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285 Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015 INTRODUÇÃO Para a execução deste trabalho monográfico, o primeiro passo foi pensar como aconteceram as transformações discursivas de Plínio Salgado no Partido de Representação Popular (PRP), e se esta fala se diferencia da oratória usada na Ação Integralista Brasileira (A.I.B.). Para análise desta transformação e comparação, o trabalho primeiramente buscou a organização dos fatos. Este método facilita a compreensão do surgimento do partido, do período em que esteve inserido e, principalmente, do envolvimento de pessoas que se relacionaram a este grupo, como Getúlio Vargas e o General Eurico Gaspar Dutra. A ligação de Getúlio Vargas e o Estado Novo com PRP são de certo modo, de data anterior a 1945. Vargas teve um importante papel no processo de surgimento do partido, isto aconteceu devido ao veto do Estado Novo com a Ação Integralista Brasileira no ano de 1937. A.I.B. foi um movimento político liderado por Plínio Salgado, um partido conservador que em sua origem mobilizou vários adeptos a sua doutrina. Os integralistas, termo designado a doutrina filosófica seguida pelos integrantes da A.I.B, possuía segmentos básicos como o nacionalismo, espiritualismo e defesa familiar. Até 1937, integralismo e A.I.B. eram Dois Discursos Na Mesma Voz: Plínio Salgado E Os Princípios Integralistas No Partido De Representação Popular (1945 – 1947) Autora: Vanessa Ladaniuski Orientador: Profa. Dra. Liz Andréa Dalfré tomados como sinônimos. Esta filosofia guiou o partido considerado como um “fascismo brasileiro” entre outros termos pejorativos como “galinhas verdes”, expressões que ligavam o partido com o fascismo europeu. A doutrina integralista esteve presente no Manifesto de Sete de Outubro de 1932, que funcionava como um manual ideológico e base nos discursos no líder do partido, Plínio Salgado, que conduziu o grupo até sua extinção em 1937. A A.I.B. foi posta na clandestinidade na abertura do Estado Novo por Getúlio Vargas, o partido foi extinto e seu líder foi exilado em Portugal por seis anos. Mesmo longe do país, Plínio Salgado manteve Raymundo Padilha como seu representante no Brasil, que lhe deixava a par da situação política e dos primeiros passos de suas reorganizações partidárias. A volta ao cenário político aconteceu nos últimos meses do Estado Novo, graças a dois fatores: Lei Agamenon que regulamentava a criação e alistamentos políticos, e o auxílio do candidato presidenciável General Eurico Gaspar Dutra, que alterou a lei apenas para a aprovação do PRP. Voltando do exílio um ano depois da criação do partido em 1946, Plínio Salgado usou seus discursos pautados na ideologia do PRP para a afirmação democrática do grupo, reestruturada no panorama político em que se encontrava o Brasil após o fim do Estado Novo, e a eleição

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INTRODUÇÃO

Para a execução deste trabalho monográfico, o primeiro passo

foi pensar como aconteceram as transformações discursivas de Plínio

Salgado no Partido de Representação Popular (PRP), e se esta fala se

diferencia da oratória usada na Ação Integralista Brasileira (A.I.B.). Para

análise desta transformação e comparação, o trabalho primeiramente

buscou a organização dos fatos.

Este método facilita a compreensão do surgimento do partido, do

período em que esteve inserido e, principalmente, do envolvimento de

pessoas que se relacionaram a este grupo, como Getúlio Vargas e o

General Eurico Gaspar Dutra.

A ligação de Getúlio Vargas e o Estado Novo com PRP são de certo

modo, de data anterior a 1945. Vargas teve um importante papel no

processo de surgimento do partido, isto aconteceu devido ao veto do

Estado Novo com a Ação Integralista Brasileira no ano de 1937. A.I.B.

foi um movimento político liderado por Plínio Salgado, um partido

conservador que em sua origem mobilizou vários adeptos a sua

doutrina.

Os integralistas, termo designado a doutrina filosófica seguida pelos

integrantes da A.I.B, possuía segmentos básicos como o nacionalismo,

espiritualismo e defesa familiar. Até 1937, integralismo e A.I.B. eram

Dois Discursos Na Mesma Voz: Plínio Salgado E Os Princípios Integralistas No Partido De Representação Popular (1945 – 1947)

Autora: Vanessa Ladaniuski

Orientador: Profa. Dra. Liz Andréa Dalfré

tomados como sinônimos. Esta filosofia guiou o partido considerado

como um “fascismo brasileiro” entre outros termos pejorativos como

“galinhas verdes”, expressões que ligavam o partido com o fascismo

europeu.

A doutrina integralista esteve presente no Manifesto de Sete de

Outubro de 1932, que funcionava como um manual ideológico e base

nos discursos no líder do partido, Plínio Salgado, que conduziu o grupo

até sua extinção em 1937. A A.I.B. foi posta na clandestinidade na

abertura do Estado Novo por Getúlio Vargas, o partido foi extinto e seu

líder foi exilado em Portugal por seis anos.

Mesmo longe do país, Plínio Salgado manteve Raymundo Padilha

como seu representante no Brasil, que lhe deixava a par da situação

política e dos primeiros passos de suas reorganizações partidárias. A

volta ao cenário político aconteceu nos últimos meses do Estado Novo,

graças a dois fatores: Lei Agamenon que regulamentava a criação e

alistamentos políticos, e o auxílio do candidato presidenciável General

Eurico Gaspar Dutra, que alterou a lei apenas para a aprovação do

PRP.

Voltando do exílio um ano depois da criação do partido em 1946,

Plínio Salgado usou seus discursos pautados na ideologia do PRP para

a afirmação democrática do grupo, reestruturada no panorama político

em que se encontrava o Brasil após o fim do Estado Novo, e a eleição

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de Dutra. Da mesma forma que a A.I.B. produziu um documento com

os princípios do grupo, o PRP também lançou a Carta dos Princípios e

o Programa do partido.

Nos primeiros anos do PRP, seus representantes enfrentaram duras

comparações, em especial do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que

o acusava de ser uma reorganização da A.I.B., de cunho conservador

e fascista. Nesta ótica, Plínio Salgado buscou reestruturar os princípios

e principalmente a diferenciação entre o termo integralismo e A.I.B,

justamente porque muitos integralistas se filiaram ao PRP. Novamente

Salgado fez uso de seus discursos como estratégia para afirmação

democrática do grupo.

Em suas falas, nos primeiros anos do partido, Plínio Salgado,

além de esclarecer a diferença entre A.I.B. e integralismo, estabeleceu

que o grupo político não foi fundado por ex - integrantes da doutrina

integralista; ele reafirmou o caráter democrático do grupo, tentando

isentá-lo da acusação de uma rearticulação da A.I.B. Neste sentido,

como aconteceram as transformações discursivas de Plínio Salgado no

Partido de Representação Popular? Estas transformações se diferenciam

da fala usada na Ação Integralista Brasileira?

O primeiro objetivo foi à preocupação da contextualização do

período de 1945 a 1947. Esta organização possibilita a compreensão

do surgimento do partido, o processo de sua criação e inserção na

política brasileira; permite analisar os primeiros anos da fundação do

PRP, e a importância do uso dos discursos do Plínio Salgado para a

continuidade do grupo.

O próximo objetivo foi apresentar os princípios norteadores da

Ação Integralista Brasileira, esta explanação foi de grande importância,

pois o PRP teve forte ligação com o a A.I.B. Conhecendo as bases

ideológicas e a organização da A.I.B., liderados por Plínio Salgado,

é possível explicar a retomada de alguns fundamentos ideológicos

utilizados na A.I.B. na construção dos princípios perrepistas, como por

exemplo, os valores de Deus, Pátria e Família.

Diante desta apresentação, o terceiro objetivo visou a formação

política e filosófica do líder Plínio Salgado. A trajetória da vida de

Salgado contribuiu para sua formação ideológica, que pode ser

identificada em seus discursos; suas atividades no Partido Republicano

Paulista, contribuição na Semana de Arte Moderna e sua participação

como líder na A.I.B, são fatores que corroboraram em sua formação

política e filosófica e, por conseguinte em suas oratórias.

Por fim, a análise da Carta dos Princípios e Programa do Partido

de Representação Popular; documento que se dividi em duas partes:

filosofia do grupo e a apresentação das propostas dos perrepistas. A

partir desta análise, será feita a identificação filosófica do documento

contida nos discursos de Plínio Salgado, nos primeiros dois anos do

partido, tal identificação que serviu como estratégia para continuidade

do grupo e a comparação desta fala com a oratória usada na Ação

Integralista Brasileira, desta maneira, será possível identificar se o Partido

de Representação Popular foi ou não uma continuidade integralista.

O referencial teórico utilizado na pesquisa foi Michel Foucault com

sua obra A Ordem Do Discurso, aula inaugural no Collége de France

pronunciada em dois de dezembro de 1970. O autor posiciona um

conjunto de procedimentos com a função de organizar e redistribuir a

produção dos discursos.

Foucault faz uma suposição que em toda a sociedade, a produção

do discurso é “o tempo todo controlada, selecionada, organizada e

redistribuída por certo número de procedimentos que tem por função

conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório,

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esquivar sua pesada e temível materialidade”.1 Na formação do

discurso, o autor apresenta procedimentos internos e externos, que

correspondem à exclusão, interdição, separação, limitação, rejeição,

classificação, seleção, produção e divulgação.

Estes procedimentos são aplicados em sua realidade material, ou

seja, estes métodos são empregados tanto na fala quanto na escrita.

O discurso, para o autor, corresponde a uma rede de signos que se

liga a outros discursos em uma rede aberta, reproduzindo significados

diferentes do que se encontra no interior da fala, aplicando os valores

da sociedade que devem ser perpetuados.

Os procedimentos desenvolvidos por Foucault utilizados neste

trabalho foram o método de análise no interior do discurso, processo de

exclusão, a “vontade de verdade” e o da repetição. No primeiro sistema,

à “vontade de verdade” deriva da oposição do verdadeiro ou falso. Para

o autor esse processo se apoia num suporte e distribuição institucional,

que tende a exercer sobre o discurso uma espécie de pressão e coerção

sobre o mesmo; este sistema recaiu em uma fala de desejo e poder,

identificado através da associação de Plínio Salgado com os princípios

do partido relacionando-os em suas oratórias.

O outro dispositivo é o do comentário, que atua no interior da fala

exercendo uma repetição do conteúdo inicial proposto. De acordo com

esse processo, o comentário repete silenciosamente o que já estava dito,

ou seja, revela aquilo que se encontra articulado; procedimento que

pode ser identificado nas oratórias de Plínio Salgado, em especial, na

afirmação da presença integralista no PRP.

Na elaboração deste trabalho, foram utilizadas duas fontes de acervo

pessoal. A primeira é o documento da Carta de Princípios e Programa 1 FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. Aula inaugural no College de France. Pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola: 1996, p.8.

do Partido de Representação Popular publicado em 26 de outubro de

1946, este documento é dividido em duas partes. A primeira constitui

uma afirmação de princípios dos perrepistas, considerada imutável e

permanente como a essência humana, e a segunda como uma indicação

de rumo governamental a ser seguido pelo grupo, podendo mudar de

acordo com as necessidades da vida nacional.

A segunda fonte corresponde a cinco discursos feitos por Plínio

Salgado nos primeiros dois anos do partido (1946 – 1947). Estes

discursos foram publicados pela Editora Nacional, no ano de 1947,

com o nome de “Coleção Convivium”; O título e ano dos discursos são:

Discurso no Teatro Municipal do Rio de Janeiro - 27 de outubro de 1946,

Discurso no Teatro S. Pedro de Porto Alegre – 17 de novembro de 1946,

Mensagem do Natal de 1946, Discurso de Niterói – pronunciado no ano

de 1947 e o Discurso de Belo Horizonte – 7 de outubro de 1947.

O trabalhou utilizou alguns trechos dos discursos mencionados

anteriormente; A escolha destas oratórias se deve a dois fatos: em

primeiro lugar por se tratar dos primeiros anos do partido, logo

correspondem à necessidade do uso da fala de Salgado como estratégia

de manter o grupo atuante, inserido os princípios recém-formados do PRP.

Em segundo lugar, estas falas contemplam o período em que Salgado

foi eleito presidente do partido, assumindo toda responsabilidade do

grupo.

A metodologia aplicada na pesquisa foi a seguinte: primeiro o

levantamento e seleção de fontes e bibliografia a ser consultada, a

definição do período e a problemática do trabalho. Em seguida, foi

realizada uma análise das duas fontes selecionadas, os princípios do

PRP e os discursos de Plínio Salgado, além da organização e tratamento

dos dados; no final, foi realizada a análise dos resultados da pesquisa

e a escrita do texto.

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As produções e discussões historiográficas que auxiliaram no

desenvolvimento da pesquisa foram: Thomas Skidmore, em seu trabalho

Brasil: de Getúlio a Castelo; o historiador estadunidense é especialista

na história política do Brasil, assim chamado de brasilianista, termo

usado para estrangeiros que estudam assuntos referentes ao Brasil. Sua

obra contribuiu para o mapeamento e contextualização dos últimos

meses do governo de Getúlio Vargas e do Estado Novo, ao fornecer

uma opinião crítica no Brasil do pós-guerra.

Na continuidade da contextualização política e na discussão sobre

as primeiras oposições ao Estado Novo, a obra Estados e partidos

políticos no Brasil, de Maria do Carmo C. Campello de Souza,

também foi importante, esta produção auxiliou na discussão das

primeiras oposições ao Estado Novo. Segundo a autora, o Manifesto

dos Mineiros de 1943, foi o primeiro sinal de descontentamento com o

regime. Contrariando sua opinião, Gilberto Grassi Calil em seu artigo

“Reflexões historiográficas sobre a redemocratização brasileira de

1945”, defendeu que já ocorriam insatisfações anteriores ao Manifesto

dos Mineiros, vindos de camadas populares no ano de 1942.

A obra de Boris Fausto, História Geral da Civilização Brasileira,

atuou juntamente com Skidmore, na produção do contexto e processo

dos últimos meses do Estado Novo a eleição do General Eurico

Gaspar Dutra. Na produção sobre a Ação Integralista Brasileira, o

uso da obra de Hélgio Trindade: O fascismo brasileiro na década de

30 foi escolhido por dois motivos: em primeiro lugar por abordar o

integralismo juntamente com a A.I.B. como uma produção fascista no

Brasil e também por ser uma referência dos estudos na área.

Já sobre a produção do Partido de Representação Popular, Gilberto

Grassi Calil em O integralismo no Pós – Guerra, a formação do

PRP (1945 -1950) trabalha com a perspectiva de que o PRP é uma

continuidade integralista, começando com uma análise do integralismo,

a estruturação interna do PRP, mobilizações partidárias e a intervenção

do grupo no processo político brasileiro de 1945 a 1950; considerado

por Hélgio Trindade, em sua introdução, como uma obra completa do

período.

Este trabalho está dividido em dois capítulos. No primeiro momento,

encontra-se a contextualização do período (1945 – 1947), últimos meses

de Getúlio e o Estado Novo, a candidatura de Dutra, sua influência e

fundação do PRP. Dando continuidade com a Ação Integralista Brasileira

explanando a ligação do PRP com a A.I.B e os princípios encontrados no

Manifesto de Outubro, finalizando com a formação política e ideológica

de Plínio Salgado, contendo sua trajetória e influência familiar, política,

artística e a construção de princípios que se encontram no PRP.

No segundo capítulo, foram analisados alguns dos discursos de

Plínio Salgado na diferenciação entre Ação Integralista Brasileira e

integralismo; foi analisado a Carta dos Princípios e Programa do

Partido de Representação Popular com a identificação destes valores

nos discursos de Plínio Salgado como tática de reafirmação partidária

e de continuidade do grupo, e a diferença encontrada nos princípios

da A.I.B e do PRP.

Para a construção do pensamento integralista, o trabalho de

Edgar B.Franke Serratto – A Ação Integralista Brasileira e Getúlio

Vargas. Antiliberalismo e anticomunismo no Brasil 1930-1945

ajudou na constituição de meu objeto. Serratto buscou identificar

semelhanças e diferenças nos discursos de Plínio Salgado e Getúlio

Vargas, contemplando os recortes temáticos do antiliberalismo e o

anticomunismo proferidos pelos dois.

O autor explana uma aproximação/distanciamento destes diálogos,

com a compreensão de que estas produções pertenciam à cultura

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política do período entre 1930 a 1945. Este estudo priorizou uma

análise comparativa entre o discurso integralista e varguista, os motivos

que levaram a existência destas duas oratórias, e a compreensão do

surgimento de ambas.

Outro trabalho que auxiliou no objeto de estudo, foi à pesquisa

realizada por Fausto Irschlinger em sua tese, Crise e Redenção:

Sensibilidades históricas – religiosas na construção de um projeto de

Brasil – Plínio Salgado (1920 – 1950), o autor identificou e analisou

o discurso religioso nas obras de Plínio Salgado. Esta identificação

pautada nos preceitos espirituais e históricos contidos nas obras de

Salgado é apontada, segundo o trabalho, como fundamentação que o

líder integralista usou para a construção moral e cívico do Brasil.

Esta visão construída por Salgado em grande parte de suas obras se

basearam na construção espiritualista de cunho cristão para sensibilizar

a sociedade, estas bases, muitas vezes fugiam da realidade científica.

A tese de Irschlinger usou grande parte das obras de Plínio Salgado,

desde 1920, período em que ainda pertencia ao Partido Republicano

Paulista, até 1950, quando já se encontrava como presidente do Partido

de Representação Popular.

TRANSIÇÃO POLÍTICA BRASILEIRA (1945 – 1947)

1 O FIM DO ESTADO NOVO E O GOVERNO DUTRA: PROCESSO

POLÍTICO DA FORMAÇÃO DO PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO

POPULAR

O Partido de Representação Popular (PRP) foi constituído no ano

de 1945, a fundação deste partido aconteceu em meio a mudanças

políticas no Brasil, estas transformações, favoreceram sua criação.

Para a compreensão do surgimento do PRP e as transformações

discursivas de Plínio Salgado, é preciso voltar nos fatos que ajudaram

em sua criação, como os últimos meses que antecederam o fim do

Estado Novo, a redemocratização e o mandato do general Eurico

Gaspar Dutra.

O partido contou com dois elementos fundamentais que

moldaram sua ideologia, o nacionalismo e religiosidade. Estas duas

características também constituíram sua criação, definindo assim o

andamento e continuidade do conjunto perrepista. Desta forma, a

presença nacionalista, religiosidade e as transformações políticas que

ocorriam no período de sua fundação, são identificados no processo

de transformação discursiva do líder do partido Plínio Salgado, que

nos primeiros anos do grupo, usou estes elementos como afirmação

democrática e partidária do grupo.

A conjuntura que resultou nos acontecimentos da transição política

do Estado Novo ao governo de Eurico Gaspar Dutra passou por uma

série de manobras antes da intervenção militar em 29 de outubro

de 1945. O objetivo deste apontamento visa levantar os fatos que

antecederam os últimos meses de Getúlio Vargas e o Estado Novo,

aos dois primeiros anos do mandato de Dutra, e sua influência na

criação do Partido de Representação Popular.

Neste primeiro momento o trabalho se dirigiu na apresentação do

contexto brasileiro e das mudanças transitórias entre o governo Vargas

para Dutra, devido ao impacto causado pelo Estado Novo nos partidos

políticos. Esta apresentação é importante para compreensão de como

se deu a rearticulação dos integralistas em forma de agremiação

partidária, que usou do apoio do candidato presidenciável Dutra em

sua retomada no cenário político.

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A decadência da ditadura já dava sinais de desgastes no ano

de 1943, à medida que se aproximava a derrota do nazi-fascismo

internacional para os aliados sobre o Eixo. Já no ano de 1944, o Estado

Novo recebeu diversas críticas tanto internacionais quanto dos próprios

comandantes que participavam dos combates, cobrando uma postura

democrática do Brasil. Segundo Thomas Skidmore, “Os brasileiros

tinham-se dado conta da anomalia de lutar pela democracia no

exterior, enquanto persistia uma ditadura em seu próprio país”.2 O clima amistoso gerado pelo possível resultado da guerra fez

com que Getúlio Vargas garantisse maior liberdade política no país

ao final dos combates, como a promessa que o povo brasileiro teria

direito de escolher seus representantes. As pressões sofridas por Vargas

aumentaram ainda mais no começo de 1945, o atual governante

já sentia a atmosfera próxima em direção da abertura democrática,

acontecimentos que culminariam na redemocratização.

A redemocratização brasileira de 1945 recebeu, em alguns estudos,

a denominação de um período compreendido como “adaptação” às

novas condições internacionais, em especial a derrota do nazi-fascismo

e a influência estadunidense. Os debates da democracia iniciaram-se

com o Manifesto dos Mineiros3 em 1943, que de acordo com Maria do

Carmo Campello de Souza “tornou-se usual simbolizar o Manifesto dos

Mineiros de 1943 o início da oposição aberta contra o Estado Novo”.4

2 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. p.72.3 O Manifesto dos Mineiros,surgido em 24 de outubro de 1943, foi assinado por um grupo de latifundiários de Minas Gerais, que defendia o retorno ao regime constitucional. Seu conteúdo evidencia uma perspectiva de uma redemocratização sem grandes alterações na estrutura social e mantinha os mecanismos autoritários de controle sobre os trabalhadores.4 SOUZA, Maria do Carmo C. Campello de. Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo: Ed. Alfa-Omega, 1983.p.108.

Entretanto em discussão mais recente Gilberto Grassi Calil, defende

que a oposição à ditadura e ideias democráticas, já ocorriam em período

anterior ao Manifesto dos Mineiros, partindo de fatores internos como

mobilizações populares. Estas mobilizações, em grande maioria, eram

comandadas por intelectuais, estudantes e operários como, por exemplo,

a Passeata Estudantil Antitotalitária ocorrida em quatro de julho de 1942

e a fundação da Sociedade dos Amigos da América em 1943.5

A animosidade perante o Estado Novo se intensificou com a

possível abertura política prometida pelo governo. Ainda sobre forte

pressão, Getúlio Vargas em 28 de fevereiro de 1945, decretou a Lei

Constitucional nº 9, conhecida como Ato Adicional de 1937. Segundo

Boris Fausto esta lei:

[...] fixava um prazo de noventa dias a partir da data de sua publicação para a marcação de eleições à Presidência da República, Governadores de Estado, Congresso Nacional e Assembleias Legislativas Estaduais, depois de considerar indesejável para o aperfeiçoamento das instituições políticas a manutenção das eleições indiretas. Revogava ainda vários dispositivos da chamada “Polaca”. 6

O impacto da decretação da lei gerou aos opositores um

sentimento de desconfiança, pois o Ato Adicional pareceu ser mais uma

estratégia de Vargas para permanecer no governo e adiar sua saída.

Mesmo antes da publicação da lei, alguns rumores de que o Brigadeiro

Eduardo Gomes se lançaria como candidato a presidência haviam

sido confirmados, e que o mesmo seria apoiado pelo partido da União

Democrática Nacional (UDN).

5 Sobre o assunto ver artigo de Gilberto Grassi Calil Reflexões sobre a historiografia da Redemocratização Brasileira de 1945.6 FAUSTO, Bóris (org.).História Gerald a Civilização Brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano. Volume 3: Sociedade e Política 1930 – 1964. Rio de Janeiro: Bertrand, 1991.p.234.

291Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

Logo em seguida surgiu o nome de um novo candidato, o Ministro

de Guerra, General Eurico Gaspar Dutra, apoiado por Vargas.

Devido ao seu apoio militar e fidelidade ao Estado Novo, Vargas

a princípio negou a própria candidatura. Mesmo não concorrendo

à presidência, Getúlio Vargas realizou uma manobra política a fim

de amenizar o status do autoritarismo atribuído ao seu governo; em

abril de 1945 Vargas anunciou a anistia política a todos os presos

pelo Estado Novo, entre eles o líder comunista Luís Carlos Prestes.

A anistia concedida pelo governo gerou a expectativa de

mudanças e também a rearticulação do Partido Comunista Brasileiro

(PCB), que encabeçou na “corrida” presidencial o concorrente

Yeddo Fiúza. No dia nove de maio, tornou-se oficial a candidatura

de Dutra apoiado pelo recém-formado Partido Social Democrático

(PSD), pouco tempo depois de oficializado, o ex - Ministro da

Guerra demitiu-se de seu cargo sendo substituído pelo General

Góes Monteiro.

Completando três meses depois de anunciado o Ato Adicional

e o nome dos futuros candidatos, surgiu um novo decreto de lei

para o Código Eleitoral, decreto nº 7.586, também conhecido

como “Lei Agamenon”. O nome da lei fazia menção ao Ministro da

Justiça Agamenon Magalhães, que tinha como objetivo principal

regular o alistamento eleitoral e as eleições no país, que mais tarde,

exatamente no mês de outubro, seria modificada.

Os últimos meses de Getúlio Vargas frente ao Estado Novo foram

agitados e permeados de mudanças que resultaram novamente em

tom de desconfiança a seus opositores. Estas mudanças começaram

a aparecer em meados de julho, quando Vargas retirou seu apoio

ao candidato Dutra, e em consequência da anistia política recebeu

apoio do Partido Comunista.

O clima de suspeita aumentou quando adeptos de Vargas iniciaram

um movimento com o intuito da permanência do ditador, agora

como presidente. O movimento ganhou o apelido de “queremistas”,

objetivando a permanência de Getúlio convocando uma eleição da

Assembléia Constituinte, ou seja, a eleição presidencial prevista para

o dia dois de dezembro seria adiada e o poder continuaria nas mãos

de Vargas.

A desconfiança dos opositores do governo sobre as verdadeiras

intenções de Getúlio aumentaram ainda mais quando o mesmo, no

dia 10 de outubro lançou o decreto de lei nº 8.063, modificando o

processo eleitoral. O decreto anteciparia a data das eleições estaduais

e municipais para o dia 2 de dezembro junto com as nacionais. Além

da antecipação, o decreto exigia que os candidatos que tivessem

cargos titulares estivessem desligados de seus postos 30 dias antes das

eleições.7 Consequentemente as alterações feitas nas leis eleitorais alertaram

os oficiais das forças armadas, que temiam uma possível permanência

de Getúlio Vargas. O estopim para a saída de Vargas se concretizou

quando o mesmo nomeia seu irmão Benjamin Vargas para o cargo de

chefe da polícia no Distrito Federal, substituindo João Alberto Lins de

Barros.

Após a decisão da substituição do chefe da polícia João Alberto,

Góes Monteiro, o atual Ministro da Guerra, se uniu a outros generais:

Anor dos Santos, Conrobert Pereira da Costa, Benício Silva e Gustavo

Cordeiro de Farias8. Em conferência propôs a renúncia de Vargas. No

dia 29 de outubro Getúlio Vargas renunciou o posto, encerrando os oito

anos do Estado Novo.

7 SKIDMORE, op. cit. p.77.8 FAUSTO, op. cit. p. 238.

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Menos de dois meses antes das eleições José Linhares, o presidente

do Supremo Tribunal Federal, assumiu o Governo. Em suas primeiras

ações, ainda que em breve período de tempo, realizou mudanças que

sugestionaram as atuações do próximo governante, começando com

o cancelamento do decreto de Vargas sobre a antecipação das datas

das eleições estaduais.

Estas atuações não se limitaram a anulações feitas às últimas ações

de Vargas; Linhares nomeou Góes Monteiro como chefe de gabinete

de circunstâncias, posto recém-criado com o intuito da permanência

do general. Além da criação do gabinete, o governo provisório de

Linhares articulou uma breve perseguição ao Partido Comunista;

contudo, seus membros continuaram a exercer suas atividades.9

Seguindo o calendário de transição, o governo provisório ficou em

vigência até o dia 31 de janeiro de 1946.

As eleições presidenciais no dia 2 de dezembro presidiram-se

de acordo com o decreto sancionado. Conforme descrito por Boris

Fausto “o candidato da aliança PSD-PTB, Eurico Gaspar Dutra, obteve

3.251.507 votos (correspondentes a 55,39% do total de sufrágios);

Eduardo Gomes, da UDN, conseguiu 2.039.342 (34%);o candidato

comunista, Fiúza, somou 569.818 (9,70%)”10.

Com a vitória de Dutra frente ao PSD, os dois primeiros anos do

presidente foram marcados de ajustes relacionados ao final da guerra

e à política brasileira. O primeiro passo estaria na elaboração da

Constituinte de 1946, aprovada em setembro, na qual se destacam

principalmente elementos que favoreciam a democracia e à cassação

de pensamentos contrários a este modelo que deveria vigorar no

país.

9 SKIDMORE, op. cit. p. 79.10 FAUSTO, op. cit. p. 240.

Em sua quarta versão, a nova Constituição procurou restaurar

um âmbito liberal e o favorecimento de um governo federal forte.

Assim como na Constituição de 1934, foram inclusos dispositivos que

asseguravam as eleições e direitos cívicos, porém o executivo, criado

e ampliado por Vargas, não obteve alterações em sua nova versão no

ano de 1946.11 Além da independência e restabelecimento dos três

poderes, formou-se uma autonomia dos Estados e Municípios.

Outro ponto de destaque na nova Constituição remeteu ao direito

à greve. Antes da aprovação da Constituinte em setembro de 1946,

Dutra utilizou a legislação herdada de Vargas até aprovação da nova.

Se anteriormente a greve era considerava um ato infrator, na nova

Constituição a mesma é “liberada”, porém com uma lei complementar

aos trabalhadores que na prática dificultava o exercício da mesma,

característica do Governo Dutra que foi herdada do Estado Novo.

Junto com a Constituição, o governo Dutra iniciou uma posição

mais dura frente ao Partido Comunista. Depois da anistia concedida

no ano de 1945, o partido retomou suas atividades com grande

notoriedade, elegendo mais de quinze membros para a Assembleia

Constituinte, seguindo com mais deputados e o senador Luís Carlos

Prestes pelo Distrito Federal.

A importância do PCB evidenciou-se nas eleições presidenciáveis de

1945; Yeddo Fiúza atingiu um número grande de votos, além disso, o

partido ocupou grande parte da bancada na Câmara na capital do país.

Toda essa força adquirida em pouco tempo, não passou despercebida

aos olhos do novo presidente, que se apressou em tomar providencias

repressivas.

Esta repressão começou com a própria Constituição de 1946,

incluindo um dispositivo legal, nos quais partidos antidemocráticos

11 SKIDMORE, op. cit. p 91.

293Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

seriam impedidos da participação aberta na política.12 A medida de afastar

o PCB nos pleitos democráticos, concretizou-se em maio de 1947, mesmo

período em que iniciava a “Guerra Fria”, elemento que facilitou a oposição

ao PCB apoiado em grande número pela bancada do governo de Dutra.

Um detalhe de grande importância foi que o senador Prestes do PCB

chegou a apoiar Dutra em sua campanha presidencial, mesmo seu partido

nomeando Yeddo Fiúza como candidato. A campanha do general Dutra

neste sentido escondeu uma proveniência importante sobre as alianças

partidárias que o apoiaram em sua candidatura para presidente em

1945.

Portanto, a especulação de maior importância verificou-se com o

Partido de Representação Popular (PRP). O recém-partido criado necessitou

segundo a regulamentação eleitoral, a conhecida “Lei Agamenon”, de no

mínimo cinquenta mil assinaturas para a sua eletiva criação, tendo em

vista que esse número de assinaturas representava um número pequeno

para partidos de menor expressão.

Essa norma foi reduzida por influência de Dutra, para no mínimo

dez mil assinaturas, número que correspondia à necessidade do PRP e

que, consequentemente, apoiou o candidato presidenciável. Logo depois

de formada e aprovada a coligação eleitoral liderado por Plínio Salgado,

Dutra decretou o aumento para cinquenta mil assinaturas como previa a

lei anteriormente.

O partido de Representação Popular fundado no ano de 1945 usou o

apoio dado por Dutra em pról de sua legalização, como uma espécie de

mão-dupla, ou seja, a criação do partido ajudado por Dutra levou o mesmo

a receber o apoio perrepista em sua campanha. A articulação tomada pelo

partido, compreendida como uma troca de favores explicava-se pelo seu

passado duramente criticado, que se iniciou com a extinta Ação Integralista

12 SKIDMORE,op. cit. p.93

Brasileira, no ano de 1932 e vetada na abertura do Estado Novo.

A AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA (1932 – 1937)

Um partido político brasileiro que, em sua constituição reuniu

inúmeros seguidores e implantou em sua criação o nacionalismo13,

iniciou sua trajetória no ano de 1932. A Ação integralista Brasileira

(A.I.B) desempenhou um importante papel no processo político

brasileiro, importância que se destacou tanto na produção literária

como no pioneirismo de partido de massas do país.

O Integralismo14 com sua postura conservadora foi desarticulado

no ano de 1937 durante o Estado Novo, e reorganizado em forma

de agremiação partidária em 1945 como Partido de Representação

Popular (PRP). A Ação Integralista Brasileira é elemento de extrema

importância para a compreensão da formação doutrinária,

estrutural e discursiva do PRP, neste sentido, o objetivo é apontar

os principais aspectos que influenciaram na agremiação perrepista,

compreendendo suas bases e os acontecimentos relevantes para sua

fundação.

13 O nacionalismo para A.I.B. centralizava-se na forma da valorização do Brasil, união dos brasileiros em um só espírito para a construção da Nação. Este nacionalismo vai além do culto do hino e da bandeira, se caracteriza na interpretação da realidade nacional e o culto aos nomes que ajudaram na construção do país.14 “Quando nos referimos a “integralismo” estamos designando a doutrina político-filosófico, que não deve ser confundida com a Ação Integralista Brasileira (AIB), forma partidária que se revestia o integralismo entre 1932 e 1937. Esta distinção deve-se à reelaboração feita pelo movimento, pois até 1937 AIB e integralismo eram tomados como sinônimos.” Esta diferença é ressaltada por Plínio Salgado quando no contexto da rearticulação integralista já em meados de 1946, estabelece uma distinção entre integralismo e AIB, para Salgado Integralismo foi uma doutrina democrática fundada num conceito espiritualista e a AIB, um partido político. CALIL, Gilberto Grassi. O integralismo no Pós-Guerra. A Formação do PRP (1945-1950). Porto Alegre: EDIPUCRS. p .122.

294Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

Para a concepção da formação política do PRP, há a necessidade

de um retorno as bases da Ação Integralista Brasileira, pois o

andamento do partido necessariamente teve uma importante ligação

com o integralismo. As bases do movimento integralista foram

principalmente pautadas em uma renovação literária, nacionalista e

estética, transformações que significaram um marco, pois se revelou

uma ruptura com o passado da República Oligárquica15 e um interesse

maior das classes médias urbanas pela política, que geraram uma

reação contra a alternância de mandatos mineiros e paulistas.

Esta trajetória iniciou-se na década de 1920 com o ideal pós-

guerra, fim da primeira Guerra Mundial, e a presença crescente do

modernismo, fazendo este período um símbolo da produção literária no

país, devido à revolução estética criada pelo movimento. A característica

de formação intelectual é ainda mais perceptível nas produções literárias

do chefe integralista Plínio Salgado que o acompanham até o final de

sua carreira política, segundo Hélgio Trindade:

[...] não se pode compreender a ideologia integralista sem penetrar no significado dos romances de Salgado,onde se encontra sua interpretação da realidade brasileira,num período de ebulição e, ao mesmo tempo alguns temas de sua concepção ideológica através de manifestações de certos personagens.16

Além de Plínio Salgado, outros autores que não pertenciam ao

integralismo como Monteiro Lobato, que representava a vanguarda

15 Período de 1895 a 1930. A República Oligárquica compreende-se a dominação do cenário político pelas oligarquias rurais, em especial as de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, em especial a paulista e mineira que foi chamada de “política do café com leite”. A “política do café com leite” recebeu este apelido devido à alternância presidencial de São Paulo e Minas Gerais.16 TRINDADE,Hélgio.Integralismo(o fascismo brasileiro na década de 30),São Paulo:Difel;Porto Alegre:UFRGS,1974.(Coleção Corpo e Alma do Brasil). p. 63.

literária na época, e Alberto Torres17 contribuíram para a crescente

produção bibliográfica na questão nacional. O período posterior a

Grande Guerra,18 de acordo com análise feita por Trindade, “embalou

uma produção e cultivo de consciência nacionalista, intensificação da

industrialização, e a inserção de novas camadas urbanas na luta social e

política que mudou a ideologia operante entre as elites intelectuais.” 19

A intensificação do sentimento nacionalista se aliou a crescente

exaltação ao civismo, lembrando que ambos se desenvolveram na

esfera intelectual que se disseminava no Brasil. E neste meio intelectual

que juntou a presença do modernismo, abriu caminhos para os

primeiros passos do surgimento de uma ideologia, gerada em um

ambiente propício a novas consciências políticas.

Plínio Salgado buscou um profundo conhecimento e organização nos

ideais ufanistas produzidos neste período, enfatizando principalmente

sua ideia contrária sobre o cosmopolismo, e a influência estrangeira

na realidade do país. A revolução literária, devido ao impacto do

modernismo, é ainda mais exaltada no ano de 1922, fazendo com

que Salgado ressurja numa tomada de consciência na organização de

um movimento político independente das forças tradicionais vigentes,

impulsionado com a sua participação dos movimentos Verde-Amarelo

e a Escola da Anta.

Esta consciência de renovação política foi aumentando com os

acontecimentos vivenciados por Salgado, em especial sua aproximação

17 Alberto Torres foi ensaísta, político e sociólogo que ao longo de sua carreira publicou reflexões sobre a reforma brasileira, de cunho nacionalista. Durante o período de 1930, suas obras se tronaram referência a grupos políticos e intelectuais, um autor de alta admiração dos integralistas. TRINDADE, op. cit. p.29. 18 Compreende-se Grande Guerra como a Primeira Guerra Mundial 1914- 1918. 19 TRINDADE, op. cit. p.15

295Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

e interesse pelo nazi fascismo internacional. Com a revolução de 193020

e o término do domínio oligárquico no Brasil, o chefe integralista

abandou o Partido Republicano Paulista, onde iniciou sua trajetória

política em 1919, e procurou inspiração para a política brasileira em

uma viagem para a Europa em abril de 1930, sendo esta fase decisiva

para a formação do Integralismo.

O significado da revolução de 1930 recaiu em uma espécie de

decepção para o líder integralista, que temeu o declínio do país em uma

ausência de direção ideológica. Em sua concepção, o país necessitava

da formação de um povo conciso, forte, e mais do que tudo imune aos

efeitos do mal urbano e estrangeiro sobre a formação da consciência

nacional.

Retornando ao país em outubro de 1930, Salgado procurou difundir

sua opinião política através de artigos publicados no jornal A Razão,

no Estado de São Paulo. Seus periódicos formaram um meio eficaz

para transmissão de um novo segmento político junto ao seu grupo

de estudo S.E.P- Sociedade de Estudos Políticos, do qual participaram

jovens intelectuais como Candido Motta Filho, Ataliba Nogueira, Mario

Graciotti, João Leães Sobrinho.21

Os estudos realizados pelo grupo abrangiam contextos ideológicos

e debates políticos, que posteriormente estariam presentes no Manifesto

20 Movimento armado encabeçado pelos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, que descontentes com o resultado das eleições presidenciais do ano de 1930, originaram-se em um golpe de estado. O golpe derrubou o então presidente Washington Luís, impedindo a pose do presidente Júlio Prestes, considerada nos discursos acadêmicos uma revolução democrática burguesa, destacando-se a burguesia industrial no processo da Revolução. Na obra “O Silêncio dos Vencidos” de Edgar Salvadori de Decca, o autor faz outra leitura da Revolução de 1930, apontando a mesma não como fruto de iniciativa burguesa, mas com interessa e participação da classe operária e camponesa dentro do processo revolucionário.21 TRINDADE. op. cit.1974. Pg.125.

lançado em outubro de 1932. A S.E.P estava organizada em comissões

de estudo para várias áreas como economia, jurídica, higiene, medicina

social e geografia. Todos os tópicos se relacionavam em uma estrutura

antiliberal e nacionalista22.

Uma importante característica da formação da S.E.P foi que algumas

das ideias contidas no grupo que posteriormente formaria a A.I.B,

pertenciam a movimentos políticos autoritários da direita da década de

1930. Estes movimentos obtinham inspirações fascistas, denominados

como: Ação Social Brasileira, Legião Cearense do Trabalho, República

Sindicalista, Milícia Sindicalista e Patrionovistas.23

Com a presença de diferentes movimentos no interior da S.E.P, a

mesma acabou ficando sem uma definição de princípios específicos. E

nesta heterogeneidade de valores, acabaram por afastar o grupo dos

patrionovistas, que acreditavam em um corporativismo aliado a uma

monarquia antiliberal, pensamentos que entravam em contradição

ao grupo de estudos que por fim deu a origem a Ação Integralista

Brasileira.24

Em junho de 1932 foi redigido o Manifesto Integralista com os

propósitos estudados e levantados pela S.E.P desde fevereiro do mesmo

ano. A publicação foi adiada graças às agitações populares devido a

“Revolução Constitucionalista”25 que ocorria em São Paulo, sendo ele

22 Id. ibid. p. 126.23 Trindade. op. cit. p.111.24 Id. ibid. p.127.25 Segundo Alexandre Hecker (professor de História Contemporânea da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Creio que a expressão “Revolução” adotada para o movimento paulista pela constituição e para o movimento militar subsequente, não seja apropriada. Não era uma revolução. Na verdade, desejava-se a normatização da legislação e do processo eleitoral, e não uma mudança no sentido de alteração das relações de poder ou qualquer coisa que significasse uma limitação no processo de desenvolvimento capitalista”, afirma. Ele diz que, para alguns historiadores, o movimento é considerado até conservador

296Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

publicado em sete de outubro de 1932, marcando o proselitismo da

Ação Integralista Brasileira como um movimento político independente.

A A.I.B. desde sua fundação de 1932 ao seu veto no ano de 1937

possuiu segmentos doutrinários básicos. Segundo Gilberto Calil esta

atuação “moldou os integrantes e definiu sua intervenção no cenário

político”.26, estas bases estariam em torno de três elementos: Deus,

Pátria e Família. Estas ideias partiam desde o núcleo da célula familiar

até abranger a nação como um todo, considerada também uma

“família- nação”.

Além da forte presença e importância da família, a religião católica

atuou como um elemento legitimador da ordem a ser instaurada

pelos integralistas em nome de Deus. A nação, o mais importante

elemento na formação doutrinária, preocupou-se em reinterpretar o

passado nacional, avivando o espírito nacionalista através de culto aos

heróis nacionais, cultivo das três raças (branco, preto, índio) e uma

reinterpretação do passado, sendo esta preocupação recorrente e

produto de propaganda integralista.27

Todos estes princípios atrelados à realidade em que se encontrava

o Brasil, prestes ao golpe de Estado, foram barrados juntamente com

a AIB no final do ano de 1937. Getúlio Vargas com Estado Novo

põe fim a A.I.B. com um decreto promulgado em 3 de dezembro,

impossibilitando Plínio Salgado de manter a autonomia do integralismo,

que na concepção do grupo seria a base do novo regime.28

e anti-revolucionário. “Era uma elite derrotada que queria voltar ao poder e encontraram nesse movimento uma desculpa para isso”. Informações retiradas do Portal UNESP, em entrevista ao historiador Alexandre Hecker. http://www.uneps.pbr/aci/imprensa/arquivo/movimento.htm. Em vinte e oito de setembro de dois mil e quatorze.26 CALIL, op. cit. p. 37.27CALIL, op.cit. p. 38.28 Id. ibid. p. 65.

Este rompimento de Vargas com a A.I.B. gerou algumas especulações, a de maior importância foi o medo da popularidade atingida pelo movimento e uma possível candidatura de Plínio Salgado. Já na clandestinidade, ocorreu a Intentona Integralista29, tentativa frustrada do grupo que além de ser contida resultou na prisão de vários envolvidos e, consequentemente, no exílio de Plínio Salgado em Portugal por seis anos.30

Mesmo longe de sua nação, Salgado manteve trocas de correspondências, que lhe deixavam a par da situação no Brasil. Esta condição tomou novo rumo a partir da redemocratização brasileira de 1945, neste momento o país se acometeu de diferentes mudanças principalmente com a chegada da democracia.

O antigo chefe integralista retornou a sua pátria um ano depois em 1946, encontrando muitas dificuldades na reorganização política de seus ideais. Tanto Salgado como os ex-integrantes sofreram duras repressões da imprensa e principalmente da FEB (Força Expedicionária Brasileira), que após negarem as denuncias do envolvimento com o nazi-fascismo internacional, conseguiram rearticular o integralismo

como partido político, o Partido de Representação Popular.

MANIFESTO DE OUTUBRO DE 1932

Resultado dos estudos feitos pela S.E.P., e fruto da abertura da Ação

Integralista Brasileira, o Manifesto de Outubro foi o documento que

funcionou como manual ideológico dos integralistas. Neste manuscrito

se encontravam os direcionamentos ideológicos e os objetivos a serem

seguidos pelo grupo; transferindo este escrita aos discursos feitos pelo

29 Intentona Integralista: ataque ao Palácio da Guanabara no Rio de Janeiro em maio de 1938, reação contra Getúlio Vargas com a decisão da ilegalidade dos integralistas. 30 CALIL, op. cit. p. 67.

297Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

líder Plínio Salgado, parte de sua oratória continha os princípios citados

pelo documento. De acordo com Michel Foucault:

[...] O discurso nada mais é do que um jogo, de escritura, no primeiro caso, de leitura, no segundo, de troca, no terceiro, e essa troca, essa leitura e essa escritura jamais põem em jogo senão os signos. O discurso se anula assim, em sua realidade,inscrevendo-se na ordem do significante.31

A escrita do documento estava diretamente ligada à fala de

Salgado frente à Ação Integralista Brasileira. Os discursos realizados

pelo líder do movimento se incorporavam a outros discursos, como

por exemplo, O manifesto de Outubro, e numa rede aberta de falas,

que acabavam estabelecendo e reproduzindo um jogo de signos,

que objetivavam expressar valores a serem perpetuados; no caso

os princípios integralistas. Estes princípios buscavam reproduzir

a concepção do grupo e seus aspectos fundamentais, como o

nacionalismo exercido pelo partido.

O nacionalismo assumia uma posição central no manifesto,

que objetivava elevar o valor do Brasil na consciência de Nação.

Na busca desta valorização brasileira, os integralistas exaltavam a

diversidade cultural existente no país, como o índio, o negro e o

branco. Esta Nação inspirada pelos adeptos da A.I.B. deveria ser

“organizada, una, indivisível, forte, poderosa, rica e feliz [...] a fim

de criar uma cultura, civilização, um modo de vida genuinamente

brasileiro”32.

“O Nosso Nacionalismo”, título dado ao tópico que tratava

de explicar a importância desta característica nos integralistas,

condenava toda e qualquer influência estrangeira no território 31 FOUCAULT, op. cit. p.46.32MANIFESTO DE SETE DE OUTUBRO.Disponível em: http://www.integralismo.org.br/manifesto.htm. Acesso em: 15 set. de 2014.

brasileiro. Segundo o manifesto, combater o cosmopolismo, isto é,

a influência estrangeira, era dever e obrigação de cada adepto da

doutrina.

O documento ainda argumentava que a vida cotidiana dos

brasileiros estava “impregnada” de estrangeirismo, não conhecendo

mais os costumes e histórias de sua terra natal, nem seus poetas,

escritores e pensadores. Finalizando a escrita desta característica, o

grupo sintetizou o objetivo do nacionalismo perante a doutrina: ”O

nacionalismo para nós não é apenas o culto da Bandeira e do Hino

Nacional; é a profunda consciência das nossas necessidades, do

caráter, das tendências, aspirações da Pátria e do valor de um povo.

Essa é a campanha que vamos empreender”33.

Além do nacionalismo, a doutrina reservava um lugar de grande

importância à família. Para o documento ela era à base da felicidade

na terra, comparando a alegria do homem ao receber o afago da mãe

e a ternura paterna. Da base sólida familiar conquistava os triunfos e as

lutas que o ser humano enfrentava em sua trajetória terrestre, tornando-

se uma projeção da personalidade do indivíduo.

O manifesto comparava o Estado a uma grande família ou um

conjunto de famílias, e por esse motivo, o Estado deveria zelar por

essa instituição que originou o sentido da ordem. E devido a grande

importância atribuída a esta instituição, os integralistas se coloraram

em defesa da família, elemento que teve um lugar de destaque no

programa.

Outro ponto a ser analisado pelo programa da A.I.B. foi a

concepção espiritualista do grupo. O integralismo definia que Deus era

à base de todas as coisas e agia como interventor no universo. Esta

ideia esta contida na primeira página do manifesto: “Deus dirige os

33 MANIFESTO DE OUTUBRO. op. cit.

298Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

destinos dos povos”34. Seguindo esta lógica, os homens são criações divinas e sua conduta moral se encontrava diretamente ligada a sua crença em Deus.

A religiosidade integralista seguia os princípios cristãos da Igreja Católica. Esta visão de mundo espiritualista contida no manifesto carregava a noção de providencia divina, priorizando os valores considerados emanantes de Deus. Desta forma, o espiritualismo acabou se convertendo nas bases culturais, política e sociais adotadas pelo grupo.

Finalizando os preceitos encontrados no manifesto, o autoritarismo também pertencia aos dogmas seguidos pelo grupo. Para os integralistas a autoridade do Estado era considerada uma força mantenedora do equilíbrio e harmonia humana. Segundo o documento, somente a consciência de autoridade poderia levar o indivíduo a tomar iniciativas

que beneficiariam a todos.

A FIGURA DE PLÍNIO SALGADO: FORMAÇÃO POLÍTICA E IDEOLÓGICA

Plínio Salgado esteve no posto de líder na Ação Integralista

Brasileira desde a sua fundação em 1932 até seu veto pelo Estado

Novo em 1937. Sendo o porta-voz do grupo Salgado carregou em

suas oratórias muito de sua base familiar, cultural e educacional. Estas

características também se encontram nos discursos feitos pelo Partido

de Representação Popular; de acordo com Foucault e seu dispositivo de

autoria nos discursos:

[...] o autor presta conta sob seu nome; pede-se que lhe revele, ou ao menos sustente o sentido oculto que os atravessa; pede-se que os articule com sua vida pessoal e suas experiências vividas, com a história real que

34 Id. ibid.

os viu nascer. O autor é aquele que dá à inquietante linguagem de ficção a suas unidades, seus nós de coerências, sua inserção no real.35

O autor do pronunciamento fixa a direção de sua fala primeiramente

nele mesmo, restringindo a busca de fatos a um núcleo de verdades

significativas. Salgado faz uso de suas experiências e as transmite

nitidamente em suas oratórias. Isto aconteceu quando esteve à frente da

A.I.B. e no seu retorno do exílio, quando foi eleito presidente do PRP.

Retornando do exílio em agosto de 1946, Plínio Salgado usou desta

experiência em prol de sua nova empreitada política. Para Gilberto Calil

“A permanência de Salgado no exílio, permitiu a construção de um mito

do ausente”36, o tempo afastado do país, o tornou mártir de sacrifício pela nação, sendo expressada através de mensagens a ele enviadas e em seus próprios discursos:

Meus patrícios! Ao dirigir-vos este ano a mensagem de Natal que muitas vezes vos mandei do exílio, faço-o particularmente comovido, por me encontrar agora entre vós, respirando o mesmo ar, o ar da Pátria que tanto amamos. Não posso deixar de dizer-vos que esta emoção do regresso ao Brasil, depois de longa e forçada ausência, mistura-se a dolorosas apreensões em face do estado de espírito em que vejo o nosso povo e do quadro geral da sociedade em todos os países, cujos fundamentos cristãos aparecem abalados e, porventura, sob muitos aspectos, subvertidos. [...] 37

Plínio Salgado utilizou tanto a permanência no exílio como elementos

cristãos em grande parte de sua vida pública. Esta construção explica-se

principalmente em sua formação política e ideológica que carregou de

suas tradições republicanas, herdadas de sua criação. Nascido em São

35 FOUCAULT, op. cit. p. 26.36 CALIL, op. cit. p. 159.37SALGADO, Plínio.In: Discursos.São Paulo:Companhia Editora Nacional,1947,Coleção “Convivium”. p.93.

299Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

Bento do Sapucaí município do estado de São Paulo em 22 de janeiro

de 1895, recebeu uma rigorosa formação religiosa, e o gosto pela

política resultou devido a forte tradição passada de seu pai, o coronel

Francisco das Chagas Esteves Salgado.

O elo da tendência conservadora se iniciou com seu pai, que foi

farmacêutico e também chefe político local, fundando sua carreira

política no berço da Primeira República38. De sua mãe, Salgado obteve

as primeiras lições de educação espiritual e aspiração nacionalista,

sendo ela professora de História do Brasil, História Sagrada, de

Geografia, Aritmética e de Francês.39

A abertura de sua vida política aconteceu quando completou a

maioridade. Salgado inscreveu-se como eleitor do Partido Municipalista

do vale do Paraíba, aonde chegou a ajudar na organização do grupo.

Nesta atuação, é possível identificar em seus discursos e conferencias

de suas atividades jornalísticas, uma aplicação patriota no tom de sua

retórica.

Sua tendência nacionalista foi inspirada muitas vezes em temas da

história do Brasil, que lhe serviu como embasamento em discursos e

atividades partidárias. Um exemplo dessa utilização histórica aconteceu

em uma conferência no ano de 1916. No aniversário da Independência

do país, Salgado manifestou seu ufanismo citando a frase de D. Pedro

I “Independência ou Morte”, ao enfatizar que os brasileiros deveriam

assumir uma postura patriota frente a sua nação.40

O segundo passo das atividades políticas realizadas por Plínio

Salgado ocorreram em São Paulo. Na capital conseguiu um emprego

38 Primeira República ou República velha, foi o período que se compreende de 1889 – 1930, onde o poder das oligarquias rurais estiveram presentes no cenário político brasileiro.39 TRINDADE, op. cit. p. 43.40id. ibid.p.45.

como revisor suplente no jornal Correio Paulistano, periódico ligado

ao Partido Republicano Paulista onde se aliou a grupos intelectuais

e políticos que consequentemente o levaram a se filiar ao partido

republicano.

Ingressando no ano de 1919 ao Partido Republicano Paulista, obteve

grande destaque, passando de suplente a revisor da redação do jornal

Correio Paulistano, onde desenvolveu rapidamente maior notoriedade

política. Porém sua ligação com o partido sofreu forte abalo quando

se engajou em uma corrente ideológica interpretada como estratégia

pessoal pelos demais membros, de tentar renovar o velho partido.

Esta corrente renovadora visou especialmente uma cisão interna

no partido, que pretendia conciliar o velho Partido Republicano com

as ideias intelectuais literárias modernas que estavam surgindo, de

cunho nacionalista. Plínio Salgado pretendeu nomear esta renovação

partidária de “Ação Nacional”, que na luta pela renovação chegou a

escrever artigos com o pseudônimo de Pinus, na tribuna O Estado de

São Paulo.41

Porém esta tentativa não obteve êxito, mesmo não ocorrendo

à renovação no partido, Salgado permaneceu ligado a ele até a

Revolução de 1930, onde posteriormente fundou a Ação Integralista

Brasileira. Sua saída do P.R.P. foi marcada pelo lançamento de sua obra

O Estrangeiro, que obteve uma ótima repercussão, se tornando uma de

suas mais famosas obras.

A efervescência literária de Salgado o auxiliou em sua mutação

ideológica e resultou na influência do modernismo e da integração ao

movimento Verde- Amarelo/Anta, que ocorreu no marco da semana da

Arte Moderna em fevereiro de 1922. A semana da Arte Moderna foi um

movimento artístico, literário, político e social que tinha como objetivo

41 TRINDADE, op. cit. p.48.

300Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

se opor a política oligárquica, tendo como sua principal característica

o nacionalismo.

Na primeira fase do movimento marcada pelo nacionalismo, se

destacaram dois grupos: Pau- Brasil e Verde – Amarelismo; futuramente

do grupo Pau –Brasil surgiu uma transformação literária, e o nome foi

alterado para “antropofágica” e o Verde-Amarelismo, que encabeçaria

a criação da “Escola da Anta”. No primeiro grupo, a proposta principal

se deteve na literatura vinculada a realidade e cultura brasileira. Os

principais nomes do movimento Pau-Brasil foram: Tarsila do Amaral,

Oswald de Andrade e Alcântra Machado.

O grupo Pau – Brasil manteve-se coeso até 1924. De acordo com

Afrânio Coutinho em sua obra A Literatura no Brasil, o movimento

preocupou-se com uma produção poética baseada na ambiência

geográfica, histórica e social brasileira42. A partir de 1926, a tendência

literária do grupo ampliou suas produções na compreensão de obras

estrangeiras, não no sentido de copiar, mas na criação de poesias

de exportação, renomeando o movimento para “antropofágico”,

valorizando o homem natural, antiliberal e anticristão.

O grupo Verde-Amarelo liderado por Plínio Salgado buscou

apresentar um nacionalismo primitivo, puro sem qualquer influência

estrangeira. Dois anos depois de sua fundação, os “verde-amarelos”

optaram por um aprofundamento da realidade brasileira e seus

respectivos problemas, renomeando o grupo para Escola da Anta, nome

sugerido por Salgado homenageando o mamífero da raça tupi.43

Este novo momento do movimento, priorizou a valorização do

nacionalismo aliado a uma poesia de região, de tal modo como

na utilização de elementos cristãos, como por exemplo, obras que

42 COUTINHO, Afrânio; Coutinho, Eduardo de Faria. A literatura no Brasil. Vol.5. São Paulo: Global, 1999.p.50.43 TRINDADE, op. cit. p. 51.

refletissem a vida de Cristo. Assim a Escola da Anta, de acordo com

Coutinho “prega um retorno ao primitivo, porém ao primitivo em

estado de pureza – se assim se pode dizer – ou seja, compromisso com

a ordem social estabelecida: religião, política e economia”44.

As participações de Salgado no movimento modernista e no Partido

Republicano Paulista, resultaram na formação ideológica da Ação

Integralista Brasileira, e posteriormente no Partido de Representação

Popular. Plínio Salgado usou estas experiências adquiridas em sua

transformação face à política, em dois momentos politicamente

distintos; aperfeiçoou seus discursos sob o raciocínio da interpretação

da realidade brasileira, fruto de sua trajetória nas mudanças políticas

com o fim do Estado Novo, e a sua literatura produzida.

PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR

2.1 ”O PASSADO É TEIMOSO PORQUE SE DISSIMULA NAS

CONVENIÊNCIAS DO PRESENTE”: DISTINÇÃO DO INTEGRALISMO E

A A.I.B. NA FALA DE PLÍNIO SALGADO

Com a fundação do Partido de Representação Popular em setembro

de 1945, as ocupações nos primeiros anos se voltaram à desvinculação

do integralismo com o AIB. Esta medida se fez necessária justamente

porque na concepção perrepista o integralismo foi uma doutrina geradora

de novas consciências políticas, diferentemente da AIB, que atuou como

partido político em determinado tempo, que não condizia mais a

realidade brasileira, como observado por Salgado em seu Discurso no

Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 27 de outubro de 1946:

44 COUTINHO, op. cit.p.33.

301Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

[...] Quero, entretanto (e reservei especialmente para esta reunião solene, esta deliberação) ao assumir a presidência do Partido de Representação Popular, com o firme propósito de elevar o povo brasileiro, cada vez mais à altura dos seus destinos; quero, neste momento, já que um dia chefiei uma corrente cujos iniciados, cujos companheiros costumavam assinar ficha de compromisso contendo um juramento; quero, neste instante, em que assumo este posto político e a fim de abrir as portas a todos os brasileiros, para que se aproximem de mim, sem temor, mas com amor ao Brasil; quero, em todo o território nacional, desligar do juramento que me fizeram aqueles que comigo militaram outrora na Ação Integralista Brasileira.45

O início de formação partidária do PRP precisou afastar qualquer

ligação entre o integralismo e a A.I.B., principalmente devido aos

aspectos usados na trajetória de seu passado como milícias e rituais que

foram deixados de lado, para que não influenciassem na concepção

democrática dos perrepistas. Tanto os rituais como o uso de uniformes,

foram justificados por Salgado. Para ele, a ideologia contida na A.I.B.

nada influenciava com o uso de vestimentas semelhantes, desta forma,

a doutrina integralista não poderia ser associada a “roupa”.

Tal argumento também é esclarecido no uso das milícias.

Novamente Salgado comparou que a formação da AIB não poderia ser

a cópia do outros exércitos, e que a milícia formada naquele período só

serviu ao seu país. Estas medidas tinham o propósito de desvincular o

passado e a trajetória de Salgado e fazer com que o novo partido não

parecesse fruto de uma iniciativa integralista, mas que os ex- integrantes

da ideologia se anexaram ao PRP depois da formação do partido, e não

como fundadores.

Esta participação dos ex- integralistas no Partido de Representação

Popular, foi novamente reafirmado por Salgado ainda no mesmo

discurso do Teatro Municipal do Rio de Janeiro no ano de 1946:

45 SALGADO. op .cit. p.12.

Na verdade, temos sido deturpados, temos sido caluniados, temos sido apresentados diferentemente daquilo que realmente somos. Isso digo aqueles que comigo militaram naquele magnífico momento; isso digo também aqueles que não militaram comigo naquela obra importante mas que hoje confluem com meus antigos companheiros em um Partido Nacional Democrático e Cristianíssimo, profundamente enraizado no mais puro nacionalismo e altamente projetado no mais luminoso dos espiritualismo. (Palmas).46

Mesmo assumindo a presença dos integralistas no PRP, Salgado também enfatizou o comparecimento de não integrantes da ideologia dentro do partido, formando uma espécie de repetição dentro de sua fala através de comentários pontuais. Esta prática de repetir “silenciosamente” o cerne do conteúdo foi identificada por Foucault; nela o dispositivo de repetição no interior da fala por comentários exerce,“senão o de dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro”.47

Esta necessidade contínua de articular em sua fala que o PRP também estava formado por membros não atuantes do integralismo, é utilizada durante os primeiros anos da formação dos perrepistas enquanto partido democrático. Já aos companheiros provindos de sua antiga doutrina, eram conduzidos ao pensamento necessário da mudança, mas esta alteração estava ligada aos princípios espiritualistas, cristãos, nacionalistas e democráticos que Plínio achava que o Brasil carecia nesta nova fase de sua história.

Já definida a posição democrática assumida pelos perrepistas com o esclarecimento de seus membros, o partido se comprometeu em reverter o ambiente hostil agregado ao passado do integralismo. Esta prática visou em “reelaborar” à doutrina integralista para que a mesma

se encaixasse nos moldes democráticos assumidos pelo Partido de

46 SALGADO. op .cit. p.18.47 FOUCAUL, op. cit. p. 28.

302Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

Representação Popular. Esta iniciativa serviu tanto como salvo- conduto

da reafirmação democrática quanto como elemento de propaganda

inserido em sua retórica.

A reconstrução da doutrina integralista, agora com ex-membros

presentes no PRP, se pautou na caracterização de um movimento

antitotalitário. Salgado levou esta tática a sua fala, onde novamente

diferenciou o integralismo como filosofia política, afirmando que a

prática totalitária nunca esteve em seus propósitos, seja na AIB, seja no

integralismo e muito menos no Partido de Representação Popular. De

acordo com o Discurso no Teatro de São Pedro de Porto Alegre (17 de

novembro de 1946):

E já que vos falei da Ação Integralista que desenvolvi no Brasil, e do Integralismo que é filosofia política que professo e professarei sempre (palmas), quero falar-vos ainda que de relance, sobre a obra de deturpação que se processou contra a nossa doutrina durante oito anos em que fomos privados da liberdade, até mesmo da liberdade de defendermo-nos contra as calúnias mais soezes. [...] Nós, que amamos a liberdade, fomos chamados de totalitários, de destruidores da liberdade. Nós, que proclamamos no nosso primeiro documento político (Manifesto de 1932), antes que nenhum outro partido o houvesse proclamado jamais na História do Brasil. [...] Nós que fomos os primeiros a levantar o nosso grito contra o totalitarismo, vimo-nos apontados, duramente oito anos, como totalitários. Apontados por quem? Por aqueles que no Brasil praticavam o totalitarismo e por aqueles que pretendiam impor um totalitarismo mais negro ainda, o totalitarismo da “cortina de ferro” e das deportações para a Sibéria. (Muito bem; palmas).48

O esforço de distinguir a doutrina integralista e a Ação Integralista como movimentos antitotalitários, segundo Calil, “levou Salgado em alguns momentos a utilizar-se de exemplos absurdos, chegando a associar sua milícia partidária como uma força policial pública.”49 Estes

48 SALGADO. op .cit. p.77 e 78.49 CALIL. op. cit. p. 137.

argumentos destinados a maquiar a presença integralista no PRP, e seu passado na A.I.B., ganharam ainda mais peso com a influência do candidato presidenciável Eurico Gaspar Dutra, nas eleições de 1945.

Mesmo com os perrepistas tendo uma pequena participação nas eleições de 1945, o apoio favorável a Dutra serviu como tática para obter ajuda na legalização do PRP. Esta estratégia garantiu ao partido facilidade na inserção do sistema político, como no próprio registro partidário, preocupação recorrente do grupo devido ao sentimento pós-guerra, anti-integralista e antifascista.

Todos estes elementos como afirmação democrática, antitotalitária e a ajuda na legalização do registro partidário, corroboraram para a afirmação institucional do grupo que aos poucos ganhou mais notoriedade no meio político. Este conjunto estratégico utilizado pelo PRP em seu processo de consolidação partidária esteve presente tanto nos pronunciamentos públicos, como em seu próprio manual ideológico.

Estas atitudes se ligaram meticulosamente a retórica do presidente do partido, fazendo com que tanto argumentos apelativos como apoios políticos, tornassem mais sólida à situação institucional do PRP. Novamente o uso da repetição em forma de comentários pontuais no interior de sua fala, atuou numa espécie de simples recitação ao ponto de partida, que segundo Foucault, permite dizer algo além do próprio texto, que o mesmo seja dito e de certo modo realizado.50

O dispositivo do comentário, conceito desenvolvido por Foucault se insere nos procedimentos organizacionais da produção e reprodução do discurso. Esta fórmula está associada aos procedimentos externos e de exclusão na oratória. Tal metodologia se encadeia a uma rede de discursos, deixando de representar o sentido pelo o que se debate, passando a ser o objeto de desejo pelo que se busca, “à parte do discurso que põe em jogo o poder e o desejo”.51 50 Foucault,op. cit. p. 24. .51id. ibid.p.20.

303Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

Dentro dos elementos que ajudaram na afirmação institucional perrepista, encontra-se a justificativa espiritualista. A utilização deste componente fez com que o grupo desenvolvesse em sua ideologia o conceito de cristão democrático, também fortemente utilizado na retórica perrepista. O espiritualismo para os integrantes do PRP era a crença em Deus como o autor de todas as coisas, e nele estava depositado o destino dos povos. O conceito de cristãos democráticos desenvolvido pelo grupo será analisado junto com a Carta dos Princípios, manual ideológico do grupo.

A seguir, no discurso feito por Plínio Salgado em Niterói no ano de 1946, identificam-se alguns dos elementos utilizados pelo partido em sua afirmação partidária, incluindo a Carta dos Princípios e o Programa do PRP:

Nestas circunstâncias formou-se o Partido de Representação Popular. Que é o Partido de Representação Popular? É um partido que se funda em princípios espirituais, cristãos, nacionalistas e democráticos. Qual o seu roteiro? A nossa Carta de Princípios, em cujo contexto estão consignados os postulados dos quais jamais nos afastaremos. Muitos antigos integralistas nele ingressaram, mas nem todos que militaram em suas fileiras foram integralistas. Porque a Ação Integralista, apesar de nunca ter sido totalitária senão na versão dos papalvos, foi extinta por nós mesmos porque não corresponde, pelo menos neste instante, a uma necessidade histórica. O Partido de Representação Popular é coisa nova, como política; a sua doutrina é a perene doutrina cristã e democrática pregada pelo integralismo, e deturpada por ordem do governo russo, pelos comunistas e suas linhas auxiliares. (Palmas).Fiéis a essa doutrina, afirmamos conceber o Universo, não unilateralmente, como materialista, porém de maneira completa com seu conjunto espiritual. Cremos em Deus; cremos em nosso espírito e em sua imortalidade; cremos no duplo destino dos homens – o destino terreno e o sobrenatural. Cremos portanto que o homem tem aspirações tanto matérias como sobrenaturais. Cremos que o homem é livre na escolha de seus atos. Proclamamos o livre arbítrio do homem até o ponto em que não colida com as leis da natureza de Deus. Deus criou o mundo e, criando o homem, quase podemos dizer que o mesmo lhe ordenou: “Cria-te, agora, a ti mesmo”. 52

52 SALGADO. op.cit. p. 114 e 115.

No discurso feito por Salgado, o presidente do partido afirma

que as bases desta agremiação se fundaram principalmente em

princípios espiritualistas e nacionalistas. Aprofundando estes conceitos,

o nacionalismo ao qual Plínio Salgado se refere encontra-se no

engrandecimento do Brasil como uma grande Nação. Tal nacionalismo

ultrapassaria o culto do hino nacional e a bandeira do país, criando

uma consciência coletiva em cada brasileiro sobre seu passado, suas

histórias e seus poetas.

Ao termo espiritualismo frequentemente utilizado na retórica de

Salgado frente ao PRP, designa na crença em Deus como criador de todas

as coisas. O partido não escondia sua ligação aos preceitos cristãos da

Igreja Católica, conduzindo ao pensamento que Deus guiava o destino

de cada indivíduo e que a religião tornava os homens mais conscientes

de suas responsabilidades diante do bem comum.

Outro aspecto a ser observado nesta oratória, foi a necessidade

histórica em que Plínio Salgado usa ao referir-se a criação da Ação

Integralista Brasileira. Este partido político criado no ano de 1930

foi resultado de acontecimentos, que segundo Salgado, engrenou o

andamento da A.I.B. Em primeiro lugar, com o fim da Primeira Guerra

Mundial, o Brasil passou por diversas transformações, considerada uma

fase de evoluções históricas.

As mudanças iniciaram-se com a intensificação da industrialização

e economia do país. O mercado passou a se preocupar com o setor

interno da economia, ou seja, passou a importar mais produtos e

diminuiu as exportações. Surgiu, por exemplo, o interesse de muitos

na plantação de café. Seguindo pela revolução estética oferecida pela

Semana da Arte Moderna, que direcionou o pensamento artístico e

político na questão do pensamento nacional, afastando a influencia

estrangeira.

304Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

Estas duas transformações pelas quais o Brasil enfrentou, fez crescer

uma maior preocupação sobre o engrandecimento nacional na esfera

política e literária, que para Salgado, era exatamente o que o país

precisava naquele momento. Nesta ótica atuou a A.I.B., que na oratória

de Salgado feita em Niterói, justificava a criação da Ação Integralista,

que neste momento não correspondia mais a necessidade do país.

A justificativa termina com as explicações do surgimento do PRP.

Um partido político que carrega princípios cristãos e democráticos, com

ideias contrárias ao pensamento comunista. A crítica do PRP feita ao

comunismo será desenvolvida posteriormente a análise da Carta dos

Princípios do partido.

2.2 CARTA DOS PRINCÍPIOS DO PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO

POPULAR

A Carta dos Princípios e o Programa do Partido de Representação

Popular foi um documento redigido como objetivo apresentar os

princípios do partido e programa dos perrepistas. Este manuscrito

foi feito por Goffredo Telles Junior, advogado e militante do PRP, que

registrou este manual juntamente com Plínio Salgado em 26 de outubro

de 1946. A Carta dos Princípios foi um documento que misturou a

postura ideológica e o programa partidário proposto pelo partido,

utilizado como manual do grupo.

O programa do PRP foi detalhado em várias áreas entre elas na

carta: família, educação, saúde pública, trabalho, produção, município,

viação, finanças, defesa nacional e política exterior. Suas propostas

se fundavam em questões cotidianas como o amparo à família e

moralidade, temas denominados como a “natureza das coisas”, ou

seja, a essência previamente dada ao homem como fonte de direito

natural não podendo ser violadas ou impostas por qualquer tipo de ordem política.

A Carta dos Princípios vinha acompanhada de uma base filosófica imutável, dedicada a todos os brasileiros e também aos idealistas que segundo o documento, se “desiludiram” desde 1922, referindo-se principalmente aos integralistas e a própria AIB. Esta base filosófica foi justificada como imutável, porque assim como a existência humana necessitaria ser considerada inabalável, a ideologia do partido também deveria igualmente permanecer.

Seguindo está lógica da estrutura humana imutável, para o PRP o homem foi anterior ao Estado e, portanto, “o governo e o Estado, existem para servir ao mesmo para que possa o ajudar na dura caminhada em direção ao seu destino”53; e a partir desta concepção “Homem” e “Estado” que o grupo definiu uma posição entre “pessoa humana”, indivíduo e humano. Se o Estado foi criado para zelar o indivíduo, o mesmo deveria ser considerado parte de um todo, devendo se subordinar aos interesses superiores da coletividade.

A doutrina ainda acrescentou na esfera do individuo, que ocorre o desconhecimento político entre individualismo e totalitarismo. De acordo com o documento:

No individualismo, o indivíduo humano, endeusado, esquece-se de servir à sociedade, da qual é parte. No totalitarismo, o Estado, endeusado, esquece de que deve se submeter aos fins superiores da pessoa humana. No primeiro caso, o bem comum deixa de existir; a sociedade e o Estado perdem sua razão de ser; e os fortes escravizam os fracos. No segundo caso, o meio é transformado em fim; a dignidade humana é violada; e o Estado escraviza a todos. Em ambos os casos a liberdade se extingue54.

53 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR. Carta de Princípios e Programa do Partido de Representação Popular (Documento fundamental do Partido aprovado pela 2ª Convenção Nacional realizada em Outubro de 1946 no Rio de Janeiro).p.554 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR. Carta de Princípios e Programa, op. cit. p. 7.

305Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

O conceito de individualismo utilizado pelo grupo, deriva da afirmação

do indivíduo diante do Estado e da sociedade. Segundo o documento, o

individualismo deixa de auxiliar a sociedade da qual o indivíduo humano

faz parte, abandonando o bem comum, o Estado e a coletividade. O

programa declara ser contra o individualismo propondo uma subordinação

necessária do indivíduo ao Estado.

Já ao totalitarismo no qual o documento aponta que o Estado deixa

de cumprir seus deveres superiores a pessoa humana, sendo endeusado,

o mesmo acaba por desvalorizar e escravizar o indivíduo. Sendo contra ao

totalitarismo, que priva o individuo humano de sua liberdade, o programa

declara que o Estado deve se subordinar a pessoa humana, da mesma

forma que o indivíduo ao Estado.

Esta posição do grupo, onde apontam o individualismo e o

totalitarismo de forma negativa já haviam sido proferidas nas falas

de Plínio Salgado, no qual negam qualquer vínculo com o PRP. Outro

aspecto de grande importância contida na Carta dos Princípios foram

suas definições a liberdade humana, compreendida como “faculdade

de aderir o bem”55, da mesma forma como o livre arbítrio foi inspirado

na natureza das coisas humanas; este conceito se encontrava

intrinsecamente com a propriedade privada.

Segundo o documento, a liberdade foi considerada qualidade de

excelência moral e manifestação externa, logo esta característica se

tornou um bem subjetivo do homem, que nos princípios perrepistas foi

considerada a garantia econômica e da liberdade. Assim, “suprimir

a propriedade privada, é suprimir a liberdade. Suprimir a liberdade é

destruir o homem”56; na concepção ideológica do grupo a liberdade se

relacionava com o direito a propriedade privada, garantida pelo Estado.

55 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR. id. ibid. p.7.56 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR. Carta de Princípios e Programa. op. cit. p.9

Junto aos conceitos filosóficos aderidos no programa, a família,

segundo o documento, foi considerada um grupo fundamental da

sociedade. Foi a partir dela, que as demais instituições se originaram,

e que o Estado deveria zelar por esta importante instituição formadora

de inteligência e de prosperidade: “A família unida, sadia, fecunda e

estável, é a maior garantia de uma sociedade feliz”57.

A família foi elevada como componente estrutural e de ética para o

homem, sendo que a partir dela a sociedade se guiou como elemento

indissolúvel do alicerce da organização social. A valorização e o zelo

pela família não se limitaram apenas como ideologia, mas como

programa partidário.

A definição de família para o partido foi considerada uma instituição

geradora de valores morais que serviram de base para o indivíduo

perante a sociedade. No seio familiar são desenvolvidas a honestidade,

o respeito, a bondade, justiça e a retidão, virtudes que posicionariam o

homem diante da sociedade e o Estado. Segundo a Carta dos princípios,

a família procedeu ao Estado e a própria sociedade civil, entendidas

como uma união de famílias. Para o PRP:

A família, pátria do coração, é por nós considerados o fundamento de todo o edifício social, porque nela encontramos um resumo da sociedade inteira, o princípio da ordem, a notação da autoridade, o conceito da justiça, a expressão da bondade, da virtude, abnegações, o sentimento da Pátria, a fonte ética perene, onde o Estado reúne a sua força e seu esplendor.58

Outro ponto no tocante a ideologia do partido, esclareceu o

nacionalismo exercido e cultuado pelo grupo. O documento comparou

o caráter individual com o nacionalismo, deste modo, como cada

57 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR. id. ibid. p 11.58 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR. id. ibid. p 12.

306Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

homem carrega consigo sua personalidade, cada nação constrói sua fisionomia pautada em sua elevação moral e cultural presente em cada cidadão, não aderindo à interferência e influencia de outros países.

O princípio doutrinário de nacionalismo seguido pelo partido compreendia-se na elevação do Brasil como uma Nação. Para essa elevação da pátria, o PRP pretendia estabelecer em cada indivíduo uma consciência da realidade brasileira, valorizando os costumes genuinamente nativos de nossa terra, como por exemplo, a vida do sertanejo e os costumes indígenas, reavivando o “mito das três raças” que consolidam no país: o índio, o negro e o branco.

O nacionalismo exercido pelos perrepistas, segundo suas convicções, não se limitaram ao culto do hino nacional e a bandeira, objetivaram o conhecimento da realidade de sua nação tal como sua história. O PRP se voltou contra o cosmopolitismo, negando qualquer influencia advinda de outros países, pois não se encaixavam na realidade histórica e cultural do país.

Por fim estabeleceu Deus como ordem natural das coisas e base da doutrina perrepista, desenvolvendo a filosofia de “cristão democrata”, no qual as bases espiritualistas se mesclam ao sentido democrático. Esta concepção filosófica estabelecia Deus como o princípio natural das coisas, misturando o espiritualismo como princípio e finalidade de suas ações políticas. O final da doutrina do Partido de Representação Popular se encerra com a mesma frase encontrada no Manifesto de Outubro de 1932, proclamada pelos integralistas:

Em Deus pomos o princípio e o fim de nossa doutrina política. Em Deus pomos o supremo destino de nossas aspirações. E opondo nossa clara doutrina a todas as formas ficamos com Cristo, com ele e por ele marchamos convencidos de que ele é, realmente a Luz do mundo, o Caminho, a Verdade e a Vida. E confiamos nesta fé, que nos abrasa, proclamamos, mais uma vez: - Deus Dirige o Destino dos Povos.59

59 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR, op. cit. p. 1.7

Junto com os princípios, o documento fazia uma crítica ao

comunismo. Para o PRP o comunismo é suscetível à submissão estrangeira,

sendo o Partido Comunista instrumento de dominação conduzido pelo

imperialismo soviético. Ideia contrária a doutrina nacionalista dos

perrepistas. Também acusavam os comunistas de provocarem conflitos

sociais com a luta de classes, segundo o documento: “[...] contrários

à natureza humana, jamais ensinaremos ao operário os métodos da

covardia, vingança e do ódio, empregados pelo comunismo [...], nem

lhe ensinaremos, tão pouco, que o trabalho é propriedade do Estado,

como quer os comunistas.”60

A segunda parte do documento destinou-se as propostas do PRP e

indicação de um rumo de governo. O programa partidário contém 111

pontos divididos em 13 capítulos. Iniciando com a família, o parecer do

grupo continuou em defesa desta instituição reconhecida como base da

sociedade, e por isso deveria receber o apoio e zelo do governo.

As primeiras propostas enfatizavam instituições de empréstimos

para aquisição de casas e outros bens. Estas providencias não se

limitavam só na obtenção do imóvel, mas para que as famílias também

pudessem recorrer destes empréstimos para a manutenção e maior

acomodação decorrentes do aumento da prole; além disso, contariam

com a colaboração do Estado, na educação dos filhos, com construções

de creches, educandários, e escolas gratuitas.

Outra proposta vinculada ao círculo familiar e sua defesa incluiu a

instituição do “voto familiar”. A medida previa que: ”o chefe da família

poderia dispor, além do seu voto pessoal, nas eleições para cargos

públicos, de um número de votos igual ou proporcional ao número de

pessoas, de que possuí a guarda”.61 Na continuidade das entidades,

60 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR, id. ibid.p.1061 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR, op. cit. p.20

307Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

o partido propôs a criação em todo território nacional de uma “Escola

das Mães”.

A criação desta organização visou o amparo à mulher, onde a

mesma “aprimore seus dotes morais e adquira todos os conhecimentos

indispensáveis à criação e educação dos filhos e os referentes à economia

doméstica”.62 O papel da mulher de acordo com o documento estava

rigidamente definido. Ela deveria exercer apenas deveres domésticos

e cuidar da criação dos filhos. Anexado a esta instituição, o programa

apontou a criação de um serviço assistencial e orientação domiciliar,

por meio de visitadores, com o propósito de orientar as famílias nos

preceitos morais, nacionalistas, quanto a salubridade e ao “bom gosto

residencial”.

No plano da educação, as declarações visavam ensino gratuito,

a intensificação de ensino técnico, a autonomia das universidades

e o estimulo à iniciativa particular em todos os ramos do ensino. A

característica mais importante das propostas feita a educação, foram

à inclusão de ensino religioso obrigatório, esta prática visou também

à regulamentação religiosa nas classes armadas como equivalentes ao

serviço militar.

No planejamento da saúde pública, as metas do partido apontavam

uma execução de um plano nacional no qual as prioridades estavam

na melhoria das condições no serviço público, combate à lepra,

tuberculose e mal de Chagas. Junto com esta prática, o uso de

uma extensiva propaganda dos conhecimentos básicos de higiene e

educação sanitária, incluindo a criação de uma entidade de nutrição

para a orientação alimentar, visando sempre na construção de uma

nação saudável a fim de melhorar as condições físicas da população.

Por fim, o programa apresentou suas propostas sobre a política

62 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR, id. ibid.p.20

exterior; esta medida objetivou “uma política de confraternização

americana, baseada nos fatores comuns de formação histórica, identidade

dos interesses de defesa recíproca e de defesa do hemisfério [...]”63. Segundo

o documento, o partido de Representação Popular almejava medidas táticas

no cumprimento de sua política exterior.

Uma destas medidas táticas estaria relacionada com a própria política

das Américas, em razão de suas origens históricas e formadoras. A justificativa

histórica se encontraria no patrimônio cultural que todos moralmente

participaram, cuja integridade, em determinados aspectos, formariam a

garantia de autodefesa. No documento umas das passagens fazem menção

ao “intercambio” cultural histórico envolvendo Brasil e Portugal:

Como consequência, no que se refere ao Brasil, continuação e fortalecimento de uma obra de efetivo intercambiam com a Nação Portuguesa e o seu Império, tendo em vista que a História do Brasil não principia apenas com a Descoberta de Cabral, mas tem seu início desde o século XII, sendo o período que vai desse século ao XVI, a fase da formação de uma língua, de uma consciência jurídica e religiosa e de um tipo de civilização comum aos dois povos. Considerando que um povo sem consciência de sua origem não pode possuir uma forte personalidade nacional, entendemos que a política de aproximação com o Portugal dará ao Brasil um poder mais forte de afirmação de independência e soberania.64

A política exterior aproximava Brasil e Portugal. Esta união era

justificada devido à ligação histórica entre os dois países, tendo a

formação brasileira incorporado muitos aspectos lusitanos, como

formação linguística a constituição jurídica e principalmente a religião

católica, apontada como comum entre os dois povos. Estes elementos

proporcionavam ao Brasil uma maior afirmação de independência e

soberania em sua política exterior. 63 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR, op. cit. p.28.64 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR, id. ibid.p.29.

308Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

Além da aproximação com os povos americanos e Portugal como

afirmação de independência e soberania, o documento apresentou uma

proposta de conciliação política brasileira e estadunidense. Esta união

para a política exterior se empenharia na consolidação da paz mundial,

juntamente com a defesa do hemisfério e atuando em conjunto contra

novas formas de imperialismo e totalitarismo, porém não exercendo

nenhuma interferência nos assuntos internos brasileiros.

2.3. “PALAVRAS NOVAS DOS TEMPOS NOVOS”: PRINCÍPIOS

DOUTRINÁRIOS DO PRP NA ORATÓRIA DE PLÍNIO SALGADO.

Os princípios doutrinários do PRP ficaram mais evidentes do que

as propostas oferecidas pelo partido, ganhando força na fala do

presidente perrepista Plínio Salgado. A partir da exposição doutrinária,

o grupo se muniu de argumentos que contra-atacavam elementos que

não se encaixavam em sua filosofia, como por exemplo, o comunismo

e o totalitarismo, utilizados também como subsídios de propaganda a

serem combatidos ideologicamente em defesa a família e a nação.

A Carta dos Princípios atuou como roteiro, sendo que a partir

dela toda afirmação democrática deveria se encaixar na Constituição

Brasileira, não ferindo nenhum dispositivo eleitoral, como apresentado

por Salgado em seu Discurso de Niterói, no Teatro da capital Fluminense

em 1947:

[...] Possuindo, portanto, uma Carta de Princípios, orientadora do nosso pensamento, dos nossos sentimentos, e possuindo um programa objetivo, concreto, de realizações, qual deve ser a ação do Partido de Representação Popular? Preliminarmente, desejo dizer-vos que o Partido de Representação Popular quer agir dentro dos dispositivos da Constituição Brasileira. Quer agir dentro das disposições da lei eleitoral vigente. Quer agir pacificamente. Repugna-lhe qualquer conspirata,

qualquer revolução. Não é desencadeador de perturbações sociais. Não promove sabotagem. Não conspira contra as autoridades. Quer viver serenamente. Condena o extremismo, como condena qualquer forma de totalitarismo, e foi por condenar o extremismo e o totalitarismo que não aceitou o regime do Estado Novo, imposto pelas forças extremistas da direita. (Palmas).65

A Carta dos Princípios possuindo um caráter legal guiou a

agremiação partidária em suas ações no sentido social, intelectual,

cívica e espiritual. Em especial, suas convicções espiritualistas, Salgado

se apropriou do conceito desenvolvido do documento oficial, como

argumento para contra-atacar filosofias opostas a sua doutrina.

De acordo com conceitos espiritualistas do PRP, os mesmos não se

limitavam em ser apenas cristãos, mas como cumpridores do evangelho

que encontravam a essência da vida humana e governança justa. Este

preceito se aliou com a inspiração de causa e natureza guiada por Deus,

neste sentido, Salgado se ajustou a esta teoria em ataque ideológico ao

comunismo, que segundo o grupo, deturpavam os valores da sociedade,

além do comunismo combatiam toda a forma contraria aos princípios

espiritualistas democráticos.

O exemplo deste “combate ideológico” estruturado nos princípios

espiritualistas se identifica no Discurso de Plínio Salgado no Teatro

Municipal do Rio de Janeiro, em outubro de 1946:

[...] Sustento, por conseguinte, este princípio fundamental da nossa propaganda. Doutrinariamente, ideologicamente, combatemos o comunismo, não por ser um partido adverso ao nosso, mas porque é uma doutrina filosófica baseada no socialismo de Marx, e o socialismo de Marx é baseado no materialismo histórico, e nós somos espiritualistas. Só por isso combatemos no campo doutrinário, procurando esclarecer o povo brasileiro acerca desse problema de ordem filosófica [...] Eu, portanto, recomendo a todos que comigo estão nesta batalha pelo

65 SALGADO. op .cit. p. 119

309Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

bem do Brasil, pelo amor as nossas tradições, pela afirmação da nossa espiritualidade, da nossa crença em Deus, e na imortalidade da alma humana; recomendo que tratem carinhosamente o comunista combatendo vigorosamente o comunismo (Palmas), combatendo essa doutrina materialista, pela nossa convicção espiritualista. Amemos o nosso próximo, seja ele quem for, e procuremos, pela ação pessoal conquistar, um a um os brasileiros.66

O uso da prerrogativa espiritualista desenvolvida pelo grupo,

também permeou a construção da justificativa da liberdade humana.

De acordo com as regras da Carta dos princípios, existe claramente a

associação espiritualista inspirada pela natureza das coisas, fazendo

menção a Deus, com a liberdade definindo-a como a faculdade de

aderir ao bem.

A “natureza das coisas” permeia toda a doutrina perrepista, nela

Deus é a causa da natureza e autor de todas as coisas. Esta associação

de causa e efeito sobre consequências divinas levam o grupo a proferir

que nele se encontram o direito, a liberdade, justiça e dignidade, e

com ele decorre a legitimidade dos governos e toda a autoridade do

Estado.

Entretanto a liberdade sem freio transformou o homem em

sujeito fraco, inconsequente e mal, abdicando do seu livre – arbítrio

transformando-se em escravo de sua liberdade. Daí a importância do

uso das leis, complementando o princípio de liberdade como faculdade

de aderir ao bem agindo conforme a lei, desde que a mesma signifique

a expressão da natureza das coisas.

Salgado manifesta esta concepção de liberdade humana e

espiritualismo contido no Partido de Representação Popular, em sua

oração pronunciada na Capital de Minas Gerais, em sete de outubro

de 1947:

66 SALGADO. op .cit. p.51

A liberdade humana é base fundamental da doutrina política por mim pregada quando ela se exprime como condição da existência de uma sociedade em que uns não anulem os direitos de outros; compreendo assim a liberdade – tendência do homem para o Bem, síntese de direitos e deveres, porque sou espiritualista, creio em Deus, creio no destino sobrenatural do homem, creio na alma humana, na imortalidade, na sua responsabilidade em virtude da própria liberdade. 67

Analisando a postura do presidente do partido, o mesmo pode ser

associado ao dispositivo do sistema de exclusão, a vontade de verdade,

desenvolvido por Foucault. Esta medida reforça e dissimula a própria

vontade de tornar verdade o que foi reproduzido na fala, fazendo senão

ligação com o desejo e poder;68 esta prática de mascarar o sentido de

vontade de verdade foi conduzida por Salgado através da associação

dos princípios do partido relacionando-as em suas oratórias.

Tal conceito incorporado nos dispositivo de exclusão desenvolvido

por Foucault leva novamente a pratica do discurso avaliado com uma

rede de signos que se ligam a outros discursos, reproduzindo valores a

serem perpetuados. A esta prática da oratória refletida por Salgado não

se tornou um encadeamento de significados, mas passou a ser o objeto

de desejo que se busca intrínseco de sua reprodução e dominação.

Ainda pautados no reconhecimento da filosofia contida na Carta

dos Princípios relacionada à oratória do representante do PRP, a família

foi exposta ao dispositivo de proteção e pilar social. Na ideologia

perrepista a família é o fundamento social porque nela se encontram o

princípio da ordem, autoridade, justiça bondade e fonte da felicidade

humana.

A família ainda foi associada ao sentido de pátria, pois todos os

princípios que a mesma contém, são os requesitos necessários da

67 SALGADO. op .cit. p. 170.68 FOUCAULT, op. cit. p. 27.

310Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

moralidade contida no seu ambiente geográfico. Esta associação logo

se torna base no espiritualismo e nacionalismo pertencente ao partido.

Discurso Porto Alegre, 1946:

Ao Partido de Representação Popular, asseguro-vos ( e compete a vós, outros, senhores dos outros partidos defender-vos no mesmo teor e diapasão);Nosso fundamento é nacional (Palmas), porque se baseia na crença em Deus (Palmas) que é a crença de todos os brasileiros; no amor da Pátria (Palmas) que é o fundamento de nossos sentimentos, e no respeito à Família que é a base da nossa moralidade. (Palmas).69

Por fim, o nacionalismo cultuado e proferido pelo grupo que

se justificou tanto na história brasileira quanto na construção do

engrandecimento da Nação,objetivos a serem alcançados pelo grupo.

O Partido de Representação Popular desvinculou esta base filosófica

como apenas o culto ao hino e a bandeira, fez do nacionalismo uma

somatória aos elementos patrióticos, realidade e consciência nacional e

conhecimento de sua própria história.

A consciência histórica presente neste nacionalismo visou o

engrandecimento, reconhecimento e repeito ao caráter dos povos

que constituem o Brasil, negando qualquer vínculo ou influencia

estrangeira em seus costumes. O presidente do partido evidenciou todo

o nacionalismo, oriundo desde sua antiga doutrina, ainda mais vivo

e presente em sua fala no Partido de Representação Popular. Discurso

Niterói, 1947:

Vejo que o Espírito da Pátria nem sequer adormeceu; que está vigilante de todas as vicissitudes, das perseguições que se desencadearam contra aqueles que tiveram audácia de sonhar um Brasil, forte e digno. [...] Vivo, realmente, está o espírito da Nossa Pátria; mas está vivo porque estais vivos, porquanto o Brasil só vive na força do idealismo construtor que representais. O Brasil vive naqueles que o amam; o Brasil vive nos que

69 SALGADO. op .cit. p.86.

nele creem, nos que trabalham pelo seu futuro, nos que se sacrificam pela sua grandeza. Só nestes vive a Pátria, porque a Pátria não vive, de maneira alguma, numa sociedade gozadora, que anda atrás dos prazeres, das negociatas, dos interesses materiais, completamente esquecida dos grandes deveres que assumiu para com os antepassados e em prol da posteridade. (Palmas). 70

2.4 DIFERENÇAS E IGUALDADES NOS PRINCÍPIOS DA AÇÃO

INTEGRALISTA BRASILEIRA E DO PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO

POPULAR

Neste momento o trabalho irá se voltar para os pontos de diferenças

e igualdades encontrados nos dois principais documentos, primeiro

o da A.I.B. – O Manifesto de Outubro, e a Carta dos Princípios do

PRP. Esta análise vai prestigiar o manual ideológico dos dois partidos

políticos, procurando responder até que ponto a oratória de Plínio

Salgado pelo Partido de Representação Popular, se diferenciou dos

princípios utilizados pela Ação Integralista Brasileira, e se o PRP é uma

continuidade integralista.

Começando com os preceitos claramente utilizados nos dois

partidos, Deus, Pátria e Família, ambos fizeram destas bases pautas de

seus princípios ideológicos. O Partido de Representação Popular guiado

pelo espiritualismo aderido pelo grupo, fez deste princípio, Deus como

base de sua doutrina e autor de todas as coisas, mas empregou dentro

desta filosofia um conceito de “cristão democrático”. Este princípio

ligava as bases espiritualistas com suas ações políticas perante a

democracia que o grupo defendia, sendo contrários a qualquer tipo de

autoritarismo e totalitarismo.

Nesta ótica surge a primeira diferença nos princípios que

aparentemente parecem se mesclar. A Ação Integralista Brasileira

70 SALGADO. op .cit. p.106.

311Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

também possuindo um caráter espiritualista, defendia que Deus era

base de sua doutrina, conduzindo o destino dos povos. Entretanto, no

manual do Manifesto de Outubro utilizado pelos integrantes da A.I.B.

existia um ponto específico: o princípio de Autoridade.

A autoridade defendida pelos integralistas seguia um sistema de

respeito, hierarquia e ordem, obedecida pelos integrantes do grupo.

Tal autoridade se ligava na construção de nação, ou seja, sem o uso da

autoridade não haveria progresso na construção nacionalista desejada

pelo partido, fazendo este princípio um meio de manter a justiça, a

ordem e a harmonia social.

Já ao nacionalismo fortemente defendido por ambos, há uma

grande semelhança da estrutura na construção deste princípio. Tanto

o Partido de Representação Popular quanto a Ação Integralista,

pretendiam criar uma base de conscientização nos indivíduos das

realidades brasileiras da mesma maneira, com o conhecimento das

realidades do país, a valorização dos costumes regionais, o “mito das

três” raças e aprofundamento dos poetas e pensadores regionais.

Esta conscientização seria um passo para o engrandecimento do

país como nação. Cultuando não apenas o hino nacional e a bandeira,

mas tendo um forte conhecimento da cultura e história da pátria.

Outro dispositivo estrutural semelhante a ambos os partidos se refere

ao combate ao cosmopolismo, ou seja, a influencia estrangeira nos

costumes nacionais. O nacionalismo do PRP, embora se colocando

como herdeiro do nacionalismo integralista dos anos 30, se constituiu

de maneira diferente, pois este princípio estava sempre atrelado à

democracia negando qualquer forma de autoritarismo, diferente da

A.I.B.

Vinculando o último princípio utilizado nos dois manuscritos,

encontra-se a família. Os dois partidos defendiam esta instituição,

que segundo consta em ambos os documentos, eram formadoras da

moralidade e personalidade humana. O Estado deveria zelar pela

família, neste modo, por mais que a defesa fosse pauta em ambos

os partidos, o PRP foi o único que formulou programas específicos.

Enquanto a Ação apenas usou argumentos em prol a esta instituição, o

PRP criou programas como empréstimos financeiros para obtenção de

imóveis, seguro escolar para financiamento e manutenção dos estudos,

a instituição da “escola das mães” e serviços assistencialistas a família.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contexto da redemocratização brasileira de 1945 e os

acontecimentos posteriores deste evento proporcionaram a criação

do Partido de Representação Popular, e o andamento do grupo em

seus primeiros anos. Com o fim do Estado Novo e a saída de Getúlio

Vargas, ocorreram transformações na esfera política, como a crítica

aberta a modelos fascistas e a valorização a democracia, elementos

que contribuíram nas transformações discursivas de Plínio Salgado,

líder do PRP.

O processo desta transformação contou com mudanças no

panorama político brasileiro, e a própria formação familiar de Salgado,

que o influenciou em sua vida política. Sua trajetória biográfica contém

características que se encontram presentes nos dois partidos em que foi

representante (A.I.B. e o PRP), como o nacionalismo e o espiritualismo,

herdado de seus pais.

Estas mudanças na fala do presidente do PRP também são

consequências de seu passado. Salgado na década de 1930 liderou

um partido político de cunho conservador, a Ação Integralista Brasileira,

que foi extinta no começo do Estado Novo, tendo Plínio exilado por seis

312Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

anos. Em seu retorno ao Brasil, deparou-se com um panorama político

diferente, fazendo adaptações necessárias para que sua volta à política

fosse viável.

O retorno de Plínio Salgado frente a um partido político só foi

possível com uma “maquiagem” no qual Salgado tentou diferenciar o

PRP do seu antigo grupo. Além disso, a sua volta também recebeu a

ajuda do General Eurico Gaspar Dutra, que alterando uma lei eleitoral,

tornou o PRP um partido político legalizado. A partir do momento de

sua criação o PRP procurou afastar qualquer ligação com a A.I.B.

Junto com as mudanças nos discursos de Salgado frente ao novo

partido político, a pesquisa contribuiu com a análise dos dois principais

documentos produzidos por ambos os partidos. O estudo e comparação

destes dois documentos permitiu ao trabalho identificar as semelhanças

e diferenças dos princípios de ambos os partidos, que se encontram nas

falas de Plínio Salgado.

O trabalho se concentrou nos componentes que mudaram a fala do

presidente do partido, desde o momento de sua criação. Depois veio

a preocupação com os princípios doutrinários utilizados por Salgado.

Muito da doutrina produzida pelo PRP se assemelhou aos princípios

usados pelo antigo partido, a A.I.B.

Além da semelhança dos princípios, Salgado que foi eleito presidente

do partido, angariou adeptos de sua antiga doutrina para que se

tornassem militantes do PRP. Um dos meios utilizados por Plínio Salgado

para distanciar o novo partido da A.I.B., foi transformar o integralismo

como doutrina filosófica, e não mais um sinônimo de partido político.

Esta tática garantiu o grupo ativo no cenário eleitoral.

Assim como a A.I.B. possuiu seu manual, o PRP também produziu

um documento contendo os princípios do partido. Este documento

foi nomeado como Carta dos Princípios e Programa do Partido de

Representação Popular. Seus conceitos se guiaram igualmente os da

A.I.B. Deus, Pátria e Família.

O partido perrepista definiu o espiritualismo, o nacionalismo e

a família como base de governo. Embora estes princípios pareçam

herança dos integralistas de 1930, sua diferença se encontra

praticamente no autoritarismo que a A.I.B. prezou em seus oito anos de

existência. Enquanto a Ação Integralista defendeu o autoritarismo em

seu programa, o PRP valorizou a democracia.

A pesquisa contou com duas fontes que se relacionaram ao longo

do trabalho, a Carta dos Princípios e alguns discursos de Salgado.

Também foram analisados os princípios doutrinários da A.I.B. que se

encontram no Manifesto de Outubro. Os discursos selecionados para o

trabalho foram escolhidos por corresponderem aos primeiros anos do

PRP, e por ter Salgado já como presidente.

A identificação dos princípios do PRP na fala de Salgado foi

desenvolvida através de uma análise, no qual elementos da atual filosofia

se encontravam em seus discursos. Foi a partir desta identificação que se

notou semelhanças com a filosofia usada pelos integralistas de 1930.

Com o resultado da pesquisa, percebeu-se claramente pouca

diferença na filosofia integralista de 1930 com o Partido de

Representação Popular. Sua única diferença foi o abandono da postura

autoritária, rituais, símbolos e uniformes que foram substituídos pela

valorização à democracia, elemento que se encaixou a nova realidade

brasileira pós – segunda guerra.

Muito dos discursos produzidos por Plínio Salgado em seus primeiros

anos como presidente perrepista, foram uma tática para “maquiar” a

semelhança do PRP com a A.I.B. Nesta ótica o partido perrepista seguiu

como uma continuação integralista de 1930, mas agora como um

modelo democrático, sem rituais, milícia e uniformes.

313Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015

No campo teórico o trabalho contou com a obra de Michel Foucault,

a Ordem do Discurso. A teoria desenvolvida por Foucault trabalha na

organização e distribuição do discurso, seja ele falado ou escrito. O

discurso para Foucault se compreende a uma rede de signos que se liga

em outros vários discursos, estabelecendo um sistema aberto em sua

fala, que não reproduzem significados esperados da própria oratória,

mas sim valores sociais a serem perpetuados.

Junto com esta teoria do discurso, Foucault cria dispositivos internos

e externos. A pesquisa usou os dispositivos criados por Foucault na

aplicação das falas feitas por Plínio Salgado, em especial o uso da

interdição, exclusão, comentário, repetição e autoria. Estes dispositivos

atuam como tática para futuras análises. O uso da interdição e exclusão

se apresentou na pesquisa em forma de separação do conteúdo a ser

utilizado por Salgado, a “vontade de verdade”, validação da mensagem

a ser transmitida pelo locutor.

Por fim, o uso do comentário que recaiu no sistema de repetir

silenciosamente o objetivo principal do pensamento, dispositivo que

se localizou em muitas das falas feitas pelo presidente perrepista.

Assim como a tática da autoria, sistema que se direcionou no eixo do

indivíduo, isto é, do próprio Plínio Salgado que carregou sua criação

familiar, cultura, social e religiosidade para dentro de sua fala.

FONTES

PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR. Carta de Princípios e Programa do Partido de Representação Popular. Goffredo Telles Junior e Plínio Salgado em 26 de outubro. Rio de Janeiro, 1946.

SALGADO, Plínio. In: Discursos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Coleção “Convivium”.

REFERÊNCIAS

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