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Aplicação do Modelo do Painel Fissurado à Análise de Vigas de Concreto Armado André Pimenta Celeste 1 , Camilo Vinicius de Pina Corriça 2 , Sergio Hampshire de C. Santos 3 1 M.Sc. PPE/UFRJ, ENGEVIX Estudos e Projetos /[email protected] 2 Engenheiro Civil, Escola Politécnica da UFRJ / [email protected] 3 Professor Titular da UFRJ / Departamento de Estruturas / [email protected] Resumo Este trabalho apresenta uma aplicação de métodos racionais, baseados no modelo de painel fissurado, para a consideração da influência do esforço cortante acoplado à flexão composta reta no dimensionamento de vigas de concreto armado. O modelo do painel fissurado é uma generalização da treliça de Mörsch, com variação dos ângulos de inclinação das bielas de compressão ao longo da altura da seção, admitindo-os iguais ao ângulo de inclinação das fissuras. A Teoria do Campo de Compressão Modificada, baseada no modelo do painel fissurado, pode ser considerada como o “estado da arte” no dimensionamento do concreto estrutural, mas a sua utilização não é prática para o cálculo usual. Para conseguir se aplicar essa teoria, sem que seja necessário se fazer grandes simplificações, é necessário se recorrer a soluções automatizadas, como as disponíveis no programa RESPONSE-2000. O Método de Seção Equivalente é uma adaptação do modelo de painel fissurado às regras usuais de dimensionamento à flexão. Um programa desenvolvido para automatizar a aplicação deste método, o FNL-CORTE, é aqui apresentado. A comparação entre resultados obtidos com o método da seção equivalente e com a Teoria do Campo de Compressão é feita com relação a resultados de dimensionamento usual segundo a teoria da treliça generalizada e com as definições para o dimensionamento à flexão e ao cisalhamento da NBR 6118:2014 e do fib Model Code 2010. A análise de um exemplo é apresentada, para ilustrar a comparação entre os diversos métodos apresentados. Palavras-chave: Modelo do Painel Fissurado, Método da Seção Equivalente, Cisalhamento Introdução A verificação à flexão e ao cisalhamento de uma peça de concreto armado é composta de dois procedimentos básicos: determinação das tensões resistentes no interior da peça e determinação das deformações em cada ponto da peça, através da correlação entre tensões e propriedades dos materiais (equações constitutivas). Nem sempre tais equações se desenvolvem em regime elástico-linear, passando as análises então a ocorrer em regime não-linear. Este comportamento é notável no concreto, que apresenta ótima resistência à compressão e baixa resistência à tração. A busca de uma solução para o problema não-linear não é direta e nem exata, passando por processos iterativos para se obter uma convergência, com o equilíbrio entre ações de resistência e solicitantes. Nesse

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Aplicação do Modelo do Painel Fissurado à Análise de Vigas de Concreto

Armado André Pimenta Celeste1, Camilo Vinicius de Pina Corriça2, Sergio Hampshire de C.

Santos3 1M.Sc. PPE/UFRJ, ENGEVIX Estudos e Projetos /[email protected]

2 Engenheiro Civil, Escola Politécnica da UFRJ / [email protected] 3Professor Titular da UFRJ / Departamento de Estruturas / [email protected]

Resumo

Este trabalho apresenta uma aplicação de métodos racionais, baseados no modelo de painel fissurado, para a consideração da influência do esforço cortante acoplado à flexão composta reta no dimensionamento de vigas de concreto armado. O modelo do painel fissurado é uma generalização da treliça de Mörsch, com variação dos ângulos de inclinação das bielas de compressão ao longo da altura da seção, admitindo-os iguais ao ângulo de inclinação das fissuras. A Teoria do Campo de Compressão Modificada, baseada no modelo do painel fissurado, pode ser considerada como o “estado da arte” no dimensionamento do concreto estrutural, mas a sua utilização não é prática para o cálculo usual. Para conseguir se aplicar essa teoria, sem que seja necessário se fazer grandes simplificações, é necessário se recorrer a soluções automatizadas, como as disponíveis no programa RESPONSE-2000. O Método de Seção Equivalente é uma adaptação do modelo de painel fissurado às regras usuais de dimensionamento à flexão. Um programa desenvolvido para automatizar a aplicação deste método, o FNL-CORTE, é aqui apresentado. A comparação entre resultados obtidos com o método da seção equivalente e com a Teoria do Campo de Compressão é feita com relação a resultados de dimensionamento usual segundo a teoria da treliça generalizada e com as definições para o dimensionamento à flexão e ao cisalhamento da NBR 6118:2014 e do fib Model Code 2010. A análise de um exemplo é apresentada, para ilustrar a comparação entre os diversos métodos apresentados. Palavras-chave: Modelo do Painel Fissurado, Método da Seção Equivalente, Cisalhamento Introdução A verificação à flexão e ao cisalhamento de uma peça de concreto armado é composta de dois procedimentos básicos: determinação das tensões resistentes no interior da peça e determinação das deformações em cada ponto da peça, através da correlação entre tensões e propriedades dos materiais (equações constitutivas).

Nem sempre tais equações se desenvolvem em regime elástico-linear, passando as análises então a ocorrer em regime não-linear. Este comportamento é notável no concreto, que apresenta ótima resistência à compressão e baixa resistência à tração. A busca de uma solução para o problema não-linear não é direta e nem exata, passando por processos iterativos para se obter uma convergência, com o equilíbrio entre ações de resistência e solicitantes. Nesse

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trabalho serão considerados diversos métodos de dimensionamento, baseados no modelo de painel fissurado.

A primeira dessas teorias a ser abordada será o Método das Seções Equivalentes, desenvolvido por DIAZ (1980), que realiza o dimensionamento de forma semelhante à usual, com a vantagem de permitir a determinação do fluxo de cisalhamento ao longo da altura da viga em estudo. Neste trabalho foi utilizado o programa FNL-CORTE, desenvolvido por CELESTE (2015) para a obtenção de resultados com base neste método.

A Teoria do Campo de Compressão considera, por sua vez, as equações constitutivas desenvolvidas por VECCHIO e COLLINS (1986), que permitem a consideração de singularidades como a contribuição do concreto na resistência a tração e campos biaxiais de tensões. Neste trabalho, os resultados baseados nessa teoria foram obtidos com a utilização do programa RESPONSE-2000 (BENTZ e COLLINS, 2010).

Os resultados desses dois métodos são comparados com os resultados de outros métodos usuais de dimensionamento, oriundos do modelo de painel fissurado. Esses métodos consideram de forma diferente a angulação das bielas de concreto a partir da teoria da treliça tradicional, como nas definições da NBR 6118 (ABNT, 2014) para dimensionamento à flexão e ao cisalhamento e na metodologia da fib Model Code 2010 (2013), no seu nível de aproximação III.

O objetivo desse trabalho foi avaliar como os diferentes métodos derivados da Teoria do Painel Fissurado realizam o dimensionamento das peças de concreto armado do tipo viga, principalmente no tangente à consideração do esforço cortante e como é realizado o acoplamento do esforço cortante com a flexão, além da determinação da inclinação das bielas comprimidas de concreto. Este trabalho resume os resultados apresentados na Dissertação de Mestrado de CELESTE (2015) e no Projeto de Graduação de CORRIÇA (2015). Modelo clássico de treliça

Os modelos de treliça (ver Fig. 1), criados no início do século passado, permanecem sendo largamente utilizados no dimensionamento das vigas de concreto. Sua formulação teórica pode ser considerada como uma simplificação do modelo do painel fissurado. A metodologia original considera no dimensionamento os esforços longitudinais atuando de forma independente dos esforços transversais. Esse acoplamento só é feito posteriormente, através da decalagem do diagrama de momentos fletores.

O modelo indica que uma viga de concreto armado fissurada se comporta como uma treliça, com geometria discreta, com dois banzos longitudinais paralelos, e é simulada a alma da viga através da interação entre bielas de concreto comprimido, posicionadas em uma determinada inclinação e estribos verticais agindo como montantes.

A grande dificuldade desse método é justamente determinar a inclinação dessas bielas para uma dada situação de carregamento. Somente as equações de equilíbrio não são suficientes para se encontrar essa inclinação, devido ao grande número de variáveis do problema. Na ruptura, a Teoria do Limite Inferior da Plasticidade nos permite arbitrar um valor para esta inclinação, considerando um modelo estático que garanta o equilíbrio para um dado carregamento. Cada método de dimensionamento adota sua própria inclinação para as bielas a fim de contornar a existência dessa incógnita.

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Figura 1 – Modelo de Treliça para uma viga em concreto armado

A proposta clássica de MÖRSCH (1909), consiste em considerar as bielas inclinadas a 45º, respeitando as devidas adaptações geométricas. Essa angulação fornece resultados bastante conservadores.

Considere-se agora, atuando conjuntamente à flexão, um esforço cortante V. Pode-se então, generalizar o modelo de treliça, incluindo-se a presença das bielas comprimidas como mostrado na Figura 2a). Deve-se observar que, após essa inserção, surge a necessidade de um novo equilíbrio, onde a componente vertical desses esforços será equilibrada pela força V, enquanto que a componente horizontal deverá ser equilibrada com os banzos longitudinais. Ficam então equilibrados o sistema de forças e os esforços resistentes na seção. A Figura 2b) ilustra a transformação do diagrama de tensões de compressão na seção.

Figura 2 – Seção de uma viga de concreto armado submetida a flexão simples

Isso reflete o grau de complexidade a ser enfrentado quando se deseja determinar as tensões longitudinais na seção em presença de esforço cortante. Na flexão pura, a resistência à compressão do concreto não é afetada pela presença de tensões transversais ao sentido da compressão. Quando está presente também o esforço cortante, as relações tensão-deformação no concreto passam a ser afetadas por deformações específicas e trações no sentido transversal ao principal de compressão.

Retornando-se ao equilíbrio da componente horizontal da compressão na biela, oriunda do esforço cortante, é importante salientar que o equilíbrio dessa componente gera um aumento da força no banzo tracionado e uma diminuição da força no banzo comprimido. Isto pode ser visto no equilíbrio da Figura 3.

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Figura 3 – Equilíbrio das solicitações na seção de uma viga de concreto armado submetida a flexão simples

O método pressupõe que a peça de concreto está completamente fissurada e que o concreto não resiste à tração. Isto conduz a resultados diferentes dos observados na prática. Outras simplificações são considerar as inclinações das bielas como constantes e coincidentes com a direção das fissuras e que dentro dessas bielas existe um campo de compressão uniaxial.

Métodos mais sofisticados partem de painéis fissurados de concreto, considerando a resistência do concreto à tração, uma inclinação de bielas mais próxima da real e o efeito biaxial das tensões nas bielas (ver, por exemplo, VECCHIO e COLLINS, 1986).

Dimensionamento segundo a NBR 6118:2014

O dimensionamento para esforço cortante é apresentado no item 17.4 da NBR 6118:2014. É suposto um modelo de treliça contínua, uma generalização da treliça clássica de Mörsch. São admitidos dois modelos de cálculo. O primeiro supõe as diagonais de compressão inclinadas de θ = 45º em relação ao eixo longitudinal do elemento, enquanto que o segundo permite uma variação desta inclinação entre 30º e 45º. Como principal diferença de um modelo de treliças, é suposto que parte da força cortante, Vc, seja absorvida por mecanismos complementares. Não se repetem aqui as conhecidas fórmulas de dimensionamento da NBR 6118:2014. As forças horizontais de tração corrigidas pelo efeito das forças de cisalhamento, são dadas por:

)gcot.2

V

z

M(F dd θ+= (1)

Dimensionamento segundo o fib Model Code 2010

O fib Model Code 2010 apresenta diversos modelos, com variado grau de sofisticação, desde o modelo simples de treliça, até os modernos métodos da Teoria do Campo de Compressão.

São definidos quatro níveis de aproximação. Cada um desses níveis representa um diferente grau de complexidade no método aplicado e consequentemente nos resultados obtidos. Os níveis I e II são similares aos modelos 1 e 2 da NBR 6118. O Níveis III e IV correspondem ao modelo do Campo de Compressão Modificado.

No Nível III são apresentadas expressões aproximadas para a determinação de xε , deformação axial média no centroide da seção e θ, ângulo de inclinação mínimo dos campos de compressão (o significado dos termos é o mesmo utilizado na NBR 6118:2014):

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)Vz

M(

AE2

1d

d

ssx +=ε ; x1000020 ε+°=θ (2) e (3)

Em sendo assim, como os Níveis I e II são correspondentes aos métodos da NBR 6118 e o Nível IV à Teoria do Campo de Compressão Modificado que será especificamente analisado, somente o nível III será considerado e melhor descrito. Os coeficientes de majoração e minoração a serem adotados serão os mesmos da NBR 6118:2014, de forma a possibilitar as comparações de resultados.

Método da Seção Equivalente

A base teórica do método aqui descrito foi apresentada por DIAZ (1980). Trata-se de uma aproximação do modelo de painel fissurado às regras usuais de dimensionamento a flexão, permitindo que se obtenha o fluxo de cisalhamento ao longo da altura da seção. O método não considera no seu desenvolvimento a compatibilização de deformações. O procedimento é dirigido ao dimensionamento de peças usuais de concreto armado de forma prática.

O método admite que a seção transversal tenha simetria em relação ao eixo vertical Z. O trecho analisado deve estar fora de zona de perturbação (regiões de apoio e introdução de cargas concentradas); os esforços normal e cortante no trecho analisado devem ser constantes. A resistência do concreto à tração é desprezada, juntamente com os mecanismos resistentes complementares. A hipótese de Navier-Bernoulli, conduz a uma relação tensão-deformação satisfatória quando se consideram somente solicitações normais à seção transversal. Porém, quando solicitações tangenciais são consideradas surgem também distorções na seção transversal, descaracterizando a hipótese da seção plana. A distribuição exata das tensões e deformações oriundas das forças de cisalhamento é complexa e varia em função da distribuição das fissuras na seção e da distribuição das armaduras.

A solicitação de momento fletor varia ao longo do eixo de uma viga na presença simultânea do esforço cortante. Esse aumento da solicitação de flexão causa consequentemente um incremento das tensões axiais, que variam ao longo da altura da seção e são equilibradas por tensões transversais. A Figura 4 ilustra essa situação.

Figura 4 – Estado de tensões em uma viga: a) esforços; b) equilíbrio de tensões

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O cerne do método consiste na aplicação do conceito das seções equivalentes. Estas seções são obtidas pelo somatório da multiplicação das áreas das fibras das seções de concreto b(z).dz pelo Módulo de Deformação Longitudinal tangente do concreto Ec(εx) e o somatório da multiplicação das áreas de aço Asi por [Es (εx) – Ec(εx)], sendo Es(εx) o módulo de deformação longitudinal tangente do aço.

Um esquema demonstrativo deste conceito é apresentado na Figura 5 com uma deformação longitudinal com linha neutra dentro da seção.

Figura 5 – Cálculo do fluxo de cisalhamento pelo Método da Seção Equivalente

A Figura 6 define o conceito de tensões longitudinais complementares �xt, correspondentes ao esforço cortante V presente na seção. Essa tensão, agindo concomitantemente com as tensões longitudinais de flexão �xn, por sua vez oriundas do par de esforços solicitantes N e M e

incrementados pelo par de esforços MeN , resultam na distribuição de tensões longitudinais �x, correspondentes aos esforços solicitantes N e M.

Figura 6 – Tensões decorrentes de força normal, momento fletor e força cortante

Duas hipóteses adotadas pelo método facilitam sobremaneira o seu manuseio. A primeira é a consideração de que o concreto não resiste à tração. A segunda define não se considerar a compatibilidade de deformações, implicando numa simplificação das equações constitutivas usadas pelo método. De acordo com CELESTE (2015), no dimensionamento das armaduras

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longitudinais da seção, essas devem resistir aos esforços N, M e V e também ao incremento de

esforços MeN , ou seja o dimensionamento no sentido longitudinal deve ser feito usando-se

o par de esforços NNNR += e MMMR += .

A fim de sistematizar os resultados do Método da Seção Equivalente, o programa FNL-CORTE desenvolvido por CELESTE (2015) automatiza as verificações realizadas em vigas retangulares de concreto armado, através de um processo iterativo de flexão composta, não-linear, realizando o acoplamento da flexão com o esforço cortante.

A Teoria do Campo de Compressão

COLLINS et al. (1991), partindo da teoria do painel fissurado submetido a esforços de chapa, consideraram a direção para a inclinação das bielas de compressão, a compatibilidade das deformações e a resistência do concreto a tração. Esse modelo de resistência foi chamado de Teoria do Campo de Compressão.

A Teoria do Campo de Compressão Modificada consiste em uma sofisticação da Teoria do Campo de Compressão. O esquema resistente da peça de concreto é composto de bielas de concreto (diagonais comprimidas), unidas por armaduras transversais. Permite a inserção de esforços seccionais provocando tensões normais e tangenciais de forma integrada no modelo.

É considerado que a resistência do concreto nas bielas comprimidas não atinge os valores de resistência do concreto carregado uniaxialmente, sendo o diagrama tensão-deformação considerado mais abatido. Assim, o diagrama tensão-deformação do concreto considera uma redução, em função das deformações existentes no sentido transversal às bielas.

Além disso, considera-se que surgem no interior das bielas, entre as fissuras, tensões de tração, aumentando a resistência da seção. Considera-se a resistência elástica do concreto à tração, até o surgimento da primeira fissura. As tensões na armadura variam ao longo da altura da alma e, próximo às fissuras, atingem seu valor máximo.

Considera-se que em todos os elementos discretizados da viga, no equilíbrio das tensões atuantes e resistentes do concreto fissurado e da armadura, surge um estado plano de tensões, cujas equações de equilíbrio, que relacionam o aço e o concreto, permitem expressar essas tensões na forma de deformações médias, medidas no sentido paralelo ao das fissuras.

Nessa mesma região fissurada, as tensões de tração no concreto assumem valor zero na região da fissura enquanto que a meia distância da fissura apresentam valores superiores à média. A determinação dessas variações locais de tensão nas fissuras é de grande importância porque é a capacidade da armadura de transmitir as tensões através das fissuras que vai determinar a capacidade última dos elementos tensionados biaxialmente.

O modelo considera também que a fissuração irá ocorrer ao longo da interface da pasta de cimento e das partículas de agregado e que nessas fissuras, surge um mecanismo que permite fazer a transferência do cisalhamento pela ligação do agregado.

Embora o método seja considerado o mais próximo do comportamento real das peças de concreto armado, a utilização manual da Teoria do Campo de Compressão Modificada é muita complexa. Neste trabalho, os resultados com a Teoria do Campo de Compressão

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Modificada serão obtidos com o auxílio do programa RESPONSE 2000 (BENTZ e COLLINS, 2010).

Exemplo

A viga a ser estudada é bi-apoiada e tem 8 metros de comprimento. Sua seção transversal é retangular, com base de 20 cm e altura de 120 cm. Será considerado que d’ = 10 cm e d = 110 cm. O concreto é de classe C25, com coeficiente de minoração de resistência γc = 1,4. O aço é o CA-50, com coeficiente de minoração de resistência γs = 1,15. O coeficiente de majoração das cargas é γf = 1,4. Considera-se uma carga concentrada P = 240 kN aplicada no centro da viga. A Figura 7 ilustra essas informações e a distribuição das armaduras, consideradas como constantes ao longo da viga.

Figura 7 – Esquema longitudinal de carregamento e armaduras

No dimensionamento pelo Método das Bielas e Tirantes (modelo da treliça clássica discreta), conforme mostrado em SANTOS (2015), o braço de alavanca da treliça, correspondente ao Md,máx é z=1,00 m. É adotado para a inclinação das bielas um ângulo θ = 45º, A Figura 8 exibe o equilíbrio encontrado com a treliça discreta.

Figura 8 – Treliça discreta – Método das Bielas e Tirantes.

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Dimensionamento pela NBR 6118:2014

O dimensionamento pela NBR 6118:2014, nas seções 1, 2 e 3, é similar ao da treliça discreta, tendo como única diferença um cálculo mais preciso do braço de alavanca z em cada seção. A parcela Vc é aqui desprezada, a fim de permitir uma melhor comparação entre os métodos.

Dimensionamento pelo fib Model Code 2010 – Nível III

O principal objetivo de se considerar esta metodologia foi o de utilizar as equações (2) e (3) para avaliar o ângulo de inclinação das bielas e a força corrigida nas armaduras. A Tabela 1 exibe os valores de εx e θ, calculados.

Tabela 1 – Valores de εx e θ para cada seção

x (m) εx θ (º)

1 0,49x10-3 24,9

2 0,74x10-3 27,4

3 1,00x10-3 30,0

Dimensionamento pelo Método da Seção Equivalente

Como dito anteriormente, nesse trabalho utilizou-se o programa FNL-CORTE, desenvolvido por CELESTE (2015). O programa discretiza a seção transversal de concreto em 20 faixas horizontais e realiza um processo de dez iterações de ajuste da curvatura da seção e da profundidade da linha neutra, atingindo atinge uma convergência satisfatória.

Dimensionamento pela Teoria do Campo de Compressão

Para a obtenção de resultados pela Teoria do Campo de Compressão, foi utilizado o programa RESPONSE–2000.

Comparação de Resultados

Foram analisadas três seções transversais (S1, S2 e S3), espaçadas a cada metro. A seção central sofre influência do cortante e em sua proximidade a angulação das bielas sofre uma variação particular, cuja determinação foge ao escopo desse trabalho.

A Tabela 2 e a Figura 9 apresentam as deformações longitudinais na seção transversal, sendo εs a deformação no nível da armadura e εcd a deformação no topo da seção, para os esforços de cálculo em cada uma das seções, calculados por cada método distinto. Para se encontrar as deformações nos métodos NBR, Treliça, fib e Método da Seção Equivalente, foi utilizado o “software” CAPIBA, desenvolvido por SOUZA JR. (2012). Já o RESPONSE-2000 fornece esse resultado como uma das saídas do processamento.

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Tabela 2 – Deformações longitudinais (mm/m)

x (m) ····NBR/Treliça -------fib ˗˗˗˗˗˗MSE -·-·-·-RSP εs εcd εs εcd εs εcd εs εcd

1 0.767 -0.230 0.905 -0.145 0.752 -0.242 0.842 0.026

2 1.288 -0.560 1.394 -0.516 1.281 -0.592 1.369 -0.533

3 1.813 -0.910 1.903 -0.881 1.820 -0.959 1.888 -0.919

Figura 9 – Deformações longitudinais (mm/m)

A Tabela 3 e a Figura 10 apresentam as forças de tração na armadura longitudinal, FSd, para os esforços de cálculo em cada uma das seções, calculados por cada método.

Tabela 3 – Forças na armadura longitudinal (kN)

x (m) FSd

···· NBR ---Treliça -··̠ FIB ˗˗˗ MSE -·̠ RSP 1 240,4 252 288,5 248 278

2 404,9 420 444,5 423,1 452

3 578,9 588 610,3 600,6 623

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Figura 10 – Forças na armadura longitudinal (kN)

A Tabela 4 e a Figura 11 apresentam as forças de tração nos estribos por metro, Vsw, para cada método. Lembrar que estão sendo desprezados os mecanismos complementares Vc.

Tabela 4 – Forças nas armaduras verticais (kN/m)

x (m) VSw

····NBR ---Treliça -· ·̠ FIB ˗˗ MSE ̠ ·˗ RPS 1 156,4 168 99,4 169.4 228,2 (*) 2 160,4 168 109,0 176,2 185,7 3 165,0 168 120,0 178,4 185,6

(*) – valor considerado como não coerente fornecido pelo RESPONSE

Figura 11 – Forças nas armaduras verticais (kN)

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Conclusões

O exemplo apresentou resultados similares para os diversos métodos. Os resultados do RESPONSE-2000 são considerados como os mais precisos, servindo como parâmetro de comparação entre os modelos analisados. Porém, a experiência com o RESPONSE-2000 indicou que seus resultados devem ser considerados com prudência, pois há casos em que ocorrem resultados não coerentes, sem aviso pelo programa.

A armadura longitudinal apresentou comportamento com pouco desvio na comparação dos métodos, o que indica que, em vigas usuais, o dimensionamento no sentido longitudinal é pouco influenciado pela sofisticação do método. Já os valores de força nas armaduras transversais foram bem menores com a formulação do fib model Code 2010. Isto gera uma certa preocupação relativamente ao ângulo de inclinação de bielas apresentado no Nível de Aproximação III deste código, o que certamente exigirá mais pesquisa futura.

Como nas comparações se desprezou a parcela Vc relativa aos mecanismos complementares, fica para uma outra pesquisa futura a investigação do nível de segurança existente na NBR 6118:2014, considerando-se esta parcela e comparando-se os resultados com os obtidos com as formulações mais precisas.

Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT), NBR 6118:2014 – Projeto de

Estruturas de Concreto – Procedimento, Rio de Janeiro, 2014. BENTZ, E. C., COLLINS, M. P., User Manual – MEMBRANE 2000, RESPONSE – 2000, TRIAX –

2000, SHELL – 2000. Version 1.1, September, 2001. CELESTE, A. P., Modelo de Painel Fissurado Aplicado a Vigas de Concreto Armado. Dissertação de

Mestrado, Programa de Projeto de Estruturas da Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015.

COLLINS, M. P., ADEBAR, P., VECCHIO, F. J., et al., A Consistent Shear Design Method. International Association for Bridge and Structural Engineering, Colloquium Structural Concrete, Stuttgart, Germany, 1991.

CORRIÇA, C. V. P., Os Modelos da Teoria de Painel Fissurado Aplicados ao Dimensionamento de Vigas de Concreto Armado. Projeto de Graduação, Departamento de Estruturas, Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

DIAZ, B. E., Dimensionamento a Esforço Cortante. Revista Estrutura, ed. 92: 36 – 54, Rio de Janeiro, Setembro, 1980.

INTERNATIONAL FEDERATION FOR STRUCTURAL CONCRETE, fib Model Code for Concrete Structures 2010, Ernst & Sonh, 2013.

MÖRSCH, E., Concrete Steel Construction, McGraw-Hill, New York, 1909. SANTOS, S. H. C., Detalhamento de Estruturas de Concreto Armado. Escola Politécnica,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. SOUZA JR. P. J., Análise de Pórticos de Concreto Armado em Condições Sísmicas Considerando o

Modelo de Mander, Dissertação de Mestrado, Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Dezembro, 2012.

VECCHIO, F. J., COLLINS, M.P., The Modified Compression Field Theory for Reinforced Concrete Elements Subjected to Shear. American Concrete Institute, Structural Journal, Nº 83, 1986.