any rand

76

description

egoismo

Transcript of any rand

  • O Egosmo como Virtude

  • Larisse Marks

    O Egosmo como Virtude

    Um estudo da vida e obra de Ayn Rand

    Porto Alegre

    2014

  • Direo editorial, diagramao e capa: Lucas Fontella Margoni

    Imagem da capa: Photo by New York Times Co./Getty Images

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    MARKS, Larisse

    O Egosmo como Virtude, um estudo da vida e obra de Ayn Rand

    [recurso eletrnico] / Larisse Marks -- Porto Alegre, RS: Editora Fi,

    2014.

    74 p.

    ISBN - 978-85-66923-27-8

    Disponvel em: http://www.editorafi.org

    1. Ayn Rand. 2. Objetivismo. 3. tica. 4. Egosmo. 5. Sociedade I.

    Ttulo.

    CDD-170

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. tica 170

  • A todos aqueles que me incentivaram e que de alguma forma contriburam para a realizao deste trabalho, dedico o meu reconhecimento e gratido.

  • RESUMO Esta obra tem como objetivo apresentar a vida e a obra da filsofa russa-americana Ayn Rand. A realizao deste estudo foi impulsionada pela proximidade do tema central dos romances da autora com a nossa atualidade, como o seu mais famoso livro: Atlas Shrugged. Nesse, a autora faz uma anlise crtica sobre a forma como os polticos e empresrios inescrupulosos atuam, como eles se beneficiam de sua influncia e de seus relacionamentos com os agentes do poder, fazendo com que sejam aprovadas leis que lhes so altamente vantajosas. Outro assunto bastante abordado o uso do altrusmo como um mecanismo de ganho fcil. Indivduos que ambicionam uma vida sem empenho recorrem ao paternalismo para viver s custas dos capazes e do governo; comportamentos que, infelizmente, so recorrentes em nosso pas. A partir da exposio da filosofia produzida por Ayn Rand, o Objetivismo, pode-se pensar a respeito da conduta do povo brasileiro a fim de advertir possveis dificuldades. A tica Objetivista fornece um importante debate entre o egosmo e o altrusmo. A viso de egosmo da filsofa diferente do significado dado pelo uso popular que o trata como uma busca intransigente, cega e injusta visando acmulo de riquezas e/ou poder, independente de merecimento. Para ela, a busca pelo justo reconhecimento e valorizao da evoluo produtiva do indivduo mais capaz, sendo este o sentimento essencial para uma sociedade saudvel e bem-sucedida. Neste sentido, a discusso se d pelo questionamento do porqu que os menos capacitados devem viver s custas dos esforos dos mais capazes e as implicaes desta situao. Palavras-chave: Ayn Rand. Objetivismo. tica. Egosmo. Sociedade.

  • SUMRIO 1 INTRODUO .................................................. 13

    2 VIDA E OBRA .................................................... 16

    2.1 Vida .............................................................. 16

    2.1.1 Contexto Histrico ........................................... 17

    2.1.2 Famlia ................................................................ 19

    2.1.3 Religio ............................................................... 21

    2.1.4 Idade Escolar ..................................................... 22

    2.1.5 Idade Adulta ...................................................... 24

    2.2 Obra ............................................................. 31

    2.2.1 Obras de Fico ................................................ 31

    2.2.1.1 Atlas Shrugged ......................................... 33

    2.2.1.2 The Fountainhead ................................... 34

    2.2.1.3 Anthem ..................................................... 35

    2.2.1.4 We the Living ........................................... 36

    2.2.2 Obras de No Fico ....................................... 37

    3 A VIRTUDE DO EGOSMO ............................. 40

    3.1 A Compreenso de Egosmo ....................... 41

    3.2 Por que Objetivismo? .................................. 45

    3.3 A tica Objetivista ....................................... 49

    3.4 O Atual Movimento Objetivista .................. 68

    4 CONSIDERAES FINAIS ............................. 71

    REFERNCIAS ......................................................... 74

  • O Egosmo como Virtude Um estudo da vida e obra de Ayn Rand

  • 13 Larisse Marks

    1

    INTRODUO

    O presente estudo tem como finalidade elucidar os fundamentos do Objetivismo bem como apresentar a filsofa idealizadora desse movimento, Ayn Rand. Devido ao pouco material encontrado em nosso idioma, creio que o tema deste trabalho se justifica pelo desconhecimento da autora em nosso pas. Em contrapartida, nos Estados Unidos, a leitura de um de seus romances perde apenas para a Bblia.

    A escolha de explorar essa corrente filosfica surgiu a partir da leitura do livro mais famoso de Ayn Rand, o ento chamado Atlas Shrugged, no Brasil chama-se A Revolta de Atlas. Apesar de ser uma obra fictcia, ela uma lio inspiradora para aqueles que acreditam no poder das ideias, da inovao e do trabalho como meio para atingir os seus objetivos. A busca permanente pelo xito pessoal e profissional mostrada como uma virtude.

    Nessa mesma obra, a autora faz uma anlise crtica sobre a forma como os polticos e empresrios inescrupulosos atuam, como eles se beneficiam de sua influncia e de seus relacionamentos com os agentes do

  • 14 O Egosmo como Virtude

    poder, fazendo com que sejam aprovadas leis que lhes so altamente vantajosas. Outro assunto bastante abordado o uso do altrusmo como um mecanismo de ganho fcil. Indivduos que ambicionam uma vida sem empenho recorrem ao paternalismo para viver s custas dos capazes e do governo. Comportamentos que, infelizmente, so recorrentes em nosso pas.

    Embora o livro tenha sido publicado na dcada de 50, a relao existente entre a narrativa e o momento poltico, econmico e social muito prxima. As poucas referncias temporais oferecidas por Ayn Rand, no permitem situar a estria em um perodo cronolgico especfico. Alguns crticos creem que o contexto econmico e poltico criado pela autora remonta Crise de 1929, outros no hesitam em afirmar que Ayn Rand anteviu algumas situaes que j se aproximavam na metade do sculo passado. No foi toa que a revista The Economist e o jornal The New York Times noticiaram que as vendas de A Revolta de Atlas aumentaram desde a Grande Recesso em 2007.

    A realizao deste estudo foi impulsionada pela proximidade do tema central dos romances da autora com a nossa atualidade. A partir da exposio da filosofia produzida por Ayn Rand, o Objetivismo, pode-se pensar a respeito da conduta do povo brasileiro a fim de advertir possveis dificuldades.

    Como citado anteriormente, a falta de bibliografia em portugus restringiu a quantidade de informaes consultadas. O livro mais utilizado e pertencente a filsofa foi o mesmo que inspirou o ttulo desse trabalho: A Virtude do Egosmo. Houve outras fontes da autora e sobre a autora atravs de comentadores e bigrafos americanos.

    No primeiro captulo, a vida e a obra de Ayn Rand descrita. Por ser uma filsofa pouco conhecida, a sua vida apresentada em cinco subcaptulos. Inicia com o contexto histrico durante o seu nascimento, passando pela sua relao com a famlia e com a religio, as primeiras

  • 15 Larisse Marks

    evidncias de sua paixo pela escrita at a fase em que a romancista torna-se filsofa. Quanto as suas obras, h a diviso de fico e no fico para um melhor entendimento de sua evoluo natural da literatura para a filosofia.

    O segundo captulo compreende os embasamentos que compem a filosofia do Objetivismo. Possui a explicao da percepo de Ayn Rand sobre o egosmo, a metafsica, a teoria do conhecimento, a natureza humana, a tica, a poltica e o porqu do nome Objetivismo. A tica Objetivista foi o tpico mais destacado nesse estudo, pois Rand mais conhecida por seu realismo objetivo. A condio do atual movimento Objetivista tambm abordada nesse captulo.

    Espero que a leitura desse estudo seja to interessante como foi o seu desenvolvimento. E que possibilite a reflexo sobre uma sociedade que s fala no bem comum e na igualdade entre as pessoas.

  • 16 O Egosmo como Virtude

    2

    VIDA E OBRA

    Ayn Rand melhor compreendida quando conhecemos a sua histria de vida. As suas experincias no decorrer da infncia corroboraram para uma viso de mundo centrada na razo. Nos seus romances surgiram princpios filosficos que resultaram num movimento que impactou a cultura americana. Neste captulo, percebemos o curso que a sua vida tomou e os produtos que dele derivou.

    2.1 Vida

    A vida da filsofa apresentada em cinco subcaptulos. O primeiro contextualiza o nascimento de Ayn Rand na histria. O segundo expe detalhes sobre a sua famlia e o seu vnculo com ela; recordaes que influenciariam toda a sua obra. O terceiro conta a relao de Rand com a religio. No quarto, que se atm a sua idade escolar, surgem as primeiras evidncias de sua paixo pela

  • 17 Larisse Marks

    escrita. E, por ltimo, o quinto subcaptulo trata da sua idade adulta; fase em que a romancista torna-se filsofa.

    2.1.1 Contexto Histrico

    Ayn Rand, na verdade, chamava-se Alissa Zinovievna Rosenbaum. Ela era uma judia russa nascida no dia 02 de fevereiro de 1905, em So Petersburgo, ento capital do pas mais antissemita e politicamente dividido do continente europeu. Trs semanas anteriores ao seu nascimento, ocorreu a breve, mas sangrenta, Revoluo de 1905.

    A revolta foi organizada como uma manifestao pacfica e em marcha lenta de um milho e meio de pessoas, liderada pelo padre ortodoxo Gapon, com destino ao Palcio de Inverno do czar Nicholas II. Eles tinham como objetivo entregar uma petio, assinada por cerca de 140 mil trabalhadores, reivindicando direitos ao povo como: reforma agrria, tolerncia religiosa, fim da censura, presena de representantes do povo no governo e melhores condies de vida e trabalho.

    No decorrer da caminhada eram cantadas msicas religiosas e a cano nacional Deus salve o czar. A cavalaria do czar abriu fogo contra os manifestantes; dentre eles estavam estudantes, operrios, suas esposas e filhos. Ainda, na biografia elaborada por Anne C. Heller (2009), mencionado que muitos morreram enquanto rezavam. A chacina deu origem a dias tumultuados por toda a cidade e preparou o terreno para a Revoluo Bolchevique, de outubro de 1917, a qual resultaria em um golpe que abalaria, tanto o mundo como a viso dele para Ayn Rand.

    Durante a Primeira Guerra Mundial, medida que a economia se deteriorava e a represso do czar aumentava, o peso da ira popular caia em cima de cinco milhes de judeus russos. Na corte do czar Nicholas II, como no resto da Europa, os judeus foram identificados como culpados

  • 18 O Egosmo como Virtude

    pela economia monetria, urbanizao, industrializao e pelo capitalismo. Devido ao tradicional medo russo de modernidade e feroz antissemitismo, os judeus eram bodes expiatrios para o czar, para os proprietrios de terras e para a polcia.

    Para os judeus de fora da capital, este perodo trouxe a pior onda de violncia antissemita desde a Idade Mdia. No outono de 1905, quando Rand no tinha nem um ano de idade, houve 690 pogroms anti-judaicos e trs mil judeus assassinados. Pogrom um ataque violento macio a pessoas com a destruio simultnea do seu ambiente (casas, negcios, centros religiosos). Historicamente, o termo tem sido usado para denominar atos de violncia em massa. Pode ser espontneo ou premeditado, contra judeus, protestantes, eslavos e outras minorias tnicas da Europa, porm aplicvel a outros casos que envolvam pases e povos do mundo inteiro.

    Em um pogrom em Odessa, na Crimia, para onde Rand e sua famlia se mudariam em 1918, oitocentos judeus foram mortos e cem mil ficaram desabrigados. So Petersburgo era relativamente seguro de pogroms, uma das razes dos Rosenbaums terem migrado para l, mas a cidade tinha as suas prprias formas complicadas de oficializar o antissemitismo. Em 1914, os estatutos que circunscreviam as atividades judaicas aumentaram para cerca de mil pginas, e qualquer coisa que no tivesse sido expressamente autorizada era crime.

    Por dcadas, os judeus que no possussem uma profisso til para o czar eram impedidos de ir a So Petersburgo. Na maioria dos casos, os judeus no qualificados no poderiam nem mesmo visitar a cidade por uma noite. Por lei, os judeus no eram mais do que dois por cento da populao da cidade e os papis de residncia deveriam ser renovados a cada ano. Os judeus, muitas vezes, mudaram os seus nomes para evitar a deteco. Eles e as suas

  • 19 Larisse Marks

    casas estavam sujeitos a buscas policiais em todos os momentos.

    2.1.2 Famlia

    Segundo a bigrafa Anne C. Heller (2009), o pai de Rand, Zelman Wolf Zakharovich Rosenbaum, que nasceu num dos pobres guetos judaicos, trocou diversas vezes o seu nome por Zalman, Zelman e Zinovy. Fora da famlia, ele era conhecido como Zinovy, seu nome no-judeu. De acordo com Rand, o seu pai no era um homem religioso. Ele tolerava os rituais e as celebraes tendo em mente o provrbio melhor prevenir do que remediar.

    Zinovy queria ser um escritor, mas acabou escolhendo um caminho mais prtico e, em 1899, obteve uma licena em qumica farmacutica da Universidade de Varsvia. Em parte, ele se tornou farmacutico porque esta era uma das profisses que permitiam a entrada de judeus em So Petersburgo de forma, relativamente, livre. Mas as leis eram inconstantes e criadas para dar a mxima flexibilidade ao czar. Priso e/ou exlio eram um perigo constante.

    Em 1910, ele tornou-se gerente de uma farmcia mais central e maior. A nova loja, chamada Aleksandrovskaia, pertencia a um comerciante luterano alemo rico e profissionalmente distinto chamado Aleksandr Klinge. Zinovy, agora recentemente estabelecido entre a burguesia judaica, mudou-se com sua esposa e filhas para um apartamento grande e confortvel no segundo andar, ao lado da farmcia.

    Enquanto crescia a impopularidade do regime do czar e os mencheviques e bolcheviques marxistas competiam pela lealdade dos trabalhadores do pas, os Rosenbaums prosperaram. Em 1912, o pai de Rand passou a ser o co-proprietrio da farmcia de Klinge. Em 1914, com a ecloso da Primeira Guerra Mundial, Klinge transferiu a propriedade

  • 20 O Egosmo como Virtude

    da farmcia para Zinovy, provavelmente porque, como as tropas russas avanaram contra o exrcito alemo a oeste, algum que carregava um sobrenome alemo corria mais risco do que um judeu nas ruas e escritrios do governo de So Petersburgo. Como a renda de Zinovy cresceu, ele comprou a escritura do prdio que abrigava tanto a loja como o apartamento da famlia.

    A me de Rand, Khana Berkovna Kaplan, era uma mulher moda antiga e conhecida como Anna. Ela foi treinada como dentista, mas parou de praticar aps casar-se e dar luz. Anna teve um lar mais privilegiado que Zinovy. Ela nasceu e criou-se em So Petersburgo, o que era uma vantagem acentuada no final do sculo XIX e XX, e isso lhe deu um ar de sofisticao que o seu marido no tinha.

    Anna tambm era, amplamente, mais educada e orgulhosa do que o seu marido. Ela lia e falava ingls, francs e alemo. Rand e sua irm aprenderam a ler e escrever em francs com a governanta belga. Embora a filsofa fizesse bom uso dessas vantagens, na medida em que crescia, via a sua me como hipcrita e superficial. Ela acreditava que dar festas era o principal interesse de vida da sua me. Tambm suspeitava de que Anna gostava menos de livros e jogos do que queria aparentar para a sua famlia e amigos. Anna era uma esposa socialmente ambiciosa e viria incorporar nas novelas da filha personagens superficiais e/ou rancorosos.

    Rand era a mais velha das trs filhas. Inteligente, independente e solitria desde cedo, Ayn Rand deve ter sido uma criana difcil de criar na primeira dcada do sculo XX. Ela respeitava o seu pai e fortemente no gostava da sua me. Desde o incio, Rand e Anna no se davam bem. A filha via a sua me como caprichosa, irritante e uma alpinista social, e estava convencida de que a me a reprovava (HELLER, 2009). Anna caracterizava a sua filha mais velha como difcil.

    Certa vez, sua me estava servindo ch, na poca e talvez mais como um teste, Rand pediu uma xcara. Sua me

  • 21 Larisse Marks

    recusou-se e disse que crianas no bebem ch. Rand absteve-se de discutir, em vez disso, ela se perguntou: Por que eles no me deixam ter o que eu quero? e fez uma resoluo: Algum dia eu vou t-lo. Ela tinha entre quatro anos e meio a cinco anos de idade.

    O controverso sistema filosfico por ela elaborado, quarenta e cinqenta anos depois, foi em sua essncia, uma resposta a esta pergunta e a memorizao deste projeto. Sua expresso mais famosa foi uma frase que se tornou o ttulo de seu segundo livro de no-fico, A Virtude do Egosmo, em 1962.

    2.1.3 Religio

    A primeira lembrana consciente da experincia de Rand com a ideia de Deus ocorreu aos seis anos. Ela e um primo materno decidiram orar por um gatinho branco pertencente a sua av. O gatinho estava doente e morrendo. O seu primo comentou que se eles orassem sinceramente, Deus ouviria as preces e salvaria o gatinho. Eles se retiraram para um canto da sala e rezaram, mas o gatinho morreu mesmo assim e, embora Rand cresse, em parte, em Deus, no ficou surpresa com a ineficcia da orao, ela realmente no acreditava que funcionaria.

    O acontecimento relatado acima encontrado na biografia escrita por Anne C. Heller (2009). Durante a fase adulta, Ayn Rand alm de ter sido uma atia convicta raramente falava sobre a sua ascendncia judaica. Quando pequena considerou as observncias religiosas de sua me como parte natural da vida, at que aos treze anos ela tomou uma deciso consciente de se tornar uma descrente.

    Mais tarde, no terrvel ano de 1918, ela deve ter ouvido muitas vezes a conversa fatalista ortodoxa russa sobre a vontade de Deus e a necessidade de seguir o exemplo de sofrimento de Cristo, o que iria enfurec-la durante toda a sua vida. Ela decidiu tentar a sorte com o homem, ou seja,

  • 22 O Egosmo como Virtude

    com as suas prprias observaes e senso de justia em vez de apostar numa divindade inescrutvel, injusta e opressora.

    2.1.4 Idade Escolar

    Aos seis anos de idade, Rand aprendeu a ler sozinha. Anna, sua me, assinava revistas estrangeiras, incluindo revistas infantis. Rand comeou a escrever as suas prprias histrias iniciais a partir da leitura delas. Ela descobriu o seu primeiro heri ficcional em uma revista infantil francesa, captando assim a viso herica que sustentou por toda a sua vida. Segundo Andrew Bernstein (2009), aos nove anos, Ayn decidiu ser escritora de fico. Ela queria escrever estrias sobre heris sobre homens e mulheres fortes que superaram todo e qualquer obstculo para atingir objetivos difceis, porm objetivos muito queridos para eles.

    Quando a futura filsofa entrou na escola, ela era uma criana intensamente pensativa, solitria, estranha e inusitada. Ela lembrou-se de estar ciente de que a sua extrema timidez e intensidade violenta afastava as pessoas, mas ela tinha certeza de que tal constrangimento social era apenas uma falha tcnica e que as outras pessoas estavam erradas em no entend-la e apreci-la.

    Confrontos de infncia entre Rand e Anna eram muitas vezes focados em sua recusa em brincar com outras crianas e por sua natureza solitria e anti-social. Mas Anna parece ter sido uma me cruel tambm. Ela disse a Rand que nunca desejou ter filhos, que os cuidava apenas por um senso de dever e ressaltou o quanto se sacrificou por eles. Uma vez, Anna ficou com raiva e quebrou a perna de uma boneca que Rand estimava muito.

    A grande exceo de Rand, em suas afeies de infncia, era o seu pai Zinovy, conhecido na famlia como ZZ. Zinovy foi, em sua maior parte e em silncio, imensamente orgulhoso de suas realizaes como homem de negcios que atingiu o sucesso. Ele admirava o esprito

  • 23 Larisse Marks

    orgulhoso de sua filha mais velha e da sua original mente afiada. Ele era um vido leitor de literatura russa e encorajou os esforos de Rand para escrever as suas primeiras estrias.

    Em seu dcimo aniversrio, Rand estava escrevendo os seus romances em casa e na escola. Aos doze anos de idade, ela terminou quatro romances; cada um deles apresentava uma herona que tinha exatamente a sua idade. Ela tinha conscincia de que essas primeiras histrias eram "s para ela", ou seja, ela no esperava publicar nada at que estivesse crescida. Completamente oposta ao misticismo e coletivismo russo, Rand pensou em si mesma como uma escritora europia, especialmente depois de encontrar Victor Hugo, o escritor que ela mais admirava.

    Nesse mesmo perodo, durante o ensino mdio, Rand foi testemunha da Revoluo Kerensky e da Revoluo Bolchevique (1917); a qual resultaria no comunismo russo anos mais tarde. A famlia fugiu para a Crimia em outubro do mesmo ano, cidade onde a futura filsofa terminou os seus estudos. Quando Ayn Rand aprendeu sobre a histria americana, em seu ltimo ano de ensino mdio, ela imediatamente adotou os Estados Unidos como o seu modelo de nao. A vitria comunista levou ao confisco da farmcia do seu pai e de anos de pobreza extrema para a famlia Rosenbaum. Foi nesse ambiente voltil e muitas vezes assustador que Rand cresceu.

    Apesar dos seus pais tentarem proteg-la do conflito poltico e tnico ao seu redor durante a infncia, a partir da idade de cinco ou seis anos, Ayn Rand assimilou tudo o que se passava, incluindo os preconceitos de vizinhos e porta-vozes oficiais que tratavam os judeus como feios e sem sentido, na melhor das hipteses, como seres humanos de segunda classe. Muitas vezes, o pretexto para tal tratamento era que os judeus seriam os empresrios gananciosos, industriais raivosos e banqueiros sem escrpulos que estavam estragando tradies eslavas "puras" da Rssia e que fomentavam a agitao laboral.

  • 24 O Egosmo como Virtude

    Em tais circunstncias, o amor de Rand pelo empenho do seu pai foi fortemente despertado. Os resultados desses sentimentos seriam vistos em seus romances individualistas, ps-industriais, que mais do que estrias, tambm eram vistos como uma defesa apaixonada por judeus produtivos e talentosos (HELLER, 2009). Essas estrias ecoariam a trajetria de sua prpria vida. Ayn Rand veio sozinha para um pas estrangeiro, tinha pouco conhecimento em ingls, dinheiro escasso e, ainda assim, venceu todos os desafios para se tornar uma dos grandes romancistas em lngua inglesa.

    2.1.5 Idade Adulta

    Quando a famlia retornou da Crimia, Ayn Rand entrou na Universidade de Petrogrado para estudar filosofia e histria. Graduando-se em 1924, ela experimentou a desintegrao da livre investigao e a aquisio da universidade por bandidos comunistas. Em meio vida cada vez mais cinza, os seus maiores prazeres eram operetas vienenses, filmes ocidentais e peas de teatro. Cinfila de longa data, Rand entrou para o Instituto Estadual de Cinema, em 1924, para estudar roteiros. Foi nessa poca que, pela primeira vez, ela publicou dois livretos: um sobre a atriz Pola Negri (1925) e outro intitulado Hollywood: American Movie City (1926), ambos reimpressos em 1999 em Russian Writings on Hollywood.

    No final de 1925, a filsofa obteve permisso para deixar a Rssia Sovitica para visitar os seus parentes nos Estados Unidos. Embora ela dissesse s autoridades soviticas que a sua visita seria breve, Rand estava determinada a nunca mais voltar para a Rssia. Em fevereiro de 1926, aos vinte e um anos de idade, Ayn Rand chegou cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos, o pas que ela amava.

  • 25 Larisse Marks

    Por aproximadamente os primeiros seis meses que esteve na Amrica, ela viveu com os seus parentes em Chicago. L, um de seus parentes era dono de uma sala de cinema, a qual ela visitava quase que diariamente. Nesse tempo, ela trabalhou em seus conhecimentos da lngua inglesa, praticando a escrita de roteiros. Ela viveu na Amrica at a sua morte em 1982. Nos Estados Unidos, ela mudou o seu nome para Ayn Rand, provavelmente para proteger a sua famlia, que ainda vivia na Rssia sob o domnio do ditador brutal, Joseph Stalin (BERNSTEIN, 2009). Ela referia-se a si mesma como Alice, o equivalente ingls de seu nome Alissa.

    Pouco tempo depois de chegar Amrica, ela obteve uma extenso do seu visto e, em seguida, mudou-se para Hollywood para seguir a carreira de roteirista. Ela alugou um quarto no Studio Club, o qual fornecia alojamento para jovens que procuravam atuar na indstria do cinema. (Mais tarde, Marilyn Monroe viveu l, assim como muitas outras futuras estrelas.) Em seu segundo dia em Hollywood, Cecil B. DeMille, um dos grandes diretores da histria do cinema, a viu em p no porto de seu estdio e lhe ofereceu uma carona at o set de King of Kings, o filme bblico em que ele estava trabalhando. Atnito por esta jovem mulher de intensos olhos escuros, ele deu a jovem Ayn Rand os seus primeiros empregos na Amrica, primeiro como figurante e mais tarde como revisora de roteiro.

    Uma semana depois, enquanto trabalhava como figurante no set de DeMille, ela conheceu o ator e seu futuro marido, Frank OConnor. A tmida, mas determinada Ayn Rand sentiu-se atrada pelo belo jovem ator, o qual ela mais tarde descreveria como tendo um rosto ideal. Durante uma cena, ela fez questo de colocar-se diretamente em seu caminho para que ele tropeasse em seu p. Ele se desculpou, o gelo foi quebrado, e, como ela disse anos mais tarde, o resto histria. Eles se casaram em 1929 e permaneceram assim por 50 anos, at a morte de OConnor

  • 26 O Egosmo como Virtude

    em 1979. O seu casamento aconteceu um pouco antes do seu visto expirar e a levou a um dos mais orgulhosos dias da sua vida quando ela se tornou uma cidad naturalizada nos EUA, em 1931.

    Aps DeMille fechar o seu estdio, Rand trabalhou em diferentes empregos, inclusive no departamento de figurino da RKO Radio Pictures Inc., tornando-se chefe dentro de um ano. Nessa poca, ela comprou a sua primeira mquina de escrever porttil e comeou a sua carreira de escritora. Durante o seu tempo livre, ela escreveu roteiros e estrias curtas, e comeou o seu primeiro romance, We the Living, um conto semi-autobiogrfico de uma jovem mulher lutando para alcanar seus objetivos pessoais ante os comunistas na Unio Sovitica. Ele foi concludo em 1934, mas foi rejeitado por vrios editores at que as empresas Macmillan, dos Estados Unidos, e a Cassells & Co, da Inglaterra, o publicaram em 1936.

    Antes da publicao do romance, ela vendeu o seu primeiro roteiro, Red Pawn, para a Universal Studios por uma modesta quantia, mas que foi suficiente para ela sair do departamento de figurino e concentrar-se em tempo integral a escrita. Durante a dcada de 1930, ela escreveu um drama de tribunal, que ficou em cartaz na Broadway durante seis meses, intitulado Night of January 16th. A caracterstica mais surpreendente da pea foi o jri composto por voluntrios da platia dessa maneira a estria poderia ter dois diferentes finais, dependendo do veredito do jri.

    Durante este perodo, ela tambm escreveu o seu romance, Anthem, que geralmente considerado a sua primeira grande obra de fico. A obra vendeu milhes de cpias e atualmente largamente lido em escolas americanas. Anthem foi publicado na Inglaterra em 1938. Nos Estados Unidos, no foi publicado at depois da Segunda Guerra Mundial, em 1946. Ayn Rand posteriormente afirmou que a oposio intelectual entre os editores americanos para o seu tema pr-individualista, anti-coletivista foi o principal

  • 27 Larisse Marks

    motivo para a no publicao nos Estados Unidos at o fim da Segunda Guerra Mundial.

    Em 1935, Ayn Rand comeou a escrever o livro que iria estabelecer a sua reputao literria e ocasionar a sua popularidade: The Fountainhead. Este romance de 700 pginas de ideias levou sete anos para ser concludo. Porm quando ele ficou pronto, Rand estava convencida de que ela tinha um romance srio e divertido ao mesmo tempo um tema profundo e uma estria emocionante.

    Infelizmente para ela, muitos editores no concordaram. Um editor lder, por exemplo, rejeitou o livro alegando que era um romance ruim. Outro o considerou como um alto grau de literatura, mas o recusou porque era muito intelectual e controverso. Em 1941, doze editores rejeitaram The Fountainhead. Finalmente, os editores da Bobbs-Merrill Company reconheceram o que Rand acreditava h muito tempo sobre o livro: era um romance srio e divertido que venderia. Eles o publicaram em 1943.

    O livro que foi, supostamente, muito intelectual para um sucesso comercial j vendeu, estimando conservadoramente, mais de 6,5 milhes de cpias. Atualmente, The Fountainhead, continua vendendo mais de cem mil cpias por ano. Ele alcanou o status de um clssico americano e estudado amplamente nas escolas secundrias de todo o pas. Ayn Rand voltou a Hollywood no final de 1943 para escrever o roteiro de The Fountainhead, mas as restries da guerra atrasaram a produo at 1948.

    Trabalhando meio perodo como roteirista para Hal Wallis Productions, Rand comeou a escrever o seu grande romance Atlas Shrugged, em abril de 1946. Em 1951, ela se mudou de volta para Nova Iorque e se dedicou em tempo integral para a concluso de Atlas Shrugged. Ela trabalhou nesse livro por muitos anos (inclusive declarou que escreveu cada pgina, do livro de mil pginas, no mnimo cinco vezes) e finalmente o preparou para public-lo em 1957. A ideia principal era levantar a resposta para a pergunta: O que

  • 28 O Egosmo como Virtude

    aconteceria com o mundo se os grandes pensadores os cientistas, filsofos, escritores, artistas, inventores, empresrios e industriais entrassem em greve? A sua resposta para a pergunta foi que a civilizao avanada poderia entrar em colapso.

    Rand discutiu a possibilidade de publicao de Atlas Shrugged com Bennett Cerf, um dos fundadores da Random House. Ele admirava os seus romances, mas disse a ela, francamente, que achou a sua filosofia poltica abominvel. Ele tambm props a ela uma espcie de desafio filosfico para o seu manuscrito ela deveria oferec-lo a vrios editores, ver quais as atitudes deles em relao a sua filosofia, bem como essas afetariam os seus esforos promocionais para o livro, e ento julgar por si mesma qual ela considerava a melhor editora para isso. A honestidade inesperada de Cerf e o seu discernimento literrio encantaram Ayn Rand e eles tornaram-se bons amigos.

    Alm disso, um dos associados da Cerf, Donald Klopfer, entendeu que o livro propunha a defesa moral do capitalismo e que, necessariamente, estava em oposio a milhares de anos da tradio tica judaico-crist e disse a ela. Ela ficou extremamente satisfeita pelo seu entendimento filosfico e respondeu que sim, seria absolutamente isso. Klopfer e Cerf no se intimidaram, apenas ficaram mais interessados no livro. Para Ayn Rand, rapidamente tornou-se claro que a Random House era a editora certa para Atlas Shrugged. E assim, em 1957, a colossal editora lanou o seu maior livro.

    Os comentrios eram geralmente mordazes. Um crtico proeminente o taxou como um livro notavelmente bobo, disse que ele poderia ser chamado de romance apenas para desvalorizar o termo, queixou-se de que sua estridncia no tinha trgua e concluiu que Rand era semelhante aos nazistas cada pgina do livro comanda: V para um campo de concentrao!. Um crtico religioso declarou que era o livro mais imoral e destrutivo que j

  • 29 Larisse Marks

    tinha lido, mas levou f na crena de que as suas 500.000 palavras no poderiam durar muito alm da impresso. Um famoso escritor descreveu a sua filosofia como quase perfeito na sua imoralidade.

    O The New York Times proclamou que o livro foi escrito pelo dio. O The Los Angeles Times para no ficar atrs argumentou que seria difcil encontrar tamanha exibio de excentricidade grotesca fora de um asilo. O The New Yorker, pelo menos, manteve um senso de humor sobre isso. Comentando sobre uma cena em que a economia americana est to deprimida com as polticas socialistas que um homem testemunhado a puxar um arado com as mos, ele declarou: At o cavalo, ao que parece, no pode sobreviver quando os liberais florescem. Outro crtico espirituoso chamou o livro de 1.000 pginas de mais longo que a vida e duas vezes mais absurdo. Ainda outro, no to espirituoso, comparou Atlas Shrugged com o livro de Adolf Hitler, Mein Kampf.

    E, no entanto, Atlas Shrugged fundou um movimento. Um nmero crescente de intelectuais adeptos a Rand, dentro e fora das universidades, o consagraram como o maior romance j escrito, que o seu enredo brilhante o classificava como uma excelente literatura e que os comentrios so manchas no objetivas de escritores que no conseguem distinguir um trabalho extraordinrio de arte de um livro que expem ideias com as quais fortemente discordam.

    Atlas Shrugged foi a sua maior conquista e ltima obra de fico. Para a organizao Ayn Rand Institute, nesse romance, Ayn Rand dramatizou a sua filosofia nica em uma estria de mistrio intelectual integrado com tica, metafsica, epistemologia, poltica, economia e sexo. Embora ela se considerasse, sobretudo, uma escritora de fico, Rand percebeu que para criar os seus personagens heroicos fictcios, havia a necessidade de identificar os princpios filosficos que fazem essas pessoas possveis. A partir da, Ayn Rand escreveu e palestrou sobre a filosofia do

  • 30 O Egosmo como Virtude

    Objetivismo, que ela caracterizou como uma filosofia para a vida na Terra. Ela publicou e editou os seus prprios peridicos de 1962 a 1976. Os seus ensaios forneceram grande parte do material que resultou em seis livros sobre o Objetivismo e a sua aplicao na cultura.

    Ayn Rand morreu na noite de 06 de maro de 1982 em seu apartamento de Nova Iorque. A causa da morte foi insuficincia cardaca congestiva, ou, como os escritores romnticos do sculo XIX e poetas que tinha amado em sua juventude poderiam ter insinuado, um corao partido. Jornais de todo o mundo anunciaram a sua morte, e a maioria foram respeitosos com as suas realizaes. Oitocentos amigos e seguidores lotaram a capela funerria Frank E. Campbell para se despedir. Ela foi enterrada ao lado do homem que amava tanto quanto a sua natureza solitria e revolucionria, em Valhalla, Nova Iorque.

    Rand raramente ensinada nas universidades, apesar disso, novos leitores, a maioria em sua adolescncia e juventude, sempre encontraram um caminho para os seus livros. Juntos, The Fountainhead e Atlas Shrugged tm tipicamente vendido mais de 300.000 cpias por ano, facilmente tornando-os equivalentes a best-sellers. Em 2009, em meio a uma crise financeira americana, maior do que qualquer outra desde a Grande Depresso, Atlas Shrugged quase triplicou em vendas. Mais de 13 milhes de cpias dos dois livros so impressos nos Estados Unidos.

    Em uma pesquisa de 1991, patrocinada conjuntamente pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos e a empresa Book of the Month Club, os americanos disseram que Atlas Shrugged o livro que mais tinha influenciado as suas vidas (perdendo apenas para a Bblia). Em 1998, quando a editora Modern Library pediu para que os leitores citassem os cem maiores livros do sculo XX, Atlas Shrugged e The Fountainhead foram os nmeros um e dois da lista; Anthem e We the Living foram os nmeros sete e oito, superando The Great Gatsby, The Grapes of Wrath e Ulysses.

  • 31 Larisse Marks

    A sua defesa do individualismo radical e do egosmo como uma virtude capitalista conquistou um grande pblico. Rand lanou um movimento filosfico com um impacto crescente sobre a cultura americana. As revistas Forbes e Fortune, a mencionam regularmente como uma herona dos jovens empreendedores do Vale do Silcio. Aps um quarto de sculo depois de sua morte, a maioria dos seus leitores sabe pouco sobre ela.

    2.2 Obra

    Ayn Rand, em suas obras, sempre enalteceu o homem e a razo. Neste captulo, dividido em obras de fico e no fico, possvel ver a sua evoluo de romancista para filsofa. O primeiro momento apresenta a trajetria de Ayn Rand como escritora; as suas dificuldades e as suas vitrias. H um pequeno resumo dos romances: Atlas Shrugged, The Fountainhead, Anthem e We the Living para a melhor compreenso de seu pensamento. No segundo momento, observamos Ayn Rand desenvolvendo a sua filosofia Objetivista; a qual ser examinada no captulo A Virtude do Egosmo.

    2.2.1 Obras de Fico

    Ayn Rand, em seus romances, apresenta e proclama o homem como o heri em potencial. Ela mostra que por meio de uma vida dedicada razo e uma incansvel ao com base nele, os seres humanos podem alcanar grandes realizaes, e podem faz-lo, se necessrio, em oposio a poderosas foras sociais. Indivduos que permanecem dedicados a promover avanos na vida, mesmo nos dentes de antagonistas poderosos podem chegar grandeza moral ou ao herosmo. Rand discordava veemente das literaturas e

  • 32 O Egosmo como Virtude

    filmes que apresentavam os seres humanos como anti-heris patticos, impotentes por foras sociais, reprimidos por conflitos psicolgicos ou de famlias disfuncionais.

    Ayn Rand uma dos autores favoritos e mais instigantes dos Estados Unidos. O seu primeiro romance, We the Living (1936), tem como cenrio a Rssia Sovitica, pas do qual ela escapou. J o seu ltimo romance, Atlas Shrugged (1957), situa-se no pas em que ela viveu o resto de seus anos e o qual ela amava profundamente, a Amrica. Entre estes, ela escreveu outros dois romances, Anthem (1938), classificado como uma distopia do futuro, e The Fountainhead (1943), que foi o seu primeiro romance americano e o seu primeiro best-seller.

    Conforme os dados da organizao Ayn Rand Institute, atualmente, mais de 25 milhes de cpias dos romances de Ayn Rand foram vendidos. E, em um fenmeno praticamente sem precedentes, romances que foram publicados cinquenta anos atrs (ou mais), continuam a vender cerca de um milho de cpias por ano. A popularidade duradoura de Ayn Rand no difcil de entender. As suas estrias, elevadas e no convencionais, retratam uma nova viso exaltada do homem e da vida.

    Em suas obras de fico, Ayn Rand narra valores no encontrados em nossa poca: temas atemporais e profundos, expressos logicamente e com enredos dramticos. Os seus heris so nicos: homens e mulheres, como Howard Roark (The Fountainhead) e Dagny Taggart (Atlas Shrugged), que so ambiciosos, decididos, independentes, fortes, honestos e, ao mesmo tempo, cruis, egostas e enormemente vivificantes, sem hesitaes morais e eminentemente prticos.

    No surpresa, portanto, que as ideias encontradas nos romances de Ayn Rand desafiam algumas das crenas mais profundamente arraigadas de hoje, razo pela qual elas continuam a ser discutidas e debatidas. Para a organizao Ayn Rand Institute, a sua filosofia para a vida na Terra, que Rand chamou formalmente de Objetivismo, mudou a

  • 33 Larisse Marks

    mente de dezenas de milhares de leitores e lanou uma grande escola de pensamento com um impacto crescente sobre a cultura americana.

    2.2.1.1 Atlas Shrugged

    Atlas Shrugged (1957), obra-prima e ltimo romance de Ayn Rand, a dramatizao de sua viso nica de existncia e de maior efeito e potencial na vida do homem; a sua cosmoviso. Rand comps uma defesa moral do capitalismo, expressando uma bateria de pontos relativos: que um indivduo tem o direito sua prpria vida; que ele promove a sua vida pelo uso de sua mente racional; e que o direito de um homem para pensar e viver para si mesmo requer um sistema poltico-econmico livre, ou seja, capitalismo laissez-faire.

    Na mitologia grega, o tit Atlas recebe de Zeus o castigo eterno de carregar nos ombros o peso dos cus. Neste romance, os pensadores, os inovadores e os indivduos criativos suportam o peso de um mundo decadente enquanto so explorados por parasitas que no reconhecem o valor do trabalho e da produtividade e que se valem da corrupo, da mediocridade e da burocracia para impedir o progresso individual e da sociedade.

    A estria um mistrio sobre um homem que disse que iria parar o motor do mundo e o fez. A sociedade desintegrada, h escassez de alimentos, motins e o encerramento de centenas de fbricas. Este homem um destruidor cruel ou um grande libertador? Qual o motor do mundo? O que necessrio para reinici-lo? As respostas surgem no romance de forma lgica e num clmax surpreendente. Elas so de profundo significado, no apenas para a resoluo do conflito central da estria, mas tambm para a vida real do homem.

    Atlas Shrugged apresenta o conceito de heri de Ayn Rand e o radical princpio moral e filosfico pelo qual ele

  • 34 O Egosmo como Virtude

    vive. Esta base filosfica o sistema de ideias que a filsofa chamou de Objetivismo. Rand tem como premissa que o pensamento racional, no a f ou os sentimentos, o nico meio do homem adquirir conhecimento e progredir a sua vida na Terra; que a mente o instrumento de sobrevivncia da humanidade, e que qualquer forma de abolir a razo f religiosa, por exemplo prejudicial a vida humana.

    Com a publicao de Atlas Shrugged, a carreira de Ayn Rand como escritora de fico chegou ao fim. Nos anos seguintes, ela dedicou o seu tempo as aplicaes e a natureza de sua nova filosofia, tanto por meio da escrita como de palestras.

    2.2.1.2 The Fountainhead

    A obra, The Fountainhead (1943), tem como protagonista Howard Roark, um brilhante jovem arquiteto de princpios que luta contra os padres convencionais. Ele prefere ficar na obscuridade em vez de comprometer a sua viso artstica e pessoal. As complexas relaes entre Roark e os vrios tipos de indivduos que ajudam ou dificultam o seu progresso, ou ambos, permitem que a obra seja ao mesmo tempo um drama romntico e um trabalho filosfico. Para Ayn Rand, Roark a personificao do ideal de esprito humano e a sua luta na crena de que o individualismo deve superar o coletivismo.

    Com The Fountainhead, Ayn Rand alcanou o sucesso comercial, artstico e intelectual. Inicialmente rejeitado por uma dzia de editoras, The Fountainhead tornou-se um best-seller em dois anos sendo divulgado, puramente, de boca em boca. Hoje, existem mais de 6,5 milhes de cpias impressas (BERNSTEIN, 2009). Nessa obra, foi a primeira vez que Rand apresentou o seu heri, o homem como poderia ser e deveria ser, e a sua ideia de individualismo versus coletivismo, no na poltica, mas na alma do homem. Em 1949, o romance foi transformado em um filme de

  • 35 Larisse Marks

    Hollywood. Rand escreveu o roteiro e Gary Cooper interpretou Howard Roark.

    O heri que se recusa a vender a sua alma sob qualquer forma, tornou-se uma inspirao para inmero leitores ao longo de quase sete dcadas desde a sua primeira publicao.

    2.2.1.3 Anthem

    Anthem (1938), conta a estria da rebelio de um homem contra um Estado comunista totalitrio do futuro, onde toda a liberdade de pensamento e expresso foi abolida. At mesmo a linguagem foi meticulosamente coletivizada: todos os pronomes da primeira pessoa do singular foram eliminados; homens so executados por descobrir e falar a palavra indizvel eu; e os indivduos pensam e falam de si mesmo exclusivamente como ns. um mundo onde os homens so infelizes e abnegados, com permisso apenas para existir e servir ao grupo.

    A supresso do pensamento individual mergulhou a sociedade em uma segunda Idade das Trevas. O heri do romance, Equality 7-2521, um Thomas Edison de sua gerao, reinventa a luz eltrica. Porm, quando ele comete o crime imperdovel de ter um pensamento independente,de ousar agir e se opor ao todo poderoso Estado, de entrar em conflito com as restries morais de seu mundo, ele condenado morte.

    Escrito em 1937, como uma espcie de descanso do seu romance anterior, The Fountainhead, Anthem simboliza a glorificao ao ego do homem. O seu estilo de composio nico entre as obras de Ayn Rand, pois est escrito na forma de um poema em prosa um hino ao ego. A estria apresenta uma poderosa discusso da liberdade e direitos do indivduo contra o poder opressivo de um Estado totalitrio.

    Inicialmente, a sua publicao foi recusada nos Estados Unidos; um editor o rejeitou alegando que a autora

  • 36 O Egosmo como Virtude

    no entende o socialismo. Anthem foi publicado pela primeira vez na Inglaterra. Uma edio americana apareceu apenas em 1946 e, desde ento, o romance permanece na imprensa at hoje. Ele amplamente utilizado em salas de aula em todo os Estados Unidos.

    2.2.1.4 We the Living

    Nascida na Rssia, em 1905, Ayn Rand testemunhou, em primeira mo, a Revoluo Russa e a experincia de uma vida sob a tirania comunista. We the Living (1936) foi o seu primeiro e mais pessoal romance, um trabalho que como ela mesma mencionou to perto de uma autobiografia como eu jamais escreveria.

    Situado na Rssia ps-revolucionria, We the Living narra a comovente estria de trs pessoas que lutam contra a opresso sovitica: Kira Argounova, uma jovem de esprito independente que rebela-se ferozmente contra o comunismo; Leo Kovalenksy, o homem que ela ama, cuja origens burguesas marcado como um inimigo do estado; e Andrei Taganov, um oficial da polcia secreta sovitica que forado a enfrentar o conflito entre os seus ideais e a realidade da vida comunista.

    O romance retrata os efeitos destrutivos do coletivismo e reflete o pensamento filosfico de Ayn Rand sobre questes morais e polticas. Segundo ela, o tema do livro o indivduo contra o Estado. Publicado (com uma considervel dificuldade) no auge da Dcada Vermelha, perodo de obsesso dos intelectuais americanos com a Rssia Sovitica, We the Living uma acusao, no apenas do estilo de comunismo sovitico, mas de todo e qualquer Estado totalitrio que reivindica o direito de sacrificar o valor supremo de uma vida humana individual.

    Explicando a natureza autobiogrfica de We the Living, Ayn Rand escreveu que no uma autobiografia literal, apenas no senso intelectual. O enredo foi inventado,

  • 37 Larisse Marks

    o cenrio no. Ela nasceu na Rssia, foi educada sob os soviticos, viu as condies de existncia que descreve na obra. Os eventos especficos da vida da personagem Kira no eram dela, mas as suas ideias, as suas convices e seus valores foram e so.

    2.2.2 Obras de No Fico

    A paixo de Ayn Rand pela filosofia estava arraigada em sua certeza de que ela a fora mais prtica na vida humana. Em seus romances observamos o poder das ideias fundamentais animando a vida dos homens; as ideias certas do origem s realizaes e felicidade aos seus heris, enquanto as ideias erradas viabilizam os seus viles desprezveis e trazem a destruio.

    Depois de Atlas Shrugged, Ayn Rand voltou-se para a no fico, tanto para refletir sobre a filosofia estabelecida em seus romances, como para utiliz-la na explicao e no combate da decomposio da cultura ao seu redor. De 1962 at 1976, ela publicou e escreveu sem intervalos para trs peridicos: The Objectivist Newsletter, The Objectivist e The Ayn Rand Letter. Muitas de suas obras, nessas publicaes, foram agrupadas em antologias. Os ensaios de Ayn Rand trazem uma nova clareza a uma vasta gama de problemas culturais e polticos atravs da identificao das ideias fundamentais; que so as suas causas. A partir da torna-se possvel rejeitar e substituir essas ideias para que a cultura mude para melhor.

    Graas as suas anlises perspicazes e as suas observaes atemporais sobre poltica, sexo, economia, histria, psicologia e filosofia, Ayn Rand mantm os seus ensaios grandiosos. Alm disso, muitos dos tpicos que ela escreveu continuam a fazer parte do atual debate cultural: religio, meio ambiente, sexo, racismo, liberalismo, aborto, guerra e conservadorismo.

    Aps a morte de Ayn Rand, estudiosos (utilizando as ideias da filsofa como propriedade) compilaram colees

  • 38 O Egosmo como Virtude

    inditas de seu trabalho. H muitas questes que ela no adicionou em seus textos formais incluindo anlises dos seus prprios romances, elaboraes sobre a sua teoria do conhecimento e notas sobre psicologia. As suas obras pstumas incluem os seus dirios, uma srie de palestras sobre a sua escrita de fico e no fico, as suas correspondncias com fs, amigos e colegas, e as suas respostas e perguntas feitas em eventos pblicos.

    No material de no fico de Ayn Rand encontramos um guia para o pensamento e a ao, solues para problemas polticos e culturais da atualidade.

  • 39 Larisse Marks

    Livros e peridicos publicados durante a sua vida:

    For the New Intellectual (1961)

    The Objectivist Newsletter (1962-66)

    The Virtue of Selfishness (1964)

    Capitalism: The Unknown Ideal (1966)

    The Objectivist (1966-71)

    Introducion to Objectivist Epistemology (1967)

    The Romantic Manifesto (1969)

    The Ayn Rand Letter (1971-76)

    Returno of the Primitive (1971)

    Alguns artigos de Ayn Rand:

    The Objectivist Ethics (1961)

    Introducing Objectivism (1962)

    Collectivized Rights (1963)

    Mans Rights (1963)

    The Nature of Government (1963)

    Apollo 11 The July 16, 1969 Launch: A Symbol of Mans Greatness (1969)

    Livros publicados postumamente:

    Philosophy: Who Needs It (1982)

    The Ayn Rand Column (1991)

    The Ayn Rand Lexicon: Objectivism from A to Z (1986)

    The Voice of Reason: Essays in Objectivist Thought (1989)

    Ayn Rands Marginalia (1995)

    Letters of Ayn Rand (1995)

    Journals of Ayn Rand (1997)

    Russian Writings on Hollywood (1998)

    The Ayn Rand Reader (1998)

    Why Businessmen Need Philosophy (1999)

  • 40 O Egosmo como Virtude

    3

    A VIRTUDE DO EGOSMO

    O que a vida, afinal? Qual o seu sentido? De acordo com a teoria de Ayn Rand, os valores so o significado da vida. As coisas e as pessoas que um indivduo ama e cuida estes so os que do sentido em sua vida. Assim, como Howard Roark em The Fountainhead, uma pessoa pode amar arquitetura ou, semelhante a Dagny Taggart em Atlas Shrugged, uma pessoa pode amar engenharia e ferrovias.

    Uma pessoa pode apaixonadamente perseguir uma educao em biologia, literatura, cincia da computao ou qualquer outro assunto de interesse particular. Uma pessoa pode procurar uma carreira produtiva no ramo da construo, enfermagem ou qualquer outro campo de trabalho. Um indivduo pode buscar fervorosamente ter filhos e formar uma famlia. Outro indivduo pode desejar intensamente um relacionamento romntico, apaixonado, ntimo. Ele pode amar a arte, a educao, a riqueza de ganho ou cultivar amizades significativas ou, talvez, todos eles de uma s vez, ou qualquer outro bem, saudvel, racional, de promoo da vida realizada na existncia humana.

  • 41 Larisse Marks

    Estes so exemplos de valores de coisas ou pessoas que o indivduo considera to valiosos, dignos e importantes que o impele a buscar. Em outras palavras, os valores so os objetos de aes. Por exemplo, uma pessoa que deseja uma educao trabalhar duro em seus estudos, uma pessoa jovem que quer jogar basquete praticar por longas horas para melhorar as suas habilidades, um pai que quer uma relao estreita com o seu filho programar um tempo de qualidade em sua agenda lotada para gastar com ele. Valores, como Ayn Rand diz, so aquelas coisas que motivam uma pessoa a agir, a fim de obt-los ou mant-los.

    Se os valores pessoais, profundamente apreciados, so o significado da vida, segue-se que direito de um indivduo buscar esses valores para atingir os seus objetivos sem nunca render ou trair o que mais importante para ele. Este princpio o que Ayn Rand chamou de "virtude do egosmo". necessrio compreender exatamente o que Ayn Rand entendia por egosmo para evitar uma interpretao errnea de sua teoria. O seguinte tpico dedicado a esse esclarecimento.

    3.1 A Compreenso de Egosmo

    Em sua obra A Virtude do Egosmo, Ayn Rand explica, introdutoriamente, o porqu da utilizao da palavra egosmo para denotar qualidades virtuosas de carter. Visto que esta palavra cria antagonismo entre tantas pessoas, a filsofa comenta que no foi uma escolha arbitrria, nem uma mera questo de semntica, mas sim, de certa forma, uma provocao para quelas pessoas que julga serem incapazes de formular sua razo real ou identificar a profunda questo moral envolvida (RAND, 1991, p. 14).

    O significado dado pelo uso popular palavra egosmo no estaria, simplesmente, errado. Ele figuraria uma ausncia intelectual devastadora que, mais do que qualquer outro agente, seria responsvel pelo limitado

  • 42 O Egosmo como Virtude

    desenvolvimento moral da humanidade. Vulgarmente, a palavra egosmo utilizada como um sinnimo para maldade; lembra a imagem de algum que no mede esforos nem consequncias para atingir o seu prprio objetivo, que no se importa com outro ser vivo e apenas busca a recompensa de caprichos efmeros.

    No entanto, a definio do dicionrio e o significado exato da palavra egosmo a preocupao com os nossos prprios interesses. Nada mencionado sobre essa preocupao ser boa ou m; ela no inclui uma avaliao moral, bem como no diz o que so os interesses reais do homem. Segundo Ayn Rand, no campo da tica que essas questes devem ser respondidas e foi na tica do altrusmo que essa imagem negativa foi gerada.

    Essa espcie de tica, no intuito de fazer os homens aceitar dois princpios, para Rand desumanos, nos diz (a) que qualquer preocupao com nossos prprios interesses m, no importando do que eles se tratem, e (b) que as atividades de um egosta so, na verdade, a favor dos

    nossos prprios interesses, pois o altrusmo impe ao homem a renuncia pelo bem de outros.

    Ayn Rand identifica que o altrusmo se omite da tarefa de definir um cdigo de valores morais, pois se qualquer ao praticada em benefcio dos outros boa, e qualquer ao praticada em nosso prprio benefcio m, o beneficirio de uma ao o nico critrio de valor moral, ou seja, contanto que o beneficirio seja qualquer um, sem contar a ns mesmo, tudo passa a ser vlido.

    A partir dessas premissas, podemos observar o que esse critrio moral, que considera apenas o beneficirio, faz vida de um indivduo. A primeira coisa que ele aprende que no h nenhum ganho com a moralidade, apenas perda. Como Ayn Rand (1991, p. 16) nos diz: [...] tudo o que ele pode esperar so perdas auto-impostas, dores auto-impostas e o manto cinzento e deprimente de uma obrigao incompreensvel.

  • 43 Larisse Marks

    O indivduo ficaria a merc de um auto-sacrifcio alheio para receber um benefcio, bem como se sacrificaria de m vontade em prol de outro, produzindo assim um relacionamento de ressentimentos mtuos, no prazeroso e que, moralmente, esta busca de valores no permitiria que nenhum deles escolhesse ou desejasse o benefcio que mais lhe convm.

    Com exceo dos momentos em que o indivduo realizar algum ato de auto-sacrifcio, ele sentir falta, como ser humano que , de qualquer significado moral. Da resulta a carncia de uma moralidade que nada tem a dizer-lhe como orientao nas questes cruciais de sua vida, pois a vida pessoal, privada, egosta considerada malfica ou amoral.

    Visto que a natureza no abastece o homem com uma forma automtica de sobrevivncia e, que ele, por meio de seu esforo, deve se sustentar, a crena que afirma que a preocupao com os nossos prprios interesses nociva significa, portanto, que a vida do homem, o seu desejo de viver, nocivo e, para Ayn Rand, nenhuma outra crena poderia ser mais nociva do que esta.

    A filsofa explica que se a sua concepo de egosmo for uma inverdade, ento significa dizer que o altrusmo no permitiria conceito algum sobre um homem que sustenta a sua vida por meio do seu prprio esforo, nem se sacrifica pelos outros, nem sacrifica os outros por si, ele se auto-respeita e independente economicamente. O altrusmo no permitiria outra viso dos homens que no seja a de vtimas e parasitas, no haveria o conceito de uma coexistncia benevolente entre os homens e tambm nem o conceito de justia.

    Rand acredita que as razes que levam a maioria dos homens a desperdiar as suas vidas esto: no cinismo, porque eles no praticam nem aceitam a moralidade altrusta; e na culpa, porque eles no se atrevem a rejeit-la. Para rebelar-se contra tal mal, seria necessrio redimir o conceito de egosmo, apaziguando assim o homem e a moralidade.

  • 44 O Egosmo como Virtude

    O primeiro passo seria reconhecer que o homem necessita de um cdigo moral para guiar o rumo e a realizao de sua prpria vida. O propsito da moralidade definir os interesses e valores adequados ao homem. A preocupao por seus prprios interesses a essncia de uma existncia moral e o homem deve ser o beneficirio de seus prprios atos morais.

    Sabendo que todos os valores tm de ser ganhos e/ou mantidos pelas aes do homem, o sacrifcio de alguns em prol de outros, daqueles que agem em favor dos que no agem, dos que tm moral em favor dos imorais, implicaria em uma injustia. Por isso que a escolha do beneficirio dos valores morais tem de ser derivada de e validada pelas premissas fundamentais de um sistema moral.

    A tica Objetivista afirma que o indivduo deve ser sempre o beneficirio de sua ao e que deve agir para seu prprio auto-interesse racional. No uma resoluo para fazer o que lhe agrada, mas seu direito fazer algo que procede de sua natureza enquanto homem e da funo dos valores morais na vida humana e, por conseguinte, aplicvel somente no contexto de um cdigo de princpios morais racional, objetivamente demonstrado e validado, que defina e determine seu real auto-interesse.

    No aplicvel a qualquer indivduo motivado por emoes, sentimentos, impulsos, desejos ou caprichos irracionais. Do mesmo modo que a satisfao dos desejos irracionais dos demais no um critrio de valor moral, no o tambm a satisfao de nossos prprios desejos irracionais. Nosso prprio julgamento livre o meio pelo qual ns devemos escolher nossos atos, mas no um critrio, nem uma justificativa moral: somente a referncia a um princpio demonstrvel pode validar nossas escolhas.

    Assim como o homem no pode sobreviver por quaisquer meios acidentais, mas deve descobrir e praticar os princpios que sua sobrevivncia requer, assim tambm no pode o auto-interesse do homem ser determinado por

  • 45 Larisse Marks

    desejos cegos ou caprichos irracionais, mas tem de ser descoberto e conquistado sob a diretriz de princpios racionais. por isso que a tica Objetivista uma moralidade de auto-interesse racional ou de egosmo racional.

    Segundo Ayn Rand, o ataque ao egosmo um ataque auto-estima do homem; render um render o outro, pois a tica Objetivista utiliza o conceito de egosmo no seu sentido mais puro e exato: preocupao com nossos prprios interesses. No um conceito de que se possa

    submeter-se aos inimigos do homem, nem aos falsos conceitos, distores, convencionalismos e medo dos ignorantes e dos irracionais.

    3.2 Por que Objetivismo?

    Antes de aprofundar o tema da tica Objetivista, indispensvel o entendimento sobre a escolha do nome Objetivismo. A resposta curta que Ayn Rand acreditava que o conhecimento e os valores so objetivos. Ou seja, uma ideia objetiva se for baseada em fatos, provas concretas ou dados para apoi-la, no em capricho pessoal de um indivduo, desejo ou crena. Ento, dizer que o conhecimento e os valores so objetivos dizer que o conhecimento humano e julgamentos de certo e errado podem e devem ser baseados em fatos, e no apenas nos sentimentos ou na f de uma pessoa ou grupo.

    O conhecimento, de acordo com Ayn Rand e uma longa linha de filsofos e cientistas, se origina na experincia dos sentidos e da observao no que podemos ver, tocar, ouvir, etc. Colocando de uma forma simples, todo conhecimento se origina de fatos observacionais. Tal teoria na epistemologia apenas uma palavra grande para o estudo de como os seres humanos adquirem conhecimento nega que o conhecimento humano baseado na f religiosa ou nos sentimentos de uma pessoa.

  • 46 O Egosmo como Virtude

    Por outro lado, na religio, o conhecimento comea com um livro que considerado a palavra de Deus Bblia, Alcoro ou algum outro texto religioso , em seguida, os seus ensinamentos devem ser aceitos, sem dvida ou crtica. Devido a esse mtodo, algumas pessoas acreditam que mulheres so transformadas em pilares de sal, homens andam sobre a gua, o sol fica parado no cu e outras crenas semelhantes.

    No mundo ocidental moderno, a religio no to influente como foi durante a Idade Mdia ou em grandes partes do mundo islmico. No entanto, hoje, muitas pessoas acreditam que voc deve simplesmente "confiar no seu corao". Isso significa que voc deve seguir, basicamente, as suas emoes. Se voc, profundamente e sinceramente, sente que algo verdadeiro ou bom, ento verdadeiro ou bom para voc. Em outras palavras, os sentimentos de uma pessoa so a nica prova de que ele necessita para determinar se a afirmao verdadeira ou falsa, certa ou errada.

    Para Bernstein (2009, p. 38) isso significa, por exemplo, que se voc acreditar em astrologia, numerologia, leitura de tar ou pousos aliengenas, ento tais crenas so verdadeiras para voc. Da mesma forma, se voc sentir que o uso de drogas, o sexo indiscriminado ou, at mesmo, a violncia est certa, ento tais aes so certas para voc. Esta teoria conhecida como emocionalismo. Ayn Rand classificou tais crenas como irracionais. Sem fatos para apoi-las, elas so apenas crenas arbitrrias sem base nem provas.

    Hoje, com os avanos na biologia, nutrio e medicina temos respaldo cientfico para as alegaes de muitas mes que diziam aos filhos que comer frutas e verduras era bom para eles e, que comer doces ou outras guloseimas em excesso, no era. Sabemos o suficiente de bioqumica para explicar os efeitos fsicos positivos da protena e da vitamina de frutas e vegetais ricos em minerais e os efeitos fsicos prejudiciais de uma dieta

  • 47 Larisse Marks

    sobrecarregada com acar. Em suma, no senso comum, o que a me diz sobre tais assuntos so apoiados por um impressionante corpo de evidncia factual.

    Estes so exemplos simples, no entanto, eles so exemplos vlidos de objetividade de reivindicaes que so baseadas em fatos, no em f ou sentimentos. O resultado disso que qualquer teoria, seja em cincia, filosofia ou em qualquer outro campo, se verdade, pode e deve ser validado com o apoio de uma grande quantidade de informaes factuais.

    Na cincia, por exemplo, a lei da gravidade de Newton tem uma tonelada de provas concretas para apoi-lo. Em milhares de casos, a atrao entre os corpos demonstrada. Se uma pessoa joga uma bola no ar, ela volta para a terra. Se alguma coisa cai de uma mesa, ela cai no cho. Todos os organismos voadores, como aves, ou objetos, como avies e foguetes, necessitam gerar uma fora superior fora gravitacional a fim de ser impelido pelo ar. Se essa fora anulada, o objeto deixa de voar e cai.

    Verdades filosficas, como as cientficas, so suportadas pela evidncia factual. Por exemplo, as alegaes de Ayn Rand de que a mente racional a fonte do progresso humano e da prosperidade e, que a mente criativa requer uma liberdade poltico-econmica. Desenvolvimentos pioneiros na filosofia e inmeros outros exemplos no mundo moderno proporcionam uma infinidade de fatos demonstrando o poder vivificante da mente. Os avanos da cincia e da tecnologia agrcola, necessrios para crescer uma abundncia de alimentos, as invenes como a luz eltrica, avies, computadores pessoais e Internet, os avanos na pesquisa mdica e desenvolvimento de novos produtos farmacuticos, a identificao de verdades cientficas mais profundas, como a teoria da evoluo.

    Da mesma forma, em relao ao ponto sobre a liberdade poltico-econmica, quando a mente livre suprimida pela autoridade religiosa, como na Europa

  • 48 O Egosmo como Virtude

    medieval, uma era negra segue. Quando a mente reprimida por governos ditatoriais, como os comunistas em Cuba, Coria do Norte e na ex-Unio Sovitica, o resultado a estagnao, pobreza opressiva e colapso abismal. Mas, quando a mente est livre, como nas modernas naes ocidentais e Hong Kong, Coria do Sul, Singapura, Taiwan e Japo, os avanos so feitos em todas as reas criativas e os padres de vida humanos e expectativa de vida sobe para nveis, historicamente, sem precedentes. A riqueza de dados factuais apoia a alegao de que a liberdade poltico-econmica um enorme benefcio para a vida humana.

    Estes so apenas alguns dos pontos que Ayn Rand tinha em mente quando descreveu o conhecimento humano como "objetivo". Ela tambm afirmou que os nossos juzos morais nossas reivindicaes sobre o certo e o errado, o bem e o mal, podem e devem ser fundamentados em fatos objetivos e no nos sentimentos ou a f de qualquer pessoa ou grupo.

    Mas como pode ser isso? Afinal, em nossos dias, amplamente difundido de que cada sociedade desenvolve os seus prprios costumes e ideias de certo e errado, que estes diferem de sociedade para sociedade e que impossvel julgar as crenas de uma sociedade superiores a outra. Esta teoria popular conhecida como "relativismo moral". Hoje, ela por vezes referida como "multiculturalismo".

    Alm disso, a religio ainda popular em muitas partes do mundo e religio, certamente, no tem base factual de suas afirmaes morais. Por exemplo, no h nenhuma evidncia para apoiar a alegao de que os seres humanos nascem em pecado, que Deus moralmente puro (ou at mesmo que ele existe), que Deus a fonte dos mandamentos bblicos e que a virtude reside na obedincia inquestionvel a estes comandos. Estas so puramente questes de f. Ento, como poderia Ayn Rand ter afirmado que uma tica adequada baseia-se inteiramente em fatos e razo?

  • 49 Larisse Marks

    A resposta a tal pergunta era e permanece revolucionria, mas pode ser explicada com clareza e simplicidade. Por exemplo: suponha que um homem trabalhe de forma honesta e produtiva, e que se sustenta pelo seu prprio esforo, sem mentir ou enganar. A maioria das pessoas concordaria, sem dvida, de que tal curso de ao boa. Mas o que o torna bom? bom, simplesmente, porque a maioria das pessoas em nossa sociedade consideram assim? Ou bom porque Deus ordena a ns? Ou, alternativamente, bom porque algum fato da realidade, uma lei da natureza, requer que os seres humanos devam viver bem na terra?

    A resposta de Ayn Rand era, naturalmente, o ltimo. Por qu? Por um lado, ela levantou a questo de uma nova forma. Ela no perguntou se existe alguma ligao entre os fatos e julgamentos humanos do bem e do mal. Em vez disso, ela perguntou: Qual fato bsico da realidade d origem necessidade de fazer essas avaliaes de certo e errado, bem e mal do homem? Com efeito, dada a natureza humana, temos claramente uma necessidade inerente de avaliar o bem e o mal, mas o que isso? o que ser apresentado, com mais detalhes, no tpico seguinte.

    3.3 A tica Objetivista

    A moralidade ou tica um cdigo de valores que norteia as escolhas e as aes do homem escolhas e aes estas que determinam o propsito e o rumo de sua vida. A tica, como cincia, trata da descoberta e da definio deste cdigo. Mas por que o homem precisa de um cdigo de valores? Para Ayn Rand, nenhum filsofo deu uma resposta racional, objetivamente demonstrvel e cientfica, pergunta do porqu do homem precisar de um cdigo de valores.

    Enquanto esta pergunta permaneceu irrespondida, nenhum cdigo de tica objetivo, racional e cientfico pode ser descoberto ou definido. A maioria dos filsofos considerariam a existncia da tica como certa, como um

  • 50 O Egosmo como Virtude

    dado, como um fato histrico, e no estariam interessados em descobrir a sua causa metafsica ou a sua validao objetiva.

    Muitos deles tentaram quebrar o monoplio tradicional do misticismo no campo da tica para, supostamente, definir uma moralidade racional, cientfica e no-religiosa. Mas suas tentativas consistiram em aceitar as doutrinas ticas dos msticos tratando de justific-las sob fundamentos sociais, meramente substituindo Deus por Sociedade. (RAND, 1991, p. 21)

    Os msticos declarados sustentariam a arbitrria e

    inexplicvel vontade de Deus como o padro do bem e como a validao de sua tica. Os neomsticos o substituiriam por o bem da sociedade, caindo assim na circularidade da definio de que o critrio do bem aquilo que bom para a sociedade. Isto significaria, na lgica, que a sociedade mantm-se acima de quaisquer princpios de tica, j que ela a fonte, o padro e o critrio de tica, j que o bem tudo o que a sociedade deseja, tudo o que ela pode reclamar como sendo o seu prprio bem-estar e prazer.

    Isto significaria que a sociedade pode fazer o que ela quiser, j que o bem tudo aquilo que ela escolhe fazer simplesmente porque ela escolheu faz-lo. E, j que no existe uma entidade tal como a sociedade, j que a sociedade apenas um nmero de indivduos isto significaria que alguns homens esto eticamente autorizados a perseguir quaisquer caprichos (ou quaisquer atrocidades) que desejem perseguir, enquanto outros homens esto eticamente obrigados a passar as suas vidas a servio dos desejos desta gangue.

    Segundo Ayn Rand, isso dificilmente poderia ser chamado de racional, no entanto, a maioria dos filsofos decidiu agora declarar que a razo falhou, que a tica est fora do poder da razo, que no h tica racional que possa ser definida, e que no campo da tica na escolha de seus valores, de suas aes, de suas ocupaes, das metas de sua

  • 51 Larisse Marks

    vida o homem deve ser guiado por algo mais do que a razo. Mesmo discordando entre si sobre outros temas, os moralistas atuais concordariam que a tica uma questo subjetiva e que as trs coisas proibidas ao seu campo so razo conscincia realidade.

    Se voc se perguntar por que o mundo hoje est afundando em um inferno cada vez mais profundo, est ser a razo. Esta a premissa da tica moderna e de toda a histria da tica que deve desafiar, se voc quer salvar a civilizao. (RAND, 1991, p. 23)

    Para desafiar a premissa bsica de qualquer

    disciplina, devemos comear pelo incio. No caso da tica, deve-se comear perguntando: O que so valores? Por que o homem necessita de valores?

    Valor tudo aquilo pelo qual algum age para conseguir e/ou manter. O conceito de valor no um conceito primrio; ele pressupe uma resposta pergunta: de valor para quem e para o qu? Ele pressupe uma entidade capaz de atuar para atingir um objetivo frente a uma alternativa. Onde no existem alternativas, no so possveis nem objetivos e nem valores.

    Apenas uma entidade viva pode ter objetivos ou origin-los. E somente um organismo vivo tem capacidade para realizar aes autogeradas e dirigidas a um objetivo. Ao nvel fsico, as funes de todos os organismos vivos, do mais simples ao mais complexo da funo nutritiva na clula nica de uma ameba circulao do sangue no corpo de um homem , so aes geradas pelo prprio organismo e dirigidas a um nico objetivo: a conservao da vida do organismo.

    A vida de um organismo depende de dois fatores: o material ou o combustvel que ele necessita do lado de fora, do seu meio ambiente fsico, e a ao de seu prprio corpo, de utilizar este combustvel apropriadamente. O critrio que determina o que apropriado neste contexto a vida do

  • 52 O Egosmo como Virtude

    organismo, ou: aquilo que exigido para a sobrevivncia do organismo. O organismo no possui nenhuma opo nesta questo: aquilo exigido para a sua sobrevivncia determinado pela sua natureza, pelo tipo de entidade que .

    A vida pode ser mantida na existncia apenas por um processo constante de ao de auto-sustentao. O objetivo desta ao, o valor supremo que, para ser mantido, deve ser ganho atravs de cada um de seus momentos a vida do organismo. Um valor supremo aquele objetivo final para o qual todos os objetivos menores so meios ele estabelece o critrio pelo qual todos os objetivos menores so valorados. A vida de um organismo o seu padro de valor: aquilo que promove a sua vida o bem, aquilo que a ameaa o mal. O fato de que uma entidade viva, determina o que ela deve fazer. Isto o suficiente no que se refere questo da relao entre o ser e o dever.

    somente um objetivo ltimo, um fim em si mesmo, que faz possvel a existncia de valores. Metafisicamente, a vida o nico fenmeno que um fim em si mesmo: um valor ganho e mantido por um processo constante de ao. Epistemologicamente, o conceito de valor

    geneticamente dependente e derivado do conceito antecedente de vida. Falar de valor separadamente de

    vida pior do que uma contradio em termos. somente o conceito de Vida que torna possvel o conceito de Valor. (RAND, 1991, p. 24)

    mediante as sensaes fsicas de prazer ou dor que

    pela primeira vez o ser humano torna-se consciente da questo do bem e do mal. Assim como as sensaes so o primeiro passo no desenvolvimento de uma conscincia humana no terreno da cognio, assim tambm o so no terreno da valorao. A capacidade de experimentar prazer ou dor inata no corpo do ser humano; parte de sua natureza, parte do tipo de entidade que ele .

    O mecanismo prazer-dor no corpo de um homem e nos corpos de todos os organismos vivos que possuem a

  • 53 Larisse Marks

    faculdade da conscincia serve como um guardio automtico da vida do organismo. A sensao fsica de prazer um sinal indicando que o organismo est perseguindo o curso certo de ao. A sensao fsica de dor um aviso de perigo, indicando que o organismo est perseguindo o curso errado de ao, que algo est interferindo na funo adequada do seu corpo, o que requer uma ao corretiva.

    Os organismos mais simples, como as plantas, podem sobreviver por meio de suas funes fsicas automticas. Os organismos superiores, como os animais e o homem, no: as suas necessidades so mais complexas, e o seu raio de ao mais amplo. As funes fsicas de seus corpos podem executar, automaticamente, somente a tarefa de utilizar o combustvel, mas no podem obter combustvel. Para obt-lo, os organismos superiores precisam da faculdade da conscincia. Uma planta pode obter sua comida do solo no qual ela cresce. Um animal tem que ca-la. O homem tem que produzi-la.

    O homem no tem um cdigo automtico de sobrevivncia. Ele no possui um curso automtico de ao, nem um conjunto automtico de valores. Os seus sentidos no lhe dizem automaticamente o que bom ou o que mau para si, o que beneficiar a sua vida ou o que a por em perigo, que objetivos ele pode perseguir e com que meios ele poder alcan-los, quais so os valores de que sua vida depende, que curso de ao esta requer. A sua prpria conscincia tem de descobrir as respostas a estas perguntas mas a sua conscincia no funciona automaticamente.

    O homem, a mais elevada espcie viva sobre a Terra o ser cuja conscincia tem uma capacidade ilimitada de adquirir conhecimento , a nica entidade viva que nasce sem nenhuma garantia de sequer permanecer consciente. O que distingue particularmente o homem de todas as outras espcies vivas o fato de que sua conscincia volitiva. (RAND, 1991, p. 28)

  • 54 O Egosmo como Virtude

    As aes e a sobrevivncia do homem requerem a diretriz de valores conceituais obtidos de um conhecimento conceitual. Mas o conhecimento conceitual no pode ser adquirido automaticamente. Um conceito uma integrao mental de duas ou mais realidades perceptuais que so isoladas por um processo de abstrao e unidas por meio de uma definio especfica. Cada palavra da linguagem do ser humano, com a exceo dos nomes prprios, denota um conceito, uma abstrao que representa um nmero ilimitado de realidades perceptuais de um tipo especfico. atravs da organizao de seu material perceptual em conceitos, e de seus conceitos em conceitos mais e mais amplos, que o homem capaz de compreender e reter, identificar e integrar uma quantidade ilimitada de conhecimento, um conhecimento que se estende para alm das percepes imediatas de qualquer momento dado.

    Os rgos do sentido do homem funcionam automaticamente; o crebro do homem integra as informaes sensoriais em percepes de maneira automtica; mas o processo de integrar percepes em conceitos o processo de abstrao e de formao de conceitos no automtico. O processo de formao de conceitos no consiste meramente em compreender algumas poucas e simples abstraes, como cadeira, mesa, quente, frio, e em aprender a falar. Ele consiste em um mtodo para usar a conscincia, o qual Ayn Rand designa como conceitualizao (RAND, 1991).

    Este mtodo no um estado passivo de registrar impresses ao acaso. Ele um processo ativamente sustentado de identificar nossas impresses em termos conceituais, de integrar cada evento e cada observao em um contexto conceitual, de compreender relacionamentos, diferenas, similaridades em nosso material perceptual, e de abstra-los em novos conceitos, de traar inferncias, fazer dedues, alcanar concluses, fazer novas perguntas e descobrir novas respostas e ampliar nosso conhecimento em

  • 55 Larisse Marks

    um total sempre-crescente. A faculdade que dirige este processo, a faculdade que opera por meio de conceitos, a razo. O processo se denomina pensar.

    A razo a faculdade que identifica e integra o material provido pelos sentidos do homem. Ela uma faculdade que o homem tem de exercitar por escolha. Pensar no uma funo automtica. Em cada situao ou momento de sua vida, o homem livre para pensar ou para evitar este esforo. Pensar requer um estado de conscincia total focalizada. O ato de focalizar nossa conscincia volitivo (RAND, 1991, p. 29).

    Psicologicamente, a escolha de pensar ou no a escolha de focalizar ou no. Existencialmente, a escolha de focalizar ou no a escolha de ser consciente ou no. Metafisicamente, a escolha de ser consciente ou no a escolha de vida ou morte. Para o homem, o meio bsico de sobrevivncia a razo. O homem no pode suprir as suas necessidades fsicas mais simples sem um processo de pensamento. Ele precisa de um processo de pensamento para descobrir como plantar e cultivar a sua comida ou como fazer armas para caar.

    Nenhuma percepo e nenhum instinto lhe dir como acender um fogo, como tecer um pano, como forjar ferramentas, como fazer uma roda, um avio, como executar uma cirurgia, como produzir uma lmpada eltrica ou uma vlvula eletrnica ou uma caixa de fsforos. No entanto, a sua vida depende de tal conhecimento e apenas um ato volitivo de sua conscincia, um processo de pensamento, pode supri-lo. Mas a responsabilidade do homem vai alm: um processo de pensamento no automtico, nem instintivo, nem involuntrio nem infalvel.

    O homem deve inici-lo, sustent-lo e assumir responsabilidade por seus resultados. Ele tem que discernir o que verdadeiro ou falso e descobrir como corrigir seus prprios erros; ele tem que descobrir como validar seus conceitos, suas concluses, seu

  • 56 O Egosmo como Virtude

    conhecimento; ele tem que descobrir as regras do pensamento, as leis da lgica, para dirigir seu pensamento. A natureza no lhe d garantia automtica da eficcia de seu esforo mental. Nada dado ao homem na Terra, exceto um potencial e o material para realiz-lo. (RAND, 1991, p. 30)

    Um ser que no sabe automaticamente o que verdadeiro ou falso, no pode saber automaticamente o que certo ou errado, o que bom ou mau para si. No entanto ele precisa deste conhecimento para viver. O conhecimento, para qualquer organismo consciente, o seu meio de sobrevivncia; para uma conscincia viva, cada implica um deve. O homem a nica espcie viva que possui o poder de agir como seu prprio destruidor e este o caminho pelo qual ele tem agido atravs da maior parte de sua histria (RAND, 1991, p. 31).

    Quais so, ento, os objetivos corretos para o homem perseguir? Quais so os valores que a sua sobrevivncia requer? Esta a pergunta a ser respondida pela cincia da tica. E por isto que o homem precisa de um cdigo de tica. A tica no uma fantasia mstica nem uma conveno social nem um luxo subjetivo e dispensvel a ser trocado ou descartado em qualquer emergncia.

    A tica uma necessidade objetiva e metafsica da sobrevivncia do homem no pela graa do sobrenatural, nem de seus vizinhos, nem de seus caprichos, mas pela graa da realidade e da natureza da vida. Segundo Rand (1991), o critrio de valor da tica Objetivista o critrio pelo qual algum julga o que bem ou mal a vida do homem, ou: aquilo que exigido para a sobrevivncia do homem enquanto homem.

    Dado que a razo o meio bsico de sobrevivncia do homem, aquilo que prprio para a vida de um ser racional o bem; aquilo que a nega, que se ope a ela ou a destri, o mal. Dado que tudo que o homem necessita tem

  • 57 Larisse Marks

    que ser descoberto por sua prpria mente e produzido por seu prprio esforo, os dois pontos essenciais do mtodo de sobrevivncia prprios a um ser racional so: pensamento e trabalho produtivo.

    Os homens que tentam sobreviver, no por meio da razo, mas por meio da fora, esto utilizando o mtodo de sobrevivncia dos animais. Mas, assim como os animais no seriam capazes de sobreviver usando o mtodo das plantas, rejeitando a locomoo e esperando que o solo os alimente tambm o homem no pode sobreviver usando o mtodo dos animais, rejeitando a razo e contando com homens produtivos para servirem como suas presas. (RAND, 1991, p. 33)

    O homem no pode sobreviver, como faz um

    animal, agindo segundo a necessidade do momento. Se o homem quer ser bem-sucedido na tarefa da sobrevivncia, e para que as suas aes no sejam dirigidas para a sua prpria destruio, o homem deve escolher o seu rumo, os seus objetivos, os seus valores nos termos e no contexto de uma vida. Nenhuma sensao, percepo, impulso ou instinto pode faz-lo; apenas a sua mente pode.

    Para a tica Objetivista o critrio de valor a vida humana e o propsito tico de cada indivduo, a sua prpria vida. Rand (1991) explica que a diferena entre critrio e propsito neste contexto o que segue: um critrio um princpio abstrato que serve como uma medida ou calibre para guiar as escolhas do homem para o alcance de um propsito concreto e especfico. Aquilo que exigido para a sobrevivncia do homem enquanto homem um princpio abstrato que se aplica a cada homem individualmente.

    A tarefa de se aplicar este princpio em um propsito concreto e especfico o propsito de viver uma vida adequada a um ser racional pertence a cada homem individualmente, e a vida que ele tem que viver a sua prpria. Valor aquilo pelo qual agimos para ganhar e/ou

  • 58 O Egosmo como Virtude

    manter virtude o meio pelo qual ou o ganhamos e/ou mantemos.

    Os trs valores fundamentais da tica Objetivista os trs valores que, juntos, so os meios para e a realizao do nosso valor supremo, ou seja, a nossa prpria vida so: Razo, Propsito, Auto-estima, com suas trs virtudes correspondentes: Racionalidade, Produtividade, Orgulho. (RAND, 1991, p. 35)

    O trabalho produtivo o propsito central da vida

    de um homem racional, o valor central que integra e determina a hierarquia de todos os seus outros valores. A Razo a fonte, a pr-condio de seu trabalho produtivo Orgulho o resultado. Racionalidade a virtude bsica do homem, a fonte de todas as suas outras virtudes. O vcio bsico do homem, a fonte de todos os seus males, o ato de desfocar a sua mente, a suspenso de sua conscincia, o qual no cegueira, mas a recusa de ver, e no ignorncia, mas a recusa de saber. A irracionalidade a rejeio do meio de sobrevivncia do homem e, portanto, um compromisso para um rumo de destruio cego; aquilo anti-mente, anti-vida. (RAND, 1991, p. 35)

    A virtude da Racionalidade significa o reconhecimento e aceitao da razo como a nossa nica fonte de conhecimento, o nosso nico juzo de valores e o nosso nico guia de ao. Significa o nosso total comprometimento para com um estado de ateno pleno e consciente, com a manuteno de um foco mental completo em todas as questes, em todas as escolhas, em todas as nossas horas de viglia. Significa um compromisso com a mais completa percepo da realidade dentro de nossas possibilidades e com a expanso ativa e constante de nossa percepo, isto , de nosso conhecimento.

    Significa um compromisso com a realidade de nossa prpria existncia, isto , com o princpio de que todos os nossos objetivos, valores e atos acontecem dentro da

  • 59 Larisse Marks

    realidade, e, portando, que no devemos nunca colocar nenhum valor ou considerao, em absoluto, acima de nossa percepo da realidade. Significa um compromisso com o princpio de que todas as nossas convices, valores, objetivos, desejos e aes devem ser baseados em, derivados de, escolhidos e validados por um processo de pensamento um processo de pensamento to preciso e to escrupuloso, dirigido por uma aplicao implacavelmente rgida da lgica, quanto a nossa mais completa capacidade permitir.

    Significa a nossa aceitao da responsabilidade de formar os nossos prprios julgamentos e de viver pelo trabalho de nossa prpria mente (que a virtude da Independncia). Significa que no devemos nunca sacrificar as nossas convices s opinies ou desejos de outros (que a virtude da Integridade) que nunca devemos tentar falsear a realidade, por qualquer maneira que seja (que a virtude da Honestidade) que nunca devemos procurar ou conceder o no-obtido e o no-merecido, nem em matria, nem em esprito (que a virtude da Justia).

    Significa que nunca devemos desejar efeitos sem causas, e que nunca devemos decretar uma causa sem assumir a total responsabilidade por os seus efeitos que no devemos nunca agir sem saber os nossos prprios propsitos e motivos que nunca devemos tomar nenhuma deciso, formar qualquer convico ou procurar qualquer valor fora de contexto, isto , separado ou em contradio com a soma total e integrada de nosso conhecimento e, acima de tudo, que nunca devemos procurar evadir-nos com contradies.

    Significa a rejeio de toda e qualquer forma de misticismo, isto , qualquer apelao a alguma fonte de conhecimento no-sensorial, no-racional, no-definvel, sobrenatural. Significa um compromisso com a razo, no em momentos espordicos, em questes selecionadas, ou em emergncias especiais, mas como uma filosofia de vida permanente.

  • 60 O Egosmo como Virtude

    A virtude da Produtividade o reconhecimento do fato de que o trabalho produtivo o processo pelo qual a mente humana sustenta a sua vida, o processo que liberta o homem da necessidade de ajustar-se ao meio ambiente, como fazem todos os animais, e que lhe d o poder de ajustar o meio ambiente a si prprio. O trabalho produtivo o caminho da realizao ilimitada do homem e exige deste os maiores atributos de seu carter: a sua habilidade criativa, a sua ambio, a sua autoafirmao, a sua recusa em suportar desastres que ele no provocou, a sua dedicao ao objetivo de transformar a Terra na imagem de seus valores.

    Trabalho produtivo no significa a realizao dos movimentos inconscientes de alguma tarefa. Significa a busca de uma carreira produtiva, escolhida conscientemente, em qualquer linha de empenho racional, grande ou modesta, e em qualquer nvel de habilidade. O eticamente relevante aqui no o grau de habilidade de um homem, nem o nvel de importncia de seu trabalho, mas o mais completo e o mais resoluto uso de sua mente.

    A virtude do Orgulho pode ser melhor descrita pelo termo: ambio moral. Significa que um indivduo deve

    conquistar o direito de considerar a si prprio como o seu mais alto valor, atravs da realizao de sua prpria perfeio moral. A perfeio moral se conquista no aceitando jamais cdigos de virtudes irracionais impossveis de serem praticadas e nunca deixando de praticar as virtudes que se reconhece serem racionais se conquista no aceitando jamais uma culpa no-merecida e nunca merecendo alguma ou, se efetivamente a mereceu, nunca deixando-a sem correo nunca resignando-se passivamente diante de qualquer imperfeio em seu carter pessoal no colocando jamais nenhuma preocupao, desejo, medo ou estado de esprito momentneo acima da realidade de sua prpria autoestima. E, acima de tudo, significa a sua rejeio do papel de animal de sacrifcio, a rejeio de qualquer

  • 61 Larisse Marks

    doutrina que pregue a autoimolao como uma virtude ou dever moral.

    O princpio social bsico da tica Objetivista que, assim como a vida um fim em si mesma, assim tambm todo ser humano vivo um fim em si mesmo, no o meio para os fins ou o bem-estar dos outros e, portanto, que o homem deve viver para seu prprio proveito, no se sacrificando pelos outros, nem sacrificando os outros para si. Viver para seu prprio proveito significa que o propsito moral mais alto do ser humano a realizao de sua prpria felicidade. (RAND, 1991, p. 37)

    Em termos psicolgicos, a questo da sobrevivncia

    do homem no confronta a sua conscincia como uma questo de vida ou morte, mas como uma questo de felicidade ou sofrimento. A felicidade o estado de triunfo da vida, o sofrimento o sinal de alerta do fracasso, da morte.