    Todos sabemos quanto difcil a autocompreenso. H di-versos fatores que impedem o auto-olhar: as preocupaes di-rias, o trabalho, os estudos, a famlia, os compromissos. Enfim, so muitas as coisas que impedem a pessoa de olhar para si mesma para se compreender e compreender os acontecimentos ao seu redor.

    Os questionamentos que o ser humano se faz e sempre se fez, como "Quem sou?", "Por que estou neste mundo?", "Por que sou assim?", "Por que as coisas so dessa forma?", ficam, muitas

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    vezes, sem respostas e inquietam s vezes, at incomodam. Isso comum a todos os seres humanos. prprio do homem querer entender-se.

    Esta primeira parte de nosso estudo pretende apresentar al-gumas concepes a respeito do ser humano. Todavia, preciso analisar a sociedade atual para perceber como e por que as coisas acontecem e que relao tem isso na vida das pessoas. Essa influ-ncia da sociedade relevante e de fundamental importncia para entender a vida atual.

    No possvel separar o ser humano da realidade em que est inserido. Por isso, de extrema importncia analisar como o sistema da sociedade de hoje atua no ser humano e provoca nele reaes que no so perceptveis. Analisar a questo da ideologia vigente perceber como o ser humano pode tomar conscincia ou no da situao social e como a ideologia consegue camuflar a realidade e nos mostrar um modo de pensar, de sentir e de agir em que o ser humano apresentado de maneira equivocada.

    A concepo de homem apresentada pelo sistema dominan-te nem sempre compatvel com o que ele pretende para si mes-mo. Por isso, estudar a questo social ajuda a entender a realidade e faz perceber que importante ter conscincia da situao para poder traar o perfil da prpria existncia.

    5. SER HUMANO

    Enquanto a sociedade atual olha o ser humano de modo fragmentado, alguns pensadores acreditam que:

    [...] ser homem significa uma pluralidade de dimenses nas quais no s experimentamos o mundo, seno que nos experimentamos a ns mesmos [...] o homem uma totalidade concreta que funda-menta a totalidade em uma unidade estrutural que contribui para sua compreenso (CORETH, 1985, p. 39).

    No entanto, o todo precisa entender-se a si mesmo.

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    O homem uma totalidade e no pode ser visto separada-mente, fragmentado, como acontece na sociedade atual. impor-tante compreender o homem concreto, no um homem fictcio, mas o homem que se pergunta e quer saber quem . O homem est dentro do mundo onde vive. Ele no est confinado sua sub-jetividade, dentro de si mesmo.

    Heidegger (1989) parte do significado de presena e, a partir da, prope compreender e interpretar o ser dentro da realidade do tempo. A pessoa vista como parte das transformaes e mo-dificaes. Isso implica situ-la em determinado contexto. pre-ciso olhar a pessoa dentro do contexto histrico para entender o processo da constituio do ser.

    Dentro desse contexto, a pessoa no pode ser vista de forma fragmentada, como se fosse simplesmente um nmero, um mero consumidor. Do mesmo modo, o ser humano um ser em constru-o. Sendo assim, tem grande potencial para a mudana.

    O autor prope compreender e interpretar o ser dentro da realidade do tempo. Tudo acontece dentro de determinado contex-to. O ser est inserido em algum contexto histrico. O ser humano no s o seu passado nem s o seu presente, mas podemos per-ceber que um projeto de vida, com um potencial em construo, com um potencial imenso pela frente, ainda no acabado.

    Olhar o "ser-no-mundo", como Heidegger, cria a possibilidade de olhar o ser como um potencial a partir do que ele ainda pode ser:

    [...] o homem no se realiza no horizonte do ser, pelo que se expe-rimenta sob aspirao do absoluto. Ele s consegue entender-se a si mesmo se no estiver em relao transcendental com o ser absoluto e infinito, dito de modo mais concreto, em sua relao com o funda-mento absoluto, pessoal e divino do ser (CORETH, 1985, p. 42).

    necessrio que essa relao ultrapasse os limites do pr-prio ser para alcanar uma dimenso metafsica do homem, a sua transcendncia, a fim de que haja uma relao com o ser, numa abertura ao ser em geral ao mesmo tempo em que se abre ao ab-soluto do ser.

  • 41 Ser Humano e Sociedade: Contexto Histrico

    preciso se compreender o homem desde o fundamento de seu ser ao mesmo tempo em que se compreende a totalidade do ser.

    6. CONTEXTO HISTRICO

    Como vimos, o homem quer saber sobre o fundamento e o sentido do mundo em que vive. Por meio do pensamento filosfi-co possvel interrogar-se sobre o princpio de todas as coisas para entender o fundamento de tudo. Ao querer entender a si mesmo no seu mundo, na sua histria e no conjunto da realidade, ele faz um exerccio filosfico.

    Na verdade, essa uma preocupao presente na vida dos povos em geral. Em todas as pocas da histria pode-se perceber a preocupao que o ser humano tem quanto sua origem e sobre a origem do mundo. Afinal, quais foram as preocupaes que envol-veram as sociedades nos diversos momentos histricos?

    Percorrendo alguns desses momentos possvel verificar certos pontos de vista interessantes e que podero elucidar nosso estudo.

    O homem no pensamento grego

    Para Coreth (1985, p. 45): A filosofia grega antiga comea a olhar o mundo, o cosmos, o uni-verso. Pretende estudar o ser, as formas e as leis essenciais das coi-sas. Estabelece um escalonamento ordenado dos seres que parte das coisas inanimadas at chegar s formas de vida e culminar nos modos de ser e de operar do esprito.

    No pensamento grego o homem entendido como o eixo unificador da ordem universal. No entanto, o que caracteriza e constitui o homem sua prpria essncia e sua alma. Aristteles trata da alma, mas no do homem como um todo. Na verdade, trata de uma psicologia, no de uma antropologia.

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    O que se percebe no pensamento primitivo grego que ele apresenta uma dualidade fundamental da alma espiritual e o cor-po material:

    Para Plato o homem est ordenado por seu esprito para o mun-do inteligvel frente ao mundo aparente e mutvel das coisas que se percebem pelos sentidos. Para ele a alma do homem imortal pertence ao mundo imutvel das ideias e est fundamentalmente acima do mundo mutvel (CORETH, 1985, p. 48).

    Tudo o que diz respeito essncia e dignidade do homem se situa no espiritual. Plato apresenta o dualismo esprito e mat-ria, alma espiritual e corpo material do homem.

    Aristteles, mesmo sem superar a viso platnica do ho-mem, demonstra que a alma espiritual o princpio interno que conforma o corpo.

    Desde a Antiguidade, o homem apresentado tentando des-cobrir sua origem. Essa apresentao de que o homem se reco-nhece ligado sua histria demonstra como importante para ele conhecer sua origem. No pensamento grego, tudo est ligado ao destino, ou seja, o homem predeterminado. No entanto, a que ele sente a si mesmo e percebe os acontecimentos do mundo.

    Essa afirmao nos remete doutrina de Herclito do logos, doutrina do ser de Parmnides e ao mundo das ideias de Plato. Fica demonstrado que o homem se reconhece sob o destino do absoluto. Boff (2003, p. 61) explica que:

    A tradio clssica dos gregos no descobrira a dimenso tpica na qual poderia madurar uma reflexo profunda sobre ser-pessoa. Di-ficultavam-no as coordenadas de seu horizonte de pensar. Um eixo destas coordenadas era constitudo pelo esprito concebido como universal, transcendente e divino.

    E continua dizendo que: [...] outro eixo era composto pelo corpo informado pelo esprito, corpo material, imanente e sujeito de todas as limitaes. O ho-mem composto de duas grandezas desproporcionais. Pela morte dar-se-ia a ciso de ambos. Esprito e corpo; o esprito, enfim, se libertaria dos laos limitadores da matria e se recolheria em sua universalidade e primitiva transcendncia.

  • 43 Ser Humano e Sociedade: Contexto Histrico

    A tradio grega utiliza-se da dualidade quando trata o ser humano. Nesse contexto, o esprito tem superioridade sobre o corpo.

    O homem no pensamento cristo

    O diferencial no pensamento cristo a revelao. Tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento a mensagem de salvao e est direcionada para o homem concreto na histria. Essa histria uma histria de salvao em um acontecimento que se desenvolve entre Deus e o homem.

    O Cristianismo ensina que o mundo procede da livre palavra criadora de Deus, que diz "faa-se" (Gnesis 1,3). Mesmo o mal de-pende de deciso livre e pessoal do homem. E, embora desde o in-cio esteja marcado pelo pecado, o homem sabe da ao salvfica de Deus. Na "encarnao", Ele se revela livre e pessoalmente por meio de seu filho. O filho de Deus faz-se homem para salvar os homens do pecado. essa a obra redentora que revela a vontade do Pai.

    Para Agostinho, o livre-arbtrio no a verdadeira liberdade. Esta, libertas, a confirmao da vontade no bem pela graa. De fato, o homem entregue a si mesmo impotente para triunfar da con-cupiscncia. O socorro de Deus necessrio para apoi-lo em sua ao no sentido do bem. [...] a liberdade , para Agostinho, es-sencialmente libertao pela graa e comporta uma gradao: o homem tanto mais livre quanto mais se submete ao chamado da graa e mais participa da sua salvao (BARAQUIM; LAFFITTE, 2007, p. 5-6).

    Quando o Cristianismo, na patrstica, utiliza o pensamento grego para explicar racionalmente a f, no contm o mesmo sig-nificado, pois "acentua o valor e a dignidade do particular [...] a vocao divina e sua livre deciso frente ao destino eterno" (CO-RETH, 1985, p. 53). Por isso, a alma no tem o mesmo sentido pla-tnico de preexistncia, mas apresenta-se como livremente criada por Deus. Essa a linha que segue Agostinho.

    Toms de Aquino, adotando a doutrina aristotlica, no segue o mesmo raciocnio quando trata da alma e do corpo. Para ele, alma

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    e corpo no so duas substncias separadas, mas so dois princpios eternos que formam o nico e mesmo homem completo.

    No pensamento cristo, o homem est inserido na ordem obje-tiva e universal que tem seu fundamento em Deus. Cristo revela o ho-mem ao homem. Os cristos tm uma ideia muito elevada do que o homem, de sua dignidade, de sua realizao, de seu chamado a ser filho de Deus e viver fraternalmente na dignidade do mistrio da vida.

    Cristo mostra o verdadeiro amor, que entrega, doao, uma perda voluntria de liberdade. Mas nele a pessoa pessoa e tira o melhor de si.

    Os cristos so considerados grandes humanistas, mas, ob-viamente, no so os nicos, pois outras pessoas com concepes diferentes, com sentido comum e com sentido da beleza ou de justia compartilham essas convices.

    possvel perceber uma espcie de otimismo ingnuo na so-ciedade moderna, enquanto ela acredita que possvel vencer o mal tanto dentro quanto fora de si, apenas com a razo e a educa-o; para os cristos, necessria a graa de Deus e o amor.

    O homem no pensamento da idade moderna

    No sculo 14, com o Renascimento, e, no sculo 15, na Idade Moderna, depois de um longo perodo em que o Teocentrismo era referncia de tudo, a preocupao voltou-se para a pessoa. O An-tropocentrismo olha o homem situado neste mundo.

    At essa poca, a segurana estava na f em Deus. Desde o sculo 4 at o 14, o homem achava-se no centro de um mundo perfeito, ordenado e claro, fruto de uma f que lhe dava a seguran-a de um Deus que olhava por ele, consequncia do pensamento teocrtico que predominava na poca. Frei Betto (Anexo I, p. 147) aponta que:

    [...] a ltima mudana de poca foi justamente na "descoberta" da Amrica, quando o Ocidente passou do perodo medieval para o moderno. A pintura de Michelangelo expressa, com genialidade,

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    essa chegada de um tempo em que o conhecimento, a epistemolo-gia, se desloca de uma perspectiva teocntrica para uma perspec-tiva antropocntrica. A rainha das cincias, durante mil anos, no perodo medieval, foi a teologia. A rainha das cincias, da moderni-dade a fsica. O perodo medieval se baseava na f; o moderno, na razo. O perodo medieval se baseava na contemplao das verda-des reveladas; o moderno, na busca da compreenso da mecnica deste mundo e no pragmatismo, na transformao deste mundo (o texto se encontra na ntegra ao final deste CRC no tpico Anexos).

    A modernidade mostra o homem sem um lugar assegurado no mundo, fazendo que ele se retraia cada vez mais sobre si mesmo. Isso o faz questionar-se sobre o ser do homem e o sentido de sua vida.

    O homem passa a ocupar o centro: o que se chama Antro-pocentrismo. O problema que esse homem um simples sujeito, no o centro de uma ordem objetiva do ser, mas o centro de um mundo de conhecimentos subjetivos.

    Frei Betto (Anexo I, p. 149) aponta que a caracterstica da modernidade:

    [...] so duas pernas: a filosofia de Ren Descartes e a fsica de Isa-ac Newton. Descartes, com o "Penso, logo existo", mostrou que a razo capaz de decifrar os enigmas do conhecimento. J contem-poraneamente a ele, ou um pouco antes, um acontecimento mar-cou decisivamente a introduo da viso moderna: a astronomia de Nicolau Coprnico, depois complementada por Galileu Galilei. Coprnico fez algo de revolucionrio, a ponto de hoje se falar de re-voluo copernicana, porque at ento as pessoas olhavam o mun-do com os ps na Terra. Coprnico fez o inverso: como ser a Terra se eu me imaginar com os ps no Sol? A partir dessa mudana, ele teve uma compreenso completamente diferente do universo, mas s ousou partilh-la em seu leito de morte, com medo da Inquisi-o. Depois veio Galileu e acabou com a ideia de que a cincia baseada no senso comum.

    A pretenso que o ser humano se tornar autnomo. E isso ser possvel por meio da racionalidade trazida pelas descobertas cientficas. O desenvolvimento tcnico-cientfico tendeu para esse novo aporte. Durante o Feudalismo, o homem ficou submisso aos senhores feudais. Tudo dependia do feudo. Pouco precisava se preo-cupar com o desenvolvimento da sua vida e da sociedade em geral.

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    Na modernidade, porm, o homem pode apostar em sua au-tonomia, pois a maneira como a sociedade est sendo estruturada lhe permite buscar novas formas de vida (MARTINS, 2009). E Mar-tins aponta um problema srio sobre a modernidade, a respeito do homem:

    O mundo moderno tem uma concepo de ser humano muito frag-mentada e mecanicista. Ele apostou piamente na capacidade racio-nal do homem e rompeu com a realidade transcendente. Contudo, essa "autonomia" no foi capaz de realizar a existncia humana e solucionar os problemas da humanidade, mas desencadeou uma crise tica e de sentido (2009, p. 13).

    O mesmo autor aponta outras preocupaes decorrentes dessa postura nova que o mundo comea a experimentar: o mun-do moderno trouxe muito desenvolvimento ao homem, sobretudo no campo material. Novas descobertas e inventos trouxeram con-forto s pessoas, que passaram a se apegar cada vez mais aos bens materiais e s descobertas das cincias.

    Com isso, o "ter" passou a ser extremamente valorizado e desejado. Contudo, a existncia humana no se realiza somente com o "ter". Some-se a isso o fato de que, diante da grande desi-gualdade social, adquirir os bens da tecnologia no possvel para maioria da populao mundial.

    existncia, na modernidade, agrega o "ter" como funda-mento para o sentido do "viver". Cria-se a iluso da realizao exis-tencial unida ao material, proveniente da produo tcnico-cien-tfica que se aperfeioa a cada dia. Com esse aperfeioamento, o "ter" vai-se modificando, e essa falsa necessidade nunca suprida. Estabelece-se uma crise no mundo moderno, pois a satisfao com o material no capaz, por si, de dar sentido vida:

    A modernidade jogou o homem dentro de uma crise de sentido: o ser foi engolido pelo ter, que superficial, pois nunca toca no cerne da existncia (MARTINS, 2009, p. 15).

    A modernidade construiu-se com a supervalorizao da ra-zo, com a capacidade de transformar o todo em suas partes. O mesmo autor vai alm, afirmando que:

  • 47 Ser Humano e Sociedade: Contexto Histrico

    [...] a crise de sentido do ser enorme. O ser humano na moder-nidade encontra-se em pedaos, sem saber integrar-se novamente dentro de uma unidade ontolgica capaz de realiz-lo. O homem definitivamente foi fragmentado com as cincias, a partir de Des-cartes (2009, p. 17).

    Descartes (1596-1650) aponta uma mudana de rumo quan-do apresenta o dualismo entre corpo e alma; dualismo que, de duas realidades distintas como se nada tivessem entre si, elimina qualquer possibilidade de uma ao mtua entre corpo e alma.

    Para Descartes, o valor supremo do homem, aquilo por meio de que ele realizar da melhor maneira possvel sua humanidade, a plena disposio de um livre-arbtrio cujo bom uso consiste em privilegiar a clareza do entendimento e em tomar o partido da razo. Porque em Descartes que o Racionalismo se estabelece. O homem reduzido a um sujeito pensante. Em contrapartida, o Empirismo ingls impe-se sob a impresso das cincias da natu-reza como nica realidade objetiva cientificamente demonstrvel, como aparece em John Lock (1632-1704), considerado pai do Em-pirismo, e David Hume (1711-1766), considerado o maior filso-fo empirista ingls, que se apoiam exclusivamente na experincia sensvel.

    O Racionalismo entende o homem essencialmente como um ser racional sem levar em conta o homem total e concreto; em contrapartida, o Idealismo eleva e absorve a razo finita no acontecimento espiritual infinito com o qual no adquire seu ple-no valor singularidade pessoal do homem na sua liberdade e res-ponsabilidade.

    A Revoluo Francesa, com o lema "liberdade, igualdade, fraternidade", expressa ideais que devem ser considerados pelas pessoas e pela sociedade. um novo momento que se inicia. Uma nova concepo de pessoa, de mundo e de sociedade tem incio. Contudo, a histria mostra que o Materialismo cientfico no acre-dita, por exemplo, na liberdade. E a Biologia no acredita na igual-dade ou na fraternidade.

  • Antropologia, tica e Cultura48

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    Da mesma forma, a evoluo das espcies funciona porque no h igualdade e porque o mais forte se impe. uma sociedade de competio.

    Percebe-se, em contrapartida, que uma grande parte da cultura moderna j no capaz de sustentar seus fundamentos, porque no acredita neles. Menos ainda acredita no valor ou dig-nidade da vida humana.

    Materialismo e Evolucionismo

    Enquanto na Idade Mdia o direcionamento da sociedade era teocntrico, da modernidade em diante, o direcionamento passa a ser antropocntrico. O homem passa a ser o centro das preocupaes, at que, no sculo 19, essa preocupao se direcio-na para a sua autoexperincia concreta.

    Historicamente, a tradio considerou o esprito no homem como aquilo que constitua propriamente sua essncia e a carac-terizava acima de qualquer outra qualidade. No sculo 19, o Mate-rialismo ops-se terminantemente a isso, afirmando que o homem uma realidade material como outro ser qualquer.

    Com Augusto Comte (1798-1857), essa concepo de pessoa se tornou forte. Considerado o pai do Positivismo, Comte defende que o valor est no conhecimento objetivo da realidade, tornando o homem um simples objeto do estudo cientfico natural emprico, psicolgico, sociolgico. Baraquim e Laffitte (2007, p. 69) apontam o Positivismo como o movimento que:

    [...] lana as bases de uma reorganizao mental geral que acabaria com as conquistas do "esprito positivo" prprio da era industrial. Esse sistema tambm chamado por Comte de "filosofia positiva", que busca a certeza apenas nas aquisies das cincias e do mtodo destas busca de constncia observveis, de relaes entre fenmenos e no de causas absolutas e se recusa, contra o cientificismo, a separar as cincias da sua utilidade humana e da sua ancoragem na histria.

    O Positivismo abre as portas para o Materialismo. Enquanto, para o Positivismo, s tem valor aquilo que se pode experimentar, para o Materialismo, tudo matria e s existe a realidade material.

  • 49 Ser Humano e Sociedade: Contexto Histrico

    No Evolucionismo de Darwin (1809-0882), d-se uma nova revoluo na imagem do homem. A evoluo fruto da seleo natural. Na mesma linha de pensamento, Friedrich Nietzsche (1844-1900) v no homem um produto da evoluo que o levar ao "super-homem".

    Contrrio a Darwin, sua afirmao segue o raciocnio de que a evoluo no ocorre de forma mecnica, mas realiza-se na livre competio entre os homens na vontade de poder. O super-homem no um produto do processo mecnico, mas da livre vontade hu-mana. No Dicionrio Universitrio dos Filsofos, pode-se ler que:

    [...] o super-humano no deve ser compreendido no sentido de uma etapa prxima na evoluo: "A questo no est em saber que espcie suceder na histria dos seres a espcie dos homens. O homem um fim. A questo est em saber que tipo de homem devemos formar, que tipo de homem querer". Zaratustra ensina aos homens "o sentido do seu ser": criar, a partir da sua vontade de poder, um homem que, simultaneamente, supere o homem e con-sume sua verdade. O super-homem esse homem superior, cujo querer emancipado de todo ressentimento, de toda culpa, de toda negao, assume plenamente o sentido da vida sob todas as suas formas e a justificativa inclusive no que ela tem de mais ambguo e de mais assustador. Duro em relao aos outros e em relao a si mesmo, livre de esprito e de corao, ele enfrenta ento a verdade com lucidez. Sua felicidade est em vencer a si mesmo. Somente uma cultura nobre, ligada a uma moral aristotlica, capaz de edu-car o homem super-humanidade e ensinar-lhe a arte de se supe-rar a si mesmo (BARAQUIM; LAFFITTE, 2007).

    Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engles (1820-1895) vo para o lado do Materialismo dialtico. No Materialismo dialtico, no afirmam que as coisas so estticas, mas dinmicas; no so mecnicas, mas dialticas. No entanto, s existe a realidade mate-rial, embora no seja matria esttica, unvoca e uniforme; contu-do, trata-se de um princpio material.

    Para Marx, o homem no passa de um conjunto de relaes sociais que destroem a pessoa individual e a tornam uma funo dentro do progresso da sociedade. O indivduo dilui-se no proces-so social e histrico.

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    Em Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), encontramos a afirmao de que a matria contm em germe todas as formas da evoluo. Nesse processo, forma-se o campo da vida em todas as suas manifestaes e o campo do pensamento e da conscincia espiritual do homem.

    Existencialismo e Personalismo

    Blaise Pascal (1623-1662) ope-se estreita viso raciona-lista de Descartes. Pascal soube tomar conscincia do trgico da condio humana, m