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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA MESTRADO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA “GOSTEI MAIS DE CORRER ATRÁS DOS POMBOS”: O itinerário do lúdico na escola de Educação Infantil Maria Regiane Vidal Costa Simonetti Gomes Fortaleza - Ceará 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

MESTRADO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

“GOSTEI MAIS DE CORRER ATRÁS DOS POMBOS”: O itinerário do lúdico na escola de Educação Infantil

Maria Regiane Vidal Costa Simonetti Gomes

Fortaleza - Ceará

2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

MESTRADO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

“GOSTEI MAIS DE CORRER ATRÁS DOS POMBOS”: O itinerário do lúdico na escola de Educação Infantil

Dissertação apresentada à Coordenação do

Programa de Pós-Graduação em Educação

Brasileira da Universidade Federal do Ceará –

FACED, como requisito parcial para a obtenção

do título de Mestre.

Maria Regiane Vidal Costa Simonetti Gomes

Orientadora: Profª. Drª. Maria de Fátima Vasconcelos da Costa

Fortaleza - Ceará

2006

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“GOSTEI MAIS DE CORRER ATRÁS DOS POMBOS”: O itinerário do lúdico na escola de Educação Infantil

Dissertação defendida e aprovada no dia 6 de abril de 2006

___________________________ Maria Regiane Vidal Costa Simonetti Gomes

Mestra

Banca Examinadora ___________________________________________________ Profª. Drª. (presidente) Maria de Fátima Vasconcelos da Costa

____________________________________________ Profª. Drª. Veriana de Fátima Rodrigues Colaço

____________________________________________ Profª. Drª. Maria Isabel Patrício de Carvalho Pedrosa

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a DEUS, que me concedeu a perseverança diante de todos os impedimentos.

Agradeço aos meus componentes familiares, especialmente ao meu marido que, com sua

compreensão, aceitou a nossa distância como necessária.

Grata sou às escolas e professoras que me receberam como pesquisadora.

Sou agradecida, por fim, a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a

realização deste ensaio.

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RESUMO

Este trabalho relata um estudo do tipo etnográfico na investigação do papel do lúdico nas escolas de Educação Infantil, realizando uma comparação entre as instituições públicas e privadas. A pesquisa foi realizada em quatro escolas da cidade de Brasília, sendo uma pública e uma particular, que ofereciam apenas Educação Infantil, denominadas como escolas de pequeno porte, e duas escolas, uma pública e uma particular, que ofereciam Educação Infantil e Ensino Fundamental, denominadas como escolas de grande porte. As visitas aconteceram durante um semestre, sendo dois dias por semana em cada estabelecimento. Foram observadas em cada escola duas turmas: uma de crianças de quatro anos e uma de crianças de seis anos. Os procedimentos metodológicos utilizados foram a observação participante, conversas informais, entrevistas semi-estruturadas com os professores das turmas observadas e análise da proposta pedagógica das escolas. Os instrumentos de coleta utilizados foram o diário de campo e o gravador no momento das entrevistas. A observação ocorreu durante todo o turno, desde a hora da chegada até o momento da saída das crianças, de modo que se pôde perceber as práticas lúdicas realizadas nos vários espaços da escola: sala, pátio, parque, entre outros. Mediante a observação, foi possível verificar a organização do espaço, tempo, brinquedos, equipamentos destinados às atividades lúdicas, a dinâmica e o sentido atribuído pelo professor às práticas lúdicas infantis. Pela análise dos dados obtidos durante a pesquisa, verificou-se que tanto as escolas particulares como as públicas, de Brasília, têm um espaço preparado para a brincadeira, principalmente no que se refere à existência de parques. Verificou-se, também, em ambas as realidades educacionais, que nem todas as atividades lúdicas na escola têm o objetivo de ensejar um momento que valorize o lúdico enquanto tal. A modo de conclusão, admite-se a idéia de que o papel exercido pelo lúdico nas escolas de Educação Infantil, tanto na rede pública quanto no sistema particular de ensino, está relacionado principalmente à natureza da proposta pedagógica da escola, bem como ao sentido atribuído pelo professor às atividades lúdicas.

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ABSTRACT

This study reports an ethnographic type investigation into the role of play in infant education making a comparison between private and state institutions. The research was carried out at four schools in Brazilia; two ‘small’ schools which offer only infant education, one private and one public, and two ‘large’ schools which offer both infant and junior education, one private and one public. Two visits per week were made to each school during one semester. Two classes were observed in each school, one of four-year-old and another of six-year-old children. The methodology applied was participative observation, informal conversation, semi-structured interviews with the teachers of the groups observed and analysis of the pedagogical project of the schools. Data was collected in a field diary and by tape recording the interviews. Whole school days were observed from the time of arrival to the children leaving so that play activities could be observed in every part of the school: in the classroom, patio and play ground among others. By means of observation, the organization of space, time, toys and equipment destined for play activities and the dynamics and sense attributed to the practice of play by the teacher could all be verified. Analyzing the data obtained during the research it was possible to affirm that both private and state schools in Brazilia have areas prepared for play, principally playgrounds, but also that in neither case did all such activities take the opportunity to value play for its own sake. It was concluded that the role play has in both private and state infant schools is principally related to the nature of the school’s pedagogic project as well as the sense attributed to play by the teacher.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO........................................................................................................

2. METODOLOGIA....................................................................................................

2.1. A Pesquisa-Piloto e a Definição dos Procedimentos..........................................

2.2. Caminhos e Desafios da Pesquisa de Campo......................................................

2.3. As Escolas Observadas: Descrição dos Espaços.................................................

3. ANÁLISE DOS RESULTADOS.............................................................................

3.1. A Definição do Lúdico no Projeto Pedagógico das Escolas de Educação

Infantil Pública e Privada............................................................................................

3.2. “Meia Hora de Parque é Muito Tempo, Não é?” - A Organização do

Espaço, Tempo, Brinquedos e Equipamentos Destinados às Atividades

Lúdicas..........................................................................................................................

3.3. As Práticas Lúdicas Desenvolvidas nas Escolas.................................................

3.3.1. “Não gosto de entregar os brinquedos e deixar eles brincarem sozinhos” - o

sentido atribuído pelo professor às práticas lúdicas infantis..........................................

3.3.2. Recreio e Cia: quando as crianças entram em ação.............................................

3.4. Os Adultos, as Crianças e os Momentos Lúdicos na

Escola.............................................................................................................................

3.4.1. Daqui a pouco vocês vão guardar os brinquedos, pois já vou terminar de olhar

as agendas’ - A atitude do professor nos momentos do brincar.....................................

3.4.2.Condições que interferem nas oportunidades dadas ao brincar............................

3.4.3. Em que lugares as crianças brincam?...................................................................

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................

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1. INTRODUÇÃO

A partir da minha experiência como professora da Educação Infantil e com a visão

voltada para os estudos acerca da importância do brincar para a criança, foi que despertou em

mim o interesse em pesquisar o papel do lúdico nessas instituições.

Na minha pequena experiência como professora da Educação Infantil, tanto na rede

pública como na particular de ensino1, pude vivenciar toda uma rotina escolar destinada às

crianças de quatro a seis anos. Durante esse tempo, observei que as oportunidades lúdicas se

diferenciavam nas escolas, mais evidentemente entre escolas públicas e particulares. Também

percebi, no entanto, que as escolas particulares entre si, bem como do mesmo modo as escolas

públicas, também se diferenciavam em alguns pontos, quanto às oportunidades lúdicas. A

minha visão era de que algumas escolas de Educação Infantil deixavam a desejar quanto às

oportunidades lúdicas e em especial o brincar livre: sendo que o brincar livre era muitas vezes

considerado apenas como uma recreação e tinha sua realização limitada a uma vez por

semana, em um curto espaço de tempo, como se fosse uma atividade supérflua.

Das escolas públicas onde trabalhei, em poucas havia brinquedos, pois o que se

encontrava geralmente eram jogos pedagógicos. Os brinquedos que havia em algumas escolas

geralmente eram conseguidos pelas professoras por meio de doações, o que resultava em

brinquedos velhos e quebrados. Os momentos para brincar se resumiam, muitas vezes, apenas

ao horário do recreio, pois, quando eu tomava a iniciativa de levar as crianças para brincar ao

ar livre, com os brinquedos que havia ou mesmo sem brinquedos, mas de forma livre, essa

iniciativa na maioria das vezes era considerada como “enrolação” de aula.

Mesmo quando não havia críticas aos instantes em que eu dava oportunidade às

crianças de estarem fora2 da sala brincando, ou mesmo o fazendo dentro sala de aula, ainda

assim, eu e outras que assim procediam, éramos criticadas quando essas atividades não eram

dirigidas; isto é, as brincadeiras só eram bem aceitas quando havia um propósito pedagógico.

Isso para as crianças das turmas do Jardim, porque as da Alfabetização não podiam

desfrutar dessas ocasiões, pois tinham de estar em sala fazendo as tarefas para aprender a ler e

escrever e ter sucesso no Ensino Fundamental. A respeito desse assunto, a ANDI3 faz a

seguinte reflexão:

1 A minha experiência como professora da Educação Infantil se deu no município de Fortaleza. 2 No pátio da escola ou na área livre, pois a sala de aula geralmente era pequena e lotada de mobília (leiam-se mesas e cadeiras). 3 Agência de Notícias dos Direitos da Infância.

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Transformações do sistema produtivo e das relações de trabalho assombram os pais com o fantasma do futuro desemprego do filho. Assim, eles passam a acreditar que as crianças deveriam ser estimuladas a perseguir o sucesso - idéia comumente associada, no caso de creches e pré-escolas, a uma antecipação da escolaridade. (2003, p. 76).

E ainda defende que:

Na Educação Infantil, o aprendizado se dá por meio da brincadeira, permitindo à criança descobrir, explorar e crescer. É essencialmente diferente do ensino fundamental. A criança de zero a seis anos tem necessidades, interesses específicos e estágios de desenvolvimento que precisam ser respeitados. Assim, as creches e as pré-escolas não devem se basear na divisão por disciplinas ou em horário rígidos, como no modelo do ensino fundamental. (ID. IBIDEM).

Com relação às escolas particulares onde tive a oportunidade de trabalhar, uma delas,

cuja proposta pedagógica era o construtivismo, realizava cotidianamente atividades que

envolviam jogos, construções com blocos, parque, tanque de areia e brincadeira de faz de

conta em um espaço especialmente organizado para tal, com brinquedos em quantidade e

diversidade adequadas ao número de crianças, os quais funcionavam como suporte de criação

para elas desenvolverem as brincadeiras, o que era bem recebido e até recomendado pela

equipe técnica.

Outra escola particular do mesmo porte da citada anteriormente, mas que tinha como

proposta pedagógica a pedagogia tradicional, brincar era somente permitido na hora do

recreio. Na sala de aula, não se podia realizar outra atividade que não fosse necessariamente

com propósitos pedagógicos; não havia momentos de brincadeiras livres.

Diante do que foi exposto, entendo que nem toda instituição de Educação Infantil ou

nem todo professor percebe a atividade lúdica como parte da rotina da escola. Por que será

que existem essas diferenças? Depende da formação do professor? Da sua experiência

profissional? Do sentido que ele atribui às práticas lúdicas infantis? Ou decorre do fato de

alguns desses adultos esperarem que as crianças se comportem também como adultos? Será

que a visão desses professores ainda está ligada à antiga concepção de que a Educação Infantil

deve exercer um papel de estágio preparatório para as séries iniciais?

Além do fato já relatado, acrescento ainda que algumas dessas escolas públicas (uma

onde trabalhei e outras sobre as quais tomei conhecimento por intermédio de colegas que

também eram professoras da escola pública de Educação Infantil) não tinham sequer um

espaço para as crianças brincarem, nem mesmo havia recreio, justamente pela falta de espaço.

Eram escolas que estavam em funcionamento sem possuírem o mínimo de condições de

oferecer um ensino de qualidade à criança. Neste caso, o problema não é com o brincar, mas

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com o fato de efetivamente essas “escolas” não estarem estruturadas (refiro-me à

carência/ausência de espaço físico, de material didático-pedagógico, de brinquedos e de

professores e agentes institucionais inteirados sobre o assunto desenvolvimento e

aprendizagem das crianças) para exercer seu papel na Educação Infantil.

O atual discurso sobre educação enfatiza a necessidade de políticas públicas voltadas

para resolver o problema da exclusão social, haja vista que muitos trabalhos4 teóricos sobre

avaliação de políticas sociais questionam o enfoque dessas políticas, sua direção e

perspectiva, ou seja, se estas se voltam à inclusão ou acentuam a exclusão e a desigualdade.

Professores e cidadãos, de uma forma geral, que se preocupam com a qualidade da

Educação Infantil defendem e enfatizam a busca de uma educação voltada para a inclusão e

pautada no princípio de redução das desigualdades sociais, como também na eqüidade da

qualidade da oferta do atendimento às crianças de zero a seis anos de idade em creches e pré-

escolas.

Rosemberg (1997) acentua que a desordenada expansão da Educação Infantil em

creches públicas, creches conveniadas, pré-escolas públicas e conveniadas, oferecidas

simultaneamente, é a responsável pela oferta de serviços com qualidade extremamente

desigual.

Nesse aspecto, Barreto (2004) expressa que no Brasil, em decorrência da forma como

se expandiu a Educação Infantil, a qualidade no atendimento nessas instituições destinadas à

camada menos favorecida da população é de baixo padrão, já que os investimentos técnicos e

financeiros destinados à Educação Infantil ainda estão aquém do necessário.

Esses e outros motivos nos fazem perceber o porquê de a maior parte das instituições

de Educação Infantil ser do sistema particular, quando na realidade o público deveria ser

utilizado por todos. Observo que algumas famílias, mesmo pobres, fazem o esforço de manter

o filho em escola particular, na crença de que o sistema público é de má qualidade.

Como pedagoga e interessada nos estudos produzidos acerca da importância do

brincar para a criança, e também como educadora infantil, assumi o ponto de vista de que a

brincadeira da criança é a brincadeira espontânea livre de qualquer objetivo. Entendo, assim,

que as práticas lúdicas são indispensáveis nas escolas de Educação Infantil e que, entre elas, o

brincar livre deve também ter o seu lugar nessas instituições. 4 Kramer (mimeo) menciona os seguintes trabalhos: Perez, José Roberto Rus. Reflexões sobre avaliação do processo de implementação de políticas e programas sociais e educacionais; II Seminário Internacional Novas Políticas Educacionais: críticas e perspectivas, PUC-SP, 1998 p. 139-145; Oliveira, Romualdo (Org), Políticas educacionais: impasses e alternativas, São Paulo, Ed. Cortez, 1995. Rio; Elizabeth (Org). Avaliação de Políticas Sociais, São Paulo, 1998.

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A investigação do papel do lúdico na Educação Infantil decorre, então, do fato de que,

sabendo da importância dessa brincadeira para a criança, no sentido de que esta tem nessa

atividade um espaço de criação e de apropriação da cultura, as escolas de Educação Infantil

façam constar em seus currículos destinados a essa faixa etária um eixo específico em que se

encontrem as atividades do brincar - entre elas, a brincadeira de faz de conta - e não só constar

nos currículos, mas tornar essa atividade uma prática cotidiana no ambiente escolar.

Entre os psicólogos que realizaram estudos acerca da importância do brincar como

mediador no desenvolvimento da criança, destaca-se a obra de Piaget (2003). O autor se

refere ao faz de conta usando a expressão jogo simbólico, que constitui uma atividade real do

pensamento essencialmente egocêntrico. A função dessa brincadeira consiste em satisfazer os

desejos da criança por meio de uma transformação do real. Assim, ao brincar de mãe e filha, a

criança refaz a sua vida da maneira que lhe convém, revivendo os prazeres e os conflitos,

resolvendo-os, completando a realidade por meio do faz de conta.

Na visão desse autor, ao brincar, a criança assimila o mundo a sua maneira, sem

compromisso com a realidade, isso porque a interação da criança com o objeto não depende

da natureza do objeto, mas da função que a criança lhe atribui; isto é, como o real equivale ao

que é objetivo comparado ao que é externo ao sujeito, dessa forma, não se encaixa ao que

pode ser recriado a partir do real das experiências culturais, pois o subjetivo, diferente do real,

é equivalente ao que é interno ao sujeito.

Já na perspectiva histórico-cultural de Vygotsky (1991), o brinquedo5 acontece com

base no real, porém não de uma forma imitativa, tal qual o é na realidade, mas, ao fazê-lo, a

criança recria essa realidade. Nesse aspecto, as brincadeiras de faz de conta possibilitam o

jogo de papéis que contém regras implícitas, onde a criança incorpora elementos do contexto

cultural adquiridos por meio da interação e comunicação. Assim, para esse autor, “A essência

do brinquedo é a criação de uma nova relação entre o campo do significado e o campo da

percepção visual – ou seja, entre situações no pensamento e situações reais” (p. 118).

Assim, segundo Vygotsky (1991), ao brincar de faz de conta, a criança aprende a agir

numa esfera cognitiva a partir das motivações internas, desde suas próprias idéias e vontades.

Acontece que a criança não é mais guiada a agir com origem na percepção do objeto, mas ela

age de maneira diferente de acordo com seus desejos, atribuindo ao objeto significado

diferente daquele que lhe é próprio. Esse autor assinala ainda que é na idade pré-escolar que

ocorre essa divergência entre os campos do significado e da percepção.

5 Entenda-se aqui brinquedo em Vygotsky como o ato de brincar, mais especificamente ao jogo de papéis ou a brincadeira de faz de conta.

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A constatação de Vygotsky (1991) ocorre no conhecimento de que é enorme a

influência do brinquedo no desenvolvimento de uma criança, pois, brincando, esta se

desenvolve essencialmente. A criança realiza o seu pensamento nas situações lúdicas,

desenvolvendo, assim, níveis de desempenho que só movido por uma grande motivação e

interesse pode provocar.

O lúdico está indissociavelmente ligado à Educação Infantil. A respeito disso

observemos que, antes do início do século XIX, o jogo não era pensado como um elemento

educativo, mas o jogo era visto como algo que se opunha à seriedade, percebido como uma

atividade fútil e até mesmo nefasta para que nele se encerrasse um valor educativo

(BROUGÈRE, 1998).

A concepção do jogo com valor educativo como uma atividade espontânea da criança,

isto é, livre da intervenção adulta, sucede com a ruptura romântica. Com ela, surge também

um sentimento de infância, na idéia de uma criança frágil, espontânea e que deve ter sua

infância preservada, diferenciando-se da concepção de que a criança é um ser que carrega o

pecado original e que deve ser corrigida. A valorização dela arrasta consigo a valorização do

jogo, pois este é a atividade principal da criança.

Situado nesse pensamento romântico, Froebel instituiu uma pedagogia tendo o lúdico

como eixo do trabalho educativo. Ele foi o primeiro educador a colocar os jogos e brinquedos

como parte essencial do trabalho pedagógico no Jardim de Infância, mas tendo claro que essa

é uma atividade essencialmente simbólica. Sobre a concepção de Froebel, Arce (2002)

assegura que “Froebel foi pioneiro por reconhecer o jogo e a brincadeira como as formas que

a criança utiliza para expressar como vê o mundo, além de serem geradores do

desenvolvimento na primeira infância” (p. 60).

Froebel delineou a metodologia dos dons6 e ocupações, dos brinquedos e jogos. Os

dons, bola, cubo, vareta etc., para a realização de atividades sob orientação, os brinquedos

como atividades imitativas livres e os jogos como atividades livres com emprego dos dons.

Blow (apud KISHIMOTO, 2002a, p.129), no entanto, ressalta que em muitos jardins

de infância a atividade lúdica restringia-se somente ao uso dos dons e ocupações,

prevalecendo as atividades dirigidas, ficando de lado o que há de melhor na proposta de

Froebel, a exploração livre dos materiais nos jogos e brinquedos, que permite a criança

ascender ao eu geral e social.

6 “Não se trata de um simples material pedagógico ou lúdico, mas antes de tudo, de um material simbólico” (BROUGÈRE, 1998, p. 68).

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A brincadeira era considerada por Froebel como a fase mais importante da infância, do

próprio desenvolvimento humano nesse período, por ser ativa na representação das

necessidades e impulsos internos. Apesar de Froebel não ter destacado o faz de conta, ele

entende que as crianças em suas brincadeiras de imitação tentam compreender seu mundo ao

reproduzir situações da vida. O autor percebe também a capacidade simbólica da criança que

cria significações a partir de objetos do seu mundo. (KISHIMOTO, 2002a).

Levo em consideração, no presente ensaio, os estudos atuais sobre a criança, como o

de Coelho & Pedrosa (2000), enfocando como a criança constrói os significados a partir dessa

brincadeira numa idade bem precoce; de Bomtempo (2003), sobre as relações de poder nas

brincadeiras infantis de super-heróis; de Costa (2001), que trata da especificidade da atividade

lúdica em relação com a pedagógica na perspectiva da criança; de Muniz (2000), acerca dos

sentidos atribuídos pelos professores da Educação Infantil aos espaços dados ao brincar; e de

Wajskop (2001), concernente ao papel que os professores desempenham para a facilitação da

brincadeira na escola e de que modo ela está permitindo às crianças uma interação lúdica.

Também como estas, a minha pesquisa espera contribuir com os estudos realizados a respeito

do tema, enriquecendo-os com novos conhecimentos ao tratar do papel do lúdico na Educação

Infantil, acrescentando ainda um estudo comparativo entre as escolas públicas e particulares

de Educação Infantil.

O estudo da brincadeira como atividade que desempenha um papel importante no

desenvolvimento da criança é o alvo de muitos pesquisadores que se interessam por esse

assunto. A brincadeira de faz de conta, em especial, é a mais freqüente entre as crianças e a

que, na perspectiva de Vygotsky (1991), é a mais importante para a criança na idade pré-

escolar. Wajskop (2001) também garante que a brincadeira fundamental da criança é o faz-de-

conta, que por sua vez é marcada pelos acontecimentos e relações sociais vividas por ela.

A brincadeira de faz de conta, que recebe também outras denominações - como jogo

de papéis, jogo imaginativo, jogo simbólico ou jogo sociodramático - é desenvolvida

mediante a atuação em papéis pelas crianças em que tais representações são escolhidas de

improviso no momento em que acontece o início da brincadeira, como, por exemplo: brincar

de médico, de casinha, de mãe e filha etc. O papel assumido pela criança é, então, a unidade

fundamental da brincadeira de faz de conta possibilitando ao mesmo tempo o

desenvolvimento das regras e da imaginação por meio de ações significativas provenientes da

sua experiência cultural, isto é, pela brincadeira de faz de conta, a criança incorpora elementos

do contexto cultural adquiridos pela interação e comunicação.

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Ao brincar de bonecas, as crianças também realizam interpretação de papéis. Nesse

caso, a cada boneca será atribuído um papel: uma será a mãe, outra a filha etc. Nesse faz de

conta, as bonecas são manipuladas de forma a desempenhar o papel a si atribuídos de acordo

com a concepção que a criança tem dessas personagens na vida cotidiana do meio em que ela

se insere.

Segundo Vygotsky (1991), ao representar uma personagem da vida real numa

brincadeira de faz de conta, a criança busca agir de modo bastante próximo daquele que ela

observou no personagem na vida real. Esse esforço em desempenhar o observado no real faz

com que a criança atue num nível superior àquele no qual ela se encontra. Nesse sentido,

Vygotsky (1991) conclui que “No brinquedo, a criança sempre se comporta além do seu

comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo é

como se ela fosse maior do que é na realidade” (p.117).

Vygotsky (1991) postulou o conceito de zona de desenvolvimento proximal como a

distância entre o nível atual de desenvolvimento da criança, determinado pela capacidade de

resolver um problema de forma independente, e o nível de desenvolvimento potencial,

determinado pela resolução de um problema sob a orientação de um companheiro mais capaz.

Com isso, o autor, a fim de explicitar o valor da experiência social no desenvolvimento

cognitivo, constatou que, dessa forma, o brinquedo também atua como zona de

desenvolvimento proximal.

Na perspectiva socioantropológica, a brincadeira é, entre outras coisas, um meio de a

criança viver a cultura que a cerca do jeito que ela é na verdade e não como deveria ser. Prado

(2002) destaca a idéia de que, na perspectiva socioantropológica, as brincadeiras são

“inseridas num sistema social, possuidoras de funções sociais, produtos e produtoras de uma

sociedade dotada de traços culturais específicos” (p. 98-99). A brincadeira é vista como um

fato social, no qual a criança dispõe de um espaço privilegiado de interação próprio do seu ser

infantil e que contribui para sua constituição como sujeito humano, produto e produtor de

história e cultura. Essa visão sobre a brincadeira remete à idéia de que esta é uma atividade

que supõe contextos sociais e culturais que abrem possibilidades às crianças de recriar a

realidade mediante sistemas simbólicos próprios ou, por que não dizer, por intermédio do faz

de conta.

Por falar em brincadeira de faz de conta, entende-se que nesta a criança é livre para

escolher seus companheiros e os papéis que irão assumir no interior de um determinado tema

cujo desenvolvimento depende unicamente da vontade de quem brinca. O significado da

expressão “livre”, aplicada à brincadeira de faz de conta, quer dizer livre de propósitos

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externos que interferem na criação própria do jogo simbólico, na autonomia das crianças para

desenvolver sua criatividade e não na idéia de ser livre de influências alheias.

A brincadeira de faz de conta, então, constitui espaço de liberdade de criação que

possibilita o dinamismo social e deve fazer parte do dia-a-dia da criança dentro da instituição

escolar. De acordo com Vasconcelos,

Para que as crianças possam ter seu direito ao brincar como garantido na escola, não é necessário apenas que haja brinquedos em quantidade e diversidade, espaço e tempo reservado para essa atividade, mas, sobretudo, uma certa abertura daqueles que trabalham com as crianças para acolher suas iniciativas a serem partícipes de uma atividade que não tem nenhuma finalidade utilitária, a não ser o gozo gratuito e compartilhado. (2000, p. 8).

Também, para que existam as oportunidades de brincadeira de faz de conta dentro das

instituições de Educação Infantil, é importante que este tema esteja integrado ao projeto

pedagógico das escolas como um eixo que trate do brincar, enfocando inclusive a brincadeira

de faz de conta, não tratando a atividade lúdica apenas com objetivos pedagógicos.

Certamente o brincar educativo pode ser valorizado e ter seu espaço no contexto das

atividades das crianças, mas não no sentido de se restringir somente a ele para que se garanta

o direito de brincar da criança, pois, diferente do brincar de faz de conta, em que ela tem a

liberdade de iniciativa e criação, nas atividades dirigidas com caráter lúdico - isto é, em forma

de jogos e brincadeiras - as crianças não possuem a iniciativa de decidir nem o tema, nem os

papéis, nem mesmo o desenvolvimento da brincadeira. Para Wajskop (2001), o que ocorre na

verdade é a utilização do interesse da criança pela brincadeira no intuito de despistá-la em

prol de um objetivo escolar.

Há também um fator fundamental para que os professores possam valorizar o lúdico

enquanto tal e assim ensejar os momentos de brincadeira de faz de conta: sua formação. É

importante que o profissional de Educação Infantil tenha em sua formação um conteúdo

curricular que trate do brincar como ingrediente importante no desenvolvimento da criança.

Considerando ser desejável que os profissionais que trabalham na Educação Infantil

tenham em sua formação o conhecimento acerca da importância dessa brincadeira para a

criança e que favoreçam esses momentos atribuindo-lhes a devida valorização, resta-me

questionar: Qual o papel do lúdico no projeto pedagógico da escola de Educação Infantil

pública e privada? Como são organizados espaço, tempo, brinquedos e equipamentos

destinados às atividades lúdicas nessas instituições? Quais a dinâmica e o sentido atribuídos

pelo professor às práticas lúdicas infantis? O que contribui para que o brincar seja ensejado

nas escolas de Educação Infantil?

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Essas indagações surgiram no período da minha atuação como professora da Educação

Infantil, na percepção de que havia algumas diferenças quanto às oportunidades lúdicas em

ambas as realidades educacionais. Essas diferenças residiam na presença/ausência de

brinquedos e equipamentos lúdicos nas escolas; no tempo reservado para as crianças

brincarem na sala, no recreio e nos vários espaços da escola (que em alguns lugares

inexistiam); no espaço físico da escola, que fosse preparado para o brincar ou que pudesse

possibilitar os variados tipos de brincadeiras; na forma como a atividade lúdica era vista pelas

várias personagens que atuavam na escola e também na forma como o professor se

posicionava diante dos momentos lúdicos. É, então, o objetivo desse trabalho, investigar o

papel que o lúdico exerce (ou assume) na Educação Infantil, realizando um estudo

comparativo entre as instituições públicas e privadas.

Especificamente, os objetivos são: verificar as possíveis diferenças ou semelhanças

entre as duas realidades educacionais, em relação ao projeto pedagógico das escolas de

Educação Infantil públicas e privadas, e às práticas lúdicas desenvolvidas nos lócus

pesquisados, no que concerne à organização de espaço, tempo, brinquedos e equipamentos

destinados às atividades lúdicas, bem como à dinâmica e o sentido atribuído pelo docente às

práticas lúdicas infantis.

O trabalho está organizado em quatro capítulos, partindo desta introdução. O segundo

módulo trata da metodologia e o terceiro cuida da análise dos resultados. No segundo

capítulo, estão: a seção 2.1, com a pesquisa piloto e a definição dos procedimentos de

pesquisa; a seção 2.2, que enfoca os caminhos traçados durante a pesquisa de campo;

enquanto isso, o segmento 2.3 procede a uma descrição do locus investigado.

No terceiro capítulo, a seção 3.1 cuida da definição do lúdico no projeto pedagógico

das escolas de Educação Infantil pública e privada, enquanto a 3.2 se reporta à organização do

espaço, tempo, brinquedos e equipamentos destinados às atividades lúdicas, para a seção 3.3

cuidar das práticas lúdicas desenvolvidas nas escolas, abordando o sentido atribuído pelo

professor às práticas lúdicas infantis e às brincadeiras postas nas várias situações (com as

subseções 3.3.1 e 3.3.2). Na seção 3.4 estão delineadas as atitudes do professor nos momentos

do brincar, em relação aos fatores que interferem nas oportunidades dadas ao brincar e aos

lugares em que as crianças brincam na escola (com as subseções 3.4.1, 3.4.2 e 3.4.3),

seguindo-se a Conclusão da pesquisa (Cap. 4) e as referências bibliográficas que embasam

teórica e empiricamente o estudo.

Chamo a atenção para as referências que faço às turmas observadas como turmas de

quatro anos e turmas de seis anos, a fim de tornar a nomenclatura comum às turmas da

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Educação Infantil das escolas observadas, pelo fato de cada escola adotar uma nomenclatura

diferente para cada turma. Assim, nas escolas públicas, a Educação Infantil é divida em

períodos. As turmas de quatro anos são chamadas por 1º período, as de cinco anos, 2º período

e as de seis anos 3º período. Na escola particular de pequeno porte, as turmas eram

denominadas Jardim I, II e III, para as idades de quatro, cinco e seis anos, respectivamente.

Por fim, na escola particular de grande porte, não havia divisão de turmas por idade nos

jardins, isto é, eram compostas por crianças de quatro a seis anos, e as do maternal eram

constituídas por crianças de um ano e oito meses a três anos, na intenção de seguir o modelo

familiar, próprio da Pedagogia Waldorf7.

7 Esta é uma pedagogia com uma filosofia bastante específica que concebe o homem como uma unidade harmônica físico-anímico-espiritual e sobre esse princípio fundamenta toda a prática educativa. Um dos seus objetivos é desenvolver a auto-educação como caminho para a consolidação dos princípios humanos na síntese do pensar, sentir e agir, promovendo o desenvolvimento de seres humanos livres, capazes, por eles próprios, de dar sentido e direção às suas vidas.

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2. METODOLOGIA

2.1. A Pesquisa-Piloto e a Definição dos Procedimentos A metodologia de pesquisa adotada neste trabalho é a qualitativa e do tipo etnográfico,

usando como suporte teórico as abordagens histórico-cultural do desenvolvimento e

socioantropológica do jogo. A opção metodológica decorre do que o trabalho se propôs

realizar: uma descrição, explicação ou interpretação do que as pessoas (sujeitos que compõem

as escolas pesquisadas, principalmente os professores) estão fazendo (em relação aos vários

momentos em que o lúdico se faz presente), isto é, encontrar, descrever e documentar os

significados dos fatos (das práticas lúdicas ocorrentes na escola) e das ações dos sujeitos

implicados nestas práticas (professores).

Geertz (1989) complementa esse pensamento, assinalando o que define um

empreendimento etnográfico - “o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco

elaborado para uma descrição densa” (p. 4), cujo trabalho não é mera descrição, mas um

estudo que engloba o que é produzido, percebido e interpretado.

A pesquisa, à medida que deu aza a descoberta de outros conceitos, novas relações e

formas de entendimento da realidade, também possibilitou a descoberta de uma diferente

perspectiva sobre a prática do brincar na Educação Infantil, pois já possuía a visão marcada

pela minha experiência como professora nessa etapa da educação. A experiência de realizar o

estudo em uma cidade diferente da que tive a oportunidade de vivenciar a minha experiência

como professora da Educação Infantil, ao mesmo tempo permitiu dimensionar tanto as

diferenças quanto aquilo que parece comum à prática da Educação Infantil, favorecendo-me

outro ângulo de visão, na medida em que descobria um contexto diferente do que era a mim

familiar.

Segundo André (2003), tradicionalmente, são associadas à Etnografia as seguintes

técnicas: observação participante (o pesquisador tem um grau de interação com o meio

pesquisado), entrevistas (conversas) informais intensivas e a análise de documentos. Em

conformidade com esses princípios, nesta pesquisa me propus a utilizar esses procedimentos

para o trabalho de campo. Antes mesmo de iniciar mencionada fase, propriamente dita, decidi

realizar um estudo-piloto a fim de experimentar esses procedimentos metodológicos e assim

poder delinear os que seriam utilizados na investigação.

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Nesse intuito, realizei previamente a pesquisa-piloto em duas escolas de Educação

Infantil, sendo uma pública e outra particular, a fim de definir os procedimentos

metodológicos capazes de trazer respostas às minhas questões. Assim, experimentei alguns

procedimentos definidos a priori, e constatei que alguns serviam, mas outros deveriam ser

modificados, enquanto outros poderiam ser adotados.

Para encontrar subsídios que me possibilitassem respostas acerca do papel do lúdico

na escola de Educação Infantil, comparativamente entre a escola pública e privada, utilizei-me

da observação por dois dias consecutivos em cada escola, observando toda a rotina,

comportamentos dos sujeitos e tentando descrever tudo que era percebido.

Mediante a observação da rotina nas escolas durante a pesquisa-piloto, constatei que

esse procedimento me possibilitava perceber os fatos, comportamentos e cenários do objeto

de estudo. Utilizei-me da observação não estruturada8 na concepção de que os

comportamentos são observados e relatados tal como ocorrem, não sendo assim

predeterminados, buscando compreender e descrever o que acontece em cada situação.

Por meio dessa observação verifiquei que, tanto na escola particular quanto na pública,

havia uma organização do espaço para as brincadeiras das crianças. Havia nas duas escolas

um grande espaço arborizado com tanques de areia, o parque bem equipado com vários

instrumentos (playgrounds, escorregadores, balançadores etc). Na escola pública, no entanto,

encontrei ainda mais diversidade e quantidade desses equipamentos. Além desse parque

utilizado pela pré-escola, existia um menor, que, apesar de conter menos equipamentos que o

da pré-escola, era utilizado somente pelas crianças pequenininhas da creche. Os equipamentos

desse parque são de tamanho mais adequado a esses pequenos escolares.

Na escola particular, havia boa quantidade de brinquedos de areia, enquanto na pública

esse número era bastante reduzido, mas encontrei pneus para as crianças brincarem, coisa que

não havia na particular. A própria estrutura da escola particular parecia ser pensada para o

brincar, tanto nos espaços amplos e arborizados em todo o terreno da escola quanto nas

estruturas que são aproveitadas, como na descida de um grupo de salas, que, além da escada,

tem uma “rampa”, que na realidade é um escorregador. Por muitas vezes, me deparei com

crianças escorregando ao sair das suas salas.

Apesar de as duas escolas disporem de uma hora de parque para as crianças, a escola

particular pesquisada reservava também outro tempo para o brincar: o “fora”, que era uma

atividade que não era no parque, mas podia ser realizada em qualquer lugar fora da sala de

8 Segundo Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2002), são também chamadas assistemáticas, antropológicas ou livres.

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aula durante meia hora; podia ser uma atividade dirigida, mas voltada para a brincadeira ou

mesmo o brincar livre, bem como um dia reservado para as crianças trazerem brinquedos de

casa para a escola. Ambas as escolas dispunham de pátios, que também podiam ser utilizados

para as brincadeiras das crianças.

Os brinquedos existentes na escola pública eram os que os pais traziam no começo do

ano junto aos materiais solicitados. Eles eram guardados junto com os materiais didáticos,

numa pequena sala, dentro de cada sala de aula. A professora relatou que são guardados a fim

de não desaparecerem, mesmo assim muitos somem, restando pouquíssimos. Talvez isso

também se reflita no fato de os brinquedos não ficarem disponíveis para as crianças utilizarem

nos momentos em que tenham vontade ou na preocupação em “poupar” os brinquedos. Por

outro lado, na escola particular, estes ficam numa caixa no chão, disponível e no alcance das

crianças.

Ao observar a prática diária do professor em ambas escolas, notei que estes não

interferem no momento do brincar das crianças no sentido de restringir certas brincadeiras,

pois as crianças brincam em todo o espaço livre da escola e sobem nas árvores sem restrições.

Nas duas escolas, tinham elas oportunidade de brincar em sala, sendo que, na particular, eram

liberadas para pegar os brinquedos, sem que a professora interferisse nesta iniciativa,

enquanto na escola pública só acontecia quando a professora permitia e ela mesma entregando

os brinquedos.

Quanto à atitude do professor da escola particular, percebi uma certa sensibilidade em

reconhecer a necessidade das crianças terem seus momentos de brincar livre, em

compreender, pelas suas ações, quando o seu interesse estava voltado ao brincar, bem como

em criar oportunidades para o brincar. Percebi isso quando um menino quis filmar (a

professora estava filmando a turma) seu brinquedo e vê-lo na filmadora e a professora

entendeu sua necessidade; quando quiseram ir mais cedo ao parque e ela concordou, quando

quiseram brincar do lado de fora ao invés de ser dentro da sala, quando as crianças pegavam

brinquedos mesmo sem ser na hora determinada e a professora aceitava e também nos vários

momentos que não eram do brincar, mas que as crianças se sentiam à vontade para

expressarem-se de forma lúdica sem nenhum constrangimento.

Na escola particular, o que mais me chamou a atenção foi a freqüência com que elas

solicitavam dos professores que participassem de suas brincadeiras, tanto no parque como no

fora, o que também revela a sensibilidade desses profissionais em reconhecer a importância

desse momento para a criança. Não somente com os professores de suas salas, mas elas

sentiam abertura em relacionar-se com os outros professores e funcionários da escola. Uma

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das professoras da escola pública comentou comigo ser convidada pelas crianças, às vezes, a

participar das brincadeiras de casinha, como mãe...

Percebi ótimo relacionamento interpessoal na escola particular entre todos os que a

fazem, principalmente no que diz respeito ao relacionamento professor aluno. Percebi que

nesta os professores compreendiam mais o comportamento próprio da criança, pois eles não

chamavam a atenção dos alunos o tempo todo porque estavam “brincando na hora errada”,

isto é, as crianças se sentiam à vontade para agir brincalhonas nos momentos das outras

atividades e não eram reprimidas por isso. Na escola pública, presenciei algumas vezes o

professor chamar a atenção das crianças porque estavam envolvidas noutra situação, como

manipular um brinquedo que está em suas mãos, agir brincalhona com outro colega, sendo

que algumas vezes de forma autoritária. No geral, nesse primeiro contato, encontrei semelhanças e diferenças em ambas

realidades. Sobre as diferenças que observei, a mais marcante diz respeito ao uso dos

brinquedos pelas crianças. Na escola particular, são dispostos no alcance da criança e esta tem

possibilidade de se sentir à vontade para utilizá-los no momento que quiserem (quando não

estão em atividades pedagógicas ou da vida diária), enquanto que, na escola pública, esses

brinquedos permanecem guardados e só são utilizados mediante solicitação das crianças ao

professor, isto é, ele entrega a cada criança o brinquedo que ela vai utilizar.

Também, no que se refere à atitude do professor na sua atuação quanto aos momentos

do brincar, mesmo que em ambas eu tenha verificado a oportunidade dada ao brincar, na

escola particular, os professores estavam mais presentes, participantes e mais compreensivos

em relação às necessidades que a criança tem de brincar, ao contrário da escola pública.

Para encontrar as respostas acerca do papel do brincar no projeto pedagógico da

Educação Infantil, comecei por analisar o documento da proposta pedagógica a fim de

relacioná-lo com a prática da escola. Na escola pública, ao conversar com a assistente da

direção sobre o projeto pedagógico, ela relatou ser todo ele baseado nos parâmetros e no

referencial curricular para a Educação Infantil. Verifiquei a existência de um eixo que trata do

brincar. Na escola particular, onde tive a oportunidade de ler a proposta curricular, o brincar

aparecia no eixo curricular de todas as turmas com a denominação de “jogos dramáticos,

jogos simbólicos e/ou espontâneos”, ficando claro que é uma atividade de livre expressão e de

criação da criança.

Pelo exame dos documentos, entendi o modo como as atividades lúdicas eram

concebidas na escola e assim conferi que o uso dessa técnica era viável na minha pesquisa.

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Para encontrar respostas aos questionamentos que não foram subsidiados por

intermédio das observações, a princípio, utilizei conversas informais. No entanto, ao perceber

que esta técnica não possibilitava recolher informações que requeriam mais disposição, no

sentido do entrevistado estar com o tempo disponível para compor respostas mais elaboradas,

resolvi, então, lançar mão da entrevista. Isso porque, no contexto das conversas informais, os

professores sempre estavam em momento de trabalho com as crianças o que talvez

atrapalhasse sua concentração ao falar as respostas e pelo fato de, também, atrapalhar o

trabalho do professor, tirando sua atenção das crianças para a conversa.

Mesmo assim, algumas perguntas não podiam escapar do contexto, isto é, do momento

do acontecido como o que me intrigou num momento da pesquisa-piloto na escola pública, ao

perceber que as crianças ficavam à espera dos pais sem nenhuma atividade, somente sentadas

num canto da parede do pátio em frente às salas até às 12 horas, podendo chegar até 12h

30min, para algumas crianças cujos familiares demoravam a apanhar. Essa situação me

intrigou. Procurei, então, descobrir se havia algum fator por trás disso, porque percebi que as

professoras dão oportunidades de brincar para seus alunos em outros momentos, quando, por

exemplo, levavam as crianças para o pátio para brincar livremente.

Questionada por que as crianças não ficavam brincando na sala, enquanto esperavam

os pais, a professora argumentou que não era possível porque ao meio dia a faxineira tinha

que começar a limpeza haja vista a entrada das turmas da tarde ser às 13 horas e não dava

tempo de ela concluir a faxina começando depois. Não colocava também os brinquedos fora

porque antes, quando o fazia, os brinquedos começaram a desaparecer, o que explica, em

parte, o fato de os brinquedos estarem em tão pouca quantidade. Mesmo assim, as crianças

demonstravam querer brincar soltas pelo pátio, o que não era permitido pelas professoras,

demonstrando, assim, uma insensibilidade quanto a essa oportunidade que poderia ser dada.

Durante conversas informais, verifiquei que nem todos os professores da escola

particular eram somente pedagogos, alguns eram formados em Artes, Teatro, Música etc.

Ainda assim, julgo que sejam muito inteirados quanto ao assunto do lúdico na escola pelo fato

de estarem em constantes estudos sobre o desenvolvimento e a aprendizagem da criança.

Entretanto, na escola pública, fui informada pelas professoras que acompanhei, de que

ambas fizeram o curso de Pedagogia em Regime Especial9 na UNB. Nesse curso, elas

estudaram sobre a arte e o movimento, que tratou também da brincadeira, e nas disciplinas

que eram referentes à Educação Infantil.

9 Como professoras da rede pública que ainda não tinham a formação pedagógica, esse curso durou três anos em duas tardes por semana e aos sábados.

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Apesar de ainda ter utilizado as conversas informais, em alguns momentos cabíveis,

isto é, as conversas informais não foram desconsideradas como técnica importante para o

recolhimento de informações - utilizei entrevistas semi-estruturadas com os professores para a

obtenção de informações que seriam comuns aos professores das turmas observadas e também

algumas perguntas especificas para cada um deles surgidas como dúvidas conforme o que foi

percebido durante o período de observação.

Nesse sentido, adotei a técnica da entrevista pelo fato de que o informante estava num

âmbito no qual a sua atenção não deveria ser desviada para outros assuntos e não pelo fato de

desconsiderar a importância das informações obtidas num contexto informal. Isso é ressaltado

por González Rey (2000) “o valor da informação se define, diante de tudo, pelo que significa

para o conjunto de informações na pesquisa. A informação que aparece nos momentos

informais da pesquisa é tão legítima como a procedente dos instrumentos usados” (p. 57).

Nesse entendimento, essas entrevistas realizaram-se não como um procedimento a ser

utilizado a priori, mas somente depois das observações como complemento ao que não podia

ser visto, buscando compreender os significados atribuídos aos fenômenos pelos sujeitos

observados. A respeito disso, ALVES-MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER (2002)

complementam que ao usar a entrevista “o investigador está interessado em compreender o

significado atribuído pelos sujeitos a eventos, situações, processos ou personagens que fazem

parte de sua vida cotidiana” (p. 168). E ainda para LUDKE & ANDRÉ (1986), “a entrevista

permite correções, esclarecimentos e adaptações que tornam sobremaneira eficaz na obtenção

das informações desejadas” (p. 34).

Dessa forma, complementei idéias que não haviam sido concretizadas, confirmei

alguns pontos de vista que por mim haviam sido refletidos mediante a observação e esclareci

algumas dúvidas sobre a dinâmica e o sentido atribuído pelo professor às práticas lúdicas

infantis.

Em conseqüência da dificuldade que tive em realizar a pesquisa participante na escola

particular de pequeno porte durante a pesquisa-piloto, pelo fato de a Coordenação da escola

não conceder ao pesquisador (pois era de costume essa escola ser objeto de pesquisas) a

interação com as crianças, tive que escolher outra escola particular de pequeno porte para a

realização da pesquisa. Considerando essa mudança, optei por começar a pesquisa em espaços

novos, ainda não conhecidos por mim.

No período da pesquisa-piloto, na escola pública de Educação Infantil, por ter

realizado um comentário que demonstrou a minha admiração pelo grande espaço livre que

envolvia também o parque daquela escola, levou uma das professoras a comentar que, na

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realidade, as outras escolas eram bem diferentes daquela. A diferença residia na razão de que

esse prédio havia sido cedido pelo Governo Federal, onde anteriormente funcionava como

escola somente para os filhos dos funcionários federais. Esse também foi um dos motivos que

me levou a querer conhecer a outra realidade.

2.2. Caminhos e Desafios da Pesquisa de Campo O passo seguinte foi procurar saber junto à Secretaria de Educação de Brasília como

dispor da lista de escolas de Brasília. Passaram-me o endereço na Internet, onde encontrei a

lista das escolas particulares10 e a das escolas públicas11, para, a partir dela, poder visitar

algumas e escolher dentre estas as que seriam utilizadas para a minha pesquisa de campo. O

critério de escolha foi duas escolas que oferecessem apenas Educação Infantil que são

denominadas aqui como escolas de pequeno porte, sendo uma pública e outra particular, e

duas escolas que oferecessem Educação Infantil e Ensino Fundamental, denominadas aqui

como escolas de grande porte, sendo também uma pública e outra particular.

Tendo em mão essa listagem, deparei-me com outra dificuldade - a de distinguir entre

as várias siglas12 que designavam o tipo de estabelecimento de ensino público, os que seriam

úteis para minha pesquisa. Assim, tive que procurar ajuda com pessoas da Secretaria de

Educação, para me explicarem a diferença das escolas que residia em cada sigla, no sentido de

saber quais ofereciam apenas Educação Infantil e quais as que ofertavam também Ensino

Fundamental, conhecimento essencial para que eu pudesse realizar a escolha da escola.

Os Jardins de Infância são as escolas públicas de Educação Infantil que atendem

crianças de quatro a seis anos, isto é, a pré-escola. As escolas-classe são as escolas públicas

que ofertam o Ensino Fundamental I (1ª a 4ª série) e a maioria delas também oferece

Educação Infantil, algumas se limitando a atender somente crianças de cinco e seis anos e

outras somente as crianças de seis anos. A escola-classe por mim escolhida atendia crianças

de quatro a seis anos, pela minha preferência por observar as turmas de quatro e as de seis

anos. Ao definir quais escolas públicas seriam o objeto de estudo, solicitei na Secretaria de

Educação a permissão para efetivar a pesquisa.

10 http://www.se.df.gov.br/gcs/file.asp?id=3483. 11 http://www.se.df.gov.br/escolas/INFANTIL_2003.pdf. 12 CAIC (Centro de Atenção Integral à criança), CED (Centro Educacional - oferece o Ensino Médio e o Ensino Fundamental), CEF (Centro de Ensino Fundamental), EC (Escola Classe - Oferece o Ensino Fundamental), CEI (Centro de Educação Infantil - oferece creche e pré-escola), EN (Ensino Médio) e JI (Jardim de Infância).

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É importante destacar o fato de que, durante o período que passei visitando as escolas

para a escolha de algumas, encontrei dificuldade em conseguir uma escola particular de

grande porte que me acolhesse como pesquisadora. Algumas argumentaram que já havia no

interior da instituição muitas estagiárias e que não poderia mais incluir ninguém para não lotar

a escola com pessoas de fora. A coordenadora de outra escola argumentou que não haveria

nenhum problema quanto a realização de uma pesquisa em longo prazo na turma de quatro

anos, mas que via problemas quanto a realização na turma de seis anos, argumentando que

uma pessoa estranha na sala tiraria a atenção das crianças.

Quanto a isso, percebi que, durante a pesquisa de campo, minha presença nas turmas

de seis anos não tirou a atenção das crianças, a não ser um pouco no primeiro dia, pois as

crianças sentiam sempre vontade em conhecer o alguém estranho.

Outra escola pediu o meu projeto para ser analisado, quanto à proposta de pesquisa,

mas sempre que eu solicitava um retorno havia uma desculpa para ser adiada. Outra escola

solicitou que eu formalizasse o pedido, escrevendo uma carta contendo o meu objetivo de

pesquisa, procedimentos, a duração e as turmas pretendidas, mesmo já tendo explicitado tudo

isso verbalmente e entregando à escola a carta de apresentação da universidade sobre a minha

condição de pesquisadora. Apesar dessa escola ter demorado a me dar um retorno, quando o

fez, foi para dar a aceitação. Durante todo esse período, porém, não fiquei esperando respostas

para que eu pudesse realizar a visita a outras escolas. Assim, simultaneamente aguardava

resposta de aceitação, ao passo que também visitava outras escolas, constantemente.

Na escola particular de pequeno porte, não houve nenhum problema quanto à

aceitação. Fui bem recebida e compreendida no meu papel de estudante-pesquisadora pela

diretora da escola, pelo fato de que ela já havia passado pela mesma situação.

Ocorrências importantes que preciso registrar são as minhas impressões como

pesquisadora. No período da busca, senti que muitas professoras gostaram da minha presença,

até aproveitaram a minha disponibilidade em suas salas para pedirem uma “mãozinha”

quando precisavam. Não me incomodava em ajudar, mas, no início da pesquisa, muitas vezes

percebi que o meu papel de pesquisadora era confundido com o papel de professora ou de

estagiária por algumas docentes que, em vários momentos, me deixavam sozinha com a

turma. Talvez pelo fato de as professoras já possuírem o costume de receber muitas

estagiárias em suas salas, penso que disso advém uma confusão com o meu papel naquele

lugar. Logo que percebia que o meu papel ali não tinha sido realmente compreendido,

esclarecia-o, evidenciando também que a minha atitude seria a de participar ativamente de

todas as atividades propostas naquele lugar.

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Tinha a consciência de que o meu papel era de observar e não o de assumir a sala,

mesmo sabendo que me propus a imergir no contexto estudado como se fosse um membro do

grupo, permanecendo essa atitude em conformidade com a proposta da observação

participante. A respeito desse procedimento metodológico, Alves-Mazzotti e Gewandsznajder

(2002) consideram que “na observação participante, o pesquisador se torna parte da situação

observada, interagindo por longos períodos com os sujeitos, buscando partilhar o seu

cotidiano para sentir o que significa estar naquela situação" (p. 166).

Sei que isso faz parte e que muitos pesquisadores em sala de aula devem ter passado

por essa mesma situação, mas assumir o papel de substituta da professora não seria

interessante para mim como pesquisadora, já que a atitude dessa profissional com relação aos

momentos lúdicos também era fundamental para a minha pesquisa. Mesmo assim, por

algumas vezes assumi a sala de aula na falta da professora titular da turma e na ausência de

outra que pudesse substituí-la, mas, isso como uma contribuição ou retribuição ao que

também me foi dado, no sentido de a escola haver cedido seu espaço contribuindo com a

investigação.

Em algumas escolas, de início, a minha posição no local de pesquisa era somente a de

observar e, logo que conseguia conquistar a confiança das pessoas do grupo, passava a me

envolver nas atividades, isto é, passava para uma condição de participante. Em geral, porém,

isso demorava cerca de dois dias, pois, normalmente, no decorrer do segundo dia de

observação, essa ‘barreira’ era superada. Percebi que isso que chamei de barreira decorria do

impacto sofrido pela professora ao saber que alguém estranho estaria ali em sua sala.

Aconteceu que uma das professoras da escola pública de pequeno porte, uma vez, me

questionou se eu tinha comentado algo à Direção da escola a respeito do trabalho que ela

estava desenvolvendo em sua turma, no que concerne a atividades, conteúdos e estratégias de

ensino. Mais uma vez tive que esclarecer que meu papel era de pesquisadora e não de fiscal

da qualidade do trabalho realizado pela professora. Sempre que realizava a explicação mais de

uma vez para a mesma professora, procurava em mim mesma reconhecer em que eu havia

deixado transparecer em minha fala ou mesmo em meu comportamento algo que poderia ter

levado esta pessoa a ter chegado a esse pensamento - de certa forma inquietante - ao ponto de

levá-la a indagações.

Esses esclarecimentos que essas professoras algumas vezes me solicitavam, porém

entendo positivamente como forma de adquirir confiança na pessoa estranha, pois notei que

necessitavam saber em que medida elas podiam se sentir à vontade em minha presença, no

sentido de não precisar comportar-se de maneira diferente da que era por elas habitual.

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Acerca disso, Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2002) comentam que das

habilidades exigidas do observador participante, uma delas é ser capaz de estabelecer uma

relação de confiança com os sujeitos. Complemento essa opinião com as palavras de NETO

(1994) dizendo que “as capacidades de empatia e de observação por parte do investigador e a

aceitação dele por parte do grupo são fatores decisivos nesse procedimento metodológico, e

não são alcançados através de simples receitas” (p. 61).

Lüdke & André (1986) ressaltam que pode acontecer que o pesquisador comece o

trabalho como um espectador e vá gradualmente se tornando um participante, mas vejo que

esse não foi o meu caso, porquanto que o que me aconteceu foi apenas uma pequena demora,

comum quando pessoas não se conhecem, em estabelecer o início de uma relação.

Na condição em que me encontrava, numa escola onde eu não era conhecida por todos

que ali trabalhavam, deparei-me muitas vezes com pessoas (funcionários e professoras de

outras turmas) que me perguntavam o que fazia ali na escola, qual o meu trabalho ou papel.

Algumas pessoas realizavam a pergunta, expondo o que pensavam ser o meu papel, como no

dia em que uma das auxiliares de uma das turmas do maternal da escola particular de pequeno

porte me questionou se eu era auxiliar da professora do Jardim III. A partir da explicação que

realizava acerca do meu papel, a maioria dessas pessoas queria conversar um pouco mais

sobre o curso do mestrado ou mesmo sobre a minha pesquisa.

A pesquisa, então, possui um corpus composto de observações de quatro escolas,

sendo duas particulares e duas públicas, e entrevistas com oito professores, sendo quatro da

escola pública e quatro da escola particular. Os sujeitos da pesquisa foram as professoras, e as

crianças, estas de ambos os sexos.

A coleta foi realizada da seguinte forma: primeiramente, por meio de observações do

espaço físico da escola, da existência ou não de brinquedos, dos equipamentos destinados a

atividades lúdicas e da organização destes. Em segundo lugar, de observações a serem feitas

sobre a rotina da turma (sala, recreio, hora do lanche...) quanto às práticas lúdicas

desenvolvidas na escola, bem como o comportamento do professor nos momentos lúdicos.

Em terceiro lugar, foram analisadas as propostas pedagógicas das escolas. Finalmente, as

entrevistas com as professoras.

A observação foi realizada em cada escola em duas turmas - uma de quatro anos e uma

de seis anos. Cada turma era observada um dia na semana, de forma que a observação se dava

duas vezes por semana, em cada escola. Adotei então um sistema de rodízio nos dias da

semana de modo que pude observar cada turma em vários dias da semana a fim de verificar as

atividades que se diferenciavam na rotina, conforme cada dia.

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Na pesquisa de campo, com o procedimento da observação, verifiquei quais os

espaços e equipamentos lúdicos existentes em cada escola, quais eram utilizados pelas turmas

observadas, por quanto tempo em quais dias na semana, se havia brinquedos em quantidade e

diversidade, onde estavam localizados estes brinquedos, em que momentos eles eram

utilizados e qual o comportamento das professoras nos momentos lúdicos.

Pelas entrevistas verifiquei a formação do professor da Educação Infantil, bem como

se nessa formação foi contemplado o assunto acerca da importância do brincar para a criança,

como essa formação contribui no modo como o professor entende o brincar na escola, além de

conhecer algumas concepções dele a respeito da atividade lúdica na escola.

A forma de registro durante a entrevista foi a utilização do gravador para capturar com

precisão as falas das professoras entrevistadas, além de evitar tomar muito o seu tempo. Desse

modo, a minha atenção não foi desviada para o ato da escrita e sim para ouvir e perceber as

reações dos sujeitos ao ouvirem a pergunta e ao emitirem as respostas. A respeito disso Lüdke

& André (1986) ensinam que “a gravação tem a vantagem de registrar todas as expressões

orais, imediatamente, deixando o entrevistador livre para prestar toda a sua atenção ao

entrevistado” (p. 37).

É também evidenciada por Lüdke & André (1986) a idéia de que o uso do gravador no

momento da entrevista “pode representar para alguns entrevistados um fator constrangedor”

(p. 37), pois muitas pessoas não se sentem à vontade em ter sua fala gravada. Notei que

algumas professoras ficaram um tanto intimidadas quando lhes falava que ia usar o gravador.

Percebi que isso, porém, era só um fator preliminar, no sentido de que, ao explicar-lhes que

usaria esse equipamento porque ficaria difícil conseguir escrever tudo que ela falava, porque

seria mais rápido e que poderíamos conversar mais despreocupadamente, elas consentiam

(pois sempre pedia permissão para usar o gravador) e logo a presença daquele aparelho não

mais as incomodava.

A partir da análise das propostas pedagógicas, verifiquei como a atividade lúdica é por

elas contemplada, tanto na determinação do uso dos espaços lúdicos da escola, como da

utilização de brinquedos, na definição de critérios de uso, de permanência por turma, de

aproveitamento pedagógico e do papel do professor; também, relacionei com a prática

desenvolvida na escola.

Os indicadores, definidos para a obtenção das respostas e que possibilitaram a relação

comparativa entre a rede pública e privada, foram os seguintes:

• a definição da atividade lúdica no projeto pedagógico das escolas;

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• a organização dos espaços e tempo, brinquedos e equipamentos destinados à atividade

lúdica; e

• a dinâmica e o sentido atribuído pelo professor às práticas lúdicas infantis.

Os registros dos dados obedeceram aos seguintes procedimentos: documentados em

diário de campo, de forma a descrever a escola, a sala de aula, os fenômenos, os

comportamentos dos sujeitos, toda a rotina das salas de aula, incorporando todas as minhas

interpretações acerca dos fenômenos e comportamentos, além de registrar as falas dos

sujeitos13, meus questionamentos, dúvidas e também impressões acerca da minha posição de

pesquisadora dentro da escola.

Os registros diários não foram realizados no local observado, porque, na minha

condição de participante, estava o tempo todo em atividade. E, também, ao ocupar-me de

registros escritos, isto ocasionaria perdas de fatos observáveis, diminuiria a minha percepção

dos acontecimentos, além de que poderia propiciar o desvio da atenção dos sujeitos para

minha atividade de escrita. Assim, os registros eram realizados logo após o término da

observação, depois da saída do local. Esse cuidado reside na preocupação em não perder a

memória do que foi observado e percebido sobre os acontecimentos no local de estudo.

Na medida em que aconteciam as observações e as registrava em diários de campo,

realizava também as análises dos dados. Nesse sentido, as análises não se iniciaram somente

ao término do período da coleta de dados, mas elaborados simultaneamente. A respeito da

prática dessa operação González Rey opina: O papel ativo do pesquisador determina que a produção de idéias represente um continuum que atravesse todos os momentos do desenvolvimento da pesquisa, o qual se torna impossível separá-la em uma fase de provisão e outra de interpretação dos dados. [...]. As etapas de coleta e análise de informação14 aparecem na pesquisa qualitativa como um continuum em que se interpenetram, o que por sua vez gera a necessidade de buscar mais informação e de usar novos instrumentos. [...]. (2000, p. 76-77).

Dessa forma, as informações eram constituídas ao longo da pesquisa, ao passo que

eram simultaneamente analisadas. Na medida em que eu encontrava nas escolas novos

sentidos atribuídos às atividades lúdicas, minha perspectiva se voltava mais a perceber em

quais situações semelhantes os mesmos sentidos já percebidos eram novamente atribuídos ao

13 Ressalto que só foram registradas as falas que interessavam às minhas análises, isto é, referentes aos momentos e atividades lúdicas. 14 Observemos que em Gonzalez Rey, as expressões análise e coleta de dados são substituídas pelas dicções análise e coleta de informações, pois, para esse autor, há uma construção da informação, no entendimento de que a informação também está na capacidade interpretativa do pesquisador.

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lúdico; isto é, mediante as situações de atividades lúdicas, nos vários lugares onde essas eram

realizadas (parque, sala, brinquedoteca) e no comportamento desenvolvido pelos sujeitos,

passei a estabelecer relações entre ações e intenções que caracterizavam um sentido ao lúdico.

Os dados observacionais foram então agrupados, permitindo-me elaborar, segundo o

objetivo ou sentido atribuído à atividade lúdica proposta pelo professor, algumas categorias na

seqüência relacionada:

• Lúdico-livre: a atividade lúdica é uma oportunidade de promover um momento

exclusivo para o brincar, a critério da criança. O lúdico, então, adquire o sentido de

afirmação do desejo da criança e, como tal, é valorizado.

• Lúdico-opcional: a criança é livre para escolher entre diferentes opções de

atividades lúdicas que lhe são oferecidas. Nesse sentido, a atividade é conduzida

pela criança, mas as possibilidades são controladas pelo adulto, na medida em que

estão determinadas a escolha das atividades.

• Lúdico-dirigida: a atividade lúdica é proposta como uma oportunidade de

promover um momento exclusivo para o brincar, porém, a critério do professor.

Assim, a atividade lúdica é valorizada, mas a iniciativa da criança (liberdade de

escolha) é confiscada mesmo que decisões possam ser negociadas.

• Lúdico-ocupacional: a atividade lúdica é proposta no intuito de ocupar o tempo

ocioso entre uma atividade pedagógica e outra. Dessa forma, o lúdico é tolerado,

permitido, mas enquanto tal desvalorizado.

• Lúdico-didática: a atividade lúdica tem o propósito didático, isto é, é utilizada

como meio para atingir a aprendizagem de certos conteúdos pedagógicos. O

professor ainda pode utilizar o lúdico como uma forma de preparar a criança para

realizar uma atividade didática. Dessa forma dividindo a atividade didática em

dois momentos: um lúdico e um didático. Nesse aspecto, a iniciativa, direção e

controle de resultados e o próprio sentido da atividade estão a serviço do adulto, de

modo que seu valor está subjugado aos resultados pedagógicos.

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2.3. As Escolas Observadas: Descrição dos Espaços.

Quadro 1. Esquematização do locus e sujeitos da pesquisa.

ESCOLA TIPO DE ESCOLA TURMAS IDADE DAS

CRIANÇASNÚMERO DE

PROFESSORASEscola de Educação

Infantil E.Pa.P.P

6 maternais 5 jardins 1 berçário

4 meses a 7 anos

12 professoras 5 auxiliares

Jardim de Infância E.Pb.P.P

2 - 1° período 4 - 2° período 4 - 3° período

4 a 6 anos 11 professoras

Escola Classe E.Pb.G.P

2 - 1° período 2 - 2° período 2 - 3° período 2 - 1ª série 2 - 2ª série 2 - 3ª série 2 - 4ª série

4 a 10 anos 14 professoras

Escola de Educação

Infantil e Ens. Fundamental

E.Pa.G.P

2 maternais 3 jardins 1 - 1ª série 1 - 2ª série 1 - 3ª série 1 - 4ª série

1 ano e 8 meses a 10 anos

13 professoras

E.Pa.P.P – Escola particular de pequeno porte E.Pb.P.P – Escola pública de pequeno porte E.Pb.G.P – Escola pública de grande porte E.Pa.G.P – Escola particular de grande porte 2.3.1. A ESCOLA PARTICULAR DE PEQUENO PORTE

Essa é uma creche-escola situada no Bairro Asa Norte da cidade de Brasília, que

atende crianças de quatro meses a seis anos, composta de seis turmas de Maternal, cinco

turmas de Jardim e uma turma de Berçário. O turno de observação nessa escola foi à tarde,

que possui três das cinco turmas de Jardim. O horário da aula é das 14 às 18 horas.

A escola possui três pavimentos: o térreo, onde se encontram as salas dos jardins I, II e

III, a cozinha, o refeitório, um pátio, um banheiro para adultos, dois banheiros de crianças,

sendo um para os meninos e o outro para as meninas, a coordenação, sala de professores, a

secretaria, a diretoria e a recepção.

No pavimento superior, encontram-se as salas dos berçários e dos maternais, um

lactário, uma sala para trabalhos artísticos com materiais apropriados para essa atividade, um

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espaço aberto ao sol onde havia uma horta e um espaço aberto com mesinhas e cadeirinhas

plásticas e em cores variadas, apropriadas para crianças bem pequenas.

No pavimento inferior, cuja maior parte se encontra em subsolo, e uma pequena (a

mais próxima do teto) de aproximadamente 50 cm, fica acima do chão. Nesse pavimento,

encontram-se as salas de balé, da informática, da Psicomotricidade e judô, da brinquedoteca,

um espaço aberto (pátio) com equipamentos lúdicos emborrachados, escorregadores plásticos

e balançadores pendurados no teto.

As três salas dos jardins estão dispostas lado a lado junto ao pátio de aproximadamente

30m², cujo formato lembra uma letra L; na parte menor desse pátio, ficam três mesas coletivas

para lanche, postas em frente à cozinha, como um refeitório, cada mesa com dois grandes

bancos sem encosto, um em cada lado da mesa.

Na parte frontal da escola fica um playground em material plástico. Ao lado há um

viveiro de coelhos e uma pequena quadra de esportes de aproximadamente 30m². Na parte de

trás da escola há um espaço todo ocupado por um tanque de areia de aproximadamente 400m²

onde fica o parque com playgrounds, balançadores de vários modelos, gira-giras e

escorregadores. Numa das laterais da escola, onde há um gramado, também se encontram três

equipamentos lúdicos apropriados para crianças bem pequenas.

As salas de aula dos jardins são de aproximadamente 25m². A mobília da sala da turma

de quatro anos é composta de três mesinhas coletivas redondas com cadeirinhas, armários

com materiais didáticos, sendo que dois deles têm a altura compatível com a das crianças,

outro numa pia de cozinha que há dentro da sala, mais dois aos quais as crianças não têm

acesso. No meio da sala há uma lousa grande, mas não de alcance ideal para as crianças, pois

apenas conseguem riscar a parte mais baixa desta. Há uma mesa grande com cadeira para a

professora. Uma das paredes da sala é arredondada, onde as crianças se encostam ao sentarem

no chão formando a rodinha. Nas paredes estão coladas as atividades das crianças, papéis-

madeira com letras de música infantil e um quadro com os nomes das crianças, do tipo de um

quadro com crachás. Não vi nenhum brinquedo15 nessa sala, apenas jogos de construção,

quebra-cabeças, entre outros jogos.

A sala de aula da turma de seis anos (Jardim III) tem o mesmo aspecto da sala de aula

da turma de quatro anos. As diferenças são que nessa sala não há pia, a parede da parte

arredondada da sala (lugar da rodinha) é ocupada com armários encostados nela e as mesas

(do tipo que tem lugar para por os livros em baixo) e cadeiras são individuais. Em cada

mesinha há colado o nome de cada uma das crianças. As mesinhas que de início estavam 15 Refiro-me a brinquedos que trazem uma imagem representativa do real, como objetos e pessoas.

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dispostas em três fileiras voltadas para o quadro, depois foram juntas formando um círculo.

Em todos os objetos da sala havia uma etiqueta colada com o nome do objeto em letra bastão.

2.3.2. A ESCOLA PÚBLICA DE PEQUENO PORTE

Esse é um Jardim de Infância localizado no Bairro Asa Norte da cidade de Brasília,

composto de dois jardins I, quatro jardins II e quatro jardins III, num total de cinco turmas

pela manhã e cinco à tarde. O período de observação nessa escola foi o turno da manhã, que

tem uma turma de 1º período16 (quatro anos), duas de 2º (cinco anos) e duas de 3º período

(seis anos). O horário da aula é das 7h 30min às 12h 30min.

Há um pátio no centro da escola e as salas de aula, secretaria, direção, cozinha, ficam

ao seu redor. Ao lado da cozinha há o refeitório, um espaço circundado por meias paredes

(paredes de aproximadamente 1m de altura) onde se encontram juntas duas mesas grandes,

formando uma grande mesa, adequadas ao tamanho das crianças, rodeadas por bancos

coletivos. Por trás do refeitório, no corredor que dá acesso ao parque, há um grande lavatório

de mãos com várias torneiras apropriadas à altura das crianças.

Nas paredes da escola, existem gravuras de crianças e animais pintadas em tons pastéis

na própria parede, todos com formas arredondadas e de aspectos fofinhos, cuja imagem traz

uma representação adulta da infância.

Na parte traseira da escola, há um parque equipado com vários playgrounds, um

escorregador, entre outros equipamentos, dentro de um grande tanque de areia. Junto à

entrada do parque há uma mangueira que é usada para as crianças lavarem os pés ao saírem

do parque.

A sala de aula da turma de quatro anos é de aproximadamente 28m². Logo na entrada,

há duas pias de lavar as mãos e um depósito de papel-toalha fixado na parede, tudo de altura

apropriada para as crianças. Ao lado das pias, há um banheiro também com as louças

apropriadas ao tamanho das crianças.

A mobília da sala é composta de um grande balcão junto a uma parede e embaixo dele

existe um armário trancado; uma estante (do tipo escaninho) com altura semelhante à das

crianças com caixas de madeira contendo materiais didáticos e outras com jogos (peças para

encaixe, dominós de gravuras, dominós convencionais e quebra-cabeças); sete mesinhas

quadradas coletivas com quatro cadeirinhas cada qual. Uma das mesas é usada pela

professora, que não tem uma mesa apropriada para ela. No meio da sala há uma lousa grande 16 As turmas nos jardins das escolas públicas trazem essa nomenclatura.

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cujo alcance das crianças só é possível na parte mais baixa. Nas paredes estão coladas muitas

gravuras de personagens da cultura lúdica infantil (Garfield, Bob esponja, Turma da Mônica),

um quadro plastificado com os nomes e fotos das crianças e um calendário de madeira

(industrializado).

Num canto da sala há um espaço reservado com uma mobília toda em madeira pintada

de verde em tom pastel para brincadeira de faz de conta, onde há uma mesinha com quatro

cadeirinhas (ainda um pouco menores do que as de uso na sala), um fogão, uma penteadeira

com espelho e uma cama. Brougère (2004) comenta que as cores em tons pastéis foram por

muito tempo associadas à infância, mas hoje em dia as cores mais vivas são amplamente

utilizadas, como veremos nas fotos, no próximo bloco, das mobílias e brinquedos nas outras

escolas e nos próprios objetos lúdicos que compõem o parque desta escola. Ao redor dessa

mobília há duas grandes estantes de madeira pintadas da mesma mobília e de alcance das

crianças. Uma das estantes tem livros de histórias e a outra é completa de brinquedos de uso

na areia (pás, peneiras, carrinhos-de-mão, baldes etc.). Na parte de trás da sala há uma porta

que dá acesso a uma varanda (a professora assim o chamou) com piso cimentado. Lá existem

uma pequena lousa de alcance das crianças e uma torneira com mangueira. A parede da

varanda tem aberturas que permitem uma visão, mesmo que estreita, do lado de fora da

escola. É importante ressaltar que as varandas são pertencentes a cada sala, isto é, o acesso a

ela só pode ser feito pela sala que a possui.

A sala da turma de seis anos é diferente das outras quatro da escola. Seu tamanho é

menor, de aproximadamente 20m², por isso não tem espaço suficiente para a casinha (mobília

de faz de conta). O material está guardado na escola, mas não foi posto na sala por falta de

espaço. Essa sala também não possui a varanda. O banheiro é menor e o lavatório de mãos

encontra-se dentro do banheiro. A mobília é composta de duas estantes do tipo escaninho, de

alcance das crianças, uma com jogos, livros de literatura infantil e revistas em quadrinhos e

outra com materiais didáticos. Há dois armários de aço de uso da professora (um para cada

turno) e sete mesinhas quadradas de uso coletivo com quatro cadeiras cada uma. Uma é para

uso da professora. Nas paredes há muitos desenhos e um calendário de madeira

industrializado; próximo à porta do banheiro há um filtro daqueles ligados a rede de água que

fazem ozonização (existente em todas as salas) e uma lousa grande do outro lado.

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A turma de seis anos, pelo fato de ter uma criança com síndrome de Down, tem apenas

12 crianças, diferente das demais turmas que comportam 28; daí a explicação do número de

crianças ser menor. 17

2.3.3. A ESCOLA PÚBLICA DE GRANDE PORTE

Essa é uma escola classe localizada no Bairro Asa Norte da cidade de Brasília, que

atende crianças de quatro a dez anos, composta de seis turmas de Educação Infantil, sendo

duas de 1º período, duas de 2º e 2 de 3º período; oito turmas de Ensino Fundamental, sendo

duas de 1ª série, duas de 2ª série, 2 de 3ª série e duas de 4ª série, de forma que em cada turno

são ofertadas uma turma de cada série do Ensino Fundamental e uma turma de cada período

da Educação Infantil. O turno de observação nessa escola foi o da manhã, cujo horário da

aula é idêntico ao do Jardim de Infância.

Na parte frontal da escola, fica o parque, dividido em duas partes. Na entrada interior

do prédio, estão as salas da administração, coordenação, secretaria, dos professores, de

informática, os banheiros das crianças da Educação Infantil, a biblioteca e um pequeno espaço

reservado, onde fica a brinquedoteca.

Após uma meia-grade (do tipo um portão baixo), ficam as salas de aula, o banheiro

das crianças do Ensino Fundamental e a cozinha, todas esses compartimentos circundando um

pátio de aproximadamente 300m². São três salas de aula de um lado, uma para cada turma de

Educação Infantil, e a cozinha; do outro lado, as quatro salas de Ensino Fundamental, uma

para cada série, e os banheiros. O pátio tem um teto baixo, com telhado de amianto, tornando-

o muito quente (deve ser apropriado para o tempo frio), porém o pátio tem vários ventiladores

grandes de parede. Num canto do pátio, há dois canteiros de plantas. Nas paredes dos pátios,

há flanelógrafos com os trabalhos dos projetos desenvolvidos nas turmas.

A sala da turma de seis anos tem aproximadamente 28m², mas com muita mobília. São

oito mesinhas coletivas quadradas com quatro cadeirinhas cada; uma mesa grande com

cadeira para a professora; três estantes de tamanho médio, uma com materiais didáticos, outra

com livros de literatura infantil e outra com jogos (quebra-cabeças, dominós, peças para

encaixe), à altura das crianças, e dois armários de aço; uma mesinha com um suporte-baby e

garrafão de água e uma mesinha pequena individual junto à lousa. Há um grande balcão de

17 No final do período da pesquisa de campo, no segundo semestre letivo, na ocasião de uma outra visita à escola, verifiquei que a turma mencionada já constava da quantidade de alunos igual às outras turmas pelo motivo da saída da criança com síndrome de Down.

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alvenaria numa lateral inteira da sala com prateleiras embaixo, formando um armário fechado

somente por uma cortina, onde são guardados também materiais didáticos e os brinquedos

(brinquedos de uso na areia).

Por trás da sala, havia uma varanda semelhante à existente no Jardim de Infância,

acrescentando uma pia de lavar mãos, apropriada ao tamanho das crianças. As mesinhas

ficam dispostas de modo que fique um espaço no centro da sala para fazer atividades. Nas

paredes há gravuras grandes coladas, vários alfabetos e um calendário confeccionado num

suporte de material plástico cheio de bolsões transparentes. De um lado da sala, há um

flanelógrafo e do outro a lousa. Abaixo da lousa há as atividades, feitas pelas crianças, fixadas

num cordão com prendedores de roupas em madeira.

A sala da turma de quatro anos tem o mesmo aspecto da sala da turma de seis anos

com a diferença da existência das mesinhas, que são também coletivas, mas são de forma

retangular e com seis cadeirinhas cada uma. Ao todo, a sala tem cinco mesas pequenas, o que

a deixa com maior espaço. Há também ali bichinhos de pelúcia. Questionei-me com o fato de

haver bichinhos de pelúcia apenas na turma de quatro anos e não na turma de seis anos da

mesma escola. Brougère (2004) relata que, em uma pesquisa com os pais sobre os brinquedos,

ao se tratar de bichinhos de pelúcia, a maioria dos pais via esse brinquedo como um objeto

que “traz para a criança alguma coisa que deriva da suavidade, da ternura, da companhia”(p.

30) ou ainda com outras funções, como a de decoração, mas quase nunca como um brinquedo.

Será que há professores que também pensam assim? Questiono-me porque, em ambas as

salas, havia os demais brinquedos, somente as pelúcias ficaram excluídas da sala da turma de

seis anos.

2.3.4. A ESCOLA PARTICULAR DE GRANDE PORTE

Essa é uma escola situada no Bairro Lago Norte da cidade de Brasília, que atende

crianças de um ano e oito meses a dez anos, composta de duas turmas de maternais e três de

jardins totalizando cinco turmas de Educação Infantil e quatro de Ensino Fundamental. As

turmas de Jardim são compostas por crianças de quatro a seis anos, todas juntas numa sala e

as turmas de maternal são compostas por crianças de um ano e oito meses a três anos. A

observação ocorreu nessa escola nos dois turnos - uma turma de Jardim pela manhã e outra à

tarde. É importante destacar que o Ensino Fundamental é ofertado apenas no turno da manhã.

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A escola tem grande espaço arborizado de aproximadamente 4000m², com várias

construções feitas pelas crianças do Ensino Fundamental que são: uma casinha de bambu e

uma casinha de alvenaria, utilizadas pelas crianças no horário do parque, e um forno de

alvenaria. Numa lateral desse espaço, há três balançadores industrializados e um feito de pneu

de carro e corda suspensos numa árvore.

Na lateral do terreno da escola há o parque, todo feito em madeira no estilo rústico, um

escorregador, duas gangorras, algumas mesinhas com banquinhos (tocos de troncos de

árvore), balançadores feitos com corda e pneu e balançadores de material industrializado; há,

também, um grande tronco de árvore deitado ao chão com vários galhos espessos, onde as

crianças sobem. Somente dois balançadores (conjuntos de três balanços) são feitos com

correntes e um material parecido com couro sendo que um deles fica fora do parque, no meio

do terreno da escola.

No parque, há também um tanque de areia e uma casinha sem teto feita de alvenaria

(essa não fora confeccionada pelas crianças), dentro de um cercado perto da casa do morador

(a escola tem um morador). No terreno do parque, há uma horta cultivada pelas crianças. Há

uma grande piscina rodeada de grade e protegida com tela, mas que não é utilizada pelas

crianças.

Na parte térrea da escola há duas salas de aula da Educação Infantil, uma do Ensino

Fundamental (leia-se 1ª série), a cozinha e a secretaria. As demais salas do Ensino

Fundamental ficam no pavimento superior (1º andar) e uma sala de Educação Infantil

(Jardim) fica numa sala um pouco abaixo do nível do térreo da parte da frente da escola, mas

fica no térreo vista pelos fundos, pois o terreno é desnivelado.

A sala do Jardim do turno da manhã é de aproximadamente 24m², com as mobílias de

madeira clara. Há três mesinhas retangulares com o tampo de madeira branca, cada uma com

seis cadeirinhas e uma cadeira um pouco maior para uso da professora. Há um escaninho com

gavetas do tipo prateleiras, utilizado para guardar as atividades das crianças; as gavetas têm o

nome de cada uma delas. Há alguns cavaletes que são utilizados para separar os ‘cantinhos’.

Há um cantinho com um colchão coberto com um lençol sob uma tenda de pano

amarelo. O cantinho dos brinquedos com carrinhos e um aviãozinho de madeira, bonecas de

pano, berço-balanço de madeira e um cesto de palha com roupinhas das bonecas. O cantinho

da cozinha tem uma mesinha de madeira com cadeiras, uma pequena estante com utensílios

reais, mas de tamanho pequeno, como panelas de alumínio de ferro, tábuas de cortar carne,

talheres, inclusive facas (facas de mesa que não pareciam ser amoladas), um grande cesto de

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palha com lençóis de vários tamanhos e cores e uma tábua de passar com um ferro de passar,

ambos de madeira. Esse espaço encontra-se abaixo de uma tenda de pano vermelho.

Há duas caixas de madeira dispostas como mesinhas; algumas têm brinquedos em

cima (todos de madeira). Há um cesto cheio de pequenas cabaças18 e outro cheio de pequenos

e finos tocos de árvore. Há prateleiras nas paredes, algumas com vasos de flores ou plantas,

outras com bonequinhos de pano (personagens de histórias, Chapeuzinho Vermelho, lobo,

entre outros).

Na sala, há uma cozinha com pia, e nela há sabão, esponja, escorredor de prato, pano

de prato. Na parede acima da pia, um porta-copos de aço inoxidável com as canecas do

mesmo material, das crianças; um armário de parede com alimentos (farinha de trigo,

margarina, óleo etc.). Num cantinho, uma vassoura, pano de limpar a mesa e uma lixeira.

Numa mesinha encostada na pia há um filtro de cerâmica. Ao lado do armário da cozinha, há

uma estante de madeira escura com alguns materiais didáticos (papel-ofício, giz largo de cera

de abelha e papéis de seda coloridos). Os gizes ficam em várias cestas de palha.

Há um banheiro próprio para criança, com duas divisórias. O lado dos meninos com o

desenho de um menino na porta e o das meninas com o desenho de uma menina na porta (os

desenhos feitos pelas próprias crianças). Na área comum do banheiro, há uma pia de lavar as

mãos, onde as crianças também fazem a higiene bucal após o lanche.

A sala tem o teto coberto por bandeja de ovos (as do tipo de papelão grande e de tom

cinza-claro) e algumas dobraduras de borboletas penduradas nele. O chão é de madeira

corrida e uma lateral da sala é toda de janela de vidro com cortinas brancas bem finas.

A sala de aula observada durante a tarde é bem parecida com a sala da turma vista no

turno da manhã, com duas diferenças - esta é maior, há nela uma cozinha noutro

compartimento separado, mas não há banheiro dentro da sala; as crianças dessa turma

utilizam um banheiro infantil que fica logo na saída da sala, mas a organização e os móveis

são idênticos aos da outra sala observada.

18 Segundo o dicionário Houaiss (eletrônico), a cabaça é comum às plantas da família das cucurbitáceas e a uma da família das bignoniáceas, cujas cascas dos frutos são muito duras e usadas no fabrico de objetos. São também conhecidas como: fruto do cabaceiro-amargoso; abóbora-d'água, binda (ANG), botefa, boteifa, botelha, cabaça-amargosa, cabaça-de-colo, cabaça-de-romeiro, cabaça-de-trombeta, cabaça-purunga, cabaço-amargoso, calabaça, calondro, catuto, cocombro, colombro, colondro, porongo, purunga, purungo, taquera.

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39

2.3.4.1. A pedagogia Waldorf19

A pedagogia Waldorf surgiu após a primeira guerra mundial, numa contextualização

de caos social e econômico oriundo das conseqüências da guerra. Rudolf Steiner20

impulsionou no seio do movimento social de iniciativas da cidadania, em Württemberg na

Alemanha, os princípios da “Trimembração do Organismo Social21”. Segundo Steiner, uma

sociedade só pode configurar-se e desenvolver-se de forma sadia e adequada às solicitações

da época se levar em conta as dimensões essenciais do ser humano.

O surgimento da escola Waldorf se deu a partir do impulso social de trimembração.

Emil Molt, diretor da fábrica de cigarros Waldorf/Astória em Stuttgart na Alemanha, era um

comprometido colaborador do Movimento pela Trimembração do Organismo Social e dispôs

que se proferissem palestras para seus empregados sobre temas sociais e educativos. Como

conseqüência, surgiu entre os trabalhadores o desejo de que seus filhos recebessem uma

educação escolar mais adequada às reais necessidades do desenvolvimento humano na

modernidade.

Nesse contexto, Molt pediu a Steiner que lhe ajudasse a organizar, segundo sua

concepção sócio-antropológica, uma escola para os filhos dos operários de sua fábrica.

Depois de um intenso estudo sobre pedagogia, didática e metodologia com os docentes que

trabalharam com Steiner para a elaboração da sua proposta pedagógica, em setembro de 1919

começou a funcionar a primeira escola Waldorf, em Stuttgart na Alemanha, com 12 docentes

e 256 alunos.

Em 1956 surgiu a primeira escola Waldorf no Brasil em São Paulo, integrada à

realidade brasileira. Em 1970 nasceu o primeiro Seminário de Pedagogia Waldorf no Brasil

com o objetivo de atender à crescente necessidade de formação e aprimoramento na

pedagogia Waldorf. Hoje o seminário tornou-se um centro de formação de professores que

funciona como Escola Normal.

Como as escolas Waldorf têm um método próprio, todos os professores das escolas

que adotam essa pedagogia, além de possuírem a habilitação exigida pela legislação de

ensino, participa de cursos de formação especialmente fundamentados na pedagogia Waldorf.

Dessa forma, todos os docentes cursam esse seminário de aprofundamento na pedagogia 19 Informações retiradas da proposta pedagógica da escola Waldorf pesquisada e da revista Viver Mente e Cérebro. 20 Nasceu em Kraljevic (atual Croácia) em 1861 e faleceu em 1925. Estudou ciências naturais e matemática na Universidade Tecnológica de Viena, dedicando-se também nos estudos de temas políticos-sociais, realizando estudos literários e filosóficos. 21 Princípios com base nas dimensões específicas do ser humano - o pensar, o sentir e a vontade.

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Waldorf, que é um requisito fundamental para a atuação nas escolas que adotam essa

pedagogia, além da formação regular. Além disso, os professores das escolas Waldorf

permanecem em constante aperfeiçoamento através de encontros, seminários, participação em

congressos, encontros internacionais, capacitações e formação contínua.

A Federação das Escolas Waldorf no Brasil congrega hoje um total de 24 escolas de

Ensino Fundamental, das quais oito já implantaram o Ensino Médio, completando-se nelas o

ciclo de 12 anos proposto por Rudolf Steiner.

A pedagogia Waldorf concebe o homem como uma unidade harmônica físico-

anímico-espiritual e sobre esse princípio fundamenta toda a prática educativa. Considera o

lado anímico-espirirual como a essência individual única de cada ser humano e o corpo físico

como sua imagem e instrumento.

A partir de uma visão sócio-antropológica, a pedagogia Waldorf propõe uma

concepção sobre o homem que abrange todas as dimensões humanas, em íntima relação com

o mundo; explica e fundamenta o desenvolvimento dos seres humanos segundo princípios

gerais evolutivos que compreendem etapas de 7 anos, denominadas setênios. No primeiro

setênio (0-7 anos), a criança emprega todas as suas energias para o desenvolvimento de seu

físico. Ela manifesta toda sua volição através de intensa atividade corporal. Essa atividade,

que atua na formação do físico do homem, se metamorfoseia na maior ou menor capacidade

de atuar na vida adulta com liberdade no âmbito cultural-intelectual.

Na Educação Infantil as turmas são formadas em agrupamento vertical, tanto o

Maternal - 2 anos incompletos a 3 anos, quanto o Jardim - 4 anos incompletos a 6 anos. Num

grupo com idades diversificadas as crianças vivem juntas como numa grande família. Elas se

ajudam umas às outras de tal maneira que dificilmente aconteceria entre grupos da mesma

idade. A meta na Educação Infantil é formar um embasamento para futuras habilidades na

vida, e o melhor caminho é levar a criança a aprender através da diversidade da vida. Ela

aprende em todas as atividades e eventos que estão acontecendo à sua volta na vida real,

participando ou “registrando” interiormente, para depois imitar no seu brincar.

A Educação Infantil na escola Waldorf é a extensão do lar das crianças. Sua estrutura

física comporta todos os elementos de uma casa. Assim, os trabalhos do dia-a-dia, atividades

puramente humanas, são realizados pelo educador com a ajuda das crianças: limpar, arrumar a

sala, cozinhar, cuidar do jardim...

As atividades são feitas com entusiasmo, humor e habilidade. A criança, ao observar o

educador sempre em ação, imita esse gesto anímico e, além de se tornar ativa em seu brincar,

constrói a base moral para, no futuro, realizar trabalhos úteis para o mundo. Nesse sentido, as

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crianças aprendem no primeiro setênio pela imitação do adulto que está ao seu redor. Imitação

e exemplo são as palavras chaves para a educação dos primeiros sete anos. Cabe ao educador

executar suas atividades diárias com entusiasmo, ordem, calma, humor e habilidade, criando

sempre uma atmosfera de trabalho.

Na criança, todos os órgãos de percepção sensória estão abertos e, a partir de uma

intensa atividade em seu interior, ela responde com a repetição dos estímulos vindos do

ambiente exterior, a imitação. Essa imitação é a grande força que a criança de primeiro

setênio tem disponível para a aprendizagem, inclusive a do falar, do fazer, do adequado ou do

impróprio no comportamento humano. E é por uma imitação mais sutil que ela cria, ainda sem

consciência, o fundamento para sua moralidade futura.

Na pedagogia Waldorf o brincar tem um valor preponderante, principalmente na

educação da criança de primeiro setênio. O brincar livre, não dirigido ou proposto, é visto

como o maior e melhor estimulador de um desenvolvimento que esteja de acordo com a

maturidade etária e as capacidades individuais de cada criança. O impulso natural interior da

criança para aprender a se tornar humana, para adaptar-se e adequar-se ao ambiente, encontra

evasão no brincar livre. Ela procura a atividade lúdica que melhor corresponde às suas

necessidade evolutivas momentâneas, seguindo inconscientemente, instintivamente os

estímulos provenientes de uma sabedoria corpórea.

Os educadores têm a tarefa de criar o ambiente e as condições para o processo

educativo da criança no brincar livre. Sua primeira preocupação é criar um ambiente propício

para o desenvolvimento dos órgãos dos sentidos, que irão se formar de acordo com as

qualidades dos estímulos. Cada objeto em sala de aula deve ter seu lugar e seu valor para que

as crianças possam criar vínculos com os mesmos. Por isso é dada uma atenção especial à

organização da qualidade e a forma dos móveis e brinquedos. Estas são qualidades tão

importantes a serem desenvolvidas em nossa época onde quase tudo é descartável e, portanto,

desprezível.

Os objetos e os brinquedos devem ser de materiais naturais, duradouros e bonitos, pelo

ponto de vista da estética, já que irão influenciar a formação dos órgãos dos sentidos e,

indiretamente, despertar o amor e o respeito pela natureza. Os objetos com os quais as

crianças brincam devem despertar a fantasia infantil que lhes dará o “acabamento

personalizado”, de acordo com as necessidades pedidas pela imaginação.

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3. ANÁLISE DOS RESULTADOS 3.1. A Definição do Lúdico no Projeto Pedagógico das Escolas de Educação Infantil Pública e Privada

O conhecimento acerca da importância da brincadeira de faz de conta para a criança,

principalmente na fase pré-escolar, me faz entender que é necessário dar oportunidade para a

brincadeira dentro do ambiente escolar de Educação Infantil, como uma prática do cotidiano

que faz parte do projeto pedagógico da escola destinado a essa faixa etária. A análise dos

projetos pedagógicos das escolas observadas foi um dos procedimentos que me possibilitou

perceber qual o papel da atividade lúdica em cada uma delas.

O projeto pedagógico da escola pública de grande porte, elaborado em 2004,

contempla o brincar, determinando o uso dos espaços lúdicos da escola, bem como da

utilização de brinquedos, definindo critérios de uso, permanência por turma, aproveitamento

pedagógico e papel do professor.

O eixo da proposta pedagógica que trata do lúdico nessa escola é nomeado como

“Eixos Metodológicos”, onde está descrita a dinâmica de trabalho nos espaços lúdicos e

brinquedos. Define o tempo de utilização do parque como de 25 minutos no máximo, sendo

que o 1º e 2º períodos devem utilizar o parque todos os dias, que são respectivamente os

Jardins I e II, e o 3º período, que é a Alfabetização, de acordo com o professor, mas ele

acrescenta que este uso pela Alfabetização não deve ocorrer todos os dias. Penso que essa

escola, ao enfatizar que o uso do parque pelas crianças da Alfabetização não deve acontecer

todos os dias remete a uma concepção de que essa turma deve ocupar mais o tempo em

realização de atividades que tratam do processo de alfabetizar e, assim, em preparar as

crianças para o Ensino Fundamental.

No que concerne à brinquedoteca, a proposta prescreve que esta pode ser utilizada

uma vez por semana, pelo tempo também definido de 25 minutos no máximo, mas para isso

determina que o uso desse espaço deve ser feito de forma ordenada e de acordo com o

desempenho dos grupos. Acrescenta, ainda, que deve haver uma atividade diferente para cada

grupo de seis alunos, acompanhados de perto pelo professor, que estará responsável pelos

brinquedos enquanto a sua turma estiver no local.

Com referência aos brinquedos, a proposta pedagógica reserva um dia da semana para

os alunos da Educação Infantil, bem como para os da 1ª série do Ensino Fundamental

trazerem brinquedos para a escola; nesse momento, o papel descrito para o professor é de

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estar atento para que os brinquedos não sejam trocados. Prescreve ainda, que estes brinquedos

devem ser usados dentro da sala de aula, de forma a serem aproveitados como novidade na

rodinha, onde são apresentados aos colegas a fim de desenvolverem a linguagem oral,

desenvoltura e percepção visual. Acerca disso, vejo que o principal objetivo dessa

oportunidade com os brinquedos na escola é a brincadeira livre e, só em segundo lugar, a

utilização destes num momento dirigido com fins de aprendizado.

Atentemos para o fato de que o papel do professor ficou estabelecido em apenas

‘fiscalizar’ ou ‘tomar conta’, não sendo ressaltado o valor da participação dele nesse

momento, nem ao menos como observador do comportamento e interações das crianças na

dinâmica das brincadeiras. Em relação aos brinquedos da própria escola, a proposta determina

apenas que, quando estes forem levados ao parque, devem voltar todos guardados e limpos de

areia.

Ainda que essa proposta pedagógica não traga em claros termos qual a definição do

papel do lúdico nessa escola, fica subentendido, no que se refere ao uso do parque e dos

brinquedos, que estes devem ser do brincar livre, pois define a utilização no que concerne à

freqüência e ao tempo, mas não determina que o professor deva dirigir ou utilizar esse

momento com finalidades didáticas.

A definição do uso da brinquedoteca, entretanto, ao ser estabelecida que deve haver

uma atividade diferente para cada grupo de seis alunos acompanhados de perto pelo professor,

me faz entender que este momento é caracterizado pela direção do professor e não como um

momento livre. Isto porque o professor, ao dividir a turma em grupos de seis crianças, já

define que não haverá mais de seis crianças numa mesma brincadeira, o que interfere na

possibilidade das crianças escolherem do que brincarão, pois pode ocorre que alguma delas

possa querer participar de uma brincadeira que já possua o número completo de participantes.

E se todos quisessem participar da mesma brincadeira?

A expressão ‘acompanhados de perto pelo professor’ me remete a uma interpretação

ambígua: uma é no sentido de que o professor aja como fiscal ou guarda, para garantir o bom

estado dos brinquedos, pois ele estará ‘responsável pelos brinquedos’ enquanto sua turma

estiver na brinquedoteca e, também, que o professor acompanhe a brincadeira das crianças de

forma a orientá-las ou mesmo dirigir a brincadeira.

Essa proposta também deixa claro que a utilização da brinquedoteca será procedida de

acordo com o desempenho das turmas. Isso também me traz uma interpretação dúbia. A

primeira é de que pode depender do comportamento da turma na brinquedoteca nos dias

anteriores, isto é, se o comportamento foi bom, merecerá voltar, se foi ruim, não. A segunda é

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de que fica na dependência do comportamento geral da turma, ou seja, em sala, nas

atividades, nos passeios, no parque, enfim, em todos os momentos. E a terceira é de que a

utilização da brinquedoteca resulta do aprendizado das crianças, isto é, se estas estão com um

bom desempenho no aprendizado, poderão ir à brinquedoteca, se não, deverão ocupar o tempo

com outras atividades. Apesar das interpretações ora expressas, vejo que a forma como a frase

está escrita me permite assim pensar, mas, mesmo assim, a encontro mais enfocada de acordo

com a primeira interpretação pela oportunidade que tive em observar a turma, que será mais

detalhada na próxima seção deste capítulo que trata da organização do espaço, tempo,

brinquedos e equipamentos destinados às atividades lúdicas.

Já a escola particular de grande porte, em sua proposta pedagógica, igualmente

elaborada em 2004, contempla o brincar na organização curricular, definindo-o claramente

nos termos como uma atividade livre, não dirigida ou proposta, mas vista como o maior e o

melhor estimulador de um desenvolvimento que esteja de acordo com a maturidade etária e

as capacidades individuais de cada criança22. Define os tipos de brinquedos, determinando

que estes devem ser de materiais naturais. Segundo essa propositura os objetos com os quais

as crianças brincam devem despertar a fantasia infantil que lhes dará o ‘acabamento

personalizado’ de acordo com as necessidades pedidas pela imaginação.

E, também, estabelece o papel do professor, diferentemente da proposta pedagógica da

escola pública de grande porte, que atribui ao docente apenas a função de ‘fiscalizador’. A

proposta pedagógica da escola particular de grande porte determina que estes têm a tarefa de

criar o ambiente e as condições para o processo educativo da criança no brincar livre.

O projeto pedagógico da escola pública de pequeno porte encontrava-se ainda em fase

de elaboração na época da pesquisa de campo, no entanto a diretora da escola assegurou que

pretendiam baseá-lo no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil - RCNEI

(1998), no qual está previsto que “para brincar é preciso que as crianças tenham certa

independência para escolher seus companheiros e os papéis que irão assumir no interior de

um determinado tema e enredo, cujos desenvolvimentos dependem unicamente da vontade de

quem brinca” (p. 28) (grifo meu).

No sentido assim determinado, interpreto, pelo termo por mim grifado, que a

brincadeira ficará então expressa (ao concluir a produção da proposta pedagógica) que

somente em certos momentos ela acontecerá de forma livre, isto é, que a criança estará livre

para realizar suas escolhas nesse momento. Sem a determinação ainda prevista, no entanto,

sob a forma do documento que é o projeto pedagógico, a realização desses preceitos, fica um 22 Fragmentos retirados da proposta pedagógica da escola particular de grande porte.

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tanto ao cargo do professor e assim diferenciando o ensejo das atividades lúdicas entre as

turmas, como veremos no capítulo que trata da organização do espaço, tempo, brinquedos e

equipamentos destinados às atividades lúdicas.

No RCNEI também consta qual deve ser o papel do professor nas atividades lúdicas

livres na escola.

Cabe ao professor organizar situações para que as brincadeiras ocorram de maneira diversificada para propiciar às crianças a possibilidade de escolherem os temas, papéis, objetos e companheiros com quem brincar ou os jogos de regras e de construção [...]. (BRASIL/RCNEI, 1998: p. 29).

O RCNEI propõe ainda como orientação ao professor:

É preciso que o professor tenha consciência que na brincadeira as crianças recriam e estabilizam aquilo que sabem sobre as mais diversas esferas do conhecimento, em uma atividade espontânea e imaginativa. Nessa perspectiva não se deve confundir situações nas quais se objetiva determinadas aprendizagens relativas a conceitos procedimentos ou atitudes explícitas com aquelas nas quais os conhecimentos são experimentados de uma maneira espontânea e destituída de objetivos imediatos pelas crianças. Pode-se, entretanto, utilizar os jogos, especialmente aqueles que possuem regra, como atividades didáticas. É preciso, porém, que o professor tenha consciência que as crianças não estarão brincando livremente nestas situações, pois há objetivos didáticos em questão. (ID. IBIDEM).

A partir dessa citação, podemos perceber que a atividade lúdica fica definida em duas

formas: uma livre e outra didática/dirigida. O sentido livre do lúdico é caracterizado aqui

como uma atividade espontânea da criança, destituído de qualquer objetivo senão o de

brincar. É então esse o momento em que as crianças terão ‘certa independência’ para escolher

a brincadeira, papel e parceiros, pois se trata de uma oportunidade do brincar livre.

É difícil assegurar, no entanto, que a escola colocará em prática todos os preceitos

determinados no Referencial ao qual pretendem basear-se para a construção do seu projeto

pedagógico. Isto porque, o Referencial é apenas uma das referências para essa construção e

não um padrão obrigatório.

Brougère (2001) considera que em virtude da sua dimensão aleatória, não é possível

assegurar com precisão que certas aprendizagens venham a ocorrer, pois a brincadeira supõe a

iniciativa de quem brinca na condução da atividade. É o contrário do jogo com regras, que

tem o sentido lúdico, mas a ele podem ser atribuídos alguns objetivos didáticos. Nesse

sentido, outros momentos lúdicos poderão ser utilizados em atividades com objetivos

didáticos preestabelecidos, e, para esses momentos, o RCNEI determina que o professor deve

acompanhar ou dirigir.

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A escola particular de pequeno porte, em sua proposta pedagógica, contempla o

brincar num eixo que trata dos recursos materiais e equipamentos da escola, de forma a

apenas listar os brinquedos, jogos e demais materiais passíveis de utilização em atividades

lúdicas. Nesse sentido, como também o veremos no decorrer do capítulo, essa escola valoriza

a posse dos objetos lúdicos, no entanto, o emprego deles, bem como as atividades lúdicas, não

me pareceram tão significantes para a escola quanto o fato de os possuir.

Por isso, para mim é importante fixar aqui a parte da proposta pedagógica dessa

escola, que trata do lúdico, pois ficou difícil interpretá-la em sua definição do lúdico e, dessa

forma, compartilhar com o leitor a minha dificuldade. Entrementes, percebo um

desentendimento, por parte das pessoas que produziram essa proposta, em discernir o que é

um objeto lúdico entre os outros recursos materiais e equipamentos existentes na escola que

possibilitam as demais atividades, o que evidenciei em negrito:

Recursos Materiais e Equipamentos: -As crianças exploram os objetos, conhecem suas propriedades e funções, transformando-os em suas brincadeiras, atribuindo novos significados, são eles: televisão, vídeo-cassete, gravador, discos, cd’s, fitas cassetes, filmadoras, rádio... -Instrumentos musicais - bandinha (industrializadas e feitas pelas crianças); -Corda de pular, bolas, arcos, bambolês, toquinhos de madeiras, blocos de madeira, caixas de madeiras, latas, massa de modelar. -Jogos pedagógicos - jogos de encaixe, quebra-cabeça, dominó, damas, jogos de montar, entre outros. -Fantasia, chapéu, sapatos, máscaras, espelhos, pente, escova. -Brinquedos, carrinhos, aviões, ônibus, bonecos, cavalinhos, tanques, mesinha com cadeiras, vassouras, rodos, utensílios de cozinha, regadores, baldinhos para parque. -Casa almofadada, piscina de bolinhas, escorregador almofadado, minhocão, boliches, cavalinhos de plástico. (grifo meu).

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3.2. “Meia Hora de Parque é Muito Tempo, Não é? 23” - A Organização do Espaço, Tempo, Brinquedos e Equipamentos24 Destinados às Atividades Lúdicas. Após a descrição detalhada do locus da pesquisa, detenho-me nesse momento na

focalização apenas dos espaços pensados e organizados para o brincar em cada escola, a fim

de melhor situar quanto à compreensão do uso de cada um deles e também na facilitação das

comparações. Assim, na escola particular de pequeno porte, existem:

• parque de aproximadamente 400m², dentro de um campo de areia com vários

equipamentos lúdicos diferenciados (balançadores industrializados e feitos com pneus,

escaladores, escorregadores, gira-giras, playgrounds, espaço para futebol com traves,

um balde cheio de baldinhos, pás, carrinhos-de-mão e peneiras para uso na areia),

localizado na parte traseira da escola, utilizado pelas turmas de Maternal I e II e

Jardins I, II e III;

• equipamento lúdico de aproximadamente 9m² (como um playground, todavia em

material plástico) o qual é denominado pelas crianças como castelo, localizado na

entrada da escola25, utilizado pelas turmas de Maternal I e II e Jardins I, II e III;

• parque menor com três equipamentos de tamanho adequado para crianças de até dois

anos de idade localizado num gramado na lateral da escola;

• brinquedoteca com muitos brinquedos variados (velocípedes, aviões, ônibus, bonecos,

cavalinhos, tanques, carrinhos de vários modelos e tamanhos, bonecas variadas,

berços, carrinhos de bebê para as bonecas, mamadeiras, chupetas, chocalhos, tábua de

engomar, ferro de engomar, vassouras, mesinhas, cadeirinhas, fogão, armário, pia de

lavar louça, cestos de piquenique, panelinhas variadas, talheres, pratos, copos, xícaras,

jarras, regadores, baldinhos para uso na areia; objetos reais: batedor de ovos, tábua de

cortar carne, martelo de bater carne, penicos infantis, cestos para lixo, prateleiras,

estantes, frutas decorativas, fruteira, caixa de alimentos vazias e higienizadas, papel

23 Fala de uma professora referindo-se ao tempo durante o qual as crianças passam brincando no parque. 24 O emprego da expressão equipamentos lúdicos refere-se a todos os objetos não aqui designados por mim como propriamente brinquedos, como playgrounds, escorregadores e outros objetos reais utilizados pelas crianças nos momentos de suas brincadeiras, como roupas, utensílios de cozinha e outros acessórios utilizados no cotidiano da vida real. 25 Patrimônio adquirido pela escola no início do meu período de pesquisa.

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higiênico) e em grande quantidade, localizada dentro de uma sala no pavimento

superior da escola, mais utilizada pelas turmas de maternais;

• pátio grande com equipamentos lúdicos emborrachados (casa almofadada,

escorregador almofadado,) mais voltados para atividades psicomotoras, juntamente

com outros que têm somente utilidade lúdica (cavalinhos e escorregadores de plástico,

balançadores pendurados no teto), localizado internamente no pavimento inferior da

escola, também mais utilizado pelas turmas de maternais; e

• quadra de aproximadamente 90m².

Ao contrário da escola particular de pequeno porte, na qual os brinquedos estavam

concentrados em um só lugar, numa sala específica, na escola pública de pequeno porte, em

cada sala de aula havia um espaço reservado com mobília de faz de conta em madeira pintada

de cor verde-bebê26, contendo uma mesinha com quatro cadeiras (ainda um pouco menor do

que as de uso na sala), um fogão, uma penteadeira com espelho e uma cama com colchão,

travesseiro e cobertor. Havia também nesse espaço duas estantes (do tipo escaninho) com

alguns brinquedos, entre eles brinquedos de uso areia, jogos e livros de literatura infantil. Em

termos de quantidade e diversidade de brinquedos, porém, a escola particular de pequeno

porte tem maior vantagem em relação à pública de pequeno porte.

Os outros espaços específicos para as brincadeiras na escola pública de pequeno porte

são:

• casinha de faz de conta feita de madeira de 1m², cuja altura (aproximadamente 1,20m)

é apropriada somente ao tamanho das crianças, localizada no corredor lateral da escola

que dá acesso ao parque; e

• parque com aproximadamente 200m², localizado na parte traseira da escola, com

vários playgrounds, escorregador, escalador, dentro de um grande tanque de areia.

Comparando os parques das duas escolas de pequeno porte, a particular tem mais

variedades quanto aos equipamentos lúdicos. Atentei para o fato de não haver balançadores

no parque da escola pública. As professoras apresentaram a justificativa de que antes havia

balançadores no parque, mas, na ocorrência de alguns acidentes com crianças, como o que me 26 O mobiliário do faz de conta em cada sala de aula tem cor particular (verde, amarelo, róseo, azul) sempre em tons pastéis.

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expôs - de uma criança ao passar perto de um balançador em uso, este atingiu sua cabeça e a

machucou muito, a ponto de ser necessário o socorro médico no hospital - e por esse fato, os

balançadores do parque foram retirados a fim de evitar acidentes como este.

Além desses, há outros espaços da escola pública de pequeno porte que também são

utilizados nos momentos lúdicos:

• em cada sala de aula há uma pequena varanda27 nos fundos, de aproximadamente 6m²,

isolada por uma porta (como um quintal); e

• na entrada da escola há uma varanda (ou terraço) cujo tamanho é de aproximadamente

35m².

Há na escola pública de grande porte:

• dois parques de aproximadamente 100m² cada um, localizados na frente da escola,

possuindo balançadores, escorregadores, escaladores, gangorras e gira-giras. Um dos

parques é mais equipado que o outro e é utilizado pela turma de Jardim I e o outro

pelas turmas de Jardim II e III;

• brinquedoteca de aproximadamente 9m², com mobília de faz de conta em material

plástico, e alguns brinquedos, situada num canto reservado num pequeno pátio

localizado na entrada da escola; e

• pátio de aproximadamente 300m².

Na escola pública de grande porte, apesar de também dispor da varanda que listei no

conjunto dos espaços utilizados para o brincar da escola pública de pequeno porte (que

denominei de quintal da sala), não é utilizada como espaço para as brincadeiras como

acontece na de pequeno porte. Até porque, parte da varanda é tomada por uma pequena horta

utilizada para estudos da turma, o que diminui o seu tamanho.

Nas salas de aula da escola pública de grande porte, também, há brinquedos, assim

como na pública de pequeno porte, diferenciando no fato de a mobília de faz de conta se

encontrar apenas na brinquedoteca, enquanto que na de pequeno porte se encontra em cada

sala de aula.

Na escola particular de grande porte, os espaços utilizados para as brincadeiras são:

27 A sala da turma de seis anos por mim observada era a única a não dispor desse espaço.

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• em cada sala de aula, há vários ‘cantinhos’, a maioria deles delimitados com cobertas

de lençóis, formando pequenas tendas: há um cantinho com um colchão (comum, de

solteiro), o cantinho dos brinquedos (carrinhos, aviões, bonecas, berços) e o cantinho

da cozinha (mobília de faz de conta com os respectivos brinquedos para esse

ambiente);

• os equipamentos do parque são feitos de madeira no estilo rústico - um escorregador,

duas gangorras, algumas mesinhas com banquinhos (tocos de troncos de árvore),

balançadores feitos com corda e pneu; há, também, um grande tronco de árvore

deitado ao chão com vários galhos espessos no qual as crianças sobem. Somente dois

balançadores (conjuntos de 3) são feitos com correntes e um material parecido com

couro, sendo que um deles fica fora do parque no meio do terreno da escola. No

parque, há também um tanque de areia, uma casinha sem teto feita de alvenaria de

aproximadamente 2m² e uma casinha de bambu de aproximadamente 1m² (construída

pelas próprias crianças); e

• todo o terreno livre da escola, o qual mede aproximadamente 4.000m².

Na escola particular de pequeno porte, apesar de haver variados espaços lúdicos, são

poucas as oportunidades que as crianças, de ambas as turmas pesquisadas (quatro e seis anos)

têm de usá-los. Nos dias em que há aula de Psicomotricidade (segundas e quartas para a turma

de quatro anos e nas quartas para a turma de seis anos), pelo que observei, não fica

estabelecido que as crianças brinquem no parque. Resta, pois, como opção para a professora

ensejar ou não esse momento, conforme expresso por ela ao ser questionado se o fato de nos

dias de aula de Psicomotricidade as crianças não terem o horário do parque era uma

determinação da escola e o que ela pensava sobre isso. A professora da turma de seis anos

assegurou que não era determinação da escola e acrescentou que de vez em quando

freqüentava o parque, mas no final da tarde. Assegurou que esta iniciativa ficava à critério das

professoras, sendo permitido pela diretora desde que por pouco tempo, para que as

professoras pudessem descansar. Por fim, argumentou que as crianças já tinham a

oportunidade da aula de Psicomotricidade, e, então, ficaria num só dia “parque e

Psicomotricidade”.

O discurso da professora me leva a pensar que parque e Psicomotricidade são

igualmente entendidos como momentos de brincadeiras. Percebi que a aula de

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Psicomotricidade era entendida como recreio e por isso ambos os momentos não podiam ser

oferecidos no mesmo dia. Vejo também que somente a turma de quatro anos tem duas

oportunidades semanais de Psicomotricidade, enquanto a turma de seis anos somente uma vez

por semana, o que reforça ainda mais essa concepção recreativa da aula de Psicomotricidade.

Exemplifico essa minha percepção, citando um momento na observação da turma de seis

anos, em que um menino estava conversando com o colega sentado vizinho durante toda a

produção da atividade e a professora o alertava sempre que se ele não terminasse a atividade

em tempo hábil não ia para “o recreio”, ia ficar na sala terminando a atividade, não ia para a

aula de Psicomotricidade.

Haja vista a fala da professora sobre os momentos de parque e Psicomotricidade,

indaguei a ela se, na percepção dela, a brincadeira que acontece na Psicomotricidade substitui

aquela que ocorre no parque. Eis a resposta:

Ah não. Substitui não. Mesmo porque são tipos diferentes, não é? Na aula de Psicomotricidade as brincadeiras são com regras do tio e lá no parque não, eles brincam mais livremente, de vez em quando eu faço uma brincadeirinha com eles também. É muito diferente, não é? Aqui na escola não tem todo dia parque, mas eu vou com eles quase todo dia. Eu só não vou quando tem uma atividade que tem que terminar e não dá tempo. Aí eu termino e deixo eles brincarem na sala. (professora da turma de seis anos da escola particular de pequeno porte)

Parece evidente que agora a professora esclareceu que o uso do parque não acontecia

todos os dias, permitindo-me entender que, em razão dos dias da aula de Psicomotricidade,

ficava determinado que as crianças não tivessem o horário do parque, quando disse que na

escola não havia oportunidade de freqüência ao parque todos os dias. Em conversas informais,

a professora da turma de quatro anos falou que as crianças vão ao parque nos dias de aula de

Psicomotricidade somente ‘quando dá tempo’, o que podemos conferir com a professora da

turma de seis anos quando indagada se as crianças freqüentavam o parque todos os dias. Ela

afirmou que “freqüentam”, mas acrescentou que quando a realização da atividade não era

concluída a tempo de freqüentar o parque antes do final da aula, preferia concluir a atividade a

ensejar o uso do parque. Então, como na escola as crianças não têm parque todo dia e ao

mesmo tempo freqüentam o parque todos os dias? Essas afirmações deixaram-me um tanto

confusa. Vê-se também pela fala dessa professora da turma de seis anos, isto é, da

alfabetização, que em primeiro lugar estão as atividades que devem ser concluídas, o parque

nos dias da aula de Psicomotricidade, somente quando já estão concluídas todas as

obrigações.

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Como o tempo de permanência no parque, bem como os dias da sua utilização não

estavam também definidos na proposta pedagógica da escola (e isso também não ficou claro

para mim durante o período de observação, pela inconstância do uso do parque no que se

refere a horário e tempo de permanência), no momento da entrevista, indaguei ainda às

professoras se o horário e o tempo de permanência no parque eram determinados pela escola

ou se ficavam a critério de cada uma delas. Ambas me responderam que a escola determinava

e que o tempo era de meia hora.

A professora da turma de quatro anos me disse que a utilização do parque era

determinada por três vezes na semana durante meia hora e que duas vezes por semana era a

Psicomotricidade. Também acrescentou que duas vezes na semana havia o balé e o judô.

Pareceu-me aqui que essas atividades também eram vistas como brincadeira, o que foi

confirmado depois com a fala da mesma quando afirmou que o balé e o judô já são, de certa

forma, uma recreação, e que a Psicomotricidade também é uma recreação. A mesma

professora também argumentou que algumas vezes não dava mais para ir ao parque,

exemplificando-me o caso dos dias de festa e que às vezes prefiria ir a brinquedoteca que ao

parque, dizendo que tinham meia hora três vezes por semana e tinham que usar o parque

porque era a recreação das crianças. Mas às vezes ela trocava o uso do parque pela

brinquedoteca. Mais uma vez, pela fala dessa outra professora, entendo que o uso do parque é

indicado nos dias em que não há aula de Psicomotricidade.

O que notei, porém, no período de observação, foi que, nos dias em que não há aula de

Psicomotricidade, o uso do parque pelas crianças não tem horário certo nem tempo definido

para ambas as turmas. Isto é, não se reserva a hora de ir ao parque nem o tempo de

permanência nele nos dias que seriam destinados ao seu uso, ou seja, nos dias em que não há

aula de Psicomotricidade. Esta aula, porém, tem dia, hora e tempo definido, o mesmo não

acontecendo com o brincar livre, especialmente no parque.

A freqüência da turma de seis anos da escola particular de pequeno porte ao parque

acontecia durante cerca de 15 a 20 minutos, na maioria das vezes no final da aula, quando as

crianças haviam terminado suas atividades, ou geralmente pelo tempo necessário, para que a

professora organizasse suas atividades didáticas ou aquelas de interesse da própria escola, por

exemplo, nos dias de organização de festas em que as crianças ficavam com algum adulto no

parque enquanto as professoras realizavam essas atividades.

Para as crianças de quatro anos dessa mesma escola, a freqüência era por cerca de 15 a

30 minutos, pelo mesmo motivo, mas não necessariamente nos últimos minutos da aula,

muitas vezes após o lanche. Dessa forma, o uso do parque variava de acordo com a

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necessidade da professora em realizar suas atividades didáticas (com maior ênfase em relação

à turma de quatro anos) ou daquelas de interesse da própria escola (como acontecia nos dias

de organização de festas) e nesses dias ocorria geralmente que eu ficava com as crianças no

parque (até com três turmas), enquanto as professoras trabalhavam na organização das festas.

Narro uma certa ocasião no momento do parque, em que a professora da turma de seis

anos da escola particular de pequeno porte me perguntou as horas, e, pelos cálculos dela,

percebi que ela queria permanecer no parque durante meia hora. Perguntei, então, se o tempo

de permanência das crianças no parque era de meia hora. Ela me respondeu que sim, mas me

perguntou: “é muito tempo, não é?”. Talvez essa professora tenha a concepção de que a

Educação Infantil tem a função de preparar para o Ensino Fundamental, ou que as crianças da

alfabetização tenham que passar mais tempo em atividades que promovem o aprendizado da

leitura e escrita.

Com efeito, na ocasião da entrevista, perguntei-lhe quanto tempo julgava ela

conveniente para que as crianças brincassem no parque. Respondeu que estava observando em

outras escolas e viu que muitas disponibilizavam até uma hora de parque, e assim, concluiu

que meia hora era um tempo bom para as crianças brincarem. E acrescentou que o tempo que

as crianças ficam no parque é muito importante para elas não ficarem cansadas, porque faziam

muitas atividades na sala. Indaguei, então, quando ela julgava conveniente que as crianças

brincassem no parque. Respondeu que o uso do parque deve ser feito mais para o final da

tarde, porque, para ela, o melhor momento para as crianças aprenderem é o primeiro horário

de 14:00 às 15:00 horas às 15:30 horas mais ou menos, porque as crianças “estão com as

idéias afloradas”. Acredita que depois desse horário as crianças ficam muito cansadas para

fazer as atividades e por isso deve haver um momento de descanso. Dessa forma a professora

vê que o melhor horário para fazer as atividades é no início da aula e o parque ficar para

depois do lanche. Para ela essa é a forma ideal.

A professora da turma de quatro anos, quando também indagada a esse respeito,

apresentou a mesma concepção da professora da turma de seis anos, afirmando que o parque

deve ser mesmo depois do lanche, porque as crianças do Jardim têm maior concentração no

começo da aula e que depois que elas brincam, ficam mais dispersas, e não tem mais

condições do professor trabalhar os conteúdos didáticos.

Mediante as falas das professoras dessa escola, é fácil notar que ambas têm a idéia de

brincadeira como um relaxamento, uma pausa para descansar dos momentos de trabalho.

Vemos, então, que brincadeira livre na escola é muitas vezes considerada como uma

recreação, por ser livre de propósitos pedagógicos. Esse entendimento é muito antigo, tendo

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como representantes Sócrates, Aristóteles e Tomás de Aquino, que defendiam a idéia de jogo

como relaxamento necessário às atividades que exigiam esforço físico28.

Já na escola pública de pequeno porte, as crianças de todas as turmas, sem

diferenciação, utilizam o parque todos os dias durante 45 minutos, num horário estabelecido

pela escola para cada faixa etária. Assim, as crianças de quatro anos freqüentam o parque num

horário diferente das crianças de cinco anos, que, por sua vez, também o ocupam num horário

diferente das crianças de seis anos.

Não vejo essa separação de horários como uma forma de evitar que crianças de idades

diferentes estejam juntas nesse momento, pois, considerando que cada turma tem 28 alunos e

duas turmas é suficiente para lotar o parque, é por esse motivo que se faz o uso do parque

diferenciado por idades. Em razão de as crianças das turmas de seis anos serem as últimas a

freqüentar o parque, às vezes, ficavam por mais de quarenta e cinco minutos, chegando a

permanecer lá um pouco mais de uma hora.

Um hábito interessante que destaco na escola particular de pequeno porte, tal como na

escola particular de grande porte, é que observei não haver problema em juntar turmas com

idades diferentes no parque. Aliás, as professoras da particular de pequeno porte estimulam as

crianças a brincar juntas, mas pedem que tenham cuidado para não machucar as menores.

Percebi que as crianças maiores têm cuidado com as menores.

De fato, há uma socialização entre crianças de idades diferentes e o uso do parque na

particular de pequeno porte, muitas vezes, se faz por crianças de um a seis anos,

simultaneamente. Levo também em consideração o tamanho dos parques, que possibilita essa

utilização por várias turmas, de forma concomitante.

Na escola particular de grande porte, as crianças têm oportunidades diárias de

permanência no parque por uma hora. Já na escola pública de grande porte, elas não tinham

chances diárias de freqüência, pois, observei que sua utilização acontecia somente algumas

vezes na semana por cerca de 35 a 40 minutos. Vale ressaltar que, durante todo o mês de

março, nenhuma das duas turmas observadas utilizou o parque e a turma de seis anos no mês

de abril só teve uma oportunidade de brincar ali e por 35 minutos.

A professora da turma de seis anos comentou que estava em falta na ida ao parque

com as crianças. Perguntei a ela se a freqüência das crianças àquele lugar era determinada

pela escola ou ficava a critério do professor. Respondeu-me que a direção da escola determina

o tempo de mais ou menos 50 minutos e estabelece que até as 11 horas o professor leve as

crianças ao parque. O que verifiquei, porém, na proposta pedagógica da escola foi que o 28 KISHIMOTO, 2002b.

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tempo de utilização do parque deveria ser de 25 minutos, no máximo, o que me parece não ser

de conhecimento das professoras ou talvez tenha sido modificado ao longo do período.

Verifiquei, ainda, que a freqüência das turmas ao parque não era estipulada nem em

horário nem em dia; somente o tempo foi expresso pela proposta pedagógica da escola.

Indaguei, então, à professora da turma de seis anos qual o critério utilizado para que as

crianças freqüentassem o parque. Respondeu-me que na Educação Infantil, o ideal que a

escola estabelece é que as crianças freqüentem o parque todos os dias, mas ressaltou que, às

vezes, preferia deixá-las brincando na sala, mesmo reconhecendo ser um erro dela. Assegurou

que o ideal, principalmente para o Jardim III, é uma freqüência ao parque de no mínimo 3

vezes por semana, mas que as turmas de Jardim I e II devem freqüentar o parque todo dia

obrigatoriamente.

A professora concorda com o que está prescrito na proposta e julga ser conveniente

que as crianças do terceiro período brinquem no parque pelo menos três vezes por semana.

Mesmo que as crianças dessa escola tivessem oportunidade de brincar na sala por um tempo

farto, vejo que as brincadeiras na sala e no parque acontecem de forma diferente, porque cada

espaço possibilita brincadeiras diferentes, pois o parque é um espaço, com equipamentos

lúdicos que só são encontrados naquele espaço, de vez que a sala não o é e nem pode

comportar o que há no parque, mesmo podendo ser enriquecida com outros materiais lúdicos.

Por isso defendo a idéia de que, mesmo que a criança brinque na sala de aula, a oportunidade

de brincar no parque não é substituída pela brincadeira na sala. Vejo, também, que, quando as

crianças têm oportunidade de brincar no parque, mesmo assim, a brincadeira na sala não é

substituída, ela também tem o seu momento independente da oportunidade do parque.

Já a professora da turma de quatro anos dessa mesma escola afirmou ser o tempo do

parque determinado em até meia hora, 35 minutos, em decorrência da utilização do mesmo

espaço por outras turmas. É bom lembrar, no entanto, o fato de que há dois parques para três

turmas, mas penso que há espaço e tempo suficiente para todas as turmas usufruírem por um

bom tempo, diariamente. A professora comentou ainda que mais do que 30 minutos pode ser

muito tempo, levando as crianças até mesmo a ficarem cansadas de estar ali. Lembrou-me que

depois das 11 horas as faxineiras limpam o pátio e o parque não pode mais ser utilizado.

Ressaltou, também, que, dependendo da época - por exemplo, quando estava chovendo - as

crianças não iam ao parque. Quando tinham que fazer um trabalho que precisava de mais

tempo, então elas tinham que ficar mais em sala, a professora acrescentou que, como

professora, deve estar mais atenta às atividades exigidas pela escola e sabe que depois as

crianças terão oportunidades de ir ao parque.

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É facilmente perceptível na fala dessa professora o fato de que a preferência está na

conclusão das atividades didáticas, que talvez tenha mais importância ou ainda que a escola

faça certa exigência na sua conclusão em tempo hábil para algum evento. Convém chamar a

atenção para o fato de que a quantidade de atividades a serem realizadas pelas crianças deve

ser um fator que interfere nas oportunidades dadas ao brincar na escola de Educação Infantil

(esse assunto está detalhado na seção 3.4).

Quanto ao horário de utilização do parque, que não se encontra definido nas escolas

particular de pequeno porte e pública de grande porte, verifiquei que este fica a cargo das

professoras, elas é que decidem em que ocasião devem levar as crianças ao parque. Percebi

que em ambas escolas as professoras têm preferência por ensejar o momento do parque

somente no segundo segmento da aula, depois do lanche, para a escola particular de pequeno

porte, e depois do recreio, na escola pública de grande porte.

Em certa ocasião, a professora da turma de seis anos da escola pública de grande porte

quis levar seus alunos ao parque (depois do recreio), mas, ao observar que naquele momento

ambos os parques estavam ocupados, não o fez. Quando, na entrevista, comentei com a

professora que, depois de instituída a determinação de que as crianças só poderiam freqüentar

o parque até as 11 horas em razão do trabalho de limpeza da escola, tinha observado que as

crianças estavam freqüentando menos o parque ou então ficavam por pouco tempo para que

não ultrapassasse esse horário. Então, indaguei a ela se o horário de uso do parque era

determinado ser somente depois do recreio e, se não, por que não usá-lo noutro horário em

que as crianças tivessem a oportunidade de ficar mais tempo. A professora apenas lamentou a

decisão da escola em determinar o uso do parque até as 11 horas, no entanto, acrescentou

apenas que as crianças “ficaram, de certa forma, prejudicadas, mas não tem muita escolha”.

A resposta ficou incompleta, mas, instada a opinar acerca da disponibilidade de espaço

para a brincadeira na escola, ela revelou o motivo da sua preferência em ensejar o momento

da brincadeira no parque somente depois do recreio.

É assim, a gente não estabelece um horário rígido para cada turma ir não. Geralmente, aqui na escola, a gente deixa o parque para depois do recreio, porque no primeiro momento, no Jardim III pelo menos eu percebo que de manhã cedo eles estão mais tranquilos, então é uma hora que a gente pode trabalhar um conteúdo um pouco, não é? Agora depois do recreio você não consegue trabalhar mais nada de tamanha agitação, a vontade deles brincarem. Por isso que a gente deixa sempre para depois do recreio e não tem horário estabelecido para cada um. Só que agora, eu estou botando os dois juntos, estou ficando com o Jardim II. Mesmo com todos alunos eu estou ficando porque senão eles não vão. (Professora da turma de seis anos da escola pública de grande porte).

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Mesmo que não houvesse nenhuma determinação quanto ao uso do parque, isto é, não

era determinado que as crianças o utilizassem somente após o recreio e ainda com a

interferência quanto ao uso do parque depois das 11 horas, ainda assim, havia certa relutância

quanto à utilização do parque noutra oportunidade. Vemos na fala da professora em questão

que, mesmo que não fosse costume ficarem duas turmas, simultaneamente, no mesmo parque,

agora, pelo motivo do tempo (depois do recreio mais ou menos 10h 15min e antes das 11

horas) que não permite mais que uma turma utilize o parque depois de outra dentro desse

pequeno intervalo de tempo, decidiu ensejar o momento do parque, mesmo estando ocupado

pela turma do segundo período.

Quanto às brincadeiras na sala de aula em ambas escolas de pequeno porte somente as

crianças das turmas de quatro anos têm oportunidades diárias, diferindo-se pela duração do

tempo de brincadeira, que na escola pública ocorre por cerca de uma hora e na escola

particular por perto de 15 a 30 minutos, e também há diferença no fato de, na escola pública,

as crianças, além da opção dos jogos, têm o espaço do faz de conta e brinquedos. Os 30

minutos do brincar em sala na escola particular de pequeno porte, para as crianças da turma de

quatro anos, geralmente são divididos em dois momentos: o da chegada à escola e no final da

aula, com os jogos existentes na própria sala (lego, engenheiro, dominó de gravuras, etc.), de

forma que as crianças brincam por cerca de 15 minutos no começo e mais 15 minutos no final

da aula.

Nas duas escolas de pequeno porte, nos dias de sexta-feira, as crianças das turmas de

quatro anos brincavam por cerca de uma hora com seus brinquedos trazidos de casa e também

com os jogos e brinquedos disponíveis na sala (no caso da escola pública). Enquanto isso

somente a turma de seis anos da escola pública tinha a oportunidade de brincar com

brinquedos trazidos de casa nas sextas-feiras, no intervalo de 45 minutos a uma hora.

É importante salientar que a turma de seis anos da escola pública de pequeno porte, só

tem a oportunidade de brincar livremente em sala de aula na sexta-feira, que é o dia reservado

para trazer brinquedo de casa. Questionei à professora quando ela julgava conveniente que as

crianças brincassem na sala ou em outro momento além do parque. Ela afirmou que não

consegue fazer um planejamento que inclua uma brincadeira. Isso dependia muito da

percepção que tinha ela da concentração da turma, porque, às vezes, fazia um planejamento e,

quando chegava à sala, as crianças estavam ou muito calmas ou mais agitadas, então ela partia

do momento. Enfatizou que não sabia se a atitude dela era a correta, se deveria mesmo ser

assim. Percebo que ela não separa um momento para o brincar que acontece conforme o nível

de concentração das crianças.

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Na oportunidade da entrevista, indaguei à professora da turma de seis anos da escola

particular de pequeno porte se ela julgava suficiente o tempo que as crianças tinham para

brincar na escola. Respondeu que sim, pois elas dispunham de bastante tempo para brincar.

Afora as brincadeiras que já eram desenvolvidas no parque e no castelo, ela apontou as

brincadeiras que aconteciam na sala de aula.

A mesma pergunta foi efetuada para a professora da turma de quatro anos, que

respondeu também que sim. Segundo ela as atividades realizadas em sala eram prazerosas

pelo estímulo dado com a contagem de histórias e das brincadeiras. Também havia o

momento do parque, os jogos na sala de aula, o balé e o judô, que eram praticamente

recreação, e a Psicomotricidade, que era uma recreação. Acrescentou ainda que cantava com

as crianças para elas descansarem.

Essa interrogação também foi feita para a professora da turma de seis anos da escola

pública de pequeno porte. Ela considerou o questionamento situado de uma forma geral na

realidade que conhece da escola de Educação Infantil e da vida particular da maioria das

crianças que moram em Brasília. Criticou a atitude dos professores (incluindo-se) e

demonstrou uma idéia de compensação para considerar que percebe ser pouco o tempo de

brincadeira na escola. Ao mesmo tempo, inclui no tempo de brincadeiras na escola aquele que

é utilizado como lúdico-didático, ressaltando que para a realidade dos alunos hoje, ela percebe

que o tempo de brincadeira na escola é pouco, porque a maioria das crianças mora em

apartamento e não têm outro lugar para brincar a não ser na escola. Entende que o professor

deve que ser sábio para enxergar essa carência de espaço que as crianças têm. A professora

percebe que ela, como a maioria dos colegas, ao invés de ensejar momentos de brincadeiras,

exige que as crianças fiquem sentadas sem que possam levantar nem conversar com outras

crianças. É nesse sentido que essa professora percebe que o tempo que as crianças têm para

brincar na escola é pouco, pois para ela, é justamente “por causa dessa realidade que eles

vivem”, porque se assim não fosse “achava que seria um tempo bom, 5 horas de aula, se não

fosse essa realidade deles de apartamento”. A professora concluiu sua resposta, refletindo

como poderia ser feita a divisão do tempo na escola através de atividades lúdicas. Analisou

que das 5 horas de aula, poderia ter um momento para “a recreação livre, um tempo para as

brincadeiras com jogos, cantigas de roda, pra atividades lúdicas”, assim como “brincar com

atividade lúdica, fazer o lúdico ensinando”.

Na escola pública de grande porte, as crianças têm, todos os dias, quinze minutos de

recreio no pátio. Além disso, ambas as turmas observadas (seis e quatro anos) têm a

oportunidade de brincar diariamente na sala pelo tempo 45 minutos a uma hora. O mesmo

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ocorre na escola particular de grande porte, onde as crianças do Jardim29 têm oportunidades

diárias de brincar livremente na sala de aula, durante uma hora.

Comparando as brincadeiras na sala de aula de ambas as escolas públicas, as duas

turmas da escola de grande porte e a turma de quatro anos da escola pública de pequeno porte

têm a ocasião diária de brincar por cerca de uma hora. Essa oportunidade não ocorre na turma

de seis anos da escola de pequeno porte. Percebi que na escola pública de pequeno porte, na

turma de quatro anos, as crianças tinham oportunidades diárias de brincadeiras livres em sala,

enquanto a de seis anos experimentava esse momento apenas às sextas-feiras.

Com referência ao uso das brinquedotecas, nas escolas que a possuem, acentuo que

durante todo o período de observação, tanto na escola pública de grande porte quanto na

particular de pequeno porte, a utilização da brinquedoteca aconteceu uma vez pelas turmas de

quatro anos de cada escola. A professora da turma de quatro anos da escola particular de

pequeno porte reconheceu que as idas à brinquedoteca pela sua turma eram poucas, mas

argumentou que a brinquedoteca era um espaço fechado, abafado, enquanto o parque era

aberto e que as próprias crianças preferiam ir ali e ao ‘castelo’. Penso que as crianças podem

até preferir o parque, mas sob condição de escolha, tendo que optar por um ou outro. Se,

porém, por outro lado, a professora depois do parque perguntasse às crianças se elas

desejariam ir à brinquedoteca, penso que todos gostariam de ir.

Já a professora da turma de seis anos afirmou que a sua turma não tinha esse horário

da brinquedoteca e que se destinava mais para os maternais do que para os jardins,

argumentando que, na brinquedoteca os brinquedos são mais direcionados às crianças

pequeninas do maternal e mesmo aos bebês. Mas acrescentou que mesmo assim, de vez em

quando, levava seus alunos para brincar na brinquedoteca. Salientou que o espaço da

brinquedoteca é reservado mais para as turmas de maternais e que o horário em que a

brinquedoteca estava livre, seus alunos estavam em sala fazendo as atividades didáticas ou

então já estavam brincando no parque. Acrescentou ainda que antes a turma de seis anos

também tinha o horário de uso da brinquedoteca, mas que havia sido retirado, no ano que

realizei a pesquisa, porque as crianças estavam com muitas atividades e o tempo em sala era

pouco para trabalhar os conteúdos, com isso foi retirado o horário de brinquedoteca que a

turma de alfabetização possuía. Comparou o uso da brinquedoteca ao uso do espaço dos

emborrachados que também só era utilizado pela turma de alfabetização vez em quando.

29 Lembro que as crianças das turmas de Jardim da escola particular de grande porte têm de 4 a 6 anos de idade, não separando as turmas por idades.

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O argumento de a brinquedoteca conter brinquedos pequenos, para mim, não justifica

a ausência, desse espaço, da turma de seis anos. Se, por um lado, esses objetos são adaptados

para as crianças de até três anos de idade, de outra parte, sendo ele um espaço de faz de conta,

os objetos nele incluídos são brinquedos, representações do real que nem sempre são objetos

que a criança tenha oportunidade de usar com o próprio corpo, realizando muitas vezes essas

ações com outro objeto, como, por exemplo, a boneca. A interpretação que faço é que,

possivelmente, a questão não seja essa. Isso porque, como vimos na fala da professora da

turma de seis anos, quando respondeu à minha indagação acerca da comparação entre a

brincadeira que acontece no parque e a que acontece na psicomotricidade, revelou que a

oportunidade do brincar livre só ocorre na sobra de tempo das atividades didáticas. Com isso,

acredito que o fato de a direção da escola haver optado pela retirada do horário de uso da

brinquedoteca pelas crianças de seis anos tenha sido por acreditar que nessa faixa etária, na

condição de sujeito em alfabetização, a escola pode então, estar considerando que a criança

deve permanecer mais tempo em sala, realizando atividades concernentes a esse processo,

ficando a brincadeira e o uso dos espaços lúdicos, como no caso da brinquedoteca, em

segundo plano, para os momentos que sobram.

A professora da turma de seis anos da escola pública de grande porte vê a

brinquedoteca da escola como um espaço mais voltado para os Jardins I e II, cujas crianças

são menores. Segundo ela o espaço disponível da brinquedoteca é bem pequeno e “os

meninos já são meio grandões”, e por isso não levava seus alunos à brinquedoteca. A

diferença de tamanho das crianças de cinco anos para as crianças de seis anos, porém, é

mínima. De início pensei que as professoras apenas achavam o espaço da brinquedoteca

pequeno para o número de crianças, que é de 28 por turma; entretanto, não é somente a turma

de seis anos com esse número de crianças, uma vez que também há igual número nas turmas

de quatro e cinco anos, o que desfaz a minha percepção inicial. Possivelmente, nisso resida o

fato de as professoras perceberem seus alunos como “grandes”, pois, para elas, as

brinquedotecas são mais voltadas para as crianças pequenas. Como, porém, é pequena uma

criança de cinco anos e uma de seis não é mais?

Já a professora da turma de quatro anos da escola pública de grande porte levantou um

argumento que coincide com o da professora da turma de quatro anos da escola particular de

pequeno porte. Segundo ela, sua turma já havia freqüentado muito a brinquedoteca, mas as

crianças preferiam ir ao parque. Até porque as crianças já ficavam muito tempo em sala e o

parque é ao ar livre, tem a areia onde as crianças gostam de brincar, e ainda acham o espaço

da brinquedoteca pequeno, preferindo utilizá-la mais nos dias de chuva ou muito frios.

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Voltando à questão da idade das crianças para utilização da brinquedoteca, aqui já não

parece mais uma questão de idade, mas de preferência, que não é necessariamente das

crianças, mas das próprias professoras. Assim entendo porque, no dia em que as crianças da

turma de quatro anos da escola particular de pequeno porte tiveram a oportunidade de

freqüentar um dia a brinquedoteca, por coincidência, numa sexta-feira, aproveitei a ocasião e

perguntei à professora se as crianças freqüentavam a brinquedoteca todas as sextas-feiras. A

resposta foi: às vezes, e até mesmo em outros dias da semana. E me explicou que as crianças

costumavam deixar o local muito desarrumado, mas que já estavam se acostumando a pô-lo

em ordem depois de brincarem. Interpreto então, pela fala da professora, que esta evita levar

as crianças para a brinquedoteca para poupar-se também do trabalho de organizar o espaço no

final do uso e resguardar-se também de ter aborrecimento com o fato de as crianças não

quererem ajudar a organizar o espaço. Esse pode ser um dos motivos que levam à professora a

preferir o uso do parque ao da brinquedoteca.

A utilização do pátio na escola pública de grande porte se fazia diariamente na hora do

recreio por 15 minutos e, em alguns dias de sexta-feira, pela turma de seis anos, quando

brincando livremente com seus brinquedos e jogos da sala, mas somente no espaço que se

limitava às proximidades da porta da sala para não atrapalhar as demais salas de aula, já que o

pátio era localizado no centro de todas estas. Na escola pública de pequeno porte, apesar de

também haver um pátio e que não estava necessariamente localizado no centro das salas de

aula, este não era utilizado para brincadeiras, mas somente para ensaios gerais com todas as

turmas, para acolhida na chegada à escola e para a espera dos pais uma vez terminada a aula.

O terraço da escola pública de pequeno porte foi utilizado pela turma de quatro anos

apenas uma vez, em decorrência da indisponibilidade do uso da sala de aula e do parque

naquele momento para essa turma.

O uso da casinha, na escola pública de pequeno porte, só ocorreu uma vez pela turma

de seis anos, quando da ocupação da professora em reunião com os pais. Naquele momento, a

turma ficou com a coordenadora, que tentou levar a turma para vários espaços onde as

crianças pudessem ficar mais calmas.

O uso das varandas para o brincar nas escolas públicas só acontecia pela turma de

quatro anos da escola de pequeno porte, levando em consideração o fato de que a turma de

seis anos não dispunha desse espaço na sua sala e, na escola de grande porte, esse espaço era

reduzido pela horta ali encravada.

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Os brinquedos30, nas escolas públicas, são encontrados no interior das próprias salas

de aula. Na escola de pequeno porte, há mobílias de faz de conta, com exceção de uma das

classes da turma de seis anos (a que estou observando), que, por ser uma dependência menor

do que as demais, não coube essa mobília, de modo que, nesse compartimento não há

brinquedos, somente jogos nas estantes. Não vejo isso, no entanto, como uma forma de privar

as crianças dessa faixa etária de brincar, até pelo fato de que a outra turma de seis anos tem

em sua sala os brinquedos que existem nas salas das crianças menores. Ainda assim, vejo que,

mesmo a sala de aula da turma de seis anos sendo pequena, a ponto de não comportar a

mobília do faz de conta, nas estantes cabem outros brinquedos de tamanho menor, ou mesmo

numa cesta em algum cantinho da sala, para serem utilizados na ocasião das brincadeiras. A

brincadeira com brinquedos (ou livre), porém, não era uma prática do cotidiano nessa turma,

como já exposto.

No parque da escola pública de pequeno porte há baldes, peneiras e pás para uso na

areia. Encontrei esses mesmos brinquedos na escola pública de grande porte, porém na sala de

aula, levados para o parque pelas crianças no momento em que se dirigem a ele.

Na escola particular de pequeno porte, todavia, somente encontrei os brinquedos na

brinquedoteca, pois, nas salas de aula o que há são os jogos, pelo menos no que se refere às

salas das turmas de quatro a seis anos. Os jogos são variados na existência de quebra-cabeças,

jogos de construção (engenheiro, lego) dominós de gravuras, jogos com seqüências de cores e

jogos de seriação. Também vi no parque os brinquedos de uso na areia, como baldes,

peneiras, pás e carrinhos-de-mão.

Já na escola particular de grande porte há brinquedos na sala de aula e no parque. Na

sala, no cantinho dos brinquedos, há carrinhos, aviõezinhos de madeira, bonecas de pano,

berço-balanço de madeira e um cesto de palha com roupinhas das bonecas. No cantinho da

cozinha, há uma mesinha com cadeiras, uma pequena estante com utensílios reais, mas de

tamanho pequeno, como panelas de alumínio, de ferro, tábuas de cortar carne, talheres,

inclusive facas (facas de mesa que não pareciam ser amoladas) e um grande cesto de palha

com lençóis de vários tamanhos e cores que as crianças também usam em suas brincadeiras.

No parque há baldes, peneiras e pás para uso na areia. Acrescento, também, que nessa escola

não há jogos31 de nenhum tipo, pois, as brincadeiras são sempre voltadas para o faz de conta.

30 Refiro-me como brinquedos aqueles objetos lúdicos que trazem uma imagem representativa do real, como objetos e pessoas. 31 Refiro-me aos objetos lúdicos que contêm um sistema de regras predeterminadas a serem cumpridas.

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Assim, a organização dos brinquedos da escola particular de grande porte assemelha-

se à da escola pública de pequeno porte, enquanto que a organização dos brinquedos da escola

pública de grande porte iguala-se à da escola particular de pequeno porte somente com

relação à brinquedoteca, mas difere no que concerne à presença de brinquedos em sala de

aula.

Somente as turmas de quatro e seis anos da escola particular de pequeno porte e a

turma de seis anos da escola pública de pequeno porte se diferenciam das demais, pois, não há

brinquedos nas salas de aula, ao passo que a escola particular de grande porte diferencia-se

das demais por não conter jogos em nenhum ambiente da escola. Comparando

especificamente a organização dos brinquedos de uso na areia, nas escolas particulares e na

pública de pequeno porte, encontrei-os no parque, enquanto os da pública de grande porte

ficam nas salas de aula dentro de cestos e só são levados ao parque no momento do uso pelas

próprias crianças.

Mediante as análises realizadas, posso considerar que a utilização dos espaços lúdicos

(freqüência e tempo de permanência) não depende da natureza da instituição, mas de toda

estrutura organizacional de uma escola. Vale ressaltar que essa utilização não depende apenas

em ser parte constituinte do projeto pedagógico da escola, mas, em ser do conhecimento e

prática de todos os professores. Isso porque, o que foi verificado na escola pública de grande

porte, cujo projeto pedagógico estabelecia que as turmas de 1º e 2º período deveriam utilizar o

parque todos os dias e, no entanto, essa freqüência não era efetivada. Ao contrário da escola

pública de pequeno porte que, mesmo não dispondo ainda de um projeto pedagógico pronto, o

desígnio em ensejar o horário do parque era do conhecimento e anuência de todos. Já a escola

particular de pequeno porte que não dispunha de uma definição da utilização dos espaços

lúdicos no seu projeto pedagógico, nem apresentava um desígnio comum a todos os

professores e, dessa forma, nessa escola apresentava uma forma inconstante na utilização

desses espaços.

Os brinquedos são importantes para o desencadear das brincadeiras de faz de conta,

pois trazem forte referência da cultura manipulável pela criança, que absorve os elementos

culturais, e por essa razão, é importante que nas escolas de Educação Infantil, haja brinquedos

em quantidade e diversidade, pois o brinquedo é um rico suporte para a brincadeira em seu

conteúdo imaginário, isto é, evoca a brincadeira e, segundo Brougère, em algumas

brincadeiras o brinquedo torna-se necessário:

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Existem também as brincadeiras, nas quais a criança anima os personagens, os bonequinhos e seu universo em miniatura, sem desempenhar, ela mesma, um papel, ainda que ela se projete em alguns personagens. Para esse tipo de brincadeira, o brinquedo, o acessório lúdico, é indispensável, incontornável. (2001, p. 82-83).

O brinquedo estrutura a brincadeira da criança sem, no entanto, limitá-la. Por

conseguinte, é um recurso material, um elemento que dá o ponto de partida para o cenário das

brincadeiras, pois seu formato, cor e volume, isto é, o seu aspecto, pode orientar a estimulação

para uma determinada direção, pelo fato de também trazer referências a outros universos

imaginários, como por exemplo, as personagens dos filmes e dos desenhos animados infantis.

Brougère (2001) enfatiza, no entanto, que o brinquedo, mesmo se tratando de um

objeto com forte conteúdo simbólico, não pode ser considerado como condicionante da

brincadeira no sentido de determiná-la, pois a criança, ao utilizá-lo na sua brincadeira,

modifica o seu sentido, atribuindo-lhe novos significados de acordo com sua vontade.

Com isso, pode-se verificar que o brinquedo não determina o brincar da criança, isto é,

a brincadeira distancia-se das determinações inscritas no objeto. Na verdade, o que caracteriza

a brincadeira de faz de conta é que ela pode fabricar seus objetos, em especial, desviando os

objetos do seu uso habitual.

Brougère (2001) defende o argumento de que o brinquedo é mais do que um simples

instrumento, pois traz para a criança imagens e representações do universo imaginário e,

assim, não se limita em ser apenas um meio de brincar. Nesse propósito, a criança manipula

também os códigos sociais e culturais e, por meio dos discursos e comportamentos neles

impregnados, interage com esses códigos.

Assim, manipulando os brinquedos, a criança assimila esses códigos, os quais dispõem

de elementos e referências das quais ela poderá se utilizar em outros contextos. O brinquedo

aparece, então, como parte da cultura situada no alcance dela. É seu parceiro na brincadeira. A

manipulação do brinquedo leva a criança à ação e à representação, a agir e a imaginar. É por

intermédio dos brinquedos e das brincadeiras que ela tem oportunidade de desenvolver um

canal de comunicação, uma abertura para o diálogo com o mundo dos adultos. O brinquedo

cria relações entre situações no pensamento e estados reais.

Assim, por meio do brinquedo, a criança entra em contato com o discurso cultural a

respeito da sociedade, pois, por intermédio do objeto, há possibilidade da transmissão de

esquemas sociais. Dessa forma, Brougère (2001) entende que o brinquedo também tem seu

papel na socialização da criança, no entendimento de que a socialização é o conjunto dos

processos que permitem à criança se integrar no social, de modo a assimilar os seus códigos, e

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a ela propicia estabelecer comunicação com os demais membros da sociedade, tanto no plano

verbal como no contexto não verbal.

Pode-se observar, todavia, na escola particular de pequeno porte que os jogos são mais

utilizados ou mais facilmente aceitos, talvez pelo fato de serem considerados como atividades

que podem ser utilizadas como instrumentos na mediação da aprendizagem. Observei,

também, que a brinquedoteca não estava sendo utilizada pelas turmas pesquisadas. Isso

porque a brincadeira livre ou de faz de conta não é aplicada na escola com fins de

aprendizagem, talvez pelo fato de não estar clara sua relação, como uma brincadeira livre,

com os propósitos pedagógicos.

Para Vygotsky (1991), porém, a brincadeira de faz de conta é mais importante para as

crianças pequenas em idade pré-escolar do que os jogos de regras, pelo fato de que, no faz de

conta, a criança, como um ser egocêntrico, tem a oportunidade de empregar sua subjetividade

na capacidade de criação, enquanto que, no jogo, prevalece o lado objetivo, nas regras

preestabelecidas.

Por outro lado, a brincadeira de faz de conta não só acontece mediante a utilização dos

brinquedos, pois ela também sucede no momento em que a criança junta peças e imagina um

objeto ou uma construção arquitetônica, interagindo com essa edificação, atribuindo-lhe um

significado que seja útil à sua brincadeira. Acontece no momento do parque realizando várias

representações imaginárias, no tanque de areia quando faz “bolos”, castelos e cenários

variados de acordo com a sua imaginação. Segundo Kishimoto (2002b), na brincadeira de

construção, há estreita relação com o faz de conta, pois, construindo ou reformando, a criança

expressa o imaginário e suas representações mentais. Não se trata de manipular blocos

livremente, mas de estruturá-los em construções para cenários de suas brincadeiras. Nesse

sentido, alguns jogos oferecidos por essa escola, em sala de aula, têm características da

brincadeira de faz de conta.

Brougère (2001) afirma que a criança desenvolve a brincadeira para sua recreação,

cuja atividade a permite entrar em contato com os outros, sejam os adultos, os pais, as demais

crianças da sua idade, bem como entrar em contato com o espaço, o meio ambiente e com a

cultura na qual está inserida.

A criança, ao brincar, representa a realidade. Através da brincadeira a criança projeta-

se nas atividades dos adultos, procurando ser coerente com os papéis assumidos. Ao brincar

de ser mãe, a criança tenta desempenhar este papel a partir da observação do comportamento

cotidiano de sua mãe, irmãos, amigos, personagens de novelas, enfim de toda experiência que

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lhe forneça referências para construir este significado. Mas o brincar não é uma simples

imitação do real, ao brincar a criança introduz as suas concepções do real.

A brincadeira infantil, para Wajskop (2001), pode constituir-se em uma atividade em

que as crianças buscam compreender o mundo e as ações das pessoas com as quais elas

convivem cotidianamente, seja na brincadeira individual ou em grupo. Essa atividade é, então,

uma atividade consciente da criança em que para cada gesto é atribuído um significado. O uso

dos objetos constitui-se numa reelaboração constante das hipóteses da criança sobre a

realidade que a cerca e com a qual a criança está se confrontando.

Podemos dizer que o brincar é o processo de re-significação do mundo pela criança,

afinal, ela utiliza elementos do seu meio cultural e social para estruturar os conteúdos da sua

brincadeira, assim, a brincadeira é uma apropriação da cultura, no sentido de ser envolvida

por ela.

Nesse entendimento, observamos que como qualquer outra atividade humana, o jogo

só tem sentido no contexto da cultura, através das interações simbólicas, só assim ele é

possível de ser desenvolvido. Assim, através do jogo a criança experiencia o processo social

do qual resulta a constituição de uma identidade cultural onde há interação lúdica que

reformula as significações deste pela interpretação da criança. 3.3. As Práticas Lúdicas Desenvolvidas nas Escolas 3.3.1. “Não gosto de entregar os brinquedos e deixar eles brincarem sozinhos”32 - o sentido atribuído pelo professor às práticas lúdicas infantis:

Os sentidos atribuídos ao lúdico pelos professores se diferenciavam nos vários

momentos das atividades lúdicas e nos diversos lugares onde estas aconteciam. Na escola

particular de grande porte, todas as oportunidades que as crianças tinham de brincar eram

características do lúdico-livre, tanto na sala de aula quanto no parque. As crianças dessa

escola, então, tinham fartas oportunidades de brincar livremente, em especial quando estavam

no momento do parque e utilizavam de todo o espaço livre da escola, que é parecido com um

pequeno sítio, haja vista a quantidade de árvores, plantas, construções, hortas etc. Talvez esse

momento do parque nem deva ser chamado como tal, isso porque nessa ocasião, poucas

crianças permanecem no local onde há o parque e o tanque de areia, pois a maioria fica

32 Fala de uma professora referindo-se ao tempo de brincadeiras em sala de aula.

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espalhada por todo o terreno da escola; talvez seja preferível chamar de momento de

brincadeira livre fora da sala. Essa oportunidade de escolha com o que e onde se deseja

brincar é o que se pode considerar como brincadeira livre.

O mesmo sentido do lúdico-livre encontrei nas oportunidades de brincadeiras no

parque para as turmas da escola pública de grande porte. Embora no mês de março as crianças

de ambas as turmas observadas não tenham experimentado a oportunidade de freqüentar o

parque nos dias observados, no mês de abril, a turma de quatro anos teve esse ensejo em todos

os dias observados. Mesmo que, às vezes, no momento do parque, a professora da turma de

quatro anos tenha passado todo o tempo ocupada em suas atividades didáticas, e ao concluí-

las, tenha chamado as crianças para sala, não os vejo como momentos do lúdico-ocupacional,

pois a freqüência ao parque era uma rotina para essa turma e o tempo de permanência era

basicamente o mesmo, ainda que a professora não tivesse atividades a realizar naquela

circunstância.

Então, somente no mês de maio, isto é, no terceiro mês de observação, percebi que a

professora da turma de quatro anos não levava as crianças para o parque somente quando

‘precisava’ de tempo para realizar suas atividades didáticas, mas para promover esse

momento lúdico, nesse espaço apropriado que a escola oferece. Vejo, esse lance como o do

lúdico-livre, pois, mesmo se ocupando em alguns dias, nos demais, a professora ficou,

ocasionalmente, livre para observar as crianças brincando e às vezes até realizando

comentários acerca do comportamento das crianças quando no horário das brincadeiras.

Cito uma vez em que essa professora precisava fazer uma limpeza na sala, suja depois

de uma atividade de artes e que me ofereci para levar as crianças ao parque. Depois que a

professora terminou de arrumar a sala e chegou ao parque, as crianças ainda passaram um

bom tempo no local. Se o objetivo não fosse o de também promover um momento lúdico, a

professora, logo que terminasse o que estava fazendo, chamaria as crianças de volta para a

sala.

Em contraposição, as brincadeiras no parque, na escola particular de pequeno porte,

mesmo que aconteçam de forma livre, ou seja, que as crianças se acham à vontade para

escolher seus folguedos e com quem vão brincar, vejo-as contextualizadas no sentido do

lúdico-ocupacional por serem ensejadas numa circunstância em que a professora precisa de

tempo para realizar suas atividades. Menciono uma vez que as crianças da turma de quatro

anos utilizaram o parque porque a sala estava impossibilitada para a permanência. Na sala de

aula, as brincadeiras livres estavam acontecendo também em razão de a professora estar

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ocupada realizando suas atividades didáticas (como, por exemplo, organizar as agendas das

crianças, preparar atividades ou mesmo resolvendo algum problema).

Relato, também, um episódio sucedido na turma de seis anos: a estagiária (durante o

mês de março, houve uma estagiária na turma de seis anos) levou as crianças para brincarem

no parque, enquanto a professora e a coordenadora ficaram com três delas na sala a fim de

fazerem o teste do nível de escrita. Compreendi que esse espaço de oferta do parque para as

crianças brincarem ocorreu porque a professora não conseguiria realizar o teste com todas

crianças ao mesmo tempo, nem o faria com as outras crianças na sala, ociosas ou mesmo

brincando e conversando. Dessa forma, o brincar no parque foi visto como a resolução para

esse problema. Assim, as oportunidades do brincar que ocorrem no parque eram do lúdico-

ocupacional.

Nessa escola, algumas vezes, as crianças tinham a oportunidade de brincar por um

tempo mais generoso do que o comum. Vejo que, nesses casos, essas oportunidades não

tinham a intenção de promover um momento lúdico para as crianças, mas o de deixar a

professora liberada para outras atividades, geralmente quando era de interesse da escola

preparar eventos especiais. Relato a ocasião em que a professora necessitava preparar as

lembrancinhas para a festa do Dia das Mães, que seriam entregues um pouco mais de uma

hora depois, e, naquele dia as crianças puderam usufruir o parque por uma hora, tempo que

não era costumeiro nos dias comuns, sendo este geralmente por 15 a 30 minutos. Ainda me

reporto a outra vez em que as professoras tinham que organizar a festa junina:

A professora me pediu, então, que depois do lanche eu levasse as crianças para o parque enquanto ela ajudava a fazer a decoração da festa junina. A professora da turma de cinco anos também me pediu que ficasse com os alunos dela no parque. Assim o fiz, levei as duas turmas para o parque onde ficaram brincando por uma hora e quinze minutos. (Diário de campo, de 07 de junho).

Classifico, então, essas oportunidades como o lúdico-ocupacional, pois em dias

comuns as crianças nunca ficavam por tanto tempo no parque e as professoras precisavam de

tempo para realizar seus afazeres na escola. Vejo também que o momento do brincar livre não

era visto como aquele em que a presença da professora fosse importante, mas qualquer pessoa

que pudesse “tomar conta das crianças” podia ficar com elas. Assim afirmo porque já observei

outras pessoas também com os grupos no parque, sem ser a professora da turma que estava

brincando.

Esse mesmo sentido ocorria em relação às várias oportunidades de brincar no parque

pela turma de quatro anos dessa escola nos outros dias (que não eram voltados para a

preparação de algum evento), pois a professora, durante todo o tempo, permanecia ocupada

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em suas atividades e, ao terminá-las, chamava as crianças de volta para a sala. Somente

algumas vezes era que as crianças freqüentavam o parque sem que a professora tivesse que se

ocupar com atividades didáticas, isto é, sem que tivesse outro objetivo, a não ser o de

promover um momento de brincadeira livre; vejo então que estes momentos podem ser

considerados como sendo do lúdico-livre.

Acontecia também, algumas vezes, na escola particular de pequeno porte, no momento

que era destinado ao uso do parque como um ensejo livre, as professoras propunham

brincadeiras dirigidas que podiam ser em turmas separadas ou juntamente a outras turmas.

Essa era então uma oportunidade do lúdico-dirigido. Nem sempre todas as crianças se

contentam com a proposta de uma brincadeira dirigida em lugar de desfrutar a oportunidade

de brincar livremente e por isso optavam por não brincar.

Essa decisão, porém, não era acatada pela professora, que impunha a brincadeira, e

quando a criança rejeitava a proposta, também era impedida de brincar livremente. Vejo que a

criança preferia brincar livremente e na ocasião que deixar de ter essa oferta para uma de

brincadeira dirigida, não concordava e a professora não permitia que parte das crianças

brincasse de forma livre e parte, que aceitava, brincasse daquilo que ela estava dirigindo, por

isso impunha o: ‘é isso ou nada’.

Nesses momentos do parque, em específico, em que as professoras propunham o

lúdico-dirigido para as crianças, penso que o brincar com as crianças nas brincadeiras criadas

e sugeridas por elas seja uma situação com a qual as professoras ainda não saibam lidar, daí a

vontade de brincar com as crianças talvez direcione a intenção das professoras para a

brincadeiras dirigidas por elas.

Destaco o momento que termina a hora do parque. O que acontecia muitas vezes na

escola particular de pequeno porte era quando a professora chamava para voltar à sala, as

crianças tenderem a não acatar essa solicitação e algumas até reclamavam: ‘mas a gente

acabou de chegar!’. O mesmo não acontecia nas escolas públicas, pois, sempre que as

professoras solicitavam das crianças o retorno para a sala, não havia relutância em sair de lá,

em deixar aquele lugar que é tão significante para elas. Talvez porque as crianças tinham

consciência de que todos os dias elas estariam ali por bom tempo; ou quiçá, porque o tempo

de permanência naquele lugar era suficiente para satisfazê-las.

Vale salientar que a utilização do parque pela turma de seis anos da escola particular

de pequeno porte, durante o mês de maio (na maioria das oportunidades), teve um sentido

diferente do que observei durante os outros meses, isto é, não mais o do lúdico-ocupacional,

mas sim o do lúdico-livre, pois as crianças permaneciam no parque durante meia hora a 40

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minutos, sem que a professora estivesse ocupada com suas atividades didáticas, ou mesmo

que estivesse de início, ao concluí-las, não dava por encerrada a brincadeira no parque. Talvez

isso também tenha ocorrido pelo fato de, nas terças-feiras, o dia da semana escolhido para a

observação dessa turma no mês de maio, não haver aula de Psicomotricidade e por isso ser o

lance propício para se utilizar o parque. No entanto, nos demais dias da semana em que não

havia aula de Psicomotricidade, não foi verificada essa permanência no parque com o sentido

do lúdico-livre, lembrando que as aulas de Psicomotricidade eram ministradas apenas nas

quartas-feiras para a turma de seis anos.

Nas brincadeiras dirigidas pelo professor na aula de Psicomotricidade, percebi que ele

esperava que as crianças ficassem aguardando, quietas, o instante em que elas também

deveriam participar. Nessas oportunidades da ocasião do lúdico-dirigido, quando apenas

brincam algumas crianças, acontecia sempre que as outras que ficavam na espera de sua vez,

principalmente as menores (as de quatro anos), não atendiam ao pedido do professor de

aguardarem sentadas, mas sempre queriam brincar logo e entravam na brincadeira no

momento em que não eram chamadas; isto é, não havia um controle de sua vontade; porém,

nas brincadeiras livres ou no faz de conta, segundo Vygotsky (1991), há o maior autocontrole

da criança, pois esta renuncia a algo que quer (impulso ou atração imediata), por subordinar-

se às regras do jogo33, constituídas pelas próprias crianças quando brincadeira.

Também observei, porém, que o professor lograva um melhor andamento da

brincadeira, no sentido de conseguir, de melhor forma, controlar a situação, em termos de

cumprimento de regras pelas crianças, nas brincadeiras em que ele propunha que toda turma

brincasse de uma só vez; isto em relação às que eram propostas apenas para um grupo de

crianças.

Interessante era que, diferentemente do que ocorria na aula de Psicomotricidade, onde

as crianças tendiam a não atender as solicitações do professor nos momentos de brincadeiras

dirigidas, na aula de judô, depois da aula, o professor realizava algumas brincadeiras com os

meninos e, mesmo sendo também brincadeiras dirigidas, eles respeitavam as regras do jogo e

aguardavam a vez de entrar na brincadeira, como descrevo a seguir:

Na aula de judô, o professor anunciou os comandos e pediu que as crianças aguardassem a vez delas, sentadas junto à parede. As crianças assim fizeram. Cada um fez os movimentos solicitados pelo professor, uma série de movimentos. Depois o professor fez duas brincadeiras com os meninos. A primeira foi proposta, mas o professor não participou. Um menino era o ‘cachorrão’ que deveria pegar os outros sem sair da posição de cachorro (de quatro pés) enquanto os outros corriam para não serem pegos. Cada um que era pego, virava também cachorro e ia ajudar a pegar os outros. Na segunda 33 Entenda-se jogo simbólico ou faz de conta.

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brincadeira o professor mandava todos correr e com a sua faixa tentava enlaçar as pernas dos meninos. Cada menino pego tinha que ficar estátua com as pernas abertas para que no final, o último, que ainda não havia sido pego, passasse por baixo das pernas das ‘estátuas’ e assim salvá-las. A aula de judô, bem como a de balé durou meia hora. (Diário de campo, 09 de maio).

Na escola particular de pequeno porte, as meninas têm aula de balé. Ao acompanhá-las

durante essa aula, entendi o quanto elas gostavam dessa atividade. Todo o tempo, as meninas

seguiam os passos solicitados pela professora, mesmo àqueles que necessitavam de quietude

completa. Enquanto as crianças de uma turma ensaiavam - pois a aula era com as três turmas

de Jardim juntas - as das outras turmas ficavam sentadas, observando e aguardando a vez

delas. No final da aula, restando algumas vezes apenas 5 minutos para acabar o tempo e sem

que esse fosse suficiente para ensaiar mais uma vez, a professora propunha sempre uma

brincadeira, como a do morto-vivo34. Vejo que posso classificar essa oportunidade, além da

oportunidade lúdica que é dirigida, também é lúdico-ocupacional, pois servia para ocupar o

tempo das crianças enquanto chegava a hora de voltarem para as salas de aula.

As oportunidades do lúdico-dirigido também havia na escola pública de pequeno

porte, com relação à turma de quatro anos no contexto de sala de aula. Algumas vezes a

professora propunha certas brincadeiras tradicionais35 para seus alunos, de forma a ensinar-

lhes tais brincadeiras. Na turma de seis anos, as crianças também têm momentos de

brincadeira dirigida pela professora em sala de aula, como no momento de sair da roda de

conversa para as cadeiras; mas vejo esse instante como forma de escolher quais as crianças

iam sentar juntas às mesas. E como relato no diário, no início da aula quando as crianças

saíam da roda de conversa para ocupar os lugares nas mesas:

A professora mandou as crianças apertarem os cintos de segurança que a nave espacial ia partir. Os cintos de segurança eram as crianças todas de mãos dadas. As crianças faziam movimentos de um lado para outro, mesmo sentadas no chão, sem soltar as mãos e quando a professora dizia para frear, pois ‘haviam chegado numa parada’, as crianças faziam um movimento brusco como se houvesse dado um freio, também brusco, num carro. Daí, alguém ‘descia’ da nave, a professora convidava duas crianças para saírem e sentarem-se na mesa que ela havia escolhido. A nave, então, ‘subia’ novamente e, assim, acontecia até que todos estivessem sentados em seus lugares (nas mesas). (Diário de campo, 15 de abril).

Na escola pública de grande porte, havia também oportunidades de utilização da

brincadeira dirigida em sala de aula, como, por exemplo, quando a professora da turma de

quatro anos contou uma história em cujo enredo havia um passarinho, ela propôs que as 34 Brincadeira que consiste nos participantes ficarem todos enfileirados e ao ouvirem o comando ‘vivo’, todos devem ficar em pé; e ao ouvirem o comando ‘morto’, todos devem agachar-se. Nessa brincadeira, quem erra a posição ao ouvir o comando que recebeu sai da brincadeira, e vence quem ficar até o final sem errá-la. 35 São brincadeiras transmitidas de geração a geração.

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crianças o imitassem. Nessa mesma escola, também encontrei a utilização da brincadeira

didática em algumas atividades na forma de jogos em sala de aula, por ambas as turmas

pesquisadas, com vistas ao aprendizado de conteúdos; como, por exemplo, um fato que

destaco na turma de seis anos:

A professora ia chamando as crianças de uma por uma para andarem marchando sobre a letra (nesse momento as crianças que estavam a andar sobre a letra, fizeram o gesto com a mão direita na testa imitando o soldado, enquanto cantava a música ‘marcha soldado’). (Diário de campo, 05 de abril).

Segundo Kishimoto (2002b), quando as situações lúdicas são intencionalmente criadas

pelos adultos com vistas a estimular certos tipos de aprendizagens, surge a dimensão

educativa da brincadeira.

Nas turmas de seis anos das escolas públicas, encontrei o sentido da brincadeira

didática na realização de algumas atividades, principalmente com vistas ao aprendizado no

campo da leitura, como relato: “A professora propôs que as crianças pulassem sobre o

contorno da letra j feita no chão como se estivessem pulando amarelinha”. (Diário de campo,

09 de maio). Esse sentido do lúdico também encontro em alguns momentos nas turmas de

quatro anos das escolas públicas, porém em menor freqüência do que nas turmas de seis anos

dessas escolas. Sobre esse tipo de relação dos professores com o brincar, Vasconcelos (2000)

entende que [...] como professores de educação infantil, em geral, estamos interessados em ver aquilo que corresponde aos nossos interesses de educadores. Por isso, para nós, é importante conhecer e estimular os jogos e brincadeiras que favoreçam o desenvolvimento de habilidades na criança, particularmente aquelas que são exigidas pelo currículo de ensino. (2000, p. 13).

Na escola pública de pequeno porte, a professora da turma de quatro anos também se

utilizava, às vezes, do lúdico para iniciar uma atividade didática, em ocasiões separadas, um

instante introdutório de forma lúdica, depois a atividade didática; como, por exemplo, uma

atividade didática (xerox) proposta para as crianças com o desenho de um canguru e na frente

desse desenho havia linhas em curvas meladas de cola, onde as crianças deveriam passar o

dedo de forma que fizessem o percurso coordenado do canguru. Antes de propor que as

crianças realizassem, essa atividade, a professora pediu que imitassem o canguru. Vejo que

aqui posso classificar a presença do lúdico como preparatório.

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Wajskop (2001)36 observou que a professora da Educação Infantil, para introduzir uma

atividade de treino motor (produção de linhas horizontais/verticais e curvas), perguntou às

crianças quem tinha bebê em casa e sugeriu que as crianças fizessem de conta que os

movimentos que iam fazer ao rabiscar na folha fosse iguais aos de um bebê, como o que a

pesquisadora descreve: “Pediu às crianças que fizessem o bebê em pé, depois disse que ele

deveria caminhar um caminho longo, até aprender a saltar, (...)” (WAJSKOP, 2001: 82).

As oportunidades dadas ao brincar dentro da própria sala pelas professoras da escola

particular de pequeno porte não tinham o objetivo de propor uma sessão lúdica, mas o de

ocupar o tempo da criança enquanto não estavam realizando atividades didáticas ou pelo

tempo que precisassem estar ocupadas. Exponho dois exemplos disso na turma de quatro

anos. Um dia em que a professora estava dando atenção exclusiva a uma criança que não

queria ficar na escola; nesse dia, a brincadeira livre na sala durou meia hora. Noutra

oportunidade, a professora queria organizar a sala que, segundo ela, estava ‘uma bagunça’,

então me pediu que levasse as crianças ao parque, enquanto ela realizava essa arrumação;

nesse dia, as crianças passaram ali quarenta minutos.

A turma de quatro anos da escola pública de pequeno porte tinha a sexta-feira como o

dia de levar brinquedo para a escola. Nesses dias, as crianças tinham a oportunidade do

brincar livre na sala por cerca de uma hora. A brincadeira na sala com os brinquedos e no

espaço de faz de conta, que acontecia nos dias de sexta-feira, tal como nos outros dias, não

tinha outro objetivo senão unicamente de promover uma sessão lúdica para as crianças.

Na turma de seis anos dessa mesma escola, não havia brincadeiras livres na sala,

somente algumas dirigidas na forma de jogos didáticos. Segundo a professora dessa turma, o

brincar na sala deve ser dirigido e não apenas ‘entregar os brinquedos para eles e deixá-los

brincar’. Essa concepção revela a idéia da professora de que o brincar livre não promove

desenvolvimento/aprendizagem para as crianças, mas somente com objetivos previstos

mediante a direção dela.

Mesmo o brincar em sala não sendo uma constante para as crianças da turma de seis

anos da escola pública de pequeno porte, encontrei também o sentido do lúdico-ocupacional

nas poucas oportunidades de brincadeiras que são extras às que acontecem nas sextas-feiras.

Eis o relato o meu diário de campo:

Como faltavam ainda alguns minutos para a aula acabar e a professora estava ocupada preparando a atividade de casa das crianças, a professora me pediu que fizesse uma brincadeira com as crianças.

36 Pesquisa de mestrado realizada em uma pré-escola pública na cidade de São Paulo – Brasil.

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Elas escolheram a brincadeira da estátua, então brincamos por uns dez minutos até que a professora chamou as crianças para explicar e entregar a atividade de casa para elas.(diário de campo 08 de junho).

Na minha interpretação, esse tempo para as brincadeiras só era permitido por não

haver tempo suficiente para iniciar uma atividade didática e também quando a professora não

estava disponível. Considero, assim, esta oportunidade aqui citada como o do lúdico-

ocupacional, pois, para que as crianças não ficassem sem fazer nada durante aquele período e

pelo fato de a professora estar ocupada, as crianças puderam brincar, mas não como uma

oportunidade pensada em oferecer às crianças um momento lúdico.

Quanto às duas turmas observadas na escola particular de pequeno porte, a diferença

entre a turma de quatro anos e a de seis anos, é que a primeira tinha mais oportunidades de

brincar em sala do que as da turma de seis anos. Segundo o que observei, ambas as

professoras ocupavam parte do seu tempo em sala realizando atividades didáticas, conforme

já mencionei. Enquanto as crianças da turma de seis anos, porém, estão realizando suas

atividades em sala, a professora se ocupa em desenvolver as ações didáticas, levando em

consideração o fato de que as crianças de seis anos têm maior autonomia na realização de suas

atividades. Assim, a professora não necessita ocupar as crianças com brincadeiras livres para

que possa realizar suas atividades didáticas, e, dessa forma, as oportunidades de brincadeiras

livres em sala, para as crianças de seis anos, são bastante reduzidas.

O mesmo não ocorre na turma de quatro anos, até mesmo porque as crianças de quatro

anos necessitam de maior acompanhamento na realização de suas atividades. Daí surge a

oportunidade do brincar livre pela necessidade que a professora tem de realizar atividades

didáticas.

Poucas vezes aconteceu o fato de as crianças da turma de seis anos brincarem livres

em sala, pois, quando, em atividade, alguém terminava primeiro, a maioria ainda não havia

terminado. Nesse caso, a professora ensejava o brincar também para ocupar as crianças que

não estavam em atividade, pois, logo que as outras terminavam, a brincadeira acabava. O

lúdico aparecia como preenchimento de tempo que estava sobrando ou que era insuficiente

para realizar um trabalho didático.

Também compreendi na escola particular de pequeno porte, com relação às

brincadeiras na sala de aula na turma de quatro anos, que as crianças se achavam livres para

pegar os jogos, que tencionavam usar, nas estantes e brincar nos momentos do início da aula,

mesmo que brincassem por pouco tempo, isto é, geralmente pelo tempo necessário para que a

professora realizasse suas atividades.

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Numa dessas ocasiões, a professora disse: ‘daqui a pouco vocês vão guardar os

brinquedos, pois já vou terminar de olhar as agendas’. Essa observação leva mais uma vez a

se perceber a contextualização do lúdico, com relação a esses momentos de brincadeira na

sala, como lúdico-ocupacional. No final da aula, quase sempre era a professora quem

anunciava às crianças que poderiam pegar os jogos. Mesmo que algumas vezes ela tomasse a

iniciativa de distribuir os jogos nas mesas, as crianças que não desejavam brincar com aquele

que estava em sua mesa, sentiam-se à vontade para ir à outra mesa que tivesse o jogo de seu

interesse ou mesmo pegar outro que ainda estivesse na estante. O mesmo não acontecia na

turma de seis anos, pois eram poucas as oportunidades do brincar livre em sala e as crianças

só pegavam os jogos na estante com a permissão da professora.

Ao verificar que, para as crianças dessa turma, eram raras as vezes que tinham a

oportunidade de brincar em sala de aula com os jogos existentes na própria sala e que não

havia oportunidades de brincadeiras com os brinquedos trazidos de casa, como acontecia para

as crianças da turma de quatro anos nas sextas-feiras, perguntei à professora da turma de seis

anos quando ela julgava conveniente que as crianças brincassem na sala ou em outro lugar,

além do parque. Ela relatou que as brincadeiras aconteciam quando ela estava realizando as

atividades iniciais, no sentido de introduzir um conteúdo novo, explicando que dependendo

do conteúdo que fosse ministrar, como por exemplo, se fosse trabalhar o conteúdo “família do

p”, então, realizava um bingo de palavras com as crianças, utilizando as sílabas pa, pe, pi, po,

pu, e dessa forma, sempre utilizando um conteúdo que estava trabalhando com a turma.

É simples observar que a professora em foco só atribuiu ao momento lúdico em sala o

sentido didático ou mesmo introdutório de um conteúdo, não levando em consideração as

brincadeiras livres em sala, nem mesmo com os jogos que lá estão dispostos. Poderia então

categorizar esse uso do lúdico como sendo o do brincar introdutório, mas, apesar de a

professora ter afirmado a utilização dessa forma do lúdico, no período de observação dessa

turma, não o presenciei em nenhuma ocasião, pois as atividades eram basicamente propostas

na cartilha, em folhas xerocopiadas ou cópias da lousa.

As brincadeiras em sala de aula, como verifiquei, eram do lúdico-ocupacional.

Indaguei ainda, a esta professora; sendo ela uma regente de uma turma de Alfabetização,

como achava que deveriam ser as brincadeiras ensejadas para as crianças dessa turma? A

professora salientou que as brincadeiras para as crianças dessa idade tinham que ser do

predomínio das regras; segundo ela, as crianças tinham que aprender a seguir regras, e, pela

brincadeira, “poder sentir as regras”. Ela acredita que, nessa idade, as crianças não gostam

quando a brincadeira é “bobinha”, que elas gostam mais de jogos, de brincadeiras com

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movimento, mais soltas e de acordo com a idade delas; assim, listou algumas das brincadeiras,

que percebia ser de mais interesse das crianças da turma de seis anos como: dominó, jogo da

memória e brincadeira rítmica.

Vemos que a professora trata dos jogos, que têm regras predeterminadas. A respeito

disso, como já vimos37, Vygotsky (1991) percebe que, na idade pré-escolar, as brincadeiras

cujas regras são elaboradas pelas próprias crianças são mais importantes para estas do que os

jogos que já trazem as normas prontas. O desenvolvimento das regras na brincadeira de faz de

conta é proveniente de ações significativas da experiência cultural da criança e da dinâmica da

brincadeira.

Propus a mesma indagação à professora da turma de seis anos da escola pública de

pequeno porte. Na sua percepção, as brincadeiras deveriam ser mais oferecidas, mais

brincadeiras fora de sala de aula, porém destacou que deveriam ocorrer com ajuda do

professor, como “brincadeiras induzidas”. Entendi que as brincadeiras induzidas são as

dirigidas ou de caráter didático, pois contextualizou com as brincadeiras realizadas na escola

na semana que trabalha o folclore, com cantigas de roda, parlendas e trava-línguas, dessa

forma, esclareceu que não é porque está trabalhando um conteúdo que vai esquecer de outros.

A professora destaca que há muitos momentos em que a partir de um trava-língua ou de uma

brincadeira de roda consegue inserir o lado pedagógico, mas que isso começa, muitas vezes, a

partir de uma simples pergunta, como “Quem conhece isso? Aí fala um trava-língua e aí vai

todo mundo rindo, brincando”. A professora chamou a atenção para o fato de não ter certeza

que esse seu procedimento esteja certo, mas evidenciou que, dessa forma, estava dando certo

na sua turma porque percebia que “eles fazem com mais prazer”. Nesse sentido, a professora

explicou que “se eles cantaram uma música, gostaram da música”, então pergunta: “sabia que

a gente pode escrever essa música? Então, eu vou lá e escrevo. Porque não? Eu posso fazer

assim, não é?”.

Certamente, a professora está confundindo diversão com brincadeira, quando assinala

que “fala um trava-língua e aí vai todo mundo rindo, brincando”. As crianças riem porque

acham engraçado. Sei que a partir de um trava-língua pode surgir uma brincadeira entre as

crianças, na medida em que podem experimentar várias combinações de palavras que rimam e

podem fazer a língua ‘travar’. A professora também se questiona se a sua atitude é correta, se

é certo realizar um trabalho pedagógico de modo mais divertido, desde algo de que as

crianças gostam ou mesmo em forma de brincadeira. Ainda assim, ressaltou que essa forma

dá certo no interesse da sua turma. 37 Conferir na página 57 desse trabalho.

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Vejo essa maneira de trabalho como interessante: realizar uma atividade a partir de

elementos que despertam o interesse e o gosto da criança. E o gosto das crianças pela

brincadeira, em especial a brincadeira em que elas têm livres decisões? A professora deixou

claro que leva as brincadeiras para o lado pedagógico. Nesse aspecto, ela deixa de lado as

brincadeiras que surgem das próprias crianças por aquelas que podem ser aproveitadas

pedagogicamente, visando ao seu interesse de docente em alfabetizar. Entendo isso como um

fator que interfere também nas oportunidades do brincar livre na escola de Educação Infantil,

especialmente nas turmas de Alfabetização.

Convém ressaltar que, na escola particular de pequeno porte, mesmo sendo

brincadeiras dirigidas (arranca-rabo, brincadeiras de ciranda e de ‘futebol’), somente observei

sendo oferecidas na turma de quatro anos, e não aconteciam na de seis - salvo nos dias em que

essas brincadeiras eram sugeridas no momento do parque e não como um momento pensado

exclusivamente para esse fim.

Nos dias de sexta-feira, na escola particular de pequeno porte, as crianças da turma de

quatro anos podiam levar seus brinquedos para brincar na escola. Nesse dia, as crianças

tinham oportunidade de brincar na sala por um tempo bastante generoso - cerca de uma hora -

sendo esse período caracterizado pelo lúdico-livre, pois, apesar de a professora utilizar parte

desse tempo realizando suas atividades didáticas, ao terminá-las, não dava a brincadeira por

encerrada, mas passava a observar as crianças brincando.

Em virtude de as oportunidades das crianças da turma de quatro anos da escola

particular de pequeno porte só desfrutarem de um tempo mais farto de brincadeira em sala nos

dias de sexta-feira, indaguei à professora se havia alguma razão específica para ser assim. Ela

referiu-se à intenção das crianças trazerem seus brinquedos de casa; nesse caso, o dia de

sexta-feira era liberado para isso. Explicou que, nos dias de sexta-feira as crianças chegam à

escola com o desejo de brincar, para mostrarem o brinquedo que trouxeram de suas casas.

Dessa forma, logo no começo da aula as crianças já têm que ter a oportunidade de brincar

com seus brinquedos, então, as deixa brincar por uns 20 a 25 minutos no começo da aula.

Destacou que a brincadeira se dá de forma que as crianças ficam sentadas, pois a

oportunidade é mais para as crianças “verem o brinquedo”. A professora acrescentou ainda

que nos dias de sexta-feira não há nenhuma atividade extra, então a turma dispõe de mais

tempo.

Observa-se a professora haver salientado que, mesmo que a brincadeira seja com os

brinquedos, acontece da mesma forma com os jogos, sentados à mesa; só que por um tempo

um pouco maior por ser um dia em que não há atividades extra-sala e por isso a brincadeira

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em sala pode demandar mais tempo, pois não vai interferir no período previsto para a

realização das atividades.

Acrescento ainda que desenvolvi também uma percepção de recreação ao observar as

oportunidades do brincar para a turma de seis anos da escola pública de pequeno porte.

Percebi que as brincadeiras em sala eram somente as dirigidas pela professora, com fins

didáticos, não havia momentos de brincadeiras livres ensejadas na sala, senão nos dias de

sexta-feira, ou nos tempos ociosos, como já fiz referência. Concluo, então, que a única

oportunidade de brincar livre na sala de aula pelas crianças dessa turma era somente nas

sextas-feiras, dia reservado para brincar com os brinquedos trazidos de casa pelas crianças.

Vejo, então, que a única oportunidade diária que as crianças dessa turma tinham de

brincar era a do parque, uma vez instituídos pela escola o tempo e o horário para a freqüência

(em cada sala havia um quadro dos horários do parque pelas turmas, fixados na parede). No

que se refere a sala de aula, porém, a professora fez comentários para mim, dizendo que não

achava interessante apenas deixar as crianças brincarem na sala de aula livremente, mas que

as brincadeiras deveriam ser por ela dirigidas e somente dois dias na semana era que ela

separava para que as crianças pudessem brincar livremente. Na realidade, entretanto, o que

observei foi que somente um dia na semana era ocasionado o brincar livre, que era nas sextas-

feiras.

Já na escola pública de grande porte, as oportunidades de brincar em sala de aula eram

diárias e as caracterizo como sendo da ordem do lúdico-livre, pois as crianças tinham

oportunidade de escolher do que iam brincar. Assim, faziam uso dos jogos, dos brinquedos

disponíveis na sala de aula, optando também por desenhar ou ler livros. Era, pois, ocasião de

livre escolha. Mesmo que as professoras estivessem ocupadas durante boa parte desse tempo,

ao concluírem suas atividades, passavam a observar as crianças brincando. Dessa forma, todos

os dias, as crianças tinham oportunidade de brincar em sala por um tempo bastante farto.

Algumas vezes, na turma de quatro anos da escola pública de grande porte, e da escola

particular de pequeno porte, a professora delimitava a brincadeira, formando grupos de

atividades, como, por exemplo, mesas com jogos e mesas com massinha, para que as crianças

fizessem a opção pelo que queriam brincar dentre as que eram oferecidas. Posso então

caracterizar essa oportunidade como a do lúdico-opcional, conforme relato em diário de

campo:

A professora organizou três mesas, uma com material para desenho e duas com jogos, sendo que uma com jogos de madeira e outra com jogos de material plástico. A maioria das crianças brincava com os

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jogos de encaixe de plástico, outras desenhavam e apenas uma menina brincava com o jogo do engenheiro (de madeira). (Diário de campo, 22 de junho).

Intitulo, então, essa oportunidade como lúdico-opcional, mesmo que, depois de algum

tempo, as crianças viessem a optar por outra brincadeira de seu interesse e que não era

oferecida a priori.

Encontrei o sentido do lúdico-ocupacional na escola pública de pequeno porte com

relação a algumas das oportunidades de brincadeiras livres, com massinha na sala de aula da

turma de quatro anos. A professora dessa turma estava, algumas vezes, oferecendo essa

brincadeira na sala quando necessitava de tempo para realizar suas atividades didáticas ou

enquanto as crianças estavam aguardando uma atividade, na intenção de manter estas

ocupadas e quietas. Como exemplo, relato um dia em que aconteceu uma festa de aniversário

de um menino, quando a professora levou as crianças para o pátio e ofereceu massinha para

que elas ficassem brincando enquanto a sala de aula era organizada para a festa.

Nos lances de brincadeiras na sala com os jogos e no espaço do faz de conta, porém,

essas oportunidades eram a do lúdico-livre, pois, mesmo que a professora se ocupasse em

realizar alguma de suas atividades didáticas no início da brincadeira, ao concluí-las, não dava

por fim a brincadeira já iniciada. A brincadeira, então, continuava por um bom tempo e a

professora passava a observar as crianças brincando.

Também encontrei o sentido do lúdico-ocupacional na brincadeira de massinha na

escola pública de grande porte, com referência à turma de quatro anos. Nem todas as

oportunidades de brincadeira com a massinha, no entanto, tinham esse sentido, ao contrário, a

maioria das oportunidades era de promover um momento lúdico. Acontece, que às vezes,

havia uma atividade em que a professora necessitava dar atenção a algumas crianças que

realizavam atividades, geralmente artística, que eram relacionadas sempre a datas

comemorativas, como, por exemplo, no dia da confecção das lembrancinhas do Dia das Mães,

a professora acompanhava apenas 6 crianças por vez, enquanto as demais ficavam brincando

de massinha.

Interpreto, então, as oportunidades do brincar na escola pública de grande porte como

sendo do lúdico-livre, tanto naquelas livres em sala quanto as que aconteciam no parque. Isto

porque, mesmo que algumas vezes as professoras necessitassem do tempo em que as crianças

estavam brincando para realizar atividades didáticas, quando as terminavam, as crianças ainda

tinham um bom tempo de permanência na brincadeira e as professoras passavam a observar as

crianças brincando.

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Além desses papéis que são atribuídos ao lúdico, encontrei também, o lúdico-dirigido,

relativamente à escola particular de pequeno porte, alguns também postos no âmbito do

lúdico-ocupacional, pois algumas brincadeiras acontecem quando se pretende ocupar o tempo

das crianças enquanto aguardam uma atividade. Relato o dia em que as crianças da escola

particular de pequeno porte estavam esperando para fazer uma apresentação na festa do Dia

das Mães. Enquanto isso, a professora da turma do Jardim II ficou brincando com as crianças

de “o Fulano roubou o pão da casa do João”. Era cantada a música:

TODOS: A Camila38 roubou o pão da casa do João (2x)

CRIANÇA ESCOLHIDA: quem eu?

T: você

CE: eu não

T: então quem foi?

CE: foi a Fabiana

T: A Fabiana roubou o pão da casa do João...

E assim a brincadeira continuava até que todos participassem, mas, como já

chamavam a presença das crianças ao pátio, nem todas puderam participar. É nesse sentido,

da brincadeira ser interrompida quando a ocasião da ocupação é chegada, que situo essa

oportunidade como sendo também do lúdico-ocupacional, além de defini-la como o da

brincadeira dirigida.

A esse respeito, Cunha (1995) considera que as crianças não devem crescer só

atendendo às solicitações dos adultos, pois, assim, não desenvolverão autonomia nem senso

de responsabilidade. Brougère (2001) afirma que, em geral, o que caracteriza a brincadeira, e

em especial, a da criança, é exatamente o fato da brincadeira ser um espaço, uma

possibilidade de ação que a criança domine ou, pelo menos, realize em função do seu

interesse e da sua própria vontade.

Com relação ao caráter didático do uso do lúdico, Wajskop (2001) encontrou na escola

de Educação Infantil a preocupação em preparar as crianças para o Ensino Fundamental no

predomínio das atividades de repetição de exercícios de prontidão “utilizando-se da

brincadeira ora como recurso didático, ora como instrumento de sedução” e, dessa forma, não

há consonância com o aspecto aleatório e indeterminado da atividade lúdica infantil.

38 Os nomes pessoais aqui utilizados são fictícios.

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O quadro 2 possibilita uma visualização do que foi discutido. É importante atentar que

a seqüência dos sentidos atribuídos ao lúdico dispostos nesta tabela está seguindo uma ordem

que vai do sentido mais freqüente ao menos freqüente em cada faixa etária, relacionado a cada

espaço físico da escola onde ocorrem as práticas lúdicas.

Quadro 2. Esquema de visualização dos sentidos atribuídos pelo professor às práticas lúdicas, segundo a turma, o lugar de realização da atividade e a natureza da instituição.

ESCOLA LUGAR TURMA SENTIDO ATRIBUÍDO AO LÚDICO 4 ANOS OCUPACIONAL/ DIRIGIDO PARQUE 6 ANOS OCUPACIONAL/ LIVRE/ DIRIGIDO

4 ANOS OCUPACIONAL/ OPCIONAL/ LIVRE/ DIRIGIDO SALA

6 ANOS OCUPACIONAL 4 ANOS LIVRE

ESCOLA PARTICULAR DE PEQUENO PORTE

BRINQUEDOTECA 6 ANOS * 4 ANOS LIVRE PARQUE 6 ANOS LIVRE 4 ANOS LIVRE/ DIRIGIDO/ OCUPACIONAL

ESCOLA PÚBLICA DE PEQUENO PORTE

SALA 6 ANOS DIDÁTICO/ LIVRE/ DIRIGIDO 4 ANOS LIVRE PARQUE 6 ANOS LIVRE 4 ANOS LIVRE

ESCOLA PARTICULAR DE GRANDE PORTE

SALA 6 ANOS LIVRE 4 ANOS LIVRE PARQUE 6 ANOS LIVRE

4 ANOS LIVRE/ OPCIONAL/ DIRIGIDO/ DIDÁTICO/ OCUPACIONAL SALA

6 ANOS LIVRE/ DIDÁTICO /DIRIGIDO 4 ANOS OCUPACIONAL

ESCOLA PÚBLICA DE GRANDE PORTE

BRINQUEDOTECA 6 ANOS * *As crianças não foram encaminhadas para atividades neste espaço durante o período de observação A partir deste quadro, é fácil notar que há uma variação de sentidos atribuído ao

lúdico, independente do contexto físico (sala, parque, brinquedoteca) onde ele ocorre, tanto

nas escolas públicas quanto na particular de pequeno porte. No entanto, na escola particular

de grande porte o lúdico-livre é o único sentido atribuído ao brincar da criança e está presente

em todas as faixas-etárias e em todos os contextos em que essa atividade é realizada. O fato

de ser uma escola com uma filosofia pedagógica bem especifica pode ter tido uma influência

sobre os resultados de modo a limitar as possibilidades de generalização dos dados a outras

escolas da mesma natureza institucional.

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3.3.2. Recreio e Cia: quando as crianças entram em ação Nas escolas, as brincadeiras eram postas em várias situações. No que se refere a

recreio, a escola pública de grande porte era a única que dava essa oportunidade, na qual

acontecia a brincadeira livre. Nessa ocasião as professoras também tinham tempo livre e as

crianças eram observadas pelas funcionárias de serviços gerais.

Na chegada à escola, na particular de pequeno porte, as crianças ficavam na sala de

plantão39, onde assistiam a desenho animado em vídeo ou mesmo na televisão, desenhavam,

liam livro de literatura infantil enquanto chegava o início da aula; algumas crianças não

queriam e fugiam, ficavam brincando pelo pátio ou no parque até que a música tocasse,

anunciando o início da aula.

Na escola particular de grande porte, as crianças, ao chegarem à escola, dirigiam-se à

sala de aula e lá ficavam brincando até o início da aula que começava com uma hora de

brincadeira, de forma que as crianças não interrompiam a brincadeira ao iniciar a aula.

Na escola pública de pequeno porte, as crianças, ao chegarem à escola, logo se

dirigiam às suas filas e lá ficavam sentadas, quietas, aguardando o momento de iniciar a

acolhida. O mesmo não acontecia na escola pública de grande porte, pois, apesar de algumas

crianças irem chegando e logo formando suas filas no pátio, aguardando a chegada das outras

crianças e professoras para que fosse iniciada a acolhida, muitas ficavam brincando pelo

próprio pátio. Algumas corriam, conversavam, até o toque da música; então, todos iam para

suas filas para a acolhida.

Ao esperarem pelos pais, uma vez terminada a aula, na escola pública de pequeno

porte, as crianças eram solicitadas a ficar sentadas junto à porta, enquanto estavam em sala

(durante 20 minutos, antes do término da aula) depois junto ao portão, quando estavam no

pátio com a pessoa que ficava no portão (quando as professoras se iam). Nesse instante elas

brincavam com o que tinham em mãos, geralmente seus próprios brinquedos trazidos de casa

ou de outras brincadeiras, pois não precisavam necessariamente de objetos e podiam ficar

sentadas.

Perguntei às professoras dessa escola o que consideravam que poderia ser feito em

relação a este tempo de espera para ir embora, já que se requer trabalho para manter as

crianças quietas. Uma levantou a possibilidade de alguém contar uma história ou propor uma

brincadeira ou alguma coisa que motivasse as crianças a ficarem quietas, ocupadas, não

39 Sala que possui livros, material para desenho e televisão, onde as crianças ficam enquanto esperam o início da aula quando chegam cedo e enquanto esperam seus pais ao término da aula.

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perderem o tempo. A outra respondeu notar que as crianças ficam à toa, sem fazer nada, e que

já havia sugerido à direção para colocar música para ficarem dançando, porque, mesmo no

princípio, se ficassem correndo, depois deixavam, pois iam se acostumar. Isso num dia, em

outro dia poderia em cada cantinho do pátio organizar jogos.

Já na escola pública de grande porte, as crianças não tinham essa espera em sala, pois,

ao término da aula, as professores levavam suas filas para o pátio junto ao portão de entrada

da escola. Apesar de ser sugerido que as crianças ficassem sentadas no chão, enquanto os pais

chegavam, a maioria das crianças ficava mesmo era brincando. Poucas ficavam sentadas,

olhando para fora à espera dos pais. Nesse ínterim as crianças brincavam com brinquedos

trazidos de casa, algumas crianças ficavam na brinquedoteca (pois esta fica num espaço

aberto num cantinho desse pátio), algumas corriam, outras escalavam o portão, tocavam a

campainha, ou apenas conversavam umas com as outras, tudo isso juntamente às crianças do

Ensino Fundamental, que tinham o mesmo horário de término de aula das crianças da

Educação Infantil. Isto é, todas ficavam brincando num pátio onde o espaço era menor do que

o da escola pública de pequeno porte, a qual, além de ter um pátio maior, só abrigava crianças

da Educação Infantil e em número bem reduzido, pois boa parte das crianças já tinha sido

apanhada na sala de aula por seus pais. Vejo que nesse momento as crianças tinham mais

liberdade de brincar em relação à escola pública de pequeno porte.

Na escola particular de grande porte, as crianças ainda tinham mais liberdade para

brincar no momento do término da aula. Lá elas ficavam espalhadas por todo o terreno sob as

árvores, brincando, enquanto aguardavam a chegada de seus pais.

Na escola particular de pequeno porte, as crianças, enquanto ainda estavam em sala

(cerca de dez minutos antes do término da aula) junto à professora quando na espera dos pais,

isto é, no tempo livre, de início, brincavam ou ficavam livres para escolher com que se

ocuparem. Geralmente utilizavam os jogos da sala ou se ocupavam em desenhar, mas a partir

do mês de junho, essa rotina de espera pelos pais mudou. A professora passou a arrumar as

cadeirinhas em semicirculo perto da porta, onde as crianças sentavam, segurando seus

pertences e a professora cantava músicas com elas até que os pais chegassem. Por ocasião da

entrevista, a professora disse que essa rotina havia mudado porque algumas vezes que a

diretora da escola visitava a sala no instante do final da aula e acontecia que às vezes um pai

chegava para apanhar uma criança e a presenciava correndo pela sala. Ela acrescentou que a

diretora considerava importante que quando a criança fosse embora estivesse tranqüila, então

encontrou uma forma das crianças ficarem calmas através da música cantada por ela mesma

juntamente com as crianças.

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Talvez algum pai tenha demonstrado a insatisfação por chegar na escola e ver seu filho

“correndo” na sala de aula, por isso é que o esquema mudou para algo mais “calmo”. As

crianças, desde então, ficavam sentadas e quietas na hora em que os pais chegavam para

buscá-las, e cantar era a melhor forma de acalmá-las. Depois do término da aula, as crianças

voltavam para a sala do plantão. Lá utilizavam o material disponível, isto é, ficavam

assistindo a desenho animado, lendo literatura infantil ou desenhando.

Entendo que em escolas particulares os pais tendem a fazer exigências que a direção

da escola opta por atender pelo fato de não querer deixar um cliente insatisfeito ou até mesmo

ocorrer deste vir a tirar o filho da escola por não ter suas exigências atendidas. Poderia,

porém, ser elaborado outro esquema de espera aos pais, que contemplasse a satisfação da

criança, isto é, brincar livremente, sem que causasse aborrecimento aos pais; como, por

exemplo, as crianças podiam ficar na brinquedoteca ou mesmo no parque enquanto seus pais

chegavam, pois observei que a maioria das crianças, antes de irem embora, já na companhia

dos pais, exigiam uma passada pelo parque que muitas vezes demandava bastante tempo.

Nos dias de passeio, as crianças também brincavam nas várias oportunidades, no

trajeto dentro do ônibus, no local da visita e principalmente se havia um horário para a

descontração. No passeio que as crianças da escola pública de grande porte fizeram para ir ao

cinema, durante o trajeto, elas brincaram. Algumas cantavam, outras ficavam pulando

(mesmo sentadas) em seus assentos e uns meninos brincavam de faz de conta que eram super-

heróis. No dia do passeio da escola particular de pequeno porte para conhecer os principais

pontos históricos da Cidade, as crianças tiveram um intervalo para descontraírem numa praça

depois do lanche, isto é, de brincadeira.

De posse de migalhas dos restos dos lanches, as crianças puderam alimentar os

pombos que havia na praça e depois correr atrás deles quando alçavam o vôo. Ainda no

ônibus, quando retornavam para a escola, as professoras perguntaram às crianças do que elas

mais gostaram de fazer durante o passeio. Certamente das ocasiões de brincar livre o que

comprova nas palavras da maioria das crianças: ‘de correr atrás dos pombos’.

Diante do exposto, posso considerar que as atividades importantes para as crianças são

aquelas que emergem do seu próprio interesse, isto é, da atividade lúdica. De posse desse

conhecimento é que os professores, para motivar as crianças, propõem atividades didáticas

com o caráter lúdico.

Com efeito, Brougère (1998) chama a atenção para a preocupação dos professores em

cumprir a tarefa de educadores e que “deixar a criança livre provoca no professor o

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sentimento de não mais cumprir com suas funções. Ele deve constantemente trazer essa

dimensão pedagógica pela qual estima ser pago” (p. 175).

Nesse contexto, Wajskop (2001) argumenta que, quando a brincadeira está sujeita a

conteúdos definidos socialmente, não é mais brincadeira, pois se transforma numa atividade

controlada pelo professor que utiliza a sedução do caráter lúdico para manter os alunos

interessados em sua proposta.

3.4. OS ADULTOS, AS CRIANÇAS E OS MOMENTOS LÚDICOS NA ESCOLA. 3.4.1. ‘Daqui a pouco vocês vão guardar os brinquedos, pois já vou terminar de olhar as agendas40’ - A atitude do professor nos momentos do brincar Ao considerar que a brincadeira deve ocupar um espaço central na Educação Infantil,

percebe-se que o professor tem um papel fundamental na facilitação da brincadeira no

contexto da atividade livre, do faz de conta, ensejando oportunidades, subsidiando-os com

materiais diversos, isto é, enriquecendo essas passagens no entendimento de que esta é uma

atividade necessária ao desenvolvimento da criança. Sobre a atitude do professor,

Vasconcelos acrescenta que:

O professor que valoriza a brincadeira infantil poderá participar como mediador: estimulando a fantasia da criança, oferecendo materiais, assumindo papéis na brincadeira, encorajando as manifestações espontâneas, estimulando a participação daqueles que não estão tendo oportunidade, esclarecendo dúvidas quando solicitado etc. (VASCONCELOS, 2000: p. 16).

Do mesmo modo, Wajskop (2001) vê o professor como uma figura fundamental para

que a brincadeira aconteça, de forma a criar espaços, oferecer material, partilhar dessas

ocasiões com as crianças. Ao agir assim, o professor possibilita às crianças uma forma de

ascender às culturas e modo de vida adultos, de maneira criativa, social e partilhada; também

está transmitindo valores e uma imagem da cultura como produção e não apenas como

consumo.

Brougère (2001) afirma que através da brincadeira não é possível assegurar

aprendizagens de um modo preciso devido ao seu aspecto aleatório. Ainda assim, certas

aprendizagens essenciais parecem ser adquiridas durante a brincadeira. Assim, o autor propõe

40 Fala de uma professora na oportunidade em que as crianças estão brincando em sala.

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que o educador construa ambientes de brincadeira em função dos resultados almejados.

Mesmo que não haja certeza quanto aos aprendizados objetivados, mas com o material

apropriado, aumentam as chances que a criança aja da maneira esperada.

Com relação à atitude dos professores nas várias situações de brincadeiras observadas

nas escolas, especificamente tratando da participação destes nas brincadeiras das crianças,

salvo na escola particular de grande porte, não observei essa posição nos docentes em

nenhuma das outras três escolas pesquisadas, nem ao menos as professoras foram convidadas

a brincar com as crianças.

Comigo aconteceu, porém, de forma diferente. Muitas vezes quando das brincadeiras

em sala, fui solicitada pelas crianças para brincar com elas, pois me chamavam para mostrar o

que haviam produzido com as peças para montar ou pelo menos para sentar junto a elas e ver

o que estavam fazendo. No parque, muitas crianças me chamavam para mostrar suas

peripécias nos equipamentos, suas construções na areia ou mesmo para dar-me uma

‘comidinha’ feita nas brincadeiras. Nesses convites a mim, sempre são as próprias crianças

que determinam o meu papel na brincadeira, como cito:

Uma menina convidou-me para brincar com ela de mãe e filha. Ela disse que eu era a filha e ela a mãe. Sentei perto dela e ela começou a me ensinar a fazer bolo. Por vezes ela me dizia o que estava colocando no bolo e quando esquecia o nome dos ingredientes, ela me perguntava. (Diário de campo, 09 de maio).

A partir do quadro 3, é possível tentar elaborar uma relação entre os aspectos

discutidos referentes às práticas lúdicas e à formação do professor.

Quadro 3. QUADRO DEMONSTRATIVO DA RELAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO DO PROFESSOR E AS PRÁTICAS LÚDICAS NAS DIFERENTES FAIXAS ETÁRIAS, SEGUNDO A

NATUREZA DAS INSTITUIÇÕES.

ESCOLA FORMAÇÃO DO PROFESSOR FAIXA ETÁRIA

SENTIDO ATRIBUIDO AO LÚDICO SEGUNDO A SUA

OCORRÊNCIA

Inicial normal/ graduanda em pedagogia/ formação em serviço 4 anos de experiência41. 4 anos

OCUPACIONAL – DIÁRIO OPCIONAL – NÃO SISTEMÁTICO DIRIGIDO – NÃO SISTEMÁTICO LIVRE – CONDICIONADO E.Particular

de Pequeno Porte Inicial normal/ graduada em

pedagogia/ especialista em psicopedagogia/ formação em serviço. 3 anos de exp. 6 anos

OCUPACIONAL – SISTEMÁTICO LIVRE – NÃO SISTEMÁTICO

41 Tempo de experiência como professora da Educação Infantil.

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Graduada em pedagogia/ especialista em educação especial/ formação em serviço. 11 anos de exp. 4 anos

LIVRE – DIÁRIO DIRIGIDO – NÃO SISTEMÁTICO OCUPACIONAL – NÃO SISTEMÁTICO

E. Pública de Pequeno Porte

Inicial normal/ graduanda em pedagogia/ formação em serviço. 3 anos de experiência 6 anos

DIDÁTICO – DIÁRIO LIVRE - DIÁRIO DIRIGIDO – NÃO SISTEMÁTICO

Inicial normal/ curso de pedagogia Waldorf e formação em serviço. 16 anos de exp.

4 a 6 anos

manhã LIVRE – DIÁRIO

E. Particular de Grande Porte

Inicial normal/ curso pedagogia Waldorf/ graduanda em pedagogia e formação em serviço. 6 anos de exp.

4 a 6 anos tarde LIVRE – DIÁRIO

Inicial normal/ graduada em pedagogia/ especialista em administração escolar/ formação em serviço. 5 anos de exp.

4 anos

LIVRE – DIÁRIO OPCIONAL – SISTEMÁTICO DIRIGIDO – NÃO SISTEMÁTICO DIDÁTICO – NÃO SISTEMÁTICO OCUPACIONAL – NÃO SISTEMÁTICO E. Pública de

Grande Porte Normal, graduada em administração, habilitada para lecionar matemática de 5ª a 8ª série e formação em serviço. 8 anos de exp.

6 anos

LIVRE – DIÁRIO DIDÁTICO - DIÁRIO DIRIGIDO – NÃO SISTEMÁTICO OCUPACIONAL - NÃO SISTEMÁTICO

DIÁRIO – frequência diária. SISTEMÁTICO – quando a frequência está associada a uma outra atividade. NÃO SISTEMÁTICO – quando a freqüência é irregular. CONDICIONADO – à sobra de tempo destinado a Psicomotricidade.

Conforme este quadro, observa-se que a valorização do lúdico pelo professor, como

atividade livre, está associada a uma melhor qualificação profissional e experiência de ensino,

independentemente da natureza da instituição.

A quadro acima, nos permite considerar que o sentido atribuído à atividade lúdica pelo

professor está relacionado à sua formação. Primeiro quanto a sua formação inicial, segundo

quanto a uma formação continuada em serviço. Observando a situação da professora da

turma de quatro anos da escola particular de pequeno porte, pode-se ver que o lúdico-livre é

menos freqüente do que as demais e que sua formação inicial é o curso normal, estando ainda

no inicio do curso de graduação em Pedagogia. Pelo seu tempo de experiência pode-se

perceber que sua formação em serviço também ainda é precoce, levando em consideração o

fato de que a escola oferece alguns cursos sem seqüência, em apenas algumas vezes no ano.

Agora observemos a professora da turma de seis anos da escola pública de grande porte e a

sua freqüência no ensejo do brincar livre, que é diário. Apesar de sua formação inicial ser

também o curso normal, a professora tem uma formação continuada em serviço e que perdura

durante seus oito anos de experiência.

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A professora da turma de seis anos da escola particular de pequeno porte, apesar de

possuir a graduação em Pedagogia e também uma especialização na área da educação, enseja

o lúdico livre em menor freqüência que a professora da turma de seis anos da escola pública

de pequeno porte. Observemos que a professora da turma de seis anos da escola pública,

apesar de também possuir pouco tempo de experiência como professora da Educação Infantil,

tal como a professora da turma de seis anos da escola particular de pequeno porte, teve seus

conhecimentos subsidiados com uma formação em serviço não somente pelo tempo de

experiência como professora, mas também durante todos os oito anos como diretora. Segundo

ela, todos os anos quando eram oferecidos os cursos para as professoras da Educação Infantil,

a mesma também participava desses cursos para melhor compreender o trabalho educativo

com as crianças pequenas. Por outro lado, a professora da escola particular de pequeno porte

possui pouca experiência na Educação Infantil e também obteve poucas oportunidades de

formação em serviço.

Aquilo que o quadro apresenta de forma esquemática pode ser melhor compreendido

quando se analisa a fala das professoras.

A professora da turma de quatro anos da escola particular de pequeno porte, quando

em momento do lúdico-livre (como nos dias do brinquedo nas sextas-feiras), tendia a se

envolver mais com as crianças, pois estava livre de suas ocupações e ficava, então, disponível

para dar atenção ao que as crianças estavam fazendo. Enquanto isso, a professora da turma de

seis anos, durante o parque, mesmo estando ocupada de início, depois, ao concluir o que

estava fazendo42, passava a circular pelo parque e a conversar com outros professores que

também estavam no parque com suas turmas. Somente em algumas vezes, ficava atenta às

brincadeiras das crianças, e realizava alguns comentários sobre as brincadeiras delas. Percebi

que essa professora ficou mais atenta às brincadeiras das crianças no período da chegada de

um novo playground (o que as crianças chamam de ‘a casa da árvore’), porém, mais pelo fato

de querer evitar que as crianças nela subissem, pois a casa da árvore era muito alta e por

alguns dias ficou sem a tela de proteção.

Na realidade, o cuidado para as crianças não machucarem a si mesmas nem às outras

era o que mais as professoras da escola particular de pequeno porte observavam nas ocasiões

das brincadeiras, principalmente no parque. A professora da turma de quatro anos confirmou a

minha percepção quando afirmou que se ocupa em observar quando as crianças estão

brincando, os atritos, se há confusão, bem como se estão interagindo harmonicamente.

42 Lembrando que, na maioria das vezes, ao se desocupar de suas atividades didáticas, a professora chamava as crianças para retornarem à sala.

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Comentou que há crianças que se relacionam bem com todas as outras, embora existam

também aquelas que têm dificuldades, que sendo egocêntricas, não sabem dividir, o que

geralmente produz atrito. A professora ressaltou que é necessário que o professor esteja

sempre atento e mediando para que não haja agressão entre as crianças.

Com isso, posso concluir que seu embasamento teórico acerca desse assunto ainda não

foi contemplado no contexto da sua formação acadêmica. De fato, a professora citada tem

como formação inicial o curso normal e segundo ela, no período da pesquisa, estava cursando

o 2° semestre do curso de Pedagogia.

Vejamos também que a oportunidade dessa professora cursar a graduação em

Pedagogia foi somente após o quarto ano do seu ingresso na atividade de ensino. Até então, o

seu trabalho na Educação Infantil estava subsidiado nos conhecimentos fornecidos pelo curso

normal. A fala da professora, ao ser indagada como a sua formação pedagógica contribuiu

com o modo como vê o brincar na escola, permite perceber onde está fundamentada a sua

concepção do brincar na escola como uma recreação e da aula de Psicomotricidade como uma

brincadeira. Segundo ela no curso Magistério não há uma aprendizagem do brincar, mas há

um predomínio na aprendizagem dos conteúdos. Ela recorda que na escola Normal obteve a

oportunidade de participar de uma oficina de recreação oferecida pelo pessoal da UNB.

Lembra também que no segundo ano, nas aulas de Educação Física, obteve alguns

conhecimentos sobre recreação, mas nada que considerasse o lúdico como algo tão importante

quanto a “Psicomotricidade”. Assegurou que o professor percebe isso depois que está

trabalhando, quando ele está realmente praticando é que consegue ver. Na Faculdade, no

entanto, já pode perceber que há mais ênfase quanto ao lúdico.

A professora da turma de seis anos, da mesma escola, além de também confirmar suas

observações mais voltadas para os possíveis conflitos que pudessem suscitar a reação física de

uma criança sobre outra, tal como a professora da turma de quatro anos, ressaltou sua

observância para a participação das crianças na brincadeira. Assinala, porém, que sua

observação acontece mais no sentido de aceitação ou exclusão de alguma criança nas

brincadeiras, além de observar também como as regras são criadas pelas crianças nessas

passagens, o tipo de brincadeiras e como ocorre o desenvolvimento destas.

Essa professora tem um nível mais elevado em termos de formação pedagógica que

perpassou todos os três anos da sua experiência em Educação Infantil. Além do curso normal,

é graduada em Pedagogia e, após o ingresso na atividade de ensino, teve a oportunidade de

cursar uma pós-graduação em Psicopedagogia, além de participar de eventos na área da

Educação e em cursos oferecidos pela própria escola. Quando a professora assinala, porém,

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que “através da brincadeira eles aprendem muito mais do que naquele ensino tradicionalista.

Através das brincadeiras eles aprendem muito mais, fica mais significativo para eles, mais

fácil a aprendizagem deles”, é nítida a percepção de que a sua formação permitiu apenas que

notasse o brincar como uma forma de facilitação da aprendizagem de conteúdos.

Na escola pública de pequeno porte, a professora da turma de quatro anos dava aza às

brincadeiras não somente na sala e no parque, mas também em outros espaços da escola,

como na varanda da sala e no terraço na entrada da escola. Além de dar origem a outros

espaços para as crianças brincarem, a professora já mencionada observava as crianças quando

estavam brincando no parque e algumas vezes realizava comentários sobre como algumas

delas pareciam ser socializadas mais naquela ocasião. Como no dia em que falou: “os que

quase não falam na sala (as crianças), aqui ficam mais soltos e conversam com os amigos”.

Essa professora observava os seus alunos com o olhar voltado não somente para que não se

machucassem, mas para perceber o que eles faziam e o que era diferente no comportamento

das crianças quando estavam brincando. Afirmou, então, que observava se todas as crianças

estavam brincando, se gostavam da brincadeira, quem liderava, as iniciativas e também se

estavam respeitando as regras da brincadeira.

A professora em foco tem como formação inicial a graduação em Pedagogia, além de

uma pós-graduação em Educação Especial, cursada depois do ingresso na atividade de ensino

e dos cursos anuais oferecidos pela Secretaria de Educação. Os conhecimentos obtidos na sua

formação inicial contribuíram na sua prática durante seus 11 anos de experiência na Educação

Infantil, já que teve a oportunidade de cursá-lo antes do ingresso na atividade de ensino.

Segundo a professora, esses cursos oferecidos como formação continuada para os professores

da rede pública de ensino contribuíram muito com a forma como vê o brincar, pois este

“contribui para o desenvolvimento da criança em todos os aspectos: cognitivo, afetivo e

social”.

Já a professora da turma de seis anos, dessa mesma escola, pouco observava as

crianças brincando no parque, no sentido de perceber como e quais as influências

socioculturais que as crianças estavam percebendo do seu meio, como estavam produzindo e

re-produzindo estas culturas. Percebi, então, que a professora ficava mais atenta para que as

crianças não se machucassem. Também nas brincadeiras em sala de aula, a professora, às

vezes ficava ocupada nas atividades didáticas ou mesmo em seus assuntos particulares.

Ao ser indagada sobre o que costumava observar quando os seus alunos estavam

brincando, revelou observar as crianças brincando apenas nas situações didáticas em sala de

aula, para melhor perceber o desenvolvimento e a aprendizagem, a resolução dos conflitos.

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Quanto aos conteúdos da área de matemática consegue perceber como o conhecimento é

mediado pela interação entre as crianças, a maturidade de cada criança e o crescimento de

cada uma delas.

Essa professora possui como formação inicial o curso normal. Somente depois do

ingresso na atividade de ensino foi que obteve a oportunidade de cursar a graduação em

Pedagogia, cuja conclusão estava prevista para o final do ano em que realizei a pesquisa na

escola. Segundo ela própria, a sua formação pedagógica pouco contribuiu para o modo como

vê o brincar na escola, ao declarar que “vi uma coisa, consigo fazer muito pouco do que eu vi

(referindo ao que lhe foi ensinado)”. O que ocorre é o predomínio de uma concepção que a

professora possui e que já está tão marcada no seu fazer pedagógico que, embora tente mudar,

não consegue. A professora em sua fala revela a concepção da brincadeira dirigida ou da

brincadeira didática, entendendo que essa atividade esteja ligada a um conteúdo trabalhado.

Com isso, a professora assinala que não é por falta de conhecimento, porque sabe a

necessidade da brincadeira para criança. Para ela o que ocorre é a falta suporte, percebendo a

dificuldade para as “brincadeiras estarem fluentes na nossa cabeça assim, rapidinho”, no

entendimento de que o professor deve sempre ser criativo de “ver a brincadeira, saber

brincadeiras novas” e também as tradicionais e que é preciso ensinar tudo para as crianças.

Argumenta ainda que, às vezes, o professor fica cansado, pois são cinco horas em sala de

aula, usando a voz por todo esse tempo, e que não há outro instrumento na escola (referindo a

escola na qual trabalha) para que o professor use, a não ser a voz. Disse não gostar de usar a

televisão, pois não vê no uso da televisão uma brincadeira.

Salientou também que no curso Normal não houve um estudo da brincadeira como

algo importante e que no curso de Pedagogia já observa que é dada importância para o

brincar. Mas, ao mesmo tempo a professora retoma a idéia de que falar que o professor deve

ensejar o brincar na escola é uma coisa, e outra é que ele relembre todas as cantigas de roda,

das brincadeiras antigas e fazer com que essas se adéqüem a um determinado conteúdo, e

chama a atenção por ter falado em conteúdo, porque reconhece que “nem toda brincadeira

precisa estar dentro de um conteúdo, pois pode ser uma brincadeira livre”. A professora ainda

assim, fala que sente falta desse tipo de brincadeira adequada aos conteúdos, mas argumenta

que a sala é pequena, o número de alunos havia aumentado e o som da sala, na sua opinião, é

acústico demais. Comenta que já trabalhou em outra sala onde as crianças brincavam depois

que terminavam a atividade ou “iam brincar com um joguinho que tinha a ver com o que eu

estava querendo, uma brincadeira induzida” ou mesmo brincavam de forma livre. Percebia

essa forma como “um trabalho a parte”, pois havia duas atividades ao mesmo tempo na sala,

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uma livre “e uma à parte do outro trabalho” (atividade didática), mas que agora na sala que

atualmente utiliza não há mais essa possibilidade, “ou eu faço uma coisa ou faz outra”.

Observemos que a professora, ao considerar que “nem toda brincadeira precisa estar

dentro de um conteúdo, ela pode ser uma brincadeira livre”, acrescentou também a frase: “mas

eu acho que ainda tem...”, como se dissesse que a brincadeira não poderia ser apenas livre,

faltaria algo mais, penso que, talvez, algo do dirigido. Afirmou, também, que em seu trabalho

realizado em outra sala, em que havia espaço maior, depois que a criança terminava sua

atividade, podia brincar no outro lado, enquanto as outras ainda realizavam atividade, isto é, a

sala podia ser dividida em duas atividades simultâneas, uma das atividades didáticas e outra

do brincar, que não era necessariamente o livre, poderia ser com jogos relacionados aos

conteúdos trabalhados ou brincar livremente, porém com o caráter do lúdico-ocupacional.

Atentemos que a professora reafirma a sua concepção do caráter didático das brincadeiras na

escola dizendo que a falta de brinquedo pedagógico para ela não é problema, porque consegue

brincar com as crianças fazendo letras, “construindo”. Percebe que podia ser melhor, até

mesmo na construção desses brinquedos se o professor tivesse um planejamento diário ou

semanal que determinasse quantas e quais brincadeiras ia ensejar, bem como um lugar de

consulta na própria escola, onde pudesse escolher uma cantiga de roda ou outra brincadeira.

Afirmou que isso é fora o momento do parque, pois compreende que a brincadeira no parque

é livre mesmo.

Pelas análises realizadas, é possível ver que seu aprendizado no curso Normal tratou

apenas dos conteúdos, como expresso por outras professoras. A docente em alusão teve

somente os dois últimos anos de experiência como professora da Educação Infantil, ambos na

classe de alfabetização, pois antes trabalhava com o Ensino Fundamental, fora os oito anos

em direção escolar. Toda a sua prática é embasada nos conhecimentos adquiridos no curso

Normal e depois nos cursos de aperfeiçoamento oferecidos pela fundação. Dessa forma, é

possível considerar que sua prática de trabalho na educação já estava tão enraizada nas

concepções já estabelecidas que, mesmo já tendo posse de novos conhecimentos que sugerem

novo exercício, não consegue romper com as práticas já estabelecidas e perceber outras

possibilidades para a atividade lúdica na escola.

As professoras da escola pública de grande porte, mesmo que utilizassem a hora do

parque para realizar suas atividades didáticas, quando as terminavam, passavam a observar as

crianças brincando. A professora da turma de seis anos ficava sempre andando por entre as

crianças no parque, observando-as. Notei, também, que a professora da turma de seis anos se

preocupava muito com as crianças que passavam perto dos balançadores em uso, pois tinha

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receio de que os equipamentos atingissem alguém. A própria professora me fez esse

comentário e, sempre no parque pedia cuidado ao passarem perto dos balançadores.

Talvez sua visão estivesse apenas voltada a observar as crianças quando estavam

brincando a fim de prevenir que não se machucassem. E também, certamente, esse era, um

dos motivos de as crianças terem mais oportunidades de brincar na sala de aula do que no

parque. A professora disse que, no instante em que as crianças estão brincando, costuma

observar quais as relações que elas estabelecem entre si, quais os papéis preferidos nas

brincadeiras, o conteúdo destas e por meio disso, poder perceber o avanço cognitivo das

crianças. Consoante ela própria, não foi a sua formação pedagógica que contribuiu para o

modo como vê o brincar na escola, e sim a sua experiência na Educação Infantil, fazendo-lhe

perceber que a brincadeira era importante para a aprendizagem.

Ao ser questionada sobre qual contribuição a sua formação pedagógica oferece para o

modo como vê o brincar na escola, a professora em questão revela que no curso Normal o seu

aprendizado se deu basicamente sobre o ensino dos métodos silábicos bem tradicionais, pois

não havia a preocupação em considerar o brincar como sério. Aprendeu que devia ensejar o

brincar para as crianças na escola porque elas cansavam e devia haver um momento de

descanso, tinha que ter um horário para a criança brincar, mas não porque era importante para

a criança, porque facilitava na aprendizagem dela. A professora salientou que na sua prática

pedagógica, percebeu que usando o brincar as crianças aprendiam muito mais fácil, pois sua

formação, além do Normal, graduou-se em administração de empresa cursou o esquema 1 na

Universidade Católica, que lhe dá habilitação para ser professora de 5ª a 8ª série, de

matemática, mas o que a habilita a dar aula de 1ª a 4ª é o normal, mas “no Normal é que a

gente viu algo mais voltado para a Educação Infantil. Mas lá eu não aprendi nada”.

É simples notar no seu discurso, quando diz que devia deixar as crianças brincar

mesmo “porque eles cansavam”, que a sua formação no curso Normal, tal como a professora

da turma de quatro anos da escola particular de pequeno porte, concebia o brincar na escola

apenas como situação necessária de relaxamento, como uma recreação. Percebi que, ao

ingressar na atividade profissional em Educação Infantil, a professora obteve a oportunidade

de uma formação continuada em serviço voltada para os conhecimentos acerca da educação

da criança. Noto que ela praticou aquilo que lhe foi ensinado nesses cursos e a partir disso ela

entendeu a diferença no seu mister. Assim, o seu trabalho pautado na aprendizagem de forma

lúdica aconteceu durante os dos oito anos de experiência como professora da Educação

Infantil e dos cursos de formação continuada oferecidos pela Secretaria de Educação.

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A professora da turma de quatro anos da escola pública de grande porte, geralmente,

sentava num canto do parque, observando as brincadeiras das crianças e, às vezes, realizava

comentários acerca das brincadeiras. De certa feita, ela comentou que antes ficava no meio do

parque com as crianças, mas que agora não mais fazia porque a poeira da areia estava

causando irritação na sua garganta. Segundo ela, a sua observação sobre as brincadeiras das

crianças voltava-se mais para o comportamento delas em relação às outras crianças, e como

elas se relacionavam com o brinquedo e, também, da maneira como se vinculavam ao

ambiente de modo geral. Essa professora considera que sua formação foi importante para o

modo como vê o brincar na escola, pois foi no curso de Pedagogia que conheceu as teorias

psicológicas de Piaget, Vygotsky e Wallon e com isso revelou que acha importante a

professora de Educação Infantil portar diploma de curso superior.

Com base nessa importância conferida à formação superior aos professores de

Educação Infantil por parte dessa professora, é possível entender que ela julga insuficientes os

conhecimentos necessários a um educador infantil obtidos em curso Normal e que só foram

adquiridos durante a graduação em Pedagogia.

É importante ressaltar a sensibilidade que verifiquei de sua parte em perceber a

necessidade e a vontade das crianças em brincar em locais diferentes, como acontecia em dia

de passeio. Assevero que, nesses casos, nem é necessário às crianças pedir, pois a professora,

que é sensível, nota somente pelo comportamento da criança e pelo modo como expressam a

alegria de ver os espaços que mais gostam de freqüentar. Acrescento, então, o que escrevi em

meu diário, numa ocasião de passeio com essa turma:

Mais adiante, avistamos um campo gramado com duas traves para jogo de futebol. As crianças demonstraram a vontade de correr por aquele espaço dando alguns passos tímidos em direção ao centro do gramado e com os olhos brilhantes. A professora, então, percebeu a vontade das crianças e permitiu que brincassem naquele espaço por alguns minutos. [...]. Um menino avistou um parquinho no meio da quadra e chamou atenção de todos quando exclamou quase gritando: ‘um parquinho!’. As crianças ficaram eufóricas ao avistarem aquele parque e mais uma vez a professora consentiu à vontade das crianças de brincarem. (Diário de campo, 29 de junho).

As professoras dos Jardins da escola particular de grande porte, quando no parque,

ficavam a observar as crianças, andando por todo o espaço da escola onde elas estavam.

Brincavam de corda com as crianças, embalando a corda para as crianças pularem, às vezes

com bola, quando eram convidadas pelas crianças e também de outras brincadeiras que estas

propunham. Nesse momento, então, as professoras ficavam á disposição das crianças, sempre

em torno delas, sendo solicitadas a ajudar (no que se refere a balançar ou subir em árvores) ou

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mesmo brincando com as crianças, mesmo que sejam propostas pelas professoras. Nas

brincadeiras em sala também, geralmente quando estavam brincando de massinha, as crianças

sempre convidavam à professora para ajudar a confeccionar o cenário da brincadeira com a

massinha.

As professoras da escola particular de grande porte afirmaram que nos momentos de

brincadeiras observavam o desenvolvimento da criança, a postura, a linguagem, a

criatividade, a socialização e a fantasia. Ambas as professoras ressaltam que o modo como

vêem o brincar na escola está diretamente relacionado aos conhecimentos relativos à

Pedagogia Waldorf. Uma das professoras evidenciou, ainda, que na Pedagogia Waldorf o

professor deve “dar muita importância à fantasia porque é um caminho onde que a criança

depois vai para o pensar, para a memória e então se ela tem isso muito bem trabalhado agora,

lá na frente vai jorrar como criatividade”.

Nota-se a importância dada à brincadeira na formação das professoras na Pedagogia

Waldorf, através de um curso específico para as professoras que trabalham nas escolas

adotantes dessa pedagogia. Além do curso específico, as professoras têm constantes

aperfeiçoamentos dentro da perspectiva da Pedagogia Waldorf. Assim, para o trabalho nas

escolas que adotam essa pedagogia, é exigida além da formação profissional mínima prescrita

em lei, a formação específica na Pedagogia Waldorf.

Ambas as professoras da escola particular de grande porte cursaram o Normal e

somente uma delas optou por também possuir a graduação em Pedagogia, estando em fase de

conclusão do curso no período da realização da pesquisa na escola.

Evidencio um costume que encontrei na escola particular de grande porte, no instante

em que a professora distribui água ou o lanche para as crianças. Habitualmente, as crianças

tendiam a pedir que a professora fizesse algum tipo de brincadeira para que elas pudessem

adivinhar quem ia receber o copo ou a refeição. Ela, então, realizava brincadeiras, que

variavam a cada dia. Uma vez pegava uma caneca d’água de alguém e dizia o nome dessa

criança, só gesticulando com os lábios, sem emitir voz, para que elas pudessem adivinhar, às

vezes lançava uma pista sobre a roupa que alguém estava usando ou o nome dos seus pais.

Quando as crianças adivinhavam, a criança, que era a ajudante do dia, entregava o copo.

Havia também outras, entre outras formas de adivinhação que ocorriam, conforme relato no

meu diário de campo na ocasião em que era distribuída a água:

A professora começou a distribuir água entre as crianças, nesse momento um menino pediu que fizesse a brincadeira do bode. Então, a professora falou algo que dizia um bode ser o dono de uma fonte e que

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encontrou alguém bebendo a água da sua fonte e assim, a professora pegava o caneco de água de uma criança e fazia tipo uma adivinhação, dizendo a fala do bode ‘quem está bebendo a água da minha fonte?’ E respondia como se fosse uma criança: ‘sou eu, uma ovelhinha (quando menina, se menino, era carneirinho) loirinha, de tranças (dizia as características de uma das crianças para que as outras adivinhassem). (09 de junho).

Relato, ainda, outro momento, dessa vez, na hora do lanche:

Uma criança pediu que a professora entregasse as pêras em forma de barquinho com vela. A professora cortou as pêras de forma que ficou parecido com o que a criança havia pedido. E toda vez que ia entregar a pêra em forma de barquinho nos pratos das crianças ela cantava: ‘O barquinho vai navegando, vai navegando até chegar no prato do(a)’ - dizia o nome da criança que estava recebendo o lanche. (Diário de campo, 13 de junho).

Então, o lúdico era evocado na entrega de água e do lanche, que é procedimento

necessário, mas que geralmente, é realizado somente com vistas a suprir a necessidade

fisiológica das crianças como um fato ‘mecânico’ de entrega e recebimento de copos e pratos.

Isso comprova que toda atividade que se realiza com a criança pode ser um instante lúdico,

além, é claro, das ocasiões que deve existir do lúdico-livre, o qual, de maneira alguma, deve

se extinguir da vida cotidiana das crianças. Nesse contexto, a atitude da professora era

também de considerar o pedido das crianças num lance de brincadeira da qual elas se

agradam.

O que há em comum entre a escola particular de pequeno porte e as escolas públicas

pesquisadas, em relação ao brincar, sobretudo no que concerne às brincadeiras em sala, é que

as professoras utilizavam com frequência o tempo do brincar das crianças em sala para a

realização de atividades pedagógicas. Só raras vezes, em tais ocasiões, as professoras

dedicavam-se apenas à observação das crianças, sendo que, nas escolas públicas, ao contrário

da particular de pequeno porte, as crianças podiam continuar brincando mesmo quando as

professoras já haviam terminado suas atividades.

Diante da percepção desse comportamento comum a essas professoras, na aplicação da

entrevista, a elas indaguei se havia alguma razão para assim procederem. A professora da

turma de quatro anos da escola particular de pequeno porte argumentou sua constante

ocupação em acompanhar as crianças na realização das atividades. Dessa forma, quando

dispunha de qualquer folga em que as crianças não precisassem do seu auxílio, utilizava a

ocasião para realizar suas atividades. Apontou-me as várias atribuições do professor na

realização das muitas atividades que lhe são exigidas, ao mesmo tempo em que reconhece que

suas observações são importantes nos momentos de brincadeiras das crianças. Afirma que

separa o momento após o lanche, ou mesmo no começo da aula, quando as crianças ainda

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estão chegando e conversando e reconhece que se ausenta nesse momento. Porém reconhece

que ao fazer a agenda, o professor deve ter bastante atenção, pois é complicada. Afirmou que,

às vezes, organizava as agendas no parque no momento em que as crianças estavam

brincando. Reconhece como uma falha, e percebe que o professor deve ficar muito atento,

observando a criança brincando, e que sentia falta de registrar alguma coisa referente aos

momentos de brincadeiras das crianças.

Já a professora da turma de seis anos, dessa mesma escola, confirmou que ensejava a

brincadeira com o objetivo de conciliar o tempo para fazer as anotações das agendas das

crianças. Assim afirmando, a professora confirmou a minha análise sobre a oportunidade do

brincar com o objetivo de manter as crianças ocupadas enquanto não estavam em atividades.

Disse que, às vezes, fazia as agendas no início da aula, mas quando não dava tempo fazia nas

aulas de Psicomotricidade. Mas, declarou que, de vez em quando, ensejava o brincar às

crianças, para fazer as agendas, porém argumentou que não era sempre, porque, às vezes,

brincava com as crianças.

Tal como a docente da turma de quatro anos da escola particular de pequeno porte,

ambas as professoras da escola pública de grande porte também apontaram a falta de tempo

como a razão para este comportamento. A professora da turma de seis anos relatou que as

crianças brincam e ela faz o seu trabalho, “acho que é pra dar um tempo para eles e para mim

também”. Assim afirmou, pois vê que até a hora do recreio, não consegue parar, pois

enquanto realiza as atividades com as crianças, não consegue fazer outra coisa, “não dá para

fazer nada até a hora do recreio” (referindo-se à organização das suas atividades didáticas).

A professora da turma de quatro anos reconheceu que, às vezes, assim fazia, mas isso

quando havia muitas tarefas a realizar, porque no horário de coordenação, apesar de ficar

durante 3 horas, algumas vezes o tempo não permitia terminar todas as atividades. Apresentou

o fato de que na época em que tinha de deixar o planejamento para turma da tarde, para a

professora substituta, só contava com aquele momento em que as crianças estavam brincando

pra poder anotar. Mas, ainda afirma que o tempo é pouco e que deve aproveitar os momentos,

mas ressaltou, que mesmo assim, não deixava de observar, mesmo porque devia registrar nos

relatórios também.

Pelo discurso da professora da turma de seis anos da escola pública de grande porte,

considero que na intenção da professora ao ensejar a realização da brincadeira em sala de aula

é de ocupar o tempo das crianças e dispor de um tempo livre para realizar suas atividades

didáticas e não a de propor um tempo lúdico, como eu havia analisado. Mesmo assim,

percebo que esse não é o único objetivo da oportunidade da brincadeira em sala por essa

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professora, pois, sempre que concluía suas atividades, não encerrava a da brincadeira, mas

passava a observar as crianças brincando por bastante tempo. Se o único objetivo da

brincadeira em sala fosse o de manter as crianças em atividades lúdicas enquanto a professora

fazia suas agendas, esta, logo que concluísse suas atividades, encerrava a brincadeira e

iniciava uma atividade didática.

Já a professora da turma de quatro anos da escola pública de pequeno porte concorda

com o fato de que faz algumas atividades em sala quando as crianças estão brincando, mas

admite que não deixa de observá-las. Posso concluir, pela sua fala a seguir, que ela concebe

esse instante como sendo o de promover a brincadeira e não apenas para ocupar as crianças a

fim de organizar suas atividades. Declarou que há coisas que realiza na sala enquanto as

crianças brincam, mas assegurou que deixa as crianças à vontade, porque sabe que naquela

atividade “elas estão também se desenvolvendo, interagindo uns com os outros, criando as

suas próprias regras. Aí vem essa parte toda do social”. Asseverou que fica sempre atenta no

que as crianças estão fazendo.

Embora as oportunidades do brincar em sala para a turma de seis anos dessa escola

fossem poucas, também perguntei à professora dessa turma acerca do que observava sobre a

brincadeira das crianças. Isso porque, mesmo nas poucas oportunidades do brincar em sala

por essa turma, a professora também apresentou o mesmo comportamento das demais. Como

veremos em sua resposta, ela não a fez considerando à pergunta em relação às ocasiões de

brincadeira na sala de aula, mas em relação às oportunidades de atividades didáticas.

Assim, a professora afirmou ocupar-se, nos momentos em que as crianças brincavam

em sala, da organização de algumas atividades, como “colar alguma coisa no caderno”

argumentando que esse procedimento é mais pelo fato de preferir as atividades dos alunos

mais organizadas, pois não prefere, tal como outros professores, que entregam o material para

o próprio aluno organizar no seu caderno, como no caso das atividades que necessitam ser

recortadas e coladas no caderno. Então, afirma que quando necessita fazer esse tipo de

organização nos cadernos das crianças, o faz no momento em que as crianças estão ocupadas

sem que necessitem de seu acompanhamento, mas ressalta que não deixa de atendê-los porque

está realizando outra atividade e afirma que se as crianças “chegam perto de mim e diz: tia,

como é isso? Eu paro na hora e falo: quem terminou vem aqui e vem ver o que a tia... Vejo o

que ele está precisando”. A professora ainda lamenta o fato de que a escola de Educação

Infantil “cobra muita coisinha coladinha, bonequinho, bilhetinho para o dia dos pais, presente

do dia dos pais que a professora tem que resolver, ocupando o tempo que eu poderia estar

fazendo outra coisa”, percebendo isso como uma interferência no seu trabalho didático.

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Apresenta ainda o fato de que todas essas exigências da escola deixam o professor sem ter

escolha, pois se há uma atividade que todas as turmas vão apresentar, a turma que ela leciona

também deve fazer porque se não a fizer será desconsiderada como uma professora que não

cumpre com suas obrigações e dessa forma, tenta conciliar a quantidade de atividades a serem

feitas e o tempo disponível.

É fácil notar que essa professora, ao responder, dirigiu sua atenção apenas para o

aspecto didático. Por essa razão, o fato do brincar em sala de aula passa despercebido, tanto

no que se refere a ensejá-lo quanto a estar atento ao seu desenvolvimento. Talvez pelas

exigências que pesam sobre a professora alfabetizadora e as difíceis condições em que ela

pode dar conta dessas exigências, o seu foco de atenção se fixe nesses aspectos didáticos.

Com relação à escola particular de grande porte, o diferencial reside na razão de as

professoras manterem-se ocupadas por todo o tempo, independentemente da atividade

realizada pelas crianças, por orientação da própria pedagogia adotada pela Escola, pois, na

Pedagogia Waldorf, o adulto deve dar o bom exemplo à criança, que o imita, e este deve ser o

de um adulto constantemente ocupado em alguma atividade, quer seja pedagógica ou não.

Destaco ainda um fato que verifiquei, mesmo sem haver a pretensão para isso. Uma

vez pedi permissão à professora da turma de seis anos, da escola pública de pequeno porte,

para ler um dos relatórios43 que ela estava redigindo. A professora consentiu. O que me

chamou atenção nesse relatório foi o fato de ela classificar as brincadeiras, de um menino, que

eu já havia observado gostar de brincadeiras de luta, como agressivas.

Essa idéia é recorrente no discurso pedagógico e parece ignorar a relação entre o real e

o imaginário nas brincadeiras. Brougère (2001) ensina que a brincadeira é uma confrontação

com a cultura e com o dado momento histórico em que o brincante se encontra.

No contexto do mundo violento atual e pela apropriação que a criança faz do mundo

que a cerca em suas brincadeiras, é perceptível o fato de que os temas das brincadeiras são

abastecidos com os acontecimentos correntes. Além disso, também os atuais programas de

televisão destinados às crianças abordam muito esse enfoque, de guerra e de luta. Porém, se

observarmos bem, a guerra e a luta são apenas temas da brincadeira. Na realidade a

brincadeira modifica o contexto original para o campo simbólico, para o faz de conta. No faz

de conta essa agressividade é apenas representada e não consolidada como o é na realidade.

Bruner (apud KISHIMOTO, 2002a) defende o argumento de que, na brincadeira, a

criança pode vivenciar novas experiências sem, no entanto, correr riscos e sem sofrer

43 Relatórios semestrais de avaliação sobre os aspectos de desenvolvimento e aprendizado da criança no período em que são apresentados para os pais nas reuniões e são arquivados na escola.

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conseqüências que “em situações normais, jamais seriam tentados pelo medo do erro e da

punição” (p. 140), pois a brincadeira “é um meio de minimizar as conseqüências de seus

próprios atos e, por isso, aprender numa situação que comporta menos riscos” 44.

Diante do exposto nesse capítulo considero que o sentido atribuído à atividade lúdica

pelo professor depende da sua formação. Primeiro quanto a sua formação inicial, segundo

quanto a uma formação em serviço. As falas das professoras a respeito das contribuições da

sua formação ao modo como percebe a brincadeira na escola me faz perceber que o curso

normal pouco contribuiu com essa percepção, enquanto o curso de graduação em Pedagogia

contribui com um embasamento teórico acerca da importância do brincar para a criança.

A formação continuada em serviço também contribui para o modo como o professor

vê o brincar na escola. Na ausência de uma fundamentação teórica adquirida no curso de

formação inicial, as professoras que têm oportunidade de participar de cursos de formação

continuada em serviço, principalmente aqueles que têm uma seqüência, obtêm o

conhecimento elementar que são firmados na prática profissional durante o tempo de

experiência na Educação Infantil.

3.4.2. Condições que interferem nas oportunidades dadas ao brincar É necessário ressaltar a existência de algumas condições que interferem na atitude do

professor em relação às oportunidades dadas ao brincar na escola. Observei na escola

particular de pequeno porte que as professoras sempre tinham vários trabalhos para realizar e

o tempo de trabalho na escola era somente aquele em que elas ficavam com as crianças, sendo

que muitos destes trabalhos tinham que ser feitos com as próprias, como os ensaios, a

produção para os murais e portfólios. Esta pode ser uma das causas que interferem para que o

brincar aconteça, pelo fato de terem que estar constantemente nessas atividades, além das que

já fazem parte da rotina da aula.

Devo realçar também o caso das comemorações nas escolas, em que as professoras

têm o planejamento mais cheio e o tempo para a execução dessas tarefas permanece o mesmo.

Quando essas tarefas têm de ser feitas com as crianças, as ocasiões voltadas para o brincar

sofrem a perda de duração do tempo que seria dele e, muitas vezes, até mesmo é anulado.

Percebo, então, que quando há necessidade de ensaios para apresentações das crianças

e confecções feitas por elas, o que geralmente demanda mais tempo em sala, muitas vezes,

44 1983, p.52 in BROUGÈRE, 2001, p. 103.

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são previstas para serem desenvolvidas em um curto espaço de tempo, o que leva o professor

a sentir que todo o tempo necessário deve ser voltado para se dedicar a essa atividade.

Por outro lado, quando essas atividades são de ocupação exclusiva do professor, tende

a haver certa ‘vantagem’ quanto à oportunidade de brincar livre; no sentido de que o professor

necessita de mais tempo para dedicar-se e, então, proporciona às crianças a oportunidade de

que elas não venham a necessitar de sua interação de forma intensa, isto é, as crianças

brincam de forma autônoma. Ressalto que essa ‘vantagem’, está relacionada às oportunidades

do brincar que, ao contrário desta, têm tempo resumido, levando aqui em consideração a

concepção do lúdico pela criança e não a que tem o professor.

Um fator por mim notado, como grande interferência na atitude do professor em

relação a ensejar a brincadeira foi que as professoras, pelo menos da escola particular de

pequeno porte, não tinham tempo para realizar as suas atividades didáticas em outra ocasião,

daí reservavam o tempo em que as crianças estavam brincando, e que não necessitavam de um

acompanhamento didático, para fazê-las. Esse instante a que me refiro é comparando ao que

as professoras das escolas públicas têm, pois três, das oito horas de sua permanência no

trabalho, são voltadas para coordenação, ou seja, para elaborar atividades, fazer relatórios,

preparar materiais, separar atividades para entregá-las aos pais, entre outras de suas

atribuições.

Embora tenha observado que, no mês de março, as crianças da escola pública de

grande porte não freqüentaram o parque, e que a professora da turma de quatro anos

comentou que só não as levava para ali nos dias de chuva, notei durante os dias de observação

que sucederam nas terças-feiras nessa turma, que em nenhum desses as crianças freqüentaram

o parque, e que não eram dias de chuva. Vi, porém, que nesses dias, a professora estava

atarefada com atividades diversas como: confecção de materiais com as crianças com data

marcada para ficarem prontas e ensaios com elas para apresentações, conforme aconteceu nos

dias que antecederam a Páscoa. Com efeito, a professora pode ter dado preferência às

atividades que necessitavam de urgência, ou então, que ela não percebia a brincadeira no

parque como uma atividade também importante e que, dessa forma, podia ser deixada para

depois, para os tempos livres.

Ainda na escola pública de grande porte, encontrei um fator que de certa forma

interferia nas oportunidades do brincar no parque, que era a limpeza da escola. A professora

uma vez comentou que as pessoas que faziam a faxina não gostavam que as professoras

levassem as crianças para o parque depois que fizessem a faxina no pátio, porque elas tinham

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que limpar de novo, pois a areia do parque que ficava na roupa e sapatos caíam durante o

percurso parque-sala de aula.

Numa ocasião presenciei uma pessoa dos serviços gerais falando à professora que não

seria possível levar as crianças ao parque naquele dia porque a mangueira d’água estava

furada e não dava para regar a areia (no período de frio, o tempo é seco e a areia fica muito

solta), mas a professora disse que, mesmo assim, ia levá-las. No mês de junho, então, ficou

instituído pela escola que as crianças só poderiam brincar no parque até as 11 da manhã para

que as faxineiras limpassem a escola e não se sujasse mais.

Por outro lado, as professoras tinham preferência por levar as crianças ao parque

somente no segundo período da aula, isto é, depois do recreio, cujo término era as 10h 15min.

Com isso, o tempo de permanência no parque ficava bastante resumido, pois, sempre que

terminava o recreio, as crianças voltavam para a sala e havia contratempos, como beber água,

guardar casacos (no inverno), pegar os brinquedos para levar ao parque, resultando numa

permanência no parque por tempo reduzido ou até mesmo na desistência da professora em

levar as crianças, ao ver que restava pouco tempo.

Hoje, o tempo de permanência no parque foi menor que nos demais dias observados, geralmente essa turma permanece no parque por cerca de 40 minutos. Vejo que as professoras estavam acostumadas a levarem as crianças ao parque somente depois do recreio e agora esse tempo fica curto. E também, pelo fato que hoje, essa turma ensaiou antes de ir ao parque ficando mais perto da onze horas que é o momento de encerramento do uso do mesmo. (Diário de campo, 22 de junho).

A interferência que encontrei para que a professora da turma de quatro anos não

ensejasse as brincadeiras no parque foi o fato de fazer muito frio no período do inverno, pois a

sua turma era a primeira a freqüentar o parque no horário das 9 horas; então, nesses dias, a

professora optava por não freqüentar o parque. Nesse horário, era realmente muito frio, porém

o mesmo não acontecia com relação à turma de seis anos, que freqüentava o parque às 11

horas e o sol, nessa hora, estava mais quente.

A professora dessa turma também encontra interferência no espaço físico da escola,

mas especificamente no pátio, que fica no centro das salas, e sente que, ao utilizar esse espaço

para o brincar livre, perturba as outras salas, pois percebe que, quando as crianças estão

brincando livremente, tendem a fazer muito barulho. Com isso, a professora dá preferência a

ensejar a brincadeira livre na varanda da sala (mesmo sendo pequena) ou mesmo o terraço em

frente à escola porque, segundo ela, “ali já não incomoda, não interfere em nada”.

Um fator que interfere nas oportunidades do brincar para as turmas de seis anos das

escolas pública e particular de pequeno porte, pelo menos em sala de aula, é a preocupação

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em alfabetizar. As professoras dessas turmas estavam demonstrando uma ansiedade em

alfabetizar as crianças, por isso, penso que esse pode ser um dos fatores que interferem para

que a oportunidade do brincar livre em sala seja tão resumida. Também, a docente da escola

pública de pequeno porte comentou que a professora anterior que ficou com sua turma no ano

passado só fazia brincar e então as crianças chegaram na alfabetização, segundo ela, mal

conhecendo as letras. Demonstrou também a sua angústia em querer ensinar por intermédio

de atividades lúdicas e que segundo ela, era incompreendida pelos pais, que exigiam “dever

de casa”. Disse-me que, a reunião do início do ano letivo, para os pais das crianças que estão

ingressando numa sala de alfabetização, deve deixar claro que o aprendizado se dará por meio

das brincadeiras (lúdico-didático) e não pelo ensino tradicional, que prima somente por

atividades escritas. Sua fala demonstrou que sua valorização é essencialmente sobre o brincar

didático ou ainda no lúdico que é dirigido.

Fora os fatores que evidenciei aqui como percepções das próprias professoras, o que

eu mesma percebi como fatores que interferem nas oportunidades para o brincar não eram

também notados pela professora. Talvez por que quem está observando já com o olhar voltado

para isso note os fatores que até mesmo possam incomodar às professoras, mas que elas não

relacionem diretamente como intervenientes na atividade do brincar, contudo relacionam

como interferência a outras atividades, como algumas professoras ao comentarem que as

festividades, bem como as produções, para elas interferiam nas atividades diárias de sala.

No geral, as professoras, quando questionadas sobre suas percepções acerca de fatores

que pudessem contribuir ou interferir nas oportunidades dadas à brincadeira na escola,

tendiam a perceber apenas o que era de contribuição. As professoras da escola particular de

pequeno porte apenas salientaram os vários espaços e equipamentos lúdicos da escola. As da

escola pública de grande porte evidenciaram o conhecimento e o incentivo por parte da

direção da escola. Entrementes, as professoras da escola particular de grande porte

ressaltaram que a própria pedagogia incentiva nas oportunidades do brincar dentro da escola,

interferindo na atitude do professor com relação a essa brincadeira e como o barulho e a voz

da criança são vistos dentro da escola.

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3.4.3. Em que lugares da escola as crianças brincam?

Um assunto que não poderia deixar de destacar, até mesmo porque a minha visão

estava voltada especialmente para essa atividade, é a dinâmica das brincadeiras no que

concerne aos diferentes espaços da escola em que esta surge. As brincadeiras aparecidas nos

diversos espaços das escolas eram variadas, às vezes relacionadas com o ensejo e o lugar onde

as crianças se encontravam; em outras vezes, tudo era diferente, como se as crianças

estivessem se reportando a outro ambiente.

As brincadeiras surgem na sala de aula tanto nos tempos livres quanto naqueles em

que estão realizando atividades didáticas - no refeitório, no parque, na aula de

Psicomotricidade, na sala do plantão e na sala de artes (escola particular de pequeno porte), no

espaço do faz de conta, no pátio na hora do recreio e quando da espera dos pais (escola

pública de grande porte), no banheiro, na varanda da sala (escolas públicas), no terraço em

frente à escola (escola pública de pequeno porte), nos dias de festa de aniversário, nos

instantes de tirar fotos, nos dias de passeio dentro do ônibus e nos locais visitados.

As brincadeiras que acontecem nos vários espaços da escola são: correr, pular de

várias formas, imitar animais, gritar, escorregar no piso encerado, de pique-pega, andoleta,

futebol, competir, mãe e filha, fazer comidinhas com areia, fazer castelos de areia, fazer de

conta que o lápis é espada, construções com massinha, de ter um amigo imaginário,

confeccionar brinquedos com papel (bolsas, coroas), montar brinquedos com peças de

encaixe, casinha, contos de fadas, cantar, cochichar, bater em objetos para produzir som,

adivinhações, pendurar-se...

No refeitório, as brincadeiras são: de jogar bolinhas de miolo de pão por baixo da

mesa, esconder-se embaixo da mesa, escorregar nos bancos, cantar, trocar lanche, comparar

os lanches trazidos de casa com os dos colegas e imaginar coisas com a aparência do

alimento.

Em sala, em momentos de atividade didática, as brincadeiras são: cantar músicas,

fazer adivinhações do tipo: “O que é um pontinho perdido no meio do mar?” - “é uma batata

da onda” (muitos risos). Quando em atividade de artes, em específico, de melar o outro de

tinta, com as maquetes produzidas por elas mesmas, fazer competições para ver quem termina

primeiro a atividade e até cantar músicas tradicionais do tipo ‘Marcha soldado’.

Nos momento de brincadeira livre em sala, as crianças fazem trenzinho de cadeiras,

brincam de maquiagem, com brinquedos de pelúcia, com brinquedos trazidos de casa

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(especialmente nas sextas-feiras), de desfilar, de subir nas mesas e pular, fantasiar-se com

tecidos, de imitar animais, de se enrolar nas cortinas, de cantores de rock, quando a mesa vira

o palco e tocos de madeira são microfones, de arrastar-se embaixo de um túnel feito com

cadeiras, de desenhar com giz na lousa, de faz de conta, de andoleta, de roda, de estátua, com

as cadeiras fazendo de conta que é uma nave espacial e de guerra nas estrelas.

No recreio (escola pública de grande porte), as crianças brincam de pique-pega, com

seus brinquedos trazidos de casa, conversam, de puxar o colega deslizando agachado pelo

chão, de futebol utilizando como bola uma caixinha vazia de suco ou qualquer coisa que

possa substituir a bola, de faz de conta que é super-herói e de correr.

Na varanda da sala (escola pública de pequeno porte): de desenhar amarelinhas no

chão e depois brincar, de corda (de cobrinha para os outros pularem por cima, de cabo de

guerra e também de passar por baixo da corda esticada).

Na hora do parque, as crianças fazem bolos de areia, cavam buracos, brincam de mãe e

filha, de cantores utilizando as pás de brinquedo como microfones e o playground como palco

(como se fosse um trio elétrico), de misturar água com areia, de se balançar, de rodar no gira-

gira, de escorregar nos escorregadores, de andar de pernas-de-pau (escola particular de grande

porte); brincam de girar no balançador, de subir em árvores, de super-heróis usando,

geralmente, uma capa, de guerra nas estrelas e de polícia e ladrão.

No momento da espera pelos pais, as crianças brincam de correr, tocar a campainha da

escola, de arrastar a mochila no chão e de esconder-se sob o casaco.

Percebi que algumas atividades, datas comemorativas, influenciam nas brincadeiras

das crianças, direcionando suas brincadeiras em torno de um tema específico, como, por

exemplo, no Dia do Índio quando fizeram atividades relacionadas ao estudo do índio e

assistiram ao filme Tainá (uma menina índia). Nesse dia, elas se caracterizaram de índio, com

seus colares e cocares que haviam sido confeccionados por elas mesmas e a professora pintou

o rosto das crianças; depois elas começaram a brincar de índio. A brincadeira era assim: uma

tribo capturava um índio e outra tribo vinha para libertá-lo. No término da aula, quando as

crianças já estavam no pátio à espera de seus pais, continuaram a brincar de índio, junto a

outras crianças da escola que também estavam caracterizadas de índio. Também, na semana

que antecedeu o Dia das Mães, as meninas da turma de seis/ sete anos da escola pública de

pequeno porte, na ocasião de brincadeira livre na sala, pediram que a professora colocasse a

música do ensaio para a festa das mães, para que elas pudessem ensaiar sozinhas.

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As músicas tradicionais que cantam são as mesmas encontradas em outros lugares,

como no Ceará, porém, o poema da música ‘Marcha soldado’ tem um finalzinho

acrescentado...

Marcha soldado cabeça de papel

Quem não marchar direito vai preso no quartel

O quartel pegou fogo, a polícia deu sinal.

Acode, acode, acode a bandeira nacional.

Brasil, infantil, quem mexeu, saiu.

Considero muito interessante esse acréscimo na música, pois as crianças quando

cantam, às vezes, também brincam de estátua, enriquecendo ainda mais o repertório de suas

brincadeiras.

Achei interessante o gosto das crianças em três escolas observadas pela letra da

música “hoje vai ter festa lá no meu AP, pode aparecer...”, apesar de não ser voltada para a

criança, desperta o interesse delas e consta no repertório da cultura lúdica infantil. Como

poderia ser definido em vários locais da cidade, por crianças que nunca se viram, o fato de

gostarem da mesma música que nem ao menos é direcionada à criança? Poderia ser qualquer

outra música do repertório musical do adulto, mas, por alguma razão, essa foi uma das

músicas escolhidas pelas crianças.

Vale ressaltar que em algumas escolas também há o interesse dos meninos em brincar

de guerra nas estrelas, filme que também não é voltado para o universo infantil, mas com o

qual eles se identificam pelo contexto dos super-heróis. Eles se caracterizavam e utilizavam

algum suporte que pudesse representar as ações que os “jedis” faziam, usavam pedaços de

madeira como espadas e, alguns mais prevenidos, tinham a própria espada de brinquedo. Na

escola particular de grande porte, onde as crianças dispunham de tecidos para enriquecer as

brincadeiras de faz de conta me deparei muitas vezes com os meninos utilizando os tecidos

como capas dos “jedis”. A brincadeira continha frases importantes que foram subsidiadas pelo

próprio filme, além dos efeitos sonoros que as próprias crianças conseguiam produzir com a

boca, realizando o som das espadas em ação. A respeito dessa influência do filme guerra nas

estrelas, Brougère assinala que:

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[...] a saga de A Guerra das Estrelas45, um sucesso considerável no que se refere a direitos derivados gerados pelos brinquedos, e que foi, também, um filme que, pela originalidade da escolha de um contexto imaginário que associava ficção científica sobrenatural e referências ao real, influenciou permanentemente a cultura infantil de massa. (2004, p. 139).

Uma das professoras da escola particular de grande porte criticou a influência da

televisão para as crianças, mas coincidentemente foi lá que mais incidiu a brincadeira da

guerra nas estrelas. A professora argumentou que percebe a televisão como um fator que

contribui negativamente, assim como o videogame e os brinquedos eletrônicos. Segundo ela,

esses elementos tiram a criatividade da criança. “Ela já tem uma coisa muito pronta. Então

acho que isso poda a criança na questão criativa, porque ela não precisa pensar, porque tudo já

está pronto. Então a criança acaba ficando passiva diante desses brinquedos. Com os

brinquedos prontos ela precisa exercitar muito pouco a sua fantasia, a sua criatividade para

poder estar brincando com aquilo. É tanto que as crianças quebram os brinquedos, porque eles

querem pensar sobre aquilo também”.

Ao defender esse ponto de vista sobre os brinquedos eletrônicos, essa professora não

atentou para o fato, como explica Brougère (2003), de que “o brinquedo não pode impor-se na

brincadeira sem a decisão de quem brinca de interagir com ele”; o brinquedo eletrônico só é

ativado a realizar seus movimentos se a criança desejar, se ela mesma vier a ligá-lo; isto é, a

ação é desencadeada pela própria criança. A criança pode brincar com esse mesmo brinquedo,

atribuindo a ele novos significados que não incluam o movimento nele definido e até mesmo

desmontá-lo e montá-lo novamente a fim de ver os novos resultados.

A mídia, em especial a televisão, atua com grande influência na cultura lúdica46 e nas

referências que à criança fornecem sobre estes conteúdos para suas brincadeiras, por meio das

personagens e das histórias fictícias. Essas personagens dos programas infantis, de um modo

geral, como desenho animado, seriados, filmes etc., muitas são incorporadas nas brincadeiras.

Pode-se observar que a maioria deles é de heróis ou que de certa forma assumem posição de

poder ou de destaque. Brincando de super-herói, a criança se coloca num papel de poder que o

super-herói imitado possui. É nesse sentido que se acham atraídas pela imagem dessa

personagem, lembrando que estamos num mundo onde a criança tem pouco poder em relação

à convivência com os adultos e que ela tem consciência disso. Dessa forma, a televisão

45 Erro de digitação do próprio livro, mas que em outros momentos o autor se refere como guerra nas estrelas. Por exemplo, na página 139. 46 A cultura lúdica infantil é o conjunto de experiências da criança, a sua bagagem cultural acerca do lúdico. Para aprofundamento no assunto, ver Brougère (2002).

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fornece as imagens e os conteúdos a serem desenvolvidos em suas brincadeiras, mas Brougère

(2001) acrescenta que:

Contudo não basta que as imagens sejam apresentadas na televisão, nem mesmo que elas agradem, para gerar brincadeiras, é preciso que elas possam ser integradas ao universo lúdico da criança, às estruturas que constituem a base dessa cultura lúdica. [...]. É preciso que tais conteúdos possam ser integrados nas lógicas da brincadeira, que variam menos do que as representações. A luta, o confronto com o perigo, o socorro levado a alguém, a reprodução de certas cenas da vida cotidiana [...] são as tais estruturas que podem ser revestidas de novos conteúdos. (2001, p. 53).

Mesmo assim, as brincadeiras, a partir de um referencial contido nos programas de tv,

não se caracterizam como uma imitação servil daquilo que foi assistido, como Brougère

(2001) discorre que “realmente a criança não se limita a receber passivamente os conteúdos,

mas reativa-os e se apropria deles através de suas brincadeiras de maneira idêntica à

apropriação dos papéis sociais e familiares nas brincadeiras de imitação” (p. 54).

Dessa forma, a tv age como suporte para o desencadear das brincadeiras e o mais

importante é que “o grande valor da televisão para a infância é oferecer às crianças, que

pertencem a ambientes diferentes, uma linguagem comum, referências únicas”.

(BROUGÈRE, 2001: 54).

Não é apenas nesse aspecto, porém, que a televisão influencia na cultura lúdica, pois

ocorre também na produção de brinquedos que representam as personagens dos desenhos

animados, nos filmes, acessórios infantis e jogos de videogame.

Também presenciei as crianças cantarem quadrinhas também entoadas em outros

lugares, como no Nordeste.

Não sabe, não sabe,

Vai ter que aprender,

Orelha de burro,

Cabeça de ET.

Essa é, então, uma das possibilidades que a cultura lúdica oferece às crianças, a de

poderem compartilhar a oportunidade de utilizarem as mesmas brincadeiras desenvolvidas em

lugares diferentes, distantes e até mesmo muito distantes. Para isso a mídia é um elemento que

tem incidência especial na cultura lúdica infantil, por isso, entendo a televisão como um

elemento enriquecedor da cultura lúdica infantil.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho possibilitou o conhecimento do papel do lúdico nas escolas de Educação

Infantil pesquisadas e a oportunidade de realizar uma comparação entre as instituições de

natureza institucional pública e privada mediante a investigação das práticas escolares que

abrangem o lúdico.

A análise do corpus permite assegurar que a escola particular de grande porte é a única

onde o lúdico é valorizado e aparece nas suas práticas a serviço da livre expressão da criança

e na afirmação dos seus interesses. Este papel é coerente com a definição do lúdico na

proposta pedagógica. Dessa forma, em todos os momentos em que o lúdico se realiza, está

presente o mesmo sentido de brincadeira livre definida na proposta pedagógica. As demais

evidenciaram mais de um sentido atribuído ao lúdico nos diferentes contextos (diferentes

faixa etária, espaços físicos e organização das atividades) em que ele se realiza, tais como

livre lúdico, ocupacional, opcional etc. Essa variação corresponde a uma falta de clareza na

definição do papel do lúdico na proposta pedagógica cujo sentido é então dado pelo professor.

Assim sendo, é possível considerar que quando o papel do lúdico não está definido de forma

clara na proposta pedagógica da escola, abrem-se, então, possibilidades para que o professor

atribua sentidos às atividades lúdicas ensejadas às crianças, quer seja na escola pública ou

privada.

As considerações, então, me levam a concluir que o papel do lúdico não está

condicionado apenas na formação do professor, mas, sobretudo na construção do projeto

pedagógico na escola. As considerações me levam, também, a concluir que o papel do lúdico

está, em primeiro lugar, condicionado à sua definição clara no projeto pedagógico da escola e,

em segundo lugar, aos sentidos atribuídos ao lúdico pelo professor, que, por sua vez, está

relacionado à formação deste.

Diante do exposto, concluo que o papel que o lúdico exerce nas escolas de Educação

Infantil está mais condicionado à sua definição na proposta pedagógica ou, em segundo lugar,

aos sentidos que lhe atribui o professor, o que por sua vez está relacionado mais a sua

formação do que à natureza da instituição (pública ou privado). Vale observar que o professor

pode adquirir a segunda formação (em serviço) a depender da proposta pedagógica da escola.

Algumas das atribuições de sentidos à atividade lúdica, como o didático e o

ocupacional, implicam uma desvalorização do lúdico enquanto tal, pois a atividade lúdica

estando relacionada à brincadeira, há o predomínio da atividade imaginária, cujo gozo

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gratuito é o único objetivo, isto é, o divertimento, a afirmação do desejo da criança. Teriam

esses sentidos atribuídos ao lúdico pelo professor, relação com a sua formação profissional?

É possível observar, neste trabalho, que nem sempre há uma valorização do lúdico

como tal, ou seja, como uma atividade voltada para os interesses da criança, levando alguns

professores a se deterem mais na utilização do lúdico em prol de objetivos didáticos, como é

possível observar no quadro 2 com referência às atividades lúdicas, em sala, pela turma de

seis anos da escola pública de pequeno porte. Acontece que, na Educação Infantil, muitas

vezes, há uma priorização da alfabetização, da preparação para o Ensino Fundamental, na

exigência de comportamentos não próprios da criança, esquecendo de que um dos direitos da

criança é o de brincar, num desrespeito à infância, desconsiderando a sua importância em

vivenciar a infância. A esse respeito, Cunha (1995) acentua que:

A pressa em transformar a criança em adulto, fez com que, o aprender passasse a ser obrigatório e sistemático. A pré-escola foi transformada em escola e as crianças de três anos de idade já estão sentadas fazendo exercícios preparatórios para a alfabetização. Desrespeitando a infância, a necessidade de brincar foi substituída pela necessidade de aprender, o quanto antes [...]. (1995: p. 6).

O conhecimento do papel do lúdico e sua importância para a criança, o sentido

atribuído às práticas lúdicas infantis pelos professores, bem como a valorização da atividade

lúdica enquanto tal, estão relacionados à formação do professor. Essa valorização da atividade

lúdica como destituída de objetivos é ainda marginalizada pelos professores cujas formações

pedagógicas não contemplaram o brincar livre como importante e necessário para a criança

pequena, na percepção desta como uma liberdade de expressão e de criação, que é importante

para o desenvolvimento sociocultural do educando.

Nos discursos da maioria das professoras, posso inferir que a percepção delas acerca

da brincadeira da criança advém basicamente da perspectiva psicológica do jogo ou então

relacionada apenas à socialização, talvez pelo motivo de esse ser um dos aspectos mais

discutidos nos cursos de formação de professores. Atente-se então, para a idéia de que é

importante que a formação dos professores também seja subsidiada sob uma perspectiva

socioantropológica, que enfoque a brincadeira como um espaço social de apropriação da

cultura, que contribui para a constituição infantil na qualidade de sujeito, produto e produtor

de história e da cultura.

Wajskop (2001) também verificou, em sua pesquisa sobre o brincar numa pré-escola

pública, que o tipo de formação dos professores de Educação Infantil não contempla

informações nem vivências a respeito da brincadeira e do desenvolvimento infantil numa

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perspectiva social, afetiva, cultural, histórica e criativa, na carência desse conteúdo nos

currículos dos cursos de formação de professores, tanto no curso Normal quanto no de

Pedagogia.

Relativamente à organização do espaço, tanto as escolas particulares como as públicas

de Brasília têm espaços preparados para a brincadeira, principalmente no que se refere à

existência de parques. O uso (freqüência e permanência) dos espaços lúdicos, por sua vez,

depende do sentido atribuído à atividade lúdica pelo professor, bem como da valorização

conferida a essa atividade.

Considero, por intermédio das análises concernentes à organização do espaço, do

tempo, dos brinquedos e equipamentos destinados às atividades lúdicas nas escolas de

Educação Infantil, que não basta que a escola disponha de brinquedos e equipamentos lúdicos

para que haja oportunidades de brincadeiras livres nas escolas.

Cunha (1997) assinala que “pelo simples fato de existir, a brinquedoteca é um

testemunho de valorização da atividade lúdica das crianças” (p. 14). Assim, mesmo que haja a

valorização do lúdico na existência de variados objetos e espaços lúdicos, nas escolas que

possuíam brinquedoteca, esta não era utilizada pelas crianças. Será que, nesse caso, a

existência da brinquedoteca nessas escolas pode ser assim percebida? Viu-se ainda que não

basta ter parques bem equipados, se não há uma disposição de tempo para sua utilização,

como visto na escola particular de pequeno porte.

Não parece haver diferenças relevantes entre escola pública e privada na cidade de

Brasília, no que se refere às práticas lúdicas desenvolvidas na escola. Porém é importante

fazer um destaque na comparação entre as escolas de pequeno porte. Os dados nos permitem

perceber que embora a escola particular possua um maior suporte em equipamentos e espaços

elaborados especialmente para o lúdico do que a pública, há uma diferença quanto à utilização

desses espaços, favorável à escola pública, pois a escola particular os utiliza com menor

freqüência. A compreensão que costumamos ter, no entanto, é que a escola particular oferece

melhores condições enquanto a escola pública deixa a desejar. A partir da minha experiência

profissional como professora da Educação Infantil no Município de Fortaleza, eu ousaria dizer

que essa conclusão não é generalizável, posto que os dois sistemas de ensino são estruturados

de modo muito diverso.

A despeito dessas diferenças no sistema de ensino encontramos como um dado comum

nas duas realidades educacionais uma fragilidade na articulação do projeto pedagógico da

escola e a formação do professor. Um amplo leque de questões de investigação se coloca a

partir desse dado, por exemplo, a formação do professor pode ser estudada desarticulada do

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seu contexto prático de trabalho? A formação inicial do professor pode ser aplicável a

qualquer realidade escolar? Qual projeto metodológico de pesquisa daria conta da relação

entre formação de professor e projeto político pedagógico da escola?

Os dados desse estudo apontam que permanecem os desafios de ordem teórica e

prática com relação à inclusão do lúdico na Educação Infantil. A crescente popularização e

mercantilização dos produtos lúdicos pela escola longe está de sua incorporação à prática

pedagógica enquanto uma atividade livre como tal promotora do desenvolvimento da criança.

Neste último sentido de atividade livre poderíamos dizer que o faz de conta, segundo

Vygotsky (1991), é o contexto lúdico promissor das mais importantes conquistas do

desenvolvimento que articula o domínio de habilidades cognitivas com a constituição da

conduta intencional.

As categorias de sentidos atribuídos às atividades lúdicas pelos professores, definidas

a partir dos dados, apontam que o sentido livre dessa atividade, priorizado por Vygotsky

(1991), não tem sua realização tão freqüente quanto os demais sentidos encontrados nesse

estudo. Essa diferenciação se manifesta na freqüência das atividades lúdicas, mas também em

relação às faixa etárias a que são destinadas, seguindo uma trajetória decrescente conforme

vai aumentando as exigência da escolarização, em particular para as classes de alfabetização.

Certamente o trabalho de aprendizagem de conteúdos escolares é mais interessante

quando realizado de forma lúdica. Não é somente, entretanto, sob a forma de brincadeiras

didáticas ou dirigidas que o lúdico deve ter seu lugar na escola de Educação Infantil. É nesse

sentido que Wajskop (2001) adverte quanto aos perigos da escolarização do brincar.

A cada dia se percebe cada vez mais a importância do brincar para a criança e, assim, e

ela vai elaborando seu conhecimento de mundo de forma lúdica, transformando o real com os

recursos da fantasia e da imaginação. Com efeito, reforço a defesa da idéia de que essa

atividade deve ser promovida dentro do ambiente escolar de Educação Infantil, levando em

consideração o que diz Vasconcelos:

Quanto menor a criança, mais tempo ela precisa para dedicar-se à brincadeira. Por esta razão é necessário prever o tempo para esta atividade dentro do planejamento das atividades educacionais. Para os pequenos é desejável que metade do turno seja dedicada a atividades livres, preferencialmente no pátio. Para os maiores pode-se intercalar nas atividades previstas uma ou meia hora de atividade livre. Além desses, o professor pode dedicar outros momentos a atividades lúdicas dirigidas ou sob a sua orientação. (1999, p.12).

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É necessário, então, que o projeto pedagógico da escola de Educação Infantil contenha

um eixo que trate do brincar e que nele esteja definido de forma clara o papel do lúdico na

escola. Também é imprescindível que o professor de Educação Infantil tenha em sua

formação o conhecimento necessário acerca da criança e do brincar. O professor com esse

conhecimento, provavelmente, terá seu trabalho pautado nas atividades lúdicas, não somente

naquelas com objetivos pedagógicos, mas, sobretudo, nas que permitem à criança expressar

sua criatividade, no entendimento de que a brincadeira livre também possibilita o

desenvolvimento e a aprendizagem.

O papel do lúdico nas escolas de Educação Infantil, nas suas possíveis diferenças ou

semelhanças, independe da natureza da instituição. O que faz a diferença nas práticas lúdicas

desenvolvidas nas escolas é essencialmente a definição do papel do lúdico no seu projeto

pedagógico e uma formação profissional adequada ao mesmo. O conhecimento do projeto

pedagógico pelo professor e o sentido (ou sentidos) por este atribuído ao lúdico. Considero

ainda que a formação do professor implica o sentido que atribui ao lúdico.

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DOCUMENTOS UTILIZADOS:

Proposta pedagógica da escola particular de grande porte

Proposta pedagógica da escola particular de pequeno porte

Proposta pedagógica da escola pública de grande porte47

47 A proposta pedagógica da escola pública de pequeno porte não foi analisada como documento em razão de ainda estar em fase de produção de produção, sendo utilizado o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil como base das perspectivas da proposta pedagógica dessa escola.