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48 Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015 INTRODUÇÃO John Edward Christopher Hill nasceu em 1912, integrou o grupo de historiadores que formavam o Partido Comunista Inglês. Por meio do partido, Hill adquiriu um grande respeito dos seus companheiros de profissão, que viam na figura do historiador inglês, um experiente líder. Entre as diversas obras que se destacaram de Hill, “O Mundo de Ponta-Cabeça: estudo sobre os radicais de 1640” publicada em 1972 se diferenciou pela sua ênfase na cultura popular. A Inglaterra passava por muitas mudanças no séc. XVII, mas vestígios da “Idade Média” ainda perseguiam a população. O reino e a Igreja eram intolerantes às práticas que desobedecessem aos dogmas anglicanos, porém cultos de práticas religiosas protestantes ganhavam força com alguns grupos radicais que tentavam impor soluções para os problemas de seu tempo. O Parlamento, divididos em Comuns e Lordes, descontentes com a atuação da monarquia e os pedidos realizados pelos mesmos foi extinto por um curto período de tempo e a Inglaterra se encaminhou para o século das revoluções. As seitas começaram a dar uma nova perspectiva do mundo, visando o humanismo e explorar o lado sem pecado, ações que entraram em “TREMAM DIANTE DE DEUS”: UMA ANÁLISE DA OBRA: “O MUNDO DE PONTA- CABEÇA” DE CHRISTOPHER HILL Autor: Cleverson Ribeiro Soares Orientadora: ProfªDrª. Liz Andréa Dalfré conflito com as idéias clericais, que incomodados, adotaram medidas para amenizar ou até mesmo extinguir as práticas. A burguesia também estava descontente com a situação, pois o espiritual acabava interferindo nas negociações e nas suas estimativas de lucro, mesmo lucro que era visto como heresia, porém, ao mesmo tempo, o dinheiro cobrado de indulgências serviu para construção de novas basílicas por parte do clero. Dentro da pesquisa a intenção não será trabalhar com as heresias, tema que me desperta muito a atenção e que eram o objetivo inicial. Mas devido a escassez de fontes, optei por outro caminho e o contexto inglês de 1640 inserido na obra de Christopher Hill, me permitiu trabalhar simultaneamente com as heresias sem elas serem meu objeto de estudo, este que foi focado na visão do historiador inglês em relação as seitas do século XVII. Christopher Hill na sua obra identificou alguns grupos, denominados por ele como seitas radicais, como os quacres, ranters, pentamonarquistas, anabatistas, muggletonianos, diggers e levellers. Interpretados por radicais pelo autor pelo fato de que suas ações chegaram muito perto de virar a ordem social, ou próximos de virar “o mundo de ponta cabeça” A intenção do trabalho foi a de analisar a obra “O mundo de Ponta- Cabeça” para perceber qual o olhar de Christopher Hill sobre as seitas, por ele denominado de radicais.

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INTRODUÇÃO

John Edward Christopher Hill nasceu em 1912, integrou o grupo

de historiadores que formavam o Partido Comunista Inglês. Por meio

do partido, Hill adquiriu um grande respeito dos seus companheiros

de profissão, que viam na figura do historiador inglês, um experiente

líder.

Entre as diversas obras que se destacaram de Hill, “O Mundo de

Ponta-Cabeça: estudo sobre os radicais de 1640” publicada em 1972

se diferenciou pela sua ênfase na cultura popular.

A Inglaterra passava por muitas mudanças no séc. XVII, mas

vestígios da “Idade Média” ainda perseguiam a população. O reino e a

Igreja eram intolerantes às práticas que desobedecessem aos dogmas

anglicanos, porém cultos de práticas religiosas protestantes ganhavam

força com alguns grupos radicais que tentavam impor soluções para os

problemas de seu tempo.

O Parlamento, divididos em Comuns e Lordes, descontentes com a

atuação da monarquia e os pedidos realizados pelos mesmos foi extinto

por um curto período de tempo e a Inglaterra se encaminhou para o

século das revoluções.

As seitas começaram a dar uma nova perspectiva do mundo, visando

o humanismo e explorar o lado sem pecado, ações que entraram em

“TREMAM DIANTE DE DEUS”: UMA ANÁLISE DA OBRA: “O MUNDO DE PONTA-CABEÇA” DE CHRISTOPHER HILL

Autor: Cleverson Ribeiro Soares

Orientadora: ProfªDrª. Liz Andréa Dalfré

conflito com as idéias clericais, que incomodados, adotaram medidas

para amenizar ou até mesmo extinguir as práticas.

A burguesia também estava descontente com a situação, pois o

espiritual acabava interferindo nas negociações e nas suas estimativas

de lucro, mesmo lucro que era visto como heresia, porém, ao mesmo

tempo, o dinheiro cobrado de indulgências serviu para construção de

novas basílicas por parte do clero.

Dentro da pesquisa a intenção não será trabalhar com as heresias, tema

que me desperta muito a atenção e que eram o objetivo inicial. Mas devido

a escassez de fontes, optei por outro caminho e o contexto inglês de 1640

inserido na obra de Christopher Hill, me permitiu trabalhar simultaneamente

com as heresias sem elas serem meu objeto de estudo, este que foi focado

na visão do historiador inglês em relação as seitas do século XVII.

Christopher Hill na sua obra identificou alguns grupos,

denominados por ele como seitas radicais, como os quacres, ranters,

pentamonarquistas, anabatistas, muggletonianos, diggers e levellers.

Interpretados por radicais pelo autor pelo fato de que suas ações

chegaram muito perto de virar a ordem social, ou próximos de virar “o

mundo de ponta cabeça”

A intenção do trabalho foi a de analisar a obra “O mundo de Ponta-

Cabeça” para perceber qual o olhar de Christopher Hill sobre as seitas,

por ele denominado de radicais.

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Para interpretar o período, o historiador inglês analisou uma série

de fontes primárias, sendo elas: panfletos assinados ou anônimos,

folhas separadas, livros escritos na época, extratos do parlamento,

cartas e jornais.

Hill encontrou suas fontes de formas distintas. Algumas são

comercializadas por preços populares, como as cartas que foram

publicadas. Outras, como os panfletos, foram consultadas em suas

versões originais que se encontram no Museu Britânico

O grande mérito de Hill em escrever “O Mundo de Ponta-Cabeça”

foi saber mesclar com perfeição as fontes, resultando em um texto

simples porém muito bem escrito, sabendo variar entre a simplicidade

destinada ao leitor comum á complexidade exigida pela acadêmia.

Para analisar a obra foi necessário contextualizar a trajetória de

Hill, pois sua abordagem histórica está relacionada aos fatos que

ocorreram na sua vida. Para complementar a analise foi importante

identificar as seitas e suas características além de suas respectivas

ações, que apresentavam uma idéia contrária a imposta pelo clero e

pela monarquia.

A análise de Hill se dirigiu a Inglaterra da Idade Moderna, momento

no qual já havia colônias, as navegações estavam a todo vapor e a

rivalidade e competitividade entre as nações que se diziam potências era

grande. Neste contexto, a Inglaterra passou por constantes revoluções e

conflitos internos religiosos. Em meio a esse cenário conturbado estavam

os denominados por Hill como radicais, indivíduos que apresentavam

resistência à política e religião oficiais da Inglaterra.

Entre os principais historiadores que estudam o século XVII

destacam-se, além de Hill, Lawrence Stone que abordou a revolução

inglesa na perspectiva política, citando, mas não dando a ênfase aos

grupos que Hill denominou como radicais.

Como referencial teórico utilizei o texto do capítulo “Costumes

e Cultura” do livro Costumes em Comum do autor E. P. Thompson.

Neste texto, o autor discutiu como as classes populares se relacionaram

com as dificuldades trazidas pela modernidade em detrimento dos

seus costumes. “Apresentavam muitas afinidades com o direito

consuetudinário, esse derivava dos costumes, dos usos habituais do

país: usos que podiam ser reduzidos a regras e precedentes, que em

certas circunstâncias eram codificadas e podiam ter a força da lei.”

(THOMPSON, 1998, p. 15).

Em grande parte, os ingleses resistiam com os costumes, e o novo,

o moderno não era bem visto. Thompson também foi importante por

problematizar a palavra cultura, defendendo a diversidade desta, e que

pode “levar a confundir ou ocultar distinções que precisam ser feitas”

(THOMPSON, 1998, p. 22).

Como fonte para esse trabalho, utilizei o livro do Christopher Hill “O

mundo de Ponta Cabeça: Idéias radicais na revolução 1640”, traduzido

para o Português em 1987 por Renato Janine Ribeiro e publicado pela

editora Schwarcz Ltda.

Os capítulos estão divididos em duas partes. Primeiramente, abordo

a trajetória do historiador até a publicação da obra, seguida por uma

análise dos capítulos e como Hill conseguiu organizar as fontes para

defender suas idéias.

No segundo capítulo, procuro abordar o contexto da Inglaterra

que é essencial para melhor compreender o período de 1640 a 1660

e analisar como Hill definiu os grupos denominados radicais. Para

finalizar, analiso quais as ações desses grupos complementando com

as idéias de Edward Thompson para demonstrar que suas ações eram

uma forma de resistência.

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1 O MUNDO DE PONTA CABEÇA

1.1 CHRISTOPHER HILL: FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA

Christopher Hill formou mais historiadores do que muita faculdade já antiga de Oxford. (Edward Palmer Thompson)

John Edward Christopher Hill nasceu em 1912 em Yorkshire, na

Inglaterra e teve em sua vida tempos de tensões e conflitos. Iniciou

sua formação na St Peter School, York e no Balliol College, Oxford. Em

1936, Hill se tornou professor de História na University College.

A escola Inglesa1 da década de 30 foi grande formadora de

marxistas. Hill se afeiçoou a ideologia marxista, que para ele no

momento parecia ser a solução para os conflitos existentes na época. A

ideologia comunista e suas promessas de acabar com a desigualdade

social propondo uma revolução por parte do proletariado dividiu o

mundo em opiniões.

Dois anos após começar a lecionar em Universidades, Hill serviu na

2ª Guerra Mundial, onde colaborou com o exército britânico na área de

inteligência e só voltou a lecionar em 1945 com 33 anos de idade.

De um ponto de vista amplo, Christopher Hill foi, junto com Maurice Dobb [1900-1976], a figura mais importante na formação da escola de pensamento marxista dentro da historiografia britânica. Os debates que levaram à constituição do influente Grupo de Historiadores do Partido Comunista (composto por mim, Hill, Rodney Hilton, E.P.Thompson, V.G.Kiernan e outros) começou com seu pequeno ensaio “The English Revolution” [“A Revolução Inglesa de 1640]”, publicado em 1940. Hill era um pouco mais velho que o restante do nosso grupo, e, por isso, se

1 Escola inglesa - Se refere às Universidades Inglesas que formaram um grande número de historiadores que se afeiçoaram a doutrina socialista.

tornou nosso líder. Também fundou e presidiu nosso periódico, “Past & Present’. (HOBSBAWM. In: COLOMBO, 2003 p irreg)

A Escola inglesa que revolucionou a historiografia mundial, pois

adentraram temas privilegiando a cultura popular e não somente as elites,

contava com autores renomados como Edward Thompson, que escreveu

títulos como: “Costumes em comum”, “A Formação da classe operária

inglesa”, e procurou exaltar a cultura sempre em âmbitos sociais, além de

dar ênfase a cultura popular inglesa.

Eric Hobsbawm também foi da escola inglesa, estudou História Moderna

Inglesa e Marxismo e conta com obras como “A Era das Revoluções”, “A

Era do Capital”, “A Era dos Impérios”, “A Era dos Extremos”, entre outras,

o que o coloca entre os grandes nomes da historiografia mundial.

As discussões do periódico de Christopher Hill sobre “a revolução

de 1640” resultaram na criação do grupo de historiadores do Partido

Comunista em 1946. Hill, afeiçoado a estudar o socialismo viveu na

União Soviética em 1935, onde ficou por pouco tempo, com a intenção

de estudar a vida cotidiana. Assim Hill conheceu a historiografia soviética,

e como retratavam os fatos, com concepções sustentadas por Marx e

Engels.

Com novos conhecimentos e sob influência marxista, Hill concluiu que

o puritanismo inglês não se tratava de um confronto religioso, mas sim,

de uma luta de classes.

Discordâncias com o Partido Comunista, como a invasão da União

Soviética a Hungria fizeram Hill que era muito crítico, deixar o partido em

1956. Junto com sua saída, outros historiadores o acompanharam, como

diz Eric Hobsbawm:

[...]O grupo tornou-se quase que imediatamente o núcleo da oposição [...] Nos rebelamos e levantamos os dois desafios mais sonhados do

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Partido. No primeiro, um dos mais proeminentes membros do grupo, Christopher Hill, atuou como porta-voz[...] A intervenção soviética no levante húngaro levou muitos de nós abrimos em disciplina do partido uma segunda e talvez mais gritante diferença tecnicamente punível de expulsão: uma carta coletiva de protesto assinado pela maioria dos historiadores mais conhecidos (incluindo Maurice Dobb Fiel, que geralmente não se pronunciava), rejeitadas pelo Daily Worker e publicado com alarde pela imprensa fora do partido. (HOBSBAWM. In: COLOMBO, 2003 p irreg)

Mesmo com a saída do partido, Hill jamais se tornou anti-comunista,

ou seja, jamais criticou o comunismo em suas obras ou mudou suas

abordagens devido a sua ideologia não ter se concretizado em suas

expectativas políticas, seus estudos se mantiveram focados sempre na

cultura não hegemônica, a qual aborda elementos populares e não

somente os grandes nomes. Os outros historiadores que deixaram o

partido juntamente com Hill seguiram a mesma linha.

Nos anos seguintes Hill publicou “Puritanismo e religião” (1958),

“Origens da Revolução Inglesa” (1965) e “O Mundo de Ponta-Cabeça”

(1972).

Havia um preço a se pagar por se afiliar ao partido e defender o

Marxismo, pois as grandes Universidades inglesas não possuíam membros

do Partido Comunista, e existia uma recusa aos mesmos. Porém, ao invés de

se desculpar e discursar sobre arrependimento a respeito do comunismo,

Hill manteve sua postura até o fim. “Homens como Hill, como Hobsbawm,

como Hilton nunca foram capazes de obter cadeiras das grandes

universidades, que tiveram acesso a muitos “bem pensantes” mediocres”.

(FONTANA, 1988, p. irreg.).2Apesar das dificuldades de acesso as grandes

Universidades esses historiadores receberam reconhecimento acadêmico

devido à qualidade e alcance de suas pesquisas.2 Josep Fontana – Historiador formado na Universidade de Barcelona, especialista em história espanhola.

Christopher Hill faleceu em fevereiro de 2003, o mesmo já

convivia com o Alzheimer há alguns anos, deixando para as futuras

gerações uma série extensa de livros sobre a história inglesa, dentre

eles: Os Eleitos de Deus, O Mundo de Ponta-Cabeça, Origens

Intelectuais da Revolução Inglesa, A Bíblia Inglesa e as Revoluções

do Século XVII, A Revolução Inglesa de 1640, entre outros.

As causas de sua morte são desconhecidas e os reconhecimentos após

seu falecimento vieram dos seus colegas de profissão, principalmente

os antigos membros do Partido Comunista, como Hobsbawm, que

reconhecem que sem Hill, a historiografia inglesa sobre o século XVII

não seria a mesma.

1.2 UM LIVRO DE PONTA CABEÇA

O livro “O Mundo de ponta cabeça” foi publicado em 1972. Nesta obra Hill analisou idéias e ações interpretadas por ele como radicais que ocorreram no período de 1640 á 1660.

Se nós, brasileiros, devemos continuamente lidar com o mito do povo

bom, cordial, submisso, os ingleses têm um mito parecido, talvez ainda

mais forte em sua cultura: o da sociedade na qual as mudanças se fazem

de maneira consensual, na qual a gentileza (termo que remete à pequena

nobreza, à gentry) prevalece sobre os conflitos, e estes não desandam

em confronto. Como todos os mitos, este possui eficácia, gerando

comportamentos que o confirmam. (RIBEIRO. In: HILL, 1987, p.11).

Hill mostrou que os diversos grupos radicais do século XVII na Inglaterra,tomaram ações que apontam que o mito não é completamente verdadeiro.Neste livro, ele abordou diversas idéias desses grupos que, infelizes com a situação da monarquia e a insatisfação com o clero devido à proximidade com a Igreja Anglicana, apresentaram ações de resistência aos mesmos.

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Em outra perspectiva, a visão de que na cultura inglesa a gentileza

vem predominando também é verdadeira, pois a mais de três séculos

o país não sofre com guerras civis ou golpes de Estado, ao contrário

de outras potências européias que não passaram pelo mesmo processo.

Gentileza que se justifica devido à institucionalização do poder, a divisão

entre Comuns e Lordes muitas vezes evitava conflitos, porém, conflitos

sociais ocorriam constantemente.

Christopher Hill estudou a Revolução Inglesa de diversos aspectos:

econômico, cultural, religioso, partidário e classista, o que justifica seus

diversos livros e artigos falando sobre o mesmo período, em cada livro

aborda de uma forma diferente. Ele acreditava que no século XVII as

mudanças ocorreram bruscamente na Inglaterra, mudanças que

permitiram a esse país se tornar uma potência.

Se você observar a Inglaterra no século XVI, verá que é uma potência de segunda classe, levando um embaixador inglês em 1640 a dizer que seu país não gozava de qualquer consideração no mundo. O que era verdade. Mas já no começo do século XVIII a Inglaterra é a maior potência mundial. Logo, alguma coisa aconteceu no meio disso. (MARQUES; BERUTTI.; FARIA, 2012, p.12).

Em “O mundo de ponta cabeça” o fator predominante é a cultura

popular do século XVII, e como os pequenos atos vindos das classes

desfavorecidas também merecem um lugar na história. Trabalho que

obteve uma espécie de sequência com Edward P. Thompson, que escreveu

sobre a cultura popular do século XVIII. Em “Costumes em Comum”,

Thompson abordou alguns dos mesmos grupos de Christopher Hill,

obra que também serve como uma espécie de intermediador entre Hill e

Hobsbawn, construindo assim uma historiografia inglesa sequencial dos

séculos XVII ao XX.

Eric Hobsbawm se referiu às pesquisas de Hill nos seguintes termos:

Do ponto de vista exclusivamente britânico, Christopher Hill foi o maior historiador da Inglaterra no século 17 e do que eram constituídas as ideologias revolucionárias do protestantismo puritano. Transformou a idéia geral que se fazia do país durante o período que chamou de “O século da Revolução”, quando a Inglaterra julgou e executou o seu rei - a primeira vez que algo do gênero acontecia na Europa - transformando-o, pouco depois, em uma República.(HOBSBAWM. In: COLOMBO, 2003 p irreg)

Para escrever “O Mundo de Ponta-Cabeça”, Hill se inspirou na

década de 1960, mas especificadamente na Revolução Cultural

Chinesa que ocorreu em 1966 e fascinou muitos adeptos marxistas do

período, pois o ocorrido envolveu o proletariado e teve em sua proposta

o objetivo de acabar com a opressão sofrida pelo trabalho manual por

parte do intelectual.

Cada intelectual tinha que trabalhar 1 mês por ano com as mãos,

para assim aprender a valorizar o trabalho pesado, devido ao descaso

que ocorria de pessoas com trabalhos que exigem menos esforço em

relação aos que executavam trabalhos mais pesados. Os crimes, assim

como os erros da Revolução Cultural, só foram descobertos anos mais

tarde.

Eric Hobsbawn citou ainda os movimentos estudantis como

influência para o livro “O Mundo de Ponta-Cabeça”.

Trata-se de um amplo e completo estudo sobre os ultra-radicais e os utópicos da Revolução Inglesa. Na época, lembro-me de que Hill recebeu inspiração do radicalismo estudantil que havia no meio universitário dos anos 60. Diferente de outros marxistas de minha geração, ele manteve contato e seguiu interessado no radicalismo de 1968. (HOBSBAWM. In: COLOMBO, 2003 p irreg)

A metodologia de Hill sofreu críticas por parte do historiador Jack

H. Hexter (especialista em história inglesa), PHD na Universidade de

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Harvard, que foram publicadas no periódico “Times Literary Supplement

review”. Na ocasião, Hexter atacou Hill acusando o mesmo de ser

um ‘lumper’ da história, de ler seletivamente, complementou ainda

criticando a ideologia marxista que influenciaria os historiadores a

generalizações em excesso.

Blair Worden foi outro historiador americano especialista na

Inglaterra que criticou Christopher Hill. Para Worden a interpretação de

Hill sobre um dos membros da Common law3 seria equivocada. Para ele,

os anos de 1950 e 1960 foram emocionantes para os historiadores que

focam seus estudos no século XVII, pois a História virou uma arma na

Guerra Fria. Apesar das críticas, Worden também afirmou que Hill foi um

historiador extraordinário, que soube misturar ousadia e poder, além de

contrariar a escrita acadêmica e elaborar livros para serem entendidos

pelo leitor comum, e não a um seleto grupo.

Hill influenciou obras de outros historiadores como Conrad Russell4

e John Morril5. Morril no seu ensaio em 1989 elogia Hill pela sua

contribuição histórica: “Se podemos ter certeza de que o século 17

mudou a Inglaterra e os ingleses mais do que qualquer outro bar do

atual século, devemos esse reconhecimento a ele mais do que qualquer

outro estudioso”. (MORRIL, ap. GÓMEZ, 2003, p. irreg.).

A obra “O mundo de Ponta-Cabeça” chegou a ser adaptada para o

teatro, sendo exibida no “National Theatre de Londres”, algo extremamente

3 Common law – é o direito que se opõe ao direito romano. Na Common Law os tribunais enunciavam a tradição e os costumes e desta forma apareciam como defensores das liberdades antigas.4 Conrad Russell - Historiador graduado em Oxford, filho mais novo do matemático , filósofo, ativista político e ganhador do Prêmio Nobel, Bertrand Russell. Conrad Russell realizou seu doutorado, influenciado por C. Hill, sobre as leis de traição no século XVII.5 John Morril – Historiador britânico especialista em história moderna inglesa, escreveu obras como “Oliver Cromwell and the English Revolution” e “The British Problem:1534-1707”.

raro para obras historiográficas, pois os textos não são usuais devido a

complexidade, algo que para Hill não parecia ser um problema.

“O mundo de ponta-cabeça” na versão em português foi publicado

em 1987 pela Companhia das Letras, com tradução de Renato Janine

Ribeiro e esta dividida em 18 capítulos, possuindo um total de 481

páginas.O nome da obra “O mundo de ponta cabeça” é em justificativa

a tentativa de pessoas simples em tentar reverter todo um cenário de

opressão por parte da classe dominante e a Igreja, que segundo Hill,

chegaram perto de virar o mundo de Ponta-Cabeça.

Em sua pesquisa Hill utilizou diversas referências, nas quais se

destacam os periódicos que são do século XVII, que eram distribuídos pelas

seitas. A partir destes panfletos e com a complementação bibliográfica,

Hill finalizou a obra.

Na introdução6, Hill deixa claro o que apresentará em seu livro,

a imprensa, a loucura, os radicais e parte da revolução inglesa, na

perspectiva dos por ele definidos, como radicais.

No Capítulo 2 “O Pergaminho e o fogo”7 Christopher Hill analisou

a fonte de John Barclay, o livro “Icon Animorum” e através de pesquisas

sobre as seitas principalmente anabatistas defende seu ponto de vista

marxista, no qual as heresias vindas das classes populares apresentava

uma tensão anticlerical. “Além dessas tensões de classe, ou expressando-

as, existia uma tradição plebéia de anticlericalismo e irreligião”. (HILL,

1987, p.42).

Hill citou os levellers como oposição a tradição familista inglesa, o

que também era uma ação anticlerical, pois: “Havia a tradição familista

segundo Cristo estava presente em cada fiel”. (HILL, 1987, p.51).

6 A Introdução equivale ao capítulo 1 da obra.7 Hill também analisou a bibliografia de Conrad Russel “The Crisis of Parliaments”, Carola Oman “Elizabeth of Bohemia”, William Lilly, S. R. Gardiner, W. Drummond, D. B. Heriot, T. Adams, Thomas Hobbes, S. Marshall, entre outros.

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No capítulo 3 “Homens sem senhor”, Hill utilizou os livros de T.

Middleton “The Mayor of Queensborough”, Robert Powell “A Treatise

of...Courts Leet” e M. Sylvester “Reliquiae Baxterianae” para defender

a idéia da ocupação das terras comunais na época. Segundo Hill: “Os

terrenos comunais são sementeiras de mendigos, como podemos ver

nas florestas e pântanos” (HILL, 1987,p.66), o capitalismo começava

a tomar forma, alguns enriqueciam enquanto outros viviam jogados

na miséria.

Hill concluiu que a reforma agrária radical tomou forma nos grupos

dos levellers e diggers, grupos que tentaram ocupar os espaços que até

então eram inabitáveis.

No capítulo 4 “Agitadores e oficiais” Hill utilizou o periódico de

William Segdwick “A Second View of the army Remonstrace”, para

analisar os grupos denominados agitadores, devido a péssima imagem

que passavam por serem desocupados, chamados por Hill de homens

sem senhores.

Hill descreveu que muitos dos homens do exército do Novo Tipo

eram pessoas que ocupavam áreas desabitadas, e com uma análise

sobre W. Lilly “The Starry Messenger” chegou à conclusão de que a ação

vinha principalmente dos homens que nada tinham: “Os habitantes

dos pântanos de Holland, assim como aqueles hábeis e conhecidos

mateiros de Dean, estavam sempre dispostos a se levantar contra as

forças de Sua Majestade”. (HILL, 1987,p. 72).

Através de um discurso no periódico de Clement Walker “History

of the Independency”, inimigo dos radicais do Exército, Hill conseguiu

analisar o sucesso dos mesmos, que se deu devido aos objetivos políticos

que cada grupo, denominados por Hill como radicais possuíam e esses

grupos não iriam se submeter a um governo civil. “O que impressiona

o historiador é ver quantos objetivos políticos todos esses grupos tinham

em comum – a abolição dos dízimos e da Igreja oficial, a reforma do

direito e do sistema educacional, a hostilidade às hierarquias de classe”.

(HILL, 1987, p. 85).

No capítulo 5 “O Norte e o Oeste”, Hill utilizou o discurso de Lord

Brooke “A discourse opening the Nature of that Episcopacie which is

exercised in England”, para analisar a divisão inglesa no século XVII,

“durante a guerra civil, expressa também um confronto entre o norte

e o oeste, relativamente atrasados, e o sul e o leste, economicamente

avançados”. (HILL, 1987, p.87).

Analisando o discurso no periódico de C. Walker “History of the

Independency”, Hill descreveu que para suprir falhas foram instaladas

Comissões para Propagação do Evangelho no Norte e em Gales.

Hill através de uma análise de Lawrence Stone “The Educational

Revolution”, sugeriu que haviam muito mais escolas particulares dirigidas

por sacerdotes no sul e leste do que no norte e oeste e foram nessas

terras mais afastadas, principalmente áreas florestais, que surgiam o

maior número de participantes das seitas religiosas

Hill também se utilizou de fontes anônimas como quem escreveu “A

Brief Narrative of the Irreligion of the Northern Quakers”, para concluir

que os quacres continham em seus chefes artesãos nortistas e pequenos

proprietários rurais.

No capítulo 6 “Uma nação de profetas”, Hill utilizou como fonte

os panfletos de Arise Evans “The Bloudy Vision of John Farley”, para

analisar as crenças em astrologia e milenaristas, que segundo a fonte,

até mesmo os ladrões costumavam consultar adivinhas e astrólogos

para saber se iriam ser enforcados, em um período em que, “a maior

parte das aldeias tinha seu curandeiro, sua feiticeira especializada em

magia branca: era mais barato recorrer a esses do que a um médico ou

advogado”. (HILL, 1987,p. 100).

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Hill também analisou fontes em forma de almanaque como

o periódico de William Lilly “A Collection of Ancient and Modem

Prophecies”, um almanaque astrológico, que segundo Hill, “eles

seriam o fator que, isoladamente, maior dano fizera à causa do rei”

(HILL, 1987,p. 102), pois vendiam mais que a Bíblia e apresentavam

limitações do poder monárquico exaltando a magia, no caso, na figura

de Merlim.

Novamente Hill analisou fontes anônimas tais como “The ancients

Bounds, or Liberty of Conscience” e“The Spiritual Courts Epitomized”, os

periódicos revelaram a Hill, a questão da tolerância religiosa no período,

e que o termo herege ainda era utilizado para classificar pessoas que se

opunham as crenças romanas. Hill mostra que os panfletos, defendiam

as pessoas que realizavam as heresias. “Os termos herege e cismático,

dizia um panfleto publicado no mês seguinte, não passam de nomes

pejorativos aplicados a qualquer um que se oponha aos tiranos e

opressores”. (HILL, 1987,p. 112).

Hill também analisou notas do Parlamento como o “Extracts from

State Papers relating to Friends”, o qual utilizou para provar que

perturbar o culto era crime nos tribunais seculares, lei aprovada no

reinado de Maria, a qual causou aos quacres uma série de acusações,

pois os mesmos alegaram ter o direito de falar quando terminasse o

sermão quando Fox dirigiu a palavra no tribunal, logo foi acusado de

violar a lei de culto.

No capítulo 7 “Levellers e Levellers Autênticos”, Hill analisou

nas fontes a diferença entre um leveller e um leveller autêntico. Para

definição de leveller autêntico, Hill analisou o panfleto “The True Levellers

Standard Advanced” para concluir que: “Os diggers se proclamavam os

autênticos (ou verdadeiro levellers, denominação que já fora usada em

1647por Lawrence Clarkson” (HILL, 1987,p. 124), já que os levellers

nunca caracterizaram um movimento unido e disciplinado, o que

dificulta a interpretação sobre os mesmos.

Hill também analisou os panfletos de Winstanley como o “The

Law of Freedom”, que leva o subtítulo de “True Magistracy Restored”

(Restabelecer o governo legítimo), para comprovar que seus escritos

citavam duras críticas a monarquia e a postura clerical.

Winstanley não tinha o que fazer com a religião tradicional. O seu anticlericalismo era muito mais radical, convicto e sistemático do que o de qualquer outro escritor dos tempos revolucionários – e note-se que entre eles figuravam muitos anticlericais. ‘Qual a razão’, perguntava Winstanley, para que a maior parte das pessoas ignore as suas liberdades, e tão poucas tenham as capacidades necessárias para serem eleitas às funções da república? Isso ocorre?, respondia ele, porque o velho clero monárquico...continua a destilar os seus cegos princípios infundindo-os no povo e assim nutre a ignorância deste. (HILL, 1987,p.147)

No capítulo 8 “Pecado e Inferno”, Hill analisou nas fontes como os

grupos apontados por ele como radicais conviveram com as crenças de

pecado e inferno. “Alguns movimentos heréticos reclamaram a salvação

para todos os homens, ou, pelo menos, para todos que fizessem parte

de uma determinada comunidade”., (HILL, 1987,p. 156). Hill através

de analises descreveu que no período era muito fácil fazer o homem se

sentir como pecador, consequentemente desencorajá-los de qualquer

tentativa de remissão.

Através de uma analise sobre a fonte de T. Hooker “The Application

of Redemption”, Hill interpretou que os homens a partir do momento

que se juntavam em um coletivo perdiam o medo e sentiam-se livres.

Esse duplo sentimento de força – graças à autoconfiança individual e à unidade com um coletivo – produziu a notável liberação de energia que tão bem caracteriza o calvinismo e as seitas no período que estamos analisando. Os homens sentiam-se livres: livres do inferno, livres dos

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pastores, livres do medo às autoridades seculares, livres das forças cegas da natureza, livre, ainda, da magia. Tal liberdade bem podia ser ilusória – o resultado de um processo psicológico de auto-engano.(HILL, 1987,p. 159).

Hill analisou os panfletos de John Lilburne “The Free-mans Freedom

Vindicated” e interpretou que tamanhas descrenças no pecado e no

inferno estimularam as seitas a questionar a situação da Inglaterra,

incluindo a monarquia e a nobreza.

Numa petição de setembro de 1648, que teria sido assinada por quarenta mil homens, afirmava-se que os títulos de reis e de nobres eram ‘artifícios dos homens’, sem a menor utilidade, pois que Deus fizera todos os homens iguais. (HILL, 1987,p. 171).

Hill através de uma análise dos jornais de George Fox “Journal,

vol. 1”, chegou à conclusão que a causa do inferno incomodou os

quacres, pois a descrença no inferno aumentava ainda mais as críticas

aos dogmas da igreja.

George Fox, que também se viu tentado pelo desespero em várias ocasiões, nos anos de 1646 e 1647, pensava – em data anterior a 1649 – que todas as coisas vêm da natureza. Em 1651, outro quacre disse ao próprio Fox que nunca existiu um Cristo que morreu em Jerusalém. (HILL, 1987, p. 179).

No capítulo 9 “Seekers e Ranters”, Hill analisou os ranters por ele

definido como seita e os seekers que foram homens que rejeitaram

todas as seitas e qualquer forma organizada de culto, ato que as

pessoas tomavam devido à crença milenarista.

Já que, de qualquer forma, estava próximo o fim do mundo, então uma das soluções possíveis consistia em se resignar, em se retirar das controvérsias entre as seitas, em rejeitar todas as seitas e toda forma

de culto. Os homens que assim agiram foram chamados de seekers: Walwyn, embora recusasse esse rótulo, Roger Williams, John Saltmarsh, John Milton e talvez o próprio Oliver Cromwell. (HILL, 1987,p. 193).

Hill através da análise do “The Ranter Ranting” descreve os ranters

como grandes portadores de má fama não sendo bem vistos inclusive

pelas seitas, principalmente a causa das mulheres e sua forma de

ignorar o pecado e as leis. Hill interpreta que as criticas não eram

simplesmente ignoradas.

Quando alguns ranters quiseram vingar-se dos profetas Reeve e Muggleton, que os havia condenado à danação eterna, a promessa que fizeram a três dos mais obstinados ateus do seu próprio grupo, para que amaldiçoassem aqueles e o Senhor Jesus Cristo seu Deus, foi a de lhes pagarem um bom jantar de carne de porco. (HILL, 1987,p.201).

Hill deu continuidade no capítulo, analisando os atos de Abiezer

Coppe, interpretando as suas folhas únicas “A Character of a true

Christian”, Hill definiu Coppe como líder dos ranters e as idéias da seita

da seguinte forma:

Coppe era um estudante de Oxford, originário de Warwick. Depois de servir como pregador em uma guarnição do Exército, tornou-se líder dos ranters beberrões, fumantes e blasfemos em 1649, aos 30 anos de idade. [...] O seu pacifismo, porém, era muito diferente do que os quacres viriam a professar mais tarde. ‘Nada pela espada; temos um sagrado desprezo por toda forma de guerra; antes passar a semana inteira completamente bêbados, deitando-nos com putas na praça pública e considerar essas como sendo boas ações, do que tirar dinheiro do pobre lavrador enganado e escravizado...para com ele matar homens’. (HILL, 1987, p. 210).

Hill em sua análise dos ranters também enfatizou Lawrence

Clarkson, interpretando o panfleto “A Generall Charge or Impeachment

of High Treason, in the name of Justice Equity, against the Communality

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of England”, mostrando que os discursos de Clarkson ajudavam a

justificar os atos cometidos pelos ranters, enfatizando que eram puros.

Clarkson levou essa doutrina muito mais longe. ‘Ninguém pode libertar-se do pecado enquanto não for capaz de cometê-lo na pureza, como não sendo pecado, pois eu julguei puro, para mim, aquilo que para um entendimento obscurecido era impuro; para o puro todas as coisas, mais ainda, todos os atos são puros. De modo que ver o que eu posso, fazer o que quero, tudo isto é uma coisa só, a mais doce e amorosa... Sem ato, não há vida; sem vida, não há perfeição’. (HILL, 1987, p. 215).

Hill também mostra a contradição no discurso de Clarkson que

após ser convertido a seita muggletoniana “criticou os demônios ranters

que continuavam a dizer que Deus era autor do pecado e que para eles

o pecado não é pecado” (HILL, 1987, p. 216)

A ênfase em Lawrence Clarkson e A. Coppe no capítulo Hill justifica

da seguinte forma: “Em 1650 os ranters eram conhecidos como

coppinistas ou claxtonianos”. (HILL, 1987,p. 213).

No capítulo 10 “Ranters e Quacres”, Hill analisou como fonte o

periódico de George Fox “Journal, I”,para descrever os quacres, Hill

alertou sobre o risco de distorções no periódico, pelo fato da fonte ter

sido escrita pelo próprio protagonista.

É inevitável que um historiador que aborde o movimento quacre se sinta fascinado pela personalidade de George Fox, cujo impressionante Journal lhe servirá como uma de suas fontes principais. Por volta de 1694 estava claro que o movimento quacre era o movimento de Fox; [...] É preciso notar que o Journal de Fox foi escrito depois da época à qual se refere, e naturalmente personalidades e acontecimentos dos anos de 1650 se viram modificados por Fox ou por seus editores, levando em conta a experiência dos anos seguintes. Isso não significa que eles tenham procedido de uma distorção deliberada – mas simplesmente que a história parece diferente quando quem a conta conhece, ou pensa conhecer como ela termina [...]. (HILL, 1987,p.228).

Hill esclarece que respostas a algumas perguntas não podem ser

encontrados no periódico de Fox, por isso, sua análise da fonte consiste

principalmente na participação política dos quacres.

Por que multidões tão enormes se juntavam para ouvir Fox? Por que, e como, resultavam tantas conversões? Por que os sacerdotes, alguns magistrados e parte do populacho se irritavam tanto com isso? Respostas a essas questões não encontramos na história contada por Fox. A sua prédica parece consistir sobretudo em exportações devotas que seriam perfeitamente aceitáveis para qualquer puritano. (HILL, 1987, p.229).

Hill destaca, além de George Fox, o quacre James Nayler que

lutava pelas causas do povo, definidas por ele como oprimido, no

parlamento.

Outro porta-voz do radicalismo político quacre [...], era James Nayler, que já foi descrito comoquem mais longe levou a tendência ranter no interior do quacrismo. Deus fez todos os homens de um só molde e sangue para viverem na face da terra”, escreveu Nayler, em 1654, para denunciar os ricos. [...] Em 1659 Nayler ainda exortaria o Longo Parlamento a libertar o povo oprimido. (HILL, 1987,p. 243).

Hill através das fontes, afirma que existiam conflitos em relação ao

pecado, entre quacres e ranters, a descrença em um Deus incomodou

os quacres, incluindo o próprio Nayler. “Traístes o Senhor, disse Nayler

a esses ranters em 1659, e afirmastes que o pecado e a justiça são uma

só coisa aos olhos de Deus, desse Deus cuja existência muitos ranters

chegam a negar abertamente.” (HILL, 1987,p. 245)

No capítulo 11 “Samuel Fisher e a Bíblia”, Hill analisou a fonte

do próprio Samuel Fisher “Christianismus Redivivus, Christendom

Both unchrist’ned and new christ’ned” que mostra um pouco da

jornada do pastor presbiteriano, que depois se converteu aos batistas

e posteriormente aos quacres, até falecer em decorrência da peste.

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Fisher possuiu uma grande fundamentação teológica o que permitiu

que criticasse a bíblia.

Dentre as várias abordagens possíveis da Bíblia, duas tinham a simpatia dos radicais. Consistia uma destas em utilizar as suas histórias como mitos, aos quais cada fiel podia atribuir um sentido próprio, que não precisava levar em conta o sentido original do texto. [...] Outra abordagem consistia em negar a infalibilidade da Bíblia, ou submetê-la a uma cerrada crítica textual. (HILL, 1987, p. 254).

Hill através da leitura da obra de Samuel Fisher “The Rustics

Alarm to the Rabbies”, interpretou que:

A obra de Fisher constitui uma notável crítica bíblica de uso popular, embasada em efetiva erudição. O seu efeito é o de remover a Bíblia de sua posição central no esquema doutrinário protestante e dela fazer um livro como qualquer outro. [...] vemos Fisher afirmar friamente que há Bíblias em número mais que suficiente para qualquer um que saiba ler e tenha dinheiro para comprá-las. (HILL, 1987,p. 259).

Hill também analisa que a bíblia não era bem vista por alguns

dos grupos radicais, como os ranters, que viam na Bíblia a causa de

muitas mortes e divisões do povo.

Dizia-se então que, segundo os ranters, a Bíblia foi causa de toda a nossa miséria e de nossas divisões,... de todo o sangue que foi derramado no mundo. [...] Nunca haverá paz, entendiam alguns ranters, enquanto não forem queimadas todas as Bíblias. (HILL, 1987,p. 255).

No capítulo 12 “John Warr e o Direito”, Hill analisou as fontes do

próprio John Warr, seus periódicos “The Corruption and Deficiency of

the Laws of England” e “Administrations Civil and Spiritual”, ajudaram

a Hill a interpretar como os grupos reagiram com a questão das leis

no período.

Hill interpretou que homens como Winstanley perceberam que o

Estado existia com o objetivo de manter as classes inferiores sobre

controle e que o povo inglês cobrava leis no idioma local, ao invés

do latim.

As leis dos reis, ensinava Winstanley, sempre foram feitas contra as ações a que o povo comum mais se inclina, com a finalidade de prendê-lo nas armadilhas das sessões e tribunais de justiça; para que os advogados e o clero, que eram os sustentáculos do rei, assim ganhassem dinheiro e vivessem na abundância graças aos esforços dos outros homens. (HILL, 1987,p. 262).

Segundo Hill, entre os radicais os argumentos eram melhores, os

quais se destacam os de John Warr que durante sua vida defendeu

reformas na lei. “Quando os pobres e oprimidos clamam por direito,

eles se deparam com a lei... Muitas vezes a lei constitui o símbolo de

nossa opressão, tendo ela por intenção a de escravizar o povo”. (HILL,

1987,p. 264).

Na sua análise, Hill enfatiza a opressão sofrida pelos pobres na

Inglaterra e afirma que Warr vê a história como uma interação dialética

de duas forças: a Razão e os Usos e Costumes. “Na Inglaterra a lei é um

meio pelo qual os ricos oprimem os pobres: enquanto a Razão aceita

isso, revela-se culpada de desobediência e rebeldia”. (HILL, 1987,p.

266).

No capítulo 13 “A Ilha da Grã-Loucura”, Hill analisou as fontes para

discutir a loucura na Inglaterra, motivo de temor, tolerância, contestação

e interesse das pessoas no século XVII. O nome do capítulo veio devido

à citação de W. Erbery em “The Mad Mans Plea: Or a Sober Defence of

Captaine Chillintons Church”: “Se a loucura está no coração de cada

homem (Eclesiates IX, v. 3), então esta é a ilha da Grã-Loucura... Vinde

sejamos todos loucos, juntos.” (HILL, 1987, p. 269).

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No contexto da Inglaterra, Hill afirma que a maioria dos loucos

eram compostos por radicais políticos, devido a pressão que sofriam,

além de que, pensar diferente poderia ser a solução.

No contexto de maior liberdade dos anos de 1640 e 50, a maioria dos loucos parece ter-se composto dos que se radicalizavam politicamente. Para isso há várias explicações plausíveis. Uma delas é bastante popular hoje em dia: a doença mental é concebida como uma forma de protesto social, ou pelo menos como reação as condições sociais intoleráveis – os que enlouquecem podem bem ser os únicos sadios. (HILL, 1987 p. 271).

Hill interpretou as fontes e concluiu que havia algum método nas

pessoas que eram loucas, como o caso de Robert e William Everard,

ambos agitadores acusados de participar dos atos radicais, seu

sobrenome em comum impediu que Hill afirmasse os atos cometidos

por cada um.

Não sabemos se é o mesmo Robert Everard que deixou o Exército com a patente de capitão, [...] e no ano seguinte estaria pregando heresias arianas e socinianas [...] Esse Robert Everard publicou vários panfletos, entre 1649 e 1652, defendendo o batismo restrito aos adultos e negando a existência do pecado original. Seja qual for o Everard de Pordage, parece que havia algum método em sua loucura”. (HILL, 1987, p. 277).

No capítulo 14 “Pregadores Mecânicos e Filosofia Mecanicista, Hill

através de uma análise das fontes, como a de George Fox “Book of

Miracle” discute os pregadores mecânicos e sua filosofia que se baseava

na alquimia, astrologia e mágica. A filosofia mecanicista era voltada

para o uso da tecnologia, recusando explicações divinas, o que os fazia

ter fama de ateus. Hill afirma que os radicais defendiam o ensino da

alquimia e magia natural e cita exemplos da superstição dos radicais:

William Lilly interpretou a vitória do Exército e dos Independentes sobre os presbiterianos como sendo também uma vitória dos amigos da

astrologia. [...] Webster também defendeu o estudo da alquimia e da magia natural nas universidades e foi atacado como propagandista do espírito familístico-leveller-mágico. (HILL, 1987,p.281).

Hill através de fontes concluiu que a vitória da filosofia mecanicista,

esta voltada para a tecnologia, trouxe problemas ao cristianismo que

convivia com respostas a atos, acusando bruxas, demônios, feiticeiros

e a partir do momento que estes sumiram, o sentimento de culpa foi o

preço que se pagou:

Feiticeiros e bruxas, espíritos malignos e o demônio tinham servido de explicação para existência do mal e o sofrimento humano: bodes expiatórios bastante úteis. Mas a quem poderíamos culpar se eles não existissem?[...] Já que Deus não podia ser descartado, o senso da culpa e do pecado, que antes se aliviava no castigo aos hereges e bruxas, foi mais e mais introjetado: o senso puritano de culpa assim foi parte do preço que se pagou pelo abismo aberto entre a ideologia e a tecnologia. (HILL, 1987,p. 285).

Hill destaca a visão dos radicais sobre as universidades, os

quais pediam maior inclusão de pessoas nas mesmas, além de uma

disponibilidade maior do que teologia, direito e medicina.

A visão radical incluía uma reforma no sistema educacional, implantando neste algo próximo do ideal de Comênio: educação universal em língua vernácula para os dois sexos até a idade de 18 anos, mais seis anos de universidade para os melhores alunos. No reino inteiro eles debatem apaixonamente a reforma nas escolas, escreveu Comênio em 1641, para que todos os jovens, sem nenhuma exceção, sejam instruídos. (HILL, 1987,p. 289).

Hill interpreta que com a Restauração, nas universidades pouco se

alterou a respeito das novas idéias, devido à proximidade das mesmas

com a Igreja Anglicana que perdeu seu posto de soberana.

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[...] conservaram a ênfase nos clássicos, embora o latim não fosse mais a fonte principal de informação científica, ou a língua da comunicação científica internacional, ou sequer a língua efetivamente empregada pelas profissões de elite, a teologia, o direito, a medicina. Dessa forma Oxford e Cambridge se isolaram da principal corrente da vida intelectual inglesa e mundial, estagnando-se – ao passo que os não-conformistas, excluídos das universidades, desenvolveram em suas academias dissidentes uma cultura igualmente unilateral – utilitária, provinciana, sectária. O fosso que Winstanley tanto queria vencer, entre especialistas eruditos e inúteis, e homens ativos e sem instrução, manteve-se. Na sociedade proposta por Winstanley as duas culturas ter-se-iam fundido numa única. (HILL, 1987, p. 293).

No capítulo 15 “Beijos Vis e Sem Vergonha”, Hill analisou o “The

Ranters Last Sermon”, para abordar os ranters e como eles eram vistos

em relação à revolução sexual puritana.“Para os puritanos daquela

época, como para os de hoje, pecado geralmente significava sexo”.

(HILL, 1987,p. 294).

Hill através do periódico de Edmund H[all] “A Scriptural Discourse

of the Apotasie and the Antichrist”, afirma que os tribunais eclesiásticos

extorquiam dinheiro impondo multas a quem se casasse sem a

autorização da Igreja.

Hill analisou a fonte de Lawrence Clarkson, “The Lost Sheep

Found” e interpretou que as seitas ajudaram a romper com a tradição

conservadora, o relato é da fase ranter de Clarckson:

Nenhum homem podia libertar-se do pecado, até ele cometer tudo que é pecado como se não fosse... Até que te deites com todas as mulheres como se fossem elas uma só mulher, e sem julgares isso como pecado, tudo o que fizeres será pecado... Nenhum homem poderia atingir a perfeição a não ser por essa via. (HILL, 1987,p. 302).

No capítulo 16 “A Vida Contra a Morte” Hill analisou a ética

protestante e como ela influenciou os sentimentos humanos em

decorrência da mesma.

Pretendo insistir em como foi profunda a revolução nas idéias e sentimentos humanos acarretados pela nova ética protestante. [...] Os pregadores sabiam muito bem o que faziam. A sua linguagem é reveladora. Eles lutavam contra o homem natural. A mentalidade, a sensibilidade, a repressão que eles queriam impor ao homem eram completamente antinaturais. (HILL, 1987, p.310).

Hill relembra que em seu livro “Society and Puritanism”

descreveu o horror que os puritanos à perda de tempo, além de

terem hábitos de pontualidade e disciplina ás pessoas. Hill através

do periódico “The Mothers Legacie” confirma sua ideia:

Deves ter vergonha da preguiça, enquanto homem, porém, enquanto cristão, ela deve fazer-te tremer...Deus odeia os preguiçosos... Pode haver condição mais maldita no mundo? Começar sendo odiado por Deus, como um zangão vagabundo, imprestável para servir a Ele, e depois cair na mais extrema miséria e ser desdenhado por todo mundo. (HILL, 1987,p. 311).

Hill após análise das fontes de Lawrence Clarkson “The

lost sheep Found”, além de, “The Ranters Religion”, levanta a

seguinte questão: Seriam os ranters uma contracultura da ética

protestante?

No túmulo não há recordação ou tristezas, dizia Clarkson. Não é mal o que não faz mal a nossos semelhantes – ao contrário das instituições dominantes na sociedade, e do charlatanismo e hipocrisia repressivos dos que se dizem santos. [...] um regime no qual a propriedade é mais importante do que a vida, o casamento do que o amor, a fé num Deus mau do que a caridade ensinada pelo Cristo que está em nós. (HILL, 1987,p. 323).

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No capítulo 17 “Um Mundo Restaurado”, Hill analisou as fontes

para descrever como ficou a situação das seitas inglesas após a

Restauração.

Na verdade a tirania é a mesma numa pessoa como a outra, escreveu Winstanley – num pobre que se salientou por seu valor, ou num rico que se destaca por suas terras, ou seja, nos Grandes do Exército assim como na pequena nobreza rural de que se compunha a Câmara dos Comuns. (HILL, 1987, p.328).

Hill destaca, que após 1660, muitas foram as leis aprovadas para

que os atos dos radicais não voltasse a acontecer, e principalmente para

que ninguém ofendesse o Estado ou a Igreja.

A lei contra as petições de caráter subversivo feriu na raiz uma das principais formas de atividade política popular. Desde sua promulgação seria ilegal coletar mais de vinte assinaturas para qualquer petição de mudança de matérias legalmente estabelecidas na organização da Igreja e do Estado. (HILL, 1987,p.332).

Hill interpreta que a lei de caça, aprovada em 1671, acabou com

todo o poder de combate dos radicais. Com a aprovação das leis

“os guardas de coutada tiveram o direito de invadir casas e confiscar

armas”. (HILL, 1987, p.334). Além de que, as seitas já possuíam uma

tendência ao pacifismo, que agregadas às proibições e repressão

militar nas ruas dificultaram que mantivessem suas ações.A mando dos

grandes proprietários o exército competente de Guilherme de Orange

conseguiu retirar o rei do seu posto sem dar chance a uma revolta

popular.

No capítulo 18 “Conclusão”, Hill destaca que sua intenção no livro

foi a de enfatizar “os estímulos tão inusitados que durante as décadas

revolucionárias produziram uma fantástica irrupção de energia, tanto

física quanto intelectual”. (HILL, 1987,p. 344).

A distribuição de panfletos significou para Hill, uma batalha entre

a imprensa contra a censura, com a vitória da liberdade de expressão.

Hill também enfatiza que por um curto tempo as pessoas se sentiram

livres da Igreja e das classes dominantes e por isso o tema se torna tão

maravilhoso.

Mas, para apreciar o que significou essa luta, para recuperar essa sensação de embriaguez – que não consiste em apenas ter o direito de imprimir o que penso, mas sobretudo em ter o direito de dizer o que penso -, precisamos regressar a essas décadas maravilhosas quando parecia que o mundo estava a um passo de ser virado de cabeça para baixo. (HILL, 1987,p. 346).

O Livro “O Mundo de Ponta-Cabeça” ainda possuí dois apêndices

“Hobbes e Winstanley: Razão e Política” e “Milton e Bunyan: diálogo

com os Radicais”. No primeiro Hill analisou a ideologia de Winstanley

comparando com a de Thomas Hobbes, deixando claro que, Hobbes

não foi um puritano.

Para dizer a verdade Thomas Hobbes não cabe muito bem neste livro, na medida em que nos propomos a estudar a ala esquerda do radicalismo puritano. Hobbes não foi puritano: a maior parte de sua vida serviu á poderosa família Cavendish, da alta aristocracia, realista. Fugiu da Inglaterra em 1640 e passou toda a guerra civil no estrangeiro. [...] Hobbes somente voltou á Inglaterra no final de 1651, depois que a República vencera os radicais. (HILL, 1987,p. 368).

Hill interpreta que apesar das diferenças, ambos possuíam muito

em comum, como cita:

Ambos rejeitaram a Bíblia como manual de orientação política e se permitem praticar uma crítica bíblica algo ousada. Ambos são céticos quanto ao inferno. [...] Os dois costumavam utilizar textos bíblicos para dar mais força a conclusões alcançadas mediante uma argumentação racional. (HILL, 1987, p. 369).

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No segundo, Hill analisou os diálogos de Milton e os radicais,

interpretando o livro “Areopagitica”, chegando à conclusão que as

idéias de Milton muito havia em comum com a dos radicais.

Porém não é apenas em seus panfletos em prosa que podemos encontrar afinidades entre Milton e os radicais. É a sua poesia que é realmente subversiva – e muitas vezes contra as convicções intelectuais do próprio Milton. Ele trata o inferno e o diabo com a mesma veia mitológica de Winstanley, como simples meio para expor conflitos psicológicos internos, ou ainda como um fecundo recurso literário. (HILL, 1987,p.378).

Hill enfatiza no que as idéias de Milton e Bunyan, se assemelhavam

ou não a dos radicais, os definindo da seguinte forma:

Se Milton tinha afinidades intelectuais com os radicais, porém deles se mantinha afastado por suas pressuposições aristocráticas, Bunyan repartia as atitudes dos radicais em matéria social e política, porém não a sua teologia. Em 1654, e muitas vezes mais tarde, ele denunciou a opressão monárquica. (HILL, 1987,p.386).

Christopher Hill em sua obra utilizou diversos panfletos, jornais

e livros da época, que agregados com a sua grande capacidade de

análise como historiador, resultou na tentativa de retratar de forma

mais clara o período em que os radicais chegaram perto de virar o

mundo de ponta cabeça.

Hill se propôs a analisar os radicais partindo da cultura não

hegemônica, porém, ele em sua metodologia se contradisse pelo fato

de que ao interpretar os grupos partiu do pressuposto dos grandes

nomes como: Winstanley, Bunyan, Reeve, Muggleton, George Fox,

A. Coppe, Milton, Clarkson e Samuel Fisher. Todos estes nomes,

possuíram uma posição privilegiada na sociedade inglesa para o

período.

2 AS FORMAS DE RESISTÊNCIA NA INGLATERRA NO SÉCULO XVII SEGUNDO HILL

2.1 A INGLATERRA REVOLUCIONÁRIA

Christopher Hill em “O Mundo de Ponta-Cabeça” aborda os grupos

e seitas definidas por ele como radicais durante a Revolução Inglesa

de 1640. O foco do seu trabalho não é a revolução em si, mas expor

o contexto foi necessário para que o leitor pudesse compreender suas

reflexões.

O autor explicou que no início do século XVII a Inglaterra não se

encontrava em destaque na Europa, “era uma potência de segunda

linha”(HILL,1987, p. 12),o trono que pertencia a Elizabeth depois de

sua morte passou a ser do seu primo Jaime Stuart, rei da Escócia, que

o assumiu com os cofres vazios e fez uma política que desagradou a

muitos.

Primeiramente, Hill aponta que J. Stuart retomou as relações

com a Espanha, inclusive tendo um embaixador como seu amigo e

conselheiro, o que desagradou tanto nacionalistas como protestantes,

nacionalismo este, despertado por Elizabeth, além de excluir os

calvinistas da Igreja Anglicana.“[...] Cada vez mais próxima da Igreja

Romana, especialmente com seu filho e sucessor Carlos I; deslumbrado

com a riqueza de seu novo reino (a Escócia era paupérrima e se

tornará como que uma colônia inglesa) [...]”. (HILL,1987, p. 13). Com

o objetivo de conquistar o apoio da nobreza, Stuart adotou uma política

de gastos que se tornou impopular, além de escancarar que a situação

financeira do reino não ia bem. Ele necessitava cobrar impostos, que só

poderiam ser aprovados pelos Parlamentares, onde os Comuns vinham

se destacando e só o fariam se confiassem no rei. Em:

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[...] Isabel os Comuns confiavam, e ela, embora os tratasse com sobranceria, sempre levou em conta a opinião pública do país que eles expressavam. Com os Stuart o confronto entre rei e Parlamentos vai-se tornar rotineiro, até resultar em guerra. Isso mudara o perfil constitucional da Inglaterra. (HILL, 1987, p.13).

Segundo Hill, o rei possuía poder para sequer ser necessário

consultar parlamentares, porém, não podia cobrar impostos sem

consultar a Assembléia, sem o consenso dos Lordes e dos Comuns. Os

Stuart reivindicavam a soberania do rei, assim Carlos I governou de

1629 a 1649 sem Parlamento.

Hill descreveu que a Europa estava devastada pelos conflitos

religiosos, como a Guerra dos Trinta Anos, a qual teve os protestantes,

com Ferdinando rei da Boêmia, como vencedores. Os ingleses

protestantes sentiam a necessidade de uma intervenção forte do rei.

Os nacionalistas ingleses, protestantes, desejosos de uma política externa agressiva, imperial, anti-espanhola, querem que seu rei intervenha na guerra. A “paz do rei” requer, portanto, a submissão às potências católicas, e desmorona quando o reino da Escócia se revolta contra a tentativa de impor à sua Igreja oficial, presbiteriana, formas de governo episcopal. (HILL, 1987, p.13).

Hill interpretou que Carlos I se viu em uma situação complicada,

pois não tinha poder nem exército pessoal suficiente para implantar

um Absolutismo e em 1640 convocou o que foi chamado de Curto

Parlamento, que logo exigiu mudanças e correções no poder, deixando

assim de existir 3 semanas após sua criação. Porém, antes do término

do ano convocou o que seria o Longo Parlamento, este dissolveu-se

somente em 1660.

Hill apontou que a situação financeira não ia bem na Inglaterra, o

rei pediu dinheiro emprestado aos Comuns, que rancorosos por anos

de punições, negam o pedido e exigem mudanças nas leis, sociedade e

Estado, mudanças que aos poucos foram sendo atendidas.

O Parlamento continua em Westminster e comanda a guerra contra o rei (em nome do Rei, porém, e da Coroa; em nome das antigas instituições que, com razão, o Parlamento acredita violadas por Carlos, mas que agora também ele viola). Como é de praxe, os exércitos parlamentares têm oficiais da própria nobreza e um deles, o conde de Manchester, comanda-os[...].(HILL,1987, p. 15).

O que resultou em uma série de derrotas, com o comando sendo

passado para Fairfax e Oliver Cromwell que remodelou o exército que

foi designado como “Exército de Novo Tipo”, que buscava valorizar o

mérito dos soldados e excluir dos comandos os Lordes e Deputados. No

Parlamento, os presbiterianos, direita puritana, vão tomando o poder

e seu exército radicalizado com chefes de igrejas protestantes, “que

não admitem a severa tutela dos presbitérios” (HILL,1987, p. 15) e vão

tomando o país para o Parlamento, o que resultou na derrota do rei

que acabou preso.

Hill descreve que o Parlamento tentou diversas negociações, inclusive

disposto a sacrificar seu exército, porém Carlos fugiu do cativeiro, foi

recapturado e:

o resultado será uma solução, por assim dizer, moderadamente radical (1649): os presbiterianos são excluídos do Parlamento, a Câmara dos Lordes é extinta, o rei decapitado por traição ao seu povo após um julgamento solene e sem precedentes, proclamada a República; mas essas bandeiras radicais são tomadas por generais independentes, Cromwell à testa, que as esvaziam de seu conteúdo social. (HILL,1987, p. 15)

Cromwell por não ser tão radical estava menos exposto a

preconceitos políticos ou religiosos, ao contrário de seus generais.

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Segundo Hill, a revolução inglesa é considerada umas das fases

mais importantes na formação da Inglaterra, a intenção dos anos

revolucionários foi não permitir uma dependência do país ao restante

da Europa. Jaime I e Carlos I chegaram a depender da Espanha e

França, Carlos II e Jaime II foram pensionistas de Luís XIV, o último

chegou a tramar uma invasão ao país para devolver o poder a igreja

católica. “Porque na época, quando se fala em religião, se há tão pouca

tolerância, é porque passam por ela as questões fundamentais da vida”.

(HILL,1987, p. 19).

Hill interpreta que os Stuart, na questão religiosa, estão em ruptura

com as classes populares. A classe dominante aceitou o catolicismo

de Jaime II, para evitar a insubordinação que estava ligada ao

protestantismo puritano, o que era o mais radical. Porém o rei estava

tão disposto a romper com valores que caracterizavam a sociedade

inglesa protestante, que a aristocracia buscou soluções para se livrar

do rei. A Revolução Gloriosa impediu uma invasão católica vinda da

França, para isso, encomendou-se uma invasão protestante, esta, vinda

da Holanda.

Mas o fato é que com as Revoluções de 1640, que limpou o terreno, e de 1688, que eliminou na família Stuart o elemento católico e por assim dizer “traidor”, a Inglaterra cortou pela raiz as tendências ao Absolutismo e o risco de estagnação. (HILL,1987, p.19).

Hill aponta que a violência era sentida mais pela nobreza do que a

classe média que apoiou os reis. Os Stuart ignoraram a opinião pública

e voltaram seus esforços contra o Parlamento. No início do século XVII,

os Comuns reclamaram a Jaime I que em toda parte o poder dos reis

aumentava e os do súditos diminuía e se fechavam os Parlamentos,

tendência tanto nos países protestantes quanto nos católicos.

A vitória dos Comuns foi fundamental, mas uma derrota para o

rei não significaria uma implantação do absolutismo, pois na atual

situação do país, sem exército regular e uma administração paga, o

rei era dependente da gentry, uma pequena nobreza rural, que julgava

crimes menores e cobrava impostos.

[...] Esta nada recebia pelo encargo, e por isso preservava certa independência face ao rei; fechando os Parlamentos entre 1629 e 40, na verdade Carlos I alienou o seu apoio, porque esses deputados que não foram eleitos, que não se reuniram, que tiveram a voz calada, eram os mesmos juízes de paz de quem ele necessitava. (HILL,1987, p. 20).

Desesperado por melhoras financeiras para restaurar sua

autoridade, Carlos I adotou diversas mudanças econômicas. Sua

vitória representaria não um absolutismo, mas sim, uma Inglaterra em

segundo plano, assim como foi na metade do século XVII.

Hill conclui que na Guerra dos 30 Anos, a Inglaterra não esteve

neutra, porém estava inativa e com a vitória na Revolução a postura

se tornou diferente. Cromwell adotou uma política externa agressiva

guerreando com a Holanda pela soberania nos mares, mesmo sendo

protestante, iniciando pela Jamaica sua colonização. “As condições

políticas e sociais para a Revolução Industrial estão dadas, especialmente

quando se consegue chegar ao controle das classes inferiores pelos

“senhores naturais”. (HILL,1987, p. 21).

2.2 OS RADICAIS DO SÉCULO XVII

No meio desse cenário conturbado da Inglaterra do Século XVII,

Christopher Hill aponta que houveram alguns radicais, que insatisfeitos

com a situação inglesa, tentaram propor medidas para que a Inglaterra

crescesse.

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as tentativas de vários grupos, formados em meio à gente simples do povo, para imporem as suas próprias soluções aos problemas de seu tempo, em oposição aos propósitos dos seus melhores, que os haviam chamado a ingressar na ação política. (HILL,1987, p. 30).

Hill interpretou que a gentry era uma pequena nobreza, normalmente

agrária que se distinguia da nobreza e da aristocracia, a última que no

século XVII era muito mais rica e poderosa do que a gentry. Os membros

recebiam a denominação de gentleman e não recebiam títulos. Para se

tornar um era necessário ter uma vida gentil, ou seja, livre do trabalho

manual e de penas, “qualidade que se chamava gentility”. (HILL,1987,

p. 29).

Outro grupo analisado por Hill foi os levellers, ou niveladores. Eram

assim conhecidos por tentar nivelar as diferentes condições sociais. Os

diggers, ou cavadores, foram um outro grupo, que se instalou em 1648

em terrenos abandonados, que não eram aproveitados e se puseram

a trabalhar nesse espaço semeando e plantando, sem terem intenção

fizeram algo parecido com uma reforma agrária, expandindo seu

domínio e se opondo a sociedade e ao Estado.

Ao analisar os diggers e levellers, Hill deixou claro seu ponto de vista

marxista, no qual as ações tomadas pela divisão das terras representa o

conflito do proletariado contra a burguesia, está não queria abrir mão

de suas terras e seus méritos.

Hill identifica como radicais, as seitas religiosas como os batistas,

quacres e muggletonianos que tentaram propor soluções religiosas,

porém não foram os únicos.

Outros grupos formularam questões de teor cético acerca de todas as instituições e crenças de sua sociedade — seekers, ranters, mais uma vez os diggers. Para dizer a verdade, é provável que incorra em equívocos quem pretender encontrar naquela época uma diferenciação

muito pronunciada entre a política, a religião e o ceticismo em geral. (HILL,1987, p. 31).

Hill analisou que a partir de 1645, passou-se a questionar tudo na

Inglaterra, tanto velhas instituições quanto velhos valores e crenças. Os

homens trocavam de grupos constantemente, um quacre de 1650 tinha

tanto em comum com um digger, ranter ou leveller “do que com um

quacre de nossos dias”. (HILL,1987, p. 31).

Literalmente qualquer coisa parecia possível, e não foram questionados apenas os valores da velha sociedade hierárquica, porém igualmente os novos valores, a própria ética protestante. Foi apenas aos poucos que se restabeleceu o controle, durante o Protetorado de Oliver Cromwell, conduzindo à restauração do poder da “pequena nobreza, e depois, em 1660, ao do rei e dos bispos.” (HILL,1987, p.32).

Hill afirmou que no século XVII, a Inglaterra passou por duas

revoluções. Uma, que saiu como vencedora e conquistou o poder

como o de abolir direitos sobre a terra que se mantinham desde

o feudalismo, além de, conferir poder político aos proprietários

“(soberania do Parlamento e da common law), supressão

dos tribunais que funcionavam com base na prerrogativa e

removeu tudo que impedia o triunfo da ideologia dos homens

com propriedades — ou seja, da ética protestante”. (HILL,1987,

p. 32). Por Common Law, entende-se os direitos baseados nas

velhas tradições e costumes, que se opõe ao direito romano, neste

contexto, se opunha aos reis, principalmente os Stuart.

Hill identificou que os batistas tiveram sua origem no séc.

XVII, na Inglaterra, quando um grupo de pessoas refugiadas da

perseguição religiosa, deslocou-se para a Holanda em busca

da até então escassa liberdade religiosa, aproximadamente em

1608.

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Esses refugiados foram liderados por John Smyth, membro do clero

e Thomas Helwys, advogado. John Smyth discordava de alguns pontos

em relação à Igreja Anglicana, a qual ele exercia a função de pastor.

Após uma análise da Bíblia, ele não conseguiu fundamentação para

justificar o batismo aos recém-nascidos. A partir deste fato, passou a

crer na necessidade de se batizar com consciência, ou seja, já adulto,

influência que adquiriu dos menonitas, um grupo religioso que Smyth

conheceu na Holanda com o qual acabou se identificando. Sendo

assim, Smyth batizou os demais fundadores da igreja, o que resultou na

primeira Igreja Batista Organizada.

Com a morte de J. Smyth que havia se juntado aos menonitas,

Thomas Helwys continuou a doutrina, e seus seguidores se deslocaram

novamente a Inglaterra e se instalaram em Spitalfields, ao redor de

Londres, por volta de 1612. A perseguição foi intensa por parte da

monarquia, fator que resultou na forte emigração dos membros da

igreja para o Novo Mundo. Porém, muitos foram presos antes de sair do

país, como John Bunyan, que escreveu a obra “O Peregrino” enquanto

cumpria pena.

Hill afirmou que existiam diferenças entre os batistas e os anabatistas

(como os menonitas). Os anabatistas eram pacifistas extremos e

recusavam jurar, além de que enfatizavam a vida coletiva, enquanto os

batistas enfatizavam a liberdade individual.

Esses homens costumavam ser chamados, por seus inimigos, de anabatistas ou familistas. Tais nomes — muito conhecidos no continente — na Inglaterra eram aplicados de maneira bem pouco rigorosa: a maior parte da nossa documentação provém de acusações feitas nos tribunais eclesiásticos. A principal doutrina anabatista era que as crianças não deviam ser batizadas. [...] Muitos anabatistas recusavam-se também a prestar juramentos, pois não admitiam que uma cerimônia religiosa servisse para finalidades judiciais e seculares; outros rejeitavam

a guerra e o serviço militar. Alegava-se que bom número deles levava o igualitarismo até o ponto de negar o direito à propriedade privada. (HILL,1987, p. 43).

Hill diferenciou os anabatistas dos batistas, ao enfatizar que os

primeiros se recusavam a participar do Estado, enquanto os batistas

podiam prestar serviços públicos, sejam eles, militares ou cargos políticos.

Outras distinções da fé batista era a autoridade da Bíblia como única

regra, e a rejeição a outras escrituras sagradas, a absoluta liberdade de

consciência dos membros, o não batismo de recém nascidos, além de

que, a igreja como comunidade local e democrática e autônoma deve

ser formada por pessoas biblicamente batizadas tendo Cristo como

objeto maior, e recusando a influência de Maria. Os batistas também

davam ênfase nas atividades como evangelização e missões, adoração

pública e assistência social. Era regra, entre os batistas universalistas

(General Baptists), “que qualquer pessoa terá o direito de aprimorar os

seus dons em presença da congregação”. (HILL,1987, p. 116).

Hill destacou em sua obra a seita dos quacres, devido a sua afeição

a fonte de George Fox “Journal I”. Segundo Hill, a seita surgiu no século

XVII, quando ficaram conhecidos como Religious Society of Friends

(Sociedade dos Amigos). Sua tradução literal seria “tremedores”, porém

preferiam se autodenominar como “Santos” ou “Amigos da Luz”.

Hill interpretou que seu fundador foi George Fox, que criou o

movimento com o intuito de restaurar a Fé Cristã original, já que na

sua visão as Igrejas na Inglaterra haviam se afastado do propósito. Hill

analisou que os quacres reagiram para o que entenderam como abuso

de poder por parte da Igreja Anglicana, colocando-se sob inspiração

do Espírito Santo. Os membros que eram ridicularizados no século XVII,

devido ao nome ‘tremedores’, que veio de uma frase de Fox “Tremam

diante de Deus”, rejeitavam qualquer organização clerical, apesar

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disso seguiam a Bíblia, pois acreditavam que ela era o testemunho da

palavra de Cristo.

Se a essa atmosfera geral acrescentarmos a crença familista, retomada pelos quacres, segundo a qual apenas o espírito de Deus presente no fiel pode proporcionar a adequada compreensão das Escrituras, teremos então um senso vivido de como a mensagem bíblica parecia falar diretamente a quem a lia. (HILL,1987, p. 116).

Hill afirmou que os quacres acreditavam sentir a palavra de Deus,

pois segundo suas crenças qualquer indivíduo pode fazer o intermédio

com Deus, pois todos possuem uma Luz Interior, ou seja, o Espírito

Santo que guiará o indivíduo quando se converte e aceita essa voz. “Eles

acreditavam que Cristo era descido ao mundo para reinar no íntimo

de cada homem. Ainda que a sua doutrina não fosse tão diretamente

política, era mais republicana e democrática”. (HILL,1987, p. 109).

Hill identificou que entre ás práticas religiosas, os quacres rejeitavam

qualquer forma exterior de religião, além de não praticar o batismo

com água, pois acreditavam que quando o indivíduo aceita, o fogo do

Espírito Santo falará em sua consciência.

O historiador inglês analisou os muggletonianos como mais

uma seita religiosa radical que surgiu no Século XVII, criada por

Lodowick Muggleton, “o iluminado inglês”, e John Reeve. Eles se auto

proclamavam como as duas testemunhas (profetas) citadas no livro do

Apocalipse.

Hill afirmou ainda que os muggletonianos negavam a Santíssima Trindade

e acreditavam que “no céu seremos Todos varões, e feitos não para procriar,

Mas no êxtase viver de um divino avatar”. (HILL,1987, p. 301).

Hill identificou os pentamonarquistas como uma seita religiosa,

cujos membros acreditavam que após as Quatro Monarquias (Babilônia,

Pérsia, Grécia, Roma) sucederia um governo divino, um governo santo.

Assim como outras seitas que ganharam destaque no século XVII,

estavam contagiados por uma superstição milenarista, que mostrava

sinais do fim dos tempos.

Sobre esse grupo, o historiador afirmou que os pentamonarquistas

aguardavam a volta de Jesus Cristo para governar toda a Inglaterra e

o restante do globo, juntamente com os seus santos. Expectativa que

foi reforçada, logo após a morte de Carlos I, considerado por muitos a

encarnação do Anticristo, principalmente pelos apoiadores de Cromwell

e da causa do Parlamento. “Os pentamonarquistas, esperando que

uma intervenção direta do rei Jesus na política inglesa proporcionasse

os efeitos que métodos políticos democráticos haviam sido incapazes de

produzir.” (HILL,1987, p. 85).

Hill conclui que o grupo dos homens da Quinta Monarquia,

possuíam idéias religiosas radicais para o período, como adoção de leis

contidas no Velho Testamento para substituir a legislação inglesa. Idéia

que não foram bem aceitas, e desde o seu fracasso do Parlamento dos

Santos, o grupo teve que aguentar duras críticas contra suas propostas

políticas, que variaram de orais á materiais impresso.

Hill identificou outro grupo como radicais, os ranters que era o nome dado as pessoas que seguiam uma série de idéias, sem a necessidade de se organizarem em um grupo. Por este fato, não é incomum serem comparados a anarquistas, pois não davam atenção as regras.

O que o mundo chamou pejorativamente de puritanismo e alguns de ranterismo, embora ele se recusasse a justificar esses profanos chamados ranters, que blasfemavam, praguejavam, frequentavam putas e se regozijavam em público de sua própria impiedade. Reconhecia que muitos homens bons costumam considerar-me como um dos que seguem tal princípio e adotam as práticas dos ranters, e pensam que eu exalto o profano como sendo o mais sagrado e os santos de Deus como sendo apenas os ranters; que mantenho amizade com vários que são

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prodigiosamente profanos e escandalosos,... que cometem a blasfêmia de arremedar os sacramentos da Ceia do Senhor. (HILL,1987, p. 199).

O historiador apontou que os ranters ignoravam todas as restrições

tradicionais e morais, o que seria um grande problema se a tradição

ranter se espalhasse pela Inglaterra que tanto prezava por sua

tradição.

Mas a disciplina presbiteriana era coisa nova e diferente: levar-se-ia a sério a imposição, à multidão ímpia, de um código de conduta moral. Essa perspectiva deve não apenas ter reforçado o anticlericalismo em meio às classes inferiores, como também ter estimulado os antinomistas na sua disposição de recusar a servidão da lei moral, que os ranters iriam radicalizar a ponto de rejeitar todas as restrições morais tradicionais.(HILL,1987, p. 166).

Os ranters levavam ao extremo a idéia de que ‘Deus está dentro

de cada um de nós’, e se deve escutar a sua voz antes de agir. Para

eles não existia ordens, regras ou moral, mas sim, a pessoa devia agir

conforme sua vontade, pois essa seria a vontade de Deus.

Hill afirmou que muitos aderiram a prática ranter para explorar

o lado sem regras, pois sendo assim, roubar não seria um crime. As

suas idéias espantaram as elites, pois se todos aderissem ao lema ‘sem

regras’, ficaria impossível de controlar a massa inglesa, “os ranters e

os primeiros quacres tinham praticamente perdido toda a crença no

inferno”. (HILL,1987, p. 181).

O historiador analisou que entre as idéias exóticas para época, a

de dormir com todas as mulheres como se fosse uma só acabou se

espalhando, fato que acabou atrapalhando alguns dos outros grupos,

que se fizessem oposição eram logo acusados de quererem dividir as

mulheres, além de que, alguns grupos como os quacres já tratavam as

mulheres com igualdade, fato também raro na época.

Ambos os grupos radicais do século XVII, queriam alterar algo

político e religioso, Hill percebeu um interesse em comum entre ambos,

que foi a tentativa de restabelecer a Igreja a sua essência, além de que,

a insatisfação criada depois do conflito entre monarquia e parlamento,

parecia somente estimular esses grupos rebeldes do século XVII.

2.3 FORMAS DE RESISTÊNCIA CONTRA O CLERO E CONTRA A COROA

Uma cultura tradicional que é, ao mesmo tempo, rebelde. A cultura conservadora da plebe quase sempre resiste, em nome do costume, às racionalizações e inovações da economia [...] que os governantes, os comerciantes ou empregadores querem impor. Por isso a cultura popular é rebelde, mas o é em defesa dos costumes.(Edward Palmer Thompson).

Edward Thompson se refere aos costumes ingleses, e como a plebe

resiste a qualquer instituição em nome de sua cultura. Essa mesma

plebe apresentada por Christopher Hill como radicais, frequentava as

seitas e manifestava-se por sua liberdade religiosa

Os radicais apresentados em “O mundo de ponta cabeça” queriam

apenas manter ou proliferar suas crenças, porém, muitos deles não

eram bem vistos e diversas ações eram tomados para impedir que o

número de seguidores das seitas não aumentasse, como cita Hill:

Nayler como o ‘principal dirigente’, ‘o chefe dos quacres da Inglaterra’. ‘Ele é quem escreve todos os livros deles’, informou o coronel Cooper á Câmara dos Comuns, em dezembro de 1656. “Abatendo esse indivíduo teremos destruído toda a seita”, concordou o deputado Denis Bond [...] o fato de que fossem veiculadas basta para mostrar que Fox não era em absoluto o único líder dos quacres no ano de 1650. (HILL,1987, p. 229).

A preocupação vinda do coronel Cooper mostra que as ações

tomadas pelas seitas incomodavam a coroa, além de uma parcela da

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população que, conservadora, não aceitava os atos vindos dos radicais,

conforme fez questão de destacar Hill. O mesmo também mostra que a

liderança dos quacres, que foi fundada por George Fox, não se resumia

somente a ele, mas a vários outros membros que se diziam líderes ou

ao menos eram vistos como tal.

Hill afirmou que a crença interior dos quacres e sua maneira de

sentir Deus não atraiu boa reputação para os membros que eram

chamados de “vadios de cabeça redonda”(HILL,1987, p. 230), no

inglês “Roundhead”, termo usado contra os radicais políticos.

Hill analisou que as idéias de George Fox levadas pelos quacres não

agradavam a coroa, pois seus sermões publicados em prol da plebe

sugeriam idéias tidas como radicais para o período. Como escreveu

Hill: “Ó grandes e ricos da terra! Chorai e gemei: vossa miséria está

chegando...O fogo já foi ateado, o Dia do Senhor já desponta, dia

esse de gemidos...Toda a arrogância dos homens deve ser deposta”.

(HILL,1987, p231).

A ousadia de Fox não passou despercebida pelo governo, que

tomava medidas contra o mesmo, como escreveu Hill:

Em 1654 Fox foi novamente preso, sob suspeita de conspirar contra o governo, porém recebeu uma acolhida cordial de Oliver Cromwell. Quem queria reprimir os quacres eram os mesmos que tentavam pôr fim ao poder do Exército do Novo Tipo. (HILL,1987, p. 232).

Hill conclui que a crença milenarista, assim como em séculos anteriores, ainda assombrava o imaginário dos ingleses, que procuravam a melhor forma de salvação, ou seja, muitos adentraram as seitas acreditando que as mesmas possuíam a essência da religiosidade, sendo assim, os indivíduos estariam próximos da salvação.

O historiador inglês indicou que os quacres também não

conseguiram o apoio do clero, que descontentes com os ataques que

sofriam devido à cobrança do dízimo e os altos custos dos templos,

cortava os benefícios dos sacerdotes que apoiassem as idéias, além de

incitar a massa contra a seita.

Os ataques indiscriminados ás custas, dízimos e ao caráter consagrado dos edifícios eclesiásticos cortou qualquer possibilidade de que algum sacerdote os apoiasse sem perder o benefício [...] a curto prazo, parece que o clero não teve maiores dificuldades em incitar a massa contra eles – chamando-os de “cabeças redondas”. (HILL,1987, p. 232).

Hill afirmou que os ranters eram constantemente comparados aos

quacres, generalizados na categoria de que ambos os grupos não

aceitavam Cristo, além de que, não seguiam nenhuma Escritura como

regra. A diferença entre eles, como escreveu Hill, citando Bunyan:

“só que na voz dos ranters [essas doutrinas] ficaram gastas, de tanto

serem reiteradas nas cervejarias, ao passo que os quacres lhes deram

novo brilho revestindo-as da aparência de uma santidade formal”.

(HILL,1987, p.234).

Hill analisou o próprio George Fox que afirmou que os ranters

tinham convicções puras, porém criticou a libertinagem dos mesmos,

que insistiam na embriaguez, na blasfêmia, além de se excederem

constantemente em público. Ele acusou muitos dos que se diziam

quacres de serem ranters, devido aos atos cometidos.

Hill interpretou que foram nos simples atos, como a embriaguez, que

os ranters colocaram em prática uma resistência contra o clero e a coroa,

pois os mesmos conhecidos como ‘agitadores’ não se confortavam com

a ordem pública, além de que, havia todo um conservadorismo para o

período e dormir com diversas mulheres por simples prazer apresentava

uma contradição às idéias religiosas predominantes, que reproduzia o

discurso de que o sexo seria para a procriação.

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Christopher Atkinson foi aceito como quacre até que, em 1655, incorreu em familiaridade e frequentação excessivas de mulheres, especialmente das que parecem mais inclinadas a um espírito ranter. Ele perdeu a vergonha e... cometeu obscenidades com uma criada. (HILL,1987, p. 236).

Hill interpretou que o individualismo apresentado pelos ranters

preocupava o governo, que via esses atos que não favoreciam o coletivo

como uma ameaça a ordem social que estava estabelecida na Inglaterra,

pois os ranters queriam estar de bem consigo mesmos, indiferente do

que pensava o clero ou a coroa, como mostra o historiador a partir

das palavras de William Penn: “Eles queriam que todo homem fosse

independente, de modo que, tendo cada um o princípio dentro de si,

somente deveria seguir e obedecer esse princípio, e a ninguém mais

[...]”. (HILL,1987, p.247).

Hill apontou que as seitas como os pentamonarquistas apresentavam

uma idéia radical tentando incluir as mulheres, proibindo os homens

de excluírem as mesmas de atividades que até então eram de caráter

masculino, incentivando elas a lutarem por sua liberdade.

O pentamonarquista John Rogers proibia os homens de desprezar as mulheres ou de lesá-las em sua liberdade de votar e discutir assuntos comuns. Às mulheres eu digo o seguinte: peço que não sejais muito atrevidas; nem tampouco muito retraídas – defendei com firmeza a vossa liberdade. (HILL,1987, p.299).

Para Hill essa idéia era radical para o período inglês, pelo fato de

que muitas pessoas tentavam retomar ou manter tradições antigas e a

mulher ganhar espaço não era favorável principalmente ao rei, em um

país no qual predominava a monarquia, além de ser uma sociedade

basicamente paternalista.

Hill identifica que as desavenças com o clero aconteciam devido

a crença dos pentamonarquistas segundo a qual Jesus Cristo voltaria

para governar a Inglaterra, resultando em organizações de pastores

que tentaram conter o avanço da seita. O grupo também passava

textos inconvenientes sobre as escrituras, destinados principalmente

aos sacerdotes formados nas universidades.

O pentamonarquismo seria um movimento especificamente urbano: ele [Capp] encontrou poucos sinais de ligação entre a Quinta Monarquia e as áreas florestais antes de década de 1670. Parece que foi basicamente em reação a esse desafio radical que o clero tradicional das regiões afastadas juntou-se [...] com o intuito de criar associações voluntárias de pastores em nível de condado, numa espécie de presbiterianismo de baixo para cima. (HILL,1987, p. 93).

Hill analisou que os pentamonarquistas participavam

efetivamente da política, tentando implantar o velho testamento

como lei, mesmo possuindo um grande número de membros como

operários têxteis e artesãos, que tentavam na insistência impor suas

idéias, mesmo que contra a vontade do clero e da coroa. De acordo

com Thompson:

Pois um costume tem início e se desenvolve até atingir sua plenitude da seguinte maneira. Quando um ato razoável, uma vez é praticado, é considerado bom, benéfico ao povo e agradável a natureza e á índole das pessoas, elas o usam e praticam repetidas vezes, e assim, pela frequente iteração e multiplicação do ato, ele se torna costume; e se praticado sem interrupção desde tempos imemoriais, adquire força de lei. (THOMPSON, 1998, p. 86).

Ambas as seitas tentavam na insistência de divulgações de

panfletos contendo suas idéias adquirir novos membros que se

identificassem. Por meio destes papéis impressos, podiam lançar

todas suas críticas à sociedade anonimamente.

Hill apontou que os anabatistas eram pacifistas extremos, o que

não impediu que atraíssem os olhares do clero e do reino, pois sua

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maneira de batismo somente consciente contrariava os valores da Igreja

Anglicana. Sua simplicidade também entrou em conflito com idéias

de outras seitas, como os ranters e os quacres, que constantemente

recebiam críticas do grupo.

As idéias de igualdade vinda do grupo não agradava as elites pois

“os anabatistas ensinam que todos os homens são iguais e que não há

diferença entre senhores e servidores”. (HILL,1987, p.52). Não foram

raras as acusações contra os anabatistas, para prender os membros do

grupo, como cita Hill:

Tanto Walwyn quanto Overton reagiram a propaganda que acusava os anabatistas de Munster, apresentados como comunistas, de cometerem atrocidades. “Essa história mentirosa e tão injuriosa que contam... dos anabatistas de Munster”; “Quem escreveu as histórias dos anabatistas: não foram apenas os seus inimigos? (HILL,1987, p. 130).

Hill analisou que as falsas histórias dos anabatistas, como a de

que eles teriam um exército sanguinário só retratavam o medo que o

governo possuía de um golpe vindo da seita, que tinha certa influência

nos exércitos populares e por meio de sua crença, apresentava

resistência a Igreja Anglicana.

Hill conclui que as perseguições aos batistas eram as mesmas

dos anabatistas, ambos foram prejudicados por uma lei aprovada

em 1656, a Lei de Vadiagem, que visava punir todos que vagueiam

sem uma ocupação, ato que atingiu os grandes nomes das seitas, pois

normalmente eram sustentados por doações e realmente não tinham

uma ocupação.

Hill identificou que os muggletonianos e suas idéias radicais

incomodavam principalmente o clero, pois questionavam sobre a

existência de um Deus e como antigos costumes, preferiam adorar

a natureza, não tanto pela tradição mas pelo medo de um suposto

inferno, como escreveu Hill: “diziam tanto nos seus corações quanto em

línguas que o único Deus é a natureza [...] Não almejava o céu, para

não correr o risco de ir para o inferno.” (HILL,1987, p.178).

Hill destacou que o questionamento sobre as Sagradas Escrituras,

vindas de John Bunyian em 1650, apenas reforçava a idéia de os

mugletonnianos questionarem os propósitos da igreja. Eles não

hesitaram em desconfiar de uma suposta trama de manipulação do

governo se baseando nas escrituras para alienar o povo.

Se em verdade há mesmo um Deus e Cristo, ou não, e se as Sagradas Escrituras não seriam apenas uma fábula, um conto enganoso – escrito por alguns políticos, com o propósito de fazer o povo ignorante e pobre submeter-se a alguma forma de religião e de governo. Como podeis negar que os turcos tenham Escrituras igualmente boas para provarem que o seu Mafoma é o salvador? (HILL,1987, p. 178).

Hill interpretou que os muggletonianos eram formados por um

grande número de ex-membros dos ranters que arrependidos dos

pecados cometidos como sem leis, buscavam a redenção nas idéias

do profeta John Reeve. Outro membro de destaque se encontrava na

figura de Lawrence Clarkson.

Hill analisou que a relação dos muggletonianos com os ranters era

péssima. Seu desleixo com as leis divinas incomodou a seita que não

hesitava em criticá-los, como escreveu Hill:

Depois de passar um tempo como astrólogo e mágico, Clarkson foi convertido por John Reeve, outro ex-ranter, à seita que mais tarde seria conhecida como muggletoniana. Em 1659 Clarkson criticou os “demônios ranters” que continuavam a dizer que Deus era autor do pecado e que “para eles o pecado não é pecado”. (HILL,1987, p. 216).

Hill afirmou que a reputação dos muggletonianos entre os quacres

não era boa devido a presença de ex-ranters “alguns quacres associaram

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os muggletonianos aos ranters, certamente devido à presença de

Reeve e Clarkson”. (HILL,1987, p.226).

No livro “O Mundo de Ponta-Cabeça (1972)”, Hill não apontou

perseguições vindas da coroa aos muggletonianos, ao contrário

de outras seitas, talvez os líderes L. Muggleton e John Reeve se

preocuparam mais na parte religiosa do que a política e suas idéias,

por mais radicais que fossem para o período, não atacavam tanto

a ordem social quanto as outras seitas, portanto seu desagrado era

principalmente ao clero, que não aceitava duas pessoas comuns se

designarem profetas e negar a Santíssima Trindade.

Hill afirmou que os diggers tentaram fazer uma reforma agrária,

encorajando os plebeus e incomodando a coroa com a idéia de

habitar terras comunais, abandonadas e desabitáveis, “os diggers

alegariam que nenhuma lei privava o povo comum dos seus direitos

à terra comunal, mas apenas um antigo costume gerado por força da

prerrogativa régia”. (HILL,1987, p.70).

As normas defendidas não eram as mesmas proclamadas pela Igreja ou pelas autoridades; eram definidas dentro da própria cultura plebéia, e os mesmos rituais de desonra usado contra um notório transgressor das regras de conduta sexual podiam ser aplicados contra o fura-greve, contra o proprietário rural e seus couteiros, o inspetor de tributos, o juiz de paz. (THOMPSON, 1998, p.18.)

Hill afirmou que os diggers eram temidos, pois eram os mesmos

que participaram da revolta das Midlands, em 1607, e suas idéias

de ocupação de terrenos eram assustadoras para o governo que

“temia que eles pudessem estar decididos a derrubar todas as cercas

da Inglaterra”. (HILL,1987, p.127). Eles exerceram influência em

acentuar tensões de classe, pelo fato de estimular os que nada tinham

a tomar das elites o que os era de direito e podem ter agregado

para consciência de classe dos quacres e pentamonarquistas com essa

ideologia.

Hill interpreta que a tentativa fracassou, pois depois de 1649, o “Rabo

do Longo Parlamento” não deu continuidade para encorajar a reforma

agrária, que foi alvo de tantos protestos “como o do coronel John Pyne,

deputado radical que representava Poole, o qual denunciou que são

roubados os direitos dos pobres e dos comunais”. (HILL,1987, p. 70)

Hill analisou que os panfletos não serviam apenas para criticar

as seitas religiosas, mas também esses diggers, pois o anonimato dos

panfletos ou apenas as iniciais dificultavam descobrir quem foi o autor

evitando assim futuras acusações, “a oposição a ação dos diggers veio,

conta-nos Winstanley apenas de um ou dois freeholders ambiciosos,...

que chamam de suas as terras que foram cercadas”. (HILL,1987, p.

131).

Hill analisou os levellers como o grupo que constantemente

tentavam mudar a ordem social, eram constantemente confundidos

com os diggers, pois suas idéias instigavam aqueles que nada tem

contra aos que eles se submetem.

Os levellers mandaram emissários, conta-nos um panfleto de lavra oficial, para instigar o criado contra o amo, o tenant contra o senhor, o comprador contra o vendedor, o que toma emprestado contra quem lhe empresta, o pobre contra o rico. (HILL,1987, p. 131).

Hill afirmou que os levellers também criticavam o familismo, que

na visão religiosa significou que Cristo estava presente em cada fiel,

prática que era uma tradição popular de anticlericalismo e de ceticismo

materialista.

O leveller William Walwyn perguntava aos inimigos da Família do Amor: “A que família pertenceis por favor?” [...] Walwyn e centenas de sua espécie

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estavam andando pelas ruas de Londres, discutindo, propagandeando essas ‘belas noções’ com a intenção de que elas fizessem o caminho para o mundo. Chegaram perto de virar este de pernas para o ar – tão perto que os membros do círculo de Great Tew apoiaram os realistas durante a guerra civil. (HILL,1987, p. 52).

Hill afirmou que os diggers se proclamavam os levellers autênticos,

denominação definida por Lawrence Clarkson, que mais tarde abandonou

os levellers para virar ranter e posteriormente muggletoniano.

Hill analisou que os levellers nunca constituíram um partido ou um

movimento disciplinado e unido, discordavam e se contradiziam nas suas

próprias idéias, porém muitos eram defensores do uso da força bruta,

sempre a favor do povo mas também se utilizavam de “panfletos levellers,

isso com a finalidade de provar que os levellers se opunham à religião e

á propriedade”. (HILL,1987, p. 128).

Por esse motivos de oposição “a cultura popular é rebelde, mas o

é em defesa dos costumes” (THOMPSON, 1998, p. 19) e se necessário

a força bruta como se fez em outros tempos, pela defesa das tradições,

pegar em armas não seria uma fronteira.

Hill interpretou no panfleto ‘The Moderate’ que os levellers

manifestaram maior coerência na defesa da tolerância religiosa e

defenderam uma ampliação no direito ao voto, fatos que despertaram a

ira do conde de Leicester. “O nobre lorde entendia que tais sentimentos

não deviam ser permitidos em nenhum Estado cristão: o que nos diz

muito sobre o que tais homens pensavam ser a função do cristianismo”.

(HILL,1987, p. 130).

Hill conclui que todas as seitas dependiam de uma dedicação de seus

membros, o que não era problema enquanto o fim do mundo parecia

evidente, porém, no cotidiano as práticas não seriam possíveis e com a

perseguição vinda após a Restauração muitas das seitas desapareceram.

E quando, com a Restauração, veio uma feroz perseguição às seitas, esta produziu outro tipo de tensão, que fez retornarem à Igreja estatal todos, exceto os fiéis mais convictos. De modo que as seitas se restringiram a uma elite auto selecionada, a dos eleitos: elas não tinham lugar para o homem comum, submetido à vida dos sentidos. Da mesma forma costumava-se dizer, na década de 1930, que o Partido Comunista Inglês era o partido com o maior número de ex-membros. Todas as seitas do século XVII, ao se consolidarem, devem ter adquirido enorme número de ex-membros. Isso explica o que já notamos acima — um desejo autenticamente popular de que voltasse a velha Igreja, com os seus doces e quermesses, embora não necessariamente os seus bispos. (HILL, 1987, p.357).

Hill também afirmou que quando as perseguições aumentaram e as

soluções vindas das seitas não pareceram ser as ideais, a melhor alternativa

foi recorrer aos velhos costumes e aceitar novamente as igrejas e suas

festas, além de toda organização da sociedade que havia se estabelecido

por séculos.

O fato de Hill citar os historiadores do Partido Comunista Inglês,

relacionando com os radicais serem constituídos de um grande número

de ex-membros em sua conclusão, apenas confirmam a influencia que o

ato possuiu na vida do historiador inglês. Em nenhum momento no livro

Hill cita os motivos da saída dos estudiosos do Partido Comunista Inglês,

pois ele já espera que seu leitor conheça um pouco de sua vida antes de

ler a sua obra.

Após a Restauração, o período da liberdade de expressão virou

passado e a Ilha da Grã-Loucura tomou novos rumos, deixando de lado

valores que tanto foram protestados pelas seitas, como a igualdade da

mulher, a distribuição agrária, liberdade religiosa, desigualdade social,

entre outras ações para tomar o rumo do comércio, como afirmou Hill:

O grande período da liberdade de movimento e de expressão era passado. Durante vinte anos muitos homens haviam percorrido todos os cantos da Grã-Bretanha — no Exército, à busca de trabalho, ou ainda a

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serviço de Deus. A troca de idéias e experiências, a fecundação recíproca, devem ter sido imensas. Depois da Restauração os oficiais do Novo Tipo voltaram a seus ofícios.Os latoeiros que se haviam tornado pregadores retornaram a suas aldeias, ou, como Bunyan, foram para a cadeia. Os levellers, diggers, ranters e pentamonarquistas desapareceram, quase sem deixar rastro. Coppe mudou de nome e tornou-se médico. Salmon, Perrot e muitos outros emigraram. Nayler e Burrough morreram, Fox impôs disciplina aos quacres: esses sucumbiram à ética protestante. A propriedade triunfou. Os bispos retornaram à Igreja estatal, as universidades e dízimos foram mantidos. As mulheres conheceram de novo o seu lugar. A ilha da Grã-Loucura tornou-se a ilha da Grã-Bretanha, com a confusão de Deus cedendo lugar à ordem do homem. A Grã-Bretanha tornou-se o maior território de livre-comércio em toda a Europa, porém a livre circulação de idéias nela era bastante restrita. A nação de profetas, que Milton queria, tornou-se uma nação de comerciantes. (HILL, 1987, p.360).

Hill apontou que seu objetivo não era o de tratar os radicais com

condescendência, mas sim, aproveitar o que há de poético em suas

intuições, e mesmo que muitos dos esforços tenham sido em vão,

muitas pessoas que nada tinham, foram ajudadas por esses radicais

tanto materialmente quanto espiritualmente.

Meu objetivo não foi o de tratar com condescendência os radicais, afagando-lhes a cabeça por estarem tão adiantados em relação ao seu tempo – esse clichê mais do que gasto dos historiadores preguiçosos. Sob alguns aspectos eles estavam adiantados em relação ao nosso tempo. Porém são as sua intuições, o que me parece torná-los dignos de nosso estudo. (HILL, 1987, p.366).

CONCLUSÃO

O impressionante é perceber como nossas idéias se modificam

com o tempo, um estudo que primeiramente tinha a intenção de

abordar heresias e a Santa Inquisição acabou se transformando por

meio de modificações em uma análise sobre a obra de Christopher

Hill “O mundo de Ponta-Cabeça”, a qual desde a primeira vez que li,

não tive dúvidas em afirmar que se trata de uma grande obra.

Hill escreveu sobre o século XVII, mas em nenhum momento

deixou de relacionar com problemas atuais. A simplicidade é o que

faz de Hill um brilhante historiador, pois estava preocupado com

o público popular, com a intenção de ensinar a história a quem

nada sabe sobre ela e não agradar um público seleto das grandes

universidades inglesas, as quais com o tempo, tiveram que reconhecer

a grande capacidade historiográfica do inglês.

A obra “O Mundo de Ponta-Cabeça” representava toda a

ideologia de Hill, que marxista se propôs a estudar a revolução de

1640 do ponto de vista não hegemônico e atingiu seu objetivo. Hill

claramente interpretou as ações dos, por ele denominados radicais

como uma luta de classes.

A interpretação de Hill sobre as seitas radicais sugere que

essas pessoas comuns formavam os grupos e nada tinham a

perder, elas dedicavam suas vidas a fazer uma oposição às elites,

que extrapolavam seus privilégios e agiam de acordo com seus

interesses..

A implantação de uma religião oficial foi o estopim, pois o

povo inglês convivia com seus costumes há séculos e valorizava o

nacionalismo e em nenhum momento aceitaria um país dependente

de outras nacionalidades.

O período abordado é importante segundo Hill, pelo fato de que

serve como intermediador da revolução inglesa e a revolução industrial,

pois fornece todos os elementos fundamentais para o fato. Na

abordagem, o historiador inglês divide os méritos da revolução inglesa,

que é rotulada como uma revolução de caráter burguês.

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Na obra de Christopher Hill é possível perceber uma contradição

em sua metodologia, pois o mesmo proposto a estudar os não

hegemônicos analisou fontes dos grandes nomes, principalmente

George Fox e Winstanley. Isso não significa que o historiador inglês

não tenha utilizado relatos escritos de pessoas comuns, pois ele utilizou,

mas em menor escala do que os periódicos assinados pelos supostos

líderes das seitas. Talvez ele tenha encontrado uma quantidade maior

de fontes desses grandes nomes, mas foi possível perceber que ele

enfatizou bastante a ação desses indivíduos.

Se a obra apresenta esta contradição, temos que levar em

consideração que para o período que Hill estuda (o século XVII), ele

foi um dos poucos historiadores que tentou abordar a revolução de

uma maneira cultural, enquanto a grande maioria dos historiadores do

período se prendeu apenas a parte política.

Entre as dificuldades de analisar Christopher Hill, o idioma é o que

mais impõe dificuldades. Ao realizar a leitura de uma obra traduzida

e analisá-la, surge a dúvida de que, será que o que você leu foi aquilo

que Hill escreveu? Sem tirar os méritos do tradutor Janine Ribeiro que

deve ter feito um bom trabalho, mas algo sempre se perde.

Identificar as fontes que Hill utilizou me deu outra visão sobre esses

documentos, que antes pareciam inalcançáveis, mas que com foco e

objetividade podem chegar até mesmo as minhas mãos.

A obra de Hill, também despertou meu interesse sobre o “Journal”

de George Fox, fonte que além de conter informações sobre os quacres,

também possuí relatos de outras seitas. Devido à ‘loucura’ dos radicais

retratadas em suas frases e poemas, a fonte se torna totalmente aberta

a novas interpretações.

A figura de Oliver Cromwell também me deixou intrigado, pois

o mesmo é uma referência para os ingleses. Hill escreveu uma obra

instigadora “O eleito de Deus” que retrata a vida do líder do Exército

do Novo Tipo desde quando não passava de um senhor dos pântanos.

Os atos de Cromwell favoreciam ou a burguesia ou a população,

não deixando claro a sua posição no ocorrido. Quando faleceu,

multidões foram homenageá-lo, mesma população que viu seu cadáver

desenterrado e enforcado dois anos mais tarde em praça pública. Qual

seria a interpretação de Hill sobre Oliver Cromwell?

A obra “A Bíblia Inglesa e as revoluções do século XVII”, também

levanta o problema de como Hill analisou esse documento, já que em

seu capítulo “Samuel Fisher e a Bíblia” o historiador inglês afirmou

que os radicais possuíam um grande conhecimento teológico, porém

moviam-se de grupos constantemente então, de qual grupo partiu a

interpretação da Bíblia que foi o estopim para as revoluções do século

XVII?

Enfim, as palavras do historiador Jack H. Hexter acusando

Christopher Hill de ler seletivamente são coerentes? Pois a partir da

análise das fontes de Hill, foi possível identificar a variedade de suas

análises, que não se prende apenas a historiadores ingleses, mas

também interpreta a bibliografia estrangeira para dar uma visão

diferente da que os ingleses possuem.

O encaminhamento da obra de Hill em “O mundo de Ponta-

Cabeça” sugere que nesta obra, Hill não foi um ‘lumper’. Porém,

somente com a análise das fontes de ambas as obras de Hill seria

possível afirmar ou não que Hill é um ‘lumper’. Será que Jack H. Hexter

fez a análise das fontes de Hill antes de fazer a afirmação? Teria o

PHD de Harvard lançado à crítica sem fundamentação apenas para

estimular a rivalidade acadêmica?

A obra de Hill se analisada pela perspectiva de Thompson sugere

que as ações dos radicais representam também costumes, e a resistência

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contra as elites seria uma defesa aos costumes e a cultura. As ações se

realizadas repetidas vezes por diferentes pessoas se torna um costume,

quando esse é realizado desde tempos imemoriais, como a mágica na

sociedade inglesa, estes costumes ganham força de lei.

A abordagem de Hill sobre as mulheres afirma que as seitas

tentaram tratar as mulheres com igualdade, idéia muito a frente de seu

tempo e que fracassou com a derrota dos radicais. Na obra “O mundo

de Ponta-Cabeça” Hill abordou diversos assuntos que eram tabus

exatamente para justificar que essas idéias chegaram muito próximas

de inverter a ordem social da Inglaterra, virando ela de Ponta-Cabeça.

FONTES

HILL, Christopher. O Mundo de Ponta-Cabeça: Idéias Radicais na

Revolução Inglesa de 1640. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

REFERÊNCIAS

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