Antropologia, Gênero e Sexualidades no Ensino … · aprender, ou seja, o GEEMPA não trabalha com...

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Antropologia, Gênero e Sexualidades no Ensino Superior: tecnologias educacionais, teoria feminista e pós-construtivismo 1 Felipe Bruno Martins Fernandes UFBA/Bahia Resumo: O trabalho apresenta os resultados da pesquisa pós-doutoral desenvolvida no quadro de projeto PNPD-CAPES “Antropologia, Gênero e Educação”. Refletiremos sobre o papel da teoria feminista na formação de estudantes em antropologia, serviço social e ciências humanas e profissionais do campo da educação e de políticas para mulheres e LGBT. A pesquisa teve como "campo" três disciplinas universitárias, uma na pós-graduação da FURG/ RS e duas ministradas na graduação da UFSC/SC e em cursos de formação de professores no campo da alfabetização ministrados pela ONG GEEMPA. A pesquisa teve como foco as perspectivas teórico-metodológicas pós-construtivista e feminista. Utilizando técnicas pedagógicas como: contrato pedagógico, elaboração do crachá, grupos áulicos, jogos, “letras em pedaços”, e “sim, não, por quê?”, pudemos refletir sobre a formação engajada. Apresentaremos os resultados desta pesquisa no campo da antropologia e educação com resultados das quatro experiências. Em uma das turmas, na graduação do curso de ciências sociais, se formou uma turma jovem feminista engajada em atividades de pesquisa e extensão em antropologia do gênero (uma vez que a maior parte se integrou em núcleos de pesquisa após as experiências) além da concretização da divulgação de resultados de pesquisas e reflexões realizadas nas disciplinas em livros e periódicos nacionais. Na disciplina do curso de Serviço Social pudemos romper com alguns estereótipos da disciplina de antropologia no curso, antes muito temida pela turma, garantindo ampla participação das alunas e alunos nas aulas; e na do curso de Pós-Graduação em Educação e Ciências qualificamos as pesquisas individuais, ampliamos o leque de leituras sobre antropologia e teoria feminista e estimulamos a submissão dos trabalhos finais em formato de resenhas em periódicos do campo da teoria feminista. Por fim, foram nos cursos de formação de professoras/es alfabetizadoras/es que aprendemos as técnicas utilizadas no ensino superior e lá contribuímos com o módulo de “aspectos antropológicos da aprendizagem” em que densificamos conceitos como cultura, alteridade, identidade, diferenças, gênero, sexualidades, dentre outros... Palavras-Chave: Ensino de Antropologia, Pós-Construtivismo, Gênero Introdução O ensino de Antropologia é hoje um campo complexo que não se restringe ao curso de Ciências Sociais e essa complexidade está em diálogo com a demanda de profissionais qualificados em áreas envolvendo questões de diversidade, dentre essas, questões de gênero e sexualidade (GROSSI; TASSINARI; RIAL, 2006). Segundo Eunice Durham (2006), a antropologia “é parte integrante da formação em Ciências Sociais, mas tem um papel importante e às vezes essencial em outras carreiras” (p. 207), oferecendo aos futuros 1 1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.

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Antropologia, Gênero e Sexualidades no Ensino Superior: tecnologias educacionais, teoria

feminista e pós-construtivismo1

Felipe Bruno Martins Fernandes

UFBA/Bahia

Resumo: O trabalho apresenta os resultados da pesquisa pós-doutoral desenvolvida no quadro de projeto PNPD-CAPES “Antropologia, Gênero e Educação”. Refletiremos sobre o papel da teoria feminista na formação de estudantes em antropologia, serviço social e ciências humanas e profissionais do campo da educação e de políticas para mulheres e LGBT. A pesquisa teve como "campo" três disciplinas universitárias, uma na pós-graduação da FURG/RS e duas ministradas na graduação da UFSC/SC e em cursos de formação de professores no campo da alfabetização ministrados pela ONG GEEMPA. A pesquisa teve como foco as perspectivas teórico-metodológicas pós-construtivista e feminista. Utilizando técnicas pedagógicas como: contrato pedagógico, elaboração do crachá, grupos áulicos, jogos, “letras em pedaços”, e “sim, não, por quê?”, pudemos refletir sobre a formação engajada. Apresentaremos os resultados desta pesquisa no campo da antropologia e educação com resultados das quatro experiências. Em uma das turmas, na graduação do curso de ciências sociais, se formou uma turma jovem feminista engajada em atividades de pesquisa e extensão em antropologia do gênero (uma vez que a maior parte se integrou em núcleos de pesquisa após as experiências) além da concretização da divulgação de resultados de pesquisas e reflexões realizadas nas disciplinas em livros e periódicos nacionais. Na disciplina do curso de Serviço Social pudemos romper com alguns estereótipos da disciplina de antropologia no curso, antes muito temida pela turma, garantindo ampla participação das alunas e alunos nas aulas; e na do curso de Pós-Graduação em Educação e Ciências qualificamos as pesquisas individuais, ampliamos o leque de leituras sobre antropologia e teoria feminista e estimulamos a submissão dos trabalhos finais em formato de resenhas em periódicos do campo da teoria feminista. Por fim, foram nos cursos de formação de professoras/es alfabetizadoras/es que aprendemos as técnicas utilizadas no ensino superior e lá contribuímos com o módulo de “aspectos antropológicos da aprendizagem” em que densificamos conceitos como cultura, alteridade, identidade, diferenças, gênero, sexualidades, dentre outros...Palavras-Chave: Ensino de Antropologia, Pós-Construtivismo, Gênero

Introdução

O ensino de Antropologia é hoje um campo complexo que não se restringe ao curso de

Ciências Sociais e essa complexidade está em diálogo com a demanda de profissionais

qualificados em áreas envolvendo questões de diversidade, dentre essas, questões de gênero e

sexualidade (GROSSI; TASSINARI; RIAL, 2006). Segundo Eunice Durham (2006), a

antropologia “é parte integrante da formação em Ciências Sociais, mas tem um papel

importante e às vezes essencial em outras carreiras” (p. 207), oferecendo aos futuros

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1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.

profissionais de áreas diversas um olhar cuidadoso sobre a “diversidade cultural no Brasil,

especialmente no que diz respeito às classes sociais, à questão da pobreza e da

violência” (ibid.). Para Lia Zanotta Machado (2010), a antropologia tem papel central na

defesa de direitos coletivos e comunitários relacionados à diversidade cultural brasileira mas,

ainda, nesse campo disciplinar, há a predominância da diversidade cultural em detrimento das

desigualdades de gênero. Nos encontros da antropologia com a teoria feminista há um embate

entre o método antropológico (que pode levar em conta os saberes feministas) e a perspectiva

feminista (ibid.), que se apresenta como uma uma metodologia ela mesma (cf. HARDING,

1986). Nesse sentido, há problemas nesse encontro que são (i) a representação da diversidade

cultural como uma totalidade e (ii) a articulação do gênero nas várias dimensões da vida

social (MACHADO, 2010).

A teoria feminista, de caráter inter(trans)disciplinar por excelência, incorpora

questionamentos ao saber e aos conhecimentos já instituídos, o que beneficia o conjunto de

disciplinas das humanidades ao inserir uma nova postura na trama das relações sociais

(ÁLVARES; SANTOS, 1999). Partindo inicialmente do estudo da “condição feminina” a

teoria feminista passou a operar o conceito de “gênero” (SCOTT, 1990) que afetou todos os

campos das Humanidades ao (re)pensar as relações sociais interseccionalizando-as - nos

moldes propostos pelo feminismo negro (CRENSHAW, 2002) - com outros marcadores

sociais da diferença como a classe, a raça, a etnia, a condição física e a sexualidade. Além

dessa interseccionalidade, a categoria gênero permitiu novos olhares sobre categorias

estabelecidas no campo das Humanidades como “natureza humana” e “subjetividade”, além

de colocar em cheque a racionalidade dos processos de construção do conhecimento baseados

em categorias abstratas e conceitos universais (PASSOS, 1999).

Como ensinar novas gerações a “conhecer em profundidade um dado

contexto” (LEAL, 2010, p. 1981) - que é o objetivo central do ensino de antropologia - ,

levando-se em conta as dimensões de gênero como estruturantes da análise do social - como

propõe a teoria feminista - é o objetivo dessa apresentação. Para tal tomo como trabalho de

campo algumas disciplinas na graduação e pós-graduação que ministrei coletivamente em

parceria com outras professoras e colegas. Apresentarei as técnicas utilizadas, assentadas no

método pós-construtivista do GEEMPA/RS e os resultados que observei a partir dessa

experiência engajada, particularmente na formação de novas gerações de antropólogas/os e

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profissionais de outras áreas que (re)pensaram suas áreas disciplinares e, em alguns casos, se

tornaram pesquisadoras e pesquisadores em gênero e sexualidades e/ou feministas.

Pós-Construtivismo e Teoria Feminista: diálogos antropológicos

O GEEMPA - Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação2 é

uma entidade civil sem fins lucrativos com sede-foro em Porto Alegre/RS. Nasceu nos anos

1970 a partir da reunião de professoras de matemática preocupadas com os processos de

ensino-aprendizagem dessa disciplina na Educação Básica. Pelas aproximações entre o ensino

de matemática e a alfabetização nos anos iniciais, particularmente na psicogênese3 desses

conteúdos, passou a focar nessas áreas como eixos prioritários de ação. Já realizou diversos

projetos no Rio Grande do Sul e no Brasil, sendo o mais atual a parceria com o Ministério da

Educação na Correção de Fluxo da Alfabetização, ou seja, na capacitação de professoras/es

alfabetizadoras/es responsáveis por turmas de alunas e alunos que não se alfabetizaram na

idade certa4 (sic). A partir de parcerias com municípios propõe o método pós-construtivista

como alternativa para a educação brasileira afirmando, principalmente, que todos podem

aprender, ou seja, o GEEMPA não trabalha com uma meta de aprendizagem que seja inferior

à 100%, sendo responsabilidade da/o professor/a ensinar os conteúdos previstos para a

totalidade da turma, a despeito de características biológicas e culturais das alunas e alunos.

O método pós-construtivista tem origem no construtivismo piagetiano que pressupõe

que o conhecimento é fruto de uma construção, mediada pela/o professor/a, e a partir do

contato do sujeito com o objeto de conhecimento (GROSSI, 2008). Entretanto o pós-

construtivismo avança em relação ao construtivismo ao priorizar nessa construção do

conhecimento a troca entre pares e a interação alunas/os-alunas/os, focando a construção do

conhecimento em sua dimensão social (ibid.). Nesse sentido a/o professor/a pós-construtivista

se diferencia de outros ao eleger atividades de interação entre pares (alunas/os) como lócus

privilegiado de crescimento cognitivo, evitando a explicação. Em uma sala pós-construtivista

não ocorrerá uma aula expositiva, ao invés disso, a/o professor/a em seu lugar de liderança do

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2 Para maiores informações, ver <www.geempa.org.br>.

3 Segundo Esther Pillar Grossi (2008), “[a psicogênese] é a fatia intermediária da aprendizagem entre o conteúdo científico e o processo do próprio aluno, que ele próprio constrói através de circunstâncias do seu próprio cotidiano. O aluno formula hipóteses sobre [o] campo conceitual [do conteúdo ministrado]. [...] A psicogênese é essa seqüência de passos que um aluno constrói quando quer compreender algo da realidade”.

4 Ver BRASIL, 2013.

processo de ensino-aprendizagem, planejará atividades que busquem criar questões para os

grupos de alunos (uma turma pós-construtivista é dividida em grupos áulicos) de modo que a

busca pelas respostas para essas questões seja um trabalho coletivo (FIGURA 1). A sala de

aula pós-construtivista não é, dessa forma, uma sala silenciosa, tampouco a/o professor/a é

aquela/e que tem a palavra final sobre quaisquer conteúdos. A avaliação das/os alunas/os se dá

pelo crescimento ao longo do processo e cabe à/ao professor/a monitorar minuciosamente o

crescimento individual de cada aluna/o de sua turma, garantindo a aprendizagem 100%.

Figura 1 - Sala de Aula Pós-Construtivista dividida em grupos áulicos em que alunas e alunos dos anos iniciais aprendem conteúdos de matemática e letramento através de jogos pedagógicos. Fonte: E.M.E.F. Migrantes, Porto Alegre/RS.

No projeto MEC-GEEMPA de Correção de Fluxo da Alfabetização atuam especialistas

de diversas áreas do conhecimento como a Psicanálise, a Medicina e a Antropologia. As

contribuições da equipe de antropólogas/os ao GEEMPA se dá na reflexão dos aspectos

antropológicos da aprendizagem cujos conteúdos envolvem o conhecimento do outro, o

estranhamento de valores e o mapeamento de situações dramáticas. Conteúdos mais

específicos como a diversidade da sala de aula, os marcadores sociais da diferença, a religião,

as violências, questões étnico-raciais, o gênero e a sexualidade (incluindo temas como

afetividade, homossexualidades, namoro/ficar, etc.) transversalizam os módulos da

capacitação. Mas é na noção de agência que a contribuição antropológica ao pós-

construtivismo atinge o seu ápice. Como a dimensão social e a troca é estruturante do

crescimento cognitivo, o pressuposto das/os alunas/os como agentes, ou seja, sujeitos com

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intenção e capazes de definirem projetos para si (cf. ORTNER, 2006), se torna central no

processo de ensino-aprendizagem de quaisquer conteúdos.

Disciplinas Ministradas: Grupos Áulicos e Aprendizado entre Pares

Ao longo de 2013 ministrei três disciplinas, sempre coletivamente. A primeira, em que

figurei como professor auxiliar, foi “Sexualidades, Homo- Transexualidades e Teoria Queer”,

no curso de Ciências Sociais da UFSC (2013.1) sob a coordenação da Profa. Miriam Pillar

Grossi e contando com o apoio de Anna Carolina Horstmann Amorim (PPGAS/UFSC). A

segunda, em que também figurei como professor auxiliar juntamente com Caterina Rea e

Arianna Sala, foi “Antropologia Social II” (2013.2) sob a coordenação da Profa. Miriam Pillar

Grossi e contando com o apoio de Laís Novo (PPGAS/UFSC). A terceira disciplina ministrei

como tópico especial no Programa de Pós-Graduação em Educação e Ciências da FURG

(2013.2) e foi “Feminismos e Gênero: um olhar sobre as (Homo-Trans-Queer)Sexualidades”.

Todas as disciplinas tiveram conteúdos de antropologia e teoria feminista.

A disciplina “Sexualidades, Homo- Transexualidades e Teoria Queer” foi oferecida

como optativa no curso de Ciências Sociais e buscou dar uma visão geral às/aos alunas/os dos

principais temas, teorias e autoras/es do campo de Estudos de Gênero e Sexualidades. A

disciplina foi aberta à discentes de todos os cursos da UFSC (contamos com três alunos da

UDESC), em particular aos do curso de Antropologia e Museologia aos quais a disciplina foi

ofertada como optativa em horário noturno.

A proposta da disciplina “Antropologia Social II” foi apresentar aos estudantes de

Serviço Social uma visão geral sobre os conceitos de gênero, sexualidade, raça e etnia,

incluindo o debate sobre movimento LGBTTT e políticas públicas, questões trans, educação

para a diversidade e violências de gênero.

A disciplina “Feminismos e Gênero: um olhar sobre as (Homo-Trans-

Queer)Sexualidades” buscou responder às seguintes perguntas: (i) como as

homossexualidades como objeto do pensamento têm sido abordadas nas Ciências Humanas e

Sociais? (ii) como os estudos sobre sexualidades dissidentes tem se tornado sub-campos

específicos em áreas disciplinares como a Educação, a História, a Antropologia e muitas

outras? Como uma disciplina para a pós-graduação, partiu-se do pressuposto que hoje

defende-se um “paradigma da diversidade” cuja proposta é olhar os fenômenos sociais de

maneira complexa, interseccionalizando diferentes marcadores sociais da diferença,

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particularmente, gênero, raça/etnia, sexualidade, classe e deficiência. Na disciplina introduzi a

homossexualidade como um objeto do pensamento focalizando, particularmente, no diálogo

entre as pesquisas sobre sexualidades dissidentes e as pesquisas sobre gênero. Esse diálogo

aconteceu através de “eixos tipicamente feministas” como “violência”, “família”, “amor” e

“ativismo”.

Técnicas Pedagógicas

As técnicas pedagógicas do método pós-construtivista abaixo descritas foram

executadas nas três disciplinas apresentadas.

O início de um processo pós-construtivista no Ensino Superior se dá pela pactuação,

assim como em outros processos educativos, de um contrato pedagógico e pelo

reconhecimento coletivo das partes que compõem a turma. No contrato pedagógico

estabelecemos os princípios que nortearão o curso como a participação nas aulas, a leitura dos

textos, a conclusão bem sucedida da disciplina e, no caso pós-construtivista, foca-se na

presença plena, ou seja, no esforço de cada integrante da turma em estar presente em todas as

aulas. Como o aprendizado é social, a ausência de um/a integrante do grupo áulico é dita

como afetando negativamente toda a turma pois as competências dos sujeitos não são iguais e

essa diversidade de competências é fundamental para o crescimento de todas/os. Já o

reconhecimento coletivo da turma se dá através da elaboração do crachá (FIGURA 2A),

atividade que consiste na produção de um crachá decorado por cada aluna/o com seu nome ou

a forma como gosta de ser chamada/o. Além de contribuir para o aprendizado da/o professor/a

do nome de suas/seus alunas/os, fundamental para o estabelecimento da relação de confiança

e trabalho entre alunas/os e professor/a, o crachá também se mostrou eficaz na produção de

pertencimento na turma pois reconhece a/o aluna/o na forma como esta/e se apresenta ao

mundo e faz com que as/os outras/os também a/o reconheçam como tal. Tive alunas/os

travestis e transexuais que, com essa atividade inicial, não tiveram que “solicitar” o

reconhecimento de seus “nomes sociais” e até mesmo alunas/os cisgênero que escreveram no

crachá apelidos com os quais gostam de ser chamadas/os.

Uma das principais técnicas do método pós-construtivista para a mediação da

produção do conhecimento entre pares é o uso de jogos. Na alfabetização um jogo utilizado

para o aprendizado das letras é o “Letras em Pedaços” que consiste em um quebra cabeça

formado por quatro diferentes peças (variando a cor e a forma) e com as quais combina-se as

letras do alfabeto. Cada letra do alfabeto é possível a partir de uma única combinação de

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peças. Tomamos o “Letras em Pedaços” no ensino superior para realizar a atividade estudo do

programa da disciplina. As peças exatas para a formação dos nomes de autoras e autores dos

textos do programa são colocadas em um envelope e entregues aos grupos áulicos juntamente

com o programa e uma folha de cartolina. Os grupos devem descobrir quais as/os autoras/es

de cada envelope, colando-os em uma cartolina. Durante o processo as/os alunas/os lêem o

programa, os títulos do texto, se familiarizam com as autoras e autores e interagem entre si

(FIGURA 2B).

Figura 2 - A - Exemplos de crachás elaborados em uma disciplina de Antropologia. B - Estudo do Programa das Disciplinas - Letras em Pedaços.

Os jogos também funcionam na transmissão de conteúdos programáticos. Os

principais jogos que utilizo são o “Segredo dos Números” (baralho elaborado por Esther Pillar

Grossi para o ensino de Matemática), “Veritek” (um quebra cabeça de origem canadense),

“Fuxico” (jogo de tabuleiro elaborado pela equipe do curso Gênero e Diversidade na Escola

da UFSC) e “Genealogias da Diversidade” (jogo de cartas ainda em fase de protótipo

elaborado pelo NEIM/UFBA). O “Segredo dos Números” é um baralho numérico com cartas

de 1-60 sendo que cada carta apresenta determinadas características que possibilitam o

agrumento dos números. É um excelente jogo para refletirmos sobre classificação e

organização de dados e geralmente o apresento em momentos pré-trabalho de campo ou em

uma aula metodológica. O segredo dos números, por não ter “regras claras”, ou seja, o

baralho é entregue ao grupo áulico e pede-se que “se virem”, é também excelente para aulas

sobre estranhamento e familiaridade. O Veritek é um ótimo recurso para turmas que não lêem

os textos da disciplina, pois força as/os alunas/os a recorrerem aos textos originais para

decifrarem o quebra-cabeça. É composto de doze peças de madeira em uma caixa numerada e,

ao longo do jogo, as/os alunas/os devem organizar as peças nas casas da caixa e, ao

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terminarem, o verso das peças de madeira formam um desenho específico previamente

apresentado na folha guia. Neste texto anexo uma folha guia que elaborei para uma aula de

Sexualidades a partir do texto de Gayle Rubin (1984) (ANEXO 1). O jogo de tabuleiro

“Fuxico” foi elaborado pela coordenação do curso Gênero e Diversidade na Escola na UFSC

para ensinar conteúdos de gênero, sexualidade, raça, etnia, feminismos, etc. Se assemelha ao

jogo “Perfil” em que um/a jogador/a vai lendo dicas até que alguém acerte a resposta da carta.

Utilizo esse jogo principalmente em dias com atividades individuais (como o “Sim Não

Porque?”) pois assim as/os alunas/os que terminarem as atividades individuais podem se

juntar ao redor de um tabuleiro e jogarem. O baralho “Genealogias da Diversidade” surge pela

dificuldade diagnosticada de alunas/os em localizarem as reflexões teóricas no tempo. Desta

forma obras de grande relevância para os programas das disciplinas se tornam cartas e as/os

jogadoras/es devem descobrir se a obra que tem em mãos foi publicada antes ou depois da

obra no centro da mesa. Percebi na aplicação desse protótipo que o jogo tem alta eficácia pois

ao longo da partida várias discussões emergem, dentre elas os pensamentos das/os autoras/es

e diálogos com os textos lidos. Em minha prática docente percebi que o uso de jogos

pedagógicos são parte fundamental do crescimento de alunas/os na formação antropológica.

A avaliação do crescimento das/os alunas/os se dá por critérios objetivos

materializados em escadas do conhecimento, ou seja, avalia-se os conhecimentos prévios e o

nível da/o aluna/o no momento em que se constitui a turma e durante todo o processo

educativo. As escadas do conhecimento possuem seis degraus numerados de 1-6 e as/os

alunas/os são nelas publicamente localizados na medida em que se apresentam os resultados

das avaliações. Produzimos “escadas” de toda a produção durante a disciplina, no caso do

Ensino Superior, escadas resultado da escrita de diários de campo e resenhas em que as

competências de escrita, detalhamento da situação vivida, diálogo com a teoria e organização

são avaliados. No que tange os conteúdos, a ferramenta de avaliação utilizada é um

questionário intitulado “Sim, Não, Por quê?” em que questões referentes à cada conteúdo do

programa da disciplina - do início ao fim - são apresentadas em três momentos da mesma,

logo no início, no meio do semestre e no final. O questionário aplicado nesses três momentos

é o mesmo, e após a correção é atribuída uma nota para cada questionário referente a um

degrau da escada. Entretanto, a “nota final” da disciplina que diz respeito ao questionário se

dá pelo crescimento da/o aluna/o em pelo menos três degraus, ou seja, mesmo que a nota da/o

aluna/o seja baixa na primeira e segunda aplicações do questionário ela/e ainda tem a

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possibilidade de receber nota máxima caso cresça três degraus. Nesse sentido o instrumento

de avaliação, no meu ponto de vista, estimula o aprendizado e a busca do conhecimento.

As atividades em grupos áulicos e a publicização da localização de alunas/os nas

escadas do conhecimento deflagram relações de poder. Se em uma sala de aula tradicional os

grupos se unem por afinidade e as/os alunas/os sabem muito pouco do nível inicial e

crescimento das/os colegas, em uma sala de aula pós-construtivista estimula-se a união por

competências para garantir o crescimento de todas/os e o aprendizado da totalidade da turma é

uma responsabilidade compartilhada entre alunas/os e professor/a.

E os resultados?

Em uma das turmas, na graduação do curso de ciências sociais, se formou uma turma

jovem feminista engajada em atividades de pesquisa e extensão em antropologia do gênero

(uma vez que a maior parte se integrou em núcleos de pesquisa após as experiências) além da

concretização da divulgação de resultados de pesquisas e reflexões realizadas nas disciplinas

em livros e periódicos nacionais onde cito o exemplo da excelente pesquisa de Geni Longhini

e Késsila Silva sobre banheiros como tecnologias de gênero. Recentemente uma das alunas

dessa disciplina qualificou projeto de conclusão de curso em Ciências Sociais sobre a Marcha

das Vadias. Na disciplina do curso de Serviço Social pudemos romper com alguns

estereótipos da disciplina de antropologia no curso, antes muito temida pela turma, garantindo

ampla participação das alunas e alunos nas aulas; e na do curso de Pós-Graduação em

Educação e Ciências qualificamos as pesquisas individuais, ampliamos o leque de leituras

sobre antropologia e teoria feminista e estimulamos a submissão dos trabalhos finais em

formato de resenhas em periódicos do campo da teoria feminista. Desta forma acredito no

pós-construtivismo como método para o ensino de gênero e antropologia pois possibilita

garantir o engajamento necessário que a defesa da diversidade cultural e o combate às

desigualdades de gênero exigem.

Referências Bibliográficas

ÁLVARES, Maria Luiza Miranda; SANTOS, Eunice Ferreira (orgs). Olhares & Diversidades: os estudos sobre gênero no Norte e Nordeste. Belém: GEPEM/CFCH/UFPA; REDOR-N/NE, 1999.

CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, Jan 2002, vol.10, no.1, p.171-188.

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HARDING, Sandra. Feminism & Methodology. Bloomington: Indiana University Press, 1986.

LEAL, Ondina Fachel. Por uma antropologia não sitiada: o campo de atuação do antropólogo no mundo. In: TAVARES, Fátima; GUEDES, Simoni Lahud; CAROSO, Carlos. Experiências de Ensino e Prática em Antropologia no Brasil. Brasília: Ícone Gráfica e Editora, 2010.

MACHADO, Lia Zanotta. Antropologia e Feminismo diante da Violência. In: _____. Feminismo em Movimento. São Paulo: Francis, 2010.

PASSOS, Elizete. Palcos e Platéias: as representações de gênero na Faculdade de Filosofia. Salvador: UFBA; Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher, 1999.

SCOTT, Joan."Gênero: uma categoria útil de análise histórica". Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 5-22, jul./dez. 1990.

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Disciplina: Disciplina Sexualidades, Homo-transexualidades e Teoria queerANT 7028 Tópico Especiais em Antropologia II

VM VD AZ ....Ficha para o Veritek – Gayle Rubin (Pensando o Sexo: notas para uma teoria radical da sexualidade)

1

A sexualidade deveria...

2

Sociedades ocidentais geralmente consideram o sexo...

3

A maioria das pessoas se equivoca...

4

A sexualidade é inacessível à análise política...

5

Muitos dos discursos sobre o sexo sejam eles religiosos, psiquiátricos, populares ou políticos...

6

O novo saber sobre o comportamento sexual deu ao sexo...

7

A medicina e a psiquiatria...

8

Devido a sexualidade ser um elo entre relações entre os gêneros...

9

Como o gênero...

10

Uma teoria radical do sexo deve...

11

O único comportamento sexual adulto que é legal em todos os estados norte-americanos...

12

Sociedades ocidentais modernas avaliam os atos sexuais...

AZ1 ←

... é a colocação do pênis na vagina no matrimônio.

2 ←

... a sexualidade é política.

3 ←

... identificar, descrever, explicar e denunciar a injustiça erótica e a opressão sexual.

4 →

... multiplicaram as categorias de má conduta sexual.

5 →

... uma história e criou uma alternativa construtivista ao essencialismo.

6 →

... de acordo com um sistema hierárquico de valores sexuais.

7 ←

... delimitam uma porção muito pequenina da capacidade humana sexual como consagrada, segura, saudável, madura, legal ou politicamente correta.

8 ←

... ao posicionarem suas preferências sexuais como um sistema universal que vai ou deveria funcionar para todos.

9 →

... ser tratada com especial atenção em tempos de grande estresse social.

10 ←

... enquanto for concebida primariamente como um fenômeno biológico ou um aspecto da psicologia individual.

11 →

... como perigoso, destrutivo, uma força negativa.

12 →

... muito da opressão das mulheres é suportada por, mediada através de, e constituída dentro, da sexualidade.