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“NÃO É TERRA DE PRÉSTIMO E NUNCA FOI POVOADA”: A TERRITORIALIZAÇÃO DOS SERTÕES DO CABO DE SÃO ROQUE (1500-1719) PEDRO PINHEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR

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(1500-1719)

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(1500-1719)

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(1500-1719)

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(1500-1719)

PEDRO PINHEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR

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PEDRO PINHEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS

LINHA DE PESQUISA: FORMAÇÃO, INSTITUCIONALIZAÇÃO E

APROPRIAÇÃO DOS ESPAÇOS

“NÃO É TERRA DE PRÉSTIMO E NUNCA FOI POVOADA”:

A TERRITORIALIZAÇÃO DOS SERTÕES DO CABO DE SÃO ROQUE

(1500-1719)

PEDRO PINHEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR

NATAL 31/07/2019

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“NÃO É TERRA DE PRÉSTIMO E NUNCA FOI POVOADA”:

A TERRITORIALIZAÇÃO DOS SERTÕES DO CABO DE SÃO ROQUE

(1500-1719)

Dissertação apresentada como requisito parcial para

obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-

Graduação em História, Área de Concentração em

História e Espaços, Linha de Pesquisa Formação,

Institucionalização e Apropriação dos Espaços, da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a

orientação do Prof. Dr. Helder Alexandre Medeiros de

Macedo.

NATAL, 31/07/2019

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CAPA: Detalhe do mapa Brasilia de Arnoldus de Montanus e Jacob van Meurs, onde se

representa o litoral do atual nordeste do Brasil e dos baixios de São Roque em 1671.

Fonte: LIBRARY OF CONGRESS GEOGRAPHY. Brasilia, 1671. Washington. Códice:

20540-4650 dcu. Disponível em: https://www.loc.gov/item/2001620475/. Acesso em: 7

jul. 2019.

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA

Araújo Júnior, Pedro Pinheiro de. "Não é terra de

préstimo e nunca foi povoada": a territorialização dos

sertões do Cabo de São Roque / Pedro Pinheiro de Araujo

Junior. - 2019. 184f.: il.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em História, Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, 2019. Orientador: Prof. Dr. Helder Alexandre Medeiros de Macedo.

1. Cabo de São Roque (Rio Grande do Norte) - Dissertação. 2. Cartografia Histórica - Dissertação. 3. Porto do Touro

Dissertação. I. Macedo, Helder Alexandre Medeiros de. II.

Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 94(813.2)

Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-15/748

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PEDRO PINHEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR

“NÃO É TERRA DE PRÉSTIMO E NUNCA FOI POVOADA”:

A TERRITORIALIZAÇÃO DOS SERTÕES DO CABO DE SÃO ROQUE

(1500-1719)

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso

de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela

comissão formada pelos professores:

Prof. Dr. Helder Alexandre Medeiros de Macedo

Orientador

Prof. Dr. Leonardo Cândido Rolim

Avaliador Externo

Prof. Dr. Lígio José de Oliveira Maia

Avaliador Interno

Profa. Dra. Bartira Ferraz Barbosa

Suplente Externo

Prof. Dr. Roberto Airon Silva

Suplente Interno

Natal, 31 de julho de 2019

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AGRADECIMENTOS

Nesses dois anos e meio de curso, enfrentei muitos problemas que só foram

superados pela minha perspicácia em querer seguir em novos caminhos na minha vida,

sobretudo o acadêmico. Ser professor da rede pública estadual enquanto cursava uma pós-

graduação foi um desafio imenso para mim. Primeiramente, nesses agradecimentos,

relembro de todos os membros da minha família que contribuíram na minha formação e

me levaram a amar o espaço do litoral norte, principalmente o da praia de Zumbi, em

especial a minha avó Ester Gomes de Melo (in memoriam) e a minha madrinha e tia-avó,

Iracema Gomes da Costa, com 92 anos e uma lucidez magnífica! Aos meus tios, João

Lopes e Glória Maria, professores aposentados, que contribuíram nos meus

conhecimentos humanísticos desde minha juventude. Agradecimento mais que especial a

minha mãe, Maria da Conceição Melo, pela dedicação à família e por estar sempre à

disposição no que fosse necessário. E ao meu pai, Pedro Pinheiro (in memoriam), que

contribuiu na minha formação.

Agradeço ao Governo do Estado do Rio Grande do Norte, que me concedeu uma

licença, de um dos meus vínculos, para cursar o mestrado por 26 meses. Sem ela não seria

possível estudar, pesquisar e trabalhar nesta dissertação. Como também, à Escola

Estadual Peregrino Júnior, onde leciono desde 2009, local onde tenho ótimos colegas e

amigos partícipes de uma equipe que luta por uma escola digna e gratuita para todos. Aos

meus alunos e amigos que me acompanharam nesse processo, em especial aos grupos de

alunos da Olimpíada Nacional de História do Brasil, que são mais próximos e iniciaram

seus caminhos nos estudos das humanidades. Aos meus antigos amigos, professores e

alunos da cidade de Rio do Fogo, local que virei professor pela primeira vez em 2006,

nas Escolas Estaduais Governador Lavoisier Maia e José Porto Filho, e aprendi a amar e

conhecer melhor a realidade dessa população do litoral, sendo esse um dos motivos que

me levaram a realizar este trabalho acadêmico.

Ao meu orientador Helder Macedo, com o qual pude ingressar nos estudos sobre

os sertões do Rio Grande. Foi por suas mãos que conheci a capital seridoense, Caicó. Ele

sempre direto e humano nas suas contribuições neste trabalho e que me orgulha de ter me

auxiliado no meu crescimento como mestrando. Aos meus amigos da turma do mestrado

de 2017, principalmente a Elian Castro, que me acompanhou semanalmente nas idas entre

a Zona Norte e o Campus da UFRN, além do seu auxílio nas traduções em língua inglesa,

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sendo esse jovem uma grande figura humana. À minha querida amiga Maiara Araújo, que

sempre olhou a minha pesquisa com grandiosidade, sempre me dando dicas e

contribuições nos estudos coloniais. Exemplo típico das mulheres batalhadoras deste país,

acompanhei a sua luta para conciliar o mestrado e ser mãe de primeira viagem. Sua

dedicação ao curso, às pesquisas e a sua família me fizeram ser seu fã.

Agradeço aos professores do PPGH/UFRN, que contribuíram nesse processo, em

especial a Carmen Alveal, que me inseriu nos estudos coloniais sobre as sesmarias em

2012, além do LEHS, através dos bolsistas ligados à professora, que sempre estiveram

prontos a disponibilizar as transcrições feitas dessas sesmarias da Plataforma SILB. Ao

professor Roberto Airon Silva, que me auxiliou nos estudos da área de arqueologia,

disponibilizando artigos, textos e artefatos resguardados no LARQ, agradeço

enormemente por ter me acompanhado ao IPHAN para analisar os artefatos de sítios

arqueológicos sobre os povos originais do litoral do Rio Grande. Aos professores

Henrique Alonso, Lígio Maia e Márcia Vasques nas suas palavras de apoio e que me

mostraram as primeiras trilhas na pesquisa desta dissertação.

Ao amigo Jandson Bernardo, sempre solícito nas leituras dos meus textos, nas

discussões e nas construções de outros projetos de pesquisa. Ao nobre amigo historiador

Thiago Torres, agradeço nas suas contribuições sobre o período colonial, nas suas leituras

e críticas dos meus primeiros capítulos. A Reginaldo Santana, que me auxiliou no acesso

aos mapas disponibilizados no site da Marinha do Brasil. À excelente geóloga Janaína

Medeiros, que me auxiliou na construção dos mapas para este trabalho. À minha querida

amiga, Daniela Castro, por me acompanhar nesse processo e contribuir nas revisões dos

meus artigos e ao nosso grupo da “high society” com Caio César, Francisco Leão, Rayram

Oliveira e Lousiane Melo, que sempre acreditaram no meu potencial. Ao professor Milton

César, que me auxiliou nas análises e entrevistas sobre a região da Lagoa do Boqueirão

em Touros. A Eduardo dos Anjos, meu ex-aluno e amigo, que meu auxiliou nas

entrevistas em Rio do Fogo. Aos pescadores do litoral norte, Flávio Gualberto de Oliveira

e Edinor Rodrigues dos Anjos, que me explicaram sobre a navegação marítima no Canal

de São Roque. Ao jovem pesquisador de Touros, Antônio Tenório, que me convidou para

discutir sobre a História e Cultura Tourense e ampliou meu círculo de discussões sobre

esse espaço. Ao meu querido Sávio Ribeiro, que me aguentou nesse processo final na

escrita da dissertação. Por fim, a todos aqueles que contribuíram neste trabalho, meu

muito obrigado!

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RESUMO

Investiga como se desenvolveu o processo de apropriação territorial, perpetrado pela

Coroa Portuguesa, no litoral norte da Capitania do Rio Grande, entre os anos de 1500 e

1719. Para tanto, problematiza a ocupação desse espaço, pois os estudos que compõem a

historiografia sobre a Capitania do Rio Grande relegaram a essa região litorânea uma

grande lacuna nessas produções, tal como se aquele espaço fosse um pedaço invisível do

território. Apropria-se do conceito de “território” de Antônio Robert de Moraes, em que

o processo colonizador utilizou os serviços militares e todo aparato jurídico-

administrativo para expandir as terras coloniais. Metodologicamente, utiliza tanto uma

análise dos documentos cartográficos e escritos do período como também investiga,

através da análise da trajetória dos sujeitos, norteado pelos estudos de João Fragoso e

Cristina Mazzeo Vivó, as trajetórias de vida dos sesmeiros que adquiriram terras dos

sertões do Porto do Touro. Nessa análise, identificou-se indícios do contato entre

indígenas Potiguara e de corsários franceses na Enseada de Pititinga e nas imediações do

Cabo de São Roque no século XVI, como também identificou o sesmeiro Domingos de

Carvalho da Silva como uma das figuras importantes nesse processo de apropriação dos

sertões do Cabo de São Roque. Por fim, o exame dessas fontes demonstrou que o

cruzamento de diferentes mananciais arquivísticos, principalmente cartográficos, traz

resultados profícuos para o trabalho do historiador interessado em investigar a ocupação

dos espaços coloniais e as relações entre os diferentes níveis da administração portuguesa

no Ultramar.

Palavras-chave: Cabo de São Roque. Porto do Touro. Cartografia Histórica. Sesmarias.

Espaços coloniais.

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ABSTRACT

This research investigates the process of territorial appropriation, carried out by the

Portuguese Crown, on the north coast of the Rio Grande Captaincy, between 1500 and

1719. In order to do it, we question the occupation of this space, since the historiography

production on Rio Grande Captaincy has shown a huge gap about this coastal region, as

if that space was an invisible part of the territory. This research appropriates Antonio

Robert de Moraes's concept of “territory”, in which the colonization process used military

services and all juridical-administrative structure to expand colonial lands.

Methodologically, it uses an analysis of the cartographic and written documents of the

period and also investigates, through the analysis of the subjects' trajectory, guided by the

studies of João Fragoso and Cristina Mazzeo Vivó, the life trajectories of the sesmeiros

who acquired land in the sertões of Porto do Touro. This analysis has identified some

evidence of contact between Potiguara natives and French privateers in Pititinga Cove

and near Cabo de São Roque in the 16th century, it has also identified the sesmeiro

Domingos de Carvalho da Silva as one of the important figures in this process of

appropriation of the hinterlands of Cabo de São Roque. In conclusion, the examination of

these sources has shown that the crossing of different archival sources, especially

cartographic, brings rewarding results to the work of the historian interested in

investigating the occupation of colonial spaces and the relations between the different

levels of Portuguese administration overseas.

Keywords: Cabo de São Roque. Porto de Touro. Colonial cartography. Sesmarias.

Colonial spaces.

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Costa do território Potiguara: na descrição de Gabriel Soares – 1587 .......... 44

Mapa 2 – Costes des Merengastes: do rio de Ouyataca à Sainct Roc ........................... 73

Mapa 3 – Primeiras sesmarias nos sertões do Cabo de São Roque (1605 – 1608) ....... 82

Mapa 4 – As marchas pelos sertões do Porto do Touro no século XVI ...................... 122

Mapa 5 – Sesmarias do Porto do Touro (1706 – 1719) ............................................... 134

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Toponímias utilizadas pela cartografia europeia para designar os sertões do

Cabo de São Roque de 1500 até 1700 .......................................................................... 104

Quadro 2 – Sesmeiros que solicitaram terras nos sertões do Porto do Touro no segundo

ciclo de concessões nesse espaço (1706-1719) ............................................................ 134

Quadro 3 – Redes de clientelares do casal Domingos Carvalho da Silva e Catarina de

Barros nos espaços da capitania do Rio Grande ........................................................... 152

Quadro 4 – Relações de compadrio da família de Dona Catarina de Barros e Domingos

de Carvalho ................................................................................................................... 154

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Detalhe da Carta de la Cosa de 1500, onde se observa no canto inferior

esquerdo o formato em cor verde do continente sul americano ..................................... 50

Figura 2 – Detalhe da Carta de la Cosa de 1500, onde foram descritos os antigos

topônimos da costa setentrional no final do século XV ................................................. 51

Figura 3 – Detalhe do Planisfério de Cantino de 1502 .................................................. 53

Figura 4 – Detalhe do Atlas de Lopo Homem ou Atlas Miller de 1519 ....................... 55

Figura 5 – Cerâmica do sítio Zumbi. Detalhe, à direita, da imagem ampliada da pintura

da tradição Tupiguarani .................................................................................................. 59

Figura 6 – Detalhe do Atlas de Nicolas Vallard (1547): atual Nordeste da América do

Sul ................................................................................................................................... 63

Figura 7 – Detalhe do Atlas de Nicolas Vallard (1547): Costa das Capitanias da Paraíba

e Rio Grande ................................................................................................................... 64

Figura 8 – Detalhe do Atlas de Nicolas Vallard (1547): encontro colonial entre indígenas

e franceses....................................................................................................................... 65

Figura 9 – Detalhe do Mapa de Jacques de Vaulx de Claye (1579): Costas das Capitanias

da Paraíba e Rio Grande ................................................................................................. 67

Figura 10 – Detalhes do Mapa de Jacques de Vaulx de Claye (1579): Aldeia Potiguara

Souasoutin e a bandeira com brasão de armas de Filipe Strozzi. ................................... 69

Figura 11 – Detalhes do Mapa de João Teixeira Albernaz I (1612): o litoral norte da

Capitania do Rio Grande e o Canal de São Roque ......................................................... 88

Figura 12 – Detalhe das representações territoriais dos Potiguaras na cartografia

portuguesa no século XVII ............................................................................................. 92

Figura 13 – Representações da territorialização dos Potiguaras na cartografia francesa

........................................................................................................................................ 95

Figura 14 – O ícone em forma de triângulo obtuso: a representação dos baixios de São

Roque após a conquista do Maranhão .......................................................................... 103

Figura 15 – Geneagrama da família de Domingos Carvalho da Silva e Catarina de Barros

...................................................................................................................................... 150

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LISTA DE ABREVIATURAS

AHU – Arquivo Histórico Ultramarino

IAHGP – Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco

IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

IHGRN – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artísitico Nacional, superintendência do

Rio Grande do Norte

LTVSCN – Livros de Termos de Vereações do Senado da Câmara da Cidade do Natal

LARQ – Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

LEHS – Laboratório de Experimentação em História Social da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte

MCC – Museu Câmara Cascudo

SILB – Sesmarias do Império Luso-Brasileiro

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

PPGH/UFRN – Programa de Pós-graduação em História e Espaços da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 16

2 A TERRITORIALIZAÇÃO DO CABO DE SÃO ROQUE NO SÉCULO XVI . 38

2.2 A CARTOGRAFIA DA CONQUISTA ............................................................... 46

2.3 A CARTOGRAFIA IBÉRICA ............................................................................. 48

2.4 RESQUÍCIOS ARQUEOLÓGICOS DO LITORAL NORTE ............................. 56

2.5 SOUASOUTIN: A COSTA DO RIO GRANDE NA CARTOGRAFIA

FRANCESA ................................................................................................................ 60

3 AS TERRAS SEM PRÉSTIMOS: DOS SERTÕES DO CABO DE SÃO ROQUE

AO DO PORTO DO TOURO (SÉCULO XVII) ....................................................... 77

3.1 O SERTÃO LITORÂNEO ................................................................................... 77

3.2 O PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO DOS SERTÕES DO CABO DE

SÃO ROQUE .............................................................................................................. 79

3.3 OS POTIGUARA NO LITORAL NORTE DA CAPITANIA DO RIO GRANDE:

OS INDÍCIOS CARTOGRÁFICOS NO SÉCULO XVII .......................................... 85

3.4 A CONQUISTA DO MARANHÃO E A CONSTRUÇÃO CARTOGRÁFICA

DO CANAL DE SÃO ROQUE .................................................................................. 97

3.5 OS TOPÔNIMOS EM TRANSFORMAÇÃO: O SURGIMENTO DO PORTO

DO TOURO .............................................................................................................. 104

4 OS SERTÕES DO PORTO DO TOURO: A APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO

(1628-1719) .................................................................................................................. 116

4.1 INDÍGENAS, PORTUGUESES E NEERLANDESES: AS MARCHAS PELOS

SERTÕES DO PORTO DO TOURO ....................................................................... 116

4.2 TERRA, PODER E INDIVÍDUOS: AS REDES CLIENTELARES ................. 125

4.3 AS SESMARIAS DOS SERTÕES DO PORTO DO TOURO (1666-1719) ..... 127

4.4 OS DONOS DO PODER: A TRAJETÓRIA DO VEREADOR DOMINGOS

CARVALHO DA SILVA ......................................................................................... 146

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 157

FONTES ...................................................................................................................... 161

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 169

ANEXOS ..................................................................................................................... 180

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho integra-se às pesquisas desenvolvidas no Programa de Pós-

graduação em História, com área de concentração em História e Espaços, da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (PPGH/UFRN), vinculando-se à Linha de Pesquisa –

Formação, Institucionalização e Apropriação dos Espaços. Essa linha trata das

territorialidades urbanas e agrárias e da institucionalização dos espaços geopolíticos.

Concebe que o espaço é vivenciado pelas ações humanas de expansão, habitação, uso,

segregação e instituição social dos meios naturais e humanos1.

O objetivo geral deste trabalho é o de analisar como se desenvolveu o processo de

apropriação territorial do litoral ao norte de Natal, na Capitania do Rio Grande, no

decorrer de dois séculos. Desse modo, como se observaram nas pesquisas realizadas

durante o mestrado, estudos que compõem a historiografia da Capitania do Rio Grande

relegaram a essa região litorânea uma considerável lacuna nessas produções, tal como se

aquele espaço fosse um pedaço invisível do território. Para detalhar melhor o objetivo

principal e conseguir responder a essas lacunas deixadas pela historiografia, estabeleceu-

se três objetivos específicos. O primeiro será de analisar o processo de territorialização

das áreas adjacentes ao Cabo de São Roque nos séculos XVI e XVII; seguido de

compreender as experiências dos colonos, nesse processo de conquista desse espaço, a

partir de relatos de marchas, naufrágios e caminhos realizados nesse litoral entre os

séculos XVII e XVIII; e, por fim, entender como os poderes eclesiástico e civil

contribuíram no processo de apropriação das terras litorâneas que estavam além do rio

Maxaranguape, entre os séculos XVII e XVIII.

O objeto de estudo desta dissertação remete ao litoral norte da então Capitania do

Rio Grande, com o recorte temporal estabelecido entre os anos de 1500 e 1719. Apesar

de ser um período extenso para análise, buscou-se pesquisar primordialmente as fontes

1 Nessa linha de pesquisa, ocorre a ênfase numa História Social dos Espaços, tais como os processos

históricos de conquista e exploração do solo; a organização e os conflitos do trabalho no campo e na cidade;

a formação e transformação dos núcleos urbanos; a mobilidade humana; o papel das instituições

formalmente estabelecidas nas formações espaciais; a expansão das fronteiras e a emergência dos territórios

e sua apropriação por diferentes grupos sociais. Para acessar mais informações sobre outras linhas de

pesquisa do Programa de Pós-graduação História e Espaços, conferir novas Linhas de Pesquisa do

PPGH/UFRN. Disponível em:

https://sigaa.ufrn.br/sigaa/public/programa/secao_extra.jsf?lc=pt_BR&id=435&extra=1245496030.

Acesso em: 23 jul. 2018.

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cartográficas e os relatos dos cronistas do período selecionado, assim, o nosso trabalho

não prevê uma coleta exaustiva de documentos manuscritos do período. Nos primórdios

do período colonial, esse espaço foi palco dos primeiros contatos entre os grupos

indígenas e os navegadores europeus no princípio do século XVI, no contexto do encontro

colonial2. Esse espaço correspondeu, no período imperial3, aos antigos limites territoriais

da Freguesia do Senhor Bom Jesus dos Navegantes do Porto de Touros4. Ao longo do

século XX, esse território foi desmembrado em vários municípios5, que, na atualidade são

partícipes da Microrregião6 do Litoral Nordeste7 do Estado do Rio Grande do Norte, como

se observa no mapa atual a seguir, onde se encontram as atuais divisões territoriais desses

municípios, os principais rios e lagoas da região e os principais topônimos que serão

utilizados neste trabalho.

A construção do objeto de estudo desta dissertação se deu a partir, principalmente,

de um exame circunstanciado da historiografia produzida acerca do Cabo de São Roque

2 Optamos por “encontro” ao invés do tradicionalmente falado “descobrimento”. Um tipo de categoria

analítica central para a produção de um conhecimento crítico sobre o social. Um locus onde se atualizam

todas as práticas e representações, é ali que se instituem as relações sociais, produzindo simultaneamente o

colonizador e o colonizado (OLIVEIRA, 2015; ASAD, 1983). O historiador português Jaime Cortesão

utilizou o conceito de “descobrimento” em muitas de suas obras que analisaram as navegações portuguesas

entre os séculos XIV e XIX. Conceito esse utilizado como título de um de seus livros, Os Descobrimentos

Portugueses (1980). 3 Esse período imperial ao qual nos referimos remete à fase imediatamente posterior à Independência do

Brasil, em 7 de setembro de 1822. O Brasil Império foi uma fase de um governo monárquico entre os anos

de 1822 e 1889. Para Lilian Schwarcz, a elite que governaria esse Império precisou garantir compromissos

intercontinentais, manteve o comércio lícito com os países europeus e o Estados Unidos, assim como a

importação de escravos africanos (SCHWARCZ, 1998, p. 38). 4 A vila foi criada através da Lei Provincial nº 21, de 27 de março de 1835, desmembrada da Vila de

Extremoz. Até os anos 1930, a extensão de sua costa marítima era de 180 quilômetros, começando na Barra

de Maxaranguape e terminando no Pontal de Guamaré (PATRIOTA, 2000, p. 27-30). Contemporâneo das

produções de Tavares de Lira e Rocha Pombo, Amphilóquio Câmara publicou no início dos anos 1920 que

o rio Maxaranguape era perene, nascia no lugar “Páo-Ferro”, atual município de Pureza, com um curso de

60 km até se encontrar com o oceano Atlântico. Segundo ainda o autor, o rio servia como limite entre os

municípios de Touros e Ceará-Mirim (CÂMARA, 1923, p. 28). Como dos descreveu Câmara Cascudo, até

meados do século XX, o rio permaneceria como divisão até a emancipação política de Maxaranguape do

município de Touros em 1958 (CASCUDO, 2012, p. 211). 5 Destacam-se nesse período do desmembramento do território de Touros: Maxaranguape, criado em 17 de

dezembro de 1958 e Pureza, criado em 5 de abril de 1963 (CASCUDO, 2002, p. 211; p. 237). 6 Em fins de 2017, o IBGE fez mudanças nas divisões regionais. Estabelecendo uma revisão das unidades

mesorregionais e microrregionais, que nesse novo estudo recebem respectivamente os nomes de Regiões

Geográficas Intermediárias e Regiões Geográficas Imediatas. Nesta dissertação manteve-se como

referência a divisão em Microrregiões. Devido ser essa divisão mais inteligível. Disponível em:

https://ww2.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/default_div_int.shtm. Acesso em: 20 abr. 2018. 7 Na penúltima divisão do Estado, que foi realizada em junho de 1989, o IBGE – Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística criou quatro mesorregiões (grandes regiões), subdivididas em 19 microrregiões

(pequenas regiões), abrangendo as 167 unidades político-administrativas (municípios) do Rio Grande do

Norte. Essa microrregião corresponde aos municípios de Maxaranguape, Rio do Fogo, Touros, São Miguel

do Gostoso, Pedra Grande, Pureza e Taipu (ATLAS DO RIO GRANDE DO NORTE, 2004, p. 90).

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e de várias indagações que surgiram ao longo deste percurso, como veremos na seção

seguinte.

* * *

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Mapa do espaço em estudo: adjacências do Cabo de São Roque e seus topônimos na atualidade

Fonte: Mapa elaborado com auxílio do Google Earth, a partir dos dados do mapeamento dos parrachos conforme: Amaral (2003). Trabalho técnico com o programa

Qgis 3.4 realizado por Janaína Medeiros da Silva, a partir da análise de Pedro Pinheiro de Araújo Júnior.

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O historiador Augusto Tavares de Lira, na obra História do Rio Grande do Norte

(1921), ao descrever sobre os primeiros anos de colonização portuguesa, entre os séculos

XVI e XVII, na então Capitania do Rio Grande, indicou que na região ao norte da Cidade

do Natal, “o povoamento não ultrapassava ainda o Maxaranguape, a dez ou 11 léguas da

capital.” 8 Essa análise possibilita diversos questionamentos. Que fontes permitiram o

autor constituir tal informação? Todo um espaço que compreende na atualidade a

Microrregião do Litoral Nordeste do Rio Grande do Norte era um vazio populacional nos

tempos coloniais? Por que os grupos indígenas, que habitavam esse espaço, foram

silenciados? O que era a compreensão de “povoamento”9 para Tavares de Lira? Esses

questionamentos são válidos para entender os processos históricos da formação desse

espaço ao norte de Natal. As pesquisas realizadas a posteriori de Tavares de Lira, sobre

o período colonial, trouxeram poucas averiguações sobre esse espaço e mantiveram as

mesmas linhas de raciocínio sobre o povoamento até o rio Maxaranguape ao norte de

Natal10.

Esses questionamentos sobre a ocupação desse espaço ao norte de Natal surgiram

ainda na juventude deste autor, quando veraneava nos meses de janeiro na praia de Zumbi.

Posteriormente, persistiram já como professor de História da rede pública estadual no

município de Rio do Fogo11. Ambas localidades estão no litoral norte. Parte dessas

indagações foram investigadas em conjunto com os alunos12 da Escola Estadual José

8 O autor informa ainda que ao sul, em toda a faixa litoral e numa zona de algumas léguas para o interior, a

corrente imigratória estava definitivamente encaminhada (LIRA, 2012 [1921], p. 57). 9 Segundo um dicionário contemporâneo de Augusto Tavares de Lira, o termo “povoamento” era o mesmo

que “povoação”. Descreve ainda o autor do dicionário: “Habitantes; conjunto dos habitantes de um país,

localidade, etc.” (FIGUEIREDO, 1913, p. 1611). Em um dicionário de 1832, o termo povoação é descrito

como “lugar povoado. O povo que o habita” (PINTO, 1832, p. 106). Pode-se avaliar que o termo engloba

todo o universo de indivíduos que viviam na então Capitania do Rio Grande e não apenas os colonos

portugueses. 10 A reverberação sobre o povoamento no litoral norte persistiu com o historiador Tarcísio Medeiros, que

assimilou a mesma informação de Tavares de Lira (MEDEIROS, 1973, p. 38), tal como a historiadora

Denise Mattos Monteiro. Esta última inseriu em seu livro um mapa do Rio Grande do período colonial onde

os limites do povoamento, ao norte de Natal, eram até as margens do rio Maxaranguape (MONTEIRO,

2002, p. 62). 11 Rio do Fogo é um dos mais jovens dentre os 167 municípios que integram o território do Estado do Rio

Grande do Norte. Emancipado em 1995 do município de Maxaranguape através de um plebiscito realizado

em 17 de setembro, data histórica para os moradores, foi criado através da Lei Estadual nº 6.842, de 21 de

dezembro de 1995 e instalado em 1º de janeiro de 1997. Faz divisa ao norte com Touros, ao sul com

Maxaranguape, a oeste com o Oceano Atlântico e a leste com o município de Pureza. O território é dividido

em seis distritos, sendo três litorâneos: Praias de Pititinga, Zumbi e Rio do Fogo (sede); e os interioranos:

Punaú, Catolé e Canto Grande. Segundo o censo do IBGE 2010, a população ultrapassa um pouco mais de

10.000 habitantes (ARAÚJO JÚNIOR, 2013, p. 1). 12 A pesquisa foi realizada pelos alunos no Projeto Memória Viva de Rio do Fogo. Foram feitas várias

entrevistas com os idosos da praia, que relataram a história de alguns patrimônios da praça da cidade, dentre

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Porto Filho13, entre os anos de 2007-2008, ao realizarem pesquisas e entrevistas com os

moradores mais antigos da sede do município. Esse trabalho foi importante devido à

formação de livretos14 que buscaram reconstruir a Memória e a História do lugar.

No segundo momento de investigações, em 2012, realizando o Curso de

Aperfeiçoamento em Produção de Materiais Didáticos Cidade e Diversidade, de extensão

universitária, promovido pelo professor Raimundo Nonato Araújo Rocha, do

Departamento de História da UFRN, entramos em contato com documentos, fontes,

autores, professores e ideias que expandiram nossos conhecimentos para compreender a

ocupação do espaço no litoral norte. Nesses diálogos com os professores, para a

montagem do material final do curso, destacamos a contribuição da professora Carmen

Margarida Oliveira Alveal. Coordenadora do LEHS15 e Coordenadora Executiva da

Plataforma SILB16. O trabalho final do curso foi apresentado ainda durante o XXVII

Simpósio Nacional de História, em 2013, na sessão “Exposição de trabalhos inovadores

de professores de História da rede básica de educação”. Na comunicação, foi demonstrado

o relato da experiência ao produzir material didático sobre a história do município, que,

por fim, foi publicado nos Anais do Simpósio Nacional de História (ARAÚJO JÚNIOR,

2013).

A orientação da professora Carmen Alveal foi primordial nessa época, tanto na

construção do projeto do curso de extensão como no projeto da dissertação para a seleção

do PPGH/UFRN, curso pelo qual obtive aprovação em 2017. A partir da orientação do

eles a igreja de Nossa Senhora dos Navegantes e a Estátua do Pescador. Em entrevista realizada em 14 de

novembro de 2007, a senhora Juvina Lourenço Monteiro informou que “foram os caboclos que ergueram

a igrejinha. Tirando a madeira para queimar as pedras e fazer cal para pintar”. A telha da igreja foi carregada

nas costas dos animais. Quando foi construída a nova igreja, os moradores protestaram a retirada da imagem

da santa padroeira, a maré começou a subir e só voltou ao normal com o retorno da imagem na dita capela

original (ARAÚJO JÚNIOR, 2013, p. 10). 13 Nessa década a escola foi municipalizada pela Prefeitura Municipal de Rio do Fogo e tornou-se Escola

Municipal Jerônimo de Castro. 14 Os trabalhos estão disponíveis na biblioteca E. E. Governador Lavoisier Maia Sobrinho, em Rio do Fogo.

Os originais estão custodiados com o autor deste trabalho. 15 “O Laboratório de Experimentação em História Social é uma iniciativa dedicada ao ensino, à pesquisa, à

inovação metodológica e ao incentivo da práxis de experimentação e de colaboração no cotidiano do (a)

historiador (a). Os projetos que o LEHS desenvolve estão intimamente ligados à construção de bancos de

dados e transcrição de documentos manuscritos, tendo em vista a consulta e disponibilização de

informações relativas à história do Brasil com foco no Rio Grande do Norte. Os projetos trabalham,

sobretudo, com fontes primárias variadas: cartas de sesmarias, cartas de aforamento, cartas patentes,

registros paroquiais de batismo, casamento e óbito, material constante na Coleção Resgate, correspondência

dos presidentes de província, jornais do século XIX, inventários”. Disponível em:

http://www.lehs.ufrn.br/index.html. Acesso em: 22 abr. 2018. 16 Essa plataforma é uma base de dados contendo informações das sesmarias concedidas pela Coroa

portuguesa no mundo atlântico. A Plataforma SILB tem como objetivo facilitar o acesso às informações de

quase 16 mil cartas de sesmarias concedidas na América portuguesa, tanto por governadores como capitães-

mores. Disponível em: http://www.silb.cchla.ufrn.br/. Acesso em: 22 abr. 2018.

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professor Helder Alexandre Medeiros de Macedo, surgiram novos desafios e

aprimoramentos na pesquisa. Desde então, a pesquisa se amplifica sobre o processo de

territorialização dos sertões do Cabo de São Roque, com questionamentos conceituais,

novas fontes analisadas e métodos diversos.

Nos aprofundamentos da pesquisa, ainda relembrando os questionamentos sobre

os apontamentos de Tavares de Lira, já que naquele momento não se encontravam

produções bibliográficas sobre esse espaço, foi pesquisado o livro Terras Potiguares

(2004), de Marcus César Cavalcanti de Morais. Nessa obra, o autor fez um resumo de

cada um dos 167 municípios do Rio Grande do Norte. Essa tentativa do escritor em reunir

as histórias desses municípios em um livro transformou a publicação em uma das

principais fontes de informação histórica mais recentemente criadas no Estado17.

No tocante às cidades de Rio do Fogo e São Miguel do Gostoso, para o

pesquisador, suas fundações foram realizadas no final do século XIX, com o início da

construção de seus respectivos templos católicos e das primeiras moradias ao redor da

igreja. Grande parte dos primeiros moradores eram de sertanejos que se refugiaram nesses

espaços em busca de melhores condição de vida (MORAIS, 2004, p. 199-225). Sobre Rio

do Fogo, o autor descreve:

A povoação do território teve início nos idos de 1877, quando quatro

famílias, fugindo de uma grande seca, deixaram o Sertão potiguar e

penetraram nos caminhos do litoral, até alcançarem a região banhada

pelo Rio Roxo, onde fixaram moradia. As famílias se instalaram

incialmente na margem esquerda do pequeno rio de águas escuras, que

posteriormente denominou-se Rio do Fogo. [...] Na trajetória de sua

consolidação, Rio do Fogo contou em seus primeiros anos com a

participação incentivadora de nomes importantes, como: Francisco

Apolinário, Francisco de Brito, Eliseu Ribeiro, José Gaspar [...]

(MORAIS, 2004, p. 199).

Na observação desse fragmento, percebe-se que o autor utilizou de relatos orais

ao citar o nome dos primeiros moradores, infelizmente, não citando as fontes das

informações prestadas em seu livro. O grande problema é que esses dados são utilizados

17 Pode-se observar, por exemplo, no site do IBGE, onde é descrita a História de cada município do Rio

Grande do Norte, a fonte utilizada para tal foi a publicação Terras Potiguares. No município de São Miguel

do Gostoso, consta que “O povoado de Gostoso foi fundado em 29 de setembro de 1884, exatamente, no

dia dedicado a São Miguel pelo missionário frei João do Amor Divino”, esses dados são os mesmos do

autor e carecem de fontes. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rn/sao-miguel-do-

gostoso/historico. Acesso em: 13 abr. 2018.

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pelos órgãos governamentais, tais como o IBGE18, como a principal fonte histórica sobre

esses lugares em seus relatórios por município. Os dados são utilizados pelo Estado,

Prefeitura e, por fim, pela comunidade escolar, que reverbera aos alunos do lugar que as

origens do município estão ligadas aos grupos de flagelados da seca de 1877, que se

assentaram na praia em busca de refúgio. A partir dos dados de Tavares de Lira e Marcos

César Cavalcanti, todo esse espaço litorâneo estava sem registro documental da presença

de colonos portugueses ou povos indígenas no decorrer do período colonial? Esse espaço

só foi ocupado no final do século XIX? Esses questionamentos são o mote principal da

problemática proposta nesta dissertação.

As primeiras produções historiográficas sobre esse litoral ocorreram nas primeiras

décadas do século XX, intituladas, contemporaneamente, de historiografia clássica19.

Teve como um dos principais expoentes o historiador Francisco José da Rocha Pombo,

que na sua obra História do Estado do Rio Grande do Norte (1922) traçou o perfil da

história do Estado até o ano de 1920, dedicando mais da metade de sua obra ao período

colonial. Porém, como era comum nas produções do período, fez uma narrativa construída

sob a valorização do viés dos conquistadores portugueses, sendo esses senhores do

território 20, descrevendo os primeiros contatos dos europeus com os grupos indígenas

relatados nas viagens de Américo Vespúcio, em 1501, como também analisou os embates

entre portugueses e holandeses na Capitania do Rio Grande em 1633. Exemplo disso, o

título do capítulo 11 é “O Domínio dos Intrusos”, tratando sob o período da dominação

holandesa na dita Capitania.

Um ano antes, em 1921, Augusto Tavares de Lira construiu uma narrativa

semelhante em sua obra, já questionada no início deste texto. Valorizando os feitos dos

lusitanos e utilizando como principal fonte de sua narrativa, sobre os primórdios da

18 O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE se constitui no principal provedor de dados e

informações do País, que atendem às necessidades dos mais diversos segmentos da sociedade civil, bem

como dos órgãos das esferas governamentais federal, estadual e municipal. A missão institucional é

“Retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento de sua realidade e ao exercício da

cidadania”. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/institucional/o-ibge.html. Acesso em: 13 abr. 2018. 19 O termo historiografia clássica foi utilizado pela historiadora Denise Mattos Monteiro ao fazer uma

análise sobre a produção historiografia norte-rio-grandense no I Encontro Regional da Anpuh-RN

(MONTEIRO, 2004, p. 51). Essa visão se perpetuou nas produções do Programa de Pós-graduação em

História da UFRN. Nas pesquisas de Helder Macedo e Tyego F. da Silva, foi utilizada essa denominação

para se referir aos livros publicados na primeira metade do século XX, por Câmara Cascudo, Tavares de

Lira e Rocha Pombo. As obras desses autores, que contribuíram na produção da História do Rio Grande do

Norte, são consideradas como a principal referência aos estudos sobre o período colonial (MACEDO, 2007,

p. 71; SILVA, 2015, p. 79). 20 Saliento que as obras de Augusto Tavares de Lira e José Francisco da Rocha Pombo foram publicadas

no contexto das comemorações do 1º centenário da Independência do Brasil em 1922, incentivadas pelo

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (LIRA, 2012 [1921], p. 11).

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colonização, a obra História do Brasil, de Frei Vicente de Salvador. Porém, um

diferencial do autor em relação a Rocha Pombo são as citações e as referências

bibliográficas utilizadas de forma mais constante ao longo de seu texto, tornando a sua

obra uma das principais fontes de pesquisa sobre a História do Rio Grande do Norte. No

tocante aos grupos indígenas, o autor escreveu:

Quanto ao extermínio do gentio, recordamos apenas, sem subscrever os

conceitos dos que entenderem ter sido o seu sacrifício o cumprimento

de uma lei necessária [...] em virtude de guerras, epidemias de varíola

e crises climáticas periódicas, esse desaparecimento foi quase

completo, de tal modo que, no cruzamento que ali se vem operando

entre as três raças que entraram na nossa formação histórica, a raça

primitiva passou, desde então, a fornecer o menor contingente,

especialmente na zona agrícola, onde foram assimilados, em maior

número, os negros e mulatos (LIRA, 2012, p. 190).

Essa perspectiva fatalista de Augusto Tavares de Lira sobre os grupos indígenas

que faziam parte da composição dos indivíduos que integravam a Capitania coloca esses

sujeitos como extintos da participação histórica da formação do Rio Grande do Norte 21.

Principalmente ao utilizar o termo “raça primitiva”, usando o mesmo raciocínio de Rocha

Pombo. Essa historiografia do início do século XX colocou os grupos indígenas que

habitavam a Capitania do Rio Grande como meros expectadores dessas narrativas. Foram

silenciados e esquecidos nessas obras. São citados apenas em pequenos relatos de ataques

aos portugueses, nos acordos de paz firmados no contexto da fundação de Natal, nos

conflitos com os holandeses e na Guerra dos Bárbaros.

A partir da segunda metade do século XX, uma nova leva de pesquisas surgiu

sobre o período colonial. Luís da Câmara Cascudo encabeçou essa análise quando lançou

História do Rio Grande do Norte (1955). Porém, o escritor manteve o mesmo discurso

de Tavares de Lira sobre o desaparecimento dos grupos indígenas no contexto do processo

colonizador. Se Lira informou que os indígenas foram “exterminados” ao longo desse

processo, Cascudo estabeleceu o fim desses povos no início do século XIX, ao afirmar:

“o indígena entrou para morrer” (CASCUDO, 1984, p. 43). Mais uma vez o discurso

fatalista e do esquecimento desses povos persistiu na historiografia sobre o período

colonial do Rio Grande do Norte.

21 De acordo com o Dicionário da língua Portuguesa de Raphael Bluteau, morador seria aquele que “mora,

habita” (BLUTEAU, 1789, p. 96). Nessa perspectiva, moradores seriam todos aqueles que habitavam a

Capitania do Rio Grande.

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Câmara Cascudo, todavia, contribuiu nas pesquisas sobre o litoral norte ao indicar

as referências sobre os estudos coloniais e indígenas e na indicação de artigos da Revista

do IHGB. Percebe-se que o significado e história de algumas localidades não foram

trabalhadas ou deixadas sem descrição na obra. Talvez por estar em processo de pesquisa

na época, Câmara Cascudo retomou-o na obra Nomes da Terra (1968). Nessa obra, fez

uma vasta pesquisa sobre os topônimos do Rio Grande do Norte, descrevendo as origens

indígena, africana ou portuguesa das localidades desse Estado. Porém, existem algumas

lacunas nesse trabalho que provocam dificuldades nas pesquisas de historiadores do

período colonial, uma delas é a falta de citação documental e referência bibliográfica. Um

dos topônimos litorâneos pesquisados pelo autor foi a praia de Zumbi. Segundo ele, “em

1777, Manoel Gomes Tição possuía o sítio do Zumbi na praia de Punahu” (CASCUDO,

1968, p. 133). Além disso, não se sabe, por exemplo, que tipo de dicionário tupi foi

utilizado por Câmara Cascudo para compreender os significados dos topônimos

litorâneos ou sertanejos.

Na década de 1970, o professor da UFRN Tarcísio Medeiros lançou Aspectos

Geopolíticos e Antropológicos da História do Rio Grande do Norte (1973). O autor

estabeleceu novos olhares sobre o período colonial na Capitania do Rio Grande,

principalmente nos aspectos cartográficos, iconográficos e nas referências

bibliográficas22. Sobre o litoral norte, ele amplificou os estudos sobre esse espaço ao

pesquisar sobre o período dos descobrimentos portugueses. Ao se utilizar da obra de

Francisco Adolfo Varnhagen, descreveu que esse litoral foi tocado por espanhóis em 1499

nas imediações do rio Assu, antes da chegada do navegador Pedro Alvares Cabral ao atual

território brasileiro em 1500. O pesquisador manteve aproximações com termos

utilizados pela historiografia clássica ao se referir aos holandeses e ao personagem Jacob

Rabbi23 como “invasores” e “judeu traidor”, respectivamente (MEDEIROS, 1973, p. 20-

38).

Tarcísio Medeiros manteve um discurso semelhante ao de Cascudo sobre os

indígenas. Os Paiacus foram intitulados de “ferozes e terríveis” e o personagem Jacob

Rabbi de o “inspirador da morte” (CASCUDO, 1984, p. 84-100). Ao longo do trabalho,

22 No decorrer dos capítulos, o autor se utilizou de fontes imagéticas para mostrar ao leitor a trajetória da

colonização portuguesa. Estampou gravuras como a planta da Fortaleza dos Reis Magos, iconografias do

período do domínio holandês e fontes manuscritas. 23 Sob a ótica de Tarcísio Medeiros, Jacob Rabbi foi um “judeu traidor” que se aliou aos indígenas Tapuia

e Cariri contra os Potiguara para favorecem os holandeses que conquistavam a Capitania do Rio Grande

(MEDEIROS, 1973, p. 38). Percebe-se que ao utilizar o termo “judeu” para definir Jacob Rabbi, demonstra

uma desqualificação do personagem em relação à religião que ele professava.

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sobre dados do período colonial, fez conclusões sem citar as fontes pesquisadas para fazer

tal informação. Essas divergências se apresentam, por exemplo, em relação à

quantificação de moradores da capitania no período holandês, informando que “60% da

população”24 do Rio Grande sucumbiu diante dos embates para a conquista da Capitania

em 1633. Dados esses sem nenhuma citação de fontes que possam ser investigadas

(MEDEIROS, 1973, p. 215).

Surgem nos seus escritos os primeiros esboços de uma História que se preocupava

com a História Indígena25 ao utilizar os termos “etnia” ou “tráfico vermelho”, referindo-

se aos grupos indígenas e ao processo de colonização portuguesa. Porém, equivoca-se

nesses conceitos no final do livro ao retomar o termo “raça” ao se referir aos escravos

africanos: “o negro, das três raças, foi o elemento que por último chegou ao Rio Grande

do Norte” (MEDEIROS, 1973, p. 41-54). Desse modo, entende-se que os indígenas têm

etnia e os negros têm raça, colocando esses dois grupos em categorias diferentes de

análise etnográfica. Tarcísio Medeiros ainda manteve o conceito “raça” na obra Proto-

História do Rio Grande do Norte (1985). Em ambos os trabalhos, estabeleceu os limites

territoriais dos grupos indígenas a partir da divisão regional26 da época da pesquisa.

Aproximando-se aos estudos de Câmara Cascudo, sobre essa modalidade de divisão, feita

a partir da análise dos topônimos. O dito autor contribui com os estudos arqueológicos

sobre os povos indígenas ao analisar na sua obra outros estudos já realizados pelos

pesquisadores do Museu Câmara Cascudo (MCC) nos anos de 1960 e 197027. Essas

pesquisas investigaram os povos paleoíndios e indígenas a partir dos artefatos cerâmicos

encontrados nos sítios arqueológicos do litoral e região agreste do Rio Grande do Norte.

Nas décadas de 1980 e 1990, o historiador Olavo de Medeiros Filho, membro

efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), publicou

24 Provavelmente Tarcísio Medeiros utilizou esses dados de Luís da Câmara Cascudo. Porém, na obra de

Câmara Cascudo também não foram citadas nenhuma referência bibliográfica ou fonte sobre essa

informação (CASCUDO, 1984, p. 48). 25 Para Fátima Martins Lopes, a História Indígena foi implementada com o advento da Lei Federal nº

10.639/03, de 2003, que determinou a introdução da temática “História da África e cultura afro-brasileira”

na Educação Básica. Posteriormente, essa lei foi alterada, em 11 de março de 2008, para incluir também a

“História Indígena”, por meio da Lei nº 11.465/08. Desse modo, caberia às universidades promoverem

tanto a formação inicial dos novos professores quanto a formação continuada dos professores acerca das

novas temáticas (LOPES, 2016, p. 13). 26 O autor utilizou a denominação “zonas fisiográficas” para descrever as regiões do Rio Grande do Norte

na década de 1970: Litoral, Agreste, Salineira, Centro-Norte, Seridó, Chapada do Apodi e Serrana

(MEDEIROS, 1973, p. 54). 27 Um desses pesquisadores foi o professor Antônio Nassáro de Souza Nasser, pesquisador do Museu

Câmara Cascudo, que se consagrou com a descoberta de duas tradições ceramistas no Rio Grande do Norte:

os povos ceramistas das fases Pabeba e Curimataú. Esta última ligada aos povos tupis que ocupavam os

espaços litorâneos entre 1200 e 500 anos antes do presente (MEDEIROS, 1985, p. 80-90).

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obras que contemplavam suas pesquisas sobre o período colonial na Capitania do Rio

Grande. Destaca-se como um dos primeiros a publicar um estudo dedicado aos povos

indígenas, na obra Índios do Açu e Seridó (1984). O autor amplificou o conhecimento

histórico sobre os grupos indígenas que habitavam a Capitania, retirando esses

personagens dos silêncios das pesquisas realizadas no século XX.

Medeiros Filho teve a perspicácia de esmiuçar os topônimos do litoral, os limites

territoriais dos grupos indígenas e o modo de vida desses personagens de acordo com os

relatos dos cronistas holandeses do século XVII28. O autor descreveu indicações dos

topônimos referentes às aldeias indígenas do espaço litorâneo, mas priorizou as pesquisas

sobre os grupos indígenas das ribeiras do Assu e Seridó.

O dito pesquisador tem como principal mérito as suas exaustivas pesquisas em

fontes e livros do período do domínio holandês, principalmente na indicação das fontes

documentais e iconográficas. Na pesquisa da cartografia colonial, mais precisamente nos

estudos dos topônimos litorâneos, destacam-se as obras Naufrágios no Litoral Potiguar29

(1988), Terra Natalense (1991), Aconteceu na Capitania do Rio Grande (1997), Os

Holandeses na Capitania do Rio Grande (1998) e Notas para a história do Rio Grande

do Norte (2001). Essas publicações contribuem para as pesquisas sobres os espaços

coloniais no sentido de indicação das fontes, porém, são obras descritivas e com rarefeito

esforço reflexivo sobre o processo de colonização.

O escritor Antônio Nilson Patriota, membro da Academia Norte-Riograndense de

Letras, contribui com a obra Touros: Uma Cidade no Brasil (2000). Suas pesquisas

estavam associadas aos estudos de Olavo de Medeiros Filho30. Nilson Patriota, fez uma

pesquisa pioneira sobre a história do principal núcleo urbano desse espaço litorâneo, a

cidade de Touros. Natural da mesma cidade, o autor pesquisou sobre Touros e as cidades

que se emanciparam desse município ao longo do século XX, construindo no seu texto

dados importantes sobre esse espaço pouco problematizado na historiografia. A partir de

relatos orais dos moradores de várias localidades, nas citações de fontes paroquiais,

28 Os cronistas holandeses utilizados na pesquisa de Olavo de Medeiros foram: Joannes de Laet, Jorge

Macgrave, Pierre Moreau, Guilhermo Piso, Joan Nieuhof, Hessel Gerritz, Elias Herckman, Zacharias

Wagner e Jacob Rabbi (MEDEIROS FILHO, 1984, p. 17-18). 29 Na obra o autor descreve indicações dos topônimos litorâneos a partir dos relatos do cronista português

Gabriel Soares de Sousa. Descreve a Ponta do Santo Cristo, o Cabo de São Roque, os rios Pititinga, Uguaçu

e Maxaranguape como as principais referências geográficas para a navegação costeira pela Capitania

(MEDEIROS FILHO, 1988, p. 11-12). 30 O autor dedicou em Notas para a história do Rio Grande do Norte (2001) um capítulo ao pesquisador

da cidade de Touros, Nilson Patriota, com o título “Touros: Subsídios para a sua História”, indicando fontes

para a pesquisa desse espaço litorâneo no período colonial.

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sesmariais e nos estudos bibliográficos, procurou fazer uma história geral desse

município, ligando esse espaço como um importante ponto estratégico, tanto aos feitos

dos “descobrimentos” portugueses como às rotas da aviação transoceânica entre África e

o Brasil entre os anos 1930-1940.

No final dos anos 1990, foram publicados trabalhos produzidos por professores

do Departamento de História da UFRN, ligados aos estudos coloniais. A professora

Fátima Martins de Lopes lançou Índios, Colonos e Missionários na Colonização da

Capitania do Rio Grande do Norte (2003). Uma das primeiras pesquisas acadêmicas

sobre o processo de colonização e desaparecimento dos grupos indígenas desse espaço

colonial, um verdadeiro divisor de águas na historiografia colonial do Rio Grande do

Norte. Uma de suas contribuições está na mudança do conceito sobre a expansão colonial,

ao chamar esse processo de “povoamento colonial”. Concordando com esse termo,

percebemos o reconhecimento da autora de que os povos indígenas também povoavam o

Rio Grande. Essa perspectiva muda o olhar sobre esses grupos, pois na historiografia

clássica, os termos povoamento, povoado ou habitante estavam ligados apenas aos

colonos portugueses.

A professora Denise Mattos Monteiro, em Introdução à História do Rio Grande

do Norte (2000), fez uma reconstrução histórica do Rio Grande do Norte entre o período

colonial e parte da primeira metade do século XX. Utilizou como principal referência

sobre o período colonial os estudos de Fátima M. Lopes. O trabalho de Denise Monteiro

foi importante ao utilizar, a partir das fontes, mapas para mostrar as “frentes de conquista

do interior” (MONTEIRO, 2002, p. 78) no processo de colonização da Capitania.

Um procedimento em destaque na obra de Mattos Monteiro foi a inserção de

documentos e mapas. Contudo, ocorre uma discordância perceptível com Fátima Martins

Lopes, na forma como transcreve os sujeitos que se apropriaram desse espaço. Utiliza os

termos “homens brancos” ou “conquistador branco”, um conceito genérico considerado

ultrapassado para designar os europeus na América. Utilizaremos, nesta dissertação, o

conceito trabalhado por Fátima Martins Lopes, entendido como mais apropriado, o de

“colonizador”.

A partir do ano de 2008, com as defesas das dissertações do PPGH/UFRN, o leque

de pesquisas sobre a Capitania do Rio Grande do Norte continuou ampliando os estudos

coloniais sobre esse espaço. Desse modo, destaca-se Helder Alexandre Medeiros de

Macedo contribuindo para a História Indígena e dos estudos cartográficos em

Ocidentalização, Territórios e Populações Indígenas no Sertão da Capitania do Rio

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Grande (2007), devido à sua análise sobre esse processo de “ocidentalização” a partir da

investigação de fontes cartoriais, paroquias, militares e cartográficas. Fez uma análise

breve do Mapa de Cantino de 1501, considerando-o como marco primordial do processo

que ele chama de “ocidentalização” da Capitania do Rio Grande. Utilizou-se do mapa de

Luís Teixeira, de 1574, para problematizar sobre as divisões das Capitanias Hereditárias.

Por fim, utilizou o mapa de Jacques de Vaulx de Claye para analisar a iconografia dos

contatos entres franceses e índios Potiguara no litoral do Rio Grande, além de analisar em

detalhes sobre essa cultura indígena e suas representações no mapa da cartografia francesa

do século XVI. Reiteramos, todavia, que o objeto central de estudo da dissertação estava

calcado nas transformações provocadas pelo fenômeno da ocidentalização nos espaços e

nas vidas dos indígenas que habitavam os sertões do Rio Grande do Norte.

A dissertação de Júlio César Vieira de Alencar, intitulada Para que enfim se

colonizem estes sertões: A Câmara de Natal e a Guerra dos Bárbaros (2017), fornece

dados importantes para compreender as redes clientelares entre os agentes camarários, a

posse das terras na capitania e os conflitos com os grupos indígenas. Tal como Helder

Macedo, o autor trabalha o conceito de “território” ao descrever esse processo, elaborando

no seu trabalho mapas para descrever a apropriação de terras em várias ribeiras da

Capitania, citando o Porto de Touros e a região das Salinas, ambas no litoral norte como

partícipes desse processo colonizador.

Dessa forma, Júlio César Alencar estabeleceu nesses mapas informações sobre a

extensão da região salineira e a denominação de “Porto de Touros”. Porém faltaram as

descrições dos rios perenes da região no mapa sobre a Ribeira do Ceará-Mirim, como por

exemplo os rios Maxaranguape, Punaú e Maceió, sendo todos eles importantes marcos

nas divisões das sesmarias costeiras do litoral norte.

Concomitantemente a essas produções acadêmicas do PPGH/UFRN, o LEHS

produziu, também, um rico acervo em artigos e estudos sobre o período colonial,

destacando-se nos espaços coloniais da Capitania do Rio Grande do Norte. Dentre os

trabalhos que contribuem na historiografia, são os trabalhos de Ana Lunara da Silva

Morais, com o artigo Quanto peixe se compra com um vintém? Análise da atividade

pesqueira e as querelas derivadas desta na capitania do Rio Grande, 1650-1750 (2014)

e na sua dissertação com o título Entre veados, carneiros e formigas: conflito pela posse

de terra na ribeira do Ceará-Mirim, e concepções de mentalidade possessória, 1725-

1761 (2014). Elenize Trindade Pereira contribui também com dois trabalhos importantes,

o primeiro deles intitulado Das terras doadas ouvi dizer: doação de sesmarias na

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fronteira do império, capitania do Rio Grande, 1600-1614 (2014) e a sua dissertação, De

capitania donatária à capitania régia: o senhorio de João de Barros na “Terra dos

Potiguara”: século XVI (2018). Essas pesquisas trouxeram dados importantes sobre o

litoral, as atividades extrativistas nesse espaço, a conquista dos sertões e da apropriação

territorial através da concessão de sesmarias nos primórdios do século XVII.

Feito o percurso pela produção historiográfica do Rio Grande do Norte acerca do

litoral norte da antiga capitania, deteremo-nos, na próxima seção, a detalhar as questões

de ordem teórico-metodológica que serviram de base à investigação.

* * *

A investigação que resultou na presente dissertação de mestrado alinha-se com

três campos da História: História Social, Geo-História e Cultura Material. A História

Social é uma categoria surgida em oposição à História Política tradicional. Antoine Prost

analisa esse campo como um bom exemplo para compreender o modo como se faz a

união, em um procedimento concreto, entre a estrutura e o acontecimento, assim como

entre a análise das coerências e a buscas das causas. O autor analisa essa história, em

sentido amplo, como uma tradição de longa duração que avançou através da historiografia

(PROST, 2008, p. 189). Desse modo, o nosso trabalho vincula-se a esse campo da História

por abordar as redes políticas e sociais criadas por indivíduos que tinham cargo camarário

no Senado da Câmara do Natal no início do século XVIII e utilizaram dessa influência,

no âmbito da Capitania do Rio Grande, para adquirir terras nas adjacências do Cabo de

São Roque.

A Geo-História é um campo que estuda a vida humana no seu relacionamento com

o ambiente natural e com o espaço concebido geograficamente. A partir da publicação da

obra O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II (1949), de Fernando

Braudel, foi que esse campo da história começou a se destacar, passando a se definir e a

se encaixar nos estudos históricos de longa duração. A “Geo-história braudeliana”31

revela uma abordagem muito mais consistente e complexa, como também dialoga com a

Geografia e outras ciências da natureza, como a Botânica e Ecologia. O nosso objeto de

31 Para o geógrafo Guilherme Ribeiro, o conceito de Geo-história foi elaborado pelo historiador francês

Fernand Braudel no texto “Géohistoire: la société, l’espace et le temps” durante sua prisão pelos alemães

em meio à Segunda Guerra Mundial. “Tal conceito expressa a crítica de Braudel às fronteiras disciplinares,

bem como a relevância da geografia na construção de seu método histórico de longa duração” (RIBEIRO,

2015, p. 605).

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estudo liga-se com a Geo-História na medida em que relacionamo-nos com processo de

territorialização perpetrados por grupos europeus no litoral da Capitania do Rio Grande,

ao longo de dois séculos, em períodos intermitentes de conflitos e amizades com os povos

originários, entendendo assim como esse espaço foi transformado pelo movimento de

conquista e colonização, percebendo-se o reflexo disso na produção de registros no

formato de textos documentais, sesmariais e mapas.

Por fim, o nosso trabalho vincula-se com a História da Cultura Material, pois

pesquisa sobre os objetos materiais em sua interação com os aspectos mais concretos da

vida humana, dentre eles, artefatos históricos do período do contato entre indígenas e

europeus, fontes cartográficas produzidas por diversas escolas cartográficas da Europa

dos séculos XVI e XVII, além de fontes paroquiais, batismos e casamentos, produzidas

pelo clero da Igreja Católica vinculado à Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação.

Para Ulpiano Bezerra de Meneses, o importante na pesquisa da Cultura Material é

entender os artefatos e como eles são produzidos nas relações sociais. Busca-se

informações materialmente observáveis como as especificidades do saber-fazer

envolvido e da divisão técnica do trabalho e suas condições operacionais essenciais, os

aspectos funcionais e semânticos – base empírica que justifica a inferência de dados

essenciais sobre a organização econômica, social e simbólica da existência social e

história do objeto (MENESES, 1998, p. 91).

Para dar respaldo à investigação, foram utilizadas diversas tipologias de fontes.

As fontes cartográficas selecionadas são dos séculos XVI e XVII e serão utilizadas no

primeiro e segundo capítulos da dissertação, no total de 25 documentos, como cartas, atlas

e livros produzidos em países europeus – Portugal, França, Espanha e Holanda. Os

documentos cartográficos estão divididos em dois blocos distintos, que são: Carta de La

Cosa (1500), Planisfério de Cantino (1502), Planisfério de Caverio (1505), Mapa de

Lopo Homem (1519), Carta de Diogo Ribeiro (1529), Carta de Gaspar Viegas (1534),

Atlas de Nicolas Vallard (1547), Mapa de Diogo Homem (1558), Mapa de Bartolomeu

Velho (1561), Mapa de Jacopo Gastaldi (1565), Mapa de Fernão Vaz Dourado (1571),

Atlas de Luiz Teixeira (1574), Mapa de Jaqcques de Vaulx de Claye (1579), Atlas de Joan

Martinez (1587) e o Mapa de Theodoro de Bry (1592).

O segundo bloco são: Mapas de João Teixeira Albernaz I (1612), Atlas e Mapas

de João Teixeira Albernaz, o Moço (1627; 1630; 1631; 1640; 1642; 1666), Carta de Jorge

Marcgraf (1643), Mapa de Nicolas Sanson (1656) e o Atlas de Johannes Vingboons

(1665). Todos disponíveis para consulta através das plataformas digitais em sites de

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museus, instituições universitárias e arquivos públicos como a Biblioteca Digital Mundial

(https://www.wdl.org/pt/) e a Biblioteca do Congresso Americano

(https://www.loc.gov/). Os referidos documentos estão listados no item Fontes, no final

deste trabalho.

Onze dessas fontes estão disponíveis também no site “Gallica”

(http://gallica.bnf.fr). O site é uma plataforma digital da Biblioteca Nacional da França e

seus parceiros, está online desde 1997, sendo enriquecido todas as semanas, e oferece

acesso a milhares de documentos. A qualidade gráfica dos mapas disponibilizados na

plataforma torna esse site um dos melhores na pesquisa em cartografia na atualidade. Em

meados do século XX, debruçou-se nas pesquisas sobre essas fontes o sócio do IHGRN,

José Moreira Brandão Castelo Branco, com a publicação de dois artigos sobre cartografia

colonial32. Seu trabalho foi importante na análise dos topônimos e na iconografia desses

documentos. A principal referência historiográfica sobre a cartografia colonial é do

historiador português Jaime Zuzarte Cortesão. Falecido em 1960, teve uma obra póstuma

publicada em dois tomos pelo Ministério das Relações Exteriores: História do Brasil nos

Velhos Mapas (1965). Os estudos desse autor servem como principal referência para

indicação da localização dessas fontes, lugar de produção e características de cada escola

cartográfica, aos quais ele chama de “Escola Cartográfica do Ocidente”33.

Outra tipologia de fonte analisada são quatro Relatórios de Diagnóstico e

Prospecção Arqueológica feitos no litoral norte, entre os anos de 2012 e 2015, fruto de

estudos propiciados pela Arqueologia de Contrato34. Esses documentos são

imprescindíveis para a liberação do termo do impacto arqueológico nas regiões onde

foram construídas linhas de transmissão e usinas eólicas. Essas fontes trazem amostragem

do material arqueológico encontrado, identificando se são do período pré-histórico ou do

32 Os trabalhos foram publicados nas edições de 1950 e 1952 da Revista do IHGRN. Ver os títulos no

capítulo Referências. 33 O autor utilizou-se desse conceito para descrever a escolas cartográficas europeias no contexto das

Grandes Navegações entre os séculos XV e XVI. Estabeleceu a escola cartográfica portuguesa como a

pioneira nesse processo. “Nascida das escolas catalã e italiana da Idade Média, essencialmente

mediterrâneas, a escola portuguesa de cartografia foi o fruto de experiências oceânicas e, por consequência,

diversas e mais vastas; e influiu, por sua vez, nas demais escolas das nações do Ocidente” (CORTESÃO,

1965, p. 77-82). 34 As empresas responsáveis por esses relatórios da Arqueologia de Contrato são a Arqueologia Brasileira

Consultoria Ltda. e a Alasca Arqueologia. Ambas tiveram endosso institucional e apoio do IPHAN, MCC

e do LARQ. A pesquisa preventiva ou de contrato é uma etapa obrigatória para o licenciamento ambiental

de um empreendimento público ou privado, pode ser desde a construção de estradas ou de parques eólicos

a hotéis e condomínios residenciais, comuns nas áreas litorâneas. Disponível em:

https://www.opovo.com.br/jornal/cienciaesaude/2018/04/lei-ambiental-colabora-com-arqueologia.html.

Acesso em: 6 jun. 2018.

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período do contato entre grupos indígenas e europeus. Esses relatórios e o material

arqueológico encontrado estão custodiados e disponíveis para consulta em três

instituições na cidade do Natal: MCC, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional (IPHAN) e o Laboratório de Arqueologia da UFRN (LARQ).

As mesmas instituições salvaguardam outras fontes que serão utilizadas neste

trabalho, como os artefatos cerâmicos, cerâmicas de grés, fragmentos de louças, miçangas

venezianas e de faiança francesa que foram encontrados pelo Projeto Dunas35, realizado

entre os anos 1990 e 2000. Esse material arqueológico foi proveniente de cinco sítios

arqueológicos identificados no espaço de estudo: Enseada de Pititinga, Zumbi, Rio do

Fogo I, Rio do Fogo II e Lagoa do Sal.

Todos foram categorizados pertencendo ao período do contato. Nesse caso, serão

utilizadas as fontes imagéticas desse material realizadas no decorrer desta pesquisa e

servirão para a contribuição do primeiro capítulo. Pesquisadores como Iago Henrique

Albuquerque de Medeiros e Francisco de Assis de Lima contribuíram sobre a

Arqueologia Histórica ao realizarem pesquisas sobre o Projeto Dunas, investigando o

material arqueológico produto desta pesquisa, mas centralizaram seus trabalhos no

período pré-histórico (LIMA, 2004; MEDEIROS, 2016).

Outras classes de fontes escritas foram averiguadas, como os registros

paroquiais36, consultando os livros de casamentos, batismos e falecimentos da Matriz de

Nossa Senhora da Apresentação entre os anos de 1681-1776, custodiados tanto pelo

Instituto Arqueológico e Histórico Geográfico Pernambucano (IAHGP) como pelo

IHGRN. As fontes foram disponibilizadas por meio de cópias fotográficas realizadas e

resguardadas pelo professor Helder Alexandre Medeiros de Macedo. Sendo os livros de

batismo imprescindíveis para montar a trajetória de vida do personagem Domingos

Carvalho da Silva e seus familiares, assim, esses documentos foram utilizados nesta

35 Projeto desenvolvido sob a coordenação do arqueólogo Paulo Tadeu de Souza Albuquerque (UFRN),

identificando um número significativo de sítios arqueológicos pré-coloniais e de contato euro-indígena, nas

áreas de dunas do litoral oriental norte-rio-grandense. Tiveram como objetivo central o cadastramento dos

sítios arqueológicos desse espaço (MEDEIROS, 2016, p. 18). 36 Esses documentos, de acordo com a historiadora Maria Luiza Marcílio, são fontes seriais de grande

importância para estudos demográficos referentes à população católica ocidental. Isso porque estes, em

tese, deveriam cobrir a integralidade de tal população, englobando pessoas das diversas condições social,

jurídica e de legitimidade, cores e sexos, com uma grande riqueza de informações “para a reconstituição da

história social e cultural das populações católicas e a potencialidade de explorações que permitem, para

desvendar o passado em várias direções” (MARCÍLIO, 2004, p. 15). Os historiadores Thiago Torres de

Paula, Renata Assunção da Costa e Júlio César Vieira de Alencar contribuíram recentemente para os

estudos coloniais a partir dos trabalhos das suas dissertações do Programa de Pós-graduação em História

da UFRN ao realizaram análises desses documentos paroquiais (PAULA, 2009; COSTA, 2015;

ALENCAR, 2017).

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dissertação no Capítulo 3 e foram abordados sob os conhecimentos das normas

estabelecidas pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia em 1707. Além

destes, foram averiguados outros sete documentos manuscritos avulsos referentes à

Capitania do Rio Grande, existentes no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU)37, datados

entre os anos de 1675-1747, disponibilizados através do Projeto Resgate38, no sítio da

Biblioteca Nacional Digital (http://bndigital.bn.gov.br/projeto-resgate/).

Por fim, analisamos 10 documentos sesmariais39 concedidos aos moradores do

espaço em estudo, entre os anos de 1605 e 1719. Essa documentação, conservadas no

IHGRN e disponibilizadas para pesquisa tanto na Plataforma SILB, como nas publicações

do projeto Sesmarias do Rio Grande do Norte da Fundação Vingt-Un Rosado.

Escolhemos esse recorte temporal, por serem as duas primeiras fases de doações de terras

nesse espaço, como será explicado em mais detalhadamente nas sessões 3 e 4 desta

pesquisa.

Metodologicamente, após a revisão da bibliografia, realizamos a análise

qualitativa dos relatórios de prospecção dos sítios arqueológicos do período do contato e

artigos de autores sobre esses sítios, destacando-se os trabalhos de Paulo Tadeu de Souza

Albuquerque e Walner Barros Spencer. Tal análise foi feita sob a luz da metodologia da

Arqueologia Histórica, estudo arqueológico dos aspectos materiais, em termos históricos,

culturais e sociais concretos, dos efeitos do mercantilismo e do capitalismo que foi trazido

da Europa em fins do século XV e que continua em ação ainda hoje (ORSER JÚNIOR,

1992, p. 23). Sob a ótica deste último autor, refere-se às manifestações materiais do

mundo, posterior ao ano de 1500. Pode-se trabalhar nela temas como os artefatos

37 Segundo Ana Canas Delgado Martins, o Conselho Ultramarino e a Secretaria de Estado dos Negócios da

Marinha e dos Domínios Ultramarinos constituíram os eixos da administração colonial portuguesa central

no que respeita ao Brasil. Assim sucedeu até a inversão, em 1808, do estatuto colonial desse território,

derivada da transferência da família real e do governo para o Rio de Janeiro, a fim de salvaguardar a

independência política de Portugal. A autora descreveu ainda que os “arquivos de ambos os organismos

forma a estrutura do que se convencionou designar fundo de arquivo “do Conselho Ultramarino” no

Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) em Lisboa” (MARTINS, 2018, p. 1). 38 O Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco (Projeto Resgate) foi criado

institucionalmente, em 1995, por meio de protocolo assinado entre as autoridades portuguesas e brasileiras

no âmbito da Comissão Bilateral Luso-Brasileira de Salvaguarda e Divulgação do Patrimônio Documental

(COLUSO). Tem como objetivo principal disponibilizar documentos históricos relativos à História do

Brasil existentes em arquivos de outros países, sobretudo Portugal e demais países europeus com os quais

tivemos uma história colonial imbricada. Disponível em: http://bndigital.bn.gov.br/projeto-resgate/. Acesso

em: 21 jun. 2019. 39 Segundo Carmen Alveal, esses documentos são frutos do sistema de sesmarias, oriundos do processo de

colonização e interiorização da América portuguesa, sendo estes utilizados como forma principal de

distribuição de terras. Para a autora, “tal sistema, pensado para resolver problemas de abastecimento em

Portugal em 1375 e utilizado na colonização do Atlântico, teve que ser aperfeiçoado à medida que novas

situações eram apresentadas no decorrer da ocupação territorial” (ALVEAL, 2015, p. 249).

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traficados pelos indígenas, as mudanças sociais acarretadas nessas sociedades graças à

introdução de objetos materiais europeus, possuindo um leque de fontes de informação

para auxiliar na pesquisa. Dentre elas os artefatos e as estruturas, a arquitetura, os

documentos escritos, as informações orais e as informações pictográficas. Em seguida,

foi estabelecido um cruzamento de dados a partir de pesquisas em fontes cartográficas,

observando as iconografias e topônimos nos documentos, além da investigação em fontes

escritas dos cronistas do século XVI, a exemplo de Américo Vespúcio e Gabriel Soares

de Sousa. Assim, conseguiu-se identificar e examinar resquícios de aldeias indígenas no

espaço em estudo.

Para a abordagem nos documentos sesmariais e paroquiais, estabeleceu-se o

método onomástico40 a partir da análise micro-histórica41. Desse modo, a partir da

percepção de Carlo Ginzburg, investiga-se a trajetória de vida de indivíduos que

participaram do processo de colonização desse espaço. No cruzamento de diversas fontes

onde podem surgir seus respectivos nomes, suas ligações econômicas e políticas com

outros grupos. Além de formar a rede de parentes e funções que ocuparam no recorte

temporal estabelecido. Assim, foi realizada a análise da trajetória de personagens que

iniciaram o processo de ocupação do litoral norte em fins do século XVII, dentre eles

estão Domingos Carvalho da Silva e Francisco da Costa Barbosa.

As primeiras representações desse espaço em estudo foram realizadas a partir da

confecção de mapas. Desse modo, nos dois primeiros capítulos, essas fontes foram

analisadas sob uma das tríades do pensamento de Henri Lefebvre: “o espaço concebido”.

Seria aquele dos cientistas, dos planificadores, dos urbanistas, dos tecnocratas, de certos

artistas próximos da cientificidade, identificando o vivido e o percebido ao concebido.

Em outras palavras, é o espaço dominante numa sociedade. As concepções do espaço

tenderiam para um sistema de signos verbais, portanto, elaborados intelectualmente

(LEFEBVRE, 2013, p. 100). Concordando com a ideia de Henri Lefebvre sobre o espaço

concebido, os mapas têm essa característica de descrever um espaço que era ainda

desconhecido do público europeu, ou seja, estava no plano da abstração. Aproximando-

40 Carlo Ginzburg e Carlo Poni descrevem esse método como o “centro de gravidade dessa investigação

micronominal”. As linhas gerais que convergem para o nome do indivíduo escolhido, para investigação e

que dele partem, compondo uma espécie de teia de malha fina, dão ao observador a imagem gráfica do

tecido social em que o indivíduo está inserido (GINZBURG; PONI, 1989, p. 175). 41 A análise em micro-história, na concepção de Carlo Ginzburg, é a “história do vivido”, que também a

chama de “bifronte”, pois de um lado move-se numa escala reduzida, permitindo em muitos casos uma

reconstituição do vivido impensável noutros tipos de historiografia, propondo a indagação das estruturas

invisíveis dentro das quais aquele vivido se articula (GINZBURG; PONI, 1989, p. 178).

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se da ideia do “espaço concebido”, Tiago Kramer nos relata que “a cartografia, por mais

que não possa ser vista como um discurso neutro e objetivo, é obra de ficção sobre um

espaço imaginado que se torna real apenas por meio de um discurso persuasivo

convincente” (OLIVEIRA, 2014, p. 165).

Outras categorias a serem apropriadas e utilizadas neste trabalho são as de

território, territorialização e sertão, que estão em consonância com a linha de pesquisa

proposta, que comentamos no início da Introdução. Pode-se observar que no processo de

apropriação dos sertões do Cabo de São Roque, essa ação foi estimulada pela Coroa

Portuguesa e seus agentes, desse modo, essas categorias são aplicadas nos três capítulos

desta dissertação, a partir das óticas de autores selecionados como Cláudia Damasceno

Fonseca, que descreve que o sertão colonial é “um espaço em perpétuo vir a ser: sua

conversão em território se faz à medida que o povoamento avança e se intensifica”.

(FONSECA, 2011, p. 54). Para a autora, o sertão pode designar “regiões extensas, pouco

habitadas, selvagens, inexploradas ou pouco conhecidas, não cartografadas e de limites

fluidos ou subjetivos” (FONSECA, 2011, p. 54). Para Jerusa Pires Ferreira, existe uma

polarização de significações sobre essa categoria “sertão” que “estaria ligado ao conceito

de fertilidade da terra, de abundância vegetal, de mata, e por outro lado, encontra-se o

sentido de aridez de despovoamento que remeteria à acepção de deserto” (FERREIRA,

2004, p. 29). Na percepção de Antônio Robert de Moraes, esses espaços coloniais tornam-

se sertões ao atraírem o interesse de agentes sociais que visam estabelecer novas formas

de ocupação e exploração dessas paragens (MORAES, 2003, p. 2). Serão também

aplicados no Capítulo 2 os conceitos de espaço e caminhar de Yi-Fu Tuan (1980; 1983)

sobre as experiências dos colonos lusos no litoral nas paisagens dunares. Por fim, foi

realizado um exercício de micro-história no Capítulo 3, a partir da aplicação de conceitos

como trajetória dos sujeitos, rede familiar e elite, sob o prisma de João Fragoso (2006) e

Cristina Mazzeo de Vivó (2009).

* * *

As estruturações dos capítulos foram estabelecidas da maneira que se segue. O

capítulo primeiro, com o título A territorialização do Cabo de São Roque no século XVI,

organizado a partir da análise cartográfica, iconográfica e de dados arqueológicos, aborda

o processo de territorialização desse espaço perpetrado pela Coroa Portuguesa, em busca

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das respostas para a problematização inicial. No capítulo segundo, As terras sem

préstimos: dos sertões do Cabo de São Roque ao do Porto do Touro (Século XVII), foram

analisados os naufrágios, as relações dos colonos portugueses e indígenas com o espaço

e a paisagem, os conflitos e a institucionalização dos primeiros topônimos nesse espaço.

No capítulo final, Os sertões do Porto do Touro: a apropriação do espaço (1628-1719),

foram averiguadas as experiências de colonos e militares com as suas marchas pelo litoral,

como também as concessões de sesmarias nesse espaço e as ligações entre as autoridades

camararias do Senado da Câmara do Natal com essas concessões, na tentativa de

compreender as formações das redes familiares a partir da análise e cruzamento das fontes

paroquiais. O capítulo aborda, principalmente, a trajetória de vida de Domingos de

Carvalho da Silva, figura importante no processo de apropriação do território do Cabo de

São Roque.

A dissertação aqui apresentada se enquadra no bojo de produções acadêmicas

recentes sobre o período colonial, em especial, nos estudos sobre os espaços coloniais na

Capitania do Rio Grande. Abordamos neste trabalho aspectos ligados aos primórdios da

concentração fundiária e um suposto “desaparecimento” dos grupos indígenas da região

dos sertões do Cabo de São Roque. Almeja conseguir preencher lacunas da historiografia

sobre o litoral norte e os primeiros contatos, nesse espaço, entre europeus e indígenas.

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2 A TERRITORIALIZAÇÃO DO CABO DE SÃO ROQUE NO SÉCULO XVI

O atual litoral norte-rio-grandense foi palco dos primeiros contatos entre os grupos

indígenas e europeus nos primórdios do século XVI. Existe, na atualidade, uma discussão

histográfica, fora do âmbito acadêmico, e patrocinada pelo Governo do Estado do Rio

Grande do Norte42 e IHGRN43, sobre a questão dos “descobrimentos”44 portugueses em

1500. Tal discussão centra-se no ponto de que a esquadra comandada por Pedro Álvares

Cabral aportou nas imediações da atual cidade de Touros e não em Porto Seguro, na

região ao sul da Bahia, em 22 de abril de 1500.45 Essas questões têm um forte apelo dos

setores ligados ao turismo do Estado. Porém não é uma discussão historiográfica recente,

já que desde os anos 1920 esses debates ocorrem46.

A dissertação proposta não tem intenções em fazer parte dessa questão, em vista

de não ser o perfil da linha de pesquisa em que está inserida, mas sim, analisar o processo

42 Os incentivos a esse debate sobre a chegada de Pedro Álvares Cabral a Touros são patrocinados pelo

Governo Estadual através da Secretaria de Turismo (SETUR). Em abril de 2018, foi lançado um concurso

de redação pela Secretaria do Estado de Educação e Cultura (SEEC) com o título: “Tudo Começa Aqui”.

Segundo o site da instituição, “o concurso proporciona uma reflexão sobre a história do Brasil, tendo como

tema central ‘Rio Grande do Norte: O Brasil nasceu aqui?’”. Disponível em:

http://www.educacao.rn.gov.br/Conteudo.asp?TRAN=ITEM&TARG=179990&ACT=&PAGE=&PARM

=&LBL=NOT%CDCIA. Acesso em: 9 jun. 2018. 43 O IHGRN é a principal referência sobre esses estudos do descobrimento em Touros. Um livreto publicado

por dois de seus membros, Marcus César Cavalcanti de Morais e Enélio Lima Petrovich, mostra essa relação

com o tema: O Brasil nasceu juridicamente no RN (2007). A obra mais recentemente publicada foi a do

pesquisador Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto com o título: 1500: de Portugal ao Saliente Potiguar

(2018). Recentemente, a instituição formou uma comissão de historiadores sócios para estudar o assunto.

A meta é apresentar um relatório final após dois anos de estudos. Disponível em:

http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/de-volta-a-tese-sobre-o-descobrimento/412608. Acesso em: 9

jun. 2018. 44 Numa perspectiva semelhante à que Jaime Cortesão explica, porém com um viés ligado ao Materialismo

Histórico, o historiador Caio Prado Júnior conceitualiza os “descobrimentos” como um conjunto do capítulo

da história do comércio europeu. São incidentes da imensa empresa comercial a que se dedicam os países

da Europa a partir do século XV e que lhes alargará o horizonte pelo Oceano afora (PRADO JÚNIOR,

2004, p. 14). Na primeira metade do século XX, historiadores como Jaime Cortesão e Prado Júnior

utilizavam-se do termo “descobrimentos” através de uma perspectiva histórica eurocêntrica, estabelecendo

a figura dos colonos portugueses no papel de protagonistas do período colonial. John Hemming (2007) e

João Pacheco de Oliveira (2015) utilizam-se de termos como “conquista” ou “encontro colonial” devido à

redução violenta no número de indígenas no decorrer desse processo. 45 Como o advento das comemorações dos 500 anos do “Descobrimento do Brasil”, pelos idos do ano 2000,

surgiram várias publicações sobre a chegada dos portugueses ao continente americano. No Rio Grande do

Norte, se popularizou a ideia do pesquisador Lenine Pinto, que descreveu que as naus comandadas por

Pedro Álvares Cabral tinham descoberto o Brasil em Touros. Desde então, muitos jornalistas e

pesquisadores usam a produção bibliográfica do autor como a principal referência sobre essa discussão.

Suas principais obras são: Reinvenção do Descobrimento (1998) e O Mando do Mar (2015). 46 Luís da Câmara Cascudo já se debruçava sobre essa temática ao publicar A Intencionalidade no

Descobrimento do Brasil (1924) e O Mais Antigo Marco Colonial do Brasil (1934). Os dois trabalhos foram

reunidos no livro Dois Ensaios de História (1965).

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de conquista territorial dos sertões adjacentes ao Cabo de São Roque, espaço esse

considerado como ponto de partida desse processo de expansão territorial perpetrado pela

Coroa Portuguesa.

Nesse ínterim, a abordagem neste trabalho é investigar a territorialização do

espaço do litoral norte, mais precisamente, nas adjacências do Cabo de São Roque (ver

no mapa da Introdução). Utilizamo-nos do conceito de território de Antônio Carlos

Robert de Moraes para entender esse processo de conquista dos espaços indígenas por

grupos europeus no século XVI na América do Sul. Para esse autor, o território, no

decorrer da colonização portuguesa, ocorreu no sentido da apropriação e usos dos solos

que correspondiam “às carências ou às potências que alimentaram a motivação para

mover-se” para espaços cobiçados pelos colonos. Para Moraes, para que esse processo

ocorresse, foi necessária uma efetivação da ocupação do espaço, isto é, a colonização foi

um assentamento com certa dose de fixação e perenidade da ocupação do espaço, sendo

este resultado da ação humana sobre a superfície terrestre (MORAES, 2008, p. 63). Desse

modo, o processo colonizador utilizou os serviços militares e todo aparato jurídico-

administrativo para expandir as terras coloniais. Moraes nos informa que existe “um

componente de violência que acompanha de forma inelutável a apropriação de novas

terras quando estas possuem habitantes autóctone, pois eles devem ser submetidos ao

novo poder que se instala” (MORAES, 2008, p.64).

Concordando com a intepretação do autor sobre o espaço, no contexto do encontro

colonial, ele foi construído a partir dos relatos dos cronistas e da cartografia do período.

São essas fontes produzidas pelos agentes da Coroa Portuguesa, exemplos de

representações do espaço, que nas concepções de muitos autores47, as quais veremos

adiante, descreveram esse espaço como território dos Potiguara48. Porém, temos algumas

questões para compreender. Como eram os limites territoriais para os Potiguara? Como a

historiografia e a documentação dos primórdios da conquista podem esclarecer esses

questionamentos? Como a História Indígena pode contribuir nessa pesquisa?

Na segunda metade do século XIX, Francisco Adolfo Varnhagen publicou

História Geral do Brasil (1877) descrevendo, em seus primeiros capítulos, uma história

47 Os autores que descreveram esse espaço como território dos Potiguara foram: Tavares de Lira (1921),

Rocha Pombo (1922), Câmara Cascudo (1955), Frans Moonen; Luciano Mariz (1992), Grabriela Martin

(1997), Fátima Martins Lopes (1998), Denise Mattos (2002), John Hemming (2007) e Helder Macedo

(2007). 48 Para Fátima Martins Lopes, os Potiguara eram do tronco linguístico Tupi-Guarani que, como seus

aparentados do restante do litoral leste do Brasil, tomaram contato com os europeus desde o início das

navegações exploratórias da costa (LOPES, 2003, p. 44).

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dos indígenas. Ele estipulou que existiam antes da chegada dos portugueses, em 1500, em

torno de 1 milhão49 de indivíduos. Em seu trabalho, fez uma descrição desses povos,

utilizando-se de imagens iconográficas e de fontes de época para demonstrar a formação

social desses povos. Mas percebe-se a utilização de referências dos povos indígenas que

habitavam a atual região sudeste do Brasil. Desse modo, faz uma história desses povos

de forma aglutinadora, como se todos os povos indígenas fossem de uma mesma cultura,

sem investigar as especificidades de cada sociedade e seu território.

Em meados do século XX, Caio Prado Júnior, na sua obra História Econômica do

Brasil (1945), imerge esses povos indígenas sob a perspectiva de uma dominação

mercantilista dos povos europeus na América. O autor descreve que esses indígenas

viviam em uma terra parcamente habitada por tribos nômades ainda na Idade da Pedra e

os que vivam no litoral eram relativamente numerosos e pacíficos (PRADO JÚNIOR,

2004 [1945], p. 24-32). Analisando essas informações, percebe-se uma incongruência de

dados em relação à quantidade de grupos indígenas na época do encontro colonial, ora o

autor informa que tinham muitos, ora descreve que eram poucos.

Contemporâneo da produção de Caio Prado, o historiador português Jaime

Cortesão utilizou-se das mesmas categorizações ao descrever esses povos como

“estacionados ainda na Idade da Pedra e que utilizavam para confeccionar seus

instrumentos apenas a pedra, a madeira e o osso. Andavam nus. Pintavam o corpo de

cores, em que predominavam o encarnado e o negro” (CORTESÃO, 1980, p. 19). Esses

autores utilizaram uma perspectiva sobre a História Indígena, um pouco semelhante à de

Varnhagen, ao aglutinar, pouco investigar e categorizar esses povos nativos como

viventes da “idade da pedra” ou como “nômades e pacíficos”. Sem um estudo

aprofundado ou analítico sobre essas sociedades, corroborando com um viés

historiográfico que colocou esses sujeitos como meros coadjuvantes do período colonial.

No século XXI, novas abordagens surgem sobre a história indígena. João Pacheco

de Oliveira, utilizando-se do referencial estabelecido pelo antropólogo Talal Asad,

apropriou-se do conceito de “encontro colonial” para investigar os primórdios do contato

entre europeus e indígenas nas Américas. Descreve como uma categoria analítica central

49 Esses dados foram estipulados pelo autor ao descrever que o número de indígenas diminuiu ao longo dos

séculos de colonização devido às guerras de extermínio que estes mantinham entre si. “Eram causa de que

as tribos ou cabildas se debilitassem cada vez mais em número, em vez de crescerem” (VARNHAGEN,

1877, p. 14). Se observa nessa informação um discurso fatalista na medida em que esses grupos seriam

superados pela civilização e eram inaptos à nova realidade. Além de invisibilizar o processo colonizador,

como promotor, do genocídio indígena.

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para a produção de um conhecimento crítico sobre o social. “Longe de ser o palco para o

teatro do absurdo, o encontro colonial é o lócus onde se atualizam todas as práticas e

representações, é ali que se instituem as relações sociais, produzindo simultaneamente o

colonizador e o colonizado” (OLIVEIRA, 2014, p. 168). Desse modo, será utilizado esse

conceito para o estudo do processo de territorialização dos sertões do Cabo de São Roque

e das relações entre indígenas e grupos europeus, portugueses e franceses.

2.1 Encontro colonial no Cabo de São Roque

Segundo Greg Urban e Gabriela Martin, os povos indígenas que viviam no litoral

do que chamamos de Brasil se estabeleceram nesse espaço por volta do ano 1000,

tomando como base o Calendário Gregoriano. Os mesmos pesquisadores indicam que

várias línguas seriam, então, uma única língua, reunidas sob o nome de “Tupi-Guarani”,

que não deve ser confundido com a família mais ampla. Os grupos que ocupavam essa

costa até a foz do Amazonas eram os Tupinambás, Tupiniquins e Potiguara (URBAN,

1998, p. 92; MARTIN, 1997, p. 205).

As estimativas sobre a quantidade de indígenas que moravam nesse espaço variam

entre 1 a 5 milhões de indivíduos antes do encontro colonial. O atual litoral norte do Rio

Grande do Norte foi palco desse contato entre europeus e indígenas nos primeiros anos

do século XVI50. Os viajantes europeus foram incumbidos pela Coroa Portuguesa de

descrever as novas terras do além-mar. Rocha Pombo nos descreveu que “o litoral do

território que forma hoje o Estado do Rio Grande do Norte foi seguramente dos primeiros,

nesta parte da America do Sul, que receberam visitas de expedições européas” (POMBO,

1922, p. 23).

A descrição do historiador sobre os primórdios da conquista do litoral foi

fundamentada a partir dos escritos da expedição exploradora da qual fazia parte Américo

50 Adolfo Varnhagen e outros historiadores, como Tavares de Lira, Capistrano de Abreu, Rocha Pombo e

Câmara Cascudo, descreveram que esse litoral foi visitado antes da expedição de Pedro Álvares Cabral em

1500. Porém, sem descrever se nesses eventos ocorreu encontro entre europeus e indígenas. “Em fins de

junho de 1499, Alonso de Hojeda, navegante em companhia dos célebres pilotos Juan de la Cosa e Americo

Vespucci, se encontrara com terra, proximamente na latitude de cinco graus ao sul da Equinocial; a qual

terra era baixa, alagada e de vários esteiros e braços de rios. Não pode ter sido outra senão a do delta do

Assú, na actual província do Rio Grande do Norte. [...], Vicente Yanez Pinzon, navegando com uma frotilha

de quatro caravelas, approou a terra por essa banda, em 26 de janeiro de 1500, junto a um cabo, que

denominou de Santa Maria de la Consolacion, cabo que, por muitas razões, julgamos hoje ter sido a

chamada ponta de Mocuripe, visinha ao porto da capital da província do Ceará, e não o de Santo Agostinho,

como se chegou a acreditar” (VARNHAGEN, 1877, p. 77-78).

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Vespúcio51. Desse modo, a partir da carta “As Quatro Navegações”, atribuída ao

navegador florentino52, denominou-se essa região costeira com a toponímia de “Cabo de

São Roque” (PATRIOTA, 2000, p. 184). A expedição foi realizada logo após a chegada

do navegador português Pedro Álvares Cabral a Porto Seguro, em 22 de abril de 1500,

feito considerado marco primordial dos encontros coloniais na atual costa do Brasil

(ARAÚJO JÚNIOR, 2013, p. 6).

A expedição exploradora assinalou a posse portuguesa dos espaços costeiros do

que viria a ser intitulado posteriormente de Capitania do Rio Grande. Esses navegadores

fincaram um marco de posse portuguesa53, coluna fixada na atual praia do Marco54. Nos

mapas antigos, as adjacências do Cabo de São Roque correspondiam ao litoral entre os

municípios de Maxaranguape e Guamaré (SILVA; ARRAIS; CAVENAGHI, 2006). Na

atualidade, o referido topônimo situa-se no atual município de Maxaranguape55 e recebeu

esse nome durante a expedição em 17 de agosto de 150156, dia dedicado àquele santo

(MEDEIROS, 1973). Na carta, Vespúcio descreveu os indígenas do litoral próximo ao

Cabo de São Roque para o rei de Portugal D. Manuel I:

[...] Os homens que ali estavam, descendo à praia com arcos e

flechas, puseram-se a disparar e infligiram tal terror em nossa gente

51 Na obra de Rocha Pombo, foi descrito que a “primeira expedição exploradora saiu de Lisboa em maio

de 1501, e veio ter vista de terra na altura do cabo a que se deu o nome de S. Roque. Daí, perlongando a

costa[...] dando aos vários acidentes geográficos os nomes que ainda hoje tem, como os de cabo S.

Agostinho, rio S. Francisco, Rio de Janeiro [...] Todos esses nomes figuram já nas primeiras cartas que se

desenharam do continente, desde 1502. Constata-se assim que foi este pedaço do Rio Grande do Norte a

primeira terra do Brazil que viram os nossos avós depois da de Vera-Cruz” (POMBO, 1922, p. 14). 52 As cartas que são os relatos das viagens de Américo Vespúcio foram organizadas no livro Novo Mundo:

As cartas que batizaram a América (2013). Os escritos foram divididos em cartas autênticas: Carta de

Sevilha, Carta de Cabo Verde e Carta de Lisboa; e duas outras consideradas apócrifas: Mundus Novus e As

Quatro Navegações. 53 Esse Marco contém os símbolos oficiais dos agentes do “descobrimento”: A Cruz da Ordem de Cristo e

o escudo de Portugal. Segundo Câmara Cascudo, esse Marco foi um sinal da passagem da expedição de

1501 comandada por Gaspar de Lemos. “Chantou um marco de pedra lioz, o mármore de Lisboa”

(CASCUDO, 1984, p. 33). Em 1928, uma missão do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do

Norte, composta por Câmara Cascudo e Nestor Lima, confirmou sua autenticidade. Para a comunidade

local (Cauã), o marco revestia-se de sentido religioso, tornando-se objeto de culto. Ele foi transferido para

o Forte dos Reis Magos. Uma réplica se encontra na atual Praia do Marco (SILVA; ARRAIS;

CAVENAGHI, 2006, p. 4). 54 Praia do município de São Miguel do Gostoso. O lugar litorâneo onde foi chantado o Marco de Touros

passou a denominar-se Praia do Marco ou Praia dos Marcos, em razão da existência de “tenentes” ou

“testemunhas”, padrões menores que acompanhavam a coluna maior (DANTAS, 2012, p. 88). 55 “A Ponta do Calcanhar, a 7 quilômetros de cidade de Touros, tem mil vezes mais jeito e porte de cabo

do que a ponta Gorda, hoje apelidada de São Roque”, no atual município de Barra de Maxaranguape

(PATRIOTA, 2000, p. 184). 56 Adolfo Varnhagen informou que Américo Vespúcio institucionalizou o topônimo São Roque. Ao “avistar

terra, a 16 de agosto, na latitude proximamente de cinco graus, junto do cabo que, em virtude da festa do

calendário nesse dia, recebeu o nome de S. Roque, com que ainda hoje é designado” (VARNHAGEN,

1877, p. 82).

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– os batéis em que estavam resvalavam na areia ao navegar, não

podendo fugir com rapidez -, que ninguém então se lembrou de

pegar em armas, de modo que muitas flechas eles dispararam até que

desferimos quatro tiros de bombarda sem atingir ninguém. Ao ouvir

o estrondo, todos em fuga correram de volta ao monte onde estavam

as mulheres a esquartejar o jovem que haviam matado, enquanto

olhávamos em vão, mas não era em vão que nos mostravam os

pedaços que, assando num grande fogo que tinham aceso, depois

comiam: também os homens, fazendo-nos sinais semelhantes,

davam a entender que haviam matado e assim comido outros dois

cristãos nossos, e exatamente por isso acreditamos que falavam a

verdade. Esse ultraje ofendeu-nos a fundo, pois vimos com nossos

próprios olhos a profanação com que trataram o morto (VESPÚCIO,

2013 [1504-1505], p. 46-48).

Pode-se considerar o navegador florentino como o primeiro cronista europeu57 a

descrever o litoral do atual Rio Grande do Norte, sendo possível observar em seu texto a

geografia da região e das características físicas e dos hábitos antropofágicos dos índios

Potiguara58. Essa fonte é importante para compreender que o espaço já era ocupado por

esse grupo indígena nos primórdios da colonização lusa.

Outro autor que esclareceu que esse encontro colonial foi realizado entre

navegadores da Coroa Portuguesa e indígenas Potiguara foi o historiador Capistrano de

Abreu. O mesmo nos informa que “a expedição de 1501 entrou logo em conflito com a

gente da terra, provavelmente Potiguares” (ABREU, 2013, p. 235). Paulatinamente esse

espaço foi apropriado pelos colonos portugueses nos séculos subsequentes através da

concessão de sesmarias. Além disso, as crônicas de Vespúcio consolidaram a toponímia

Cabo de São Roque, que “tornou-se, para os navegantes que vinha, a estes mares, o ponto

de referência mais conhecido” (POMBO, 1922, p. 26). Essa referência pode ser observada

nos mapas e atlas que foram elaborados por diversos cartógrafos europeus no decorrer da

primeira metade do século XVI.

Como se observa no Mapa 1, os primeiros contatos coloniais foram estabelecidos

na costa Potiguara, nas imediações do Cabo de São Roque. O ícone correspondente ao

núcleo urbano de Filipeia serve para averiguar as dimensões territoriais estabelecidas por

esse povo indígena. Essa localidade foi fruto de um processo de conquista dos espaços

57 Na obra de Rocha Pombo foram feitos comentários a respeito da carta “As Quatro Viagens”, confirmando

ser o relato de Vespúcio sobre as imediações do Cabo de São Roque: “Estas informações não deixam dúvida

nenhuma quanto ao trecho da costa em que esteve aquella gente: tanto a latitude calculada, como a obstinada

repulsa dos índios, mostram claro como por ali se estava em domínio dos Potiguaras. Andava-se pelas

vizinhanças do cabo S. Roque” (POMBO, 1922, p. 25). 58 Os índios Potiguara “habitavam a proximidade do litoral e as ribeiras de rios, fabricando canoas e

apetrechos para a pesca, que era feita com flechas e pequenos anzóis feitos de espinhas de peixe ligados a

fios de algodão ou espécie de cânhamo” (LOPES, 2003, p. 50).

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desse povo costeiro, perpetrados pelos agentes da União Ibérica59, nas últimas duas

décadas do século XVI.

Após a descrição dos Potiguara realizada por Américo Vespúcio, existe um hiato

de 85 anos de silêncios de fontes escritas de origem portuguesa sobre esse povo no litoral

norte, surgindo posteriormente com os escritos de Gabriel Soares de Sousa em 1587.

Segundo Fátima Martins Lopes, nem os grupos franceses que aportaram na costa do Rio

Grande à procura de pau-brasil60 deixaram relatos sobre esse período inicial,

principalmente porque aqui estavam como corsários, flibusteiros autorizados pela Coroa

Francesa, mas não legais do ponto de vista das relações políticas europeias (LOPES,

2003, p. 47-48).

Mapa 1 – Costa do território Potiguara: na descrição de Gabriel Soares de Sousa – 1587

Fonte: Mapa elaborado por Pedro Pinheiro de Araújo Júnior, com auxílio do Google Earth, a partir dos

escritos de Gabriel Soares de Sousa (1587), Américo Vespúcio (1503), Rocha Pombo (1921) e Tavares de

Lira (1922). Além dos relatórios dos sítios arqueológicos identificados pelo Projeto Dunas, organizados em

quadros na Tese de Doutorado de Iago Henrique Medeiros (2016).

59 A União Ibérica foi a anexação de Portugal pela Espanha entre 1580 e 1640. Resultou de longa relação

entre as duas monarquias da península. A união das Coroas não significaria a perda da independência de

Portugal, mas caracterizaria a formação de uma monarquia dual, preservadas as instituições políticas e

administrativas portuguesas (VAINFAS, 2001, p. 570-572). 60 O pau-brasil foi o primeiro recurso natural explorado pelos descobridores portugueses da Terra de Santa

Cruz. A importância dessa exploração foi marcante e provocou a mudança do nome dado ao território

brasileiro, que passou a ser chamado de Costa do Brazil, Terra do Brasil e Brasil (ROCHA, 2005, p.

12.614).

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O cronista Gabriel Soares de Sousa e os religiosos católicos Frei Vicente de

Salvador e Frei Fernão Cardim informaram limites territoriais diferentes para esse povo

indígena. Na percepção do primeiro, o rio Assu61 seria os limites “extremos entre os

Tapuias e os Potiguares” (SOUSA, 1851 [1587], p. 23). Para o segundo, percebe-se uma

amplificação dos domínios dos Potiguara pela costa “da Paraíba até o Maranhão, algumas

quatrocentas léguas” (SALVADOR, 2013 [1627], p. 169). O último restringe o território

destes e os intitula apenas de “senhores da Paraíba” (CARDIM, 1925, p. 195). Pelas

análises cartográficas, percebemos que esse domínio Potiguara era vasto. No Mapa de

Bartolomeu Velho de 1561 (ver Anexo A), foram nomeados diversos territórios indígenas

ao longo da costa e intitulou toda faixa litorânea entre atual do Ceará e a Paraíba de

“Pitiguares”.

As diversas compreensões dos cronistas sobre os limites territoriais desses nativos

demonstram um processo de apropriação territorial em andamento e de conhecimento

limitados dos espaços a serem conquistados pela União Ibérica, na costa setentrional do

Estado do Brasil. Lembrando que esses cronistas foram contemporâneos dos conflitos

entre portugueses e Potiguara e seus aliados franceses pela conquista das Capitanias da

Paraíba e Rio Grande nas últimas décadas do século XVI, pode-se inferir que escreveram

seus textos a partir dos relatos dos militares que participaram dos conflitos. Essas guerras

contra os indígenas, para avanço territorial português em direção ao norte de Pernambuco,

levaram ao contato desses fundos territoriais, que seriam “constituídos pelas áreas ainda

não devassadas pelo colonizador, de conhecimento incerto e, muitas vezes, apenas

genericamente assinaladas na cartográfica da época. Trata-se dos “sertões”, das

“fronteiras”, dos lugares ainda sob domínio da natureza ou dos “naturais” (MORAES,

2008, p. 69).

As divergências sobre a delimitação territorial dos Potiguara perpassam também

pelos historiadores. Desde Adolfo Varnhagen, que limita os “petiguares” como senhores

da costa dos atuais Estados do Rio Grande do Norte e Paraíba (VARNHAGEN, 1877, p.

20). Até Olavo de Medeiros Filho e Tarcísio Medeiros indicam como moradores da

margem esquerda do rio Paraíba até a serra do Ibiapaba no atual estado do Ceará

(MEDEIROS FILHO, 1984, p. 21; MEDEIROS, 1985, p. 85). Como se observa no Mapa

61 O atual rio Piranhas-Assu no Rio Grande do Norte foi identificado pelo autor como o “Rio Grande”.

Olavo de Medeiros Filho reforçou essa interpretação ao analisar os topônimos litorâneos, ao associar o

nome Rio Grande ao Rio Assu (MEDEIROS FILHO, 1988, p. 13).

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1, e concordando com a historiadora Fátima Martins Lopes, ao esclarecer em um mapa62

que esse povo ocupava toda faixa litorânea leste e a região agreste do atual Rio Grande

do Norte. Não existe, portanto, uma unanimidade sobre os limites territoriais desse grupo

indígena, que foi descrito como a maior e a mais unida de todas as tribos tupis do litoral

do Brasil. Guerreiros intrépidos, impediram a expansão portuguesa ao longo da costa

“leste-oeste” (HEMMING, 2007, p. 245).

2.2 A cartografia da Conquista

Entre os séculos XV e XVI ocorreu uma verdadeira revolução na ciência e na arte

cartográfica. Na ciência, pela introdução das latitudes observadas, do meridiano graduado

nas cartas e do cálculo do valor do grau terrestre, o que permite uma representação muito

mais exata da superfície do planeta. Na arte, pela formação e generalização daquilo que

Jaime Cortesão intitula de o estilo naturalista, sendo esse um estilo utilizado nos

primeiros mapas criados para descrever o litoral do atual território brasileiro. Foram

confeccionados a partir de relatos e estudos de militares e cronistas ligados à

administração da Coroa Portuguesa (CORTESÃO, 1965, p. 86). Esses agentes da Coroa

deveriam retratar as terras recém-descobertas63 para que o governo central, em Lisboa,

fosse capaz de conhecer esse novo espaço e estabelecer novas políticas administrativas,

além de expandir seu território de além-mar64.

A figura-chave nesse processo de territorialização65, a partir da confecção de

mapas, pertencia à figura do cosmógrafo, que era responsável por montar os dados já

62 A autora propõe um mapa com o título Territórios Indígenas Tradicionais, onde estabeleceu os possíveis

limites territoriais do povo Potiguara a partir de pesquisas realizadas em documentos coloniais (LOPES,

2003, p. 460). Esse mapa é utilizado como uma das principais referências sobre história indígena no Rio

Grande do Norte (Ver no Anexo B). 63 Segundo Patricia Seed, o termo “descoberta” foi utilizado pelos portugueses para designar seus métodos

de encontrar novas terras, em um processo sistemático pelo qual novas terras e novos povos eram achados.

A autora informa que a “descoberta constituía a essência de suas reivindicações de autoridades de além-

mar” (SEED, 1999, p. 145). 64 A partir do século XVII, a América portuguesa tinha superado a Índia como a mais importante colônia

do Império Português. Lentamente, a Coroa começou a reconhecer esse fato estendendo a jurisdição de

funcionários coloniais no Brasil para que parte da África Ocidental fosse incluída nessa jurisdição. Essas

mudanças da administração Lusa sobre sua Colônia americana expandiu a imigração e o domínio contínuo

desse espaço (SCHWARTZ, 2011, p. 207). 65 A expansão territorial, no processo colonizador, é no sentido de que a apropriação de terra realizada e os

usos do solo introduzidos respondem às carências ou às potências que alimentaram a motivação para mover-

se. Para que ela ocorra, é necessária uma efetivação da ocupação do espaço, isto é, a colonização é um

assentamento com certa dose de fixação e perenidade. Percebe também que o colonizador é um “agente

externo”, que passa a atuar como elemento de estruturação interna daquele espaço. Assim, à colônia

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pesquisados, fazer apenas o risco, aquartelamento e preparação dos atlas manuscritos em

versões de luxo, muitas vezes acompanhados do texto explicativo redigido pelo próprio

encarregado do levantamento. Essas cartas, ainda pouco padronizadas, “explicitavam o

estilo pessoal de cada cosmógrafo, caracterizando-se pelo predomínio dos topônimos e

figurações livres que preenchiam as lacunas decorrentes do desconhecimento efetivo da

região representada” (BUENO, 2004, p. 202).

Entretanto, ocorre uma divergência entre outros autores sobre a concepção das

análises desses mapas do período colonial. Beatriz Siqueira Bueno, pesquisadora ligada

à História Urbana, defende que o pesquisador, ao analisar melhor os mapas, deve

compreender antes como foram as “condições técnicas da sua produção”, isto é, refletir

sobre quais períodos históricos foram produzidas essas fontes, ou “como os engenheiros

militares, em Portugal e no Brasil, realizavam os levantamentos de campo, preparavam

seu gabinete, sua mesa de trabalho, suas folhas de papel, seu estojo de desenhos? ”

(BUENO, 2004, p. 194). Diferente dessa perspectiva do olhar do pesquisador diante da

fonte cartográfica, a geógrafa Giseli Girardi diverge de Beatriz Bueno e amplifica essas

concepções ao informar que os mapas são “produções culturais de discursos sobre o

território”. Para a autora, a importância do mapa “reside na sua leitura e não

exclusivamente na sua elaboração técnica”. Por fim, Giseli Girardi vê o mapa como uma

forma de representação do espaço, tanto gráfica como visual. Entende como “uma

mediação entre a realidade e o leitor dessa realidade espacial; como uma imagem

(possível) do mundo. Assim, o mapa reproduz um sistema de valores sociais que são

culturais e históricos” (GIRARDI, 2000, p. 43). Concordando com as ideias de Giseli

Girardi, os mapas analisados mostram o processo de apropriação de novos espaços

encabeçados pelos diversos agentes de reinos europeus em terras americanas.

Numa perspectiva semelhante à de Moraes, no sentido de perceber o “sertão”

como um espaço a ser conquistado, Claudia Damasceno Fonseca qualifica-o como o

interior desconhecido, selvagem e mítico da colônia, carregado de significações por vezes

contraditórias, afirmando, ainda, que essa palavra aparece continuamente nas

representações do espaço colonial. O sertão pode ser descrito como uma superfície de

contornos imprecisos; na perspectiva do colonizador, como uma folha em branco sobre a

qual virão a se inscrever as marcas da dominação (FONSECA, 2011, p. 51-52).

corresponde a existência de uma metrópole, que atua como núcleo irradiador do dinamismo que impulsiona

a própria consolidação da colônia e o avanço do movimento colonizador (MORAES, 2008, p. 63-64).

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2.3 A Cartografia Ibérica

Uma das primeiras cartas a descrever o litoral do atual Brasil foi confeccionada

pelo marinheiro Juan de la Cosa, em outubro de 1500. Estabelecido no Porto de Santa

Maria, na atual Espanha, ele foi piloto de Alonso de Hojeda, que navegou pela costa

setentrional da América do Sul em nome dos Reis Católicos e, por seis anos, foi mestre

de cartas de marear nas viagens de Cristóvão Colombo, na última década do século XV,

ou seja, foi testemunha das “descobertas” marítimas do período. Realizou sete viagens

entre a Europa e a América até sua morte, após um conflito com grupos indígenas em

Cartagena, em 1511, na atual Colômbia (LEITE, 1921, p.120; MARTÍN-MERÁS, 2000,

p.79).

Essa Carta foi contestada pelos historiadores portugueses Duarte Leite e Jaime

Cortesão, na qual rebateram também as informações de Adolfo Varnhagen sobre as

aproximações de navegadores ligados à Coroa Espanhola nesse espaço litorâneo, antes

da viagem do “descobrimento” de Pedro Álvares Cabral66. As produções desses autores

portugueses reforçavam uma visão da supremacia náutica e cartográfica lusitana no

século XVI e do pioneirismo desses navegadores sobre os mares do atlântico sul.

Relativizou ou omitiu a participação dos espanhóis67 no contato da costa a oeste do Cabo

de São Roque. Pesquisadores mais contemporâneos68 consideram a importância desse

documento histórico, sendo este o primeiro registro cartográfico do Novo Mundo como

resultado direto da “descoberta” empreendida por Cristóvão Colombo em 1492.

Em meados do século XX, José Moreira Brandão Castelo Branco lançou na revista

do IHGRN uma pesquisa sobre a cartografia colonial e fez um estudo69 sobre a Carta de

la Cosa. O referido documento está sob guarda do Museu Naval de Madri na Espanha.

66 Jaime Cortesão investigou as Cartas da costa brasileira do período colonial, sem verificar a Carta de la

Cosa de 1500. Suas pesquisas são feitas a partir da Carta de Cantino de 1502. Duarte Leite contesta a Carta

de la Cosa ao demonstrar certos erros toponímicos nas regiões da América Central e África. Ambos

mantiveram um discurso de descrédito da cartografia de origem espanhola sobre a costa do Brasil. Ver em

Cortesão (1965) e Leite (1921). 67 Para Duarte Leite, a produção cartográfica de la Cosa, realizada no final de 1500, foi encerrada antes das

notícias de novas terras “descobertas” por Pedro Alvares Cabral. Para esse autor, o Mapa de Cantino (1502)

é a imagem cartográfica mais antiga desse litoral (LEITE, 1921, p. 245). 68 Sobre as produções mais recentes sobre cartografia colonial, ver: RABELO, Lucas Montalvão.

Construção dos Mapas-Múndi nos séculos XV e XVI: Entre a tradição e a experiência. Revista Vernáculo,

Curitiba, n. 23 e 24, p. 121-130, 2009; PINTO, Luciana de Queiroz. Uma análise sobre a representação do

indígena em dois Mapas de Diogo Homem, 1558 e 1568. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE

CARTOGRAFIA HISTÓRICA, 3., 2016, Belo Horizonte. Anais [...]. Belo Horizonte: UFMG, 2016, p.

309-317. 69 O autor se utilizou da pesquisa do historiador cearense Thomaz Pompeu Sobrinho na obra Proto-história

Cearense de 1946.

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Como se observa na Figura 1, são desenhados os esboços dos contornos continentais da

América do Sul até as imediações do atual Nordeste brasileiro com poucos dados sobre

esse litoral recém-descoberto, como se o cosmógrafo ainda estivesse em processo de

criação da Carta em seu local de produção. Em contrapartida, a costa africana é rica em

informações toponímicas e iconográficas. O documento foi, a exemplo da cartografia da

época, reflexo da renovação advinda da Renascença, dos avanços científicos, pela

invenção da imprensa e sua aplicação na produção de mapas e pelos descobrimentos de

novos continentes, terras e mares (ROCHA, 2005).

Observa-se que essas Cartas não eram utilizadas como um guia de navegação para

os marinheiros em suas viagens, e sim, para a ilustração e divulgação das novas

descobertas territoriais aos monarcas e às suas cortes nos reinos Ibéricos70. No caso do

reino hispânico, havia um local de produção cartográfico específico, A Casa de

Contratação da Índias em Sevilha, criada em 14 de fevereiro de 1503, a partir dos

desdobramentos das viagens de Cristóvão Colombo. O espaço centralizou o comércio e

a organização de frotas para as Índias, estabeleceu os estudos científicos orientados por

cosmógrafos, impulsionou nas confecções de mapas de marear, de instrumentos náuticos

e na formação de novos pilotos. Para Luisa Martín-Merás, a Carta de Juan de la Cosa é

um protótipo dos manuscritos produzidos por essa instituição, foi confeccionada com

pedaços de pergaminho de pele de carneiro, e por ser do pescoço do animal, o mapa ficou

de forma irregular (MARTÍN-MERÁS, 2000, p. 74).

70 O historiador Lucas Montalvão Rabelo, na sua dissertação A representação do rio ‘das’ Amazonas na

cartografia quinhentista: entre a tradição e a experiência (2015), realizou uma vasta pesquisa sobre o Rio

Amazonas, a partir das fontes cartográficas do século XVI, destacando-se a Carta de Juan de la Cosa. Seu

trabalho é importante ao esmiuçar sobre a pesquisa cartográfica do período, indicando autores e fontes que

ampliam o conhecimento sobre a Cartografia Histórica no Brasil.

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Figura 1 – Detalhe da Carta de la Cosa de 1500, onde se observa no canto inferior esquerdo o formato em

cor verde do continente sul americano

Fonte: MUSEU NAVAL DE MADRI. Planisfério náutico de Juan de la Cosa, 1500. Madri. Códice CE257.

Disponível em: https://mostre.museogalileo.it/waldseemuller/iwal.php?c%5B%5D=38821. Acesso em: 10

jul. 2018.

Tradicionalmente, nessa escola cartográfica do reino hispânico, as obras eram

datadas e inscritas com os nomes dos cartógrafos e com frases que indicavam a sua

autoria. Juan de la Cosa, por exemplo, escreveu na margem oeste do mapa (Figura 1) uma

legenda localizada sob os pés da iconografia de São Cristóvão: “Juan de la Cosa a fez no

porto de s. Maria no ano de 1500”. A frase remete à data e ao local de produção da Carta,

além disso, a inscrição foi inserida ao redor de ícones de santos cristãos dando a entender

uma expansão da cristandade para o Novo Mundo. Possivelmente, a Carta seria um

intento dos Reis Católicos de se promoverem como responsáveis pela conquista de novas

terras e divulgar essas “descobertas” para a Santa Sé e em outros reinos europeus. Os

ícones cristãos que são apresentados na Carta sustentam essa visão da expansão da fé

cristã para os povos de além-mar, por exemplo, a Virgem Maria e o menino Jesus

acompanhados por dois anjos estão inseridos numa rosa dos ventos, que é traspassada por

uma linha vermelha correspondente ao trópico de câncer. A linha finaliza no quadrado

que estão inseridos a frase de la Cosa e o ícone de São Cristóvão levando o menino Jesus.

Para Lucas M. Rabelo, a associação com o santo está diretamente relacionada ao

navegador Cristóvão Colombo, pois o próprio nome Cristóvão vem do latim

Christoforem, que significa “portador ou condutor de Cristo” (RABELO, 2015, p. 54).

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Figura 2 – Detalhe da Carta de la Cosa de 1500, onde foram descritos os antigos topônimos da costa

setentrional no final do século XV

Fonte: MUSEU NAVAL DE MADRI. Planisfério náutico de Juan de la Cosa, 1500. Madri. Códice CE257.

Disponível em: https://mostre.museogalileo.it/waldseemuller/iwal.php?c%5B%5D=38821. Acesso em: 10

jul. 2018.

No detalhe ampliado do mapa (Figura 2), correspondente ao litoral setentrional da

atual costa brasileira, apresentam-se as iconografias de dois navios [Letra C] com

bandeiras da Coroa Espanhola no litoral, sugerindo uma navegação de reconhecimento

da costa sul-americana, além dos limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas, em

149471. Para Castelo Branco, os topônimos antigos [Letra B] rementem aos acidentes

geográficos da costa Potiguara, que percebeu ao observar as nove saliências ou

reentrâncias dessa costa no referido mapa. Os topônimos com os seus respectivos nomes

atuais são: Montes arenosos (Morro do Tibau), baziabariles (a foz do rio Assu), plaia de

arena (Ponta do Tubarão), p. fermosa (a Ponta de Três Irmãos) e R (podendo ser o rio de

Touros ou rio Punaú)72. A ponta que, segundo o autor, se referia às imediações do Cabo

de São Roque está rasgada pela fragilidade do documento.

71 O acordo dividiu as zonas de influência dos países ibéricos em dois hemisférios, demarcados de polo a

polo, cabendo a Portugal as terras “descobertas e por descobrir” situadas aquém da linha demarcada a 370

léguas a oeste de Açores e Cabo Verde, e à Espanha as terras que ficassem além desta linha (VAINFAS,

2001, p. 559). 72 O autor nos informa que esse “R” se referia ao rio S. Julian, citado em um documento do início do século

XVI chamado Probanzas. O suposto rio S. Julian, situado entre Calcanhar e Três Irmãos, corresponderia

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Na totalidade da Carta, percebem-se pequenas rachaduras e rasgões que

prejudicam a análise, mas é possível observar nas proximidades do litoral a frase [Letra

A]: “Este cabo foi descoberto em 1499 por Castela sendo o descobridor Vicente Yáñez”.

Podemos supor que esse texto foi inscrito no mapa nas imediações do atual litoral dos

estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, com objetivo de informar que o

navegador do reino hispânico foi o pioneiro nesses espaços, e por conseguinte, seria um

contraponto às recém-descobertas envolvendo o navegador português Pedro Álvares

Cabral na Terra de Santa Cruz, feito realizado em abril de 1500 e divulgado na Corte de

Lisboa pelo navegador Gaspar de Lemos, que havia retornado da frota de Cabral em

meados do mesmo ano. Como o período de produção do mapa de Juan de la Cosa foi em

outubro de 1500, ou seja, um pouco mais de três meses após a divulgação das descobertas

de Cabral em Lisboa, percebe-se na análise cartográfica uma disputa territorial e de

primazia pelas descobertas da costa da Terra de Santa Cruz entre os reinos ibéricos. Isso

ficou mais evidente quando comparamos com o Mapa de Cantino de 1502.

Uma das primeiras representações cartográficas do Cabo de São Roque foi o

planisfério conhecido como Mapa de Cantino de 1502 (Figura 3). O documento é uma

cópia comprada secretamente de um cosmógrafo de Portugal pelo embaixador do Duque

de Ferrara, Alberto Cantino, considerado como o mais antigo mapa do Brasil, e mostra

os limites territoriais conhecidos pelos navegadores portugueses até aquele ano73. Porém,

diferente do Mapa de Juan de la Cosa, esse mapa foi produzido para fins de espionagem

sobre as rotas e territórios descobertos pelos navegadores ibéricos, nele são exibidas as

costas ainda não delimitadas das Américas, Oceania e partes da Ásia, como se observa

no detalhe da Figura 3. Também é visualizada a costa setentrional e meridional da Terra

de Santa Cruz, além de apresentar uma iconografia com papagaios vermelhos e uma flora

litorânea, como lista também alguns topônimos, tais como Rio São Francisco, Baía de

Todos os Santos e a Ilha de Quaresma, sendo possivelmente a atual Fernando de

ao rio de Touros ou ao Punaú (BRANCO, 1950, p. 26-27). Segundo Câmara Cascudo, o rio Punaú vem da

expressão “paná-u, rio das borboletas” (CASCUDO, 2002, p. 118). 73 Helder Macedo desenvolveu na sua dissertação uma análise sobre o processo de ocidentalização da

Capitania do Rio Grande, informando sobre os primeiros relatos dos europeus sobre o litoral desde o

princípio do século XVI, observando nesse fato o mapa de Cantino como principal referência sobre a

toponímia, Cabo de São Roque. “Trata-se do planisfério português, anônimo, datado de 1502 e conhecido

como ‘Mapa de Cantino’. Atualmente conservado na Biblioteca de Modena, na Itália, essa representação

do globo está dotada de muita importância para a compreensão da primeira fase da ocidentalização

promovida pela Península Ibérica” (MACEDO, 2007, p. 58).

Sobre o Mapa de Cantino, pesquisar em: MATOS, Luís Jorge Semedo de. Planisfério anónimo de 1502.

Disponível em: http://cvc.instituto-camoes.pt/navegaport/b11.html. Acesso em: 11 jul. 2018. Leite (1921),

Branco (1950), Cortesão (1965) e Costa (2007).

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Noronha74. Destaca-se nesta costa o topônimo “Cabo de San Jorge” encimado por uma

bandeira da Coroa Portuguesa, representando a legitimidade sobre as terras recém-

descobertas. Pode-se supor que o referido topônimo seja o Cabo de São Roque, local

descrito nos relatos de Américo Vespúcio em 150175 e que faz uma oposição ao Mapa de

Juan de la Cosa ao confirmar a posse portuguesa neste litoral.

Figura 3 – Detalhe do Planisfério de Cantino de 1502

Fonte: BIBLIOTECA DA UNIVERSIDADE DE ESTENSE. Carta del Cantino, 1502-1505c. Modena.

Códice: C.G.A.2. Disponível em: http://bibliotecaestense.beniculturali.it/info/img/geo/i-mo-beu-

c.g.a.2.html. Acesso em: 21 jul. 2018.

Na análise do historiador Duarte Leite sobre o Mapa de Cantino, o Cabo de São

Roque pode ser a Ponta do Calcanhar no atual município de Touros (LEITE, 1923, p.

267). Um detalhe que se observa no documento é que foi retirada uma parte do

pergaminho e colado um outro pedaço por cima do desenho anterior. Justamente na

representação da costa do atual Nordeste do Brasil, percebe-se o topônimo “San Jorge”

grafado duas vezes na haste da bandeira portuguesa, indicando um possível erro feito pelo

cosmógrafo na representação dessa costa.

O livro Esmeraldo, manuscrito redigido por volta 1505 e atribuído a Duarte

Pacheco Pereira, descreve 210 topônimos das costas descobertas do além-mar, entre eles

74 Segundo Duarte Leite, as representações e os topônimos foram estabelecidos no mapa a partir dos

registros de quatro viagens lusitanas às costas de Vera Cruz: as de Pedro Álvares Cabral e Gaspar de Lemos

em 1500, a de João da Nova em 1501 e a viagem de Fernão de Noronha, feita entre os anos de 1501 e 1502

(CORTESÃO, 1965, p. 207). 75 O nome São Jorge pode ter sido imposto em 23 de abril, quando se festeja o lendário cavaleiro. A partir

dos relatos feitos por navegadores ligados à Coroa Portuguesa entre 1500 e 1502 (LEITE, 1921, p. 266; LEITE, 1923, p. 415; p. 420).

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estão “Angra de Sam Roque” e “Santa Maria da Rabida”, esses topônimos podem

designar a costa setentrional entre os atuais estados do Ceará e do Rio Grande do Norte,

mas como na época existiam imprecisões cartográficas, podem designar também o litoral

leste entre São Roque e o Cabo de Santo Agostinho. No Dicionário da língua Portuguesa

de Raphael Bluteau, o termo “Angra” significa: “braço de mar, que entre duas pontas de

terra se mete mais para dentro que porto, e menos que barra, ou baía” (BLUTEAU, 1789,

p. 83), em dicionários mais recentes, estabelece-se como “enseada, ou pequena baía,

largamente aberta” (OLIVEIRA, 1983, p. 24).

Desse modo, podemos supor que a atual Enseada de Pititinga, entre a Ponta do

Calcanhar e o Cabo de São Roque foi chamada de “Angra de Sam Roque” pelo navegador

Duarte Pacheco Pereira e seja supostamente o local do contato entre os tripulantes da

Viagem de 1501 e os indígenas Potiguara76. Na carta da Terceira Navegação de América

Vespúcio, antes do conflito entre os portugueses e indígenas nas imediações do Cabo de

São Roque, ele descreveu essa necessidade: “Padecendo da falta de lenha e água,

concordamos em voltar àquela terra para prover-nos do que era necessário [...]”

(VESPÚCIO, 2013 [1504-1505], p. 46). Lembrando que esse espaço possui pequenos

riachos e lagoas e uma vegetação de cerrado, imprescindíveis para o abastecimento de

água e lenha para os navios da época.

Posteriormente, essa toponímia permaneceu em mapas da primeira metade do

século XVI, como no Planisfério de Caverio de 150577, no Atlas Miller de 151978, na

Carta de Diogo Ribeiro de 152979 e na Carta Náutica de Gaspar Viegas de 153480. Entre

76 Duarte Pacheco serviu como cosmógrafo e navegador dos reis de Portugal, D. João II e D. Manuel. Foi

incumbido pela Coroa em ir às costas descobertas do Brasil, resultando no capítulo 2 do primeiro livro

Esmeraldo (SILVA, 1921, p. 232- 241). 77 O documento encontra-se resguardado na Biblioteca Nacional da França. Disponível em:

https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b550070757/f3.item.r=caveiro.zoom. Acesso em: 11 jul. 2018. 78 Esse Atlas “foi mandado fazer pelo Rei D. Manuel. O Atlas mostra também um claro propósito de

divulgar a grandeza do Império Lusitano. Tem, por exemplo, a bandeira da Coroa Portuguesa nas terras ao

sul do Rio da Prata (atual Argentina), reivindicadas pela Espanha, com base em Tordesilhas. Foi um

subproduto das matrizes cartográficas portuguesas, verdadeiramente usadas para administração e

navegação”. Disponível em: http://www.mapas-historicos.com/atlas-miller.htm. Acesso em: 1 ago. 2017. 79 Diogo Ribeiro foi um cartógrafo português e trabalhou para a Coroa Espanhola. Abandonou o serviço de

Estado português em 1523 e conhecia as fraudes oficiais para corrigir e aproximar da realidade os

propositados desvios da linha dos litorais brasileiros na cartografia portuguesa oficial (CORTESÃO, 1965,

p. 323). O mapa está custodiado pela Biblioteca Nacional da França. Disponível em:

https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b53023022k/f1.item.r=DIOGO%20RIBEIRO.zoom. Acesso em: 11

jul. 2018. 80 O cartógrafo Gaspar Luis Viegas produziu esse mapa em outubro de 1534. O original está na Biblioteca

Nacional da França. Esse é o único documento conhecido desse cartógrafo. Essa carta foi transferida dos

arquivos de Portugal para a França, em 1865, como uma troca. Disponível em:

https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b52503224r/f1.item.r=gaspar%20viegas.zoom. Acesso em: 1 ago.

2017.

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eles, existe uma semelhança entre Caverio e Cantino, no tocante à grafia e à reprodução

da costa e ao uso do topônimo “Cabo Sta Croxe”, como também, da bandeira com o

brasão de armas da Coroa Portuguesa. Esse topônimo pode ser o Cabo de São Roque ou

o Cabo de Santo Agostinho. Nicolau de Caverio foi um cartógrafo genovês e fez essa

carta de plana quadrada, composta de várias folhas de pergaminho, coladas umas às outras

num todo (LEITE, 1921, p. 429; BRANCO, 1950, p. 31).

Figura 4 – Detalhe do Atlas de Lopo Homem ou Atlas Miller de 1519

Fonte: BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA. [Atlas nautique du Monde, dit atlas Miller]; 2-5. [Atlas

Miller: feuilles 2 a 5]. 1519. Departamento de Mapas e Planos, Códice: GE DD-683 (RES). Disponível em:

https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b55002607s/f1.item.r=lopo%20homem.zoom. Acesso em: 11 jul.

2018.

Na Figura 4, é um detalhe da carta denominada Terra Brasilis que corresponde à

quarta folha de um manuscrito sobre pergaminho, também conhecido como Atlas Miller,

sendo este um dos primeiros a apresentar iconografias no interior do continente sul-

americano, como era comum no estilo artístico da época, representando os indígenas e o

comércio de pau-brasil. O documento foi feito pelo cartógrafo português Lopo Homem e

pelos cartógrafos “Reinéis”, Pedro Reinel, o pai, e Jorge Reinel, o filho, e com iluminuras

de António de Holanda ou Gregório Lopes. O mapa possui 146 topônimos escritos em

latim ao longo da costa, entre o Maranhão e o Rio da Prata, com representações coloridas

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e radiosa da natureza, bem conforme ao chamamento de “Terra dos Papagaios” (COSTA,

2007, p. 87; OLIVEIRA, 2014, p. 206).

Como é visualizado na Figura 4, os mapas quinhentistas já mostravam referências

à toponímia “San Roque”, indicado na seta em azul, correspondendo ao atual litoral do

Rio Grande do Norte, com pequenas mudanças na grafia. A partir do Atlas Miller, foi

inserido uma iconografia e topônimo que se perpetuará na cartografia colonial até meados

do século XVIII, a iconografia dos baixios de São Roque. O ícone, com um formato

triangular, encimado com uma diminuta cruz, apresentado no canto superior direito na

Figura 4, no círculo em azul, representa a baixa profundidade e o perigo de se navegar no

litoral do Cabo de São Roque, que ficam de fronte ao dito Cabo. Segundo Gabriel Soares

de Sousa, esses baixios se dividem em três partes, formando um grande canal com dois a

cinco braças de fundo e era utilizado como rota dos navios da época (SOUSA, 1851, p.

24), correspondendo na atualidade aos parrachos da costa entre os municípios de

Maxaranguape e Touros no Rio Grande do Norte.

2.4 Resquícios arqueológicos do Litoral Norte

Maria Dulce Gaspar observa a valorização, na análise, do uso de múltiplas fontes

– cultura material, documentos escrito e discurso – cada uma com suas especificidades

para construir interpretações, enfocando o conflito entre segmentos sociais que

compartilham e fazem leitura divergente de uma mesma prática social. Entram em foco a

Arqueologia de gênero, de classes de idade, classes sociais, diferentes etnias e credos

religiosos (GASPAR, 2003, p. 277).

Para Diogo M. Costa, a Arqueologia Histórica procura o conhecimento e

entendimento da condição humana com a tarefa de confirmar, suplementar e/ou desafiar

a história que nós conhecemos somente através de documentos escritos. Embora também

use dados e métodos históricos, propõe-se a rescrever a história através de inúmeras

interpretações alternativas, todas proporcionadas pela cultura material (COSTA, 2010, p.

25-26). Concordando com a interpretação dos autores supracitados, e como analisamos

os encontros coloniais no espaço em estudo, a Arqueologia Histórica contribui na

pesquisa sobre culturas ágrafas, no caso de sociedades indígenas e que tiveram contato

com outras sociedades letradas – europeus. Podemos, assim, conseguir as nossas

respostas sobre a ocupação do espaço no litoral, a partir do cruzamento de dados

cartográficos, relatórios e artigos arqueológicos e fontes escritas.

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Desse modo, buscou-se investigar primordialmente nos relatórios do Projeto

Dunas81 quais os sítios catalogados no litoral do Rio Grande do Norte eram do período

do contato. Dos 43 sítios pesquisados, 5 eram do período do contato e estão no litoral dos

municípios de Rio do Fogo e Touros. Os sítios Rio do Fogo I, Rio do Fogo II, Zumbi82 e

Enseada de Pititinga estão localizados nas imediações entre as atuais praias de Zumbi e

Pititinga, nas proximidades da foz do rio Punaú. O sítio Lagoa do Sal localiza-se entre as

praias de São José e Cajueiro no município de Touros. Todos os sítios estão registrados83

pelo IPHAN e nos relatórios existem indícios que são do período do contato entre

indígenas e franceses. Os artefatos encontrados nestes são de cerâmica com pintura

Tupiguarani, em especial o sítio Enseada de Pititinga, que continha também “restos de

faiança francesa84 e outros artefatos da tralha doméstica europeia” (ALBUQUERQUE;

SPENCER, 1995, p. 6).

Os artefatos encontrados nos sítios estão custodiados na sede do IPHAN na cidade

do Natal-RN. Fizemos as análises, fotografamos e buscamos informações sobre as

características desses materiais, já que nos relatórios não se encontravam as imagens dos

artefatos, para entender se o material cerâmico era do período do contato. Recorremos

aos estudos de Gabriela Martin, nos quais a autora nos informa que a tradição Tupiguarani

era recorrente entre os anos de 1500 a 1800, os quais ela chama do período do contato

europeu85. Tinha como característica apresentar desenhos nas cores branca, vermelhas,

preta e cinza. Os desenhos são complexos, “geométricos” ou abstratos, com fino

acabamento, aplicado no interior, no exterior ou em ambos lados do vasilhame

(MARTIN, 1997, p. 195-197).

81 Sobre o projeto indicamos a leitura do artigo de Albuquerque; Spencer (1994). 82 No lugar conhecido como Zumbi, município de Rio do Fogo, localizaram-se nove manchas com cerâmica

Tupiguarani, formando ocas, distribuídas em forma de ferradura, modelo que se repete em mais quinze

sítios entre Muriú e Punaú, nos municípios de Ceará-Mirim e Maxaranguape (MARTIN, 1997, p. 148). 83 Os sítios estão registrados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos CNSA/SGPA. O sítio apresenta

os sítios arqueológicos brasileiros cadastrados no IPHAN, com todo o detalhamento técnico e filiação

cultural dos Sítios Arqueológicos. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/sgpa/?consulta=cnsa. Acesso

em: 14 jul. 2018. 84 Segundo Rafael Abreu de Souza, faiança é um termo de uso bastante corrente na Arqueologia, utilizado

para classificar louças distintas das faianças ibéricas e das porcelanas chinesas, europeias, e mesmo

brasileiras, no período mais recente (SOUZA, 2013, p. 164). 85 A grande extensão territorial que o Tupi alcançou é realmente impressionante e sua expansão coincide,

também em parte, com a difusão da cerâmica conhecida como da tradição Tupiguarani, facilmente

identificável, especialmente na subtradição policromia pintada, que se encontra, praticamente, de norte a

sul do Brasil (MARTIN, 1997, p. 193).

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Como nos descreve André Prous, essas cerâmicas são numerosas e são grandes

vasilhas abertas86, acreditando serem denominadas de “tenhãe”, termo usado em certos

vocabulários jesuíticos. Como se averigua na Figura 5, o vaso contém a boca e o contorno

circular, elíptico ou quadrangular. “Possivelmente eram utilizadas na preparação da

farinha de mandioca, e todas estão pintadas internamente. As gravuras dos cronistas dos

séculos XVI-XVII mostram-nas recebendo os órgãos internos dos sacrificados durante as

festas canibais” (PROUS, 2009, p. 12).

Na parte interna e inferior do artefato que apresentamos a seguir, na Figura 5,

apresenta-se a pintura na cor vermelha já desaparecendo devido ao tempo. Na borda dessa

vasilha, na parte superior, ocorreu a utilização da pintura da cor branca sobreposta com

bastões desenhados numa cor escura87, característica comum a todos os artefatos

encontrados nos cinco sítios arqueológicos. Esses desenhos são excepcionalmente

característicos nas regiões litorâneas entre os estados de Pernambuco e Rio Grande do

Norte88.

86 Nesse tipo de cerâmica foram utilizados como aditivos cacos de cerâmica triturados, grânulos de argila

e areia, os quais ocorrem isolados ou associados. O Tratamento da superfície externa caracteriza-se, em sua

maioria, pelo alisado, observando-se ainda o engobo branco servindo de base para pintura em vermelho.

As vasilhas variam em diâmetros diversos em torno de 15 a 25 cm com profundidades entre 5 a 10 cm e as

maiores em torno de 30 a 72 cm, com profundidades variando entre 30 a 50 cm (NASCIMENTO; LUNA,

1997, p. 20). 87 As cores utilizadas para traçar as linhas nesses vasos cerâmicos foram o vermelho e o preto. A categoria

tupi-guarani que agrupa cores muito claras (branco, bege claro, branco levemente rosado ou acinzentado)

foi reservada para servir de fundo, ressaltando os desenhos vermelhos e pretos (PROUS, 2009, p. 14). 88 Para André Prous esse desenho é tratado com linhas mais espessas e de maneira menos delicada que os

demais. Esse campo decorativo dividido em setores, cada qual com um preenchimento específico de linhas

paralelas entre si, retas ou quebradas ortogonalmente. Essa fórmula parece exclusivamente do litoral mais

setentrional – Rio Grande do Norte e Pernambuco (PROUS, 2005, p.22-28).

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Figura 5 – Cerâmica do sítio Zumbi. Detalhe, à direita, da imagem ampliada

da pintura da tradição Tupiguarani

Fonte: Artefato cerâmico do sítio Zumbi (Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos – CNSA: RN00050),

Cx. 03, Etiquetas 40 e 41. Custódia do acervo: IPHAN/RN, em Natal-RN. Foto: Pedro Pinheiro, 27 jun.

2018.

Para ampliar a análise sobre o encontro colonial, à luz da Arqueologia Histórica,

averiguamos os relatos dos cronistas quinhentistas, pois são importantes na compreensão

de como a Coroa Portuguesa iniciou o processo colonizador dessa costa, em direção às

regiões limítrofes que eram território da Coroa Espanhola pelo Tratado de Tordesilhas.

Como também podemos compreender como ocorreu esse contato entre os agentes da

Coroa e os indígenas. A administração lusa investigava dessa maneira, através de seus

interlocutores, os pormenores do espaço recém-conquistado, sua fauna, flora, solos e

descrevendo os grupos indígenas através da ótica dos europeus do século XVI. A Coroa

Portuguesa iniciou sua política de expansão colonial para impedir a conquista de piratas

e outros grupos estrangeiros que realizavam extração de pau-brasil (MONTEIRO, 2002,

p. 29). Sendo detentora do território do Brasil, tentou a princípio colonizar a região com

o sistema das Capitanias Hereditárias em 153489, consolidando seu poderio

posteriormente na região com o estabelecimento do Governo-Geral, a partir da fundação

da cidade de Salvador em 154990.

89 As 15 capitanias, que foram divididas por 12 donatários, tinham no extremo oeste a linha fictícia do

Tratado de Tordesilhas, através do qual Portugal e Espanha haviam dividido os territórios da América. Foi

criada a Capitania do Rio Grande, que tinha como seu limite sul a Baía da Traição, que ainda hoje conserva

seu nome, atual estado da Paraíba, e como seu limite norte a Angra dos Negros, no atual estado do Ceará

(MONTEIRO, 2002, p. 31). 90 Somente em 1549 foi estabelecido em Salvador o governo da Coroa. Entretanto, na metade do século

seguinte, o Estado do Brasil permaneceria periférico às atenções reais (RUSSELL-WOOD, 1998, p. 1).

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2.5 Souasoutin: acCosta do Rio Grande na Cartografia Francesa

Como foi observado no Mapa 1, Gabriel Soares de Sousa teceu um comentário

sobre o que ele denominou de “Costa de São Roque”, quase um século depois de Américo

Vespúcio. Descreveu no capítulo IX da sua obra o seguinte título: “Em que se declara a

costa do Cabo de S. Roque até o porto dos Búzios”, fazendo uma descrição desse espaço:

Da ponta de Goaripari á enseada de Itapitanga [Praia de Pititinga91] são

sete léguas, a qual está em quatro gráos e ¼; da ponta d’esta enseada á

ponta de Goaripari [Ponta do Calcanhar92] são tudo arrecifes, e entre

elles e a terra entram nãos francezas e surgem n’esta enseada á vontade,

sobre a qual está um grande médão de área; a terra por aqui ao longo do

mar está despovoada do gentio por ser estéril e fraca. Da Itapitanga ao

Rio Pequeno [rio Ceará-Mirim], a que os Indios chamam Baquipe, são

oito léguas, a qual está em cinco grãos e um seismo. N’este rio entram

chalupas francezas e resgatar com o gentio e carregar do pão da tinta,

as quaes são das náos que se recolhem na enseada da Itapitanga

(SOUSA, 1851, p. 25).

O relato de Gabriel Soares é oposto ao de Américo Vespúcio ao descrever que o

espaço era despovoado de índios devido à terra ser estéril e fraca. Na análise desse

documento, percebem-se que os topônimos de algumas localidades são diferentes dos

atuais. São descritos os nomes anteriores das praias de Pititinga [Itapitanga] e Cajueiro

[Goaripari]. Observam-se também duas informações importantes no texto.

Primeiramente, são citados os “arrecifes”, indicando os parrachos nos litorais que

correspondem no presente aos municípios de Touros, Rio do Fogo e Maxaranguape, como

é observado na iconografia cartográfica nas Figura 4, na página 55, sobre os baixios de

São Roque. O cronista identifica essa costa como o local onde passavam as rotas de navios

de corsários franceses que traficavam pau-brasil com os Potiguara. Esses agentes externos

mantinham uma política de alianças com os Potiguara, mediante escambo.

Rocha Pombo revelou que todo o litoral no norte da capitania ficou desde 1538

até fins do século completamente abandonado pelos portugueses (POMBO, 1922, p. 27).

Mas como são verificados na historiografia, cartografia e fontes escritas, esse espaço era

de contato entre franceses e Potiguara desde o início do século XVI. Não respeitando o

91 A Enseada de Itapitanga faz referência à atual praia de Pititinga (MEDEIROS FILHO, 1988, p. 11). 92 Segundo os dados da Coleção Levy Pereira, esse topônimo teve vários nomes históricos: Soapary,

Soaparÿ, Ponta de Goaripari, Ponta de Guaripari. A praia da enseada imediatamente a oeste é conhecida

como praia de Cajueiro, no povoado praiano de mesmo nome, no município de Touros-RN. PEREIRA,

Levy. “Soapary”. In: BiblioAtlas – Biblioteca de Referências do Atlas Digital da América Lusa. Disponível

em: http://lhs.unb.br/atlas/Soapary. Acesso em: 20 jul. 2017.

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Tratado de Tordesilhas de 1494, a Coroa Francesa incumbiu de corsários e agentes a

explorar a costa recém-descoberta do atual Brasil e iniciaram o tráfico de pau-brasil com

os indígenas desse litoral93.

Segundo Tristão de Alencar Araripe, a primeira viagem feita por franceses à costa

de Vera Cruz foi comandada por um oficial chamado Binot Paumier de Gonneville, que

levou a bordo do navio Espoir dois pilotos portugueses, Sebastião de Mouta e Diogo do

Couto, contratados em Lisboa. A viagem saiu do porto francês de Honfleur em 24 de

junho de 1503 e chegou no litoral do atual estado de Santa Catarina em 5 de janeiro de

1504. Depois seguiu por 90 dias a percorrer a costa em direção ao atual Nordeste do Brasil

(BAIÃO; DIAS, 1924, p. 62; ARARIPE, 1886, p. 315-331).

Em 1535, os donatários da Capitania do Rio Grande, Ayres da Cunha e João de

Barros, organizaram uma expedição saindo de Lisboa em novembro para conquistar o

território da Capitania e fundar uma colônia. Desembarcaram no litoral norte, na foz do

rio Ceará-Mirim (Baquipe), ao sul de São Roque, mas foram guerreados pelos Potiguara

e traficantes franceses e desistiram da posse da terra, migrando com as suas frotas em

direção ao Maranhão. Em 1555, ocorreu uma segunda tentativa, encabeçada pelos filhos

de João de Barros, mas novamente foram derrotados pelos Potiguara. O Rio Grande só

seria conquistado pelos lusos nos últimos anos do século XVI, assim, a Capitania do Rio

Grande não foi apropriada pelos seus donatários. Era um espaço concebido pelos

portugueses através da cartografia quinhentista, mas não territorializado por eles

(CASCUDO, 1984, p. 16-19; LIRA, 2012, p. 21; LOPES, 2003, p. 66-68; MACEDO,

2007, p. 64).

Segundo Fátima Martins Lopes, os franceses, após a expulsão definitiva

perpetrada pelos militares portugueses, ocorrida na Baía de Guanabara em 1560,

migraram para outros espaços longe das áreas ocupadas pelos lusos no Estado do Brasil94.

Buscaram, assim, novas bases de apoio para a suas embarcações para supri-las de pau-

brasil, como, também, ocuparam com novas feitorias as regiões costeiras acima da

93 Nas desavenças políticas pelo controle das terras no Atlântico Sul, perpetradas pelas Coroas da França e

de Portugal, o rei de Portugal D. João III recebeu informações que, em 11 de fevereiro de 1526, dez navios

estavam sendo armados em portos franceses, com destino ao Brasil. Assim, D. João III enviou novas

expedições para evitar o domínio dos franceses na colônia lusa (BAIÃO; DIAS, 1924, p. 70). 94 O processo de expansão dos domínios portugueses rumo ao norte de Salvador foi realizado após a luta

com os franceses na Guanabara. O Governador-Geral, Mem de Sá, dirigiu sua atenção para o litoral norte

da Costa do Pau-brasil [Capitanias do Rio Grande, Itamaracá e Pernambuco]. Em 1562, em represália à

morte dos naufrágios seis anos antes, declarou “guerra justa” contra os caetés que ocupavam o litoral, do

norte da Bahia até Pernambuco (OLIVEIRA, 2015, p. 197).

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Capitania de Itamaracá (LOPES, 2003, p.70). No Caso, as Capitanias do Rio Grande e

Paraíba.

Esse encontro colonial entre franceses e Potiguara é verificado em dois mapas da

cartografia francesa do quinhentos. Essas cartas são chamadas por Jaime Cortesão de

“Escola luso-normanda de Dieppe”. Para o autor, essas cartas limitavam-se quase sempre

a copiar as cartas portuguesas, utilizando-se das mesmas legendas na língua original.

Observa-se uma nomenclatura de origem portuguesa e espanhola nos topônimos.

Apresentam-se as efígies de soberanos, palácios, animais e legendas descritivas

(CORTESÃO, 1965, p. 91-101).

Como se observa na Figura 6, essa é uma carta náutica que corresponde na

atualidade ao Nordeste da América do Sul. Faz parte do Atlas de Nicolas Vallard de

154795 que produziu 15 cartas náuticas, ricamente ilustradas demonstrando toda arte da

escola de Dieppe96 no Quinhentos. No todo, o projeto do cartógrafo francês mostra os

limites ainda indefinidos do continente americano e das atuais regiões da Ásia e Oceania.

Utilizando-se da arte de representar com iconografias o interior desconhecido dos

continentes, mostrando-os como se fossem grandes ilhas projetadas em direção ao mar,

cada continente exibe um grupo de indivíduos diferenciados na cor, vestimenta e cultura.

Provavelmente seria um olhar etnográfico do europeu do século XVI sobre essas novas

terras e populações que seriam conquistadas. A carta é uma das primeiras representações

dos indígenas na América pela ótica dos cartógrafos de Dieppe. Os topônimos foram

escritos em francês, português e galego português97, indicando que foram copiados de

outros mapas produzidos em Portugal. O documento é contemporâneo das tentativas98 da

Coroa Francesa de conquistar as terras americanas divididas entre as Coroas Ibéricas.

95 O Mapa está custodiado e disponível no catálogo da Huntington Library, Califórnia, nos Estados Unidos.

Disponível em:

http://dpg.lib.berkeley.edu/webdb/dsheh/heh_brf?CallNumber=HM+29&Description=&page=1. Acesso

em: 16 jul. 2018. 96 A escola de Dieppe foi uma série de mapas-múndi produzidos em Dieppe na França entre os anos de

1540 e 1560. Eram patrocinados pelos reis da França e da Inglaterra e tiveram como principais artífices

Pierre Desceliers, Jean Rotz, Guillaume Le Testu, Guillaume Brouscon e Nicolas Desliens. Disponível em:

http://www.myoldmaps.com/renaissance-maps-1490-1800/3812-vallard.pdf. Acesso em: 16 jul. 2018. 97 Para mais informações sobre o Atlas de Nicolas Vallard, ver os estudos em cartografia do historiador

português Luís Filipe F. R. Thomaz, que defende que os navegadores portugueses foram os primeiros a

“descobrirem” a Austrália a partir da análise das Cartas de Vallard. Disponível em:

http://cdn.impresa.pt/fce/0ea/10836150/LuisFernandesThomaz.pdf. Acesso em: 16 jul. 2018; Ver o artigo

de Thomaz (2009). 98 Sobre a colonização francesa no Brasil no século XVI, ler o artigo de França (2009).

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Figura 6 – Detalhe do Atlas de Nicolas Vallard (1547): atual Nordeste da América do Sul

Fonte: BIBLIOTECA DE HUNTINGTON. Portolan Atlas, anonymous Dieppe, 1547. World atlas

containing 15 nautical charts, tables of declinations, etc. 1547. Catálogo de imagens Huntington. Códice:

HM29. Disponível em:

http://dpg.lib.berkeley.edu/webdb/dsheh/heh_brf?CallNumber=HM+29&Description=&page=1. Acesso

em: 15 jul. 2018.

Nas figuras 6 e 7, apresentam-se topônimos referentes à costa das Capitanias da

Paraíba e Rio Grande, local de exploração e escambo de pau-brasil entre franceses e

Potiguara. Para termos uma análise mais apurada da Figura 7 (ver as setas vermelhas),

tivemos que girar o mapa, para obtermos os nomes dos topônimos, que são: “S.

Domingo”., “Potiiou”, “Pracel”, “Baía da Tartarn” e “Rio de Sa Miguel”. A baía de “S.

Domingo” refere-se ao atual rio Paraíba, que na época era local de contato constante entre

os dois grupos. A região do rio Paraíba tinha os melhores pau-brasil da costa. Os franceses

cortejavam os Potiguara com botes repletos de mercadorias. A aliança com os franceses

tornou esses indígenas inimigos dos portugueses, que ficaram frustrados diante de seu

número e coesão. Eles não eram tão fragmentados como as demais nações indígenas e

não podiam ser provocados para entrar em guerras internas (HEMMING, 2007, p. 128-

129).

Após os conflitos destes com os portugueses para a conquista da Capitania da

Paraíba, foi fundada na foz desse rio a cidade de Filipeia de Nossa Senhora das Neves,

em 1585, como se pode observar no Mapa 1. O termo “Potiiou” é sempre apresentado

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nos mapas franceses e corresponde ao atual rio Potengi. O “Pracel” seria o litoral entre o

rio Guamaré e a Ponta dos Três Irmãos. Os termos “Baía de Tartarn” e “Rio de Sa Miguel”

correspondem respectivamente às fozes dos rios Assu e Apodi-Mossoró (BRANCO,

1950; MEDEIROS FILHO, 1996).

Figura 7 – Detalhe do Atlas de Nicolas Vallard (1547): Costa das Capitanias da Paraíba e Rio Grande

Fonte: BIBLIOTECA DE HUNTINGTON. Portolan Atlas, anonymous Dieppe, 1547. World atlas

containing 15 nautical charts, tables of declinations, etc. 1547. Catálogo de imagens Huntington. Códice:

HM29. Disponível em:

http://dpg.lib.berkeley.edu/webdb/dsheh/heh_brf?CallNumber=HM+29&Description=&page=1. Acesso

em: 16 jul. 2018.

Toda essa costa do Rio Grande é encimada pela iconografia dos baixios de São

Roque, em formato de um triângulo pontilhado, indicado pela seta preta, tal como ocorre

nos mapas portugueses. Como também são representadas as ilhas próximas a esse litoral,

como a ilha de “Fernão de Loronha” e o Atol das Rocas. Como não existia um

reconhecimento da Coroa Francesa pela repartição do continente americano entre

Portugal e Espanha, pois esses últimos, praticamente, assumiam o domínio da região

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(LOPES, 2003, p. 68). Não são visualizadas a localidade de Olinda99, principal núcleo

português na Capitania de Pernambuco, e nem as divisões e referências toponímicas das

Capitanias Hereditárias estabelecidas pela Coroa Portuguesa em 1534.

Um dado importante nesse Atlas, nas figuras 7 e 8, são as iconografias inseridas

no interior do atual continente sul-americano. Com a descrição do cotidiano entre nativos

e franceses no comércio de pau-brasil e nas tentativas de buscar minérios preciosos no

interior desse continente. Percebe-se, assim, num exame cartográfico, que, em meados do

século XVI, nem franceses e portugueses tinham informação precisa sobre os sertões das

Américas. Supõe-se que conheciam apenas as costas, numa mistura de mistério e

deslumbramento com as terras interioranas, que estavam para ser conquistadas por ambos

os pioneiros das Coroas europeias.

Figura 8 – Detalhe do Atlas de Nicolas Vallard (1547): encontro colonial entre indígenas e franceses

Fonte: BIBLIOTECA DE HUNTINGTON. Portolan Atlas, anonymous Dieppe, 1547. World atlas

containing 15 nautical charts, tables of declinations, etc. 1547. Catálogo de imagens Huntington. Códice:

HM29. Disponível em:

http://dpg.lib.berkeley.edu/webdb/dsheh/heh_brf?CallNumber=HM+29&Description=&page=1. Acesso

em: 16 jul. 2018.

Nessa iconografia de Vallard, os indígenas são vistos como aliados dos franceses.

Alguns deles foram desenhados com uma fisionomia europeia, com pinturas corporais

tribais. Os artistas-cartógrafos de Dieppe podem ter se utilizado de informações dos

99 Segundo José Luiz Mota Menezes, não se sabe o dia da fundação de Olinda. O povoado em 1537 já

estava elevado à categoria de vila. Nesse mesmo ano, o Donatário da Capitania de Pernambuco, Duarte

Coelho, enviou ao rei de Portugal, D. João III, o Foral, carta de doação que descrevia todos os lugares e

benfeitorias existentes na Vila de Olinda. Nas praias, a vila foi fortificada para a defesa e do alto das colinas

se expandiu em direção ao mar, ao porto e ao interior onde ficavam os engenhos de açúcar. Disponível em:

https://www.olinda.pe.gov.br/a-cidade/historia/. Acesso em: 16 jul. 2018.

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pioneiros franceses testemunhos desse encontro colonial nas Américas para manterem

essa estética nas pinturas. Os conflitos só ocorrem, na grande cena da Carta, entre grupos

indígenas rivais. Estão contidas também a convivência de grupos nas aldeias100 do litoral.

Na imagem da Figura 7, os indígenas estão reunidos em torno de fogueiras cozinhando101

seus alimentos em pequenas vasilhas. A imagem também é mais um testemunho da

exploração de pau-brasil – percebe-se os troncos de árvores cortados – e os usos de

utensílios102 europeus por parte dos indígenas para auxiliar os corsários nas atividades

extrativistas, como se verifica na imagem à esquerda da Figura 8. Nas imagens, os

franceses indicam aos indígenas como proceder nas atividades103, onde cortar os troncos

de árvores e onde encontrar as jazidas minerais.

Três décadas após o trabalho de Nicolas Vallard, foi produzido um Mapa em

Dieppe com um desenho iconográfico um pouco rudimentar que o de Vallard, mas com

indicação da penetração de franceses nos sertões. Com uma riqueza de detalhes, com

legendas explicativas demonstrando um conhecimento sobre o espaço, que, naquele

momento, era desconhecido pelos portugueses. O Mapa de Jacques de Vaulx de Claye,

conforme indicado na Figura 9, de 1579104, é um retrato da consolidação das relações

comerciais105 entre os grupos indígenas Potiguara e de militares e corsários franceses,

indicando possíveis aldeias e feitorias pela costa do atual Nordeste do Brasil. O autor do

mapa era cartógrafo e militar natural da cidade de Sainte-Maure-de-Touraine e, como

esteve presente nas tentativas da colonização francesa na costa norte do Brasil, entre as

décadas de 1570 e 1610, foi um dos principais articuladores na produção cartográfica

sobre o Brasil para a Coroa Francesa.

O mapa foi concebido, supostamente, durante as viagens secretas à costa do

Brasil, realizadas pelo coronel-general do exército francês, Filipe Strozzi, a mando do Rei

100 Fátima Martins Lopes descreve que as aldeias eram feitas com toras de madeira, cobertura de folhas sem

divisões internas. Os indígenas permaneciam no lugar entre três e quatro anos, quando se desfaziam das

moradias e se mudavam para outro lugar (LOPES, 2003, p. 50). 101 No Mapa de Jacques de Vaulx de Claye de 1579, descreve-se o cotidiano dos indígenas ao redor de uma

fogueira até duas horas da manhã (MEDEIROS FILHO, 1996, p. 34). 102 Os utensílios visualizados na imagem são foices, machadinhas e enxadas. Percebe-se que existe um certo

cesto cheio de ferramentas para o auxílio na extração de pau-brasil. 103 Um marinheiro inglês, Anthony Knivet, achou os Potiguara mais civilizados do que outras tribos, e eles

habitavam aldeias grandes e bem estabelecidas. “Se chegarem até eles como mercadores, traficarão

conosco; se chegarmos como guerreiros, lutarão com muita valentia” (HEMMING, 2007, p. 128). 104 O Mapa faz parte do acervo da Biblioteca Nacional da França. Disponível em:

https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b550026193/f1.item. Acesso em: 16 jul. 2018. 105 Na análise de Helder Macedo, os corsários franceses mantinham uma política de alianças com os

Potiguara mediante escambo. Mercadorias trazidas da Europa eram constantemente trocadas por pau-brasil,

essência vegetais, plantas medicinais, algodão, minérios, pedra preciosas, penas de pássaro, âmbar, peles

de onça e animais como saguis, macacos e papagaios (MACEDO, 2007, p. 64).

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Henrique III, onde Jacques de Vaulx de Claye acompanhou no decorrer dessas rotas.

Posteriormente, o autor do mapa esteve no Brasil em outros momentos, em 1582 e 1584,

quando esteve na região do rio Amazonas e, em 1594, navegou nas imediações do rio

Potengi [Pottiou] em companhia do capitão Jacques Rifoles. Nesse caso, a expedição com

três navios foi enviada pelo rei da França, Henrique IV, para uma tentativa de conquista

da costa da Capitania do Rio Grande, onde os franceses tinham redes comerciais com os

grupos indígenas locais, principalmente com o líder Potiguara Ouyrapiue [Árvore Seca],

no próprio mapa, onde foi inserido o nome da aldeia desse indígena, que ficava na

margem direita do rio Potengi, demonstrando décadas de contato entre os dois grupos.

Figura 9 – Detalhe do Mapa de Jacques de Vaulx de Claye (1579):

Costas das Capitanias da Paraíba e Rio Grande

Fonte: Carte de la côte du Brésil de Vau de Claye m'a faict en Dieppe l'an 1579. Acervo da Biblioteca

Nacional da França. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b550026193/f1.item.zoom.

Acesso em: 1 jul. 2018.

Jacques de Vaulx de Claye era, segundo os relatos dos cronistas, o principal elo

de comunicação entre indígenas e franceses. Foi um dos principais promotores, junto aos

reis da França do período, para a criação de uma nova colônia na costa norte do Brasil,

falava a língua do gentio, auxiliava os indígenas aliados nas guerras contra as tribos

inimigas, era conhecedor dos costumes nativos, convivia nessas comunidades costeiras,

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indicou os topônimos do litoral e auxiliava os padres franceses na conversão dos

indígenas, principalmente quando os franceses fundaram a França Equinocial em 1611

(D’ABBEVILLE, 1945 [1614], p. 22-23; DAHER, 2007, p. 48; CARVALHO, 2014, p.

36-38).

A produção do mapa é contemporânea aos embates entre franceses e seus aliados

Potiguara, e portugueses nas imediações entre as Capitanias da Paraíba e Pernambuco106.

Em vista disso, como indica a Figura 9, página 67, os franceses arregimentariam 10.000

indígenas para atacar as capitanias ao sul do Rio Grande107. Destaca-se o meio-círculo

feito em compasso pelo cartógrafo (setas azuis), indicando que várias aldeias Potiguara e

Tarairiú estavam sob aliança da Coroa Francesa108. O círculo estabelecido no Mapa tem

como limites costeiros ao sul a partir da Baía de São Domingo (rio Paraíba), seguindo a

noroeste para o atual rio Acaraú no Ceará. Portanto, é uma territorialização semelhante

ao estabelecido por Gabriel Soares de Sousa em 1587, em relação aos domínios dos

Potiguara, consoante o que se pode ver no Mapa 1.

106 Nas disputas para conquistar as capitanias ao norte de Pernambuco, uma expedição patrocinada pela

Coroa Portuguesa destruiu embarcações francesas no rio Paraíba no início da década de 1580. Em maio de

1584, foi construído um forte chamado São Filipe, a alguns quilômetros rio acima. O novo forte foi

guarnecido com 110 eficientes arcabuzeiros e 50 mamelucos brasileiros, posteriormente, foram

emboscados pelos Potiguara (HEMMING, 2007, p. 248-249). 107 Olavo de Medeiros Filho fez a tradução das informações do Mapa que nos permitiu entender esse

processo de conquista: “Neste enclave deste meio-círculo do compasso para fornecer dez mil selvagens

para desferir a guerra com os portugueses e são mais ousados que aqueles da jusante do rio” (MEDEIROS

FILHO, 1996, p. 33). Se levarmos em conta que no ano de 1500 moravam por essas costas 100.000

Potiguara, segundo estimativas de Frans Moonen e Luciano Mariz Maia, essa quantidade de guerreiros

possa ser plausível (MOONEN; MAIA, 1992, p. 93). 108 No mapa são visualizadas cinco aldeias dentro do território aliado dos franceses. Cada uma delas

forneceria certa quantidade de guerreiros para a guerra contra os portugueses. A aldeia “Random”

forneceria 600 índios, as aldeias “Tarara Ouasou” e “Ouratiaune” teriam 1.800 guerreiros (MEDEIROS

FILHO, 1996; LOPES, 2003, p. 70).

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Figura 10 – Detalhes do Mapa de Jacques de Vaulx de Claye (1579): Aldeia Potiguara Souasoutin e a

bandeira com brasão de armas de Filipe Strozzi

Fonte: Carte de la côte du Brésil de Vau de Claye m'a faict en Dieppe l'an 1579. Acervo da Biblioteca

Nacional da França. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b550026193/f1.item.zoom.

Acesso em: 1 jul. 2018 (a aldeia está indicada com a letra “A”).

Além disso, se visualiza no mapa a indicação da suposta participação na

navegação ou da tentativa de conquista da costa norte do Brasil pelo nobre Filipe Strozzi,

a serviço da Coroa Francesa, pois, como se observa na Figura 10, está representa na

bandeira azul um escudo ogival com brasão de armas da família Strozzi, que tem como

símbolo três faces da lua crescente109. Esse símbolo heráldico apresentado no mapa nos

leva a um questionamento: se o mapa foi produzido por um cartógrafo ligado aos

interesses da França, porque as insígnias da Coroa Francesa foram omitidas na confecção

do Mapa de Jean de Vaulx de Claye? Quando comparamos com outros mapas do período,

se observa a disposição de emblemas heráldicos das coroas europeias sob os territórios

americanos. Provavelmente, nesse caso, a omissão de colocar o brasão francês no mapa

ocorreu devido ao fato que a inserção dessa insígnia transmitia a ideia de posse do

território já conquistado e legitimava a posse francesa, cartograficamente, perante outras

coroas europeias. Mas como no período os franceses tentavam consolidar a sua influência

109 Felipe Strozzi era de origem florentina, seu brasão está ligado à abastada família de Florença, os Strozzi,

que tinham ramificações na corte francesa. Para pesquisar sobre a heráldica da nobreza italiana, pesquisar

na Coleção Ceramelli Papiani, que integra os Arquivos do Estado de Florença. Disponível em:

http://www.archiviodistato.firenze.it/ceramellipapiani/index.php?page=Home. Acesso em: 9 jan. 2019.

A

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na costa norte do Brasil e tinham sido recentemente expulsos da Baía de Guanabara,

preferiu-se exibir apenas o emblema do general a serviço da Coroa110.

Alguns nomes dos lugares permaneceram como no mapa anterior de Nicolas

Vallard, na Figura 10, página 69. Verifica-se, por exemplo, “Potiiou”111 (seta vermelha)

com riqueza em detalhes dos acidentes geográficos. Jacques de Vaulx apropriou-se e

intitulou os topônimos da cartografia portuguesa, como “Saint Roc” – São Roque (seta

vermelha), dando novos sentidos na língua francesa. Pode-se inferir, talvez, que era uma

mudança no estilo da escrita cartográfica de Dieppe. Na descrição do mapa, existe um

detalhamento das atividades econômicas ligadas ao escambo com os grupos indígenas

aliados, indicando os locais específicos onde deveriam comercializar e como esses

produtos poderiam oferecer riquezas à Coroa Francesa ou aos marinheiros e corsários que

almejassem investir nessas atividades no litoral.

Por exemplo, foi descrito no mapa que o tráfico de pau-brasil era inexistente a

oeste do rio Ouyatacas – atual rio de Touros –, pois “não existe nada de brasil, mas há

peles de papagaios e outros bichos”, provavelmente por ser uma região de transição de

Mata Atlântica para um misto de cerrado e dunas típicas da paisagem do litoral norte,

nesse caso, com quantidade insuficiente de árvores para a extração do pau-brasil.

Novamente vemos a iconografia dos baixios de São Roque de forma pontilhada (ver no

círculo em vermelho da Figura 10, página 69) e a indicação que era um espaço “com água

baixa que se estendem por 21 léguas”, sendo perigosa para a navegação costeira. Nesses

baixios e nas praias adjacentes encontravam muito âmbar cinza para extrair e

comercializar. Esse produto, também conhecido como âmbar gris, aparecia boiando na

costa e são restos dos excrementos da baleia cachalote. Eram utilizados na época como

afrodisíacos, como especiaria aromatizante de vinhos e outras bebidas alcoólicas e

perfumes112.

110 Na percepção de João Renôr de Carvalho, a iconografia representa as confabulações entre a Coroa

Francesa e D. Antônio, Prior do Crato, nas disputas pela sucessão do trono português após a morte de D.

Sebastião. O autor supôs que caso D. Antônio fosse o próximo rei de Portugal com ajuda da Rainha-mãe,

Catarina de Médicis, Filipe Strozzi seria eleito vice-rei de parte do Brasil em nome da Coroa Francesa

(CARVALHO, 2014, p. 37). 111 Segundo Olavo de Medeiros Filho, seria o equivalente a “Potiú”, ou seja, ao atual Rio Potengi. Logo

após a sua barra figura uma ilhota, hoje chamada Ilha do Cajueiro, formada pelos esteiros do Jaguaribe e

Manimbu [nas imediações da Zona Norte de Natal]. Em direção ao interior, no Potengi vê-se o topônimo

“Ourapary”, provavelmente uma aldeia chefiada por um maioral do mesmo nome (MEDEIROS FILHO,

1996, p. 33). 112 Na descrição de Padre Bluteau esse produto é um betume amarelo ou pálido que se encontra nas praias

do mar (BLUTEAU, 1789, p. 73). Sobre o âmbar de gris, ver o artigo de Ortalli (2018).

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A costa de São Roque era intitulada de “Coste de Merengastes” (ver seta

vermelha), conforme se vê na Figura 10, página 69113. Para Olavo de Medeiros Filho seria

uma tradução literal de “Costa de Maxaranguape”, referência ao rio ao sul do Cabo de

São Roque. Nessa faixa de terra estaria uma aldeia Potiguara intitulada de

“Souasoutin”114, que, para o autor, pelo idioma tupi, pode-se interpretar de “Çuaçu Tin,

isto é, Focinho de Veado, provavelmente o nome de um chefe indígena aliado dos

franceses” neste litoral (MEDEIROS FILHO, 1996, p. 33), reforçando, assim, que

existiam alianças entre franceses e Potiguara no litoral norte da Capitania do Rio Grande.

As aldeias foram desenhadas de forma quadrangular, com um padrão semelhante

em todo o mapa115, tal como se observa na Letra A da Figura 10, página 69, onde se

visualiza um espaço central formado pela junção de quatro malocas retangulares da aldeia

Souasoutin. Segundo Florestan Fernandes, utilizando-se dos textos de cronistas como

Hans Staden e Gabriel Soares de Sousa, descreveu que esse local era utilizado para

reuniões de lideranças indígenas, sendo ela, a principal unidade da organização social

desses povos. Segundo ainda o autor, “o terreiro, quer em um local abrigado, a reunião

dos chefes constituía uma condição indispensável à determinação da guerra”

(FERNANDES, 2006, p.62) com outros grupos rivais. Essa forma da construção da aldeia

era bastante comum entre os povos nativos da costa do Brasil, tal como foi descrito pelo

cronista, o padre capuchinho Claude D’Abbeville sobre os indígenas que moravam no

litoral do Maranhão. No texto publicado em 1614, o padre informou que os tupinambás

eram povos litorâneos, pescadores, limpavam a mata para o local da construção da aldeia

e erguiam quatro grandes habitações em forma de claustro. Elas eram feitas de madeiras

e recobertas com galhos de pindó (D’ABBEVILLE, 1945, p. 222), tal como se observa

nas cinco aldeias inseridas no semicírculo do mapa de 1579 (ver na Figura 9 em círculos

azuis, na página 67). Nelas, mostram a organização social desses grupos, como também

indicam uma relação mais amistosa com os corsários franceses. Nos mapas da primeira

metade do século XVI, a descrição e iconografia das moradias indígenas eram

praticamente inexistentes. No Mapa de Lopo Homem, que se encontra na Figura 4, na

página 55, os indígenas são representados, mas suas moradias não existem no desenho no

113 Região litorânea compreendida entre Touros e o Cabo de São Roque (MEDEIROS FILHO, 1996, p. 33). 114 Para Castelo Branco, a aldeia estava na costa oeste do Cabo de São Roque a 5° 30’ aproximadamente

(BRANCO, 1950, p. 44). 115 A localização era escolhida num lugar alto, ventilado, próximo à água e adequado às plantações que se

faziam ao seu redor. Suas habitações, feitas com toras de madeira, cobertura de folhas, não tinham divisões

internas. Poderiam ter de duas a três entradas, eram arrumadas formando um terreiro quadrado que ficava

vazio (LOPES, 2003, p. 50).

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centro do continente. As aldeias indígenas da tradição cartográfica portuguesa têm uma

representação das moradias vazias ou semelhante a cabanas militares europeias do século

XVI116. As representações desses personagens, na cartografia portuguesa, rareiam ao

longo dos séculos XVI e XVII, como se fossem uma metáfora do “desaparecimento” dos

indígenas patrocinado pela Coroa Portuguesa para se apropriar das terras desses nativos.

Buscando alinhar-se com a Arqueologia Histórica para entender o processo de

ocupação dos espaços coloniais no litoral norte da Capitania do Rio Grande, utilizamos

três vertentes para cruzar dados informativos: as imagens e os relatórios arqueológicos, a

cartografia e as fontes escritas quinhentistas. Assim, conseguiu-se montar no Mapa 2

indícios do encontro colonial entre grupos indígenas Potiguara e piratas franceses. Como

foi observado, a região litorânea em estudo era identificada pelos franceses de “Costa de

Merengastes”, local, segundo Gabriel Soares de Sousa, conhecido como ancoradouro de

“naus francesas da Enseada de Itapitanga”. Os sítios arqueológicos117 do contato foram

avaliados com supostos indícios de feitorias ou aldeias que mantinham um constante

escambo entre esses grupos europeus. Lembramos que os dados arqueológicos

observados na Figura 5 indiciam que esse território era formado por grupos ceramista

Tupiguarani, contemporâneos do período do contato colonial, entre 1500 e 1800. Assim,

pelas fontes escritas e pela historiografia analisada, esses indígenas eram Potiguara.

Os quatro sítios estão nas imediações do rio Punaú, em locais de altitude um

pouco elevada, em solo dunar118 e pouco afastados da praia, com distâncias que variam

entre 1,4 a 0,9 quilômetros do Oceano Atlântico. Possivelmente, devido aos efeitos dos

ventos, a configuração geográfica das dunas nas imediações da Enseada de Pititinga era

outra nesse período. As características geográficas desses sítios corroboram com as

descrições de aldeias indígenas Potiguara feitas por Fátima Martins Lopes, ao descrever

que estas ficavam localizadas em um “lugar alto, ventilado, próximo a água e adequado

às plantações que se faziam ao seu redor” (LOPES, 2003, p. 50). Assim, essa enseada foi

um local de intensa atividade de oficinas ceramistas, em vista da quantidade de artefatos

cerâmicos encontrados nos sítios.

116 Ver o Mapa de Diogo Homem de 1558. Fonte: MAPAS HISTÓRICOS BRASILEIROS. Mapa de Diogo

Homem, 1558. Enciclopédia Grandes Personagens da Nossa História, São Paulo: Abril Cultural, 1969.

Reprodução do fac-simile da mapoteca do Ministério das Relações Exteriores. Disponível em:

http://www.novomilenio.inf.br/santos/mapa20g.htm. Acesso em: 21 jul. 2018. 117 Os sítios avaliados nesse Mapa 2 são os localizados nas imediações da Enseada de Pititinga: Sítio Zumbi,

Enseada de Pititinga, Rio do Fogo I e Rio do Fogo II. O sítio Lagoa do Sal não foi utilizado devido a sua

distância em relação aos outros. 118 Nas referências dos relatórios de prospecção, são descritos que esses sítios estão no “maior campo dunar

do Rio Grande do Norte” (ALBUQUERQUE; SPENCER, 1995, p. 8).

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O escambo entre os dois grupos, Potiguara e franceses, é evidenciado na

iconografia da cartografia francesa, como se pode perceber nas figuras 8, 9 e 10. Em vista

disso, o material arqueológico encontrado nos quatro sítios ao redor do rio Punaú

continham: artefatos de faiança fina, faiança francesa, miçangas venezianas e outros

artefatos da tralha doméstica europeia do Quinhentos119, e evidencia uma troca comercial

entre os indígenas e europeus nesse espaço. Lembremos que esses dados podem

referendar essa região da enseada como um ancoradouro de navios franceses, devido a

ser uma região de “aguada”120. No Dicionário da língua Portuguesa de Raphael Bluteau

esse termo significa: “provisão de água para o navio; lugar que faz essa provisão”

(BLUTEAU, 1789, p. 44).

Mapa 2 – Costes des Merengastes: do rio de Ouyataca à Sainct Roc

Mapa elaborado por Pedro Pinheiro de Araújo Júnior, com auxílio do Google Earth. A partir dos dados

cartográficos do Mapa de Jacques de Vaulx de Claye de 1579 e dos escritos de José Moreira Brandão

Castelo Branco (1950), Olavo de Medeiros Filho (1996), Fátima Martins Lopes (1998) e Helder Alexandre

Medeiros de Macedo (2007). Além dos relatórios dos sítios arqueológicos identificados pelo Projeto Dunas

e organizados em quadros, com as respectivas coordenadas geográficas, na Tese de Doutorado de Iago

Henrique Medeiros (2016).

119 Os pesquisadores do Projeto Dunas avaliam que esse local seja a “Enseada de Itapitanga”, citada por

Gabriel Soares de Sousa em 1587, indicando que o sítio pode indicar restos de uma antiga feitoria francesa

(ALBUQUERQUE; SPENCER, 1995, p. 7). 120 Nos mapas da cartografia portuguesa do início do século XVII, apresentam-se em sua toponímia da

costa norte do Rio Grande o termo “Rio da Aguada” ou “Rio da Agoadoce”. Ver o Mapa de Albernaz, João

Teixeira: [Atlas] DESCRIPÇÃO DE TODO O MARITIMO DA TERRA DE S. CRVS, CHAMADO

VULGARMENTE, O BRAZIL, [manuscrito colorido], 1640. Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do

Tombo, inv. nº CF 162, fl. 4, [Cota: Coleção Cartográfica, nº 162. TT-CRT-162], Lisboa, Portugal.

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Como se observa no Mapa 2, as lagoas ao fundo, nos círculos em vermelho121, e

os três rios perenes, da esquerda para direita, Maxaranguape, Punaú e “Ouytacas”,

poderiam fornecer água para as embarcações estacionadas na enseada, fato que ocorreu

desde a expedição, de 1501, de Américo Vespúcio. Supõe-se, com base na cartografia

francesa, que a costa de São Roque era local da aldeia Souasoutin. Esta poderia fornecer,

devido às alianças122, mão de obra para os traficantes franceses de pau-brasil. Estes

realizavam uma rota marítima, trazendo em chalupas, carregamento de pau-brasil das

imediações do rio Baquipe (Ceará-Mirim). Subiam, rumo ao norte, com essas pequenas

embarcações além do Cabo de São Roque, para carregamento final do produto, nas

grandes naus ancoradas nessa costa.

No final da década de 1590, os portugueses conquistaram as imediações da foz do

rio Potengi, 10 léguas ao sul do Cabo de São Roque. Intensificaram a colonização na

Capitania do Rio Grande a partir da “fundação” da Fortaleza dos Reis Magos123 , em

1598, e da Cidade do Natal, em 25 de dezembro de 1599 (POMBO, 1922, p. 42).

Expulsaram os últimos redutos franceses124 na costa e consequentemente as descrições

sobre esses indígenas no litoral norte tornaram-se raras ou invisibilidades pelos cronistas.

No próprio documento de Soares de Sousa, de 1587, já indiciava esse desaparecimento

indígena nas imediações da costa setentrional: “a costa é limpa e a terra escalvada, de

pouco arvoredo e sem gentio” e da costa de São Roque, “a terra por aqui ao longo do mar

121 No círculo da Letra A, estão as lagoas que fazem parte da bacia do rio Punaú, dentre elas estão a Lagoa

da Mutuca e a Lagoa das Cutias. No círculo da Letra B, estão as lagoas que fazem parte da bacia do Rio do

Fogo, entre elas estão a Lagoa do Fogo e a Lagoa do Gravatá. Fonte: CPRM – SERVIÇO GEOLÓGICO

DO BRASIL. Carta do Projeto Cadastro de Fontes e de abastecimento por água subterrânea do Estado do

Rio Grande do Norte, município: Rio do Fogo. Disponível em:

http://rigeo.cprm.gov.br/xmlui/bitstream/handle/doc/17070/mapa_rio_fogo.pdf?sequence=2. Acesso em: 3

jun. 2019. 122 Para Fátima Martins Lopes, as alianças entre os indígenas e franceses eram favoráveis para ambos. Os

franceses conseguiriam explorar o pau-brasil com apoio desses nativos e estes conseguiriam utensílios,

armas e prestígio social por estarem aliados aos estrangeiros. Ambos se viam numa guerra comum contra

os portugueses (LOPES, 2003, p. 68). 123 Rocha Pombo descreveu os conflitos entre indígenas e portugueses no decorrer do domínio luso sobre

o Rio Grande. Os dados das informações exigem uma pesquisa mais aprofundada, já que não são citadas

as fontes. Porém, os números levantados pelo historiador levam a crer em genocídio indígena: “Chegaram

um dia a dar de surpresa numa grande aldeia, matando mais de 400 índios, e fazendo uns 80 prisioneiros.

Souberam por estes que não muito longe dali estava um grande exército de índios e franceses, reunidos em

seis aldeias fortes, e preparados para uma investida decisiva ao arraial” (POMBO, 1922, p. 42). 124 Utilizando-se dos inscritos de Frei Vicente de Salvador. Fátima Martins Lopes nos informa que a

conquista do Rio Grande foi facilitada pela quantidade reduzida de militares franceses na época desses

conflitos. Apenas uma embarcação francesa estava no Potengi e outras sete no porto de Búzios. Ao

perceberem a aproximação das forças portuguesa oriundas da Capitania da Paraíba, zarparam para outros

lugares (LOPES, 2003, p. 82).

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está despovoada do gentio por ser esterio e fraca” (SOUSA, 1851 [1587], p. 25). O relato

é um testemunho desse “desaparecimento” dos Potiguara no litoral norte, contribuindo

para esses dados a expansão do território português sobre espaços pertencentes aos

Potiguara. Estimativas indicam que, em 1570, a população indígena na América

portuguesa era na ordem de 800 mil indivíduos, estava reduzida a um terço de seu volume

demográfico no início do século XVI (OLIVEIRA, 2014, p. 176-177).

Esse discurso de desaparecimento dos povos indígenas continuou nos idos do

século XVII, nas crônicas de militares portugueses e holandeses. Em 20 de março de

1628, cinco indígenas Potiguara prestaram informações sobre esse litoral às autoridades

holandesas e citaram a localidade de “Pecutinga”125. Vinte anos após a essa descrição, o

militar da Companhia das Índias Ocidentais, Jacob Rabbi, fez um relatório, em 1648,

sobre o litoral norte, descrevendo a riqueza pesqueira da região, além da abundância da

fauna com cabras e emas, mas nula em gentios e colonos (MEDEIROS FILHO, 2010, p.

77). Como se observa no texto dos cronistas e na cartografia, os indígenas Potiguara

prestavam informações desse litoral aos europeus desde o princípio do século XVI, assim,

eram indivíduos portadores de um saber necessário construído a partir de uma rede de

relações concebidas por outros indivíduos que vieram antes deles. Em vista disso, esses

nativos eram conhecedores da fauna, da flora, dos acidentes geográficos e dos caminhos

dos rios e riachos existentes naquela época, conhecimento que os franceses, portugueses

e flamengos traduziram, organizaram e sistematizaram em seus relatórios de acordo com

o seu conhecimento de mundo.

Entrementes, o encontro colonial desencadeou doenças, guerras e escravização

nos povos do litoral, suas populações remanescentes buscaram abrigos em outras

paragens, longe do contato dos militares europeus no litoral, suas lutas se perpetuaram no

decorrer da expansão territorial perpetrada pela Coroa Portuguesa, ao mesmo tempo,

ocorreu uma transformação da cartografia portuguesa do XVII, mudando-se a concepção

das confecções desses mapas, pois os sertões estavam sendo desbravados por pioneiros

em marchas pelas ribeiras dos rios e nos antigos caminhos dos indígenas para esses

espaços126.

125 “Uma praia com água doce, bom ancoradouro, sem portugueses”. Essa descrição do espaço corresponde

à atual Praia de Pititinga e ao rio Punaú, ambos localizados no município de Rio do Fogo (ARAÚJO

JÚNIOR, 2013, p. 13). 126 As migrações dos grupos indígenas foram motivadas pela expansão colonial perpetrada pela Coroa

Portuguesa. Cada uma das aldeias era independente entre si, havendo no comando político um chefe que

tomava as decisões do coletivo nas reuniões do conselho indígena na aldeia (LOPES, 2003, p. 53).

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Esses novos elementos observados por esses agentes externos foram inseridos

nessa cartografia lusa, não mais preocupada em elaborar novos atlas, mas, buscando

inserir nesses mapas limites, até então desconhecidos, aprimorando o conhecimento sobre

interior da América Portuguesa. Essa produção cartográfica teve como principal expoente

as produções da família de cosmógrafos Teixeira Albernaz, que elaboraram entre 1574 e

1666 nove documentos entre livros, atlas e mapas sobre o Estado do Brasil.

Ademais, observamos nesse capítulo como a cartografia quinhentista contribuiu

nas representações dos espaços coloniais, sobretudo do litoral da Capitania do Rio

Grande. No capítulo subsequente, analisaremos como a cartografia seiscentista retratou

esses espaços na medida em que o processo de conquista e apropriação desse litoral foi

fomentado por portugueses e neerlandeses.

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3 AS TERRAS SEM PRÉSTIMOS: DOS SERTÕES DO CABO DE SÃO ROQUE

AO DO PORTO DO TOURO (SÉCULO XVII)

3.1 O Sertão Litorâneo

As definições da categoria sertão mudaram ao longo dos séculos, e, até hoje,

continuam a provocar discussões. Ora foi definida como um local desconhecido, ermo e

distante dos centros de poder, ora era contígua, próxima e até litorânea. Para a historiadora

Janaína Amado, o termo foi utilizado em Portugal desde o período medieval. Os

portugueses empregavam a palavra, grafando-a “sertão” ou “certão”, para referir-se a

áreas situadas dentro de Portugal, porém distantes de Lisboa. A partir do século XV,

usaram-na também para nomear espaços vastos, interiores, situados dentro das possessões

recém-conquistadas ou contíguas a elas, sobre os quais pouco ou nada sabiam (AMADO,

1995, p.147). Através da perspectiva da autora, observou-se nas fontes sesmarias os

termos “sertão” e “certão” utilizados com frequência em cartas concedidas no litoral do

Cabo de São Roque. Esse termo foi largamente utilizado, até o final do século XVIII, pela

Coroa Portuguesa e pelas autoridades lusas nas colônias. No Brasil, são numerosos os

exemplos disso na documentação oficial (AMADO, 1995, p. 147).

Assim, o termo “sertão” era repleto de significados ao se observar as fontes do

período colonial, ocorrendo uma oscilação no seu significado. Um desses exemplos é

verificado no Dicionário da língua Portuguesa de Raphael Bluteau, nele, os termos

“certão” e “sertão” foram identificados como “o interior, o coração das terras, oppõe-se

ao marítimo; O sertão toma-se por mato longe da costa; O sertão da calma [...]”

(BLUTEAU, 1789, p. 396). Essas oscilações são perceptíveis nas análises das fontes

cartográficas e sesmariais do período pesquisado, mostrando que o processo colonizador

que estava em curso apropriou-se desses espaços, tidos como inóspitos, ou, como foi

intitulado por Antônio Robert de Moraes de “fundos territoriais”, que eram espaços que

ainda seriam conquistados pelos pioneiros ou colonos (MORAES, 2003, p. 5).

A amplificação dessa categoria foi norteada por Antônio Carlos Robert de Moraes,

ao estabelecer que o “sertão” são lugares que atraíram o interesse de agentes sociais que

visavam estabelecer novas formas de ocupação e exploração daquelas paragens nos

tempos modernos. Nessa perspectiva, o “sertão” seria uma conquista territorial perpetrada

pelos agentes da Coroa Portuguesa, ou seja, um espaço a ser dominado. Esses “olhares

externos”, que ambicionavam esses espaços, nomeavam e qualificavam caatingas,

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cerrados, florestas e campos (MORAES, 2003, p. 1-5). Para o autor, esse processo de

territorialização ou de conquista dos sertões só poderia ser viável se houvesse uma

vantagem econômica para a Metrópole. Ele descreveu que o projeto colonial tinha que

ser viável, porém nem toda colônia possuía viabilidade para efetivar-se. Enfim, o processo

colonial demandava uma retroalimentação, que só podia ser suprimida pela apropriação

de riquezas entesouradas ou pela exploração dos recursos naturais da terra (MORAES,

2008, p. 65).

Moraes utilizou de outros conceitos que nos esclareceu a compreensão do

processo de territorialização dos sertões, dentre eles o de “bacia de drenagem”, que seria

um eixo de circulação central que se ramifica por caminhos que vão buscar as zonas de

produção, e este eixo tem por destino um porto que articula os lugares drenados com os

fluxos do comércio ultramarino. O conceito de “zonas de difusão” corresponde a núcleos

de assentamento original que servem de base para os movimentos expansivos posteriores.

A consolidação desses núcleos numa rede, com o povoamento contínuo de seus entornos

e a definição de caminhos regulares entre eles, cria a “região colonial”. Por fim, o conceito

de “áreas de trânsito”, que são espaços sem ocupação perene, e os lugares recém-

ocupados com uma colonização não consolidada. Assim, boa parte da vida colonial

transcorre nesses espações, que têm por marca o uso transitório e a ocupação efêmera,

realizados por agentes sociais que têm por qualidade o deslocamento espacial contínuo

(MORAES, 2008, p. 69).

A categoria de sertão foi também analisada pela ensaísta Jerusa Pires Ferreira, ao

descrever que era difícil estabelecer uma direção conceitual do termo pois existe uma

graduação de significações que formam “verdadeiros blocos opostos, pares positivos,

como uma constante que vai unir dois polos” (FERREIRA, 2004, p. 29). Desse modo, a

pesquisadora se aproxima das ideias de Janaína Amado ao informar que sertão não tem

uma definição estanque, fechada, e sim aberta a muitas significações que podem variar

de acordo com o momento da escrita dos documentos coloniais. A autora analisou textos

de dicionaristas, cronistas e fontes coloniais e percebeu essas oscilações no significado

da palavra “sertão”. Se por um lado, há o sentido de interior, de distanciamento da costa

de profundidade ao alcance, existe a contrapor-se o sentido de um “sertão litorâneo,

visível exterior, fácil de atingir” (FERREIRA, 2004, p. 29-32).

Assim, utilizando-se o referencial da autora, podemos considerar que o litoral

norte, contíguo ao principal núcleo de ocupação da Capitania do Rio Grande, a Cidade

do Natal, seria um sertão litorâneo, ou, como os sertões do Cabo de São Roque. Em vista

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da análise documental realizada, à luz da discussão teórica sobre o conceito de sertão,

pesquisamos as cartas de sesmarias concedidas nas adjacências do Cabo de São Roque,

entre os anos de 1605 e 1819, onde foram concedidas vinte e quatro, entres elas, foram

encontradas quatro que descreviam o sertão perto da praia como sendo contíguo e

próximo da cabeça da capitania, e escritas com os termos “sertão” e “certão”.

3.2 O processo de territorialização dos Sertões do Cabo de São Roque

A partir da “fundação” da Fortaleza dos Reis Magos em 1598 e da Cidade do Natal

em 25 de dezembro de 1599, ambas localizadas na margem direita da desembocadura do

Rio Potengi, desencadeou-se um processo de ocupação do território da Capitania do Rio

Grande, sendo, nessa época, capitania da Coroa Portuguesa. Para a historiadora Elenize

Trindade Pereira, a conversão da capitania de donatária para régia ocorreu supostamente

entre os anos de 1580 e 1582, quando o herdeiro de João de Barros, Jerônimo Barros,

ainda tinha anseios de conquistar a “Terra dos Potiguares”, mas, aparentemente, seu pleito

não foi atendido e nos primeiros anos do reinado de D. Filipe I de Portugal, as petições

do herdeiro já não tocavam mais nessa questão (PEREIRA, 2018, p. 149). Desse modo,

foi realizada pelos agentes dessa Coroa a conquista do território do Rio Grande, firmaram-

se acordos de paz com os grupos indígenas locais e a expulsão da região dos franceses

que realizavam o comércio de pau-brasil pela costa da capitania. Concomitante a esse

processo de ocupação, foram doadas as primeiras sesmarias na capitania pelo capitão-

mor João Rodrigues Colaço (POMBO, 1922, p. 49) e surgiram os primeiros sesmeiros

nas imediações do Cabo de São Roque. Assim, percebemos o início do conhecimento do

território, das primeiras caminhadas e marchas pelos sertões da capitania, e

provavelmente, os primeiros colonos foram guiados por indígenas que tinham um vasto

conhecimento da terra e seus vales.

Segundo Carmem Oliveira Alveal, o sistema sesmarial foi utilizado em larga

escala pela Coroa lusa para expansão da interiorização da América portuguesa. A

concessão de terras devolutas aos colonos interessados em dominar novos espaços foi a

principal característica dessa política da metrópole (ALVEAL, 2015, p. 249). Tal sistema

já era utilizado por Portugal desde o século XIV e foi aperfeiçoado no decorrer da

colonização no Atlântico.1 Compreende-se, assim, o princípio de uma apropriação

territorial das terras que, até então, eram pertencentes aos Potiguara espalhados pelo

litoral da capitania. Esse território foi, ao longo do processo colonizador, dominado por

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pioneiros portugueses que tinham iniciado a migração para a Capitania do Rio Grande, a

partir da fundação da Cidade do Natal, e, provavelmente, se utilizaram de suas influências

para garantir sesmarias sob as bênçãos da Coroa portuguesa127. Essas primeiras sesmarias

foram registradas no documento chamado Auto de Repartição das Terras da Capitania

do Rio Grande, produzido em 1614. Nele, foram registradas 186 cartas de doações de

terra, na capitania, nos primeiros anos do século XVII, e foram realizadas pelo capitão-

mor de Pernambuco Alexandre de Moura, pelo desembargador Manoel Pinto da Rocha e

o documento foi registrado pelo escrivão Thomé Domingues128. Elas apresentam indícios

dos conhecimentos adquiridos dos colonos portugueses em relação aos topônimos

indígenas desses espaços da capitania ao caracterizarem como locais de explorações

econômicas que poderiam trazer rendimentos tanto para o sesmeiro como para Fazenda

Real.

Como se observa no Mapa 3, podemos supor que os sertões do Cabo de São Roque

começaram a ser devassados pelos colonos portugueses nas duas primeiras doações de

terras concedidas nesse espaço costeiro. A primeira concessão foi realizada pelo capitão-

mor Jerônimo de Albuquerque a Nicolau Vazalim, em 2 de fevereiro de 1605, na foz do

rio Boixumunguape – atual rio Maxaranguape. A sesmaria media 1.000 braças quadradas,

ficando 500 braças para cada margem do rio129. Três anos depois, em 26 de agosto de

1608, o mesmo capitão-mor doou a Manuel de Abreu a sesmaria Pequitinga – atual praia

de Pititinga e foz do rio Punaú –, com dimensões de duas léguas por costa e uma légua

para o sertão130. Ambas as sesmarias tinham seu território cortado ao meio pelos vales

sinuosos desses principais rios do litoral norte, indicando possíveis locais de expansão

agrícola ou de criação de gado. Porém, no ano em que foi realizado o Traslado, em 1614,

os terrenos já estavam abandonados pelos sesmeiros. Somente o sítio de Nicolau Vazalim

127 A estrutura fundiária é um importante fator relacionado à produção agropecuária bem como à sua

distribuição. O Brasil herdou do período colonial práticas concentradoras de terras e até hoje o país

apresenta problemas relacionados à sua distribuição. Aliado à política adotada de transferência de

propriedade do domínio público para o privado, o período Sesmarial (1530 a 1850) caracterizou-se pela

concessão de grandes extensões de solos aos pleiteadores de propriedades no novo território de colonização

português (ALCANTARA FILHO; FONTES, 2009, p. 63). 128 Segundo Elenize Trindade Pereira, o documento foi produzido sob a ordem do rei Felipe II (1598-1621)

por meio da provisão real de 12 de setembro de 1612, pois constavam reclamações do rei, que havia sido

informado, por meio de denúncia de não se sabe quem, que alguns moradores da capitania não estavam

cumprindo com o dever de cultivar a terra recebida por doação, ocasionando assim prejuízos para a fazenda

real, tendo em vista o pagamento do dízimo sobre a terra (PEREIRA, 2014, p. 172). 129 Não se conseguiu averiguar, pelo cruzamento das fontes, informações sobre esse sesmeiro ou se ocupava

alguma função na administração da capitania, porém, ele recebeu outra concessão de sesmaria nas

proximidades da aldeia Tumembohira, em 1607. (Plataforma SILB. RN 0195; RN 0227). 130 Plataforma SILB. RN 0246.

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indicava uma tentativa de colonização e uso das praias em atividades pesqueiras, pois a

sesmaria teve casa e redes de pesca segundo o documento131.

131 Plataforma SILB. RN 0195.

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Mapa 3 – Primeiras sesmarias concedidas nos sertões do Cabo de São Roque (1605 – 1608)

Fonte: Mapa elaborado por Pedro Pinheiro de Araújo Júnior com auxílio do Google Earth, a partir dos dados da Plataforma SILB, utilizando-se das descrições dos limites

estabelecidos pelas cartas sesmariais. Trabalho técnico com o programa Qgis 3.4 realizado pela geóloga Janaína Medeiros da Silva, a partir dos dados do mapeamento dos

parrachos conforme Amaral (2003).

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Como nos descreve Cláudia Damasceno Fonseca, os pioneiros nomeavam os

elementos naturais mais marcantes nesses sertões: os rios, ribeiros, ribeirões, córregos,

serras etc. Tais elementos, frequentemente, recebiam denominações descritivas, de

origem indígena e, em outros casos, as toponímias eram traduzidas em português

(FONSECA, 2011, p. 75). Desse modo, os topônimos dessas propriedades, no Mapa 3,

se referem às atividades pesqueiras desse litoral, realizando a tradução do tupi para o

português. Pequitinga e sua variante atual, Pititinga, significam respectivamente

“peixinho” e “mancha branca da pele” (BARBOSA, 1951, p. 124-126), indicando talvez

a pesca de manjubas nessa costa, e o segundo topônimo é referente aos cardumes de

pititinga, que reluziam com a luz do sol, já o termo Maxaranguape que provém do “étimo

‘massará’ significa armadilha de peixes”132. Assim, podemos considerar que esses nomes

foram o reflexo das tradições dos Potiguara nas pescarias, sendo essas realizadas nas

proximidades dos estuários dos rios, onde se encontravam uma quantidade e variedade

maiores de pescados para o sustento das comunidades costeiras. Com a chegada dos

primeiros sesmeiros, solicitando terras para as autoridades portuguesas na Cidade do

Natal, esses espaços são apropriados por eles e conquistados não apenas o seu chão, ou a

atividade econômica exercida na época, mas principalmente a identidade do lugar, o seu

topônimo, que permaneceu em língua nativa até o tempo presente.

Apesar das possibilidades de rendimentos ligados ao plantio, a criação de gado e

a pesca nessa costa, os proprietários das duas sesmarias não ocuparam as terras doadas,

tal como era exigido na legislação sesmarial133. Segundo Carmem Alveal, uma das

atividades primordiais que possibilitavam a legitimação da posse era o cultivo. Muitos

colonos “primeiro realizavam suas lavouras e, diante do fato consumado da terra cultivada

– princípio básico da lei de sesmarias- requeriam a carta de concessão de sesmaria da área

lavrada, bem como a sua confirmação” (ALVEAL, 2007, p. 80). Entrementes, como é

observado no Auto de Repartição de Terras, nenhuma lavoura foi implantada nesses

espaços. E como consta no documento da sesmaria Pequitinga, na atual desembocadura

132 Câmara Cascudo traduziu o topônimo antigo de Maxaranguape, Boixumunguape, e observou que tinha

um outro sentido no seu significado, sem ser ligado a atividades pesqueiras. Para o autor, o termo

significava “no vale ou na baixa da cascavel” (CASCUDO, 1968, p. 71). Sobre Maxaranguape e outros

topônimos indígenas do litoral, ver em Moura Júnior (apud MORAIS, 2014, p. 198). 133 A legislação sesmarial era regida pelas Ordenações Manuelinas (1521) e Filipinas (1603). Para Carmem

Alveal, havia, também, uma flexibilidade na fixação do tempo para lavrar, sendo a única exigência não

passar do prazo da ordenação que era de cinco anos. Caso não fosse lavrada, seria dada a outrem com prazo

estipulado pela ordenação. Não deveria se dar sesmarias a pessoas que já as tivessem recebido sem

aproveitá-las (ALVEAL, 2007, p. 76).

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do rio Punaú, “não era terra de préstimos e nem nunca foi povoada [...] por estar a 15

léguas para o norte” da Cidade do Natal. Provavelmente, um dos entraves que levaram ao

“abandono” dos sesmeiros e da diminuta quantidade de solicitações nesses sertões do

Cabo de São Roque, nos idos do século XVII, foi, talvez, o pouco conhecimento das terras

interiores para além das zonas dunares do litoral. Essas faixas de dunas se estendem nesse

espaço por entre 10 e 20 km, entre a costa e o sertão, posteriormente, sendo devassadas

por esses caminhos de areia, apresenta-se uma outra paisagem, propícia para o plantio, e,

com mesclas de vegetações com trechos de Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica134.

Assim, os colonos e cronistas impuseram a esses sertões do Cabo de São Roque a

alcunha de que “não era terra de préstimos”, sendo impróprio para estabelecimentos de

propriedades rurais, principalmente as lavouras canavieiras. Esse discurso teve como

primeiro representante Gabriel Soares de Sousa ao relatar sobre as imediações da enseada

de Itapitanga – Pequitinga, ao descrever que essa “terra por aqui ao longo do mar está

despovoada do gentio por ser estéril e fraca” (SOUSA, 1851, p. 25). Do mesmo modo,

contemporâneo ao período das primeiras doações de terras na Capitania do Rio Grande,

Diogo de Campos Moreno, sargento-mor do Brasil e enviado para os conflitos na França

Equinocial, escreveu duas obras importantes que retrataram esse litoral: Razão do Estado

do Brasil, em 1612, e Jornada do Maranhão, em 1614135. No primeiro livro, que conta

com mapas e ilustrações, João Teixeira Albernaz I descreveu que esse espaço era formado

por “serra e de areais em que não dá coisa de proveito mais que as salinas que dizem de

Guamaré”, e conclui: “e nos matos há muita caça, e em toda a costa grandes pescarias e

muito âmbar” (MORENO, 1612, p. 238-241).

Portanto, esses cronistas revelaram apenas o que era visto por eles dos navios,

possivelmente, visualizavam apenas as dunas costeiras que se espalhavam por toda as

zonas adjacências do Cabo de São Roque e teceram opiniões para as autoridades ibéricas,

revelando que essas terras eram impróprias para a expansão açucareira. Daí reportarem

nos seus escritos que a única função que essas terras poderiam oferecer eram em

atividades extrativistas como as pescarias, a extração do sal e a coleta de âmbar. Até a

134 O espaço correspondente aos sertões do Cabo de São Roque, segundo os estudos de Ana Beatriz Silveira,

é integrado por três bacias hidrográficas importantes: Punaú, Maxaranguape e Boqueirão, onde ocorre na

atualidade uma expansão urbana e da zona de plantio sobre a vegetação original dos vales e lagoas dessas

bacias (SILVEIRA, 2009, p. 69-74). 135 Diogo de Campos Moreno nasceu em Tanger, dominava as línguas castelhana e francesa e era

reconhecido por suas brilhantes participações em várias campanhas militares. Acabou servindo como

sargento-mor ao lado do chefe da expedição, Jerônimo de Albuquerque, na guerra contra os franceses no

Maranhão (DAHER, 2007, p. 70).

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primeira metade do século XVII, segundo os textos coloniais pesquisados, esses sertões

continuaram inabitados por colonos portugueses e militares da Companhia das Índias

Ocidentais. Assim, os vales dos rios dos sertões de São Roque só foram ocupados nas

sesmarias concedidas no início do século XVIII em uma segunda leva de ocupação,

quando seis sesmeiros solicitaram novas datas de terra na região entre 1706 e 1719, cuja

análise será feita no próximo capítulo.

3.3 Os Potiguara no Litoral Norte da Capitania do Rio Grande: os indícios

cartográficos no século XVII

Podemos considerar o século XVI como o período do conhecimento dos limites

continentais da América e Ásia sobre o globo terrestre, feito perpetrado pelos

cosmógrafos europeus em diversas escolas cartográficas desse continente. No século

XVII, já estabelecidos esses limites continentais na cartografia dos reinos ibéricos, as

autoridades de então investiram no processo de conquista da costa leste-oeste do Estado

do Brasil. Para Sérgio Buarque de Holanda, essa costa correspondia ao litoral das

capitanias da Paraíba, Rio Grande, Ceará e Maranhão que, entre 1580 e 1614, estavam

em suscetíveis conflitos entre militares ibéricos contra grupos franceses que almejavam

conquistar essas paragens (HOLANDA, 2007, p. 213-226). Os mapas desse período

apresentavam-se com mais detalhes e informações sobre esses espaços, já nos mapas

quinhentistas, um topônimo correspondia a quase toda costa de uma capitania. Com o

advento das conquistas portuguesas ao norte de Pernambuco, o conhecimento sobre esses

sertões litorâneos foram exponenciados, apresentando a diversidade dos acidentes

geográficos, rios, lagoas e aldeias indígenas, porém, as representações cartográficas de

até meados do século XVII apresentavam um Brasil ainda costeiro, como se fosse da

visão do cosmógrafo de dentro do navio olhando para a praia, excluindo os sertões de

dentro ainda misteriosos e esquecidos nessas publicações136. Foi uma época que surgiram

novas produções cartográficas sobre essa costa, tendo como principal expoente as

produções cartográficas da família Teixeira Albernaz em Portugal137.

136 Segundo Max Justo Guedes, o século XVII foi pródigo na atuação dos cosmógrafos e roteiristas

trabalhando sobre o Brasil. Segundo esse autor, após a expulsão dos franceses que haviam ocupado o

Maranhão, ocorreu um aparecimento de excelentes roteiros da costa norte do Brasil, entre Pernambuco e

Pará, feito pelos pilotos das expedições enviadas aquele propósito (GUEDES, 2007, p. 22). 137 Segundo Augusto O. Quirino de Sousa, essa família de cartógrafos entronca-se na dos Teixeira, sendo

os irmãos João Teixeira Albernaz I e Pedro Teixeira Albernaz, filhos de Luís Teixeira. Além de outros

autores de trabalhos menores, como Estevão Teixeira, integra também essa família João Teixeira Albernaz

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Essa família de cartógrafos estava ligada à administração da Coroa Portuguesa

desde 1558, quando Pero Fernandes foi nomeado “mestre de fazer cartas ao navegar”.

Um pouco tempo depois, foi acompanhado no ofício por um de seus filhos, Luís Teixeira,

sendo esse o responsável pelo primeiro atlas do Brasil, com o título de Atlas-Roteiro de

Luís Teixeira, produzido em 1574, onde foram apresentadas no mapa as divisões das

capitanias hereditárias e as dimensões territoriais da América portuguesa. Na escola

cartográfica de Luís Teixeira se formou ainda seu filho, João Teixeira Albernaz I, que,

em 1602, já tinha carta de ofício para a confecção de mapas e cartas, sendo o último

representante da dinastia de cartógrafos João Teixeira Albernaz II, cujas obras são

conhecidas até o ano de 1681 (CORTESÃO, 1965, p. 386-387).

Segundo Beatriz P. Siqueira Bueno, essas produções cartográficas foram

confeccionadas nos Armazéns da Guiné e Índias, junto ao Paço da Ribeira, em Lisboa,

local em que se concentravam todas as pesquisas em ensino náutico em Portugal, onde

eram ministradas lições de teoria a pilotos, artífices de instrumentos náuticos e mestres

de cartas de marear. Esse espaço de produção era supervisionado pelo cargo do

cosmógrafo-mor, onde a sua função estava estabelecida pelos Regimentos do

Cosmógrafo-mor de 1559 e 1592 (BUENO, 2007, p. 29-30). Desse modo, segundo esses

regimentos, cabia a esse importante funcionário da Coroa a supervisão de formar novos

pilotos e aprimorar os mapas e roteiros da navegação. Eles tinham a responsabilidade de

atualizar os mapas e roteiros com cada acidente geográfico, topônimo, baía, e, dentre

outros, cabos, para repassar aos novos navegadores que seguiam para além-mar. A

constante atualização dos mapas fez desse espaço de produção o mais privilegiado da

navegação marítima europeia entre os séculos XVI e XVII.

Essa atualização cartográfica feita no Armazém da Guiné e das Índias é

perceptível quando comparamos com os mapas produzidos no século XVI com os do

século posterior. Por exemplo, a costa da Capitania do Rio Grande tornou-se mais

detalhada e rica em topônimos costeiros com a primeira publicação do período que foi o

Livro que da Razão ao Estado do Brasil, organizado em 1612 pelo governador-geral D.

Diogo de Menezes, sendo a escrita do texto atribuída ao sargento-mor Diogo de Campos

Moreno e a produção cartográfica e das ilustrações foi elaborada por João Teixeira

Albernaz I. No documento foram descritas as potencialidades econômicas das oito

II, neto do seu homónimo. Disponível em: http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-

cartografos/albernaz-familia-dp5.html#.XI5LNiJKjIU. Acesso em: 17 mar. 2019.

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capitanias hereditárias, de Porto Seguro para o norte do Brasil e acompanhados por

dezessete mapas.

A construção desse mapa é contemporânea das primeiras doações de terras na

Capitania do Rio Grande. Como se observa na Figura 11, a seguir, tivemos que inverter

o mapa para uma melhor compreensão do espaço. Desse modo, percebemos, uma maior

concentração de núcleos de povoamento ou de indícios de pequenas fazendas nas margens

do rio Potengi, onde se concentrava a maior parte desse povoamento português. Os ícones

em formato de casas dão indícios de uma expansão territorial. Como se vê no círculo na

Letra A, a cidade do Natal, intitulada de Cidade “dos Reis”, era o principal centro urbano

dessa capitania e a marcha desse povoamento aglomerava-se na região ao sul do Natal,

não existindo nenhum indício de povoamento português nos sertões do Cabo de São

Roque, porém, apresenta-se nessa ilustração o primeiro topônimo desse litoral depois do

termo São Roque: Pequitinga.

O mapa apresenta-se como se ainda estivesse em construção, como se o

cosmógrafo ainda buscasse conhecer o litoral da capitania em direção ao Ceará. À

primeira vista, temos a ideia que a capitania terminava nas imediações da atual praia de

Pititinga e que a costa leste-oeste era praticamente desconhecida pelas autoridades

portuguesas da época. Isso é perceptível quando visualizamos os rios ao norte do Natal,

em destaque nas Letras B e C, Punaú e Maxaranguape, respectivamente, que são

representados com tamanhos bem menores do que o normal e sem afluentes, indicando,

talvez, que os cronistas e cosmógrafos não se adentraram nas regiões das nascentes desses

rios.

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Figura 11 – Detalhes do Mapa de João Teixeira Albernaz I (1612):

o litoral norte da Capitania do Rio Grande e o Canal de São Roque

Fonte: Rio Grande capitania de Sua Magestade. In: Livro que da Razão ao Estado do Brasil, 1612, p. 249.

Acervo da Biblioteca Pública Municipal do Porto. Disponível em: http://arquivodigital.cm-

porto.pt/Conteudos/Conteudos_BPMP/MS-126/MS-126_item1/P252.html. Acesso em: 18 fev. 2019.

Outro indício desse “desconhecimento” do espaço do litoral norte é a exclusão

iconográfica das aldeias indígenas. Quando comparamos o mapa de João Teixeira

Albernaz I, de 1612, com o Mapa de Jacques de Vaulx de Claye de 1579 (ver Figura 9 e

Figura 10, páginas 67 e 69), percebemos claramente isso, como se as adjacências do Cabo

de São Roque fossem um deserto sem indígenas, com as terras prontas para serem

devassadas pela colonização lusa. Porém, na Letra D da Figura 11, apresenta-se no mapa

uma aldeia indígena, como se fosse a única ao norte de Natal e intitulada de Aldeia do

Camarão. Seu formato remonta às antigas construções Potiguara, também representadas

no mapa de Jacques de Vaulx de Claye, em forma quadrangular, a partir da junção de

quatro grandes ocas com a formação de um pátio central. Porém, existe no centro da

imagem uma cruz138, que pode simbolizar as primeiras conversões desses indígenas para

138 Para Patricia Seed, as cruzes eram os objetos tradicionalmente plantados pelos europeus durante suas

viagens às novas regiões, mas seu real significado cultural e político variava amplamente. Segundo a autora,

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a fé cristã católica dos portugueses e o avanço de missões volantes nessas aldeias139. Como

foi observado por Fátima Martins Lopes, essas cruzes foram erigidas nas aldeias após os

acordos de paz firmados com os indígenas e as autoridades portuguesas em meados de

1599. Sendo uma das figuras responsáveis por esse projeto de expansão do cristianismo

entre os Potiguara a do Padre Francisco Pinto, além de outras autoridades, intérpretes e

mediadores, erigiram uma cruz em uma das aldeias Potiguara que tinha como principal o

“Camarão Grande – o Potiguaçu”. Esse líder indígena almejava pôr essa cruz no centro

na aldeia para conseguir juntar seu povo, que estava espalhado pelos sertões após as

guerras com os portugueses (LOPES, 2013, p. 55-100).

O mapa é incongruente com o relato de Diogo do Campos Moreno ao revelar que

na capitania existiam “dezesseis aldeias indígenas, algumas muito pequenas e todas

malgovernadas, e inquietas por lhes faltar a doutrina de clérigos”, porém foram

representadas por João Teixeira Albernaz I apenas duas aldeias Potiguara. Esses dados

podem revelar duas hipóteses: primeiro, as representações das aldeias indicam um projeto

de inserção desses indígenas para concentrá-los em missões jesuíticas no processo de

conversão ao cristianismo nesses espaços; segundo, pode indicar o “desaparecimento”

desses grupos diante do constante avanço dos portugueses em direção ao litoral norte,

promovendo a fuga desses indivíduos para outras paragens ou a sua inserção nas

atividades desenvolvidas pelos sesmeiros nas suas propriedades doadas no decorrer da

colonização.

A segunda hipótese pode ser considerada observando os relatos do padre

capuchinho Claude d’Abbeville sobre a possibilidade de parte dos indígenas Potiguara

terem migrado para a região do Maranhão, na segunda metade do século XVI. O cronista

francês, que era partícipe da tentativa de estabelecer uma colônia francesa na atual capital

maranhense, a França Equinocial, revelou a partir de um diálogo com o cacique

Mamboré-Uaçu, em 1612, que muitos indígenas Potiguara migraram devido às guerras

com os portugueses. O mesmo cacique afirmou que essas fugas sucessivas desses povos

tinham como destino a região norte do Brasil:

para os espanhóis simbolizavam uma manifestação física da ideia de que a área estava sob domínio cristão;

para os portugueses, os exploradores erigiam cruzes nas terras que atingiam, indicando os pontos mais ao

sul nas suas viagens à África (SEED, 1999, p. 170-171). 139 Para Fátima Martins Lopes, as missões volantes eram realizadas por padres jesuítas que visitavam as

fazendas, engenhos e as aldeias indígenas pregando a doutrina cristã e tentavam converter os indígenas,

que poderiam permanecer nas suas aldeias originais ou serem reduzidos às Aldeias de El-Rey. Como eram

importantes, foram encaradas como a principal atividade dos missionários nas colônias (LOPES, 2013, p.

189-190).

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Vi a chegada dos peró [portugueses] em Pernambuco e Potiú [ rio

Potengi]; e começaram eles como vós, franceses, fazeis agora. De

início, os peró não faziam senão traficar sem pretenderem fixar

residência [...]. Mais tarde, disseram que nós devíamos acostumar a eles

e que precisavam construir fortalezas, para se defenderem, e edificar

cidades para morarem conosco [...]. Mandaram vir os paí [padre]; e

estes ergueram cruzes e principiaram a instruir os nossos e a batizá-los.

Mais tarde afirmaram que nem eles nem os paí podiam viver sem

escravos para os servirem e por eles trabalharem. E, assim, se viram

constrangidos os nossos a fornecer-lhes. Mas não satisfeitos com os

escravos capturados na guerra, quiseram também os filhos dos nossos e

acabaram escravizando toda a nação; e como tal tirania e crueldade a

trataram, que os que ficaram livres foram, como nós, forçados a deixar

a região (D’ABBEVILLE, 1945, p. 115).

O relato de Claude d’Abbeville é um retrato daquilo que podemos visualizar no

mapa de João Teixeira Albernaz I: a contínua exclusão dos Potiguara das suas terras de

origem diante dos interesses da Coroa Portuguesa na Capitania do Rio Grande. Tal como

observamos no relato, o mapa reproduz a conquista sobres esses povos na medida em que

apresenta a expansão da fé cristã ao colocar cruzes nos centros das aldeias, com a

consequente chegada dos primeiros padres jesuítas no processo de catequização desses

povos, além do princípio da criação de novos núcleos urbanos e militares nesse processo

de territorialização realizado pela Coroa Lusa, principalmente nas imediações da Cidade

do Natal. E, por fim, a contínua migração de parte desses povos originários, fugindo em

alguns momentos ou resistindo em outros, do projeto colonial português de conquista

territorial dos espaços e dos corpos desses grupos da capitania em estudo. Assim, cada

vez que a expansão da colonização portuguesa se aproximava dessas aldeias, elas eram

suprimidas no desenho dos cartógrafos, uma forma talvez de “apagar” a presença desses

grupos nas conquistas do Império Português.

Entrementes, pode-se inferir que essas fugas podem explicar, em parte, o

“desaparecimento” desses povos do litoral norte tanto nos relatos dos cronistas como nas

informações apresentadas nos mapas do século XVII. Esses “silêncios” podem ser

observados também nas generalizações territoriais criadas pelos cartógrafos portugueses

sobre esses povos originais. Se antes, no Quinhentos, eram representados apenas os

ícones que estavam associados às aldeias indígenas, no Seiscentos, essas gravuras somem

e apenas surgem superficialmente os nomes das “nações” indígenas espalhadas por onde

os europeus almejavam conquistar o território. As últimas produções que os citam foram

realizadas até meados desse século pelos cosmógrafos da escola cartográfica de Portugal.

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As produções dos Teixeira Albernaz nesse período indicavam, além da expansão

portuguesa para a região norte do Brasil, a delimitação de alguns grupos indígenas desses

espaços em conquista. Como se observa na imagem da Letra A da Figura 12, um detalhe

do mapa do Brasil com o título Mostraçe na prezente carta a descripçao de todo o estado

do Brasil que polla parte de Norte comesa no grande Rio Para e acaba na boca do rio

da Prata, produzido em 1627 por João Teixeira Albernaz, é um exemplo de carta

manuscrita feita provavelmente nas oficinas do Armazém da Guiné e das Índias, em

Lisboa. Nele foram inseridas as delimitações territoriais, estabelecidas pelos portugueses,

dos grupos indígenas do Estado do Brasil. Acompanhado as setas em preto, podemos

observar os Tupinambá inseridos ao sul do rio São Francisco, os Tapuia estabelecidos no

Ceará a oeste do rio Jaguaribe e os Potiguara estabelecidos em toda a Capitania do Rio

Grande entre os rios Potengi e o Jaguaribe. No detalhe do mapa da Letra B, Figura 12,

feito quase quatro décadas depois por João Teixeira Albernaz II com o título de Atlas do

Brasil, inseriu-se nos sertões do Cabo de São Roque a frase “costa de Pitiguares”.

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Figura 12 – Detalhe das representações territoriais dos Potiguaras

na cartografia portuguesa no século XVII

Fonte: Mostraçe na prezente carta a descripçao de todo o estado do Brasil que polla parte de Norte comesa

no grande Rio Para... e acaba... na boca do rio da Prata. Feitas em Lisboa. 1627. Departamento de Mapas

e Planos, Códice: GE D-8024. Disponível em:

https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b8458442n/f1.item.r=albernaz.zoom. Acesso em: 11 mar. 2019; Atlas

do Brasil de João Teixeira Albernaz II. 1666. Disponível em:

http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart1079075/cart1079075.htm. Acesso

em: 26 jun. 2019.

No primeiro mapa, as “nações” indígenas tiveram seus nomes escritos em

vermelho de forma a destacar-se de todo mapa dos topônimos do litoral, que estão

inseridos em cor preta. Os principais rios da região, pintados na cor verde, pode indicar

uma tentativa de territorialização dos indígenas pelo cartógrafo luso. Essa identificação

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em vermelho pode indicar, nessa carta, que ela foi produzida para os agentes da coroa

lusitana interessados em conhecer as territorializações desses povos, haja vista que, no

contexto de alianças e da expansão territorial portuguesa na América, eram necessários

ter um conhecimento da geografia desses espaços para se conquistar os sertões. Chegamos

a essa conclusão, pois os mapas contemporâneos produzidos pelos Teixeira Albernaz e

pelas demais escolas cartográficas europeias pouco apresentam indícios de territórios

indígenas. Desse modo, qual seria a pretensão de nomear esses povos no mapa140 se não

no interesse de estabelecer o conhecimento dos limites territoriais desses grupos, para

estabelecer novas alianças ou montar estratégias de apropriação territorial? Precisa-se de

novos estudos para entender como a Cartografia Histórica pode elucidar nas pesquisas

sobre a dominação portuguesa sobre essas populações.

A Letra B da Figura 12, no Atlas do Brasil de 1666, de João Teixeira Albernaz II,

pode ser considerada a última menção cartográfica portuguesa conhecida sobre esses

povos. O documento indica a inclusão dos Potiguara no sertão de São Roque com o termo

“costa de Pitiguares”. Tal como foi observado no capítulo anterior, no Mapa de Jacques

de Vaulx de Claye de 1579, no relato de Gabriel Soares de Sousa de 1587, e nas evidências

dos relatórios arqueológicos, indicaram que esse espaço em estudo foi um local de intenso

escambo de pau-brasil e outros produtos entre franceses e Potiguara até o período da

conquista da Capitania do Rio Grande por forças da União Ibérica no encerrar do século

XVI. A menção “Pitiguares” feita pelo cosmógrafo pode indicar através desse topônimo

que a costa de São Roque continuou a ser habitada por esse povo. Ao mesmo tempo, nos

relatos dos cronistas do seiscentos e em outras fontes coloniais, manteve-se o discurso da

inexistência dos indígenas nesses sertões.

Essa incoerência entre o que a cartografia mostra e o que as fontes escritas omitem

pode ser percebida numa fonte sesmarial contemporânea do Atlas do Brasil, onde foi

descrito uma concessão de terras ao Governador João Fernandes Vieira. No documento,

descreve-se que o personagem recebeu uma sesmaria após este contribuir nas vitórias das

tropas portuguesas contra as neerlandesas em Pernambuco. Dessa forma, a colossal terra

tinha de comprimento a costa entre o rio Ceará-Mirim e o Porto do Touro (ver Mapa 3),

140 No livro atlas, também publicado em 1627 pelo mesmo João Teixeira Albernaz, ocorre o mesmo registro

da territorialização dos Tapuia e Potiguara entre as capitanias do Rio Grande e Ceará. Nos parece que a

carta da Figura 12 é um protótipo do atlas elaborado pelo cosmógrafo de sua Majestade no mesmo ano,

doravante, não percebemos outras descrições de grupos indígenas em mapas contemporâneos produzidos

em outras escolas cartográficas na Europa até 1650. Disponível em:

https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b55002487b/f73.item. Acesso em: 12 mar. 2019.

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a mesma costa de Pitiguares citada por João Teixeira Albernaz II era vista pelo escrivão

da carta como terras “desertas e que nunca foram povoadas”141. Novamente, percebemos

na fonte colonial o discurso de que o sertão de São Roque eram terras “desertas”, “vazias”

e “sem préstimos”. Segundo o Dicionário da língua Portuguesa de Raphael Bluteau, o

termo deserto tanto pode designar “local ermo, solitário, despovoado” ou “nas desertas

praias” (BLUETEAU, 1789, p. 410). Desse modo, ao nomear essa região de deserto,

pode-se levar a sentidos diferentes. Se for no sentido de despovoado, seria então

despovoado de quê? De colonos portugueses ou de indígenas? Essa incerteza persiste

quando observamos outras produções cartográficas realizadas na Europa, sobretudo na

escola cartográfica francesa que produziu mapas descrevendo esses povos indígenas até

meados do século XVIII, como se observa a seguir na Figura 13.

141 A sesmaria citada (Plataforma SILB. RN0014; RN0056) será mais bem analisada no próximo capítulo.

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Figura 13 – Representações da territorialização dos Potiguaras na cartografia francesa

Fonte: Le Brésil divisé en ses capitaineries suivant les relations les plus nouvelles / par P. Duval

d'Abbeville. 1650. Departamento de Mapas e Planos, Códice: GE D-13899. Disponível em:

https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b84919051/f1.item.r=Carte%20Du%20Bresil.zoom. Acesso em: 11

mar. 2019; Carte de la Terre Ferme du Perou, du Bresil et du Pays des Amazones. 1703. William Delisle.

Biblioteca Nacional, Códice: cart484879. Disponível em:

http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart484879/cart484879.html. Acesso em: 11 mar.

2019.

Essa cartografia francesa pode ter se utilizado de elementos das produções

portuguesas e holandesas do período, sobretudo nas apropriações dos topônimos. Como

se averigua na Letra B da Figura 13, no mapa de 1650 e produzido por Duval d’Abbeville,

ele delimitou o território da Capitania do Rio Grande e intitulou a costa de São Roque

com o termo “Petiguare”, um topônimo semelhante aos estabelecido pela escola dos

Teixeira Albernaz. O termo se aproxima muito do nome Pititinga, já bastante utilizado

pela cartografia europeia, no entanto, aparece inscrito “Picquetingue” próximo aos

baixios de São Roque. Assim, Petiguare representa a população indígena e Picquetingue

o ancoradouro ou o canal da passagem dos navios por esses baixios de São Roque.

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Meio século depois, a Carte de la Terre Ferme du Perou, du Bresil et du Pays des

Amazones, produzida em 1703 por William Delisle, uma produção ricamente composta

de informações sobre parte da atual América do Sul, apresenta pequenos fragmentos

textuais descrevendo a fauna, os povos indígenas de cada região, o relevo, as divisões

territoriais e os conflitos entre povos locais e europeus. O mapa é umas das produções

que finalizam o ciclo de informações cartográficas sobre a localização dos povos

indígenas na costa leste-oeste do Estado do Brasil142. Na Letra A da Figura 13,

sublinhados e selecionados em vermelhos, estão os dados sobre os Potiguara no Rio

Grande. A costa leste-oeste da capitania foi territorializada de “país dos Potiguara: uma

terra de muitas riquezas”. Seria uma constatação do autor francês sobre a localização

desse povo nas cercanias do sertão de São Roque, ao norte da Cidade do Natal. O

cartógrafo ainda complementou que “o país143 dos Potiguara não é para os portugueses

que estão encravados na capitania do Ceará”.

Primeira questão que temos que observar nos textos e nas imagens do mapa é a

experiência colonial dos franceses no Brasil e o conhecimento que estes adquiriram sobre

os povos e territórios pelos quais entraram em contato no Brasil ao longo dos séculos XVI

e XVII. A quantidade hiperbólica de descrições sobre cada grupo indígena que existia nas

capitanias do Estado do Brasil é um retrato desse acúmulo de informações preciosas sobre

essas populações. Ao mesmo tempo, na leitura dos textos do autor do mapa, nos parece

uma defesa dessas populações diante da colonização portuguesa no Brasil. Podemos

supor que as produções cartográficas francesas, ao representarem a América Portuguesa,

estariam em franca oposição ao domínio lusitano. Assim, quais os motivos dessa

representação fortemente indígena? Precisa-se de novos elementos com estudos em outras

fontes escritas de arquivos franceses para conseguir novas respostas.

142 Outras produções cartográficas francesas inseriam esses povos indígenas nos mapas até meados do

século XVIII. Dentre elas, estão os trabalhos do cartógrafo Nicolas de Fer com o título “Le Bresil” de 1719

(ver no Anexo C). Disponível em: https://www.loc.gov/item/2003627079/. Acesso em: 16 mar. 2019. Um

ano depois, em 1720, um mapa anônimo intitulou o sertão ocidental do Rio Grande de “Tapuya”, uma

referência aos povos originais envolvidos nos conflitos contra os portugueses, no episódio conhecido na

historiografia brasileira de Guerra dos Bárbaros (ver no Anexo D). Disponível em:

https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b53121756v/f1.item.r=Carte%20Du%20Bresil.zoom. Acesso em: 16

mar. 2019. 143 Podemos discorrer que o termo “país” era denominado pelos cronistas europeus para designar os

territórios dos povos indígenas pelos quais eles tinham contato. Exemplo dessa informação podemos

observar na dissertação do historiador Helder Macedo, ao pesquisar sobre o “país do tapuias”. Para Macedo,

durante o período do domínio holandês (1630-1654), o agente neerlandês Roloux Baro descreveu esse

termo como o “sertão habitado pelos Tarairiu era enxergado pelos holandeses: uma territorialidade à parte,

um vasto espaço que, mesmo compondo a Capitania do Rio Grande, transparecia ter linhas de demarcação,

regras, pessoas e poderes próprios. Nesse país, a autoridade máxima era o rei Janduí, figura citada com

frequência nas crônicas neerlandesas e portuguesas o século XVII” (MACEDO, 2007, p. 116).

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No mapa de William Delisle, ocorreu um erro de delimitação territorial onde a

divisão das capitanias do Ceará e do Rio Grande ocorre, nas imediações da enseada de

Pititinga, provocando uma ambiguidade na territorialização dos Potiguara, pois, como é

visto no detalhe da Figura 13, eles foram inseridos no litoral do Rio Grande, mas, no texto

da descrição, esse povo foi alocado na capitania vizinha. Desse modo, essa representação

cartográfica pode indicar a constante migração dos grupos indígenas, tal como foi visto

no relato do padre Claude d’Abbeville, que narra que indígenas fugiram para outras

paragens devido às guerras e escravidão perpetradas pelos agentes da coroa lusa.

Concluímos que a Cartografia Histórica conseguiu lançar novas luzes sobre os “silêncios”

nas fontes coloniais da Capitania do Rio Grande em relação aos povos indígenas do

espaço em estudo, sobretudo, nas dúvidas que tínhamos inicialmente em nosso trabalho

sobre a localização desses indígenas nos sertões do Cabo de São Roque e de como a

expansão territorial portuguesa rumo ao norte da capitania se organizou no decorrer dos

dois primeiros séculos de domínio nas Américas.

3.4 A conquista do Maranhão e a construção cartográfica do Canal de São Roque

A representação do Cabo de São Roque na cartografia, como já observamos no

capítulo anterior, é muito antiga, desde as produções de Juan de la Cosa e Alberto

Cantino, passando pelos atlas de Lopo Homem que já apresentavam, no início do século

XVI, os perigos ao se navegar entre os bancos de corais na costa norte da Capitania do

Rio Grande. O canal formado entre esses baixios tem início nas imediações do referido

Cabo de São Roque, no atual município de Maxaranguape e termina, ao norte, nas

imediações da Ponta do Calcanhar, no atual município de Touros. Tem uma profundidade

que varia na baixa-mar entre 4 e 9 metros, dependendo da aproximação da embarcação

nos baixios, e com largura média de 5 milhas náuticas, em torno de 8 quilômetros144.

Gabriel Soares de Sousa descreveu, em 1587, que era possível atravessar esse canal com

os navios pela costa leste-oeste, assim, nos averigua que a navegação era possível devido

à profundidade do canal e “por onde entram os navios da costa à vontade” (SOUSA, 1851,

p. 24). Como se observa no Mapa 3, esses baixios se dividem em três partes, como se

fossem ilhas submersas. A quantidade de mapas e relatos sobres esses baixios foi

144 Os dados foram levantados a partir das informações do setor de Cartas da Costa Brasileira,

disponibilizadas no Centro de Hidrografia da Marinha do Brasil. Carta da Série Internacional, Brasil Costa-

Leste, do Cabo do Calcanhar a Cabedelo, nº 22100 (INT.2114). Disponível em:

https://www.marinha.mil.br/chm/dados-do-segnav/cartas-raster. Acesso em: 26 fev. 2019.

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exponenciada no princípio do século XVII devido à expansão colonial da Coroa

Portuguesa para a região norte do Brasil, e, para conseguir esses objetivos, era necessário

transpor o Canal de São de Roque, conhecê-lo e divulgar com mais detalhes possíveis

para que novos pilotos e marinheiros portugueses o transladassem sem dificuldades.

Devido aos baixios, o canal concentra o maior número dos naufrágios da costa

leste do Rio Grande do Norte. Nas pesquisas de Olavo de Medeiros Filho, conseguiu-se

identificar, entre os anos de 1678 e 1823, nove naufrágios de embarcações dos tipos

patacho, sumaca e nau145 (MEDEIROS FILHO, 1988, p. 15-55). Pelo menos um terço

desses naufrágios se concentrou nos baixios de São Roque e o maior número de acidentes

ocorreu no último quartel do século XVII. Pelos menos dois naufrágios de embarcações

oriundas de Portugal e dos Açores foram registrados nessa costa, o primeiro deles foi com

o patacho “São João e Almas”, que naufragou nos baixios próximo a Touros em 1678, e

o segundo acidente aconteceu na enseada de Pititinga, em 1694, com o patacho “Nossa

Senhora dos Remédios e Almas, e Santo Antônio”. Com esses dados, percebemos a

importância, na época, da concepção de mapas para criar a representação do Canal de São

Roque, que evitaria acidentes náuticos e prejuízos aos proprietários das embarcações

nessa região e reforçaria um contínuo contato marítimo entre as capitanias.

Esse caminho marítimo era importante, pois ligava no sentido de sul ao norte um

dos principais núcleos urbanos da costa do Brasil, a cidade de Salvador, com as regiões

das capitanias da costa leste-oeste, porém, na rota oposta, no sentido entre o Grão-Pará e

Salvador, devido às correntes marítimas, era quase impossível realizar essa viagem.

Sebastião da Rocha Pita, em História da América Portuguesa, obra de 1730, descreveu

os perigos ao se navegar próximo desses baixios e pontuou as dificuldades dos

navegadores em viajar do norte do Brasil em direção ao sul, informando que “nenhuma

embarcação redonda pode navegar as costas das seis províncias Maranhão, Ceará, Rio

Grande, Paraíba, Itamaracá e Pernambuco, por ocorrerem violentas as águas pela costa

abaixo ao oeste, e cursarem por ela impetuosos os ventos suestes e lés-suestes” (PITA,

2011 [1730], p. 34-35).

O mapa de João Teixeira Albernaz I, conforme podemos ver na Figura 11, reforça

desse modo a importância da navegação em direção ao norte do Brasil, por isso esse

145 Segundo José Eduardo Godoy, a embarcação do tipo nau era um navio redondo quanto à forma do casco

e quanto ao velame, que a princípio tinha um só mastro e armamento variável; a sumaca era uma pequena

embarcação de dois mastros, foi muito usada no Brasil e no Rio da Prata; o patacho era um navio armado

de dois mastros com mastaréu de joanete no traquete (GODOY, 2007, p. 675-679).

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conhecimento mais profundo dos caminhos por via marítima do canal serem bem mais

explorados no desenho da carta, em detrimento da representação dos sertões do Cabo de

São Roque. Por questões que ainda não obtivemos resposta, não se sabe a incompletude

do mapa em relação ao desenho total do canal. Na imagem, o canal termina nas

imediações de Pequitinga e não existe um segundo mapa dando continuidade ao primeiro,

haja vista, encontramos vários exemplares completos das capitanias vizinhas, porém,

existe na obra um hiato na montagem da representação do litoral setentrional que vai do

Rio Grande até as imediações do litoral do Maranhão.

Outra análise importante é que esses mapas são uma construção coletiva,

envolvendo dimensões, experiências, agentes, técnicas e interesses diferentes, reforçando

assim a ideia de disputa, mas também uma ferramenta e resultado do processo

colonizador. No entanto, ao nosso ver, a Figura 11 tem a representação do canal incorreta,

pois a entrada dessa passagem marítima no mapa foi desenhada na margem esquerda do

rio Potengi, próximo à cidade do Natal, quando na realidade o canal tem início nas

proximidades dos arrecifes do atual município de Maxaranguape. Essas incoerências na

representação do mapa podem indicar que o cosmógrafo não participou da viagem

realizada pelo sargento-mor Diogo de Campos Moreno pelas costas dessas capitanias e

talvez tenha incorporado os dados cartográficos com o autor do livro ou com outros

partícipes do roteiro.

Os interesses da União Ibérica se acentuaram sobre essa costa leste-oeste, quando

a partir de 1612 foi instalada na ilha de São Luís do Maranhão a chamada França

Equinocial, colônia francesa criada dentro dos limites territoriais de Portugal, no

continente americano, de acordo com o Tratado de Tordesilhas, celebrado em 1494146.

Segundo Andrea Daher, os militares e os padres capuchinhos dessa missão colonizadora

patrocinada pela Coroa Francesa, dentre os quais estavam o padre Claude d’Abbeville e

o militar e cosmógrafo Jacques de Vaulx de Claye, iniciaram em 5 de agosto o

reconhecimento do local onde seria erguida a urbe, com a construção do forte de São

Luís, capela e convento dos Capuchinhos, feita com o auxílio de indígenas locais. Em

146 Segundo Frei Vicente de Salvador, foi o capitão Martim Soares Moreno que teve a missão de averiguar

as costas do Maranhão. Em seu relato, identificou um intenso comércio entre franceses e índios na região

e repassou essas informações sobre a colônia francesa para as autoridades da União Ibérica no Brasil e

Portugal (SALVADOR, 2013, p. 329-330). Sergio Buarque de Holanda complementou também que o

referido capitão, durante essa jornada ao Maranhão, incendiou a ilha de Sant’Ana, próxima ao reduto dos

franceses, queimando casas de palha, armazém e equipamentos navais. Colocou ainda uma cruz nesse local

com um letreiro: “Aqui chegou o Capitão Martim Soares Moreno em nome del-rei de Espanha”

(HOLANDA, 2007, p. 250).

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oito de setembro, os franceses plantam uma cruz na “ilha do Maranhão”, e em resposta a

essa expansão francesa na região norte do Brasil, o governador-geral Gaspar de Sousa

nomeou Jerônimo de Albuquerque para o posto de capitão-mor da Conquista do

Maranhão, acompanhado pelo sargento-mor Diogo de Campo Moreno, entre outros

militares e indígenas distribuídos em uma caravela, dois patachos e cinco caravelões que

rumaram para a França Equinocial em 24 de agosto de 1614147 (DAHER, 2007, p. 56;

SALVADOR, 2013, p. 330-334).

Diogo de Campos Moreno, integrante da Conquista do Maranhão e um dos

principais cronistas desse conflito entre as tropas da União Ibérica contra os franceses no

Maranhão, relatou na sua segunda obra de 1614, Jornada do Maranhão, a transposição

dessa esquadra pela costa da capitania do Rio Grande. A expedição fundeou na barra do

rio Potengi para angariar mais mantimentos e água, além de recrutar mais indígenas

aliados para engrossar as fileiras contra os franceses e seguir viagem rumo ao norte do

Brasil148. Segundo o cronista, foi a partir dessa jornada que os pilotos e marinheiros

tiveram um maior conhecimento do Canal de São Roque. Visto anteriormente como um

perigo aos navegantes, tornou-se a partir da jornada um caminho seguro e conhecido dos

marinheiros portugueses:

Antes, com esta navegação tirou esta Jornada o medo que os caravelões

da costa publicavam daqueles baixios, fazendo que nas cartas se desse

de resguardo 25 léguas, fazendo a serventia daquela costa por um canal

que fica a uma légua de terra, pelo qual precisamente queriam que

houvesse de ser o caminho certo, como dito é, o de fora, bom para

quaisquer navios (MORENO, 2011, p. 46).

147 André de Albuquerque “Maranhão” cursou na juventude aulas no colégio dos jesuítas de Olinda, onde

aprendeu a ler e falar bem o português, sem esquecer sua língua nativa, o tupi-guarani. Foi um militar de

origem indígena e portuguesa, participou das batalhas em favor das Coroas Ibéricas contra os indígenas

Potiguara nas conquistas das capitanias da Paraíba e do Rio Grande. Tornou-se o primeiro capitão-mor da

Capitania do Rio Grande, posteriormente foi nomeado pelo governo-geral como capitão-mor da conquista

do Maranhão, participou das lutas pela expulsão dos franceses em São Luís, em 1614, onde anos depois

faleceu, em 11 de fevereiro de 1618, com 70 anos de idade. Com a vitória nas guerras na França Equinocial,

recebeu o codinome “Maranhão”, sobrenome que foi repassado aos seus descendentes (SALVADOR, 2013,

p. 331-332; LIRA, 2012, p. 35-44). 148 O relato dos cronistas seiscentistas nos indica o tamanho da empreitada patrocinada pelas Coroas

Ibéricas para realizar a expulsão dos franceses do Maranhão. De Pernambuco e Salvador foram enviados

mais de 300 homens de mar e guerra. Na única caravela da esquadra foram o capitão-mor André de

Albuquerque e o seu filho, Antônio de Albuquerque, sendo este capitão de uma companhia de 50

arcabuzeiros. Um dos patachos era comandado pelo próprio sargento-mor do Estado, Diogo de Campos

Moreno, com 40 homens. No Rio Grande e Paraíba, o capitão-mor André de Albuquerque arregimentou

mais de 500 índios frecheiros, acompanhados por 12 principais, além de mulheres e meninos. Apenas os

indígenas Potiguara, liderados por Camarão, enviaram mais de 220 frecheiros para o Maranhão (MORENO,

2011, p. 43-45; SALVADOR, 2013, p. 332-333).

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Primeiro dado importante sobre o relato é que o canal passou a ser uma rota usual

para embarcações que rumavam de sul para o norte do Brasil. Somente a partir de 1614,

provavelmente, passou a ser mais utilizado por embarcações de pequeno calado, como os

patachos e sumacas. Os outros navios de grande porte ou se arriscariam a passar por esse

caminho ou utilizariam a rota um pouco mais distante dos baixios. O primeiro registro

dessa continuidade de navegação pelo dito canal foi relatado no Roteiro de Manoel

Gonçalves Regeifeiro, documento escrito pelo piloto-mor da Armada do Maranhão,

Manoel Gonçalves, que acompanhou o capitão-mor Alexandre de Moura em 1615 nessa

conquista. A frota seguiu os caminhos das jornadas enviadas no ano anterior, aportando

em sete de outubro de 1615 na ponta de “Petingua”[Petitinga], de onde continuaram rumo

ao norte. O cronista teve todo o esmero em identificar, no seu relato, em cada grau de

latitude e longitude os locais que poderiam levar as embarcações ao encalhe.

Ainda em relação ao detalhe do mapa de João Teixeira Albernaz I (Figura 11),

podemos entender, em parte, a dúvida que observamos na pesquisa sobre a incompletude

do litoral mais ao norte do topônimo Pequitinga, justamente porque nessas paragens

existia, segundo os cronistas, o temor de ataques de naus francesas entre a Ponta do

Calcanhar, no atual município de Touros, e o litoral do Maranhão. Em vista disso, até a

data de confecção do mapa, em 1612, seria dificultoso construir um mapa com

informações dessa costa149.

O texto de Diogo de Campos corrobora com os mapas do período devido a estes

descreverem a completude do Canal de São Roque somente depois da conquista do

Maranhão. Assim, o conhecimento cartográfico sobre esse canal fica mais evidente a

partir das produções feitas pela escola cartográfica portuguesa, por volta de 1627, quando

ocorreram as confecções de mapas descrevendo tanto o canal como a costa setentrional

do Rio Grande, Ceará e Maranhão. A família de cartógrafos, os Teixeira Albernaz,

produziram somente entre 1627 e 1666, entre cartas, mapas e atlas sobre esse espaço, em

torno de oito trabalhos que já incluíam um novo ícone em formato de triângulo obtuso,

indicando o canal e os baixios de São Roque, bem diferente do ícone utilizado nos mapas

149 Segundo o relato de Martim Soares Moreno, na época responsável pela vigilância do litoral da capitania

do Ceará, em 12 de junho de 1614, aportou no litoral da povoação e forte de Mucuripe uma grande nau

francesa de 400 toneladas e carregando 300 soldados e gêneros destinados à colônia do Maranhão. Os

franceses “lançaram em terra até 100 homens, com os quais os portugueses vindo as mãos fora de sua cerca

os escoseram[?] de feição, que com um morto e sete feridos os franceses se retiraram à sua nau [...]”

(CARVALHO, 2014, p. 51 apud MORENO, 1984, p. 9). Em um outro relato, Diogo de Campo Moreno

descreveu que entre as imediações atuais de Guamaré e da foz do Rio Mossoró “houveram vista dos ditos

navios, não serem algum rumor de armas, até se assegurarem uns dos outros, por ser aquela costa muito

continuada de corsários[franceses]” (MORENO, 2011, p. 47).

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102

do século XVI (Figura 4), e inspiradas nas produções dos cartógrafos portugueses. Esse

novo ícone foi utilizado maciçamente por outras escolas cartográficas da Europa no

decorrer dos séculos XVII e XVIII.

O mapa da Figura 14, encartado adiante, faz parte do Atlas do Brasil de João

Teixeira Albernaz, confeccionado no ano de 1640, formado por 32 cartas acompanhadas

com a descrição da costa do Brasil. Pode-se supor que a obra é a conjunção dos trabalhos

da família Teixeira Albernaz ao longo de 50 anos de produções cartográficas em Portugal.

Esse exemplar, concebido 26 anos depois do mapa de 1612 (Figura 11), expandiu as

informações do litoral norte da capitania do Rio Grande após a conquista do Maranhão,

apresentando os topônimos omitidos ao norte de Pititinga, com a respectiva consolidação

da iconografia dos baixios de São Roque em formato de triângulo obtuso, que foi utilizada

em outras escolas da cartografia europeia.

O mapa apresenta os sertões da capitania, ao fundo da imagem, com uma paisagem

uniforme semelhante ao litoral de dunas típico desse espaço em estudo, com duas cores

predominantes no relevo. No tom verde-claro (nas setas vermelhas), nas imediações da

Cidade do Rio Grande – Natal –, visualiza-se com uma riqueza de detalhes uma melhor

definição dos rios e praias, provavelmente, por ser um espaço mais definido e conhecido

pelos colonos portugueses. Assim, podemos designá-lo como um “espaço percebido”

(LEFEBVRE, 2013, p. 100), sob a ótica de Henri Lefebvre, onde esse litoral da capitania

já tinha sido apropriado pela coroa lusa desde 1598. O outro, com um tom de cor mais

lilás (nas setas azuis), está associado ao sertão ocidental, montanhoso, misterioso e ainda

desconhecido pelos colonos e agentes da Coroa Lusa em meados do século XVII,

podendo ser associado ao “espaço concebido”. Seria esse uma paisagem mental, pensada

e criada pelos cartógrafos, pois verifica-se o vazio de informações quando visualizamos

o mapa em direção ao norte e a oeste.

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103

Figura 14 – O ícone em forma de triângulo obtuso:

a representação dos baixios de São Roque após a conquista do Maranhão

Fonte: Albernaz, João Teixeira: [Atlas] DESCRIPÇÃO DE TODO O MARITIMO DA TERRA DE S.

CRVS, CHAMADO VULGARMENTE, O BRAZIL, [manuscrito colorido], 1640. Instituto dos Arquivos

Nacionais/Torre do Tombo, inv. nº CF 162, fl. 4, [Cota: Coleção Cartográfica, nº 162. TT-CRT-162],

Lisboa, Portugal.

Nos sertões do Cabo de São Roque, isto é, nos sertões perto da praia, próximos e

contíguos à Cidade do Natal, destacam-se apenas dois topônimos: o primeiro,

“Paranduba”, correspondendo na atualidade à Ponta Santo Cristo, no município de São

Miguel do Gostoso150; os outros são “Rio da Agoadoce” e “Valus Monte”,

correspondentes ao rio do Porto de Touro e monte que deu origem ao mesmo topônimo,

Touro.

Nessa perspectiva, ocorreu uma transformação toponímica, em meados do século

XVII, em relação ao termo Cabo de São Roque, utilizado para denominar desde 1501

quase todo o litoral norte da capitania do Rio Grande, mas com os avanços dos

conhecimentos náuticos desse litoral, desde a conquista do Maranhão, e do

estabelecimento de novos topônimos pelos colonos e cartógrafos, “São Roque” ficou

150 Dados coletados a partir da Coleção Levy Pereira. “O. Brandibe” (PEREIRA, 2015). In: BiblioAtlas –

Biblioteca de Referências do Atlas Digital da América Lusa. Disponível em:

http://lhs.unb.br/atlas/O._Brandibe. Acesso em: 19 jan. 2018.

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associado apenas aos baixios e ao respectivo cabo. Por sinal, o termo “Cabo de São

Roque” rareia das produções cartográficas ao longo do século XVII e início do século

XVIII, sendo substituído por dois nomes predominantes nos mapas: Porto do Touro e

Pequetinga, que se tornaram as principais referências toponímicas do sertão perto da praia

e dos navegadores que transitavam pelo canal de São Roque.

3.5 Os topônimos em transformação: o surgimento do Porto do Touro

Segundo Sérgio Buarque de Holanda, após a conquista do Maranhão e da

respectiva expulsão dos franceses pelas forças da União Ibérica, as autoridades hispano-

portuguesas organizaram outras expedições em direção à região do atual Amazonas com

objetivo de evitar o domínio de outras nações europeias, como por exemplo, em fins de

1615, foram enviados efetivos militares para jornadas ao Grão-Pará, onde fundaram o

Forte do Presépio e a Cidade de Santa Maria de Belém (HOLANDA, 2007, p. 258-259).

Como foi observado, essas conquistas das Coroas Ibéricas do litoral norte do Brasil foram

importantes para a expansão do conhecimento cartográfico dos espaços dessas capitanias.

Esses mapas também contribuíram para entendermos as relações de poder e de domínio

concretizados pelos colonos e agentes ibéricos contra as populações indígenas e seus

territórios originais. Por fim, essas produções cartográficas garantiram uma análise das

transformações dos topônimos dos mapas produzidos no período, tal como montamos no

quadro a seguir.

Quadro 1 – Toponímias utilizadas pela cartografia europeia para designar os sertões

do Cabo de São Roque de 1500 até 1700

Dados

cartográficos

(referência)

Ano/Autor

Topônimos utilizados pelos

cartógrafos para designar as

adjacências dos sertões do Cabo de

São Roque

Localidades ou regiões atuais que

podem corresponder a esses antigos

topônimos no Rio Grande do Norte

1500 – Juan de la

Cosa. (Museu Naval

de Madri)

p. fermosa Praia dos Três Irmãos no município de

São Bento do Norte.

R Rio Maceió no município de Touros.

1502 – Alberto

Cantino. (Biblioteca

da Universidade de

Estense)

Cabo de Sam Jorge Cabo de São Roque, entre os litorais do

município de São Miguel do Gostoso e

Maxaranguape.

1506 –Nicolay de

Cavério. (Biblioteca

Nacional da França)

Cabo Sta Croxe Cabo de São Roque, entre os litorais do

município de São Miguel do Gostoso e

Maxaranguape.

1519 – Lopo

Homem. (Biblioteca

Nacional da França)

Sam Roque Cabo de São Roque, entre os litorais do

município de São Miguel do Gostoso e

Maxaranguape.

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105

Dados

cartográficos

(referência)

Ano/Autor

Topônimos utilizados pelos

cartógrafos para designar as

adjacências dos sertões do Cabo de

São Roque

Localidades ou regiões atuais que

podem corresponder a esses antigos

topônimos no Rio Grande do Norte

C: do Praçel Praias em frente aos baixios de São

Roque.

1534 – Gaspar

Viega. (Biblioteca

Nacional da França)

C. d S. Roque Cabo de São Roque, topônimo atual.

P. do Pracell Praias em frente aos baixios de São

Roque.

1547 – Nicolas

Vallard. (Biblioteca

de Huntington)

Potiiou Adjacências da foz do Rio Potengi.

Pracel Praias em frente aos baixios de São

Roque.

1574 – Luís

Teixeira. (Biblioteca

da Ajuda)

C. S: Roque Cabo de São Roque, topônimo atual.

Pracel Praias em frente aos baixios de São

Roque.

R. grande Dualidade na identificação do

topônimo, provavelmente seja rio Açu

ou o rio Potengi.

1579 – Jacques de

Vaulx de Claye.

(Biblioteca Nacional

da França)

Sainct Roc

Cabo de São Roque, topônimo atual.

Coste des Merengaste

Litoral entre o Cabo de São Roque e a

cidade de Touros.

R. de Ouytacas Rio Maceió, que corta a cidade de

Touros.

1587 – Joan

Martines.

(Biblioteca Nacional

da Espanha)

Pihuitinga Enseada de Pititinga de fronte aos

baixios de São Roque.

1612 – João Teixeira

Albernaz I.

(Biblioteca do Porto)

Pequitinga Rio Punaú, que deságua entre as praias

de Zumbi e Pititinga, no município de

Rio do Fogo.

R. Mozogua Rio Maxaranguape.

1624 – Jan Canin.

(Biblioteca John

Carter Brown)

O marco

Marco de posse dos portugueses, atual

praia do Marco, município de São

Miguel do Gostoso.

R. Pequitinga Rio Punaú, que deságua entre as praias

de Zumbi e Pititinga, no município de

Rio do Fogo.

1627 – João Teixeira

Albernaz, O Moço.

(Biblioteca Nacional

da França)

O marco Marco de posse dos portugueses, atual

praia do Marco, município de São

Miguel do Gostoso.

Vasu Praia de Touros.

Morogoape Rio Maxaranguape.

1627 – João Teixeira

Albernaz I.

(Biblioteca Nacional

da França)

O marco Marco de posse dos portugueses, atual

praia do Marco, município de São

Miguel do Gostoso.

Valu Praia de Touros.

1640 – João Teixeira

Albernaz.

(Biblioteca Nacional

da França)

Baixos de S: Roque As praias de fronte aos baixios de São

Roque.

Petiguares Sertão do Cabo de São Roque com

indicativo de presença indígena

Potiguara.

1640 –João Teixeira

Albernaz. O Rio

Grande he hum dos

melhores de toda a

Costa de Brazil”

Paranduba

Entre a Ponta do Calcanhar e a Ponta

do Santo Cristo (Touros / São Miguel

do Gostoso).

Vassus Montes

Ponta de Touros, arrecifes localizados

na ponta da enseada de Touros.

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Dados

cartográficos

(referência)

Ano/Autor

Topônimos utilizados pelos

cartógrafos para designar as

adjacências dos sertões do Cabo de

São Roque

Localidades ou regiões atuais que

podem corresponder a esses antigos

topônimos no Rio Grande do Norte

(Biblioteca Nacional

da França)

Rio da agoa doce Rio Maceió, que corta a cidade de

Touros.

1640 –

ALBERNAZ, João

Teixeira.

“Descripçao de todo

o Maritimo da terra

de Sta. Crus”

(Biblioteca Nacional

da França)

Paranduba Entre a Ponta do Calcanhar e a Ponta

do Santo Cristo (Touros / São Miguel

do Gostoso).

Vassus Montes Ponta de Touros, arrecifes localizados

na ponta da enseada de Touros

Rio da agoa doce Rio Maceió, que corta a cidade de

Touros.

Surgidouro Enseada da praia de Pititinga,

município de Rio do Fogo. O ícone de

uma “âncora” localizado junto ao

topônimo indica um local de

ancoradouro.

1650 –Pierre Duval

d’abbeville.

(Biblioteca Nacional

da França)

Soapary Cabo do Calcanhar no município de

Touros.

O. Brandibe Ponta do Santo Cristo no município de

São Miguel do Gostoso.

Picquetinge Canal de São Roque.

Petiguare Costa de São Roque, indicativo de

presença dos Potiguara nas

adjacências.

Allagoa Rio Maceió que corta a cidade de

Touros.

1666 –João Teixeira

Albernaz II.

(Biblioteca Nacional

Digital)

Paranduba Entre a Ponta do Calcanhar e a Ponta

do Santo Cristo (Touros / São Miguel

do Gostoso).

Vasus Praia de Touros.

R: Dose Rio Maceió, que corta a cidade de

Touros.

Costa de Pitiguares Litoral das praias de Rio do Fogo,

Zumbi, Pititinga e Maracajaú.

Ponta Delgada Cabo de São Roque.

1671 - Arnoldus

Montanus;

Jacob van Meurs.

(Biblioteca do

Congresso

Americano)

E. de Pequetinoa Enseada de Pititinga.

Vgalsunbo Corruptela de “Vassus Montes”, Ponta

da praia de Touros.

Vbarabuba Entre a Ponta do Calcanhar e a Ponta

do Santo Cristo (Touros/ São Miguel

do Gostoso).

O Marqua Marco de posse dos portugueses, atual

praia do Marco, município de São

Miguel do Gostoso.

1700[?] – Mapa

manuscrito anônimo.

(Biblioteca Nacional

da França)

P. do Touro Praia de Touros, antigo “Vassus

Montes”.

Pedras da Garça Praia das Garças ou a Ponta da

Gameleira no município de Touros.

Petetinga Praia de Pititinga.

C.S Roque Cabo de São Roque, topônimo atual.

Fonte: Produzido por Pedro Pinheiro de Araújo Júnior e inspirado no “Quadro 1” elaborado na dissertação

de Lucas Montalvão Rabelo (2015).

Em duzentos anos de representação cartográfica dos sertões do Cabo de São

Roque, percebemos o processo de territorialização desse espaço, tanto do seu solo como

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107

também do seu mar devido às necessidades dos portugueses em navegar essa costa rumo

ao norte do Brasil. No Quadro 1, observamos esse processo de transformação do

topônimo Cabo de São Roque, em que ele tornou-se mais proeminente nas produções dos

mapas do século XVI e mais raro nos séculos subsequentes. Cada vez mais que novas

informações eram colhidas desse litoral por militares, pilotos e marinheiros, mais nomes

de lugares surgiam nos mapas. Percebemos que os topônimos mais inseridos nessas

produções estavam vinculados na atualidade a duas praias desse litoral: Pititinga e Touros

(ver Mapa 3). O primeiro questionamento que tivemos foi: quais motivos dessa constante

representação desses nomes nos mapas? Alguns trabalhos cartográficos chegam a

evidenciar mais os topônimos do litoral norte do que a cabeça da Capitania do Rio

Grande, a cidade do Natal151.

Segundo a nossa análise do Quadro 1, a referência mais antiga que temos desses

dois lugares é o termo “Pehuitinga”, escrito no mapa de Joan Martines em 1587, sendo

esse mapa contemporâneo da primeira menção escrita desse lugar, feita por Gabriel

Soares de Sousa, que o chamou de “Enseada de Itapitanga”. Desde então, surgiram novo

nomes como “Picquetinge”, “Petetinga” e “Pequetinoa”. A partir desses dados,

percebemos no quadro as diversas escritas desse nome, demostrando as variabilidades de

escolas cartográficas europeias que se utilizaram desse termo toponímico para identificar

esse litoral do Rio Grande. Como já observamos, a palavra remete à pesca de pequenos

peixes nessa costa, mas não explica sua constante repetição nos mapas.

O segundo nome mais frequente nesse litoral é “Vasu”, “Vassus” e “Vassus

Montes”, topônimos referentes à atual praia de Touros. O termo foi estabelecido nas

produções cartográficas da família Teixeira Albernaz a partir de 1627 e persistiu nos

trabalhos subsequentes até o último quartel do século XVII. Dicionário da língua

Portuguesa de Raphael Bluteau, descreveu esse termo como “navio, barco [...] Vasos (na

antiga construção Náutica) peças, em que se sostinha[?] o casco do navio, a envasadura”

(BLUTEAU, 1789, p. 512). Com essa informação, podemos avaliar que esse nome pode

indicar atividades ligadas ao transporte marítimo nesse local. A praia de Touros está na

ponta do atual continente, na divisão da costa leste-oeste, e seu litoral fica no final da rota

marítima do canal de São Roque. Desse modo, podemos supor que, devido aos constantes

151 Dentre os mapas que evidenciam o litoral norte, estão o mapa manuscrito anônimo da França de 1700.

Carte manuscrite des côtes du Brésil, s./n. 1700[?]. Departamento de Mapas e Planos, Códice: CPL GE

DD-2987 (9469 B). Disponível em:

https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b5906102p/f1.item.r=Carte%20Du%20Bresil.zoom. Acesso em: 10

mar. 2019.

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riscos ao se navegar entre a praia e os baixios, algumas embarcações aportavam nesse

porto para fazer manutenções nos cascos e conseguir mantimentos e lenha.

O “monte” referente ao termo indica talvez a ponta da enseada de Touros, que é

um rochedo com um formato desse animal. A imagem desse morro na iconografia

cartográfica, como vemos no círculo vermelho à direita na Figura 14, mostra o atual rio

Maceió desaguando no mar, acompanhado na sua margem esquerda pela atual Ponta do

Touro. Segundo Nilson Patriota, o topônimo surgiu quando os primeiros navegantes

europeus assemelharam o rochedo à cabeça de um touro, nomeando-o de “Touro Grande.

[...] a pedra do Touro expandiu seu prestígio ao longo de pelo menos 180 quilômetros de

litoral. Da embocadura do Maxaranguape ao pontal de Guamaré, na vizinhança de Macau,

tudo era costa do Touro” (PATRIOTA, 2000, p. 199-200).

Ainda tentando responder a nossa indagação sobre a constante citação dos mapas

sobre Pititinga e Touros, entrevistamos dois pescadores das praias de Zumbi e Rio do

Fogo, Flaviano Gualberto de Almeida152 e Edinor Rodrigues dos Anjos153,

respectivamente. Em nossas conversas, avaliamos a atual carta náutica do Brasil da costa

leste intitulado “Do Cabo do Calcanhar a Cabedelo”. Ambos os entrevistados indicaram,

a partir das suas análises desse mapa e da sua experiência como marítimos, que essas duas

localidades têm em suas enseadas uma profundidade considerável para embarcações de

grande porte. Diferentemente de praias como Rio do Fogo e Zumbi, que possuem em

“suas águas muitas pedras”, além de “corais e embarcações naufragadas”, o Porto do

Touro e a Enseada de Pititinga são os únicos locais propícios para ancoragens de navios

com esse padrão. Em vista desses dados, dos relatos dos cronistas e dos indícios

cartográficos, podemos considerá-los como portos coloniais, daí serem as únicas

referências do litoral em estudo na cartografia. Assim, eles indicavam locais de bom

ancoradouro para os pilotos e marinheiros que rumassem para essa costa ao atravessarem

os baixios de São Roque. Inclusive no mapa de João Teixeira Albernaz de 1640 (Figura

14), apresenta-se no círculo azul no mapa o termo “Surgidouro”, acompanhado pela

152 Realizamos a entrevista com o pescador profissional, Flaviano Gualberto de Almeida, 43 anos, morador

da praia de Zumbi, distrito do município de Rio do Fogo. O entrevistado, que nos fez esse relato oral,

descreveu sobre os perigos ao se navegar pelo Canal de São Roque (ALMEIDA, Flaviano Gualberto de.

Entrevista sobre a navegação do Canal de São Roque. [junho 2019]. Entrevistador: Pedro Pinheiro de

Araújo Júnior. Rio do Fogo, 2019). 153 Realizamos a entrevista com ajuda do professor Eduardo dos Anjos ao seu tio, Edinor Rodrigues dos

Anjos. Sendo este pescador, com 52 anos e morador da praia de Rio do Fogo, sede do município. O

entrevistado nos descreveu sobre os problemas ao navegar pelos baixios de São Roque, na atualidade

chamado de Parrachos de Rio do Fogo (ANJOS, Edinor Rodrigues dos. Entrevista sobre a navegação sobre

os baixios de São Roque. [julho2019]. Entrevistador: Pedro Pinheiro de Araújo Júnior. Rio do Fogo, 2019).

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iconografia de uma âncora, indicando que a atual enseada de Pititinga era um porto seguro

para essas embarcações coloniais, talvez um dos mais antigos da capitania, pois, como

vimos no capítulo primeiro, esse porto já era utilizado desde meados do século XVI como

ancoradouro das embarcações franceses no escambo com os indígenas e no tráfico de

pau-brasil.

No entanto, diferente do topônimo “Pequetinga”, a cartografia europeia

apresentou o termo “Porto do Touro” nas suas produções apenas em torno de 1700, pois,

como observamos, intitularam esse porto de “Vassus”, um topônimo que indicava

atividades portuárias. Assim, surgiu-nos uma indagação: como esse nome “Touro”

substituiu o nome antigo e estabeleceu-se com a única referência dos sertões do Cabo de

São Roque no século XVIII? Já que diversos documentos sesmariais do setecentos, que

analisaremos no capítulo terceiro, utilizaram-se do termo “Porto do Touro” como

principal referência desse sertão. Para conseguir entender essa construção do nome desse

topônimo, temos que analisar o momento histórico no qual a capitania estava inserida.

Entre 1624 e 1654, a historiografia estabeleceu essas três décadas como o período

da dominação neerlandesa em partes do atual Nordeste brasileiro. Segundo Charles

Boxer, com a união das Coroas Ibéricas, a partir de 1580, a Coroa Lusa estava subjugada

ao poderio da dinastia dos Habsburgo da Espanha e, consequentemente, o reino lusitano

foi levado a envolver-se nas guerras ultramarinas em favor de seu novo monarca, com o

título de Felipe I de Portugal. Como consequência, a América Portuguesa sofreu ataques

e dominações dos rivais desse monarca e de seus sucessores (BOXER, 1969, p. 117-119).

Na mesma perspectiva, o historiador José Antônio Gonsalves de Mello descreveu que no

decorrer da União Ibérica, os navios neerlandeses sofreram embargos intermitentes do

governo ibérico, com proibições de aportarem e fazerem comércio nos portos de Portugal

e do Estado do Brasil. Muitos neerlandeses se sentiram prejudicados, pois tinham

negócios em Pernambuco, que era a região de maior produção de açúcar do mundo, com

mais de 120 engenhos, chegando a produzir, nas melhores safras, mais de mil toneladas

do produto. Desse modo, em 1621, fundou-se na Holanda a Companhia das Índias

Ocidentais, ou WIC, West-Indie Compagnie, com objetivos de comercializar e conquistar

as terras dos atuais continentes americano e africano, sendo que seu primeiro ataque

ocorreu na cidade de Salvador, em 1624, porém não conseguiram conquistar a região, só

conseguindo dominar esse espaço com a conquista de Pernambuco e das capitanias

vizinhas a partir de 1630 (MELLO, 2007, p. 20; 262).

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110

Nesse contexto, a Capitania do Rio Grande foi tomada por tropas neerlandesas em

1633. Segundo Câmara Cascudo, a expedição saiu em 5 de dezembro de 1633 do Recife

com 11 navios e 808 soldados da WIC, que dominaram Natal e a Fortaleza dos Reis

Magos. Com a conquista da cabeça da capitania e dos seus arredores, mudaram o nome

da fortaleza para Castelo de Keulen e a cidade tornou-se “Amsterdã”, mas, segundo o

autor, o nome não logrou popularidade entre os próprios flamengos (CASCUDO, 1984,

p. 63-66). Desse modo, a capitania esteve sob domínio neerlandês entre 1633 e 1654.

Destaque nessa época para o governo do Conde João Maurício de Nassau em

Pernambuco, que trouxe da Europa diversos cientistas, artista e cartógrafos para retratar

e pesquisar os espaços conquistados, mas, a escola cartográfica holandesa pouco

contribuiu na representação das imediações dos sertões do Cabo de São Roque154.

Provavelmente, o foco das representações das capitanias conquistadas fossem as regiões

de produção açucareira, entre Alagoas e o sul do Rio Grande. Isso é perceptível quando

visualizamos o Mapa de Jorge Marcgrave de 1647, pois percebemos essa carência quando

o limite ao norte do mapa vai até as imediações da foz do rio Ceará-Mirim.

No final da década de 1630, uma contraofensiva foi articulada entre as forças

militares e navais das Coroas Ibéricas com o objetivo de retomar os territórios dominados

pelas tropas neerlandeses no Brasil e repelir essas frotas no Atlântico Sul. A investida foi

articulada quando, em abril de 1638, Maurício de Nassau tinha ordenado um ataque à

cidade de Salvador. O cerco durou em torno de um mês, finalizando sem a conquista da

cidade, mas com assaltos e destruições nos arrabaldes da Bahia e retorno das tropas da

WIC para o Recife. A liderança da grande esquadra luso-espanhola ficou a cargo de D.

Fernandes Mascarenhas, o conde da Torre. Segundo o pesquisador Armando Saturnino

Monteiro, ocorreram quatro batalhas navais entre a costa de Pernambuco e Rio Grande,

e o último conflito entre essas forças navais ocorreu nas imediações do mar de Baía

Formosa, em 17 de janeiro de 1640. A batalha naval não teve vencedores. Com a

preocupação das embarcações sofrerem acidentes nos arrecifes submersos, o Conde da

Torre tentou reunir a esquadra sob seu comando, nas imediações do Cabo de São Roque,

154 Segundo José de Gonsalves de Mello, durante o governo de Maurício de Nassau, vieram pintores e

artistas como Frans Post, Albert Eckhout e Zacharias Wagener. Nos estudos de história natural, de

astronomia e meteorologia, representantes como Jorge Marcgrav e Willem Piso (MELLO, 2007, p. 270-

272). Ao mesmo tempo, nesse período histórico, surge uma quantidade de cronistas neerlandeses que nos

revelaram informações importantes sobre a costa da Capitania do Rio Grande e dos seus sertões. Olavo de

Medeiros Filho nos descreve em suas pesquisas diversos escritores e obras desse período, dentre eles:

Joannes de Laet, Jacob Rabbi, Elias Herckman, Joan Nieuhof e Roulox Baro (MEDEIROS FILHO, 2010,

p. 49-50).

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próximo da foz do rio Ceará-Mirim. Parte das embarcações espanholas e portuguesas,

que estavam mais ao norte, seguiu outros rumos para os Açores e Caraíbas devido ao fim

da batalha (MONTEIRO, 1995, p. 202). Nesse ínterim, segundo nos informa Ignácio da

Costa Quintella, o Conde da Torre, antes de regressar, deixou parte das tropas lusas

desembarcar no Porto do Touro, que ficava a 14 léguas ao norte do Rio Grande, e essas

seguiram em marcha para sul, a caminho de Salvador, sob a liderança do mestre de campo

Luís Barbalho155 (QUINTELLA, 1840, p. 334).

Desse modo, podemos estabelecer que, a partir dos escritos sobre a Batalha Naval

de 1640, levou-se ao surgimento do topônimo “Porto do Touro” e esse termo foi utilizado

pela historiografia clássica do Rio Grande do Norte como a principal referência

toponímica no processo de territorialização dos sertões do Cabo de São Roque, em fins

do século XVII156. Porém, existe uma contestação quanto ao local, Porto do Touro, ser no

litoral ao norte da cidade do Natal. Em palestra intitulada “O Porto do Touro, local do

desembarque das tropas de Luiz Barbalho em 1640”, proferida pelo pesquisador Levy

Pereira, este descreveu, utilizando-se da Cartografia Histórica, que quase todos os mapas

coloniais até o início do século XVIII inseriam o topônimo ao sul da cidade do Natal e

não nas imediações do Cabo de São Roque ao norte. O autor se valeu dos mapas das

várias escolas da cartografia europeia, informando também cronistas e textos que

descrevem essa informação157. O pesquisador concluiu que, entre 1624 e 1738, o termo

Porto do Touro denominava o porto ao norte da barra do rio Pirangi, e a atual cidade de

Touros tinha a denominação “Vassu”, somente em 1738 surgiu esse topônimo no litoral

norte, assim, o autor defende que o desembarque das tropas do mestre de campo Luís

155 Segundo Ignácio Quintella, Luís Barbalho era sargento-mor do Terço de Portugal, acompanhou a

esquadra que rumou a Salvador. Saiu de Lisboa em 16 de agosto de 1639, com quatro caravelas, duzentos

e cinquenta soldados, “fazendo parte de um Terço de oitocentos homens, que se organizaram em Portugal,

de que ele vinha por Mestre de Campo (QUINTELLA, 1840, p. 326). 156 Os autores clássicos estabeleceram o “Porto do Touro” como o local atual da praia de Touros. Câmara

Cascudo descreveu que Luís Barbalho desembarcou na praia de Touros, possivelmente próximo à atual

Cidade (CASCUDO, 1984, p. 68); Augusto Tavares de Lira nos informa que “Em Touros desembarcaram

dos navios da esquadra mil e tantos homens, sob o comando do mestre de campo Luís Barbalho Bezerra

[...]” (LIRA, 2012, p. 88); Rocha Pombo descreveu que Luís Barbalho aportou numa “enseada da costa rio-

grandense (dão quase todos o Porto dos Touros) [...] Parece que no tempo daquela retirada não havia ali

povoação nenhuma. Hoje é vila de Touros pertencente à Comarca de Ceará-Mirim” (POMBO, 1922, p.

115); Olavo de Medeiros Filho nos informa que em 1640 foram travados combates navais entre as armadas

flamenga e luso-espanhola no litoral entre as capitanias de Pernambuco e Rio Grande. Com a derrota da

esquadra da União Ibérica, esta reuniu-se nos baixios de São Roque (arrecifes submersos no litoral do Porto

do Touro) (MEDEIROS FILHO, 1998, p. 83). 157 O autor mantém as suas pesquisas disponibilizadas dentro do Atlas Digital da América Lusa, na

“Coleção Levy Pereira”, sendo este um importante portal para pesquisas sobre os topônimos do período

colonial. A palestra foi proferida em 7 de março de 2019 no salão nobre do IHGRN. Disponível em:

http://lhs.unb.br/atlas/Cole%C3%A7%C3%A3o_Levy_Pereira. Acesso em: 22 mar. 2019.

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Barbalho foi ao sul do Rio Grande. Desse modo, existem outros indícios documentais

onde poderemos refutar a visão de Levy Pereira?

Concordamos com o autor em relação à Cartografia Histórica indicar o topônimo

do Porto do Touro nas imediações ao sul de Natal, existindo assim uma volatilidade da

posição geográfica desse topônimo, porém, observamos que esse nome surgiu nas

representações do litoral norte nos mapas em um período um pouco mais adiantado, em

1700 (ver o último mapa listado do Quadro 1), e não somente em 1738, como Levy

Pereira defende. Desse modo, a transfiguração do termo “Vassus” para “Porto do Touro”

ocorreu na segunda metade do século XVII. Em relação à posição do topônimo do mapa,

lembremos que as produções cartográficas eram realizadas em locais de produção

específicos em cada nação europeia, seus autores, no geral, produziam a partir das

informações coletadas dessa costa e os mapas eram reproduzidos para um público

específico, ou seja, os topônimos na cartografia serviam para leitura dos navegadores e

de alguns funcionários da Coroa. Em vista disso, alguns topônimos escritos nos mapas

poderiam ser diferentes em relação aos nomeados pelos colonos e indígenas que moravam

nesses sertões representados.

Por exemplo, não encontramos em nossas pesquisas o termo “Vassus Montes” nos

documentos sesmariais e paroquiais, ele só aparece na cartografia, mas o topônimo Porto

do Touro apresenta-se nos documentos sesmariais desde 1666 e indica que esse local

ficava no litoral ao norte da cidade do Natal. Historiadores como Câmara Cascudo já

questionavam que o dito topônimo ao sul “não deixou rastro na memória popular”

(CASCUDO, 1956, p. 243), José Moreira Brandão Castelo Branco esclarece também esse

dado ao questionar as produções cartográficas da primeira metade do século XVII sobre

a colocação do Porto do Touro “ao norte dos Búzios, numa enseada com pedra,

esquecendo o de Ponta Negra, completamente deslocado do seu verdadeiro posto, que é

próximo ao cabo Calcanhar, cerca de cinquenta milhas ao norte” (CASTELO BRANCO,

1952, p. 34-35). Historiadores um pouco mais contemporâneos, como Evaldo Cabral de

Melo, ratificaram essa ideia do desembarque nas adjacências do Cabo de São Roque ao

informar que o Conde da Torre pôde desembarcar parte de suas tropas na “baía de Touros”

(MELLO, 2007, p. 47). Concordando com esses autores, existem oscilações na

cartografia que indiciam a inserção desses topônimos litorâneos em espaços não

correspondentes. As evidências documentais que corroboram com esses pesquisadores,

ao informar que o Porto do Touro é atribuído ao nosso espaço de estudo e não no litoral

ao sul, demonstram que não podemos encerrar essa questão apenas com análise

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cartográfica e dos textos dos cronistas seiscentistas, e sim que precisamos utilizar de

outras tipologias de fontes, cruzar esses dados e que eles possam esclarecer melhor essa

dúvida.

Os documentos sesmariais do fim do século XVII estabelecem o Porto do Touro

como principal topônimo do litoral ao norte da capitania. O historiador Tyego Franklim

da Silva, ao pesquisar sobre a territorialização da região do rio Assu, investigou as

sesmarias doadas ao governador João Fernandes Vieira. Duas delas utilizaram o Porto do

Touro como referencial ao norte, e não ao sul, como defende Levy Pereira. Na sesmaria

do ano de 1666, a medição da terra doada a esse personagem colonial vai do rio “Ceará-

mirim por Costa até o Porto do Touro toda a que se achar devoluto e desaproveitada e se

começará da última para a ponta do norte e as léguas que se acharem por Costa se medirão

também para o sertão de leste a oeste”158. Desse modo, o dito Porto do Touro, através da

análise de documentos sesmariais, foi averiguado pelo pesquisador com a localização ao

norte do Rio Grande, pois existe um documento em que foi lavrado auto de posse das

ditas terras em 4 de setembro 1670, em cerimônia realizada na barra do “rio

Maxaranguape com a presença do padre Leonardo Tavares de Melo (procurador de João

Fernandes Vieira), Diogo Fragoso Sotomaior (provedor da fazenda do Rio Grande) e duas

testemunhas: Francisco de Oliveira Banhos e Manuel de Oliveira Soares”159. Esse

documento reafirma que as terras de João Fernandes Viera ficavam no litoral norte, nos

sertões do Cabo de São Roque, e estabelece o Porto do Touro como principal topônimo

nesses espaços coloniais, pois a cerimônia descrita foi feita nas proximidades do Cabo de

São Roque e não na região ao sul da Cidade do Natal. As sesmarias doadas posteriormente

reafirmam em seus textos que o Porto do Touro se refere à atual praia de Touros160.

As evidências dos textos dos cronistas do período colonial podem ser consideras

também, na medida em que indicam que topônimo já existia ao norte desde meados do

século XVII. Uma das primeiras publicações que descrevem esse topônimo foi lançada

no ano de 1679, em Portugal, pelo Frei Raphael de Jesus. Ao descrever os conflitos entre

158 Plataforma SILB. RN0014. 159 O autor nos informa ainda que a segunda doação de sesmaria de João Fernandes Vieira no Rio Grande,

em 1668, tinha como marco de demarcação o mesmo Porto de Touros, porém, não consta outro marco

demarcatório, sendo que se pode pressupor que seja para o norte da capitania (Revista do IHGB, t. 19, 1856,

p.159 apud SILVA, 2015, p. 63). 160 Utilizamos diversos documentos sesmariais do final do século XVII e início do XVIII para

compreendermos o processo de apropriação territorial dos sertões do Cabo de São Roque e tendo como

principal exemplo a sesmaria doada ao vereador Domingos Carvalho da Silva, em 1711, no Porto do Touro.

De costa, a terra media 2 léguas, que iniciava na praia de Touros e finalizava na praia de Rio do Fogo,

ambos topônimos do litoral do sertão de São Roque. Plataforma SILB. RN 0105.

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luso-brasileiros e neerlandeses durante os anos de 1640 e 1654, indicou a toponímia

“Porto do Touro”161:

[...] proposérão ao general da armada a necessidade do socorro com

requerimento que os deixasse em terra em qualquer porto daquela costa,

donde podessem marchar pelo certão para a Bahia. Instava a

importância, e no porto do Touro, catorze léguas do Rio Grande para o

norte, deixou a armada ao mestre de campo Luiz Barbalho com mil

trezentos infantes, e ao Camarão e Henrique Dias com a sua gente[...]

Parte d’ um deserto era o porto onde a armada deitou a Luiz Barbalho

com a sua gente, sem mais viveres que os cada soldado podia trazer em

sua mochila [...] (JESUS, 1844[1679], p. 142).

O historiador José Antônio Gonsalves de Mello supõe que o Frei Rafael de Jesus

se utilizou de informações do livro História da Guerra de Pernambuco, de Diogo Lopes

Santiago, para criação da obra Castrioto Lusitano. O frei era pregador beneditino e Dom

Abade do Monastério de São Bento de Lisboa e nunca esteve no Brasil (MELLO, 1986,

p. 124-126). Essa é uma das principais críticas de Levy Pereira sobre a obra de Rafael de

Jesus, pois Diogo L. de Santiago se refere ao desembarque do Porto do Touro ao sul da

cidade do Natal, ao contrário do que foi descrito pelo frei. Porém, nos estudos de José A.

Gonsalves de Mello, são elencados as comparações e erros entre as duas obras dos

cronistas coloniais, onde não se encontram nenhuma informação de crítica ao topônimo

“Porto do Touro”.

Ao analisar essa fonte, o cronista beneditino apresenta os sertões do Porto do

Touro como um deserto, entendemos como sendo um local despovoado, mas seria um

deserto de colonos ou de indígenas? Podemos supor, através das fontes e da historiografia,

que esse desembarque pode ter acontecido no Porto do Touro por ser o melhor de

ancoradouro das imediações do Canal de São Roque, como já observamos

anteriormente162. Levy Pereira não utilizou as fontes sesmarias como referência na sua

161 O topônimo também foi citado ao norte pelo Conde da Torre nas cartas que ele repassou para autoridades

das Coroas Ibéricas em 1640, ao afirmar que o exército fez “aguada” próximo aos baixios de São Roque,

no rio do Touro. Em outro momento do texto, descreveu que o desembarque foi próximo a Ceará-Mirim,

“ou rio Toro por outro nome, com todos os navios das duas armadas de Portugal e Castela sem aver perdido

nenhũ, avendo roto a armada de Olanda, que hera tudo o que podiamos dezejar, ordeney ao mestre de campo

Luis Barbalho que com 1.500 homens saltase en terra” (SALVADO; MIRANDA, 2001, p. 452). 162 Uma das evidências de que o Porto do Touro fica no litoral norte foi também comentada pelo historiador

Charles Boxer ao descrever que a armada ibérica vagueou confusamente até a vizinhança dos baixios do

cabo São Roque, onde dois galeões e um navio mercante foram para terra, local onde ocorreu o

desembarque do mestre de campo Luís Barbalho Bezerra nas imediações do Cabo de São Roque (BOXER,

1973, p. 92-95). Um outro indício da passagem da esquadra das Coroas Ibérica pelo Canal de São Roque é

observado num mapa holandês que retrata a batalha naval de 1640, intitulado de “Eygentyle albeeldinge

van de cust tuschen C. S. Augustyn ende Rio Grande em westindien”(ver no Anexo E), produzido por

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pesquisa, todavia, elas deveriam ter sido utilizadas, pois são importantes no auxílio aos

pesquisadores que buscam informações sobre os topônimos na Capitania do Rio Grande.

Desse modo, divergimos do autor, pois o cruzamento de informações, tanto dos

documentos sesmariais quanto dos relatos dos cronistas seiscentistas, dos dados

historiográficos e cartográficos, indica que o Porto de Touros ficava ao norte da cidade

do Natal, na intitulada “terra sem préstimos” dos sertões do Cabo de São Roque,

tornando-se a principal referência geográfica para a demarcação das sesmarias nesse

litoral, como também foi topônimo estratégico para a cartografia e navegação entre o sul

e o norte do Brasil e um dos principais ancoradouros do período colonial da costa do Rio

Grande.

Ademais, com a Cartografia Histórica, percebemos a transformações dos

topônimos do espaço em estudo no decorrer do seiscentos. Principalmente no tocante à

importância do Porto do Touro quando esse local ganhou evidência para designar essa

região em meados do século XVII. No próximo capítulo, iremos abordar como esse

espaço, os sertões do Porto do Touro, foi utilizado por caminhantes indígenas e europeus

para alcançar as Capitanias do Norte do Brasil e, do mesmo modo, investigar como esse

espaço foi cobiçado pelos moradores da capitania do Rio Grande com as concessões de

sesmarias entre 1666 e 1719.

Cornelis Dankertz por volta de meados do século XVII. No mapa, apresentam-se a iconografia do Canal de

São Roque e as embarcações das Coroas Ibéricas rumando para o norte, nas imediações do Porto do Touro.

Disponível em: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart527455/cart527455.html. Acesso

em: 28 mar. 2019.

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4 OS SERTÕES DO PORTO DO TOURO: A APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO

(1628-1719)

Em meados do século XVII, o Porto do Touro tornou-se um dos principais

topônimos da costa da Capitania do Rio Grande, tanto mencionado em documentos

sesmariais como em mapas do período. Desse modo, essas fontes podem sugerir que esse

local poderia ser utilizado como referência na navegação costeira pelo Canal de São

Roque, já analisado no capítulo anterior. A partir desse capítulo final, iremos analisar o

início da efetivação da ocupação do território pelos agentes da colonização lusa nesse

espaço.

4.1 Indígenas, portugueses e neerlandeses: as marchas pelos Sertões do Porto do

Touro

O período da dominação neerlandesa no Brasil (1630-1654) é rico em descrições

realizadas por cronistas sobre os espaços da Capitania do Rio Grande e nos revelaram o

cotidiano, os topônimos, os conflitos e as dificuldades encontradas pelos militares da WIC

ao realizarem as marchas e viagens pelos sertões litorâneos da capitania. Segundo a

historiadora Patricia Seed, os holandeses não tinham uma cerimônia oficial de posse das

terras que seriam conquistadas, porém, as permissões holandesas que garantiam o direito

de comerciar ou organizar um assentamento exigiam a capacidade de ler dos militares

graduados envolvidos na conquista. Ainda segundo a autora, “as descrições por escrito e

os mapas exigiam a habilidade de usar lápis ou tinta” (SEED, 1999, p. 250). Desse modo,

o ato de escrever sobre os espaços conquistados era uma prática nas tentativas de

apropriarem-se do território em nome da Companhia das Índias Ocidentais, por isso,

existem uma quantidade considerável de cronistas neerlandeses que descrevem esses

espaços coloniais da Capitania do Rio Grande.

Um dos primeiros registros foi realizado em 20 de março de 1628 pelo notário

Kilian de Renselaer ao contatar indígenas Potiguara na costa. Ele recebeu informações

sobre a presença de portugueses nesses espaços, os dados prestados pelos nativos revelam

o conhecimento adquirido por esses povos e mostram as marchas que provavelmente

realizavam pelas praias do Rio Grande e de como se articulavam entre as aldeias

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espalhadas pela capitania163. Esses indígenas tinham conhecimento das grandes distâncias

dos seus territórios devido aos históricos de conflitos com os grupos nativos rivais, como

nos descreveu Fátima Martins Lopes, ao informar que os Potiguara marchavam ou

navegavam por grandes distâncias em grande número de guerreiros a fim de encontrar os

inimigos, que eram pegos, na maioria, de surpresa (LOPES, 2003, p. 58-59). No texto do

relatório, aparecem os topônimos dos portos do litoral em estudo: Pecutinga e Uguasu

[Porto do Touro], ambas as localidades sem portugueses, com bom ancoradouro e com

água doce (GERRITZ, 1907 [1629], p. 171-173), possivelmente, as informações foram

prestadas para os emissários da WIC, para estes conhecerem melhor as áreas costeiras,

com melhor desembarque de tropas nos futuros ataques à costa do Estado do Brasil nesse

contexto de tentativa de apropriação do território.

Os indígenas tinham uma relação estreita entre o caminhar e a natureza,

conheciam o seu território intimamente em relação aos europeus, no caso dos Potiguara,

que eram povos ligados à pesca e aos espaços litorâneos, tinham na costa seu espaço de

refúgio. Numa perspectiva do geógrafo Yi-Fu Tuan, podemos entender que a construção

do espaço pelos indígenas leva em conta a suas experiências humanas, pois essas que

constroem as relações com o mundo, portanto, a presença do homem na construção do

espaço é fundamental, pois sua experiência e concepções são importantes para essa

construção. Desse modo, o corpo humano também percebe o espaço, pois entendemos o

espaço a partir do que nos é ensinado (TUAN, 1983, p. 39-57). Dessa forma, esses grupos

europeus, através do encontro colonial, adquiriram o conhecimento desses espaços e o

conheceram melhor ao marchar sobre eles. Podemos entender também que o espaço dos

sertões do Porto do Touro, além de ser local de passagem marítima pelo Canal de São

Roque, era também um caminho comumente utilizado por marchas militares em direção

ao norte, para a capitania do Ceará e adjacências, ou para o sul, em direção à cidade do

Natal ou para as capitanias da Paraíba e Pernambuco.

Desde o início da expansão portuguesa para o norte do Brasil que essas rotas

terrestres eram realizadas. Segundo João Renôr F. de Carvalho, o então soldado Martim

Soares Moreno, em 1614, verificou que era possível ir da povoação de Nova Lisboa, na

capitania do Ceará, enviar mensageiros por terra para Pernambuco, em viagens que se

163 Segundo o documento, os seis indígenas citados eram Gaspar Paraupaba, André Francisco, Pedro Poti,

Antônio Guirawassauay, Antônio Francisco e Luís Gaspar. Todos eram Potiguara e estavam na Baía da

Traição repassando as informações para os neerlandeses (GERRITZ, 1907, p. 171; MEDEIROS FILHO,

2010, p.15-17).

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faziam em 30 dias de caminhada (CARVALHO, 2014, p. 50). As descrições desses

cronistas demonstram que, anteriormente, esse espaço em estudo era atravessado em

embarcações pelo mar, era desenhado cartograficamente para os pilotos e conhecido de

longe durante a passagem dos navegadores pela costa, a partir do contexto da conquista

do Maranhão e da dominação holandesa. Na primeira metade do século XVII, esse espaço

teve seus solos atravessados pelos europeus, através dos caminhos utilizados e ensinados

pelos indígenas, por rotas feitas a pé e em caravanas, como nos quatro exemplos que

discutiremos a seguir.

Ainda nos primórdios da colonização, o Capitão-mor Pero Coelho de Sousa164,

nas tentativas de conquistar o litoral da Capitania do Ceará, protagonizou umas das

primeiras marchas pela costa entre o rio Jaguaribe e a Fortaleza dos Reis Magos, entre

1605 e 1606, após perder parte de suas tropas e dos indígenas aliados contra os

franceses165. Seguiu para o Rio Grande com a sua família e mais 18 soldados enfrentando

todo tipo de dificuldade, perdeu parte de seus homens e dois dos seus filhos sob o sol

escaldante das praias, fez travessias das salinas e dos ribeiros de manguezais, onde

encontraram dois poços chamados “Água Amargosa” e “Água Maré” [atual Guamaré],

com água insalubre. Nas proximidades das praias adjacentes ao Cabo de São Roque,

foram encontrados pelo padre vigário do Rio Grande, que veio com tropas e índios aliados

para resgatá-los166.

Durante o período holandês, antes da dominação da cidade do Rio Grande,

ocorriam pequenas incursões da WIC ao longo da costa. Em outubro de 1631,

embarcaram no iate Nieuw-Nederlandt, vindos do Recife, o comandante Albert Smient,

164 Segundo Jorge Couto, Pero Coelho de Sousa era da ilha dos Açores, radicado na Paraíba, propôs ao

novo governador-geral, Diogo Botelho (1602-1607), com o apoio do influente cunhado, Frutuoso Barbosa,

a organização de uma expedição destinada a prosseguir a conquista da costa do Brasil a partir do Rio Grande

do Norte [...]. A expedição tinha como missões essenciais assegurar, por todos os meios possíveis, a paz

com os índios; reconhecer o litoral com o objetivo de detectar pontos estratégicos e assinalá-los com vista

a futuras ocupações; capturar todos os estrangeiros que fossem encontrados e enviá-los para Pernambuco,

abatendo aqueles que oferecessem resistência; procurar informações junto dos indígenas sobre a possível

existência de minas de ouro e prata, bem como de jazidas de pedras preciosas e, finalmente, fundar fortes

e povoações nos lugares mais adequados, procurando sempre conservar a amizade dos ameríndios

(COUTO, 1997, p. 187). 165 De acordo com Frei Vicente de Salvador e Varnhangen, vários colonos, incluindo Simão Nunes Correa,

além de índios aliados, ao não acreditarem nas promessas de prosseguimento à colonização nas terras do

“Siará”, rumaram para o Rio Grande, deixando abandonados o capitão-mor, a sua esposa Dona Tomásia, 5

filhos e 18 soldados estropiados. Pero Coelho, abandonado nessas plagas, sem um bote ou jangada para

regressar, resolveu fazer o caminho a pé para a cidade do Rio Grande (VARNHANGEN, 1877, p. 405-407;

SALVADOR, 2013, p. 310-312). 166 Mesmo não possuindo informações que descreva outros topônimos por onde caminhou o referido

personagem, para Olavo de Medeiros Filho, os partícipes da marcha do capitão-mor Pero Coelho de Sousa,

possivelmente, conseguiram água potável no rio Uguaçu, o rio do Porto do Touro, local provável onde

foram encontrados pelo vigário da cidade do Natal (MEDEIROS FILHO, 1997, p.68-69).

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o capitão Joost Closter, o português Samuel Conchin, acompanhados de indígenas aliados

oriundos do Rio Grande, entre eles o tapuio Marciliano, e rumaram para as praias da

capitania do Rio Grande em busca de realizar novas alianças com os tapuias167. Um dos

desembarques ocorreu nos sertões do Porto do Touro, em 10 de novembro, em Ubranduba

[Ponta do Santo Cristo em São Miguel do Gostoso]. Nas caminhadas realizadas à noite

encontraram o português João Pereira, seguido por 25 indígenas, sendo 8 homens e 17

mulheres e crianças, que acompanhavam o português na marcha entre o Ceará e o Rio

Grande. No documento não se sabe se esses indígenas eram Potiguara ou Tapuia, se eram

escravizados ou se estavam em marcha pelas alianças estabelecidas com os portugueses.

No entanto, os indígenas aliados dos neerlandeses mataram João Pereira, que trazia

consigo documentos considerados importantes sobre a capitania do Ceará e que foram

confiscados pelos agentes da WIC e encaminhados para o Recife.

A Batalha Naval de 1640, que teve entre seus resultados o desembarque do mestre

de campo Luís Barbalho Bezerra nas imediações do Porto do Touro, pode ser considerada

o último conflito envolvendo a união de forças militares de Portugal e Espanha na

América Portuguesa168. A marcha realizada pelo militar português ocorreu, segundo os

cronistas, entre o Porto do Touro e a cidade de Salvador, perfazendo a distância de 300

léguas, com um efetivo de mais de 1.300 homens, incluindo os terços do Camarão e de

Henrique Dias. Na descrição, a região do Porto do Touro era uma deserto, sem alimentos

disponíveis para a tropa, que seguiu rumo ao rio Potengi, onde teve o primeiro confronto

entre as tropas neerlandesas e os aliados tapuias. O Comandante do Forte Ceulen, George

Garstman169, foi preso após o conflito, perdeu ante a ofensiva das tropas ibéricas 60

homens e seus aliados indígenas fugiram para outras paragens (NASSAU, 1895 [1640]).

167 O relato dessa expedição foi traduzido pelo historiador Alfredo de Carvalho, que o publicou em um dos

volumes da Revista do IHGRN, em 1906. O documento original é intitulado de Brieven en Papierenuit

Brasilie e faz parte dos volumes de documentos raros do período holandês que estão custodiados, segundo

o autor, pelo IAHGP (CARVALHO, 1906, p. 117-120). 168 Segundo o historiador alemão Hermann Watjen, uma parte dos navios derrotados da União Ibérica

encontraram abrigo na pequena enseada do Cabo de São Roque, outros fugiram para as Antilhas, um

terceiro grupo escapou-se para a Espanha, enquanto que o próprio Mascarenhas [Conde da Torre], somente

depois de errar por muito tempo, em um bergantim, tornou a ver a Bahia (WATJEN, 1938, p.176). Em seu

relato Gaspar Barléu descreve que, após a batalha naval, “a esquadra lusa sofreu tamanho destroço que

julgou necessário bater em retirada, refugiando-se nos escolhos chamados Baixios de S. Roque. Um dos

nossos iates, seguindo a distância aos espanhóis, trouxe a notícia de terem eles ancorado perto dos baixios

já mencionado, a 15 léguas ao norte do Rio Grande, junto ao rio Utetugo, onde saíram a fazer aguada

(BARLEU, 1940[1647], p. 178-181). 169 George Gartsman foi por longos anos comandante do Castelo Ceulen e era casado com uma mulher da

terra. Em torno de 1646, tinha a patente militar de tenente-major e estava preso por ser o mandante do

assassinato de Jacob Rabbi, que na época era comandante dos tapuias no Rio Grande (TEENSMA;

MIRANDA; XAVIER, 2016, p. 61-62).

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Luís Barbalho seguiu com suas tropas pelos caminhos do sertão até atravessar o rio São

Francisco e chegar ao destino, em Salvador170. Segundo Evaldo Cabral de Mello, a

marcha de infantaria luso-brasileira, armada de piques [lanças pontiagudas], fazia esses

caminhos em fileiras separadas por espaços de 20 a 24 pés, enquanto entre cada soldado

da mesma fileira devia-se manter distância de quatro a seis pés, para que os militares

conseguissem manejar os armamentos com mais comodidade (MELLO, 2007 apud

VASCONCELOS[1608], p. 272). Pela mobilidade das tropas da marcha de Luís

Barbalho, que andou pelos sertões do Estado do Brasil entre janeiro e março de 1640,

podemos entender como foram organizados esses grupos militares, como também

podemos perceber as dificuldades encontradas para fornecimentos de alimentos para uma

tropa tão numerosa. Se utilizarmos a percepção de Luís Mendes de Vasconcelos, teremos

a visualização da marcha do referido mestre de campo, organizada com seus mais de

1.300 soldados, perfazendo duas grandes fileiras com em torno de 650 soldados, sendo

cada uma delas com aproximadamente 3,5 quilômetros de extensão, formando grandes

colunas militares que experienciaram esses sertões litorâneos171.

Por fim, o funcionário da WIC e aliado dos Tarairiú no Rio Grande, Jacob

Rabbi172, fez um relatório sobre o litoral da capitania, a partir dos dados coletados por

170 No relato de Luís Barbalho Bezerra, descreve-se que aportou no Porto do Touro com 1.430 homens,

destes, 300 eram das ilhas da Madeira e dos Açores, marcharam na volta do Rio Grande [Potengi] onde

estavam os moradores recolhidos em casas fortes. Segundo ele, as tropas ibéricas atacaram 70 holandeses

e 500 tapuias, aprisionaram o capitão [George Garstman] e um alferes. Em seguida, marcharam para o

engenho Cunhaú, saqueando as cargas de açúcar, carne e farinha para a suas tropas e seguiram para as

cabeceiras do rio Para (BEZERRA, 2001[1640], p.488). 171 Os soldados que vinham na vanguarda utilizavam diversas armas no decorrer das marchas. Segundo o

historiador Luís Filipe G. da Sousa e Costa, as diferentes armas, arcabuzes e piques ocupavam um lugar

bem definido na coluna. Na vanguarda, seguiam a totalidade dos atiradores, ou repartidos com metade na

frente e os restantes na retaguarda da coluna; no meio estavam as “picas”. Os tratados militares

determinavam o número de soldados que deviam existir em cada fileira, ou seja, a ordem ou ordenança da

coluna. Esta, na versão mais comum, consistia em fileiras sucessivas de três ou cinco soldados, mas que

podiam também comportar sete ou nove soldados, menos vulgar, mas também referenciada como adequada.

A bandeira da companhia seguia, normalmente, na fila do meio (SOUSA, 2013, p. 210). 172 Segundo Gaspar Barléu, Jacob Rabbi era do condado de Waldeck [cidade na atual Alemanha], o qual, a

pedido do rei Janduí e com permissão do Conde de Nassau, partira para as terras dos tapuias a fim de servir

de intérprete entre os holandeses e aquela nação. Viveu quatro anos com os costumes deles, agradável ao

rei, espectador e testemunha bem aceita de tudo (BARLEU, 1940, p. 269). Segundo Bruno Miranda, Jacob

Rabbi estava em contato com os índios Tarairius desde 1639. A partir de 1642 ele foi oficialmente

designado como negociador entre os indígenas, recebendo a patente de sargento e tinha como missão

controlar esse povo no Rio Grande. Sua relação com o líder Tarairiu, Janduí, rendeu-lhe prestígio, mas

também acarretou diversos problemas para a Companhia e para os moradores da Capitania do Rio Grande,

sobretudo, nos episódios envolvendo-o nos massacres de Cunhaú e Uruaçu, na tomada dos espólios dessas

vítimas e a utilização da sua influência como moeda de troca em negociatas entre os indígenas e a

Companhia. Jacob Rabbi teve um grande cabedal, fruto desses espólios, constando de doze escravos, vinte

e dois cavalos, nove bois, grande número de moedas de ouro e prata, muitas alfaias de metal, joias, adornos

femininos, vestidos e peças de damasco, veludo e seda. Mantinha uma propriedade que ficava nas

imediações do rio Potengi e tinha um relacionamento com uma índia tapuia por nome Domingas. Na noite

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esse agente europeu em suas marchas com esses grupos indígenas pelos sertões, sendo

seu relato publicado no capítulo quatro da obra História Natural do Brasil de Guilherme

Piso, em 1648 (MEDEIROS FILHO, 2010, p. 81). O personagem, polemizado por

historiadores do século passado173, estava envolvido com as mortes de colonos luso-

brasileiros em episódios violentos e estabelecidos pela historiografia clássica como “os

massacres de Cunhaú e Uruaçu” no ano de 1645174. Possivelmente, ele realizou uma

marcha pelos sertões litorâneos do Porto do Touro. Partindo das adjacências do rio

Potengi em direção à foz do rio Mossoró, a viagem foi realizada com intuito de informar

para as autoridades da WIC em Recife sobre possíveis presenças de portugueses nesses

espaços. Ao comentar sobre o litoral, informou que do Rio Grande [Potengi] para o norte,

o mar era notável, em seguida relatou que o rio Mapreucauch [Maxaranguape] era repleto

de peixes e nas suas margens vagavam cabras e avestruzes; citou ainda um terceiro rio ao

norte, o Ypotinge [Punaú], que ficava a 12 milhas do Rio Grande; o quarto rio citado por

Jacob Rabbi foi o Uguasu [rio do Porto do Touro], que fica a dezessete horas de

caminhada do Rio Grande; e em um dia de viagem do Uguasu, encontra-se o Yponi175,

onde se encontram muitas salinas (RABBI apud MEDEIROS FILHO, 2010, p. 81).

de 4 de abril de 1647, foi assassinado por dois soldados da Companhia por encomenda de Joris Garstman

(CARVALHO, 1909, p. 666; MIRANDA, 2016, p. 62). 173 Como observamos na Introdução deste trabalho, Câmara Cascudo e Tarcísio Medeiros foram

pesquisadores que descreveram sobre esse personagem colonial de forma polemizada. Enquanto o primeiro

historiador adjetivava Jacob Rabbi de o “inspirador da morte”, o segundo retratava-o como o “judeu traidor”

(CASCUDO, 1984, p. 84-100; MEDEIROS, 1973, p. 20-38). 174 Entre julho e outubro de 1645, vários moradores luso-brasileiros da Capitania do Rio Grande foram

mortos pelos grupos indígenas Janduí e Potiguara. Liderados por Jacob Rabbi, esses ataques foram descritos

pela historiografia como os massacres de Cunhaú e Uruaçu. Os historiadores clássicos descreveram o

personagem líder dessa violência de forma pejorativa em suas publicações, como, por exemplo, Rocha

Pombo, que descreve Jacob Rabbi como um “selvagem que tomou os costumes, os vícios e principalmente

a fereza do bárbaro”, sendo este o “inimigo mais tremendo que tinham os moradores” da capitania. E

finaliza: “era mais temível cabo de guerra dos holandeses, merecendo-lhes toda confiança, apesar de

israelita [...] reuniu este bandido um grande número de selvagens, e fez chamar os moradores do Cunhaú e

vizinhanças a reunirem-se num domingo (16 de julho de 1645) na igreja do engenho afim de receberem

ordens que acabavam de chegar do Recife” (POMBO, 1922, p. 126-127). 175 Ocorre uma divergência quanto à localização atual desse topônimo. Para Olavo de Medeiros Filho,

“Yponi” seria a atual Lagoa do Sal, no distrito de Touros (MEDEIROS FILHO, 2010, p. 81); Para Levy

Pereira, corresponde à atual região entre Guamaré e Macau no Rio Grande do Norte. PEREIRA, Levy.

“Salina Grande”. In: BiblioAtlas – Biblioteca de Referências do Atlas Digital da América Lusa. Disponível

em: http://lhs.unb.br/atlas/Salina_Grande. Acesso em: 7 maio 2019. Concordando com Levy Pereira, a

região de Guamaré tem uma descrição maior com atividades ligadas à extração do sal do que a região

próxima ao Porto do Touro, portanto, “Yponi” pode designar a atual região salineira nas imediações entre

Macau e Guamaré.

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Mapa 4 – As marchas pelos sertões do Porto do Touro no século XVI

Fonte: Mapa elaborado com auxílio do Google Earth, a partir dos dados da Plataforma (SILB, RABBI apud MEDEIROS FILHO, 2010;

CARVALHO, 1906) e do mapeamento dos parrachos conforme: AMARAL, R. F. Mapeamento dos recifes de corais do Baixo de Maracajaú.

Pesquisas em Geociências (UFRGS), 2003. Trabalho técnico com o programa Qgis 3.4 realizado por Janaína Medeiros da Silva, a partir da análise

de Pedro Pinheiro de Araújo Júnior.

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Nesses referidos casos das marchas, são demonstradas as dificuldades encontradas

pelos cronistas europeus em percorrer grandes distâncias pelas praias da costa leste-oeste

do Estado do Brasil. Para a realização de tal empreitada, eram necessários recursos e

alianças com os grupos indígenas locais, esses que, pelas suas experiências nesses

espaços, indicavam e ensinavam os melhores caminhos e denominavam os topônimos

que eram mantidos, na maioria das vezes, pelos colonos europeus. Com isso, a

experiência do caminhar pelas costas do Rio Grande pode ter contribuído para a

construção do conhecimento desses europeus, tanto neerlandeses como portugueses,

sobre esses espaços que ambicionavam expandir as suas conquistas ao norte da Cidade

do Natal, caso que ocorreu com a concessão de novas sesmarias a partir do último quartel

do século XVII, como veremos mais adiante176.

Assim, como se observa no Mapa 4, onde se apresentam os exemplos das quatro

marchas descritas, ocorreu um conhecimento melhor dos europeus sobre os espaços dos

sertões do Porto do Touro ao longo do século XVII. Podemos assim supor que essas

marchas feitas pelo litoral norte eram um dos principais caminhos utilizados pelos

colonos, militares e indígenas que faziam a rota entre a Cidade do Natal e a Capitania do

Ceará. Claramente, essas rotas foram utilizadas pelas bordas da capitania talvez por serem

mais seguras que as regiões interioranas, como bem observou Tavares de Lira, segundo

o qual “esses litorais eram mais seguros, pois podiam-se atravessá-los em dezenas de

léguas do forte dos Reis para o norte, com relativa segurança. E era advinha

principalmente da amizade dos índios potiguares” (LIRA, 2012, p. 42).

Concordando com o autor, os relatos dos cronistas sobre as marchas militares

realizadas por esses sertões litorâneos são característicos do desconhecimento e temor em

caminhadas por regiões mais interioranas da capitania na primeira metade do século

XVII177. Contemporâneo dessas marchas, Frei Vicente de Salvador questionou a prática

dos portugueses em não adentrarem os sertões do Brasil, informando que

da largura que a terra do Brasil tem para o sertão não trato, porque até

agora não houve quem a andasse por negligência dos portugueses, que,

176 Como nos descreve Robert de Moraes, a mera qualificação de uma localidade como sertão já revela a

existência de olhares externos que lhe ambicionam, que ali identificam espaços a serem conquistados,

lugares para a expansão futura da economia e do domínio político. Para o autor, transformar esses fundos

territoriais em território usado foi uma diretriz que atravessa a formação histórica do Brasil (MORAES,

2003, p. 5). 177 Segundo Fátima Martins Lopes, “pode-se dizer que os portugueses temiam os tapuias e vice-versa,

porque sabiam, mutuamente, dos seus poderes”. Segundo ainda a autora, “este temor mútuo tenha mantido

por algum tempo as relações entre eles ao nível de convivência aceitável, quando a ocupação do sertão

apenas começava” (LOPES, 2003, p. 288).

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sendo grandes conquistadores de terras, não se aproveitam delas, mas

contentam-se de as andar arranhando ao longo do mar como

caranguejos (SALVADOR, 2013, p. 13).

A comparação que Frei Vicente de Salvador fez em relação aos colonos lusos com

os “caranguejos”, que teimavam em arranhar o litoral, demostram os interesses da Coroa

lusa nesse período com o foco ainda em suas expansões territoriais pelo litoral. Os

registros de desbravamento nos espaços mais interiores da capitania, pelo menos até

meados do século XVII, foram descritos em relatos dos agentes da WIC que caminharam

por esses sertões, em busca de metais precisos178. Em fins do mesmo século, as marchas

militares serão mais frequentes em outros espaços da capitania, mais precisamente entre

a cabeça da capitania para os sertões das bacias hidrográficas dos rios Seridó, Piranhas-

Açu e o Apodi-Mossoró, nos contextos da expansão das doações de sesmarias nesses

espaços, na expansão das criações de gado e na Guerra dos Bárbaros179. Por fim, essas

experiências adquiridas no caminhar desses indivíduos podem ter influenciado nas

escolhas dos principais locais com possibilidade de plantio e criação nessas paragens,

quando foram retomadas as doações de sesmarias pela Coroa portuguesa no Rio Grande,

na segunda metade do século XVII.

Com a Restauração da Coroa Portuguesa, em 1640, pondo fim à união das coroas

ibéricas, Portugal e seu novo rei, D. João IV, incentivou a retomada das capitanias

dominadas pela WIC, além do comércio, do tráfico atlântico e da produção açucareira

nesses espaços coloniais. Para tanto, uniu diversos grupos militares encabeçados por luso-

brasileiros, com apoio de forças de origem africana e indígena180. Exemplo disso, na

178 O soldado dinamarquês, Peter H. Hajstrup, que prestou serviço a WIC no Rio Grande entre 1644 e 1654,

em um dos relatos do seu diário em 1º de fevereiro de 1650, fez uma marcha seguindo o curso do rio Potengi

para o sertão em busca de encontrar minérios, como era comum na época. Foi acompanhado por 10

indígenas aliados, 12 escravos para transportar as provisões e mais 12 soldados do Castelo Ceulen,

perfazendo, segundo o autor “30 milhas interior adentro”, onde encontraram “um monte altíssimo, cujo

topo era invisível. Ao pé do monte brotava uma fonte cristalina, mas, quando tentamos beber a agua, era

bastante salgada e salitrosa devido à presença do mineral que provavelmente havia no monte” (TEENSMA,

2016 apud HAJSTRUP, 1650, p.77-78). 179 Segundo Pedro Puntoni, com a expansão da pecuária nos sertões do Estado do Brasil, após a dominação

holandesa, encerrada em 1654, ocorreram conflitos entre colonos e indígenas, que antes eram limitados,

mas tornaram-se cada vez mais frequentes, de modo que em breve uma situação de conflagração geral

surgiria às vistas das autoridades coloniais, sendo denominada à época “Guerra dos Bárbaros”. A partir de

1687, os levantes dos tapuias ganharam radicalidade, principalmente em Pernambuco e nas capitanias

anexas, Rio Grande e Ceará. Segundo ainda o autor, as chamadas “guerras do Açu”, apesar de serem

normalmente tomadas como a Guerra do Bárbaros como um todo pela bibliografia, são na verdade o caso

específico dos conflitos desta região – do vale do rio Açu ou Piranhas – no atual Rio Grande do Norte

(PUNTONI, 2002, p. 44). 180 Segundo Evaldo Cabral de Mello, as forças militares que apoiavam os portugueses eram formadas, em

parte, por negros e índios. O autor denominou esses conflitos de “Guerra Brasílica” e identificou nas suas

pesquisas que, a partir da Restauração da Coroa Portuguesa, foi possível engrossar as fileiras de soldados

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Capitania do Rio Grande, as autoridades neerlandesas em defensiva no Forte Ceulen se

articularam para combater os incisivos ataques desses grupos guerrilheiros vindos ao sul

do Rio Grande e que tinham o apoio do governo português na Bahia. Segundo Benjamin

N. Teensma, esse tipo de guerrilha tinha como principal objetivo causar prejuízo aos

neerlandeses, como roubar escravos, extorquir os indígenas aliados, saquear as colheitas

e gado, queimar vilarejos e ganhar posições, tal como ocorreu em 26 de maio de 1647,

quando “a fortificação de Cunhaú, guarnecida por apenas 16 homens, foi assaltada por

uma força de 300 homens. Após uma hora de luta, o inimigo retirou-se deixando para trás

30 mortos” (TEESMA, 2016, p. 31). Esse relato demonstra a derrocada dos grupos

militares da WIC nas Capitanias do Norte diante dos ataques constantes desses soldados

luso-brasileiros, a partir da queda do poder dos neerlandeses sobre os espaços

conquistados do Estado do Brasil181. Essas sucessivas lutas desses grupos nas Capitanias

do Norte culminariam na capitulação e partida dos neerlandeses em 1654 e na retomada

da colonização portuguesa nesses espaços no decorrer dos séculos XVII e XVIII182.

4.2 Terra, poder e indivíduos: as redes clientelares

Para compreendermos a sociedade no Antigo Regime nos trópicos é necessário

analisar os procedimentos de como esses grupos se utilizaram nas suas relações sociais

para almejar cargos, bens e propriedades na América Portuguesa. Nessa perspectiva, o

historiador João Fragoso, ao realizar uma abordagem sobre personagens do Rio de Janeiro

colonial, através da micro-história sob a ótica de Giovanni Levi e Carlo Poni, descreveu

recrutados para a guerra. Só em 1652, o terço dos henriques perfazia 400 homens, ou 13% dos efetivos, não

se compondo apenas de africanos ou crioulos, mas de toda sorte de mestiço, mulatos e mamelucos, muitos

dos quais temidos quilombolas, atraídos por um perdão geral. Já as forças da WIC não tinham acréscimos

durante os conflitos com os grupos favoráveis à Coroa portuguesa, ainda em 1631, mantinha 4.477 soldados

e 2.240 marinheiros; três anos depois, 4.136 soldados e 1528 marinheiros. Ao partir contra a Bahia, em

1638, Nassau recenseou 4.400 soldados, dos quais 1.000 índios; em 1639, ao preparar a defesa contra a

armada do conde da Torre, o exército de terra montava a 4.320 indivíduos (MELLO, 2007, p. 193). 181 Exemplo desses relatos sobre a demandada de soldados tentando escapar do Brasil foi descrito por Peter

Hansen Hajstrup. Na época, a Companhia das Índias Ocidentais era formada por soldados de diversas

regiões da Europa, e no Rio Grande não era diferente. No período final da dominação, Hajstrup relatou que,

em 3 de janeiro de 1654, o tenente francês Pierre de Bois, da WIC, libertou todos os portugueses presos

que estavam no Castelo Ceulen, em seguida, os agentes da Companhia foram em direção dos navios, “o

barco estava tão cheio de gente, que não havia lugar para todos nem se ficassem em pé” (TEESMA, 2016,

p. 102). 182 Na descrição de José Gonsalves de Mello, o enfraquecimento da Holanda diante do conflito com a

Inglaterra desde 1652, no Mar do Norte, favoreceu ao rei D. João IV de Portugal investir na tomada

definitiva de Pernambuco. Desde dezembro de 1653 que ocorria o cerco total do Recife holandês, por terra

e por mar, obrigando aos flamengos a capitularem em 26 de janeiro de 1654, voltando o Nordeste à Coroa

portuguesa e somente em 1661 os holandeses reconheceram em tratado de paz a perda de sua colônia do

Brasil (MELLO, 2007, p. 280).

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que a micro-história busca analisar o que ele chama de “funcionamentos” das relações

familiares nesse período histórico. Permite também a formulação de perguntas e respostas

sobre os personagens que o historiador está imbuído de pesquisar. Desse modo, numa

análise micro, se consegue ver os detalhes das informações daquela sociedade, que de

uma visão macro não se poderia analisar com mais atenção, assim, para o autor, o

historiador poderá analisar outros contextos em que esses personagens viveram

(FRAGOSO, 2006, p. 30-31).

Numa perspectiva semelhante à desse autor, a historiadora Mônica Ribeiro de

Oliveira investiga a história de famílias no período colonial e analisa as estratégias que

utilizaram para articular e amplificar suas redes clientelares e expandir seu poderio e

posses. Assim, para a autora, as relações externas entre os grupos, que são ligados por

laços de parentescos consanguíneo ou por alianças, foram o principal eixo de

aproximação com essas experiências coletivas (OLIVEIRA, 2006, p. 191-192). Desse

modo, a pesquisadora nos trouxe elementos que, observados como inspiração teórico-

metodológica, podem nos levar a compreender o processo de apropriação territorial nos

sertões do Porto do Touro, entendendo como as famílias de cabedal tiveram acesso a esses

espaços no século XVIII.

Em relação à trajetória dos sujeitos, investigamos sobre o sesmeiro Domingos

Carvalho da Silva, que recebeu a data do Porto do Touro em 1711. Escolhemos esse

personagem porque ainda não foi analisada a sua trajetória em pesquisas acadêmicas,

como no LEHS e no PPGH/UFRN, como também em artigos do IHGRN. Possivelmente,

esse sesmeiro foi um dos primeiros colonos a apropriar-se desse litoral e, para tanto,

utilizamos as ideias da historiadora Cristina Mazzeo de Vivó. Segundo ela, as análises

das histórias de famílias superaram a análise puramente genealógica e passam por estudos

do ponto de vista prosopográfico, ou seja, estudos de biografias coletivas dos membros

de uma categoria social específica, em geral elites sociais e políticas. Desse modo, a

pesquisadora fez um estudo sobre o impacto de uma medida econômica da Coroa

espanhola sobre o comércio do Peru, em 1778, e no período pós-independência,

analisando através de fontes manuscritas como a classe mercantil sentiu os efeitos desses

eventos em suas relações sociais e econômicas. Segundo Vivó, foi necessário identificar

os principais comerciantes para analisar como tiveram acesso ao poder econômico, que

vínculos estabeleceram com o poder político, por que alguns se beneficiaram mais do que

outros, que tipos de atividades desenvolveram, quem foram seus representantes no

interior do país (VIVÓ, 2009). A autora elencou ainda conceitos que elucidam as práticas

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das relações sociais no âmbito da capitania em estudo, dentre eles o de “estratégia”,

“elite” e “rede”, os quais utilizamos para analisar as trajetórias dos sesmeiros e de como

eles se articularam para se apropriarem dos sertões do Porto do Touro. As ideias dos

autores supracitados nos nortearam no entendimento desse processo colonizador contínuo

de apropriação rumo à região norte da cidade do Natal, dinamismo esse concomitante em

outros espaços da Capitania do Rio Grande.

4.3 As sesmarias dos Sertões do Porto do Touro (1666-1719)

Entre os séculos XVII e XVIII, após o domínio dos neerlandeses (1630-1654) em

parte dos territórios do Estado do Brasil, recomeçaram as doações de terras e uma tímida

colonização surgiu nos espaços da Capitania do Rio Grande. Nos relatos após a conquista

dos portugueses, em 1654, a capitania estava abandonada e “deserta”183. Nas dissertações

do PPGH/UFRN, foram realizadas algumas pesquisas sobre o período pós-dominação

neerlandesa, que são importantes para compreender esse processo de interiorização e

colonização patrocinados pela Coroa lusa na capitania em estudo.

No trabalho de Tyego F. da Silva, foi analisado o processo de interiorização na

ribeira do Assu entre 1680-1720. O autor descreveu que após a expulsão dos holandeses

e com o desenvolvimento das atividades ligadas à criação de gado no sertão, ocorreu uma

expansão do território português na América. Essa interiorização gerou conflitos

envolvendo os agentes da colonização e os grupos indígenas que habitavam aquele espaço

(SILVA, 2015, p. 17).

Nesse mesmo viés, na sua dissertação, Francisca Matias da Silva considerou o rio

Assu como um dos elementos importantes na territorialização dessa ribeira e também

motivador das discórdias e lutas fundiárias ali ocorridas, pois, para a autora, os rios foram

de grande importância no processo da colonização das terras semiáridas do sertão norte-

rio-grandense (SILVA, 2015, p. 22). Concordando com a ideia de interiorização do

território desses autores, pode-se avaliar que esse processo foi contínuo em todas as

direções da capitania, provocando atritos entre os sesmeiros e os grupos indígenas pela

183 Segundo Vicente Lemos, utilizando de um trecho de uma carta enviada à WIC em 1647 pelos agentes

neerlandeses, descreve que a capitania já estava em penúria e despovoada ao informar que “na Paraíba,

então fértil, tudo estava incendiado e arrasado; e no Rio Grande, antes tão abundante em gado, se via de

todo devastado”. Após os conflitos e a conquista dos luso-portugueses sobre essas capitanias, foi nomeado

como primeiro capitão-mor do Rio Grande, após a dominação neerlandesa, Antônio Vaz Gondim, em

janeiro de 1656, pelo qual permaneceu no cargo por seis anos, com a missão de fazer melhorias nessa praça

e na fortaleza dos Reis Magos (LEMOS, 1912, p. 22-23).

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posse da terra. Diferentemente da ribeira do Assu, a região dos sertões do Porto do Touro

foi palco dos primeiros contatos dos europeus nessas paragens, no princípio do século

XVI, e foi local de passagem das marchas militares pela costa. Por ser um espaço litorâneo

formado por pequenos rios perenes em solos dunares, possivelmente foi um local com

pouco atrativo para garantir, para os colonos portugueses, o desenvolvimento de grandes

lavouras canavieiras e criação extensiva de gado, tal como ocorreu em outros espaços da

capitania, como em Cunhaú e nas adjacências da Cidade do Natal e do rio Potengi.

Segundo a historiadora Maria de Fátima Gouvêa, as concessões de sesmarias

cresceram nesse período, pois em meados do século XVII, o Brasil tornou-se a mais

relevante das colônias lusas. Para a autora, essa preponderância melhorou as demarcações

das fronteiras, redefiniu os mecanismos mais efetivos de governo na região em face desse

contexto de progressiva transformação econômica (GOUVÊA, 2001, p. 299). Essas

mudanças provocaram um aumento exponencial nas concessões de sesmarias, em um

maior fluxo migratório, devido ao crescimento dos lucros adivinhos da descoberta de

metais preciosos nas Minas Gerais, na retomada da produção açucareira e de outros

produtos nas Capitanias do Norte184.

Desse modo, na última década do século XVII, ocorreu uma melhor regulação e

organização da colonização portuguesa sobre os solos da Capitania do Rio Grande,

provocou-se assim uma maior fiscalização das doações das sesmarias, como bem nos

assegurou a historiadora Carmen M. Oliveira Alveal (2015, p. 250):

as ordens régias de 1697 e 1699, a primeira deliberava sobre o tamanho

da terra e a última estabelecia a cobrança de foro sobre as sesmarias das

Capitanias do Norte do Estado do Brasil. Provocando muitos problemas

entre sesmeiros e autoridades. A nova lei estabeleceu a medida de 3

léguas de comprimento por 1 légua de largura nas áreas de agricultura,

afirmando que essa seria a medida que um sesmeiro seria capaz de

aproveitar.

184 Segundo Charles Boxer, essa emigração acelerada de Portugal, das ilhas atlânticas e da África Ocidental

para o Brasil, até a primeira metade do século XVIII, elevou o total da população em mais ou menos um

milhão e meio, não considerando as tribos ameríndias “insubmissas do interior”. Segundo o autor, a

indústria brasileira do açúcar, que parecia estar à beira de um colapso total em 1691, começou a se recuperar

pouco depois, provavelmente por causa do aumento de procura na Europa, do esgotamento das reservas

acumuladas em Lisboa e porque o açúcar brasileiro ainda mantinha o seu prestígio, sendo considerado de

qualidade superior às variedades cultivadas nas Índias Ocidentais. O renascimento espetacular da economia

luso-brasileira, que começou na década de 1690, foi devido fundamentalmente à descoberta tardia de ouro

aluvial numa escala até então sem precedentes, numa região remota e sinistra umas 200 milhas para o

interior do Rio de Janeiro, que foi a partir de então conhecida pelo nome de Minas Gerais (BOXER, 1969,

p. 159-174).

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Os dados pesquisados por Carmem Alveal demostram a tentativa de

uniformização da Coroa na regulação dos espaços coloniais por meio da criação de um

aparato administrativo para fiscalizar e demarcar as terras que eram consideradas como

devolutas. As Cartas de Sesmarias pesquisadas mostram esse padrão na dimensão das

terras de 3 léguas de comprimento por 1 légua de fundo, provavelmente, essas mudanças

aconteceram para inibir a concessão de novas datas de terra de forma desigual e garantir

uma uniformidade entre essas doações, tal como foram os casos das terras doadas ao

Governador João Fernandes Vieira e ao Administrador das aldeias dos índios, Francisco

de Almeida Vena, sendo estes os primeiros sesmeiros a receberem terras nas adjacências

do Porto do Touro após a dominação neerlandesa, obtendo cada um imensuráveis

sesmarias na segunda metade do século XVII185. O primeiro recebeu duas grandes

sesmarias, que juntas englobavam a totalidade dos sertões do Porto do Touro, entre as

ribeiras do rio Ceará-Mirim e o do rio Porto do Touro. Ambas as sesmarias não foram

ocupadas pelo proprietário, ficando esses solos devolutos e divididos para outros

sesmeiros. Em vista disso, quando ocorreram novas solicitações realizadas no século

XVIII, foi descrito que estas terras eram de João Fernandes Vieira e que estavam

devolutas, pois o governador nunca as tinha povoado186. Um pouco mais de uma década

após as concessões feitas a Fernandes Vieira, nas adjacências do Porto do Touro, foram

solicitadas duas sesmarias por um grupo de sesmeiros encabeçados por Francisco de

Almeida Vena, José Coelho de Barros e José de Castro Cardoso187.

185 O governador João Fernandes Vieira fez carreira na esfera militar, foi capitão-mor da capitania da

Paraíba, entre 1655 e 1657, participou das batalhas contra os holandeses em Pernambuco, alcançando a

patente de mestre de campo, constando como um dos principais nomes da Restauração da posse portuguesa

sobre as Capitanias do Norte do Estado do Brasil. Seu pedido foi realizado com a justificativa de ocupar

esses espaços e garantir suas criações de gado nessas paragens (SILVA, 2015; ALENCAR, 2017). O

sesmeiro recebeu três concessões na Capitania do Rio Grande, uma no rio Ceará-Mirim, em 1666

(Plataforma SILB. RN 0014), outra no Porto de Touro, em 1668 (Plataforma SILB. RN 0541), e uma última

no Assu, em 1680 (Plataforma SILB. RN 0039). Disponível em: http://www.silb.cchla.ufrn.br. Acesso em:

14 maio 2019. 186 Na dissertação de Tyego F. da Silva, foram estabelecidas pelo autor, através de dois mapas, as prováveis

delimitações espaciais das sesmarias de João Fernandes Vieira (SILVA, 2015, p.63-65). Dentre as

Sesmarias que descrevem essas informações, encontra-se a de Rio do Fogo (Plataforma SILB. RN 0056),

onde se relata que “na passagem que chamam Rio do Fogo pela qual foi doada antigamente ao governador

João Fernandes Vieira e porque Sua Majestade que Deus guarde foi servido ordenar que a data que

excedesse a taxa se tirem novamente os possuidores por nova data [...]”. Disponível em:

http://www.silb.cchla.ufrn.br. Acesso em: 15 maio 2019. 187 Segundo Fátima Martins Lopes, o Administrador, Almeida Vena, foi encarregado de reunir os melhores

homens das aldeias, acompanhados de suas mulheres para plantarem as roças para o sustento, que sob seu

comando deveria ir aos Palmares lutar contra os quilombolas (LOPES, 2003, p. 342). Francisco de Almeida

Vena solicitou ainda três sesmarias, uma em Água Maré, em 1677 (Plataforma SILB. RN 0034), um sítio

na capitania do Ceará, em 1678 (Plataforma SILB. CE 1398) e uma terceira na capitania do Rio Grande,

em 1678 (Plataforma SILB. RN 1256). Sendo essas sesmarias solicitadas no Rio Grande, foram requeridas

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O personagem Almeida Vena surgiu nos documentos coloniais quando foi

indicado pelo Capitão-mor dos índios, D. Diogo Pinheiro Camarão, para ocupar o seu

lugar de Administrador das aldeias dos índios no Rio Grande. A provisão ocorreu através

de uma Carta Régia datada de 28 de julho de 1669, que o príncipe regente de Portugal,

D. Pedro, encaminhou ao governador-geral do Estado do Brasil, Alexandre de Sousa

Freire, para investigar tal substituição do cargo e se isso traria conflitos em relação aos

“índios e os tapuias rebeldes” com os colonos da capitania188. Já empossado como

administrador, Almeida Vena e o seu grupo solicitaram ainda um vasto território, na costa

de Touros, que seguia por 10 léguas de litoral, entre as mediações das atuais praias dos

municípios de Guamaré e São Bento do Norte, com 4 léguas de fundo para o sertão189. A

grandiosidade do tamanho desse lote pedido por esses suplicantes foi devido às atividades

pesqueiras e à extração do sal, que eram abundantes nessa região. No entanto, ocorreu um

conflito entre os sesmeiros, os habitantes locais e os colonos de outras capitanias, pois os

proprietários proibiam o acesso desses indivíduos a essas praias. Porém, após um pedido

do Senado da Câmara de Natal ao Governador Geral Roque da Costa Barreto (1678-1682)

para intervir no conflito, resolveu-se pelo Alvará de 10 de dezembro de 1680 que as praias

fossem realengas, que as medidas das sesmarias fossem revistas e que as atividades

extrativistas ficassem liberadas para uso de outros colonos, assim, a Câmara de Natal, no

termo de vereação de 1682, divulgou o edital de liberação dessa região salineira (LEMOS,

1912; MORAIS, 2014).

Podemos estabelecer que com a retomada da colonização portuguesa na capitania,

ocorreram quatro fases na concessão de sesmarias no espaço em estudo. A primeira delas,

como foi descrito anteriormente, foram as sesmarias doadas entre 1666 e 1678 no período

após a dominação neerlandesa; um segundo grupo, já no início do século XVIII, entre os

anos de 1706 e 1719 no período de encerramento da Guerra dos Bárbaros; uma terceira

em conjunto com José Coelho de Barros e José de Castro Cardoso. Disponível em:

http://www.silb.cchla.ufrn.br. Acesso em: 16 maio 2019. 188 Carta de Sua Alteza sobre o Capitão-mor dos índios Dom Diogo Pinheiro Camarão pedir licença para

prover o cargo de Administrador das aldeias do Rio Grande em Francisco de Almeida Vena, 28/07/1669.

In: Documentos Históricos: Cartas Régias 1667-1681. v. 47. Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Typ.

Baptista de Souza, 1945, p. 58-59. 189 Vicente Lemos e Tavares de Lira nos descreveram que essa sesmaria estava na costa de Touros e que os

solicitantes, José Coelho de Barros e José de Castro Cardoso, eram provavelmente sobrinhos e cunhados

do Administrador. A região foi chamada de Touros pelos historiadores, pois, nesse período, todo esse litoral

a partir de Guamaré em direção a Maxaranguape eram pertencentes à Intendência de Touros. Ao longo do

século XX, esses espaços foram repartidos na criação de novos municípios, dentre eles, Guamaré, São

Bento do Norte, Pedra Grande e São Miguel do Gostoso (LEMOS, 1912, p. 31; LIRA, 2012, p. 123;

CASCUDO, 2002, p. 188).

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fase entre os anos de 1739 e 1763; por fim, a fase final de concessões ocorreu entre os

anos de 1781 e 1819. No total, os sertões do Porto do Touro foram repartidos entre 24

sesmeiros ao longo de 153 anos190. Na nossa pesquisa, estabelecemos um enfoque nas

sesmarias doadas na segunda fase de concessão entre os anos de 1706 e 1719, período

esse, onde ocorreram as padronizações das medidas das terras doadas na América

Portuguesa. As sesmarias doadas nos períodos posteriores serão analisas em futuras

pesquisas, ou caso outros historiadores se enveredem na continuidade desse projeto.

Ademais, em fins do século XVII, ocorreu um crescente fluxo migratório para o

norte da capitania, com sesmeiros vinculados nas atividades pesqueiras e salineiras, na

criação de gado e na agricultura191. Porém, devido a esse mesmo processo de expansão

territorial patrocinado pela Coroa, eclodiu nas capitanias anexas de Pernambuco,

sobretudo no Rio Grande, um conflito sem precedentes no período colonial, a chamada

“Guerra dos Bárbaros”. Pedro Carrilho de Andrade, que foi um dos militares que

participaram da repressão aos indígenas que se conflagraram contra o processo de

expansão portuguesa nos sertões dessa capitania192, nos descreveu que os indígenas

Janduí se levantaram nas ribeiras do Assu, Mossoró e Apodi, nos anos de 1687 para 1688,

“matando a toda coisa viva e depois queimando e abrasando tudo, não deixando pau nem

pedra sobre pedra de que ainda hoje aparecem ruínas”. O autor complementou no mesmo

texto a situação de violência em que se encontrava a capitania, ao informar que “diversas

nações de alarves e fizeram grandes fúrias, e juntas em grande multidão vieram até os

arrabaldes do Rio Grande” (PUNTONI, 2002, p. 148-149).

Esse conflito, que perdurou até o início do século XVIII, provocou uma ruptura

nas concessões de terras pelas Coroa, sobretudo no nosso espaço em estudo, pois ocorreu

um hiato de mais de 30 anos entre a duas primeiras fases de concessão de sesmarias nos

sertões do Porto do Touro. Esse intervalo nas concessões de terra pode ser entendido

190 A pesquisa foi realizada a partir dos dados coletados da Plataforma SILB. Disponível em:

http://www.silb.cchla.ufrn.br. Acesso em: 14 maio 2019. 191 Esse fluxo migratório em direção às regiões mais distantes da cabeça das capitanias pode ser entendido

como um processo que ocorria em todas as regiões do Estado do Brasil. Como foi analisado por Pedro

Puntoni, ao verificar que esse processo foi um esforço da empresa colonial portuguesa na América em

investir na restauração dos engenhos, na expansão territorial em direção ao interior, para regiões mais

ocidentais. Segundo ainda o autor, esse processo de ocupação do sertão era dinamizado pelo incremento do

povoamento e pela diversificação das atividades produtivas. Ao lado do gado, seguiam as expedições em

busca de riquezas, pedra e metais preciosos (PUNTONI, 2002, p. 25). 192 Segundo Fátima Martins Lopes, os indígenas tapuias que se opuseram à expansão colonial tinham uma

vida “seminômade, sempre seguindo as variações sazonais, sem se fixar em aldeias e, por isso mesmo,

dependendo do que lhes oferecia a natureza, sofreriam bastante com a presença sedentária de colonos e seu

gado, apesar deste, às vezes, servir de alimentos a eles” (LOPES, 2003, p. 288).

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devido à insegurança provocada pelo conflito nessas paragens, a exemplo dos indígenas

Janduí, em guerra contra as tropas luso-brasileiras nessas adjacências, chegaram a assaltar

as propriedades de colonos na ribeira do rio Ceará-Mirim, região distante apenas 5 léguas

ao norte da cabeça da capitania, demonstrando o poder de mobilização desses povos ante

a dominação lusa193.

No decorrer desses conflitos, as terras próximas ao mar do Rio Grande foram

descritas nesse período como sendo “os sertões de baixo”, já os sertões mais distantes e

interiores da cabeça da capitania foram nomeados como “os sertões de cima” 194. As

denominações sertão de baixo e sertão de cima foram descritas quando os moradores da

Capitania do Rio Grande, através dos seus representantes no Senado da Câmara, enviaram

um registro de petição ao rei, em 1695, recomendando que a dita capitania “era uma das

melhores do Brasil”. No texto, informaram todas as qualidades desse espaço colonial

descrevendo as potencialidades advindas das atividades extrativistas, agrícolas e de

criação, demostrando também as tentativas de apropriação dos corpos dos indígenas

“bárbaros”, que foram aldeados e pacificados para outros espaços, impedindo que

descessem dos sertões de cima para o litoral. O documento pode ser entendido como uma

tentativa dos moradores de angariar recursos para garantir o projeto colonizador

português, assim, com essa divulgação junto ao rei, os colonos demonstravam que a

capitania estava em vias de uma pacificação e poderia com isso expandir a apropriação

dos espaços sertanejos.

Com a retomada no processo de expansão territorial, ainda no decorrer da Guerra

dos Bárbaros, ocorreu a anexação da capitania do Rio Grande pela de Pernambuco em 11

de janeiro de 1701. Segundo Carmen Alveal, as questões geográfica e financeira eram

uma das principais razões que levaram a anexações das Capitanias do Norte por

Pernambuco, além de atrair as famílias importantes de Olinda, a chamada “açucarocracia

de Pernambuco”195, para expandir seus domínios sobre os solos do Rio Grande, além da

193 Os colonos não conseguiam se defender diante das incursões dos Janduí nessas ribeiras próximas à costa.

Segundo Fátima Martins Lopes, em janeiro de 1688, os indígenas eram senhores de todo o sertão e se

acercaram da cidade de Natal, assaltando os colonos, “os quais mal podiam se defender de dentro de suas

casas-fortes construídas[ no Ceará-mirim] e também em Tamatantuba, Cunhaú, Goianinha, Mipibu,

Guaraíras, Potengi, Utinga e na Aldeia de São Miguel de Guajiru, onde não ficavam seguros porque só

assistiam seis soldados em cada uma para a sua defesa” (LOPES, 2003, p. 298). 194 Registo de petição dos moradores da Capitania do Rio Grande da costa de Pernambuco e representam a

Sua Majestade, como a dita capitania é uma das melhores que Sua Majestade tem nas partes da América,

28/02/1695. In: Documentos Históricos: Cartas Régias 1667-1681. v. 47. Biblioteca Nacional. Rio de

Janeiro: Typ. Baptista de Souza, 1945, p. 120-122. 195 A autora analisou, através de estudo prosopográfico, os personagens importantes que atuaram na

capitania do Rio Grande e se articularam nesse processo de domínio sobre esse espaço, a partir dessa

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ocupação de cargos camarários, militares e na posse de sesmarias (ALVEAL, 2016, p.

135-140). Entrementes, as autoridades coloniais continuaram a legislar sobre uma melhor

utilização e repartição dos solos das capitanias, visando à manutenção da oferta de

alimentos, priorizando assim as atividades agrícolas com uma maior rentabilidade, no

caso, as produções açucareiras. Desse modo, segundo Fátima Martins Lopes, foi

estabelecido pelo Alvará de 27 de fevereiro de 1701, pelo rei de Portugal, Dom Pedro II

(1648-1706), que a criação de gado só pudesse ser praticada a partir de 10 léguas do

litoral, atendendo às reivindicações dos proprietários de engenhos196. Segundo a autora,

essa proibição ocorreu também nas margens dos rios, a fim de garantir não somente a

produção açucareira, mas também de alimentos, obrigando os proprietários que morassem

próximo ao mar a ter pastos fechados (LOPES, 2003, p. 259; p. 313). Ademais, essa

proibição inibiu as solicitações de grandes criadores de gado que almejassem as terras

adjacentes do Porto do Touro, haja vista, por ser um espaço litorâneo, a quase totalidade

dessa região estava livre das fazendas de gado devido ao dito alvará. Entrementes, dos

cinco solicitantes dessa segunda fase de concessões das sesmarias nesse espaço, quatro

deles justificaram a suas solicitações de terras por possuírem gados muares, vacuns e

cavalares e não tinham pastos suficientes para poder criá-los, provavelmente de forma

intensiva em currais. Assim, essa região teve uma tendência a estabelecer em seus solos

atividades pesqueiras, salineiras e de agricultura nos vales dos seus principais rios197.

Em vista disso, esses solos dos sertões do Porto do Touro, definidos pelos colonos

como os sertões de baixo, foram conquistados no decorrer desse processo de pacificação

dos grupos indígenas e no estabelecimento de novas missões jesuíticas no espaço da

Capitania do Rio Grande. Desse modo, foi retomada pelos agentes da coroa a política de

concessões de sesmarias no início do setecentos198. Em nossas análises, nos debruçamos

anexação. Dentre os nomes de autoridades da época, estão Agostinho Cesar de Andrade, Bernardo Vieira

de Melo, João Fernandes Vieira, Francisco Berenguer de Andrade, Leonardo Bezerra Cavalcanti e Manuel

Carneiro da Cunha, todos ligados à açucarocracia de Olinda (ALVEAL, 2016, p. 134). 196 Segundo Maria Leite Linhares, esse decreto teve como propósito legislar e disciplinar a produção,

atendendo aos interesses da grande lavoura canavieira e ao abastecimento da população. Por outro lado, é

um reflexo das mudanças que se operavam naquele final de século marcado por grave crise econômica

(falava-se, então, na “miséria pública reinante”), acompanhada de agitações urbanas na Bahia e até mesmo

no Rio de Janeiro (LINHARES, 1995, p. 5). 197 Os sesmeiros que fizeram a solicitação para a criação de gado foram o vereador Domingos de Carvalho

da Silva (Plataforma SILB. RN 0105), o alferes Francisco da Costa Barbosa (Plataforma SILB. RN 0417),

o Coronel Antônio Dias Pereira (Plataforma SILB. RN 0376) e Estevão Alves Bezerra (Plataforma SILB.

RN 0395). Disponível em: http://www.silb.cchla.ufrn.br. Acesso em: 18 maio 2019. 198 Esses sesmeiros foram uma das principais figuras-chave nesse processo colonizador. Segundo Carmen

Alveal (2007, p. 15), eles tinham origens heterogêneas, “pois entre eles haviam homens, mulheres, índios,

mestiços, africanos livres, religiosos, cristãos novos, militares, instituições religiosas e civis”, em grande

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nas primeiras cartas de sesmarias solicitadas por colonos aos capitães-mores, nas

adjacências das bacias hidrográficas dos atuais rios Punaú, Maceió e Maxaranguape no

litoral ao norte da cidade do Natal, como vemos no quadro e no mapa a seguir.

Quadro 2 – Sesmeiros que solicitaram terras nos sertões do Porto do Touro no segundo ciclo de

concessões nesse espaço (1706-1719)

Fonte: Quadro elaborado por Pedro Pinheiro de Araújo Júnior, a partir dos dados da Plataforma SILB.

parte, “eram provenientes de Portugal, das ilhas Atlânticas, nascidos nas colônias, mestiços, sendo

complexa a identificação destes”.

Data da

concessão

Solicitante(s) Localidade Justificativas para

solicitação

Localidade atual no

Rio Grande do Norte

09/05/1706 Capitão Antônio

Lopes de Lisboa

e Capitão

Domingos da

Silveira

Passagem de

Rio do Fogo

Os suplicantes pedem

duas léguas por uma de

terra que pertenciam a

Joao Fernandes Vieira.

Praia na divisa dos

municípios de Rio do

Fogo e Touros.

25/05/1711 Domingos

Carvalho da Silva

Rio do Porto

do Touro

Alegou que já ocupava

a terra requerida desde

1696 e tinha criação de

gado vacum e cavalar.

Sede e praias

adjacentes do

município de Touros.

22/05/1713 Alferes Francisco

da Costa Barbosa

Sítio Pititinga Alegou serem as terras

devolutas por não

terem sido aproveitadas

pelo antigo sesmeiro e

tinha criação de gado

vacum e cavalar.

Praias de Pititinga,

Maracajaú e Barra de

Maxaranguape.

04/05/1717 Coronel Antônio

Dias Pereira

Lagoa de

Assu-Mirim

Pretendia reaver

prejuízos sofridos

devido a guerras e tinha

criação de gado vacum

e cavalar.

Distrito de Boa-Cica e

regiões dos afluentes

da Lagoa do

Boqueirão, município

de Touros.

02/01/1719 Estevão Alves

Bezerra

Afluente do

rio

Maxaranguape

Pretendia lavrar,

plantar e tinha criação

de gado vacum e

cavalar.

Riacho d’água,

afluente norte do rio

Maxaranguape, nas

adjacências do Distrito

de Dom Marcolino

Dantas, município de

Maxaranguape.

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Mapa 5 – Sesmarias do Porto do Touro (1706 – 1719)

.

Fonte: Mapa elaborado com auxílio do Google Earth, a partir dos dados da Plataforma SILB e do mapeamento dos parrachos conforme: AMARAL,

R. F. Mapeamento dos recifes de corais do Baixo de Maracajaú. Pesquisas em Geociências (UFRGS), 2003. Trabalho técnico com o programa Qgis

3.4 realizado por Janaína Medeiros da Silva. A sesmaria Rio do Fogo foi doada a Antônio Lopes de Lisboa e a Domingos da Silveira; O Porto do

Touros foi adquirido por Domingos Carvalho da Silva; Pititinga foi concedido ao alferes Francisco da Costa Barbosa; Assu-Mirim foi doado ao

Coronel Antônio Dias Pereira; Maxaranguape foi concedido a Estevão Alves Bezerra.

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Como observamos no Mapa 5, as sesmarias concedidas nesse segundo ciclo de

concessões concentraram-se, em sua maioria, nas bordas da capitania. Um dos motivos

que pode ter levado ao não adensamento das terras mais interiores pode ter sido o

desencadeamento dos conflitos da Guerra dos Bárbaros. Possivelmente, os sesmeiros e

sua gente optaram por solicitar as terras do litoral por serem espaços contíguos a cabeça

da capitania, sendo, portanto, um local mais seguro diante dos levantes indígenas. Além

disso, a região costeira poderia ser utilizada como rota de fuga, marítima ou terrestre dos

sesmeiros, no decorrer de prováveis embates ou saques proporcionados pelos indígenas

nesse litoral. Nota-se, no mesmo mapa, um avanço, nesses primeiros anos do século

XVIII, da apropriação dos solos mais interiores nas margens dos rios do Touro e

Maxaranguape. No entanto, esse mesmo processo de povoamento não ocorreu nas

margens e afluentes do rio Punaú, o que só ocorreu a partir da década de 1740, justamente

no mesmo espaço descrito no início do século XVII como a sendo a “terra sem

préstimos”, corroborando, assim, as nossas discussões sobre essa a região dunar próximo

a esses rios ser irrelevante para os colonos interessados nesse processo de expansão

territorial.

Além de serem terras próximas à Cidade do Natal, os indivíduos que as solicitaram

também tinham responsabilidades para ter posse sobre elas. Segundo Carmen Alveal e

Patrícia Dias, esses solos doados tinham diversas exigências que incluíam “o povoamento

do espaço cedido, a utilização para a lavoura e a manutenção das criações, contudo, uma

parte dos benefícios conseguidos dessas terras, deveria ser doado à Coroa, bem como,

com o passar dos anos, tributos pela terra foram cobrados e deveriam ser pagos ao rei”

(DIAS; ALVEAL, 2013, p. 290). Em vista disso, os seis indivíduos que se apropriaram

dos sertões do Porto do Touro tinham origens diversas e ocupavam funções heterogêneas

no âmbito dos cargos da administração da capitania, tendo como órgão principal o Senado

da Câmara do Natal. Como nos descreve Maria de Fátima Gouvêa, essas câmaras tinham

muitos pontos em comum com seus congêneres metropolitanos. Porém, a diversidade

sociocultural que os portugueses encontraram em suas colônias levou “a adaptações no

aparato institucional e legal transladado do reino para as zonas periféricas” (GOUVÊA,

2000, p. 192). A autora afirma ainda que a configuração do poder nas capitanias estava

distribuída entre o capitão-mor199, figura responsável pela governança e defesa, e a

199 Segundo Stuart Schwartz, os capitães-mores se revelaram como um problema para os membros da

Câmara. Abusavam continuamente do cargo e do poder e geralmente entravam em choque com as Câmaras,

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137

Câmara, formadas por dois juízes ordinários, três vereadores e um procurador, além dos

almotacés que eram eleitos pelos oficiais como cargos temporários, variando de acordo

com as necessidades do Senado, onde cada Câmara tinha também um escrivão200

encarregado do assentamento da documentação administrativa, sendo este um oficial

remunerado e a sua nomeação podia ser vitalícia ou hereditária (GOUVÊA, 2000, p.194).

Como se observam no Mapa 5 e no Quadro 2, a costa foi retalhada em três grandes

sesmarias costeiras, começando pela passagem de Rio do Fogo, pelos capitães e agentes

camarários, Antônio Lopes de Lisboa e Domingos da Silveira, que solicitaram esse

espaço em 1706201; seguido pelo vereador Domingos de Carvalho da Silva, que solicitou

os solos costeiros entre o Porto do Touro e Rio do Fogo em 1711202; finalizando pelo

Alferes Francisco da Costa Barbosa, que pleiteou uma parte do litoral entre a Enseada de

Pititinga e a foz do rio Maxaranguape em 1713203. Duas outras sesmarias foram

requeridas nos arrabaldes dos riachos um pouco mais distantes da costa, sendo locais mais

propícios para a criação de gado. Os solicitantes desses espaços foram Coronel Antônio

Dias Pereira, que requereu as margens do rio “Assu-mirim” em 1717204, e de Estevão

Alves Bezerra, que adquiriu a região do riacho afluente do Maxaranguape em 1719205.

Dentre os colonos que não foi possível perfilhar sua trajetória de vida, citamos

Estevão Alves Bezerra. Até o momento, não identificamos o cargo ou a atividade que

exercia na capitania, sabe-se apenas que era morador da Aldeia Velha, termo da Cidade

do Natal, e tinha solicitado apenas uma sesmaria no rio Maxaranguape para criação de

gados vacuns e cavalares. Para tanto, requereu terras para apropriar-se das margens do

Riacho d’água em 1719, sendo três léguas de frente e uma légua de fundo [ver Mapa 5].

Esse afluente fica ao norte do rio Maxaranguape, divisa dos atuais municípios de

Maxaranguape e Rio do Fogo206. No documento ainda cita que essas terras eram

com funcionários locais e com os magistrados reais. Devido à ignorância, impotência ou parentesco, os

juízes locais raramente processavam os capitães-mores (SCHWARTZ, 2011, p. 210). 200 Segundo Patrícia Dias, para receber o cargo de escrivão, tabelião ou cargos menores a estes, era

precedida apenas uma indicação do rei, ou era recebido como recompensa por uma boa atuação militar ou

como dote de órfãs e viúvas. Não havia a necessidade de um estudo preparatório para tais cargos, bastaria

ter apenas algum tipo de alfabetização (DIAS, 2012, p. 151). 201 Plataforma SILB. RN 0056. 202 Plataforma SILB. RN 0105. 203 Plataforma SILB. RN 0417. 204 Plataforma SILB. RN 0376. 205 Plataforma SILB. RN 0395. 206 Os dados foram levantados a partir das informações da Secretaria de Geologia, Mineração e

Transformação Mineral do Ministério das Minas e Energia. Disponibilizadas no CPRM – Serviço

Geológico do Brasil. Carta do Projeto Cadastro de Fontes e de abastecimento por água subterrânea do

Estado do Rio Grande do Norte, município: Maxaranguape. Disponível em:

http://rigeo.cprm.gov.br/xmlui/bitstream/handle/doc/17023/mapa_maxaranguape.pdf?sequence=2. Acesso

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pertencentes ao Governador Joao Fernandes Vieira e que estavam devolutas, sendo

autorizadas pela Coroa a sua ocupação. No entanto, mesmo não sendo possível organizar

mais informações sobre Estevão Alves Bezerra, no documento sesmarial, descreve-se que

na confrontação ao sul da dita sesmaria, estavam as terras de Francisco Pinheiro

Teixeira207, sendo este último personagem não encontrado nos dados da Plataforma SILB.

Desse modo, supomos que ele solicitou as terras do vale do rio Maxaranguape em direção

à costa, confrontando a leste com as terras do Alferes Francisco da Costa Barbosa, na

sesmaria Pititinga, e ao norte, com a sesmaria de Estevão Alves Bezerra no Riacho

d’água. Essas lacunas deixadas precisam de mais informações fidedignas, podendo ser

solucionadas a partir de uma análise sobre a trajetória de Francisco Pinheiro Teixeira e

seus descendentes, que se apropriaram do Maxaranguape e seus afluentes em meados do

século XVIII208.

Entrementes, um outro solicitante, o Alferes Francisco da Costa Barbosa209,

morador da Capitania do Rio Grande, requereu ao Capitão-mor Salvador Álvares da

Silva210, em 22 de maio de 1713, uma grande porção da costa entre a foz do rio Punaú e

Maxaranguape, intitulado de Pititinga, medindo, segundo o documento, três léguas de

litoral com uma légua de fundo para o sertão, justificando que necessitava de terras para

criação de gados vacuns e cavalares. Porém, as distâncias reais das localidades estão

acima das normas estabelecidas pelas ordens régias de 1697 e 1699, que padronizaram as

concessões em três léguas de frente e uma de fundo. Se formos realizar o cálculo da

em: 30 maio 2019. Plataforma SILB. RN 0395. Disponível em: http://www.silb.cchla.ufrn.br. Acesso em:

30 maio 2019. 207 Francisco Pinheiro Teixeira foi alferes, casado com dona Maria da Conceição, senhor de escravos,

ocupou no período entre 1710 e 1719, diversos cargos camarários no Senado da Câmara de Natal, entre

eles, as funções de almotacé e de procurador (LOPES, 2000. p. 109-165; Livro de registros de batismos da

Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, sob a guarda do Instituto Arqueológico, Histórico e

Geográfico Pernambucano (1681-1714)). 208 Segundo Renata A. Costa, Francisco Pinheiro angariou relativo patrimônio enquanto esteve na Cidade

do Natal. Sua família era proveniente de Portugal, da região de Penafiel, bispado do Porto. Um dos filhos

do casal foi o padre Manuel Pinheiro Teixeira, que se fixou em Natal e conseguiu nessa época solicitar seis

sesmarias, dentre elas uma na ribeira do rio Maxaranguape, em 1739 (COSTA, 2015, p. 78; Plataforma

SILB. RN0485). 209 O sesmeiro solicitou posteriormente, em 22 de novembro de 1738, um outro território nas imediações

do rio Ceará-Mirim, no lugar Coqueiro. A sesmaria foi herdada pelo seu avô, que comprou pelo valor de

setecentos réis ao Capitão Jose Barbosa Leal (RN0049 e RN0050), que havia comprado de Gaspar Acioli

de Vasconcelos (este personagem não consta na Plataforma SILB), que por sua vez havia comprado de

Maria César (Plataforma SILB. CE1402 e RN1265). A terra estava povoada e cultivada há mais de oitenta

anos. Plataforma SILB. RN1268. Disponível em: http://www.silb.cchla.ufrn.br. Acesso em: 30 maio 2019. 210 Foi escolhido como capitão-mor do Rio Grande em consulta pelo Conselho Ultramarino de 7 de abril

de 1711, em 24 de outubro do mesmo ano, já no Recife, prestou preito e deu homenagem pela Capitania do

Rio Grande nas mãos do governador de Pernambuco, Felix José Machado de Mendonça Eça de

Vasconcelos. Em 31 de novembro chegou à Cidade do Natal e foi empossado pelo Senado da Câmara,

governando a capitania até 19 de junho de 1715 (LEMOS; MEDEIROS, 1980, p. 31).

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distância, de acordo com o texto dito pelo sesmeiro, então temos quatro léguas de terras

litorâneas, e não três, como foi estabelecido pela Coroa e que constam no documento.

Percebe-se que o sesmeiro tinha interesses ligados à pescaria nessa costa, mesmo não

descrevendo essas atividades na solicitação. Quando analisamos essas sesmarias

costeiras, nos parece que esses indivíduos buscavam averiguar nesses sertões a presença

de prováveis salinas ou áreas propícias para a pesca de arrastão. Por isso, solicitavam

vastas porções costeiras para pesquisar e investir nessas atividades, buscando regiões

litorâneas que tivessem a desembocadura de rios, lagoas costeiras e restingas.

Lembremos que esse espaço foi doado no século anterior a Nicolau Vazalim com

a sesmaria Pequitinga [Mapa 3, página 82], sendo que esta não foi ocupada na época nem

pelos outros sesmeiros no século XVII. Retornando nas análises cartográficas,

percebemos que Pititinga foi um dos portos e topônimo de maior descrição nesse sertão,

demonstrando ser um local de passagem dos marítimos, região pesqueira dos indígenas,

e, portanto, nesse período de apaziguamento da Guerra dos Bárbaros, tornou-se uma costa

ambicionada pelos moradores da capitania. Não se conseguiu no cruzamento de diversas

fontes militares, paroquiais e camarárias analisadas no período encontrar outras

informações sobre Francisco da Costa Barbosa que pudessem contribuir para montar a

sua trajetória. Sabe-se somente que em 28 de novembro de 1747 já tinha subido na

hierarquia militar com a patente de capitão, e que pediu um requerimento, solicitando a

confirmação da sua carta de sesmaria, que foi enviado ao rei de Portugal, D. João V,

descrevendo essas terras como os “sítios de pescarias Petitinga ou Maracajaú”.

Provavelmente, o sesmeiro fez o requerimento, pois outros colonos adentraram nesses

espaços e também almejaram essas praias comprando de outros sesmeiros ou

confirmando que eram devolutas às autoridades da capitania211. Com a confirmação dessa

sesmaria, foi a garantia do reconhecimento da Coroa e de que o Capitão Francisco da

Costa Barbosa e de seus descendentes eram os proprietários legítimos de parte desses

sertões. Desse modo, percebe-se que esses locais eram utilizados desde os primórdios da

colonização em atividades pesqueiras, mesmo sendo essa “terra sem préstimos”, suas

211 REQUERIMENTO de Francisco da Costa Barbosa ao rei [D. João V] pedindo confirmação de carta de

sesmaria de terras no lugar chamado “Petitinga ou Maracajaú”, concedidas pelo Capitão-mor Francisco

Xavier de Miranda Henriques. AHU-RN, Cx. 5, D. 22. Dentre os sesmeiros que solicitaram anos mais tarde

a Enseada de Pititinga, está João Fernandes de Araújo, em 2 de setembro de 1746. No documento, se

descreve que as terras foram compradas ao Capitão Francisco da Costa Barbosa pela mulher de Fernandes

de Araújo, tendo essas praias duas redes de pescarias na costa. Plataforma SILB. RN0552. Disponível em:

http://www.silb.cchla.ufrn.br. Acesso em: 30 maio 2019.

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praias e rios piscosos serviam para dilatar os rendimentos dos proprietários nessas

indústrias212.

No decorrer desse processo de interiorização nos sertões em estudo, um dos

sesmeiros que buscou terras próximas da linha de demarcação estabelecida pelo Alvará

de 27 de fevereiro de 1701 [ver Mapa 5], que proibia a criação de grandes rebanhos até

10 léguas da costa, foi realizado pelo Coronel Antônio Dias Pereira213 ao solicitar a região

das nascentes da Lagoa de “Emboasica” [atual Lagoa do Boqueirão]214, que faz parte dos

mananciais do rio do Porto do Touro. Em vista disso, quais os motivos que levaram o

proprietário a solicitar terras dentro da fronteira que proibia a criação de gado extensivo?

Pois, faltavam apenas cinco léguas para o limite imposto pelo alvará, assim,

conjecturamos que o personagem fez esse pedido primeiro para expandir suas fronteiras

de criação de gado nesse espaço limítrofe e talvez distante de possíveis fiscalizações de

agentes da coroa portuguesa e, além disso, as terras da fronteira do alvará, segundo as

nossas análises em mapas hidrográficos atuais, não são propensas para a criação, em vista

de serem escassas de água e córregos. Esse pode ser, provavelmente, um dos motivos que

levaram o Coronel Antônio Dias a recuar as suas terras para uma região mais rica em

pastos nas nascentes do rio do Porto do Touro215.

A solicitação foi feita ao Capitão-mor Domingos Amado216, em 4 de maio de

1717, tendo como principal justificativa a criação de gado vacum e cavalar nessas

212 Sobre as atividades pesqueiras na Capitania do Rio Grande, analisar o artigo de Ana Lunara da Silva

Moraes com o título: Quanto peixe se compra com um vintém? A historiadora analisou as atividades

pesqueiras e as querelas derivadas desta atividade comercial na capitania do Rio Grande, 1650-1750. 213 Segundo Júlio César de Alencar, o referido Coronel ocupou cargos camarários desde 1695, quando

ocupou pela primeira vez o cargo de Almotacé e posteriormente também nos anos de 1710, 1715 e 1720;

foi Procurador em 1696; depois foi Juiz Ordinários nos anos em 1709, 1714 e 1719 (ALENCAR, 2017, p.

224). 214 Os dados foram levantados a partir das informações da Secretaria de Geologia, Mineração e

Transformação Mineral do Ministério das Minas e Energia. Disponibilizadas no CPRM – Serviço

Geológico do Brasil. Carta do Projeto Cadastro de Fontes e de abastecimento por água subterrânea do

Estado do Rio Grande do Norte, município: Touros. Disponível em: http://rigeo.cprm.gov.br/xmlui/bitstream/handle/doc/17297/mapa_touros.pdf?sequence=2. Acesso em: 3

jun. 2019. 215 Na análise dos mapas hidrográficos da atualidade, observou-se que nas imediações da atual cidade de

João Câmara-RN possa ser o provável local da demarcação das dez léguas estabelecidas pelo Alvará de

1701. Entre a linha de demarcação e as nascentes do Porto do Touro existe um espaço sem córregos e lagoas

disponíveis para criação, corroborando a nossa tese de que o Coronel Antônio Dias Pereira recuou na

solicitação para adquirir as terras mais férteis. Os dados foram levantados a partir das informações da

Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério das Minas e Energia.

Disponibilizadas no CPRM – Serviço Geológico do Brasil. Carta do Projeto Cadastro de Fontes e de

abastecimento por água subterrânea do Estado do Rio Grande do Norte, município: Touros. Disponível em:

http://rigeo.cprm.gov.br/xmlui/bitstream/handle/doc/17297/mapa_touros.pdf?sequence=2. Acesso em: 4

jun. 2019. 216 Foi nomeado pelo Conselho Ultramarino em 25 de junho de 1714 para ocupar o cargo de capitão-mor

do Rio Grande por três anos. Segundo seu “currículo”, serviu na província da Beira, no reino de Portugal,

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paragens217. O Coronel foi mais um exemplo de autoridade colonial que se utilizou de

suas influências no âmbito do poder na cabeça da capitania para expandir os seus

domínios e suas redes clientelares sobre os sertões do Rio Grande. Além dessa sesmaria,

solicitou ainda mais três propriedades, sendo uma delas no Ceará e outras duas nos rios

Apodi-Mossoró, no decorrer de sete anos, entre 1710 e 1717, período esse que ocupou

cargos camarários no Senado da Câmara em Natal, ampliando dessa maneira o seu

patrimônio com as terras que estavam devolutas218. O Coronel Antônio Dias era casado

com Maria Gomes, com a qual teve seis filhos, sendo os últimos batizados na capela de

Santo Antônio do Potengi. O personagem colonial era uma das pessoas de renome no Rio

Grande, com cabedal e influência, pois tinha em torno de sete escravos e uma rede de

relações sociais importantes nos espaços da capitania (COSTA, 2015, p. 80-84; DIAS,

2015, p. 177).

Ademais, no que tange à movimentação dos colonizadores pelos sertões do Porto

do Touro, podemos salientar que as marchas sobre esse espaço foram continuadas ao

longo do curso dos rios para o sertão de cima, como foi descrito no documento sesmarial

de Dias Pereira, onde destacam-se os caminhos feitos pelo rio do Porto do Touro e a busca

por novas paragens para criação de gado,

[...] nas cabeceiras da lagoa chamada Emboasica onde nasce o rio

chamado o Porto do Touro, de um carrasco para dentro está um serrote

cujo nome não lhe sabe suplicante de cuja parte ou paragem nasce um

olho d’água que corre para uma lagoa grande a que os gentios chamam

de Assu-mirim a qual quando enche deságua para outra acima declarada

Emboasica na qual parte a terras capazes de criar gados [...]219.

A descrição do espaço feita pelo sesmeiro para a autoridade da capitania

demonstra a capacidade de articulação que esses indivíduos tinham de se relacionar com

grupos indígenas, e assim conhecerem os melhores solos para pasto, plantio ou locais

propícios para pescarias. Com o relato e indicações dos gentios, esses colonos expandiam

por 18 anos, ocupando as funções de praça de soldado, sargento Supra e do número, furriel-mor, alferes e

capitão de infantaria (ALVEAL; OLIVEIRA, 2016, p. 134-141). 217 Plataforma SILB. RN 0376. Disponível em: http://www.silb.cchla.ufrn.br. Acesso em: 3 jun. 2019. 218 No Ceará, o Coronel Antônio Dias solicitou em conjunto com outros sesmeiros em 1710 o rio Salgado,

um dos afluentes do rio Jaguaribe (Plataforma SILB. CE 0958); no ano de 1713 solicitou um trecho de terra

onde banhado pelo rio Mossoró (Plataforma SILB. RN0336); em 1716 solicitou uma parte das margens do

rio Apodi (Plataforma SILB. RN0348); todas essas localidades foram pedidas pelo Coronel tendo como

principal objetivo a expansão de seus currais para criação de gado. Disponível em:

http://www.silb.cchla.ufrn.br. Acesso em: 3 jun. 2019. 219 CARTA de sesmaria doada em 4 de maio de 1717 ao Coronel Antônio Dias Pereira na Lagoa Assu-

Mirim. IHGRN – Fundo Sesmarias. Livro II, n. 164. Plataforma Silb. RN 0395.

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seus conhecimentos sobre esses rincões que antes só eram conhecidos pelos povos

ameríndios.

Em relatos mais contemporâneos, a lagoa de Assu-Mirim, que deságua na lagoa

de Emboasica, segundo as informações adquiridas em entrevistas que realizamos com

moradores mais antigos de Touros, pode ser o atual Boa Cica, topônimo também atual de

um dos distritos desse município, pois nos períodos de invernos mais rigorosos essas

regiões mais próximas das nascentes formavam grandes lagoas temporárias que

desemborcavam na Lagoa de Emboasica [Boqueirão]220. Porém, na atualidade, devido às

atividades agrárias e às transformações antrópicas no espaço, essas lagoas estão mais

escassas, formando apenas um pequeno córrego que deságua na atual Lagoa do

Boqueirão, antiga “Emboasica”, nomeada assim pelos indígenas e colonizadores

portugueses. Os entrevistados nos revelaram ainda que as margens da lagoa de Emboasica

e seus riachos eram utilizados como caminhos pelos antigos moradores desde o século

XIX, do Porto de Touros até a cidade de João Câmara. Como nos descreveu Câmara

Cascudo, o termo “mboaciga” é de origem indígena e pode corresponder “a atalho, o

corte, o caminho mais curto” (CASCUDO, 2010, p. 71).

Desse modo, o topônimo revela que desde os tempos dos domínios dos indígenas

nesses sertões, antes da chegada dos europeus, essa era uma das rotas que ligavam o sertão

de cima com o sertão de baixo, como foi observado no Mapa 4 e, na sesmaria do Coronel

Antônio Dias Pereira, presente no Mapa 5, a região da bacia hidrográfica do

Boqueirão/Boa Cica/Touros, além de ser um espaço apropriado e cobiçado por sesmeiros

desde o século XVIII, foi também um dos espaços de construção contínua de caminhos

mais curtos que ligavam o interior da capitania ao principal centro marítimo do litoral

norte, o Porto do Touro221.

220 Realizamos a entrevista com o professor da rede pública e líder da comunidade de Boqueirão em Touros,

Milton César Apolinário, que nos fez esse relato oral com a contribuição de seu tio-avô, João Apolinário,

de 107 anos, que nos descreveu que essa região sempre foi um espaço de alagadiços e propícia para a

criação de gado e de vastas lavouras (APOLINÁRIO, Milton César. Entrevista sobre a lagoa do Boqueirão

e Boa Cica com Milton César e João Apolinário. [maio 2019]. Entrevistador: Pedro Pinheiro de Araújo

Júnior. Touros, 2019). 221 Um dos indícios que esses sertões faziam o escoamento de produtos agrícolas por esse porto foi descrito

por Nilson Patriota ao informar que, no início do século XIX, o Porto do Touro fazia parte de uma rede de

escoamento da produção algodoeira advinda das imediações do atual município de João Câmara, na época,

pertencente à antiga Vila de Touros (PATRIOTA, 2000, p. 217). Segundo ainda Aires de Casal, esses portos

do litoral norte não eram propícios para “esquadras de navios de alto bordo”, indicando que eram utilizados

para navegação de cabotagem pelos Canal de São Roque. Nesse relato, feito em 1817, o autor descreveu

também que “sobre a costa do Norte junto à embocadura d’uma ribeira, está a medíocre, aprazível, e

florescente de Povoação dos Toiros, habitada de Brancos, e ornada com uma Capela do Senhor Jesus dos

Navegantes. Do seu porto, onde surgem embarcações menores, exporta-se algodão” (CASAL, 1947 [1817],

p. 216).

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Outros sesmeiros que iniciaram a ocupação da costa do Porto do Touro, na

segunda fase de concessões nesse espaço, entre 1706 e 1719, foram os Capitães Antônio

Lopes de Lisboa222 e Domingos da Silveira223. Ambos solicitaram ao Capitão-mor do Rio

Grande, Sebastião Nunes Colares224, as terras na passagem de Rio do Fogo em 1706225,

sendo essa uma sesmaria ainda não estabelecida pelos padrões das ordens régias de 1697

e 1699, que uniformizaram essas concessões. No entanto, o lote tinha uma légua de costa,

começando na desembocadura do atual Rio do Fogo em direção ao sul e duas léguas de

comprimento para o sertão. Ao denominarem esse local de “passagem” no documento,

pode indicar que nessa costa era comum ocorrerem as marchas e caminhos entre a Cidade

do Natal e o Porto do Touro, com seus sertões adjacentes, corroborando assim com as

nossas pesquisas (de acordo com o Mapa 4, página 122), que descrevem que essa costa

era uma das rotas utilizadas pelos colonos para alcançarem as regiões mais ao norte da

capitania e do Ceará por terra e pelo mar. Entretanto, os solicitantes não informaram as

justificativas pelas quais pediram esses solos, apenas descreveram que tinham adquirido

a terra através da compra, e que esta, anteriormente, pertencia ao governador João

Fernandes Vieira. Possivelmente esses sesmeiros de Rio do Fogo tinham interesses na

pesca, sobretudo nas imediações da Lagoa do Fogo e do rio que deu origem a esse

222 Antônio Lopes de Lisboa era oriundo de Pernambuco e solicitou quatro sesmarias no total, vinculando-

se com outros sesmeiros para apropriarem-se de parte dos solos dos sertões das capitanias do Ceará e do

Rio Grande. Solicitou mais dois lotes no Rio Grande, em 7 de novembro de 1674 (Plataforma SILB.

RN0023) e em 24 de março de 1676 (Plataforma SILB. RN0030). Por fim, em 13 de outubro de 1680,

solicitou terras no Ceará nas adjacências do rio Choro (Plataforma SILB. CE0013). Disponível em:

http://www.silb.cchla.ufrn.br. Acesso em: 27 maio 2019. 223 O sesmeiro solicitou terras também na ribeira do rio Pirangi, na região ao sul da Cidade do Natal, onde

organizou um consórcio com Manuel de Sousa Cerne, Manuel da Silva, Antônio Dias Pereira e Antônio de

Carvalho, em 1710. Na dita carta, o desembargador Cristóvão Soares Reimão ordenou que cada suplicante

obtivesse nova carta de sesmaria devido a uma ordenação real que proibia mais de dois sesmeiros

requerentes por data. Tal ordenação justifica a carta de 1711, na qual Domingos da Silveira requer

novamente os títulos da terra que povoava (Plataforma SILB. RN0095). 224 Foi nomeado como Capitão-mor do Rio Grande, por resolução do Conselho Ultramarino, em 12 de

setembro de 1703. Somente em 18 de novembro de 1705 prestou juramento para ocupar o cargo e deu

homenagem no Recife ao Governador de Pernambuco, Francisco da Costa Moraes, no Palácio das Torres.

No relato da sua patente, descreve-se que prestou relevantes serviços à Coroa, no Estado da Índia e na

Capitania de Sergipe de El Rei, ocupando cargos militares de soldado, alferes ajudante, capitão de navio e

de infantaria e capitão-mor que foi da referida Capitania. Tomou posse do posto perante o Senado da

Câmara de Natal, a 10 de dezembro de 1705, governou até 30 de novembro de 1708 (LEMOS; MEDEIROS,

1980, p. 27; ALVEAL; OLIVEIRA, 2016, p. 126). 225 A sesmaria Rio do Fogo (Plataforma SILB. RN0056) é descrita na plataforma SILB como doada a oito

sesmeiros, Estevão Velho de Moura, Manuel da Costa Barros, João Martins, João Ferreira de Melo,

Domingos de Mendonça, Francisco da Costa Travassos, Antônio Lopes de Lisboa e [Domingos] da

Silveira. No entanto, ao analisarmos o documento, constam apenas os nomes dos capitães Antônio Lopes

de Lisboa e de Domingos da Silveira. Desse modo, utilizamos apenas os nomes desses dois personagens

ao analisar essa sesmaria. A pesquisa foi realizada a partir dos dados coletados da Plataforma SILB.

Disponível em: http://www.silb.cchla.ufrn.br. Acesso em: 27 maio 2019; CARTA de sesmaria doada em

17 de setembro de 1706 a Antônio Lopes de Lisboa e Domingos da Silveira no lugar Rio do Fogo. IHGRN

– Fundo Sesmarias. Livro I, n. 57.

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topônimo [ver Mapa 5, página 135 ], já que esse espaço é composto por solos dunares e

de falésias, pouco propícios para a pequena criação e agricultura, no entanto, suas lagoas

e riachos que seguem para o mar, historicamente, foram utilizados na cultura da pesca de

arrastão ou na piscicultura226. Ademais, a capitania foi relatada como uma região piscosa,

como foi descrita no relato de Domingos da Veiga, em referência ao rio Potengi e regiões

adjacentes. Descreveu que era a mais fértil de peixes do Brasil, onde se faziam grandes

pescarias e pela sua costa, nos períodos de verão, a produção de peixes salgados seguia

para os mercados da Paraíba e Pernambuco (STUDART, 1920 apud VEIGA, 1627, p.

261). Nos tempos da dominação neerlandesa, o cronista Joan Nieuhof descreveu que os

peixes eram largamente consumidos pela população, que “nem mesmo os doentes

atacados de febre dispensam” o consumo. Segundo ainda o autor, os rios e lagoas são

ricos em todas as variedades de pescados, lagostas, tartarugas, camarões etc. No período

chuvoso, os peixes marítimos ficam retidos nos rios e não mais voltam para o mar

(NIEUHOF, 1682, p. 44).

A articulação desses personagens em dominar a costa do Rio do Fogo e atrair

dividendos através de possíveis atividades econômicas pode ser entendida nas redes

clientelares estabelecidas por esses sujeitos atuando no Senado da Câmara do Natal desde

fins do século XVII. Como nos descreveu a historiadora Maria de Fátima Gouvêa, a Coroa

portuguesa passou a conceder privilégios comerciais a indivíduos e grupos associados ao

processo de expansão em curso. Para ela, tais condições acabaram por se constituir no

desdobramento de uma “cadeia de poder e de redes de hierarquia que se estendiam desde

o reino, dinamizando ainda mais a progressiva ampliação dos interesses metropolitanos,

ao mesmo tempo que estabelecia vínculos estratégicos com os vassalos de ultramar”

(GOUVÊA, 2001, p. 288).

Em vista dessas articulações, Antônio Lopes de Lisboa pode ter se utilizado da

sua influência e experiência nos períodos que ocupou os espaços camarários para adquirir

mais terras, quando ocupou o cargo de escrivão por dez anos, de procurador no ano de

1675, assumiu como almotacé em 1676 e foi vereador entre 1693 e 1696. Já Domingos

226 No relato dos moradores da capitania ao rei D. Pedro II, foi descrito que essas lagoas próximas ao mar

eram utilizadas comumente na pesca:“ a terra por ser em grande abundância o peixe que há por toda aquela

costa a que vem barcos e barcos a carregar para as mais capitanias e ainda em lagoas que há pela terra a

dentro em que se criam quantidade de pescados sem número que com muito grande facilidade se pescam

por serem lagoas mansas e em quantidade muito grandiosa, onde o peixe entra pelas grandes concavidades

que tem a fazer criação”. Registro de petição dos moradores da Capitania do Rio Grande da costa de

Pernambuco e representam a Sua Majestade, como a dita capitania é uma das melhores que Sua Majestade

tem nas partes da América, 28/02/1695. In: Documentos Históricos: Cartas Régias 1667-1681. v. 47.

Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Typ. Baptista de Souza, 1945, p.120-122.

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da Silveira foi também contemporâneo de Lopes de Lisboa na assunção de cargos

camarários na Câmara do Natal, quando ocupou a função de procurador em 1711,

almotacé em 1713, vereador em 1717 e de juiz ordinário em 1727227. Quando ocorreu a

solicitação da sesmaria na passagem de Rio do Fogo, ambos os capitães estavam sem

ocupar o cargo camarário naquele intervalo de tempo. Conjecturamos que eles usaram de

suas articulações com as autoridades da Coroa na capitania para conseguir um lote nas

adjacências do Porto do Touro para expandir seus negócios em atividades pesqueiras e

salineiras nesse espaço. As vinculações sociais que ligavam ambos estavam mais estreitas

desde 2 de novembro de 1704, quando Antônio Lopes de Lisboa tornou-se padrinho da

filha de Domingos da Silveira, a criança Catarina do Amorim Freire.

Dentre os compadres, o que tinha o maior cabedal era Lopes de Lisboa por ser um

dos poucos moradores da capitania que possuía um barco com tamanho considerável e

que fazia o transporte do sal das praias das salinas para o porto de Natal228. Sendo este

um dos indícios que levaram esse sesmeiro a ter conhecimento costeiro das adjacências

do Porto do Touro e ter interesses sobre eles, com a sua experiência em navegação pelos

baixios de São Roque, possivelmente teve o aprendizado dos melhores pontos para

pescarias nessas paragens, o que levou a associar-se com o compadre, Domingos da

Silveira, para apropriarem-se da região. Essa prática de associar-se com parentes e amigos

com laços de compadrio229 era uma prática bastante comum nessa ascensão social dentro

das práticas da sociedade do Antigo Regime nos trópicos. Por exemplo, os três últimos

personagens relatados tinham vinculações de parentescos entre si e puderam expandir

seus patrimônios sobre os sertões da Capitania do Rio Grande. Esses colonos citados não

227 Segundo Júlio César de Alencar e Patrícia Dias, Antônio Lopes de Lisboa foi um dos moradores que

assinou o termo proposto pelo capitão-mor, Bernardo Vieira de Melo, em 1695, para sustentar o presídio

do Assu por um período de seis meses no decorrer da Guerra dos Bárbaros. Lopes de Lisboa, nesse ínterim,

conseguiu quatro sesmarias enquanto foi funcionário camarário. Domingos da Silveira, nesse contexto da

Guerra dos Bárbaros, assinou em 1708 um parecer favorável à proposta do capitão-mor André Nogueira da

Costa de dar continuidade à guerra contra os índios Janduí (ALENCAR, 2017, p. 224; 230; DIAS, 2015, p.

171). 228 Segundo Patrícia Dias, Antônio Lopes de Lisboa e Manoel Gonçalves Branco eram os únicos homens

que possuíam barco com capacidade para fazer o transporte do sal entre a região das salinas e Natal (DIAS,

2015 apud LOPES, 2003 p. 64). Nos estudos de Júlio César de Alencar, levantou-se que a região das salinas

era do litoral do Porto do Touro para o Ceará, sendo essa atividade extrativista como lucrativa para a fazenda

real desde a década de 1670 (ALENCAR, 2017, p. 57). 229 Segundo Stuart Schwartz, ao descrever sobre as redes clientelares dos laços de família e compadrio no

mundo colonial, informou que os parentescos por afinidade estavam no coração dessas relações. Para ele,

na sociedade portuguesa, o número de vínculos podia aumentar com a criação de parentes fictícios. Ao

servir como padrinho de batismo ou testemunha de casamento, um indivíduo criava uma série de laços não

apenas com o afilhado ou o casal, mas também com os pais naturais (SCHWARTZ, 2011, p. 271-274).

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146

foram exemplos únicos nesses espaços, o retalhamento territorial desses sertões do Porto

do Touro foi expandido com o exemplo do sesmeiro a seguir230.

4.4 Os donos do Poder: a trajetória do Vereador Domingos Carvalho da Silva

Um dos primeiros solicitantes de terras no litoral norte da Capitania do Rio Grande

foi o sesmeiro Domingos Carvalho da Silva, que requereu terras ao capitão-mor André

Nogueira da Costa 231, sendo estas com dimensões de 3 léguas de comprimento de costa,

iniciando do rio do Porto do Touro para o sul, passando por Carnaúbas e Rio do Fogo,

tendo essa sesmaria 1,5 légua de fundo para o sertão232 [ver Mapa 5]. Domingos Carvalho

fez a solicitação pois possuía criação de gado vacum e cavalar e almejava expandir seus

domínios, ter acesso a outras lagoas e rios para manter o seu pequeno rebanho permitido

pelo Alvará de 1701. Segundo o documento sesmarial, o solicitante morava no Porto do

Touro há pelo menos 15 anos e comprou essas terras a Domingos da Silva [ou Silveira]

Valcasar233, tendo este último solicitado o Porto do Touro por volta de 1691, todavia, o

sesmeiro nunca as tinha povoado. Ademais, Domingos Carvalho da Silva comprou a

terra, provavelmente em 1696, mas como não tinha o seu título legal, possivelmente as

autoridades coloniais concederam essa região costeira ao padre Antônio Rodrigues Fontes

e a Maurício Bocarro Ribeiro234, porém ambos também não as povoaram e o

230 Segundo Patrícia de Oliveira Dias, o capitão Domingos da Silveira tinha também vinculações de

compadrio com o Coronel Antônio Dias Pereira, pois, era padrinho de Teodósio, um dos filhos do Coronel.

A autora fez em sua dissertação o geneagrama desses dois personagens, contribuindo nos estudos coloniais

sobre as relações entre essas famílias que ocuparam cargos e sesmarias no Rio Grande (DIAS, 2015, p.

176-189). 231 Foi nomeado Capitão-mor do Rio Grande para um mandato de três anos por Patente Real de 31 de março

de 1708, que foi outorgada pelo rei D. João V (1689-1750). Após consulta ao Conselho Ultramarino em 18

de janeiro e resolução a 30 de março do mesmo ano. “Tinha 17 anos de atividades militares, entre 25 de

abril de 1686 e 15 de setembro de 1705 prestou serviços à Coroa, quer na Capitania de Pernambuco como

no reino de Angola Tais disposições, bem como a descrição sumária do seu desempenho anterior a serviço

d’EI-Rei, podem ser observadas no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria do referido

monarca, Livro 31, fls. 106.” (LEMOS; MEDEIROS, 1980, p. 29). 232 O topônimo “Carnaúbas” descrito nesse documento pode ser na atualidade as praias de Carnaubinha ou

Perobas, que são distritos de Touros e que estão localizadas ao sul dessa cidade. Segundo Câmara Cascudo,

os topônimos Carnaúbas e Carnaubinha são muitos comuns no Rio Grande do Norte, e o termo “caraná-

iba” significa a árvore carná, escamosa, áspera e rugosa (CASCUDO, 2002, p. 80). 233 O personagem colonial não foi encontrado entre os solicitantes de sesmarias nos dados da Plataforma

SILB. Possivelmente, morava em Pernambuco e vendeu as terras para Domingos de Carvalho para seguir

“em negócios do seu pai” [não consta no documento] no reino da Espanha. Como nos descreveu José

Antônio da Fonseca, Domingos Silveira Valcasar casou-se ainda na Espanha com Catarina Nunes e desse

relacionamento tiveram dois filhos: Ana Margarida e João Inácio da Silveira. Este último retornou para a

Capitania da Paraíba e casou-se com Ana do Rego Bezerra (FONSECA, 1935 [1776] p.178). 234 Não constam nos documentos sesmariais que esses sesmeiros solicitaram as terras do Porto do Touro.

No entanto, em outros espaços da capitania do Rio Grande, o padre Antônio Rodrigues Fontes, que era

morador da Cidade do Natal, recebeu duas concessões: uma no rio Carau, em 1717 (Plataforma SILB.

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desembargador Cristóvão Soares Reimão235 as considerou como devolutas, confirmando

as terras para Domingos Carvalho em 25 de maio de 1711236.

Domingos Carvalho da Silva não pode ser analisado isoladamente como mais um

colono a fazer uma solicitação de uma sesmaria junto ao capitão-mor do Rio Grande.

Com o cruzamento das fontes coloniais, percebeu-se que ele fazia parte de uma rede

complexa de relações que se construíram nesse processo colonizador sobre a capitania

em estudo. Não se tem, até o momento, registros de suas origens, sendo este um dos

poucos sesmeiros da capitania que não tinha patente militar. Destarte, era um dos

membros do Senado da Câmara do Natal no início do século XVIII237 e seu nome consta

entre os vereadores que deram posse ao Capitão-mor Antônio Carvalho de Almeida, em

14 de agosto de 1701238. O vereador fazia parte de um grupo de indivíduos que estavam

no centro do poder da capitania e se articulavam com os seus pares a concessão de novas

cartas de sesmarias nesse espaço colonial.

Segundo Thiago Alves Dias, em Natal, os “homens bons” da cidade se reuniam

no dia 21 de novembro, data da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Apresentação,

para escolher cinco ou seis eleitores que elegiam os vereadores da Câmara em três listas,

o juiz ordinário que ocupava o cargo por três anos, além dos procuradores e juiz de órfãos

(DIAS, 2009, p. 121). Segundo Vicente Lemos, essas câmaras coloniais eram também,

totalmente ou em parte, responsáveis pela manutenção, alimentação e vestuário das suas

guarnições e pela construção e manutenção das suas fortificações, tal como pelo

equipamento de frotas costeiras. Além disso, regulavam a polícia nas feiras, nos mercados

e no trânsito e supervisionavam a distribuição e arrendamento das terras de seu termo

(LEMOS; MEDEIROS,1980, p. 17).

RN0383) e outra na Cidade do Natal, em 1723 (Plataforma SILB. RN0991). Já Maurício Bocarro Ribeiro

em união com Francisco Rodrigues Coelho solicitaram parte das terras da ribeira do rio Ceará-Mirim em 3

de fevereiro de 1710 (Plataforma SILB. RN0083). 235 Segundo Patrícia Oliveira Dias, em 6 de setembro de 1695, Cristóvão Soares Reimão foi nomeado

ouvidor-geral da Paraíba e suas capitanias anexas. Licenciado e doutor em Direito na Universidade de

Coimbra, tornou-se desembargador e começou suas atividades na capitania da Paraíba, atendendo também

as capitanias do Rio Grande, Ceará e Itamaracá. O desembargador deveria fiscalizar o cumprimento das

leis, protegendo assim os interesses reais. Com o passar do tempo, na colônia, os desembargadores

passaram a assumir outras funções ligadas à área administrativa, como cobrança de impostos e

investigações sobre fraudes, sonegação de tributos e contrabando (DIAS, 2012, p. 149-150). 236 CARTA de sesmaria doada em 1711 a Domingos Carvalho da Silva no Porto do Touro. IHGRN – Fundo

Sesmarias. Livro II, n. 107; Plataforma SILB. RN0105. 237 Funcionou em Natal no consistório da Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, onde realizava suas

sessões e os capitães-mores e as demais autoridades coloniais prestavam pleito e mensagem para assumir

os cargos, onde quem presidia as sessões era o Juiz Ordinário (LEMOS; MEDEIROS, 1980, p. 17). 238 O documento é uma Carta Patente de Antônio Carvalho de Almeida, quando assumiu o cargo de capitão-

mor da Capitania do Rio Grande, conforme Arquivo Nacional da Torre do Tombo – Mercês de D. Pedro

II. Comuns. – Livro 26, fls. 411 (LEMOS; MEDEIROS, 1980, p. 87-89).

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As redes familiares, econômicas e políticas ligadas a Domingos Carvalho da Silva,

no âmbito do Senado da Câmara, foram utilizadas para garantir a posse de terras,

rendimentos ou favores nesse espaço colonial. Os cargos camarários foram objeto de

disputas entre esses grupos economicamente influentes da Capitania do Rio Grande, tal

como observamos nos exemplos analisados na seção anterior. Nessa conjuntura,

Domingos Carvalho poderia ser eleito aos cargos camarários pelas pessoas ligadas a ele,

devido aos laços de poder e aos interesses que os uniam. Os indivíduos que participavam

da Câmara ditavam as regras da capitania e, logicamente, estavam imbuídos de

apropriarem-se dos espaços que anteriormente eram dos grupos indígenas originais que,

nesse processo de expansão colonial portuguesa, uma parte foi migrada, dizimada nos

conflitos com os colonizadores ou aldeada em missões239.

Tanto Domingos Carvalho como Antônio Lopes de Lisboa podem ter se

beneficiado dos negócios da pesca no litoral norte quando solicitaram as sesmarias do

Porto do Touro e Rio do Fogo [ver Mapa 5], respectivamente, após o Senado da Câmara

estabelecer sobre o abastecimento de pescados na sede da Capitania, em 1º de junho de

1693. Os oficiais, incluindo o próprio Antônio Lopes de Lisboa, do Senado da Câmara

liberaram em edital a pesca na costa, do Porto do Touro até o Ceará, pagando-se 2$000

por rede e 10 tostões por tresmalho como constava o alvará do Governador-geral240.

Estaria Domingos Carvalho da Silva, nessa época, na articulação com os oficiais da

Câmara para se beneficiar do novo negócio da pesca? Já que ainda não tinha cargo

camarário, podemos conjecturar que o personagem pode ter se utilizado das uniões com

os grupos sociais importantes na época, através dos laços de compadrio, e com isso ter

almejado o privilégio comercial na costa do Rio Grande.

Como se observa no geneagrama a seguir, Domingos Carvalho era casado com

Catarina de Barros, e tiveram desse matrimônio seis filhos. Os locais de batismos dessas

crianças demonstram a mobilidade da família, a partir da cidade do Natal para o litoral

norte, entre o final do século XVII e o princípio do século XVIII. Seus dois primeiros

filhos, Inês e Júlio da Costa Barros, foram batizados na Igreja Matriz de Nossa Senhora

da Apresentação e os outros quatro foram batizados na igreja de São Miguel do Guajiru241.

239 Os índios, sem suas terras, perseguidos pelos colonos, foram obrigados a abandonar sua própria cultura.

Parte da população nativa passou a vagar pelo sertão sem destino certo. Em levas, fugiam da Capitania do

Rio Grande para Paraíba e o Ceará, outras vezes faziam o caminho inverso (MONTEIRO, 2008, p. 17-18). 240 IHGRN – LTVSCN, Caixa 3, Livro 3, 1674-1698, fls. 108. 01/06/1693. 241 LIVRO de Registro de Batismo da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação (1681-1714), sob a

guarda do IAHGP.

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Possivelmente, a família se estabeleceu no Porto do Touro ou nas mediações, pois

participava somente das cerimônias religiosas na igreja de São Miguel do Guajiru, a partir

de 1700, sendo este o único templo religioso da Freguesia de Nossa Senhora da

Apresentação, nas proximidades dos sertões do Porto do Touro, no início do século

XVIII242.

Por volta de 1700, a família conseguiu se expandir em redes de compadrio nos

espaços da capitania, haja vista o patriarca da família ser vereador no Senado da Câmara

do Natal nesse ano, portanto, era membro da elite que ocupava os cargos camarários no

Rio Grande. Como se observa no Quadro 3, logo mais a seguir, verifica-se que os

primeiros filhos do casal Domingos Carvalho e Catarina de Barros tinham como

padrinhos indivíduos com influência nos espaços da capitania no final do século XVII, a

família do capitão-mor Bernardo Vieira de Melo243. Os Vieira de Melo244 eram uma das

famílias mais importantes da chamada açucarocracia de Pernambuco e disseminaram seus

raios de influência no Rio Grande quando Bernardo Vieira de Melo ocupou o cargo de

capitão-mor dessa capitania entre julho de 1695 e agosto de 1701245.

242 Segundo Thiago Torres de Paula, a Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, em meados do século

XVIII, possuía 13 capelas anexas, mais a igreja matriz que ficava na cidade do Natal. Dentre as capelas que

ficavam mais ao norte estavam a Capela de São Miguel do Guajiru, na ribeira do rio Ceará-Mirim. Segundo

o autor, “Nossa Senhora da Apresentação era a santa padroeira de toda a freguesia, no entanto, cada capela

anexa representava uma extensão da igreja matriz e sobretudo do catolicismo romano na periferia da

freguesia” (PAULA, 2009, p. 54-55). 243 Foi nomeado capitão-mor do Rio Grande pelo Conselho Ultramarino por resolução a 25 de dezembro

de 1694. Serviu nas capitanias de Pernambuco desde 1675 até 1694 no posto de capitão de infantaria da

ordenança de toda a gente solteira do rio Capibaribe, foi capitão de cavalos da freguesia da Várzea, tenente-

coronel das ordenanças e capitão-mor da vila de Igarassu por patentes dos governadores das ditas capitanias

de Pernambuco (ALVEAL; OLIVEIRA, 2016, p. 115-123). Como nos descreve Tyego Franklim da Silva,

Bernardo Vieira de Melo, durante a sua governança como capitão-mor, estabeleceu os tratados de paz com

os Janduí, realizou a fundação do arraial do Assu, com o nome de Nossa Senhora dos Prazeres, e fez a

construção de um presídio nesses sertões. Segundo ainda o autor, o referido capitão-mor “chegou ao Rio

Grande em um período de considerável vantagem para as forças milites que acudiam a frente colonizadora

do sertão. Do Açu ao Jaguaribe, as rebeliões indígenas eram cada vez mais frequentes, e as atividades dos

sertanistas não cessavam” (SILVA, 2015, p. 79). 244 A família dos Vieira de Melo tem origem na Capitania de Pernambuco a partir de Antônio Vieira de

Melo. Este era cavaleiro fidalgo e natural de Cantanhede, Portugal, e em 1630 era um dos vereadores da

Vila de Olinda. Seu neto, Bernardo Vieira de Melo, foi casado duas vezes. A primeira vez com Maria de

Barros, com a qual não deixou herdeiros. No segundo matrimônio, casou-se com Catarina Leitão, com

quem teve nove filhos, sendo o mais velho André Vieira de Melo (FONSECA, 1935 [1748], p. 66-68). 245 Segundo Carmem Alveal, as Capitanias do Norte eram zonas de influência dessa açucarocracia, que se

permitia expandir, fosse por postos de governos, terras ou mesmo arrematação de contratos. Para a autora,

havia o interesse desse grupo em tomar a capitania do Rio Grande sujeita a Pernambuco no sentido de

favorecer esse mesmo grupo na garantia de um domínio e influência sobre o território potiguar (ALVEAL,

2016, p. 154-155).

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Figura 15 – Geneagrama da família de Domingos Carvalho da Silva e Catarina de Barros

Fonte: Elaboração do autor Pedro Pinheiro de Araújo Júnior no software Genopro, com base no Livro de Batizados da Freguesia de N. S. da Apresentação (1681-1714).

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Os Livros de Batismo da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação

demonstram que Domingos Carvalho e Catarina Barros se utilizaram do estratagema do

batismo para se amarrarem em laços de compadrio com os Vieira de Melo, tendo dois de

seus filhos batizados por membros dessa família pernambucana. Sua filha mais velha,

Inês, foi batizada na Matriz de Nossa Senhora da Apresentação em 1696, tendo como

padrinhos Bernardo Vieira de Melo e sua esposa, Catarina Leitão246. Em 26 de abril de

1697, seu segundo filho, Júlio da Costa Barros, teve como padrinhos Catarina Leitão e

André Vieira de Melo247, filho mais velho de Catarina com Bernardo Vieira.

Possivelmente, esses vínculos estabelecidos entre as duas famílias fizeram com

que, de alguma forma, Domingos Carvalho da Silva conseguisse expandir seu cabedal,

adquirindo sua única sesmaria por compra, o Porto do Touro, em 1696. No mesmo ano,

morava com a sua família numa casa ao sul do lote do então Alferes Antônio Dias Pereira

na cidade do Natal248, e assumiu um cargo camarário ainda no período da segunda

governança de Bernardo Vieira sob o Rio Grande. Conjecturamos, assim, que o dito

personagem só ocupou cargo no Senado da Câmara nos períodos em que seus compadres

foram influentes nesses espaços de poder na capitania. Como se observa no Quadro 2 a

seguir, a maioria dos padrinhos dos filhos de Domingos Carvalho tinham ocupado cargos

camarários ou foram nomeados para o cargo de capitão-mor, entre anos de 1695 e 1712,

ou eram parentes em primeiro grau de um dos membros do Senado da Câmara nesse

período249.

246 Catarina Leitão também fazia parte da Açucarocracia Pernambucana, segundo Antônio José da Fonseca.

Ela era filha do Capitão Gonçalo Leitão Arnoso, natural de Braga, Cavaleiro da Ordem de Cristo, Familiar

do Santo Ofício e proprietário do Ofício de Escrivão dos Defuntos e Ausentes da Bahia. Era casado com

Isabel Lopes, filha de Pedro Lopes e Maria Matheus (FONSECA, 1935, p.68). 247 Segundo Antônio José da Fonseca, André Vieira de Melo foi Cavaleiro Fidalgo, serviu como Alferes da

Companhia do Mestre de Campo do 3º do Recife. Faleceu em Lisboa, após ser preso como culpado pelos

levantes da Capitania de Pernambuco (FONSECA, 1935, p. 68). 248 Segundo Olavo de Medeiros Filho, o Senado da Câmara do Natal “concedeu pelo menos 26 datas de

terra na cidade do Natal” no último quartel do século XVII, de acordo com LIVRO III do Registro de Cartas

e Provisões do Senado da Câmara do Natal (1691-1702). Em nossa análise, em nenhuma dessas solicitações

apresenta-se o nome de Domingos Carvalho da Silva entre os indivíduos que requereram esses lotes.

Apenas na solicitação do Alferes Antônio Dias Pereira feita, em 12 de dezembro de 1696, consta que o

terreno que ele tinha pedido ficava em confrontação ao sul da casa onde morava Domingos Carvalho

(MEDEIROS FILHO, 2015, p. 70). Destarte, a informação sugere que Domingos Carvalho residia numa

casa que não era sua, e, portanto, não tinha uma moradia em seu nome ou no nome da sua esposa nessa

época. 249 Na dissertação de Júlio César de Alencar, é apresentada em quadros a ocupação nos cargos camarários

de diversos personagens coloniais do final do século XVII e início do século XVIII e de como eles

apropriaram-se de terras no Rio Grande, sendo possível encontrar todos os personagens citados no Quadro

3 do nosso trabalho. Ver em Alencar (2017).

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Quadro 3 – Redes clientelares do casal Domingos Carvalho da Silva e Catarina de Barros

nos espaços da capitania do Rio Grande

Fonte: Quadro elaborado por Pedro Pinheiro de Araújo Júnior, a partir dos dados do Livro de Batizados

da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação (1681-1714)

Posteriormente ao período de Bernardo Vieira de Melo, a família de Domingos

Carvalho da Silva vinculou-se em outras redes clientelares nos espaços da capitania,

sobretudo nas adjacências da igreja de São Miguel do Guajirú, possivelmente com pouca

influência na participação das discussões camarárias e em mais pedidos de solicitações

de terras nessa região entre os anos de 1701 e 1711250. Sua articulação em redes

clientelares pode ter se estreitado com o seu concunhado251, o Tenente-Coronel Manoel

Rodrigues Coelho252, possivelmente para tentar a confirmação da posse da sua sesmaria,

250 No catálogo organizado por Fátima Martins Lopes, Livros de Termos de Vereação de Natal (Séculos

XVII A XIX), existe um hiato de documentos entre os anos de 1698 e 1709, impossibilitando, portanto,

seguir a trajetória de vida de Domingos Carvalho nos espaços de poder da capitania nesse período. Ver

Catálogo de documentos manuscritos avulsos da capitania do Rio Grande do Norte (1623-1823). 251 Domingos Carvalho e Manoel Rodrigues Coelho casaram-se com as irmãs Catarina de Barros e Isabel

de Barros, respectivamente. Ambas eram filhas de Mariana da Costa, uma das pessoas de renome na

Capitania do Rio Grande. Fonte: Livro de Batizados da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação (1681-

1714). 252 O tenente-coronel é um exemplo de colono que ascendeu na hierarquia militar e política no espaço da

Capitania, seu nome aparece entre os oficiais da Câmara desde 1688, quando na época tinha a patente de

alferes. Percebe-se como esses indivíduos estavam amarrados em laços de família e compadrio, utilizando

de suas influências para ascender em postos administrativos da Capitania. Segundo Júlio César de Alencar,

Manoel Rodrigues ocupou os cargos de Procurador em 1691, de Vereador em 1696, 1705 e 1712, e atuou

com Almotacé nos anos de 1688, 1690 e 1713 (ALENCAR, 2017, p. 232). Na Plataforma SILB, consta que

o tenente-coronel solicitou, entre 1706 e 1724, quatro sesmarias na Capitania do Rio Grande: Plataforma

SILB. RN 0946, RN 0844; RN 0084; RN 0079. Segundo Patrícia Costa, Manoel Rodrigues Coelho não

residia na Cidade do Natal, pois seus filhos foram batizados na igreja de São Miguel do Guajirú, onde

Manoel tinha terras nas proximidades da ribeira do Ceará-Mirim. A autora descreveu ainda que Rodrigues

Data Local do batizado Filhos do casal Padrinhos

31/01/1696 Matriz de Nossa

Senhora da

Apresentação

Inês Capitão-mor Bernardo

Vieira de Melo e sua

mulher, Catarina

Leitão

26/04/1697 Matriz de Nossa

Senhora da

Apresentação

Júlio da Costa Barros André Vieira de Melo e

Dona Catarina Leitão

08/06/1700 Igreja de São Miguel da

Aldeia do Guajirú

Maria da Conceição

Barros

Capitão Manoel

Rodrigues Coelho e

Maria Carvalho (viúva)

10/08/1703 Igreja de São Miguel da

Aldeia do Guajirú

Ana Ajudante Pedro Vieira

e Maria Carvalho

(viúva)

01/01/1707 Igreja de São Miguel da

Aldeia do Guajirú

Clemente de Barros Capitão Teodósio da

Rocha e Maria

Carvalho (viúva)

11/06/1709 Igreja de São Miguel da

Aldeia do Guajirú

Domingos Manoel de Andrade e

Felizarda Figueira da

Rocha

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o que conseguiu, em 1711, como também para assumir novamente um cargo camarário

depois de uma pausa de 10 anos253. Em vista disso, em 21 de novembro de 1711, na

abertura do pelouro com os nomes dos novos oficiais do Senado da Câmara, apareceu na

lista o nome de Domingos Carvalho da Silva como eleito para ocupar o cargo de vereador

no ano de 1712. Meses depois, na sessão da Câmara de 26 de fevereiro de 1712, ele foi

impedido de assumir o cargo devido ao regulamento, que proibia a assunção do cargo

camarário por dois parentes, pois o seu concunhado, o tenente-coronel Manoel Rodrigues

Coelho, foi também eleito ao posto de Juiz Ordinário da Câmara254.

Essas situações, nas quais os parentes se utilizam dos espaços de poder para

angariar aumento de seu cabedal, foram vistas por Cristina Mazzeo Vivó como uma das

estratégias utilizadas pelas famílias no período colonial nas Américas, criando assim um

grupo que foi descrito pela autora como “elite”. Essas pessoas compartilhavam desses

interesses comuns e desfrutavam de prestígio social, bem como obtinham poder político

nas instituições coloniais, possuíam “uma riqueza composta não só de capital líquido, ou

seja, fazendas e propriedades urbanas, mas também expressa na capacidade de estabelecer

importantes relações sociais” (VIVÓ, 2009, p. 268). Essa articulação em redes familiares

entre Domingos Carvalho e Rodrigues Coelho pode ter garantido aos concunhados a

posse de suas terras na capitania, algumas delas confirmadas pelo desembargador

Cristóvão Soares Reimão entre os anos de 1706 e 1713255, quando este vinha realizando

o processo de demarcação das sesmarias do Rio Grande. Dessa forma, foram alargados

os domínios dessas duas famílias nos espaços da Capitania do Rio Grande nesse

período256.

Coelho era senhor de escravos e foi uma das pessoas de destaque que conviveram na jurisdição eclesiástica

da igreja de São Miguel do Guajiru (COSTA, 2015, p. 110-112). 253 Segundo Patrícia Dias e Carmen Alves, as redes clientelares baseavam-se em laços de amizades e

formação de vínculos que podiam trazer benefícios, sendo uma das principais fontes de constituição de uma

estrutura bem formada de relações políticas. Eram ligações que se utilizavam de estratégias permeadas por

ganhos simbólicos, que permitiam estabelecer uma segurança entre os participantes dessas redes (DIAS;

ALVEAL, 2013, p. 295). 254 Os documentos citados são encontrados no Catálogo de documentos manuscritos avulsos da capitania

do Rio Grande do Norte (1623-1823). Termos de Vereança nº 0568, Caixa 01, livro1709-1721 fl(s) 054v-

055v. Natal, 26/02/1712 e nº0562, Caixa 01, livro1709-1721, fl(s) 052-052v. Natal, 21/11/1711. 255 A historiadora Patrícia de Oliveira Dias fez, através de um mapa, a trajetória das demarcações das

sesmarias feitas pelo desembargador Cristóvão Soares Reimão pelos sertões da Capitania do Rio Grande,

no início do século XVIII. Segundo a autora, o desembargador percorreu os caminhos de Assú, seguindo

para o rio Mossoró, partiu para o rio Ceará-Mirim, depois passou pelo rio Trairi, seguiu para Pirangi, logo

em seguida para Rio do Fogo. Depois foi para o rio Mipibu, voltando para Mossoró, passando pelo rio

Amargoso e finalizou a sua trajetória na ribeira do rio Assú (DIAS, 2011, p. 62-63). 256 Segundo Russel-Wood, a Coroa lusa, nessa política de criação de câmaras para expandir o poder em

suas colônias, estimulou indiretamente a criação dessas oligarquias, que acabaram por obter o domínio

sobre determinados postos, alguns deles passados de pai para filhos ou oferecidos como dotes com a

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Quadro 4 – Relações de compadrio da família de Dona Catarina de Barros e Domingos de Carvalho

Fonte: Quadro elaborado por Pedro Pinheiro de Araújo Júnior, a partir dos dados do Livro de Batizados

da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação (1681-1714)

Destarte, Domingos Carvalho da Silva vinculou-se aos grupos sociais importantes

na capitania para aumentar o seu capital social e econômico257. No entanto, como se

observa no Quadro 4, seu nome não é apresentado dentro dessas relações de compadrio

em nenhum dos batizados realizados na Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação.

Apenas a sua esposa, Dona Catarina de Barros, apresenta-se como madrinha dentro dessas

relações sociais. Os fatos sugerem que apenas a esposa poderia participar dessas

cerimônias de batismo. Assim, já que era comum entre esses indivíduos serem padrinhos

de outros moradores para alcançarem uma rede maior de influência nos espaços da

capitania, quais fatores sociais ou religiosos impediam Domingos Carvalho da Silva de

ser padrinho de batismo de outras pessoas na Capitania do Rio Grande?

intenção de garantir um casamento ou de fortalecer as redes de parentescos coloniais (RUSSEL-WOOD,

1998, p. 7). 257 Domingos Carvalho tinha um cabedal pequeno em relação ao grupo social do qual fazia parte.

Geralmente, os senhores de escravos citados nos registros do Livro de Batismo (1681-1714) possuíam, em

média, de 5 a 12 escravos nesse período. Carvalho da Silva tinha pelo menos duas escravas, que eram mãe

e filha, com os nomes de Maria e Mônica. Esta última batizada na igreja de São Miguel do Guajiru, em 18

de maio de 1703. Não se sabe se eram de origem indígena ou africana, mas a quantidade de cativos era um

indício de grande poder econômico entre os indivíduos dessa elite da capitania. LIVRO de Batizados da

Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação (1681-1714).

Data Local do batismo Nomes

dos

afilhados

(as)

Pais da criança Padrinhos

28/09/1694 Matriz de Nossa

Senhora da

Apresentação

Narciso João Ribeiro de

Sá e Ana Correia

Provedor Duarte de Siquera

e Catarina de Barros

18/05/1703 Igreja de São Miguel

da Aldeia do Guajirú

Mônica Maria, escrava

de Domingos de

Carvalho

Belchior e Mariana Pretos

forros

23/04/1705 Igreja de São Miguel

da Aldeia do Guajirú

Manoel Tenente-Coronel

Manoel

Rodrigues

Coelho e Isabel

de Barros

Capitão José Machado de

Souza e Catarina de Barros

04/02/1709 Igreja de São Miguel

da Aldeia do Guajirú

José Antônio de

Andrada de

Araújo e Maria

de Abreu Pereira

Antônio Teixeira Coelho e

Dona Catariana de Barros

03/09/1710 Igreja de São Miguel

da Aldeia do Guajirú

Maria Sebastião

Teixeira e Maria

da Conceição

Júlio da Costa Barros e

Maria da Conceição (filhos

do casal Domingos e

Catarina)

10/07/1712 Igreja de São Miguel

da Aldeia do Guajirú

Lino Ana Crioula,

escrava de Luiz

Capitão João Antunes e

Catarina de Barros

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Possivelmente, Domingos Carvalho da Silva aumentou seu cabedal e iniciou sua

trajetória entre os membros da elite da capitania a partir do casamento com Catarina de

Barros, provavelmente em 1695, no início da governança de Bernardo Vieira de Melo.

Com esse casamento, foi possível ao sesmeiro adquirir um certo patrimônio e adquirir o

status para almejar um cargo militar ou camarário no Rio Grande. Seu projeto foi

alcançado ao unir-se com a família Barros, ligada à matriarca Mariana da Costa, que tinha

um cabedal considerável258, conquistado possivelmente quando ficou viúva do seu

marido, do qual ainda não foi possível identificarmos o nome nos documentos coloniais.

A viúva Mariana da Costa foi mãe de três filhas e de um filho adotivo, exposto em sua

casa em Natal, em 1699, e nomeado como Antônio. Dos casamentos das suas filhas,

Isabel de Barros, Catarina de Barros e Bernarda de Barros, a matriarca teve, pelo menos,

treze netos batizados na Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação. Uma das netas,

filha de Bernarda de Barros [Oliveira] e do Capitão José de Oliveira Velho, foi batizada

com o nome em homenagem à avó, Mariana, na matriz, em 3 de dezembro de 1704259.

Com a exceção de Catarina Barros, suas duas filhas, Isabel de Barros e Bernarda de

Barros, casaram-se com homens que de alguma forma também tinham certo cabedal entre

os moradores da capitania e ocupavam cargos importantes no âmbito militar e camarário

nesse período, como foi o caso do casamento entre o Tenente-Coronel Manoel Rodrigues

Coelho e Isabel de Barros, que tiveram quatro filhos, Ana, Maria, Francisco e Manoel,

entre os anos de 1691 e 1705, batizados na igreja de São Miguel do Guajiru260.

A referência da viúva Mariana da Costa foi tão importante na família de Domingos

Carvalho que nenhum dos filhos dele tiveram o seu sobrenome, exemplos disso são Júlio

da Costa Barros e Maria da Conceição de Barros, todos ligados aos sobrenomes da mãe

e da avó materna. Desse modo, o referido personagem aqui analisado não foi escolhido

para ser padrinho de nenhum morador do Rio Grande porque a qualidade de sua família

estava ligada à sua esposa, Dona Catarina de Barros, que foi a principal articuladora para

unir a família Barros em outras redes familiares na Capitania do Rio Grande,

258 Segundo Renata Assunção da Costa, a viúva Mariana da Costa tinha seis cativos espalhados em

propriedades no Rio Grande, cinco deles nas proximidades da igreja de São Miguel do Guajiru e um na

localidade de Santo Antônio do Potengi. Provavelmente foram comprados ou herdados do seu marido, o

que implica um certo cabedal. Segundo ainda a autora, Mariana da Costa ficou viúva por volta de 1699 e

não se tem vestígios sobre o seu marido. A historiadora supõe que ele tenha lutado na Guerra dos Bárbaros

e que, com isso, a viúva tenha adquirido o direito de receber doações de terras (COSTA, 2012, p. 80-88). 259 LIVRO de Batizados da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação (1681-1714). 260 Segundo Renata Assunção Costa, Manuel Rodrigues Coelho era capitão-mor e casado com Isabel da

Rocha (COSTA, 2015, p.110), sendo que essas informações são incongruentes com as transcrições feitas

em nossas pesquisas no Livro de Batizados da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação (1681-1714).

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demonstrando, talvez, o protagonismo das mulheres dessa família nas relações dessa

sociedade do Antigo Regime nos trópicos.

Com a análise dos estudos sobre as relações familiares, foi possível compreender

como esses moradores da capitania em estudo se articularam através das redes clientelares

para se apropriarem dos vales dos rios e das praias dos sertões do Porto do Touro,

processo esse que se acentuou no princípio do século XVIII. Entendemos que o

conhecimento sobre esses sertões foi realizado pelos luso-brasileiros num processo

contínuo e, possivelmente, com auxílio de indígenas que possuíam uma experiência

obtida dos seus ancestrais sobre esses espaços, indicando para os colonos os nomes dos

lugares, os melhores solos para o plantio e as melhores praias piscosas. Por fim, nesse

mesmo processo de dominação, o encontro colonial fomentou o “desaparecimento”

desses povos, não no sentido que eles tivessem sumido desses espaços, mas sim no

sentido de invisibilidade a partir dos olhares dos cronistas, nos relatos dos sesmeiros ou

nos mapas dos séculos posteriores a essa análise.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo principal desta dissertação foi o de perceber como se desenvolveu o

processo de apropriação territorial do litoral norte da Capitania do Rio Grande no decorrer

de um pouco mais de dois séculos (1500-1719). O estudo teve como meta investigar esse

processo de expansão realizado por europeus no litoral que no século XIX era parte da

Freguesia do Senhor Bom Jesus dos Navegantes do Porto do Touro. Utilizamos esse

recorte temporal amplo, pois, identificamos que nesses dois primeiros séculos do

encontro colonial ocorreu uma multiplicação de produções de mapas sobre o litoral da

costa do Brasil, fruto das navegações e das produções das escolas cartográficas europeias.

Entre as fontes cartográficas que averiguamos para o recorte temporal estabelecido estão

as produções de quatros nações europeias, que são Portugal, Espanha, França e Holanda.

Para tanto, realizamos uma análise através da Cartografia Histórica para

compreender como a designação desse espaço foi construída com a denominação de

topônimos e nos relatos dos cronistas que contribuíram em informações preciosas sobre

os povos originais, como também, sobre seus territórios que eram ambicionados pelas

coroas europeias. Ademais, buscamos nesse processo de pesquisa a utilização de diversas

tipologias de fontes que estavam disponíveis e que nos auxiliarem nessa investigação, tais

como nos relatórios e artigos sobre as prospecções arqueológicas feitas no litoral norte,

que se utilizaram da Arqueologia Histórica, que lançaram novas interpretações sobre os

primeiros contatos entre os europeus e indígenas na costa do Brasil. Além destes,

utilizamos as fontes sesmariais, camarárias e paroquiais da Capitania do Rio Grande,

utilizando-se do método onomástico para identificar as trajetórias de vida dos primeiros

colonos que se apropriaram desses espaços no princípio do século XVIII.

A nossa pesquisa se conecta com a área de concentração do PPGH/UFRN em

História e Espaços, com a linha pesquisa Formação, Institucionalização e Apropriação

dos Espaços, na medida em que coloca em evidência novos olhares sobre o período

colonial na Capitania do Rio Grande, principalmente no que tange aos estudos

cartográficos de um espaço colonial pouco analisado pela historiografia, os sertões do

Porto do Touro. Em vista disso, buscamos compreender esse processo de apropriação

territorial perpetrado pelos europeus, em constantes e progressivos domínios sobre as

terras e corpos dos povos indígenas do Rio Grande.

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No primeiro capítulo, planejamos pesquisar a apropriação do espaço em estudo, a

partir das análises cartográficas do período quinhentista. Os dados encontrados nesse

trabalho demonstram que as nossas dúvidas iniciais foram sanadas, pois, em relação às

afirmações dos pesquisadores Tavares de Lira e Cavalcanti de Morais, de que esse espaço

não era povoado e só foi ocupado no século XIX, indicam que essas ideias estão

equivocadas. Analisamos as evidências do encontro colonial nesses sertões do Cabo de

São Roque ao averiguarmos os dados escritos, imagéticos e iconográficos realizados,

principalmente, pelos cartógrafos das escolas portuguesa e francesa e, assim, aplicamos

o conceito de espaço concebido para compreender esse processo de construção do espaço

a partir da confecção de mapas.

Além disso, esta pesquisa aproximou-se de trabalhos já pesquisados na área da

Arqueologia, os quais identificaram que esse espaço foi do período do contato entre

indígenas e europeus desde o princípio do século XVI. Entrementes, faltou-nos averiguar

outros indícios desse contato, como mapas e crônicas de outras nações europeias, como

da Alemanha e Inglaterra, que podem indicar novos elementos através da Cartografia

Histórica do atual Nordeste brasileiro.

No segundo capítulo, buscamos investigar como o topônimo Cabo de São Roque

foi utilizado como uma das principais referências na navegação do litoral do Rio Grande

pelos navegadores e cartógrafos do século XVII. Identificamos que a região foi

exaustivamente representada em mapas por ser uma “ponte” que ligava

Salvador/Pernambuco para as Capitanias do Norte do Brasil, Ceará/Maranhão.

Encontramos também que os baixios de São Roque, que eram pedras e corais submersos

no mar, foram constantemente representados em iconografias nos mapas indicando que,

nessa passagem, os navegadores deveriam ter mais cuidado devido aos naufrágios.

Desvendamos que, com a Conquista do Maranhão em 1614, foi que a navegação por essa

costa se tornou mais promissora para a Coroa portuguesa e, desse modo, exponenciou o

conhecimento dos militares e colonos lusos sobre os sertões de baixo, ao norte da Cidade

do Natal.

Em relação a esses fatos, evidenciamos os surgimentos de topônimos que foram

utilizados pela cartografia, como os Pititinga e Porto do Touro, que se tornaram mais

evidentes que o Cabo de São Roque por serem locais propícios para ancoragem de navios

que faziam a rota para as Capitanias do Norte do Brasil. Destarte, analisamos sobre o

Porto do Touro e divergimos sobre os estudos de Levy Pereira em relação a esse topônimo

estar ao sul da Cidade do Natal. Trouxemos elementos cartográficos, documentais e

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historiográficos que sugerem que esse topônimo está localizado junto ao Canal de São

Roque, ao norte de Natal.

Ademais, nesse processo de constante avanço territorial da colonização

portuguesa sobre os espaços dos povos indígenas do litoral do Rio Grande no século

XVII, sobretudo nos territórios dos Potiguara, entendemos que tanto a cartografia como

os relatos dos cronistas seiscentistas relegaram esses povos à invisibilidade de sua

existência na capitania, tentando, desse modo, “apagar” a presença dessas comunidades

originais sobre as novas conquistas territoriais portuguesas do período. Assim, podemos

entender o porquê de historiadores como Tavares de Lira e outros mais recentes

renegarem os Potiguara e evidenciar que essas praias foram ocupadas por sertanejos em

meados do século XIX. Entendemos que pesquisar sobre a História Indígena pode nos

levar a compreender os processos de dominação, utilizadas pelos colonizadores, nas

tentativas de construção do “esquecimento” sobre os povos originais em outros espaços

do Estado do Brasil.

Por fim, no capítulo terceiro, tentamos incialmente investigar como os primeiros

sesmeiros se apropriaram dos sertões do Porto do Touro entre 1666 e 1759. No entanto,

ao verificar a quantidade de fontes paroquiais e outras com as quais pudéssemos fazer

cruzamentos, como as camarárias e sesmariais, percebemos que era impossível terminar

o trabalho a tempo. Decidimos diminuir o recorte temporal para anos de 1666-1719,

assim, conseguimos verificar como colonos luso-brasileiros se articularam em redes

clientelares através de casamentos, batizados e uniões políticas em espaços de poder na

capitania para almejarem terras e cabedal. Escolhemos o sesmeiro Domingos Carvalho

da Silva para estudar a sua trajetória de vida, através do método onomástico, utilizando-

se de fontes do período. Entendemos nos cruzamentos dessas fontes do período colonial

como esse sujeito se articulou em alianças com famílias importantes na Capitania do Rio

Grande e conseguiu adquirir o Porto do Touro em 1711.

No entanto, não conseguimos fechar algumas lacunas deixadas por esta pesquisa.

Em relação aos estudos cartográficos, é necessária uma investigação sobre as produções

das escolas europeias do final do século XVII e do século XVIII, pois, são importantes

para os estudos sobre os topônimos do litoral das capitanias do Ceará e do Rio Grande do

Norte. Em relação aos estudos sobre a trajetória dos sujeitos, ainda resta a investigação

sobre o sesmeiro Estevão Alves Bezerra, personagem não mencionado nos registros

paroquiais analisados. Além disso, precisa-se averiguar também a ocupação do espaço

nas ribeiras dos rios Punaú e Maxaranguape na primeira metade do século XVIII, pois,

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como vimos no terceiro capítulo, existem outros ciclos de ocupação por sesmeiros,

ocorridos no decorrer do século XVIII e no início do XIX. Essas futuras análises podem

contribuir para a historiografia sobre o período colonial no Rio Grande.

Enfim, este trabalho almeja auxiliar na historiografia sobre o período colonial, em

especial, nos estudos sobre o espaço na Capitania do Rio Grande do Norte. Tentamos

contribuir através da relação entre História e Espaços como ocorreu o processo de

apropriação territorial feita pelos agentes da Coroa portuguesa sobre os solos dos sertões

do Porto do Touro e a importância desse litoral na cartografia dos dois primeiros séculos

de colonização.

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FONTES

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ANEXOS

ANEXO A – DETALHE DO MAPA MUNDO DE BARTOLOMEU VELHO (1561)

Fonte: Mapas Históricos Brasileiros, da enciclopédia Grandes Personagens da Nossa História, ed. Abril

Cultural, São Paulo/SP, 1969. Reprodução do fac-simile da mapoteca do Ministério das Relações

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ANEXO B – MAPA ELABORADO PELA HISTORIADORA FÁTIMA MARTINS

LOPES

Fonte: LOPES, Fátima Martins. Índios, Colonos e Missionários na Colonização da Capitania do Rio Grande

do Norte. Natal: IHGRN, 2003. (Prêmio Janduí/Potiguaçu), p.460.

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ANEXO C – DETALHE DAS COSTAS DAS CAPITANIAS DO CEARÁ E RIO

GRANDE NO MAPA DE NICOLAS DE FER (1719)

Fonte: BIBLIOTECA DO CONGRESSO AMERICANO. Le Bresil. Dontles côtes sont divisées en

capitaineries dressé sur les dernieres relations des flibustier et fameux voyageurs. Par N. de Fer.

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ANEXO D – DETALHE DO MAPA DAS COSTAS DAS CAPITANIAS DO CEARÁ

E RIO GRANDE (1720)

Fonte: BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA. Carte particulière des costes de la Capitainerie de

Siara au Brésil. Avec les sondes. 1720. Departamento de Mapas e Planos, Códice: GESH18PF165

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ANEXO E – DETALHE NO CÍRCULO, NAVIOS DAS COROAS IBÉRICAS NA

PASSAGEM DOS BAIXIOS DE SÃO ROQUE, 1640

Fonte: BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL BRASIL. Eygentyle albeeldinge van de cust tuschen C. S.

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