“AVALIAÇÃO DE FORMULAÇÕES ANESTÉSICAS DE TETRACAÍNA...

116
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE BIOLOGIA Roberta Aline Franco de Lima “AVALIAÇÃO DE FORMULAÇÕES ANESTÉSICAS DE TETRACAÍNA EM BETA-CICLODEXTRINA E HIDROXIPROPIL BETA-CICLODEXTRINA” Dissertação apresentada ao Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Biologia Funcional e Molecular, na área de Bioquímica Orientadora: Profa. Dra. Eneida de Paula Co-Orientador: Prof. Dr. Leonardo Fernandes Fraceto Campinas 2010

Transcript of “AVALIAÇÃO DE FORMULAÇÕES ANESTÉSICAS DE TETRACAÍNA...

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE BIOLOGIA

    Roberta Aline Franco de Lima

    “AVALIAÇÃO DE FORMULAÇÕES ANESTÉSICAS DE TETRACAÍNA EM

    BETA-CICLODEXTRINA E HIDROXIPROPIL BETA-CICLODEXTRINA”

    Dissertação apresentada ao Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção

    do título de Mestre em Biologia Funcional e Molecular, na área de Bioquímica

    Orientadora: Profa. Dra. Eneida de Paula

    Co-Orientador: Prof. Dr. Leonardo Fernandes Fraceto

    Campinas

    2010

  • ii

    FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE BIOLOGIA – UNICAMP

    Lima, Roberta Aline Franco de L628a Avaliação de formulações anestésicas de

    tetracaína em beta-ciclodextrina e hidroxipropil-beta-ciclodextrina / Roberta Aline Franco de Lima . – Campinas, SP: [s.n.], 2010.

    Orientadores: Eneida de Paula, Leonardo Fernandes

    Fraceto. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de

    Campinas, Instituto de Biologia.

    1. Anestesia local. 2. Tetracaína. 3. Beta- ciclodextrinas. 4. Hidroxipropil-beta-cliclodextrina. 5. Liberação sustentada. I. Paula, Eneida de. II. Fraceto, Leonardo Fernandes. III. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Biologia. IV. Título.

    (rcdt/ib)

    Título em inglês: Evaluation of tetracaine anesthetic formulations in beta-cyclodextrin and hydroxypropyl-beta-cyclodextrin. Palavras-chave em inglês: Local anesthesia; Tetracaine; Beta-cylodextrins; Hydroxypropyl- beta-cyclodextrin; Drug-delivery. Área de concentração: Bioquímica. Titulação: Mestre em Biologia Funcional e Molecular. Banca examinadora: Eneida de Paula, Luciana de Matos Alves Pinto, Sérgio Antonio Fernandes. Data da defesa: 09/02/2010. Programa de Pós-Graduação: Biologia Funcional e Molecular.

  • iii

  • iv

    À DEUS pelo dom da vida

    As profecias desaparecerão;o dom das línguas cessará;

    o dom da ciência findará...

    Nossa ciência é parcial, nossa profecia imperfeita

    Quando chegar o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá;

    Hoje vemos como por um espelho, confusamente;

    mas então veremos face a face.

    Hoje conheço parte, mas então conhecerei o todo;

    Mesmo que eu tivesse o dom da profecia,

    e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência;

    mesmo que tivesse toda fé, à ponto de transportar montanhas,

    se não tivesse amor; nada seria...

    I Coríntios, 13

  • v

    Agradecimentos

    À Deus, por cada momento vivido, pelas alegrias e tristezas, pelas lágrimas e

    risos, pelas derrotas e pelas vitórias. Por mais esta etapa cumprida.

    Aos meus pais, Roberto e Cecília, pelo amor, apoio, confiança e dedicação

    sempre. Por terem me educado para que me tornasse o que hoje sou. Amo

    vocês!!!

    Aos meus irmãos Jú, Sá e Gil, pelo amor, paciência e cumplicidade.

    Aos meus sobrinhos João, Lucas, Clara e Pedro, pelas horas de muita risada e

    muita bagunça, por permitirem que eu volte a ser criança!!!

    À galerinha da farmácia, Dani, Fred, Dahene, Wanessa, Júlio, Janderson, Raul,

    Jô, Vivi, Lenon, Leandro, Kory, Nego, Vera, Luiz pela paciência e apoio.

    Aos amigos Welmara, Vanessa, Paula, Janderson, Roberta, Patrícia e Júlio por

    existirem na minha vida.

    Ao Bispo pela amizade, paciência, conselhos, companheirismo, por acreditar

    em mim a cada momento. Por ter me dado a mão e me ajudado a caminhar,

    não permitindo que eu desistisse, mesmo nas horas mais difíceis. Sem você

    nada disso seria possível. Obrigada!!!

    À Carol, amiga querida, pela motivação, apoio, pelo companheirismo, por todas

    as conversas, choros e risos, pela amizade verdadeira!!!

    À Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Biologia, Departamento de

    Bioquímica, pela oportunidade de desenvolver este trabalho.

    À Profa. Dra. Eneida de Paula, ao Prof. Dr. Leonardo Fernandes Fraceto e

    Prof. Dr. Marcelo Bispo de Jesus, pela orientação e profissionalismo.

    Ao pessoal do laboratório de Biomembranas (Sheila, Beth, Angélica, Thaís,

    Giovana, Cíntia, Cleyton, Daniele, Maribel, Márcio e Dona Cida), pela paciência

    e apoio em todos os momentos que precisei.

  • vi

    SUMÁRIO

    I) INTRODUÇÃO......................................................................................................1

    1.1 Dor.....................................................................................................................1

    1.2 Anestésicos Locais (AL)..................................................................................3 1.2.1 Histórico.............................................................................................3

    1.2.2 Propriedades .....................................................................................3

    1.2.3 Mecanismo de ação ..........................................................................7

    1.2.4 Toxicidade sistêmica dos anestésicos locais...................................11

    1.2.5 Tetracaína........................................................................................11

    1.3 Formulações farmacêuticas de AL em sistemas carreadores...................13

    1.4 Ciclodextrinas ................................................................................................14

    II) OBJETIVOS.......................................................................................................20

    2.1 Objetivos gerais.............................................................................................20

    2.2 Objetivos específicos....................................................................................20

    III) MATERIAIS E MÉTODOS................................................................................21

    3.1 Materiais..........................................................................................................21 3.1.1 Reagentes........................................................................................21

    3.1.2 Equipamentos..................................................................................21

    3.2 Métodos..........................................................................................................22 3.2.1 Espectrofotometria de UV/Vis.........................................................22

    3.2.1.1 Princípio do método............................................................22 3.2.1.2 Caracterização da TTC por espectrofotometria UV/Vis......22

    3.2.2 Preparo do complexo de inclusão TTC em β-CD e HP-β-CD..........23 3.2.2.1 Medidas de espectrofotometria para interação TTC:CD.....24

    3.2.3 Fluorescência...................................................................................24 3.2.3.1 Princípio do método.........................................................24

    3.2.3.2 Caracterização da TTC por fluorescência.......................25 3.2.3.3 Medidas de fluorescência para a interação TTC:CDs.....25

  • vii

    3.2.4 Calorimetria diferencial de varredura............................................27 3.2.4.1. Princípio do método.........................................................27

    3.2.4.2 Medidas de DSC para os complexos TTC: CDs...............28

    3.2.5 Difração de raios X.......................................................................28 3.2.5.1. Princípio do método........................................................28 3.2.5.2 Medidas de raios-X para os complexos TTC: CDs..........28

    3.2.6 Ressonância magnética nuclear...................................................29 3.2.6.1 Princípio do método.........................................................29 3.2.6.2 Aquisição dos espectros de RMN....................................30 3.2.6.3 Medidas de relaxação longitudinal T1...............................30 3.2.6.4 Medidas de coeficiente de difusão...................................30

    3.2.6.5 Medidas de efeito nuclear de overhauser.........................33

    3.2.7 Avaliação da toxicidade in vitro: cultura de células.......................34 3.2.7.1 Redução de brometo de 3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-bifenil

    tetrazolium (MTT).......................................................................................34 3.2.7.2 Incorporação de vermelho neutro.....................................34

    3.2.8 Avaliação da atividade anestésica in vivo:bloqueio do infraorbital.35

    3.2.8.1 Análise estatística............................................................36

    IV) RESULTADOS..................................................................................................37

    4.1 Caracterização dos Complexos de Inclusão................................................37

    4.1.1 Análise por Espectrofotometria UV-VIS.........................................37 4.4.1.1 Coeficiente de absortividade molar de TTC em pH 7,4......37 4.1.1.2 Estudo do comportamento ótico da TTC em meios com dife-

    -rentes constantes dielétricas (ε)..........................................................................38 4.1.1.3 Variação de absorbância de TTC em presença de CDs emn

    diferentes razões molares de TTC:CD.................................................................41

    4.1.2. Estudo do fenômeno de inclusão entre TTC e ciclodextrinas por ccc espectroscopia de fluorescência..........................................................................43

    4.1.2.1 Fluorescência da TTC em meios com diferentes constantes dielétricas (ε).....................................43

    4.1.2.2 Determinação da estequiometria de complexação da TTC e

    ciclodextrinas utilizando espectroscopia de fluorescência..................................47

    4.1.3 Análise da interação TTC e ciclodextrinas por calorimetria diferencial de varredura (DSC).................................................................................................52

    4.1.4 Análise da interação TTC com ciclodextrinas por difração de raios-

  • viii

    X..............................................................................................................................54

    4.1.5 Avaliação dos complexos de inclusão entre TTC e ciclodextrinas cc determinado por Ressonância Magnética Nuclear.................................................56

    4.1.5.1 Experimentos de 1H-RMN....................................................56 4.1.5.2 Determinação das propriedades dinâmicas da TTC em pres

    presença e ausência de CDs, por medidas de tempo de relaxação (T1)...............64 4.1.5.3 Determinação da constante associação aparente (K) dq TTC e ciclodextrinas pela técnica de DOSY...................................................................66 4.1.5.4 Determinação da inserção da TTC na cavidade das ciclodextrinas, determinada por 1D-ROESY ..........................................................69

    4.2 Avaliação da toxicidade in vitro da TTC e complexos de inclusão, em culturas de células de fibrosblastos 3T3............................................................73

    4.2.1 Ensaios de Redução de MTT..........................................................73

    4.2.2 Ensaio de incorporação de Vermelho Neutro ..................................76

    4.3 Avaliação da atividade anti-nociceptiva pelo bloqueio do nervo infraorbital em ratos.............................................................................................77

    V) CONCLUSÕES..................................................................................................80

    VI) SEMINÁRIOS E CONGRESSO........................................................................82 VII) REFERÊNCIAS................................................................................................83

  • ix

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1- Representação da subunidade α do canal de sódio de cérebro de mamíferos

    e arranjo dos quatro domínios ao redor deste. Cada domínio apresenta seis hélices

    membranares (S1-S6).....................................................................................................8

    Figura 2- Representação da β-CD................................................................................15

    Figura 3- Representação da HP-β-CD e dois tipos de complexos................................16

    Figura 4- Espectro de absorção ótica da molécula de tetracaína, [TTC]= 0,04 µM,

    tampão PBS 5 mM, pH 7,4, temperatura ambiente.......................................................37

    Figura 5- Determinação da constante de absortividade molar de TTC, [TTC]= 0,04 mM,

    309 nm, tampão PBS pH 7,4, temperatura ambiente....................................................38

    Figura 6- Espectros de absorbância de TTC de 250 nm a 350 nm e curva de variação

    da absorbância de TTC 7,5 µM em λ = 309 nm em função da constante dielétrica do

    meio...............................................................................................................................39

    Figura 7- Variação de absorbância de TTC (0,04 mM) em água (ε= 78), em ε= 32

    (água:etanol 20:80, v/v) e presença de CDs (1:500), à 25ºC........................................40

    Figura 8- Variação da absorbância da TTC (0,04 mM) na presença de β-CD (A) e HP-

    β-CD (B), em diferentes razões molares (PBS 5 mM pH 7,4, 25 ºC)............................42

    Figura 9- Variação de fluorescência de TTC em meios de diferentes constantes

    dielétricas, obtidos com misturas de água:etanol TTC= 7,5 µM, pH 7,4, 25ºC ............44

    Figura 10- Variação do comprimento de onda de emissão de fluorescência da TTC, em

    meios com diferentes constantes dielétricas. λexc: 309 nm, TTC= 7,5 µM, à 25ºC ......45

    Figura 11- Variação de fluorescência de TTC em água (ε= 78), em água:etanol 20:80

    v/v (ε= 32,8) e na presença da β-CD e HP-β-CD (r= 1:1000, em tampão PBS 5 mM pH

    7,4) 25ºC, λexc=309 nm .................................................................................................46

    Figura 12 Efeito dose-dependente de β-CD na intensidade de emissão da TTC em

    função do tempo. [TTC]= 5 µM, pH 7,4, tampão PBS (5 mM, pH 7,4) à 25 ºC ............46

  • x

    Figura 13- Aplicação da equação de Benesi-Hildebrand para determinação da

    estequiometria da complexação entre TTC e β-CD: (A) TTC:β-CD 1:1 r = 0,99 e (B)

    TTC:β-CD 1:2 r = 0,89...................................................................................................49

    Figura 14- Aplicação da equação de Benesi-Hildebrand para determinação da

    estequiometria da complexação entre TTC e HP-β-CD; (A) TTC:HP-β-CD 1:1 r = 0,99

    e (B) TTC:HP-β-CD 1:2 r = 0,87....................................................................................51

    Figura 15- Curvas de calorimetria diferencial de varredura das amostras de TTC, β-

    CD, HP-β-CD e seus complexos de inclusão ou misturas físicas, na razão molar

    1:1..................................................................................................................................53

    Figura 16- Difratogramas de raios X para amostras de TTC, β-CD, HP-β-CD e

    complexos de inclusão: TTC:β-CD e TTC:HP-β-CD.....................................................55

    Figura 17- Espectr RM 1H da TTC, β- TTC:β-CD, 10 mM, 20 °C, em D2O,

    pH 7,4, e 500MHz................................................... ......... .............................57

    Figura 18- Espectr RM 1H: TTC, HP- e TTC:HP-β-CD, 10mM, 20°C, em

    D2O, pH 7,4 e 500

    Figura 19- Estrutur

    bem como a identif

    Figura 20- Variaçã

    em função da co

    espectros das Figu

    Figura 21- Valores

    β-CD ou HP-β-CD

    Figura 22- Espect

    ..............................

    Figura 23- Espectr

    CD 10 mM em D2O

    Figura 24- Espectr

    β-CD 10 mM em D

    o de

    MHz ...

    a quím

    icação

    o dos d

    mplexa

    ras 18

    de T1 d

    a 20 oC

    ro de D

    ............

    o de D

    , pH 7,

    o de DO

    2O, pH

    N de

    ................................

    ica da TTC e repres

    dos hidrogênios de c

    eslocamentos químic

    ção com β-CD e

    e 19 e Tabelas 3 e 4

    os hidrogênios da m

    , 500 MHz em D2O..

    OSY (1H, 500 MHz,

    ................................

    OSY (1H, 500 MHz,

    4...............................

    SY (1H, 500 MHz, 2

    7,4 ..........................

    β-CD

    ...... ........ ............................58

    enta

    ada

    os

    HP-

    ......

    olé

    ......

    25 º

    ......

    25

    .....

    5 ºC

    ......

    .......

    ção esqu

    uma das

    dos hidro

    β-CD. D

    ..............

    cula de T

    ...............

    C) da TT

    ...............

    ºC) do co

    ...............

    ) do com

    ...............

    ............

    o de

    N de

    CD e

    ......

    ...........

    emática das ciclodextrinas,

    moléculas .....................59

    gênios da molécula de TTC

    ados obtidos a partir dos

    ........................................62

    TC livre e complexada com

    .......................................65

    C (10 mM) em D2O, pH 7,4

    ........................................60

    mplexo de inclusão TTC:β-

    ........................................67

    plexo de inclusão TTC:HP-

    ........................................67

  • xi

    Figura 25- Espectro de 1D-ROESY para o complexo TTC: β-CD 1:1 (1H, 500 MHz, 25

    ºC, 10 mM ) em pH 7,4..................................................................................................70

    Figura 26- Espectro de 1D-ROESY para o complexo TTC: HP-β-CD 1:1 (1H, 500 MHz,

    25 ºC, 10 mM de amostra).............................................................................................71

    Figura 27- Possíveis topologias de complexação para a molécula de TTC na cavidade

    interna das ciclodextrinas. Representação proposta tanto para com β-CD (figura) como

    para HP-β-CD ...............................................................................................................72

    Figura 28- Efeito citotóxico induzido por concentrações crescentes de TTC, TTC:β-CD

    e TTC:HP-β-CD (razão molar 1:1, n=8) após 24h de tratamento de células 3T3,

    avaliado pelo teste MTT................................................................................................74

    Figura 29 -Efeito citotóxico induzido por concentrações crescentes de TTC, TTC:β-CD

    e TTC:HP-β-CD (razão molar 1:1, n=8) após 24h de tratamento de células 3T3,

    avaliado pelo teste de incorporação de vermelho neutro..............................................75

    Figura 30- Porcentagem de animais com analgesia após injeção de TTC livre ou

    complexada: TTC:β-CD e TTC:HP-β-CD (1:1), na concentração de 0,5%. Teste de

    bloqueio do nervo infraorbital em ratos ( n=7 animais/grupo).......................................77

  • xii

    LISTA DE TABELAS

    Tabela1 - Estrutura química e classe dos anestésicos locais. AA = amino-amida e AE

    = amino-éster. L e C referem-se a lineares e cíclicos.......................................................5

    Tabela 2- Relação entre propriedades físico-químicas e o perfil de atividade dos AL....6

    Tabela 3- Propriedades físico-químicas das ciclodextrinas naturais............................ 15

    Tabela 4- Variação das proporções água:etanol e suas respectivas constantes

    dielétricas......................................................................................................................23

    Tabela 5- Dados de ∆δ (ppm) e atribuição dos hidrogênios da TTC (em presença e

    ausência de β-CD) e β-CD (em presença e ausência de TTC), a 20 oC, 10 mM em

    D2O................................................................................................................................59

    Tabela 6- Dados de ∆δ (ppm) e atribuição dos hidrogênios da TTC (em presença e

    ausência de HP β-CD) e HP-β-CD (presença e ausência de TTC), 20 oC, 10 mM em

    D2O................................................................................................................................60

    Tabela 7- Valores de T1 para os hidrogênios da TTC em presença e ausência de β-

    CD, 20 oC, 500 MHz em D2O........................................................................................64

    Tabela 8- Valores de T1 dos hidrogênios da TTC em presença e ausência de HP-β-CD

    (1:1), 20 oC, 500 MHz em D2O......................................................................................64

    Tabela 9- Valores de coeficiente de difusão de fração molar e constante de associação

    aparente determinados para o sistema TTC, β-CD e HP-β-CD....................................69

    Tabela 10- Efeito total do bloqueio sensorial - ASC (área sob a curva) e tempo de

    recuperação (Trec) para TTC, β-CD, HP-β-CD, TTC:β-CD e TTC:HP-β-CD,

    concentrações: TTC em 0,5% e CDs em 16 mM. Dados expressos em mediana (mín

    - máx) (n = 7 /grupo)......................................................................................................79

  • xiii

    LISTA DE ABREVIATURAS 1H-RMN Ressonância Magnética Nuclear de Hidrogênio

    AL Anestésico Local

    AUC (Area Under Curve) Área Sob a Curva

    BZC enzocaína

    β-CD Beta-Ciclodextrina

    CD Ciclodextrina

    D Coeficiente de Difusão (m2 s-1)

    DL50 Dose letal capaz de induzir morte em 50% dos casos

    DMEM Meio de Cultura Eagle Modificado por Dulbeco

    DOSY (Diffusion Ordered Spectroscopy)Espectroscopia Ordenada por Difusão

    DSC (Differential Scanning Calorimetry) Calorimetria Diferencial de Varredura

    EPC (Egg Phosphatidylcholine) Fosfatidil Colina de Ovo

    HP-β-CD Hidroxipropil-Beta-Ciclodextrina

    I Número Quântico de Spin Nuclear

    J Constante de Acoplamento

    k Constante de Boltzman (1,380662 x 10-23 J)

    Ka Constante de Associação Aparente

    L Ligante

    LDC Lidocaína

    MTT 3-(4,5-dimetiltiazol-2il)-2,5-Bifenil Brometo de Tetrazolium

    m/v razão massa/volume

    NOE (Nuclear Overhauser Effect)Efeito Nuclear Overhauser

    PABA (Para-Aminobenzoic Acid) Ácido) Ácido Paraaminobenzóico

    PBS (Phosphate Buffered Saline) Tampão Fosfato Salino

    r Raio Hidrodinâmico da Molécula

    RMN Ressonância Magnética Nuclear

    ROESY Rotating Frame NOE

    S Soluto

    S0 Solubilidade do Soluto na ausência de ligante

    TTC Tetracaína

    UV/VIS Ultravioleta/Visível

    v/v razão volume/volume

    VN vermelho neutro

    ε Constante Dielétrica

  • xiv

    RESUMO

    A dor desempenha um papel biológico muito importante como indicador

    da presença de um estímulo nocivo, que pode representar dano real ou

    potencial ao organismo; entretanto, não é interessante que essa sinalização

    persista além das necessidades fisiológicas a ponto de tornar-se um incomodo,

    podendo dificultar o desempenho das atividades normais, comprometer a

    qualidade de vida do indivíduo e impedir a realização de práticas cirúrgicas

    curativas.

    Os anestésicos locais são fármacos empregados para alívio da dor

    aguda ou crônica, pois bloqueiam a condução do estímulo nervoso em

    membranas neuronais. Dentre eles, está a Tetracaína (TTC) um amino-éster

    de grande utilidade na prática clínica, empregado em procedimentos que

    requerem anestesia tópica, como aqueles oftalmológicos que necessitam de

    intervenções na córnea.

    As limitações do uso clínico da TTC estão relacionadas à sua baixa

    estabilidade química (hidrólise da ligação éster por esterases plasmáticas) e

    sua toxicidade sistêmica. Sistemas de liberação modificada de fármacos, que

    empregam carreadores como ciclodextrinas, constituem uma alternativa para

    aumentar o tempo de ação anestésica e diminuir a toxicidade. As ciclodextrinas

    são capazes de formar complexos de inclusão com diversos fármacos,

    alterando propriedades como a solubilidade aquosa, o que torna esses

    oligosacarídeos cíclicos promissores para este tipo de aplicação. Neste

    trabalho, estudamos a complexação da TTC com beta-ciclodextrina (β-CD) e

    hidroxipropil-beta-ciclodextrina (HP-β-CD) em pH fisiológico e sua influência na

    toxicidade celular e efeito antinociceptivo, induzidos por aquele anestésico,

    objetivando a preparação de novas formas farmacêuticas.

    Para caracterização dos complexos de inclusão TTC:β-CD e TTC:HP-β-

    CD foram empregados métodos espectroscópicos (Ressonância Magnética

    Nuclear, fluorescência, absorção UV/VIS), difração de raios-X e calorimetria

    diferencial de varredura. A partir das análises realizadas, encontrou-se que a

    estequiometria de complexação da TTC com ambas as ciclodextrinas é de 1:1.

    A constante de associação aparente da TTC, determinada por DOSY-NMR, é

    de 777 M-1 e 2243 M-1, para β-CD e HP-β-CD respectivamente, indicando uma

  • xv

    forte interação entre as moléculas de anestésico e das ciclodextrinas, em pH

    fisiológico. Os dados de proximidade espacial, determinados por RMN (1D-

    ROESY) revelaram interações entre os hidrogênios Hh e Hi, (que fazem parte do

    anel aromático da TTC) e hidrogênios da cavidade interna das ciclodextrinas,

    permitindo assim propor a geometria dos complexos de inclusão da TTC com

    ambas ciclodextrinas.

    Ensaios in vitro, em cultura de fibroblastos da linhagem 3T3, mostraram

    aumento na viabilidade celular após complexação da TTC com β-CD e HP-β-

    CD, em relação à TTC em solução. Testes de atividade biológica, de bloqueio

    do nervo infraorbital em ratos, demonstraram aumento significativo do tempo

    de duração da anestesia nos animais tratados com os complexos TTC:β-CD e

    TTC:HP-β-CD (40 min e 40 min), em relação ao grupo tratado com 0,5% de

    TTC livre (30 min).

    Os resultados obtidos neste estudo demonstram a formação de

    complexos de inclusão com forte interação entre TTC e β-CD e HP-β-CD;

    indicam ainda que a utilização destes complexos de inclusão é promissora

    como forma farmacêutica alternativa para este anestésico, devido ao aumento

    da duração da anestesia (pois os complexos apresentaram maior eficácia

    quando comparados à TTC livre nas mesmas doses), ou ainda a diminuição da

    toxicidade (atingindo a mesma eficácia da TTC livre, com menores

    concentrações de TTC complexada).

  • xvi

    ABSTRACT

    Pain plays an important biological role as a sign of the presence of a noxious

    stimulus, that denotes actual or potential damage to the body. However, it is not

    interesting this signal to persist beyond the physiological point, to become a

    nuisance that impairs the performance of normal activities, the quality of life or

    prevents the procedure of healing surgical practices.

    Local anesthetics are used for the relief of acute or chronic pain since they

    block the conduction of the painful stimulation in neuronal membranes. Among

    them is Tetracaine (TTC) an amino ester useful in clinical procedures requiring

    local anesthesia such as those ophthalmic ones with intervention in the cornea.

    The clinical use of TTC is limited by its low chemical stability (hydrolysis of the

    ester bond by plasma esterases) and systemic toxicity. The use of drug-delivery

    systems, in carriers such as cyclodextrins is a good approach to improve the

    duration of action and to diminish the toxicity of local anesthetics. Cyclodextrins

    are suitable for this type of application since these cyclic oligosaccharides are

    able to form inclusion complexes with several drugs improving their water

    solubility. Here we have studied the complexation of TTC with beta (β-CD) and

    hydroxypropyl-beta-cyclodextrin (HP-β-CD) and its influence in cell toxicity and

    antinociceptive effects induced by that anesthetic, aiming the development of

    new pharmaceutical forms.

    TTC and β-CD or HP-β-CD inclusion complexes were characterized

    using spectrophotometric methods (Nuclear Magnetic Resonance,

    fluorescence, UV-VIS absorption), X-ray Diffraction and Differential Scanning

    Calorimetry. A 1:1 stoichiometry of complexation was found for both complexes.

    The association constant determined by DOSY was 777 M-1 and 2.243 M-1 for

    TTC complexation with β-CD and HP-β-CD, respectively, indicating a strong

    association between the anesthetic and both cyclodextrins, at physiological pH.

    The nuclear overhauser NMR data (ROESY) had disclosed trough the

    space proximities between hydrogens Hh and Hi - at the aromatic ring of TTC -

    and hydrogens from the inner cavity of the cyclodextrins, allowing us to suggest

    the geometry of TTC:β-CD and TTC:HP-β-CD complex formation.

  • xvii

    In vitro culture tests on 3T3 fibroblasts cells revealed an increase in cell

    viability after TTC complexation with β-CD and HP-β-CD, in comparison to the

    effect of free TTC. Biological activity was assessed in rats, through the

    infraorbital nerve blockade test. The results revealed a significant increase in

    the duration of anesthesia in animals treated with TTC:β-CD and TTC:HP-β-CD

    (40 min and 40 min), in comparison to a solution of 0.5% tetracaine (30 min).

    The results presented here demonstrate the formation of strong

    associated inclusion complexes between TTC and β-CD and HP-β-CD. The in

    vivo results allow us to consider those complexes as promising pharmaceutical

    forms to increase the duration of anesthesia induced by tetracaine (since both

    complexes showed higher anesthetic potency when compared to free TTC at

    equivalent doses) or to diminish its toxicity (since the same activity can be

    achieved with lower concentrations of the complexed TTC formulations).

  • 1

    I) INTRODUÇÃO

    1.1 Dor

    A dor é definida pela psicanálise como “uma entidade sensorial múltipla

    que envolve aspectos emocionais, sociais, culturais, ambientais e cognitivos”.

    Ela possui um caráter muito especial, que varia para cada indivíduo, sob

    influência do aprendizado cultural, do significado atribuído à situação em

    experiências vividas anteriormente e recordações destas, bem como de nossa

    capacidade de compreender suas causas e consequências (Oliveira et al.,

    2005).

    O organismo apresenta uma capacidade de percepção e resposta à dor,

    denominada nocicepção, a qual se desenvolve através de um complexo

    sistema nervoso. As experiências dolorosas podem ser classificadas

    temporalmente em dois grandes grupos, onde temos a dor crônica e a dor

    aguda (Sofaer, 1994).

    A dor crônica pode ser identificada devido a sua persistência e

    geralmente se apresenta relacionada a processos degenerativos. Ela tem

    duração além do tempo razoável para a cura da lesão ou está associada a

    processos patológicos crônicos, que causam estimulação nociceptiva contínua

    ou recorrente em intervalos de meses ou anos (Teixeira et al., 1994). Já a dor

    aguda está relacionada temporalmente à lesão causadora, devendo

    desaparecer durante o período de recuperação do organismo ao evento que

    induziu esta dor (Kapandji, 2000). Contudo, a dor aguda pode ter uma duração

    muito curta, de alguns minutos, ou persistir por semanas (Guyton, 1996).

    A dor aguda, ao contrário do que ocorre com a dor crônica, desaparece

    juntamente com a cura do dano inicial. Ela apresenta ótima resposta aos

    agentes terapêuticos como analgésicos, antiinflamatórios não–esteroidais,

    opióides e agentes que induzem ao bloqueio nervoso (Guinsbug, 1999).

    Apesar de sua importância biológica a dor, quando persistente, torna-se

    um incômodo que muitas vezes compromete a qualidade de vida do indivíduo,

    devido à dificuldade de desempenhar suas atividades normais. Com isso,

    muitos estudos vêm sendo realizados com a finalidade de desenvolver novas

  • 2

    técnicas, agentes terapêuticos ou mesmo aprimorar fármacos já existentes,

    para um eficiente tratamento da dor, seja ela aguda ou crônica.

    O alívio da dor pode ser obtido tanto pela analgesia como pela

    anestesia. Estes termos, muitas vezes confundidos, apresentam definições

    diferentes. A anestesia é alcançada pela retirada da sensação durante uma

    intervenção, seja ela cirúrgica ou não. Anestesia significa a perda da sensação,

    seja ela dor, tato, temperatura, pressão ou posição. Já a analgesia é

    caracterizada apenas pela ausência da sensação dolorosa, mantendo-se

    preservadas as demais modalidades de sensações (Adams & Cashman, 1994).

    Entre as opções terapêuticas disponíveis para alívio da dor, estão os

    medicamentos antiinflamatórios (esteroidais e não-esteroidais), analgésicos,

    anestésicos locais e sistêmicos, também conhecidos como anestésicos gerais.

    Em nosso trabalho, temos os anestésicos locais (AL) como objeto de

    estudo. Estes anestésicos têm como característica promover a perda reversível

    de sensação numa dada área do corpo (de Jong, 1994), sem promover perda

    de consciência e amnésia, a exemplo do que ocorre com os anestésicos

    sistêmicos como por exemplo propofol e a ketamina, que mantêm apenas as

    funções vitais do indivíduo (Catteral & Mackie, 1996).

    Os anestésicos sistêmicos atuam diretamente nas transmissões

    sinápticas, podendo ser administrados por diversas vias. As vias intravenosa e

    inalatória são as mais frequentemente utilizadas, devido a possibilidade de

    maior controle sobre a dose eficaz a ser aplicada e ao tempo de ação do

    anestésico utilizado.

    Já os AL, atuam nas terminações nervosas, promovendo depressão da

    excitabilidade ou inibição da condução do estímulo nervoso, quando aplicados

    em uma área restrita do tecido, em concentrações adequadas (Covino &

    Vassalo, 1985). Suas principais vias de administração são: anestesia epidural,

    bloqueios de plexos nervosos, administração local tópica e pequenas

    infiltrações.

  • 3

    1.2 Anestésicos Locais

    1.2.1 Histórico

    O primeiro anestésico de ação local a ser isolado foi a Cocaína (em

    1860, por Niemann), um alcalóide encontrado em folhas de Erithroxylon coca,

    porém seu uso clínico foi iniciado somente em 1884, por Sigmund Freud e Karl

    Koller (Covino & Vassalo, 1985; Vandam, 1987). As propriedades tóxicas e

    indutoras de dependência da cocaína logo foram verificadas, o que resultou em

    uma série de estudos em busca de outros agentes, levando a síntese da

    procaína, em 1905.

    O curto tempo de ação apresentado pela procaína levou a busca de

    novos AL. A partir de então, ainda no início do séc. XX, análogos de procaína

    foram sintetizados, como clorprocaína e tetracaína (Vandam, 1987).

    A tetracaína (TTC) mostrou ter atividade anestésica mais duradoura e

    um potencial de ação 16 vezes maior que o da procaína (Covino & Vassalo,

    1985), sendo considerado um AL de longa duração.

    A benzocaína, que tem como característica ser um éster não ionizável

    em pH 7,4, teve seu uso introduzido na clínica como anestésico tópico.

    À partir de 1940 foram sintetizados os primeiros anestésicos locais tipo

    amino-amida, este fato se deu devido a necessidade de obtenção de AL que

    apresentassem menor grau de toxicidade, sendo a lidocaína o primeiro

    anestésico desta classe obtido (Covino & Vassalo, 1985; Vandam, 1987). Entre

    os AL tipo amino-amidas temos compostos cíclicos (Mepivacaína, Ropivacaína

    e Bupivacaína) e não cíclicos (Lidocaína, Prilocaína, Etidocaína e Dibucaína)

    (de Jong, 1994). Nos anos 90, a busca por AL tipo amino-amidas mais potente

    deu início a síntese de estereoisomêros, como Ropivacaína, que mostram que

    a forma (S) apresenta menor toxicidade e maior duração no bloqueio nervoso

    (Arvidsson et al, 1994).

    1.2.2 Propriedades

    Os AL de uso clínico apresentam uma estrutura geral com um domínio

    hidrofóbico (grupamento aromático) e outro hidrofílico (grupamento amino),

    separados por uma cadeia acila intermediária, com quatro ou cinco átomos

    (Covino & Vassalo, 1985; Gupta, 1991). De acordo com o tipo de ligação entre

    os grupos aromático e amino, os AL podem ser divididos em diferentes classes,

  • 4

    como os amino-ésteres (procaína, clorprocaína, tetracaína, proparacaína,

    oxibuprocaína, etc), e os amino-amidas (lidocaína, mepivacaína, ropivacaína,

    bupivacaína, levobupivacaína, etidocaína, prilocaína, etc), entre outros. A

    Tabela 1 mostra a estrutura química de alguns AL de importância clínica.

    A Tabela 2 apresenta algumas propriedades físico-químicas e

    farmacológicas dos AL. As variações de potência, velocidade de ação, duração

    da atividade anestésica e toxicidade dos AL, devem-se fundamentalmente, as

    suas diferentes propriedades físico-químicas. Entre elas estão: pKa, coeficiente

    de partição óleo/água, ligação às proteínas e vasoatividade.

  • 5

    Tabela1 - Estrutura química e classe dos anestésicos locais. AA = amino-amida e AE = amino-éster. L e C referem-se a lineares e cíclicos.

    Anestésico

    Local

    Família

    R1 R2 R3

    Estrutura

    Tetracaína

    Procaína

    Clorprocaína

    AE

    AE

    AE

    - C4H

    9

    - H

    - H

    -CH3

    - C2H5

    - C2H5

    -

    -

    - Cl

    C O

    O ( C H 2 ) 2 N R 2

    R

    N H R 1

    R3

    Lidocaína

    Prilocaína

    Etidocaína

    Mepivacaína

    Bupivacaína

    AAL

    AAL

    AAL

    AAC

    AAC

    - CH3

    - H

    - CH3

    - CH3

    - CH3

    CH2 NC2H5

    C2H5

    CH

    CH3NH

    C3H7

    CH NC3H7

    C2H5 C2H5

    R1

    NH

    CH3

    C R2O

  • 6

    Dibucaína

    AAC

    CO

    NH (CH2)2 NC2H

    C2H

    N

    H9C4O

    Assim como a potência, a toxicidade destes agentes está diretamente

    relacionada à absorção sistêmica, que sofre influência da hidrofobicidade, pKa

    e taxa de ligação a proteínas plasmáticas (MClure & Rubin, 2005).

    Devido à atividade dos AL no bloqueio reversível do potencial de ação

    em membranas excitáveis, a absorção sistêmica destes agentes faz com que o

    Sistema Nervoso Central e Sistema Cardiovascular, tornem-se particularmente

    suscetíveis à atividade tóxica dos AL (Kenneth et al, 1997).

    Tabela 2. Relação entre propriedades físico-químicas e o perfil de atividade

    farmacológica dos AL.

    AL pKaa Início de Açãob

    Solubilidade aquosa da

    forma neutra (mM)c

    Partição da Forma

    Neutra entre

    EPC/águac

    Toxicidadeb Potênciab Ligação Protéica

    (%)a

    Tempo de Açãob

    Meia Vida (h)d

    Procaína 8,9 Lento 16,3 84 Muito Baixa Média 6 Curto 0,1

    Tetracaína 8,2 Lento 0,76 868 Alta Alta 94 Longo 2,5

    Lidocaína 7,9 Rápido 13,1

    144 Média Média 64 Interme-

    diário 1,5

    Prilocaína 7,9 Rápido 23,1

    110 Baixa Média 55 Interme-

    diário 1,5

    Bupivacaína 8,1 Moderado 0,58 798 Alta Alta 95 Longo 2,5

    a: Barash et al, 2001; b:Covino, 1986 & Malamed, 2001; c: de Paula & Schreier, 1995; d: Covino & Vassalo, 1985

    De uma maneira geral, os AL do tipo amino-éster apresentam potência

    maior do que os AL tipo amino-amidas (Covino e Vassalo, 1985), porém seu

    uso é limitado na prática clínica devido à toxicidade. Estes agentes são

    rapidamente hidrolisados pelas colinesterases, principalmente as plasmáticas e

    em menor extensão pelas hepáticas. A única exceção ocorre com a cocaína,

  • 7

    que apesar de ser um AL amino-éster, não sofre hidrólise, apresentando

    metabolismo predominantemente hepático (Malamed, 2001).

    O resultado desta hidrólise é a formação do ácido para-aminobenzóico

    (PABA) (Rang, 2004) e, em particular para a TTC, do ácido para-

    butilaminobenzóico (Murtaza et al., 2002). Estes produtos metabólicos são

    farmacologicamente ativos e estão relacionados ao aparecimento de efeitos

    adversos como alergias, que geralmente são manifestadas por descoloração

    da pele, dor, edema, dermatites e prurido (Swinyard, 1990). Sabe-se que

    quanto menor a taxa de hidrólise dos AL do tipo éster maior sua potência

    anestésica, porém também maior será sua toxicidade sistêmica (Carvalho &

    Mathias, 1997).

    Quando comparada aos demais AL amino-éster a Tetracaína é a mais

    lentamente hidrolisada, o que implica em maior duração de ação (Tabela 2) e

    toxicidade. Em seguida temos a Procaína com taxa de hidrólise intermediária e

    a Cloroprocaína, cuja hidrólise é a mais rápida.

    Embora os AL do tipo amino-amida, sintetizados a partir de 1940 sejam

    atualmente os mais utilizados na clínica médica e odontológica devido ao seu

    menor potencial tóxico (Malamed, 2001; Yagiela, 2000), os AL do tipo amino-

    éster tem ainda grande utilidade em oftalmologia e em outros procedimentos

    que requerem anestesia tópica, devido a sua potência ser, em geral, mais

    elevada que os AL do tipo amino-amida.

    1.2.3 Mecanismo de Ação

    AL são em geral, bases fracas capazes de bloquear reversivelmente a

    condução nervosa. Geralmente, são aplicados a uma superfície restrita do

    corpo, em contraste com os anestésicos gerais, que são administrados por via

    inalatória ou endovenosa, como citado anteriormente e que causam perda de

    consciência e inibição dos reflexos sensoriais e autônomos.

    Além de serem empregados para alívio da dor aguda como em

    processos cirúrgicos, os AL também estão sendo associados ao tratamento da

    dor crônica, juntamente com opióides, por exemplo, no tratamento da artrite

    reumatóide e câncer (Rocha et al., 2002).

  • 8

    Muitas teorias foram propostas para explicar o mecanismo de ação dos

    AL, porém algumas tiveram sua credibilidade diminuída por não conseguirem

    elucidar todo o mecanismo (de Jong, 1994).

    Entre as teorias propostas para explicar o mecanismo de ação dos AL,

    temos aquela que atribui o efeito do AL à ligação desses compostos na

    proteína canal de sódio voltagem-dependente e a que considera a interação

    dos AL aos componentes lipídicos da membrana (hipótese do lipídio), como

    fator determinante para o fechamento dos canais de sódio (de Araújo et al,

    2008c).

    Os canais de sódio voltagem-dependentes são glicoproteínas integrais

    de membrana, presentes em altas concentrações nos axônios. Sua interação

    com AL faz com que os poros do canal se fechem, tornando a proteína toda

    inativa, temporariamente (Strichartz & Ritchie, 1987).

    Alguns estudos demonstram que AL apresentam a capacidade de se

    ligar não apenas as proteínas canais de sódio, mas também com outras

    proteínas de membrana, dentre elas, proteínas sinalizadoras como:

    calmodulina, canais de potássio, receptores de acetilcolina, ATPases

    microssomais e mitocondriais, citocromo oxidase, proteína G, receptores de

    serotonina 1A, proteína tirosina quinase e receptores de opióides (Cohen,

    2003; de Paula & Schreier, 1996).

    Em geral, as proteínas canais de sódio são formadas por uma unidade α

    central e duas subunidades menores: β1 e β2. A subunidade α é o componente

    mais importante da glicoproteína e forma o poro por onde haverá a ativação e

    inativação da condução iônica (Catteral, 1992). Esta subunidade é formada por

    quatro domínios homólogos (I-IV), cada um composto por seis segmentos

    hidrofóbicos (S1-S6) que atravessam a membrana como α-hélices (Figura 1)

    (Li et al., 1999).

  • 9

    Figura 1- Representação da subunidade α do canal de sódio de cérebro de mamíferos,

    com quatro domínios de seis hélices membranares (S1-S6). As hélices S4 dos quatro

    domínios formam o poro do canal (para passagem dos íons Na+). Notar ainda a alça

    citoplasmática entre domínios III e IV (com motif IFM: isoleucina, fenilalanina,

    metionina), que forma o portão de inativação do poro do canal e a hélice S6 do

    domínio 4 (em vermelho), sítio de ligação de AL na forma neutra (adaptado de de

    Araújo et al, 2008c).

    A transmissão dos impulsos nervosos pode ser detectada pela variação

    no potencial da membrana neuronal. Quando sofre um estímulo, que atinge

    determinado limiar, a membrana é ativada e o canal se abre, permitindo que

    ocorra influxo de sódio, levando a despolarização da membrana. Entre a região

    despolarizada e a região adjacente, se dá a formação de um dipolo e a

    corrente de sódio percorrerá toda a extensão do axônio. Em seguida, no local

    onde ocorreu a despolarização, ocorrerá a repolarização com a saída dos íons

    de potássio por canais específicos. As concentrações iônicas de repouso

    podem então ser restabelecidas, através da atividade da bomba sódio, potássio

    ATPase, finalizando o processo do impulso nervoso e fazendo com que o

    estímulo elétrico seja transmitido ao longo de todo o axônio, de forma

    unidirecional (Anger et al., 2001; Carvalho, 1994).

    AL são moléculas anfifílicas e por este motivo apresentam grande

    afinidade pela membrana celular. O resultado da interação dos AL com

    membranas excitáveis é a diminuição do influxo de íons sódio nos canais de

    sódio voltagem-dependente, impedindo a formação e a propagação do

    potencial de ação.

    Os AL podem apresentar diferentes graus de afinidade pelos canais de

    sódio, de acordo com o estado funcional dos mesmos (ativo, inativo e repouso).

  • 10

    Estudos realizados em 1953, por Hodgkin e Huxley, atribuíram estes diferentes

    graus de afinidade a presença das formas neutra e carregada dos AL. Esta

    hipótese foi fortalecida na década de 70, quando alguns estudos com nervo

    gigante de lula indicaram que os AL teriam acesso ao sítio de ação no canal

    (levando ao bloqueio da condução do estímulo nervoso) apenas pela face

    interna da membrana. Sendo assim, a forma neutra dos AL, mais hidrofóbica,

    teria apenas a função de facilitar a entrada dos anestésicos na face interna da

    membrana (Narahashi & Yamada, 1970).

    No entanto, a elevada potência anestésica de compostos como a

    benzocaína, que não se protona em pH fisiológico (Pinto et al, 2000) e a

    grande variedade de moléculas com ação anestésica local, não poderia ser

    explicadas por esta hipótese (Strichartz & Ritchie, 1987).

    Em 1994, Catteral e colaboradores, conseguiram através de técnicas de

    mutação sítio dirigida, comprovar a existência de um sítio de ligação

    hidrofóbico, para AL em forma neutra, localizado no interior da bicamada, isto

    é, em uma α-hélice transmembranar (S6, no domínio IV da subunidade α –

    Figura 1), da proteína canal de sódio voltagem-dependente de cérebros de

    rato (Rasgdale et al, 1994; 1996).

    A teoria mais aceita para interpretação da ligação de AL e proteínas

    canal de sódio nos dias atuais, admite a existência de um ou mais sítios de

    ligação para AL e define o estado conformacional desses canais como fator

    determinante dos diferentes graus de afinidade apresentados pelos

    anestésicos. Sendo assim, maior será a afinidade do anestésico pelo estado

    inativo ou em repouso e menor pelo estado aberto desses canais (Hille, 1977;

    Hondeghem & Katzung, 1977).

    Em 1987, Starmer, na tentativa de explicar o mecanismo de ação dos AL

    propôs que esses fármacos apresentam afinidade constante pelo seu sítio

    receptor e o que determinaria a interação com o canal de sódio, seriam os

    rearranjos conformacionais do canal que acompanham a despolarização,

    permitindo o acesso do AL ao seu sítio de ação. Desta forma os AL atuariam

    como efetores alostéricos que, ao interagir com o receptor, estabilizariam o

    canal em seu estado inativo, já que os quatro domínios da subunidade α,

    apresentam-se envolvidos na inativação lenta produzida pelo AL. Esta proposta

  • 11

    é atualmente conhecida como “hipótese do receptor guardado” (Fraceto et al,

    2006; O’Reilly, 1999; Starmer, 1987).

    Na “hipótese do lipídio” é considerada a capacidade do AL se inserir na

    matriz lipídica das biomembranas causando alterações estruturais e dinâmicas,

    que levariam a mudanças conformacionais nos canais de sódio, o que

    explicaria sua inativação. De fato, estudos demonstram que os AL agem sobre

    sistemas membranares de diversas formas. Na fase lipídica membranar,

    promovem alterações como expansão da bicamada, diminuição da temperatura

    de transição de fases principal, aumento da fluidez e da permeabilidade de

    membranas na fase líquido-cristalina (de Paula & Schreier, 1996).

    A incorporação dos AL na fase lipídica leva a expansão de mono e

    bicamadas lipídicas e diminuição da espessura da bicamada, favorecida pelo

    menor comprimento das moléculas de AL em relação aos fosfolipídios

    (Seeman, 1996; Skou, 1954). Sendo assim, a inserção do anestésico formaria

    um volume, que seria compensado pela modificação conformacional das

    cadeias acila dos lipídios adjacentes, causando diminuição no comprimento

    total da bicamada e expansão lateral da mesma (Gallová & Balgavý, 1997;

    Trudell, 1977). Nesta acomodação: i) modificam-se as propriedades estruturais

    e dinâmicas da membrana como um todo e ainda ii) lipídios específicos

    poderiam ser recrutados, modificando a distribuição de domínios (lipid rafts)

    naturais nas membranas biológicas. Em ambos os casos a conformação de

    proteínas integrais de membrana como o canal de sódio poderia ser afetada,

    levando a estabilização da forma inativada (Fraceto et al, 2006).

    Desta forma, tanto a ligação específica aos canais de sódio voltagem-

    dependente quanto interações não específicas com a fase lipídica membranar

    parecem estar relacionadas ao mecanismo de ação dos anestésicos locais,

    ainda não completamente elucidado.

    1.2.4. Toxicidade Sistêmica dos Anestésicos Locais

    A neurotoxicidade dos AL se deve a capacidade destes em atravessar a

    barreira hematoencefálica. O efeito no sistema nervoso central é manifestado

    antes que no cardiovascular e se deve ao aumento da concentração do

    fármaco (Whiteside & Wildsmith, 2001). Esta atividade ocorre como uma fase

  • 12

    excitatória (calafrios, tremores, contrações e convulsões), seguida de outra

    fase inibitória, caracterizada pela depressão do sistema nervoso central

    (Strichartz & Ritchie,1987; Yagiela et al, 2000).

    Os AL podem exercer vários efeitos sobre o sistema cardiovascular,

    atuando diretamente no miocárdio (modificando eventos eletrofisiológicos por

    ação não específica em outros canais, como os canais de Ca2+, além dos

    canais de sódio voltagem-dependente) e/ou alterando a vasoatividade na

    vasculatura periférica (Strichartz & Ritchie, 1987; Yagiela et al, 2000).

    1.2.5 Tetracaína

    A Tetracaína (TTC) foi sintetizada em 1928 e teve seu uso introduzido

    na clínica médica em 1932; dentre os AL de sua classe é o que apresenta

    maior potência e duração de ação (Covino & Vassalo, 1985) (Tabela 2).

    A TTC vem sendo usada atualmente na prática clínica, principalmente

    em procedimentos que requerem anestesia tópica, como intervenções da

    córnea (Rang et al., 2004). Pode ser aplicada para anestesia local em áreas

    como nariz, boca, árvore brônquica (geralmente em spray), córnea, sistema

    urinário, não sendo tão eficaz quando aplicada na pele (Rang et al., 2004). Em

    oftalmologia pode ser empregada com segurança na concentração de 0,5%

    (m/v), sendo indicada para realização de exames ou procedimentos cirúrgicos,

    onde se deseja suprimir a dor corneana ou dos envoltórios externos do olho

    (Fischer et al, 2004). As situações mais frequentes em que a TTC é empregada

    incluem: exame do olho irritado, retirada de corpos estranhos da córnea,

    cirurgias da conjuntiva e diagnóstico diferencial entre dor corneana e ciliar, não

    sendo indicada para injeções subconjuntivais devido à possibilidade de

    toxicidade sistêmica.

    O uso tópico de TTC também pode ser verificado em procedimentos

    dermatológicos simples. A TTC, na concentração de 4%, também tem se

    mostrado mais eficaz para anestesia pré-vacinal em crianças, se comparada à

    combinação comercializada atualmente de Lidocaína e Prilocaína em forma

    neutra (EMLA®), devido ao fato de não ser necessária oclusão do local de

    aplicação (Schechter, 2007). Outra desvantagem apresentada pela mistura

    eutética de Lidocaína e Prilocaína, em relação à TTC, é o tempo necessário

  • 13

    para início de ação, aproximadamente 1 hora, devido ao pH apresentado pela

    formulação (Cleary et al., 2003)

    A TTC, devido a sua estrutura química, apresenta capacidade de formar

    micelas (quando em sua forma ionizada), modificando sua eficácia. Um

    significante número de moléculas agregadas pode aumentar o tempo de

    duração de formulações transdérmicas, pelo aumento do conteúdo do fármaco

    disponível (Miller, 1993). Quando aplicada sobre a pele, a formação de micelas

    influencia na difusão do anestésico, alterando assim a concentração efetiva da

    formulação utilizada. Em oftalmologia, pode ser verificado o desenvolvimento

    de irritação ocular, conduzindo ao lacrimejamento, rápida drenagem e menor

    absorção local (Santvliet, 1998). Além desse efeito, em altas concentrações o

    efeito tóxico observado com o uso crônico da TTC sobre o tecido epitelial

    corneano está relacionado a uma diminuição do metabolismo energético

    daquelas células, tendo sido relatadas alteração na respiração celular, na

    velocidade da glicólise, bem como dano às fibras de actina (Grant & Acosta,

    1994). Outros estudos demonstram a ocorrência de danos para células da

    córnea, quando expostas a outros AL como a lidocaína. Neste estudo, Kim e

    colaboradores avaliaram a toxicidade in vitro de lidocaína 2% (hidrocloridro),

    tanto para córnea humana, quanto para animais (coelhos). Esta exposição

    levou a ocorrência de edemas nas células endoteliais para os dois casos (Kim

    et al, 1998). Borazan e colaboradores demonstraram que o uso de ropivacaína

    na concentração de 1% e levobupivacaína 0,75% podem levar a alterações

    degenerativas graves no retículo endoplasmático e mitocôndrias, quando

    avaliada a aplicação destes anestésicos por via infiltrativa, em células da

    córnea de coelho; estas alterações foram avaliadas no primeiro dia após a

    administração do fármaco, sendo que após 7 dias, houve a recuperação dos

    danos causados inicialmente, sugerindo que estes agentes não causam danos

    celulares permanentes (Borazan et al., 2009).

    1.3 Formulações Farmacêuticas de AL em Sistemas Carreadores

    Entre as principais características desejáveis para os AL, estão a longa

    duração da ação anestésica, a baixa toxicidade sistêmica e a seletividade para

    o bloqueio sensorial (de Araújo et al., 2003).

  • 14

    Na tentativa de melhorar o desempenho dos AL, tanto pela melhoria das

    propriedades farmacocinéticas, como tempo de ação e latência, como pela

    diminuição da toxicidade sistêmica, muitos estudos vêm sendo realizados,

    considerando desde o uso de misturas de diferentes AL, até a utilização de

    nanocarreadores de fármacos, a fim de modificar seus perfis farmacocinéticos

    e farmacodinâmicos.

    Estudos direcionados à combinação de AL de curta e longa duração,

    ainda não permitem concluir a respeito da efetividade da mistura, além do fato

    destas formulações apresentarem toxicidade sistêmica aditiva devendo,

    portanto, serem utilizadas com cautela (Cleary et al., 2003).

    Atualmente, o uso de sistemas de liberação modificada tem contribuído

    na busca de anestésicos mais eficientes, melhorando de forma significativa a

    eficácia e segurança dos AL. Esta forma de veiculação tem sido estudada em

    nosso laboratório através da encapsulação em lipossomos (Cereda et al., 2004;

    2006, 2008a; de Araújo et al., 2004, 2008b; Franz-Montan et al, 2007),

    formação de complexos de inclusão em ciclodextrinas (Cereda et al, 2008b; de

    Araújo et al., 2005a;b, 2006, 2008a; Moraes et al, 2007a, 2007b, 2007c; Pinto

    et al., 2005 ) e calixarenos (Fernandes et al., 2007) apresentando resultados in

    vivo bastante promissores. Outros pesquisadores têm avaliado AL carreados

    em sistemas poliméricos nano (Colombo et al., 2005; Corre et al., 1994; Estebe

    et al, 1995; Govender et al., 2000; Moraes et al, 2007, 2008; Polakovic et al.,

    1999; Rose et al., 2005), também com bons resultados.

    1.4 Ciclodextrinas

    A hidrólise parcial do amido resulta na formação de glicose, maltose e

    uma longa classe de dextrinas lineares e ramificadas. Alguns microorganismos

    e plantas possuem enzimas denominadas ciclodextrina-glicosiltransferases que

    realizam a degradação do amido em oligossacarídeos cíclicos, chamados

    ciclodextrinas (Loftsson & Masson, 2001).

    Ciclodextrinas (CD) são compostos não tóxicos, capazes de formar

    complexos de inclusão e estabilizar um largo espectro de substâncias. Essa

    característica, juntamente com outras propriedades, faz delas um grande

    atrativo para variado número de aplicações industriais. As vantagens em

    relação ao uso e a disponibilidade das ciclodextrinas explicam o crescente

  • 15

    interesse pelas mesmas. Suas aplicações práticas são numerosas: CD são

    usadas na indústria alimentícia, farmacêutica, em cosméticos, pesticidas, em

    tecnologia química, em química analítica, etc (Duchêne et al., 1999; Davis &

    Brewster, 2004).

    As três ciclodextrinas naturais mais comuns são: alfa, beta e gama-

    ciclodextrinas, apresentando seis, sete e oito unidades de D-(+)-glicopiranoses,

    respectivamente. Estas subunidades apresentam grupos hidroxila primários e

    secundários em sua estrutura, orientados para o exterior da molécula (Figura

    2), o que confere à superfície exterior um caráter hidrofílico, enquanto a

    cavidade interior é hidrofóbica. A presença desta cavidade hidrofóbica permite

    que a ciclodextrina forme complexos de inclusão com muitas moléculas,

    alterando as propriedades físico-químicas das mesmas, em geral levando a um

    aumento da solubilidade e estabilidade química, diminuição da volatilidade e

    alterando a biodisponibilidade da molécula hóspede.

    Figura 2 – Representação esquemática da β-ciclodextrina, com 7 unidades de

    glicopiranose.

    Entre as ciclodextrinas encontradas na natureza, as β-CD (Figura 2) são

    as mais largamente utilizadas, devido ao fato de apresentarem uma cavidade

    interna com cerca de 6 Å de diâmetro (Tabela 3), adequada para incorporar

    anéis aromáticos, frequentemente encontrados em moléculas com atividade

    biológica (Matioli, 2000).

    Tabela 3 – Propriedades físico-químicas das ciclodextrinas naturais (del Valle, 2004)

    Propriedade α- β-ciclodextrina γ-ciclodextrina

  • 16

    ciclodextrina

    Resíduos de glicose 6 7 8

    Massa molecular 972 1135 1297

    Solubilidade 25 ºC(g/100 mL) 14,5 1,85 >50

    Diâmetro externo (Å) 14,6 15,4 17,5

    Diâmetro interno (Å) 4,7-5,3 6,0-6,5 7,5-8,3

    Altura da cavidade (Å) 7,9 7,9 7,9

    Volume da cavidade (Å3) 174 262 427

    A limitada solubilidade aquosa da β-CD (1,85 g/100 mL a 25 °C) é

    considerada um fator limitante para sua aplicação, principalmente quando

    comparada as demais ciclodextrinas e decorre de ligações intramoleculares de

    hidrogênio entre grupos hidroxil secundários (Rajewsky & Stella, 1996). Por

    este motivo, modificações foram introduzidas na estrutura química das

    ciclodextrinas naturais, em particular a β-CD, com a finalidade de melhorar esta

    propriedade. Um dos derivados obtidos por estas modificações é a 2-

    hidroxipropil-β-ciclodextrina (HP-β-CD) (Figura 3a), que apresenta uma maior

    solubilidade aquosa que a β-CD natural (> 50 g/100 mL a 25 °C) (Irie &

    Uekama, 1997; Matioli, 2000).

    A alta afinidade da β-CD por colesterol e outros lipídios, faz com que

    seja capaz de extrair estes componentes da membrana. Dependendo da

    concentração administrada, as β-CD podem produzir hemólise de eritrócitos

    (Irie & Uekama, 1997), devendo, portanto, sua administração por via infiltrativa,

    ser evitada. Outro fator que deve ser considerado é o fato de que as β-CD

    apresentam solubilidade relativamente baixa na corrente sanguínea. Isto

    permite que haja uma formação de microcristais que se depositam nos rins.

    Estes microcristais formam depósitos, podendo causar danos aos túbulos

    renais por impedirem a filtração glomerular. Já ciclodextrinas modificadas como

    a HP-β-CD, não apresentam estas características indesejáveis, ou seja, a

    modificação da molécula de β-CD além de promover a melhora da solubilidade,

    também promove a diminuição dos efeitos tóxicos apresentados, como a

    hemólise de eritrócitos (Bekers et al., 1991; Davis & Brewster, 2004; Frank et

    al., 1976; Frijlink et al., 1990). Os derivados hidroxialquilados de CDs são

  • 17

    poderosos solubilizadores de fármacos e não formam, nos rins, os precipitados

    de complexos cristalinos observados quando a β-CD é utilizada (Carpenter et

    al., 1995), porém são financeiramente menos viáveis, devido ao fato de serem

    mais caros que a β-CD.

    Figura 3 – Representação da hidroxipropil-β-ciclodextrina (a) e da formação de dois

    tipos de complexos, de estequiometria 1:1 e 1:2 (ligante:HP-β-CD) (b).

    Atualmente um interesse crescente pela aplicação de HP-β-CD como

    sistema carreador de fármacos vem sendo verificado. Isto pode ser

    comprovado pelo número de pesquisas realizadas, onde se utiliza a HP-β-CD

    como carreadora em sistemas de liberação modificada. Esta ciclodextrina tem

    demonstrado apresentar boa tolerância em humanos, sendo que a

    administração intravenosa não é considerada tóxica em doses baixas e

    moderadas (Carpenter et al, 1995; Thompson, 1997). A HP-β-CD teve seu uso

    aprovado pelo FDA (Food and Drug Administration) e está presente em

    produtos comerciais como Vibativ®, fármaco antibacteriano, produzido pelo

    laboratório americano Theravance. A dose recomendada para uso oral é de 8 g

    ao dia e para uso intravenoso de 16 g ao dia (Brewster & Loftsson, 2007).

    As ciclodextrinas quando administradas por via oral, são facilmente

    metabolizadas e sua absorção ocorre no trato gastrintestinal, onde interagem

    com alguns componentes de membrana como colesterol e alguns tipos de

    lipídios. Sua estrutura cíclica permite que sejam resistentes às variações de pH

    do estômago e intestino delgado, porém são degradadas no cólon e intestino

    grosso, pela ação de bactérias da flora intestinal (Uekama, 1994). Quando

    administradas pela via intravenosa, a excreção das CDs ocorre de forma

    a b

  • 18

    intacta pelos rins (Davis & Brewster, 2004). Isto ocorre, em particular com a β-

    CD, devido à sua baixa solubilidade aquosa, o que representa uma

    desvantagem quando comparada aos seus derivados como a HP-β-CD. Já

    bactérias e fungos, possuem uma amilase específica, capaz de degradar as

    ligações alfa-1,4 das unidades glicopiranosídicas das ciclodextrinas.

    Os complexos de inclusão formados entre ciclodextrinas e moléculas

    hóspede são mantidos por ligações não covalentes. Esta interação consiste em

    um equilíbrio dinâmico, onde a molécula hóspede está constantemente se

    associando e desassociando da cavidade da CD (Loftsson & Brewster, 1996;

    Rajewsky & Stella et al., 1996).

    Quando em solução aquosa, as ciclodextrinas acomodam moléculas de

    água em sua cavidade parcialmente apolar, entretanto, essa interação é

    energeticamente desfavorável, uma vez que requer um aumento da entropia

    das moléculas de água. Estas moléculas de água podem então ser facilmente

    substituídas por moléculas hóspedes, que apresentem menor polaridade que a

    água. Quando ocorre este tipo de interação, a estequiometria mais

    frequentemente encontrada entre molécula hóspede e CD é de 1:1, porém

    outras estequiometrias podem ser verificadas, como 1:2 (Figura 3b), 2:1 e 2:2

    (Duchêne et al., 1999; Szejtli, 1998).

    A interação molecular pode ser avaliada pelas modificações que

    ocorrem nas propriedades tanto da molécula hospedeira, como na molécula

    hóspede, podendo ser detectada por diversas técnicas espectroscópicas, como

    a fluorescência, a espectroscopia UV/Vis, a ressonância magnética nuclear

    (RMN), o infravermelho, entre outras.

    A formação de complexos de inclusão sólidos garante uma maior

    proteção da molécula hóspede contra reações químicas, diminui a sublimação

    e volatilização, diminui a reatividade da molécula, garantindo uma estabilidade

    maior e também aumenta a solubilidade (Loftsson & Brewster, 1996; Rajewsky

    & Stella, 1996).

    Estas características das ciclodextrinas tornam seu uso para formação

    de complexos de inclusão com AL bastante promissor, além do que, muitos

    estudos já realizados demonstram os efeitos satisfatórios desta interação.

    Entre eles, estão descritos aumento da solubilidade de anestésicos como

    Lidocaína, Etidocaína, Mepivacaína, Bupivacaína (de Araújo et al 2005; 2006;

  • 19

    Dollo et al., 1996a, 1996b, 1998; Moraes et al, 2007, Pinto, 2002), Benzocaína

    (Pinto et al, 2002), Tetracaína (Miyoshi et al., 1998), bem como a melhora dos

    índices terapêuticos dos anestésicos locais (de Araújo et al., 2005a; 2005b;

    2006; 2008a; Dollo et al., 1998; Pinto, 2002).

    Estudos da interação molecular da Tetracaína com ciclodextrinas

    indicaram um aumento em sua estabilidade química (Miyoshi et al., 1998),

    incluindo proteção contra a hidrólise alcalina (Fernandes et al., 2007) além de

    diminuição do potencial de irritação ocular (Santvliet et al., 1998).

    Estudos de caracterização molecular dos complexos de inclusão

    formados entre TTC e β-CD foram realizados em nosso laboratório com uso de

    RMN em pH 5,5 e pH 10 (Fernandes et al., 2007), demonstrando forte

    interação entre a TTC neutra e β-CD.

    Neste contexto, os benefícios de uma anestesia profunda produzida por

    AL estão sendo cada vez mais bem conhecidos, o que tem levado a um

    aumento de novas técnicas de anestesia local e regional. Porém, o tempo de

    ação relativamente curto desses fármacos quando comparados à duração da

    dor (Duncan & Wildsmith, 1995) é um fator limitante para o uso dos AL.

    Um AL ideal, deve apresentar ação longa, ser livre de efeitos tóxicos, ter

    baixo potencial alergênico, alto índice terapêutico e atuar seletivamente sobre

    as fibras sensoriais, mas não sobre as motoras (Kuzma et al., 1997).

    Abordagens que levem ao aumento da duração de ação dos AL são

    desejáveis, pois com elas poderia ser diminuída a frequência de

    administrações, aumentando assim a eficácia pelo maior tempo de bloqueio

    anestésico. Uma das primeiras tentativas de melhorar estas características foi

    realizada através da modificação química de AL já existentes, obtendo-se os

    análogos hoje disponíveis no mercado, porém com melhorias nem sempre tão

    satisfatórias, pois o aumento da potência é, em geral, acompanhado por

    aumento da toxicidade sistêmica dos AL (Strichartz & Ritchie, 1987).

    A TTC é bastante utilizada na prática clínica, principalmente em

    procedimentos que requerem anestesia tópica, devido à sua alta potência.

    Porém, um fator que torna a aplicação da TTC limitada é sua toxicidade local e

    sistêmica (Rang et al, 2004). Objetivamos, através da incorporação deste AL

    com ciclodextrinas, diminuir os efeitos tóxicos da TTC, aumentando assim a

    segurança para administração deste AL e aplicabilidade na prática clínica.

  • 20

    Desta forma propusemo-nos a preparar e caracterizar complexos moleculares

    da TTC com ciclodextrinas em pH fisiológico e testar sua atividade biológica.

    Para tanto, análises da citotoxicidade in vitro de TTC, foram realizadas através

    de ensaios de culturas de células, com fibroblastos da linhagem 3T3. Já o

    efeito da complexação na eficácia anestésica da TTC foi avaliado através de

    ensaios de bloqueio do nervo infraorbital, em ratos Wistar, segundo protocolo

    (no. 824-1) aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal da

    Unicamp.

  • 21

    II) OBJETIVOS

    2.1 Objetivos Gerais

    O presente trabalho teve como objetivo preparar, caracterizar os

    complexos de inclusão e avaliar a eficácia de formulações anestésicas de

    liberação modificada de TTC complexada com β-CD ou HP-β-CD a fim de

    promover a redução das propriedades tóxicas deste AL e melhorar seu perfil de

    atividade farmacológica.

    2.2 Objetivos Específicos

    • Caracterização da interação da TTC com β-CD e HP-β-CD

    em pH fisiológico, determinando a estequiometria de formação do

    complexo e sua constante de associação aparente.

    • Realização de testes in vitro de citotoxicidade, em células

    de fibroblastos da linhagem 3T3, para os complexos formados com

    TTC:β-CD e TTC:HP-β-CD, em comparação com TTC livre.

    • Avaliação da atividade biológica dos complexos formados,

    através de testes de atividade anestésica em animais, tanto para

    TTC:β-CD quanto para TTC:HP-β-CD, comparadas a TTC livre.

  • 22

    III) MATERIAIS E MÉTODOS

    3.1 Materiais

    Para a realização de ensaios de citotoxicidade, utilizou-se células de

    fibroblastos da linhagem 3T3. Para ensaios in vivo utilizou-se ratos Wistar,

    adultos, machos, pesando entre 350-350 g, obtidos do Biotério da Unicamp.

    3.1.1 Reagentes

    • Anestésico local: Tetracaína (Sigma Chem. Co.)

    • Ciclodextrinas: β-CD (Sigma Chem. Co.) e HP-β-CD (Roquette

    Serv. Tech. Lab.)

    • Tampão PBS (tampão fosfato 5 mM com 154 mM NaCl), pH 7,4

    • MTT – Brometo de 3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-bifenil tetrazólio

    (Calbiochem)

    • DMEM – Meio Eagle modificado por Dulbeco (Nutricell)

    • Antibióticos Penicilina G e Estreptomicina (Cultilab)

    • Soro fetal bovino (Cultilab)

    • Corante vermelho Neutro (Sigma Chem. Co)

    • Formaldeído (Labsynth Ltda.)

    • Etanol (Ecibra Reag. Anal.)

    • Tiopental Sódico (Thiopentax® Cristália Ind. Quím. Farm.)

    3.1.2 Equipamentos

    • Liofilizador Labconco-freeze dry system/Freezone

    • Espectrofotômetro Beckman DU 70 UV-Vis

    • Fluorímetro Hitachi modelo F-4500

    • Calorímetro DSC Q100 TA Instruments

    • Espectrômetro de RMN Varian INOVA 500

    • Espectrômetro de RMN Varian Unity 500

    • Placa de cultura de células de 96 poços

    • Estufa de CO2 Lab-Line

    • Capela de fluxo laminar Veco

    • Leitor de placas Spectramax ( Molecular Devices)

  • 23

    3.2 Métodos

    3.2.1 Espectrofotometria de UV/Vis

    3.2.1.1 Princípio do método

    A espectroscopia no ultravioleta-visível (UV/Vis) é um método

    espectroscópico de análise que visa a utilização de radiação eletromagnética

    na faixa de comprimentos de onda na região do visível e ultravioleta próximo.

    Nessas faixas de energia as moléculas podem absorver energia fazendo com

    que ocorram transições eletrônicas moleculares (Karplus & Porter, 1970).

    Neste contexto, a espectrofotometria pode ser utilizada para avaliar

    alterações nas propriedades de compostos em solução. Após a inclusão na

    cavidade das ciclodextrinas, as moléculas hóspedes (“guest”) podem perceber

    a mudança do ambiente químico, refletindo em um deslocamento ou mudança

    de intensidade (deslocamentos hipso e bato, hipo ou hipercrômico) no pico de

    absorção máxima, de forma similar aos efeitos causados por solventes com

    diferentes polaridades. Estas alterações indicam a transferência da molécula

    hóspede para a cavidade hidrofóbica das ciclodextrinas (Paavola et al., 1995).

    As alterações verificadas se devem a perturbações eletrônicas na

    molécula que foi inserida na cavidade da ciclodextrina, sendo causadas pela

    interação direta com as ciclodextrinas, pela exclusão de moléculas de água da

    cavidade ou pela combinação destes dois efeitos (Dodziuk, 2006).

    3.2.1.2 Caracterização da TTC por espectrofotometria de UV/Vis

    A fim de avaliar o comprimento de onda máximo da TTC foi preparada

    uma solução estoque de TTC 1 mM em tampão PBS 5 mM, pH 7,4. Esta

    solução foi posteriormente diluída, utilizando-se o mesmo tampão para a

    concentração de 0,04 mM e observado o espectro de absorção desta, na faixa

    de 250 nm a 350 nm (espectrofotômetro UV/Vis Beckman DU 70), utilizando-se

    uma cela de qurtzo com caminho ótico de 1 cm.

    A absortividade molar da TTC foi determinada através dos valores de

    absorbância de soluções de concentrações crescentes de TTC, variando de 10

    à 40 µM (PBS 5 mM, pH 7,4; λmáx= 309 nm).

    Posteriormente, outros espectros da TTC (7,5 µM) foram obtidos (na

    faixa de 250 até 350 nm) em meio contendo diferentes proporções de água (ε

    =78) /etanol (ε =24,5), a fim de simular o comportamento da TTC em ambientes

  • 24

    químicos de diferentes constantes dielétricas (Deyhime et al., 2004). As

    proporções água:etanol utilizadas e respectivas constantes dielétricas podem

    ser verificadas na Tabela 4.

    Tabela 4- Variação das proporções água:etanol e suas respectivas constantes

    dielétricas.

    3.2.2 Preparo do

    O complex

    utilizando-se o m

    anteriormente (d

    foram preparadas

    água, na razão

    suficiente para q

    67,0 20 80 72,8 10 90 78,3 0 100

    ε

    (constante dielétrica)

    etOH

    (%) H2O

    (%)

    - POLAR

    + POLAR

    Complexo de Inclusão TTC com β-CD e HP-β-CD

    o de inclusão entre a TTC e as ciclodextrinas foi preparado

    étodo de co-solubilização, conforme metodologia descrita

    e Jesus et al, 2006; Pinto, 2002; Pinto et al, 2005). Neste,

    soluções de fármaco e ciclodextrinas (β-CD ou HP-β-CD) em

    molar de 1:1, mantidas sob agitação por 12 h (tempo este

    ue o sistema atingisse o equilíbrio de complexação) (de

    24,3 100 0 28,1 90 10 32,8 80 20

    38,0 70 30 43,4 60 40 49,0 50 50 55,0 40 60 61,1 30 70

  • 25

    Araújo, 2005a), em temperatura ambiente. Após esta etapa os complexos

    foram liofilizados e armazenados em dessecador para posterior utilização.

    Misturas físicas foram obtidas adicionando-se TTC e ciclodextrina em

    grau, de modo que a razão molar obtida fosse de 1:1. Posteriormente as

    substâncias foram misturadas manualmente com a ajuda de um pistilo.

    3.2.2.1. Medidas de espectrofotometria UV/Vis para a interação

    TTC: ciclodextrinas

    Para a avaliação da interação entre a molécula de TTC e ciclodextrinas,

    foi observado o efeito das ciclodextrinas no espectro de absorção UV/Vis da

    TTC. Para isso, foram preparadas soluções de TTC:β-CD e TTC:HP-β-CD na

    proporção de 1:500 ([TTC] = 0,04 mM) em tampão PBS e coletados espectros

    de absorção na faixa de 250 nm a 350 nm. Também foi verificado o efeito de

    concentrações crescentes de CD nos espectros da molécula de TTC, para isso

    foram coletados espectros de absorção TTC:CD nas proporções molares 1:0,

    1:1, 1:100, 1:500.

    3.2.3 Fluorescência

    3.2.3.1. Princípio do método

    Fluorescência é um fenômeno que ocorre com alguns compostos

    químicos onde a substância, após sofrer um processo de excitação (absorção

    de um fóton), apresenta a capacidade de emitir luz (Lackowicz, 1983).

    A explicação teórica da fluorescência pressupõe que fótons, quantum de

    energia eletromagnética (luz), ao serem absorvidos pela molécula fluorescente,

    excitam seus elétrons, fazendo com que saiam do estado fundamental (S0)

    para o estado excitado (S1). Esse excesso de energia pode ser liberado através

    da emissão de radiação (λ maior que o da radiação incidente). Quando ocorre

    retorno do elétron a seu nível energético fundamental, este evento é

    acompanhado da emissão de radiação, originando o fenômeno de

    fluorescência (Lackowicz, 1983).

    Numerosas substâncias apresentam fluorescência, entre elas, muitas

    moléculas que possuem em sua estrutura anéis aromáticos. Este fenômeno é

    significativamente influenciado pela conjugação destes anéis, produzindo um

    sistema com alto grau de conjugação eletrônica (Senesi et al., 1991).

  • 26

    Anestésicos locais como a tetracaína (Desai et al 1994), benzocaína (Pinto et

    al., 2000) e dibucaína (Louro et al., 1994), entre outros, têm fluorescência

    intrínseca significativa.

    Assim como medidas de absorção na região do UV-Vis, a fluorescência

    nos permite avaliar o efeito da formação do complexo de inclusão de

    compostos orgânicos com as CDs, pois a cavidade das moléculas hospedeiras

    apresenta uma relativa hidrofobicidade e a inserção do composto hóspede é,

    em geral, acompanhada por aumento do rendimento quântico de fluorescência

    (Szejtli, 1998).

    3.2.3.2. Caracterização da fluorescência da TTC

    A fim de avaliar a emissão de fluorescência intrínseca da tetracaína, foi

    preparada uma solução estoque de 1 mM de TTC em tampão PBS. Esta

    solução foi posteriormente diluída utilizando-se o mesmo tampão, até que fosse

    encontrada a concentração ideal do fármaco para leituras em fluorímetro (abs.

    ca. 0,1, λexc = 309 nm), de 7,5 µM.

    Para avaliar a interferência da polaridade do meio no comprimento de

    onda de máxima emissão de fluorescência da molécula de TTC, foi preparada

    uma solução com concentração de 7,5 µM e realizadas leituras do fármaco em

    meio contendo diferentes proporções de água/etanol, a fim de simular o

    comportamento da TTC em ambientes com diferentes constantes dielétricas.

    As proporções de água: etanol utilizadas e as constantes dielétricas obtidas

    foram as mesmas descritas no item 3.2.1.2, Tabela 4.

    O experimento foi feito em fluorímetro Hitachi modelo F-4500, utilizando

    uma cela com caminho ótico de 10 mm, a temperatura ambiente.

    3.2.3.3. Medidas de fluorescência para medir a interação TTC:CD

    Com a finalidade de comparar o comportamento da molécula de TTC

    quando em ausência, presença de ciclodextrinas e meio com polaridade similar

    ao apresentado por estes carreadores, realizou-se leituras de fluorescência de

    TTC (7,5 µM) em água (ε= 78), água:etanol (20:80, v/v) (ε = 32,8) e na

    presença de ambas as CDs, na razão molar de 1 TTC para 1000 CDs, a

    temperatura ambiente (Deyhimi et al., 2004).

  • 27

    Já para avaliação do comportamento de TTC em presença de

    concentrações crescentes de ciclodextrina, foram preparadas amostras de TTC

    na concentração de 5 µM e adicionadas concentrações de 20, 35 e 50 µM de

    CD. Espectros de emissão de fluorescência foram coletados, durante 300”, nas

    mesmas condições analíticas descritas no item 3.2.3.2.

    3.2.3.3.1. Medidas para determinação da estequiometria dos complexos

    TTC: ciclodextrinas

    Uma das principais técnicas utilizadas atualmente para determinação da

    estequiometria de complexos de inclusão é a solubilidade de fases. Porém a

    aplicação deste método, para avaliação dos complexos formados com TTC

    pode ser considerada inviável, devido à alta solubilidade apresentada por este

    AL na sua forma protonada (> 200 g/L ou 0,67 M) (Miller et al., 1993). Sendo

    assim, para determinação da estequiometria apresentada pelos complexos de

    inclusão formados entre TTC e β-CD ou TTC e HP-β-CD, foram aplicadas

    técnicas de titulação, que permitem o acompanhamento da variação de um

    comportamento químico do fármaco, neste caso, a emissão de fluorescência

    pela TTC, sensível a formação do complexo de inclusão (Sosnowska, 1997).

    Foi preparada uma solução de TTC na concentração de 7,5 µM em

    tampão PBS e coletado espectro de emissão de fluorescência desta amostra.

    Em seguida, novas análises foram realizadas, adicionando-se concentrações

    crescentes de ciclodextrinas e mantendo-se fixa a concentração de TTC. As

    leituras de fluorescência foram realizadas nas razões molares de 1:50, 1:100,

    1:200 até a razão de 1: 1000 TTC:CD.

    Os resultados obtidos foram tratados de acordo com a equação de

    Benesi-Hildebrand modificada, conforme descrito na equação 1 (Banerjee et

    al, 2004):

    CTTC/(F-Fo)=1/[CCD]n (1)

    Onde CTTC e CCD representam a concentração analítica de tetracaína e

    ciclodextrina respectivamente; F (Fo) representam a intensidade de

    fluorescência da TTC em presença (ausência) de ciclodextrina e n é o

    coeficiente estequiométrico de complexação. Para tratamento dos dados,

  • 28

    utilizou-se a área sob a curva, AUC, ao invés dos valores de intensidade de

    fluorescência, ficando a fórmula:

    CTTC/(AUC-AUCo)=1/[CCD]n (2)

    Para os dois complexos formados, avaliou-se tanto a possibilidade de

    apresentarem estequiometria 1:1 quanto 1:2, aplicando-se os respectivos

    tratamentos matemáticos.

    3.2.4 Calorimetria Diferencial de Varredura

    3.2.4.1. Princípio do método

    A Calorimetria Diferencial de Varredura (DSC) mede a diferença dos

    fluxos de calor entre uma célula contendo amostra e uma célula de referência

    que estão sujeitas a aquecimento/resfriamento incremental constante. O fluxo

    de calor corresponde à potência transmitida pelo calorímetro, é medido em

    watts (W) ou miliwatts (mW). Se o fluxo de calor ou energia estiver integrado

    com relação ao tempo, então uma quantidade de energia será obtida e será

    expressa em mWs = mJ. Se a amostra absorve energia, o fenômeno de

    variação de energia (entalpia) é denominado endotérmico, enquanto se a

    amostra libera energia este corresponde a um processo exotérmico (Verdonck

    et al, 1999). Efeitos térmicos caracterizados por mudanças de entalpia em

    função da temperatura como fusão, cristalização, transições sólido-sólido e

    reações químicas podem ser acompanhadas por DSC.

    Análises térmicas como a DSC e a Análise Termogravimétrica, são

    muito empregadas para o estudo de complexos de inclusão no estado sólido,