Apólices da Dívida Pública

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A Possibilidade de Utilização das Apólices da Dívida Pública para Quitação de Débitos

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A Poss i b i l i d ade de

U t i l i z a ção das

Apó l i ces da D í v i da Púb l i ca

para Quitação de Débitos

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A P o s s i b i l i d a d e d eU t i l i z a ç ã o d a s

Apól ices da D ív ida Púb l icap a r a Q u i t a ç ã o d e D é b i t o s

R i o d e J a n e i r o / 2 0 0 0

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A P o s s i b i l i d a d e d eU t i l i z a ç ã o d a s

Apól ices daDív ida Púb l icap a r a Q u i t a ç ã o

d e D é b i t o s

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CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO

A Possibilidade de utilização das Apólices da dívidapública para quitação de débitos / Confederação Nacionaldo Comércio, Janilton Fernandes Lima, org.Rio de Janeiro : CNC, 2000.

64 p.

I. Títulos da dívida públicaII. Débitos fiscais. 1. Lima, Fernandes Janilton

CNC Brasília

SBN Quadra 01 Bloco B - no 14,

15o ao 18o andar

Edifício Confederação Nacional

do Comércio

CEP 70041-902

PABX (61) 329-9500 / 329-9501

CNC Rio de Janeiro

Avenida General Justo, 307

CEP 20021-130

PABX (21) 804-9200

Web site: www.cnc.com.br

Elaboração: Secretaria Geral / Departamento Jurídico

Projeto Gráfico: SG - DAD - CAA - SDI/UPV

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Int rodução 7

Utilizações das referidas apólices 1 4

Para o pagamento de créditos tributários 1 6

Para a dação em pagamento decréditos tributários 1 8

Para a consignação em pagamento decréditos tributários 2 3

Suspensão da exigibilidade decréditos tributários 2 6

Como garantia do juízo em execução fiscal 2 8

Processual civil. Execução fiscal. TDAs.Impugnação do exeqüente 3 6

Para a compensação com créditos tributários 4 0

R e s u m o 4 9

S U M Á R I O

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Várias questões têm sido levantadas acerca da utilização deApólices da Dívida Pública emitidas no início do século para quitaçãode débitos fiscais.

As dúvidas mais freqüentes referem-se à prescrição destes títu-los, sua autenticidade, procedimento para atualização destes valorese as possibilidades de quitação de tributos, seja através de compensa-ção, consignação em pagamento ou oferecimento em caso depenhora.

Preliminarmente definiremos o que sejam estes títulos.

No período de 1902 a 1964, o Governo Federal Brasileiro emitiuapólices com o intuito de angariar recursos para investimentos eminfra-estrutura. As cláusulas contratuais garantiam ao detentor de cadaapólice uma taxa de juro de 5% ao ano, não contemplando, por outrolado, a correção monetária. Os agentes econômicos compravam estestítulos que muitas vezes chegavam a ter maturidade de 200 anos, porser, na época, um instrumento de poupança de longo prazo de riscom í n i m o .

Estes papéis foram descobertos por caçadores de oportunidades,principalmente internacionais, em meados de 1996, que passaram anegociar esses títulos depois de conseguirem um parecer da Funda-ção Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, definindo o valor de facedo papel, lançado em Contos de Réis. As apólices ganharam atrativoentre um grupo agressivo de administradores de recursos do exteriorpela lógica da equivalência.

Depois do fim do regime comunista em países do Leste Euro-peu, foram desenterradas letras referentes a Dívidas Públicas da épo-ca czarista e da República de Weimar. Esses títulos foram sendo res-

I n t r o du ção

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gatados pelo Governo Alemão Unificado e pela Rússia pós-comunis-mo, provocando uma corrida de caçadores de oportunidades por pa-péis referentes às Dívidas Públicas passadas de governos ao redor dom u n d o .

No caso brasileiro, a descoberta foi dessas Apólices da DívidaPública, que foram emitidas para financiar obras de infra-estrutura.Note-se que o resgate destes títulos nos demais países se deu pelanecessidade de entrar no mercado europeu.

Existe grande discussão sobre a constitucionalidade das apóli-ces. A tentativa de resgate dos papéis esbarrou no Decreto-Leino 263, de 1967, que determinou prazo de resgate dos títulos e suaconversão por outros títulos. A medida serviu para liquidar parte dadívida e, além disso, fez prescrever o lote restante que acabou semvalor na mão dos detentores. Esse lote é estimado em US$ 2,3 bi-lhões pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), e em US$ 4 bilhões pelosoperadores desse mercado em formação.

Os administradores de fundos que compraram esses papéis, alémde bancos estrangeiros que estão comprando títulos para clientes quedesejam participar do programa de privatização, contrataram parecerde cinco especialistas: Miguel Reali Júnior, Aristides Junqueira, SauloRamos, José Cleber Leite de Castro e Arnoldo Wald que definiramque o decreto é inconstitucional e concordaram que as apólices repre-sentam Dívida Pública fundada e são passíveis, portanto, de resgate.Todas as apólices negociadas vêm acompanhadas por parecer pericial

documentoscópico, emitido pelo Instituto Del Picchia, confirmando aautenticidade das apólices.

Abaixo reproduzimos alguns dos pareceres:

Miguel Reale Jr.

“Em 28 de fevereiro de 1967, por força do AI 4 e AI 5, o Con-gresso estava em recesso, sendo, portanto, impedido de apreciara matéria. Praticamente proibiram que todos os atos do legislativobaixados pelo Governo militar naquela época fossem contestados

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na justiça. Daí, entende-se que os titulares de apólices da dívidapública interna emitidas pelo Governo Federal têm direito a, nomínimo, exigir que elas sejam reconhecidas. Assim não poderia,você possuidor destes papéis, recorrer à justiça pelo simples motivode que não havia o estado de direito, sendo tudo resolvido à força.”(grifo nosso)

Aristides Junqueira Alvarenga

“O resgate parcial promovido pelos Decretos-Leis nos 263/67 e396/68, das Apólices supracitadas, ocorreu de forma irregular, aoatropelar direitos adquiridos, atos jurídicos perfeitos, leis em plenavigência à época de suas edições, e, finalmente, ao fulminarem aprópria Constituição Federal.”

Senão:

O Decreto-Lei no 263/67 afrontou normas constitucionais entãovigentes, quando, em seu Art. 12, delegou ao Conselho Monetá-rio Nacional o poder de regulamentá-las. Sendo que tal atribuiçãoera e continua sendo indelegável e relativa ao Presidente da Re-públ ica.

O Decreto-Lei no 263/67 é também inconstitucional quando emseu Art. 3o, parte final, versa matéria de prescrição, vedada emDecreto-Lei, consoante o regime constitucional vigente.

Conseqüentemente, de nenhuma valia é o edital do Banco Cen-tral convocando os particulares para o resgate dos títulos da dívi-da pública, eis que ausente a vigência da autorização legislativa.

Isto posto, inquestionável, portanto, a validade das apólices dadívida pública e demais títulos a que se refere o Decreto-Leino 263/67, alterado pelo Decreto-Lei no 396/68, e, por isso, pas-síveis de resgate.” (grifo nosso)

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José Kleber Leite de Castro

“É inquestionável que as obrigações do Estado originárias da emis-são das Apólices da Dívida Pública, ao abrigo do Código Civil(Art. 1.505 e segs.) ou de legislação extravagante, não podem seralteradas unilateralmente, colocando-se, pelo contrário, sob am-pla regência dos princípios constitucionais e da lei de introduçãoao Código Civil, relativos ao ato jurídico perfeito e ao direito ad-qu i r ido .

Ademais, as condições inscritas nas Apólices da Dívida Pública enos decretos autorizativos de sua emissão, constituíram relaçõesjurídicas definitivas e incorporaram direitos ao patrimônio dosseus portadores, não podendo, então, serem alteradas unilateral-mente pela via de decretos-leis, por consubstanciarem atos jurí-dicos perfeitos e direitos adquiridos.

As regras referentes ao prazo de resgate e à prescrição dizem res-peito à substância do ato jurídico perfeito e do direito adquirido;logo, não poderiam ser vulneradas por legislação superveniente,cuja retroatividade é vedada pelo texto constitucional.” (grifonosso)

Em todos os decretos autorizativos das emissões desses títulos oGoverno assumia pagar o principal na razão de 0,5% (meio por cento)ao ano, a contar daquele que se seguir ao término ou aquisição de cadaobra financiada. E só pagaria à vista se a cotação do título estivesseabaixo do seu valor de face. Se, porém, estivesse essa cotação acimado valor de face, pagaria por sorteio!

Em primeiro lugar, significa um prazo total de pagamento indefi-nido, ou seja, sabia-se do prazo inicial de 200 anos – que é quanto seprecisaria para receber 100%, na base de meio por cento ao ano –,mas não se sabia de quanto seria o período de carência, porque o Go-verno não informou ao investidor da conclusão de cada obra financia-da, segundo lhe obrigava cada decreto autorizativo das emissões.

Em segundo lugar, significa dizer que o emprestador do Governosomente teria duas opções de receber, no prazo, o seu capital de vol-

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ta. Primeira: durante o período de 200 anos, com prejuízo, se a cota-ção do título estivesse abaixo do valor de face; segunda: sem qualquerprevisão de tempo, se a cotação do título estivesse acima do valor deface, hipótese em que o pagamento só ocorreria por sorteio. E comosorteio é loteria, não se pode fazer qualquer previsão de tempo. Atéque o Governo decidiu resgatar os títulos 60 anos já decorridos semter informado aos investidores sobre a conclusão ou aquisição de qual-quer projeto financiado, marco legal indicado do término da carênciae início de pagamento. Fez isso através do Decreto-Lei no 263, de 28de fevereiro de 1967, complementado pelo Decreto-Lei no 396/68.

Na opinião desses respeitáveis senhores da lei:

“O resgate parcial promovido pelos Decretos-Leis nos 263/67 e396/68 ocorreu de forma absolutamente irregular, ao atropelardireitos adquiridos, contratos jurídicos perfeitos, leis em plenavigência à época de suas edições e, finalmente, ao fulminarem aprópria Constituição Federal.”

Assim resume-se o que os respeitados juristas encontraramde errado:

a. Não ocorreu a prescrição da ação dos titulares das Apólices daDívida Pública para exigir a amortização do débito do Estado,na forma pactuada no negócio jurídico original.

b. Os Decretos-Leis nos 263/67 e 396/68 são inconstitucionais,por ferirem o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e, porigual, por tratar de matéria que exorbitava a competência doPresidente da República.

c. O Decreto-Lei no 263/67 que expressa apenas autorizaçãolegislativa ao Poder Executivo para resgatar os títulos afron-tou normas constitucionais então vigentes, quando, em seuArt. 12, delegou ao Conselho Monetário Nacional o poder deregulamentá-lo, atribuição que era e é indelegável e privativado Presidente da República.

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d. O Decreto-Lei no 263/67 é também inconstitucional quando em seu Art. 3o, parte final, versa matéria de prescrição vedada em Decreto-Lei, consoante o regime constitucional então vigente.

e. O Decreto-Lei no 263/67 ainda não produziu efeitos, ou seja,ainda não teve iníc io de vigência porque até hoje não foi ,constitucionalmente, regulamentado.

f. O Decreto-Lei n o 396/68 não teve o seu edital publicado, oque, por si só, já seria bastante para interromper o fluxo doprazo de prescrição, a partir de dezembro de 1968. E, mesmoque um novo edital t ivesse sido publicado, o mesmo estariaineficaz juridicamente porque o Decreto-Lei no 263/67, porele alterado, ainda não estava vigindo e é inconstitucional.

Por fim os eminentes juristas concluíram:

“Inquestionável, portanto, a validade das apólices e demais títu-los da dívida pública a que se refere ao Decreto-Lei no 263/67,alterado pelo Decreto-Lei no 396/68, ainda não liquidados, os quais,por imperativo de justiça, devem ser resgatados sob total respei-to ao princípio de equivalência, da boa-fé, da moralidade admi-nistrativa, do equilíbrio financeiro dos contratos e da vedação doenriquecimento sem causa.”

Como se percebe, os juristas apenas concluíram, segundo suaótica, que as apólices não estão prescritas, mas não há qualquer referên-cia a sua possibilidade de utilização no âmbito tributário. Os títulosvêm sendo comprados por empresas a preços irrisórios de coleciona-dores e herdeiros para, em seguida, serem entregues para o pagamen-to de dívidas em cobrança judicial. O Governo já decidiu que não vaipagar os títulos que considera prescritos há 25 anos e, para isso, mon-tou uma ofensiva judicial, praticamente todas a liminares que permi-tiam o uso das apólices foram cassadas.

Foi emitido pelo Dr. Jorge Amaury Maia Nunes, hoje Consultordo Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, quando

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ocupava o cargo de Coordenador-Geral de Assuntos Jurídicos Diver-sos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o Parecer PGFN/GAB/Nº 859, de 5 de junho de 1998. Publicado no Diário Oficial da Uniãode 6 de julho de 1998 (Seção I, p. 13), com aprovação do Exmo. Sr.Ministro de Estado da Fazenda (despacho datado de 30 de junho de1998, reproduzido na p. 122), definindo que a administração públicafederal já firmou posição quanto à imprestabilidade dos títulos emquestão e de não terem as apólices seculares qualquer significadojurídico atual, porquanto fulminadas pela prescrição.

Com as liminares, os títulos comprados por preços que variamentre R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 17.000,00 (dezessete milreais) podem ser entregues para garantia de dívida de até R$358.049,43 (trezentos e cinqüenta e oito mil, quarenta e nove reaise quarenta e três centavos). As liminares acabam sendo cassadas, masenquanto permanecem válidas, a dívida não é corrigida, daí o lucrodos que utilizam tais apólices. Com a taxa Selic, utilizada na correçãode dívidas com o Tesouro Nacional, as dívidas do empresariado do-bram a cada seis meses.

Muito embora a guerra ainda não esteja encerrada, as batalhastêm sido vencidas pelo Governo. A primeira sentença judicial a favorde detentores das apólices saiu em São Paulo, em primeira instânciana 12a Vara Federal. O Governo recorreu e o caso só terá fim quandochegar ao Supremo Tribunal Federal. A decisão do Ministério da Fa-zenda de não resgatar os títulos remonta a um ato dos primeiros anosdos governos militares, o Decreto-Lei no 263, de 1967.

O Decreto-Lei determinava a troca de todo o estoque de títulos dadívida pública por novos papéis. O edital para a troca foi publicado emjulho do ano seguinte, fixando um prazo de seis meses para apresentaçãodos títulos, prorrogado por mais seis meses. Quem se sentisse prejudica-do tinha cinco anos para recorrer à justiça, antes que prescrevesse o pra-zo recursal, o que ocorreu em 1974. Como nas ações em que a FazendaNacional é ré, as liminares já foram cassadas, os devedores têm utilizadoos títulos como garantia em execuções privadas.

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As apólices voltaram ao cenário nacional por meio da Medida Pro-visória no 1.238, de 1995, sobre o Programa de Desestatização. Umtrecho da MP previa que o Poder Executivo estabeleceria limites deresgate para títulos citados no Decreto-Lei no 263/67. Em poucosdias a MP foi modificada para excluir a referência a tais títulos. Apartir daí se iniciou sua busca de todas as formas possíveis. Sua pro-cura é anunciada por supostos antiquários e colecionadores.

Apesar de, por sua simples aparência e forma, e como têm sidotratadas estas apólices, já seria suficiente para lançar sobre as mesmasuma sombra de desconfiança e de certa incorreção em sua utilização,apenas para aprofundar o parecer sobre certos aspectos da possívelutilização destes títulos, podemos raciocinar que eles não estão pres-critos, são válidos e podem ser opostos ao emitente e terceiros. Nes-ta linha, convém fixar, estarmos diante, para os titulares ou detento-res das apólices, de um crédito contra a União, vencido ou não, de-pendendo do raciocínio a ser observado. O título da dívida pública,como é sabido, pode revestir-se da forma de apólices, bônus, letrasdo Tesouro, bilhetes, cupões ou obrigações. Representam obrigaçõesdo Tesouro, em face de empréstimos voluntários ou compulsórios, acurto ou longo prazo, compondo a chamada dívida flutuante ouconsolidada.

U t i l i zações das refer idas apó l ices

É primordial examinar-se a problemática de saber se podem, en-tre outros, ser utilizados no campo tributário para: pagamento, dação,

consignação, suspensão da exigibilidade, garantia do juízo em execução fiscal

ou compensação.

Deve ser, antes de tudo, ressaltado um aspecto de ordem geralaplicável a todas, ou quase todas, as possibilidades analisadas posterior-mente. Diz o Código Tributário Nacional em seus Arts. 97, inciso VIe 141 que “somente lei fixará as hipóteses de suspensão daexigibilidade e extinção dos créditos tributários”.

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“Art. 97 – Somente a lei pode estabelecer:

( . . . )

VI – As hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditostributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.”

“Art. 141– O crédito tributário regularmente constituído somentese modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ouexcluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podemser dispensados, sob pena de responsabilidade funcional na for-ma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.”

Estes comandos devem ser interpretados em conjunto com aConstituição Federal – quando confere autonomia política e adminis-trativa aos entes estatais – para não se concluir erroneamente pelaimpossibilidade do legislador competente dispor de créditos tributá-rios através de fórmulas legais estranhas ao Código Tributário Nacio-nal. Portanto, à míngua de lei em sentido material, autorizativa dasutilizações idealizadas, a vontade dos detentores dos títulos, e mes-mo o pronunciamento judicial, não possui o condão de viabilizar aspretensões alinhadas adiante. Estas últimas considerações estão emperfeita consonância com o princípio da indisponibilidade do interes-se público pelo administrador:

“A indisponibilidade dos interesses públicos significa que sendointeresses qualificados como próprios da coletividade – internosao setor público – não se encontram à livre disposição de quemquer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativoque os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentidode que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever– na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis.”

( . . . )

As pessoas administrativas não têm portanto disponibilidade so-bre os interesses públicos confiados à sua guarda e realização.Esta disponibilidade está permanentemente retida nas mãos do

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Estado (e de outras pessoas políticas, cada qual na própria esfe-ra) em sua manifestação legislativa” (MELLO, Celso Antônio.Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, [s.d.]).

Este último não é uma mera formulação abstrata ou simples. Tra-ta-se de um dos dois pilares básicos da construção do edifício do di-reito público, em especial, o administrativo e o tributário. Segundoeste notável vetor da cidadela do direito público, somente o legisla-dor pode dispor diretamente do interesse público – em particular, dopatrimônio público representado por seus créditos a receber – ouautorizar, sob certas condições, a sua disponibilização pelo adminis-trador e pelo juiz, agentes aplicadores da lei de ofício e por provoca-ção no caso conflituoso, respectivamente.

P ara o pagamento de créd i tos t r ibutár ios

A doutrina considera o pagamento o meio direto de extinção dasobrigações, ou seja, “a execução voluntária e exata, por parte do deve-dor, da prestação devida ao credor, no tempo, forma e lugar previstosno título constitutivo” (Maria Helena Diniz).

Entre as várias espécies de obrigações encontramos, com o devi-do relevo, as pecuniárias. Estas últimas, modalidades de obrigaçõesde dar, têm por objeto uma prestação em dinheiro onde o pagamentoserá feito em moeda corrente, de curso forçado e com poder liberatório.Um dos exemplos por excelência das obrigações pecuniárias são asexigências tributárias. Para chegar a esta conclusão basta verificar osArts. 3o e 162, incisos I e II, do Código Tributário Nacional:

“Art. 3o – Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, emmoeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constituasanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante ativi-dade administrativa plenamente vinculada.”

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“Art. 162 – O pagamento é efetuado:

I – Em moeda corrente, cheque ou vale postal.

II – Nos casos previstos em lei, em estampilha, em papel selado,ou por processo mecânico.”

Assim, os Títulos da Dívida Pública somente podem ser utiliza-dos para pagamento de créditos tributários na medida em que a leilhes atribua o poder liberatório próprio do dinheiro, da moeda de cur-so forçado. Até porque, em relação aos créditos tributários federais, arigor estaríamos diante da possibilidade de verdadeira compensação:

“O CTN não contemplou os Títulos da Dívida Pública comoforma de liberação da obrigação tributária. Se fossem válidosconsubstanciariam compensação, regulamentada no Art. 170”(TORRES, Ricardo Lobo. Comentários ao código tributário

nacional. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 2).

Pesquisado o ordenamento jurídico em vigor, concluímos que so-mente os Títulos da Dívida Agrária (TDAs), as Letras do TesouroNacional (LTNs), as Letras Financeiras do Tesouro (LFTs) e as No-tas do Tesouro Nacional (NTNs) podem ser utilizados com efeito depagamento contra créditos tributários da União. Não há espaço jurí-dico, não há autorização legislativa, absolutamente essencial,para as apólices do início do século serem manejadas na formade pagamento.

O Art. 11, inciso I, do Decreto no 578, de 24 de junho de 1992,admite o pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR), até o limitede 50% (cinqüenta por cento) da dívida, com Títulos da Dívida Agrá-ria (TDAs).

O Art. 6o da Medida Provisória no 1.763-62, de 13 de janeiro de1999, admite, desde que vencidas, a utilização de Letras do TesouroNacional (LTNs), Letras Financeiras do Tesouro (LFTs) e Notas doTesouro Nacional (NTNs) para pagamento de tributos federais. Odispositivo em destaque, integrante do diploma legal que consolida a

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legislação sobre o assunto, resulta da convergência de vários coman-dos esparsos, a saber: Art. 3o do Decreto-Lei no 1.079, de 29 de janei-ro de 1970; Art. 5o, § 4o, do Decreto-Lei no 2.376, de 25 de novem-bro de 1987; Art. 30, § 2o da Lei no 8.177, de 1o de março de 1991 eArt. 3o da Lei no 8.249, de 24 de outubro de 1991.

P ara a dação em pagamento de

créd i tos t r ibutár ios

A dação em pagamento, um dos principais meios indiretos deextinção das obrigações, em tese, poderia ser utilizada pelos detento-res das tais apólices quando diante de créditos tributários do Institu-to Nacional do Seguro Social (INSS), dos Estados, do Distrito Fede-ral ou dos Municípios.

Cumpre observar, no entanto, os contornos concretos do institu-to no direito brasileiro. Com efeito, o Art. 995 do nosso Código Civilconsagra a dação em pagamento, “ao admitir que o credor consinta emreceber coisa que não seja dinheiro em substituição da prestação de-vida”. Vê-se, pois, que não foi acolhido pelo direito pátrio o beneficium

dationis in solutum, figura presente no direito romano, onde, em certoscasos, a dação se impunha ao credor (datio in solutum necessária oucoativa).

Assim, não basta a vontade do devedor, ou mesmo a situação dedificuldades financeiras experimentada por este, para viabilizar a daçãoem pagamento. É imperioso o assentimento do credor. Em se tratan-do de créditos tributários, créditos públicos, parcela do patrimôniopúblico, a concordância em receber títulos ou apólices no lugar dodinheiro de contado não reside na vontade do administrador, do agentepúblico arrecadador.

É absolutamente indispensável a interveniência do legislador con-ferindo a autorização devida para o sucesso jurídico dos intentos dosdetentores dos títulos ou apólices em foco. Nesta linha, nos marcosatuais da ordem jurídica federal, somente identificamos a autorização

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contida na Lei no 9.711, de 20 de novembro de 1998, onde se lê:

“Art. 1o – Até 31 de dezembro de 1999, fica o Instituto Nacionaldo Seguro Social (INSS) autorizado a receber, como dação empagamento, Títulos da Dívida Agrária a serem emitidos pela Se-cretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, por soli-citação de lançamento do Instituto Nacional de Colonização eReforma Agrária (INCRA), especificamente para aquisição, parafins de reforma agrária:

I – de imóveis rurais pertencentes a pessoas jurídicas responsá-veis por dívidas previdenciárias de qualquer natureza, inclusiveoriundas de penalidades por descumprimento de obrigação fiscalacessória;

II – de imóveis rurais pertencentes a pessoas físicas integrantesde quadro societário ou a cooperados, no caso de cooperativas,com a finalidade única de quitação de dívidas das pessoas jurídi-cas referidas no inciso anterior;

III – de imóveis rurais pertencentes ao INSS.”

“Art. 4o – A União poderá promover leilões de Certificados daDívida Pública mobiliária federal a serem emitidos com a finali-dade exclusiva de amortização ou quitação de dívidas previden-ciárias, em permuta por títulos de responsabilidade do TesouroNacional ou por créditos decorrentes de securitização de obriga-ções da União.

§ 1o – Fica o INSS autorizado a receber os títulos e créditosaceitos no leilão de Certificados da Dívida Pública mobiliária fe-deral, com base nas percentagens sobre os últimos preços unitá-rios e demais características divulgadas pela Portaria referida no§ 5o deste artigo com a finalidade exclusiva de amortização ouquitação de dívidas previdenciárias, de empresa cujo débito totalnão ultrapasse R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

§ 2o – Os débitos previdenciários a serem amortizados ou quita-dos na forma do § 1o serão considerados pelo seu valor atualizado

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acrescidos dos encargos legais multiplicado pelo percentual cal-culado entre o preço médio do último leilão e o valor de face deemissão do certificado.

§ 3o – Os Certificados da Dívida Pública mobiliária federal pode-rão ser emitidos diretamente para o INSS pelo preço médio ho-mologado do seu último leilão de colocação, em permuta pelostítulos e créditos recebidos pelo INSS na forma do § 1º desteartigo.

§ 4o – A emissão dos certificados de que trata o caput processar-se-á sob a forma escritural, mediante registro dos respectivosdireitos creditórios em sistema centralizado de liquidação ecustódia.”

Portanto, a menos que a União, legislando para o INSS, os Esta-dos, o Distrito Federal ou os Municípios, por suas casas legislativascompetentes, consagrem explicitamente a possibilidade de dação empagamento de créditos tributários com as Apólices da Dívida Públicafederal emitidas no início do século, este não pode ser um dos cami-nhos a serem trilhados pelos seus detentores. Há de se ressaltar queo INSS não emite nenhum título e não desapropria nenhuma fazendapara fins de reforma agrária.

Interessante observar a seguinte decisão na qual o STJ entendeunão ser possível a emissão de Certidão Negativa de Débito (CND)(ou de certidão positiva com efeito de negativa), pedida por contri-buinte que está discutindo a validade das tais Apólices da DívidaPública do começo do século em juízo, exatamente em razão de se-quer vislumbrar uma “aparência de bom direito” nesses “títulos”:

“As requerentes moveram ação de consignação em pagamento con-tra a União, sustentando serem credoras desta, sendo este crédi-to representado por Apólices da Dívida Pública e devedoras damesma União de dívida confessada espontaneamente por elas,representada por débito de contribuição do PIS e da Cofins. Nestaaludida ação, pretendem as requerentes provar que referidas apóli-ces não estão prescritas e são títulos líquidos e certos e exigíveis.

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Ajuizaram também medida cautelar incidental contra a União,pedindo fosse determinado à Receita Federal que emitisse emseu favor a certidão positiva de débito com efeitos de negativa(fls. 221/231). A liminar foi indeferida pelo MM. Juiz Federal da17a Vara de Belo Horizonte (...) Desta decisão foi apresentadoagravo de instrumento (fls. 160/179) não tendo sido concedido oefeito suspensivo. Ao agravo regimental interposto foi negado pro-vimento, à unanimidade, pelo Egrégio Tribunal Regional Federalda 1a Região (fls. 63/70), sendo interposto o recurso especial(fls. 31/60).

(...) As requerentes, na ação de consignação por elas movida con-tra a União, como vimos, discutem a existência e a validade deseus créditos, discutindo se os seus Títulos da Dívida Públicaestão ou não prescritos e confessam ser devedoras da União decontribuições do PIS e da Cofins (fl. 34). Por isso o MM. Juizsingular negou a liminar e não determinou a expedição da certi-dão (fls. 89/90), por não estarem presentes os requisitos da apa-rência do bom direito e do perigo na demora e sua decisão foiconfirmada pelo venerando acórdão proferido no agravo de ins-trumento (fls. 63/70). Nesta Medida Cautelar, acontece a mes-ma coisa. Não estão configurados estes requisitos do fumus boni

iuris e do periculum in mora, porque estamos diante de alegadoscréditos das requerentes sem a devida comprovação de sua exis-tência, quantidade, validade e exigibilidade (...)

Não estando caracterizados os requisitos da aparência do bomdireito e do perigo na demora, indefiro a liminar” (BRASIL. Su-perior Tribunal de Justiça. Medida Cautelar no 1.509. Relator:Ministro Garcia Vieira. 12 de novembro de 1998. Diário da Justi-

ça, Brasília, p. 6, 17 nov. 1998. Seção 1).

É interessante, igualmente, a leitura da seguinte decisão:

“Vistos etc. I [ ] agrava do r. despacho monocrático que, emsede de execução fiscal, indeferiu a nomeação à penhora de Apó-lice da Dívida Pública ao Portador no 875.400, emitida nos

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termos do Decreto Federal no 17.713, de 1925, no valor deR$ 29.926,00, determinando a expedição de mandado de penho-ra e avaliação de bens livres, ao fundamento de que os bens ofere-cidos à penhora são Títulos da Dívida Pública que, destarte, nãotêm valor econômico traduzível em moeda nacional, e, ainda, queemitidos no início do século, estariam prescritos, nos termos doArt. 3o do Decreto-Lei no 263/67, alterado pelo Decreto-Leino 396/68.

II – Despicienda a requisição de informações ao MM. Juiz a quo

ante a clareza da decisão arrostada.

III – Nesta fase de cognição sumária, do exame que faço da deci-são agravada, não vislumbro eventual ilegalidade e ou abuso depoder a viciá-la, motivo pelo qual determino o processamento dofeito independentemente da providência requerida.

Nesse sentido (...)

V – Comprove o agravante o disposto no Art. 526 do CPC” (BRA-SIL. Tribunal Regional Federal, 3a Região. Agravo de Instrumen-to no 98.03.05982-5. Relator: Desembargadora Salette Nasci-mento. 6 de agosto de 1998. Diário da Justiça, Brasília, 20 ago.1998. )

Outrossim, segundo nos informa o jornal Tribuna do Direito, deSão Paulo (SP), o TJSP foi explícito ao afirmar, em julgado unânimeda 2a Câmara de Direito Público, que:

“O juiz não está obrigado a admitir a nomeação de Título da Dí-vida Pública em penhora, quando inexistente sua cotação em mer-cado, sobretudo quando grafado em um conto de réis, no ano de1912, sem correspondência comprovada na moeda atual. (...)

Muito embora a Lei no 6.830/80, em seu Art. 11, inclua Títulosda Dívida Pública em segundo lugar na relação de bens a serempenhorados ou arrestados, possibilitando sua aceitação pelo juiz,forçoso reconhecer que é necessária a sua demonstração de

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liquidez perante o mercado. Se o título não possui liquidez com-provada, não estará seguro juízo.

Não basta, nessa linha, parecer emitido por instituição privada agarantir a autenticidade do título: é necessário, repita-se, com-provar sua liquidez, ou seja, o seu efetivo valor no mercado” (BRA-SIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumentono 080.058-5/8. Relator: Ministro Aloísio de Toledo).

Bem se vê, assim, que a aquisição desses títulos, embora possa atéprometer lucros astronômicos, em prejuízo dos cofres públicos, é umnegócio com pouquíssima possibilidade de êxito.

É importante lembrar que, atualmente, segundo o jornal O Esta-

do de São Paulo, as Apólices da Dívida Pública estão sendo vendidaspor cerca de 2% a 5% do valor que é apurado segundo os critérios decorreção monetária que seus titulares dizem ser corretos. Porém, emcertos casos é possível pagar tributos com Títulos da Dívida Pública,desde que os títulos sejam válidos, o que não ocorre com esses títulos

do começo do século, assim como exista concordância da Administra-ção em recebê-los. Quem pretende pagar dívidas com o INSS, me-diante aquisição de Títulos da Dívida Pública, deve adquirir os Cer-tificados da Dívida Pública (CDP/INSS) aceitos para pagamento.

Para a cons ignação em pagamento

de créd i tos t r ibutár ios

Os detentores das apólices emitidas no início do século preten-dem realizar consignação em pagamento de créditos tributários. Paratanto, utilizam argumentos deste tipo:

“Pacífico e inquestionável é o entendimento de que a consigna-ção em pagamento é uma ação de execução ao contrário, onde odevedor, antes de ser executado, manifesta-se, judicialmente como objetivo de quitar o débito com Apólices da Dívida Pública da

União, na falta de dinheiro.” (grifo nosso)

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Ocorre que o pagamento por consignação é outro dos meios indi-retos de extinção das obrigações, mediante depósito judicial da coisadevida, nos casos e formas legais. É a dicção do Art. 972 do CódigoC i v i l :

“Art. 972 – Considera-se pagamento, e extingue a obrigação odepósito judicial da coisa devida, nos casos e formas legais.”

Deve-se frisar, somente nos casos expressamente previstos emlei terá lugar a consignação (Art. 890 do Código de Processo Civil):

“Art. 890 – Nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou ter-ceiro requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia ouda coisa devida.”

Portanto, se não existir razão legal, não pode o devedor depositara prestação devida em vez de pagar diretamente ao credor. No campotributário, o Art. 164 do Código Tributário Nacional elenca de formataxativa as hipóteses de consignação:

“Art. 164 – A importância do crédito tributário pode ser consig-nada judicialmente pelo sujeito passivo, nos casos:

I – de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao paga-mento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento deobrigação acessória;

II – de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigên-cias administrativas sem fundamento legal;

III – de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direitopúblico, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador.

§1o – A consignação só pode versar sobre o crédito que oconsignante se propõe pagar.

§2o – Julgada procedente a consignação, o pagamento se reputaefetuado e a importância consignada é convertida em renda; julgadaimprocedente a consignação no todo ou em parte, cobra-se o cré-dito acrescido de juros de mora, sem prejuízo das penalidadescabíveis.”

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A simples leitura do dispositivo legal, aliada às características doinstituto, como antes destacadas, denunciam a impossibilidadede depósito judicial das vetustas apólices com o efeito típico daconsignação:

“Se inexistir razão legal, se o devedor, sem que nada o justifique,depositar a prestação devida em vez de pagar diretamente ao cre-dor ou a seu representante, será tido como carente daconsignatória, por não haver motivo legal para a propositura daação (RT, 430:178)” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil

brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, [s.d.]. v. 2).

Ademais, a consignação em pagamento de crédito tributário teráde ser realizada necessariamente em dinheiro. Deve ser utilizada, nodepósito judicial, a mesma espécie de prestação presente na obriga-ção que se pretende adimplir. É exatamente por esta razão que aconsignação extingue o crédito tributário (Art. 156, inciso VIII com-binado com o Art. 164, § 2o do CTN), como a seguir observamos:

“Art. 156 – Extinguem o crédito tributário:

( . . . )

VIII – a consignação em pagamento, nos termos do disposto no§ 2o do Art. 164;

...................................................................................................

Art. 164 (...)

§ 2o – Julgada procedente a consignação, o pagamento se reputaefetuado e a importância consignada é convertida em renda; julgadaimprocedente a consignação no todo ou em parte, cobra-se o cré-dito acrescido de juros de mora, sem prejuízo das penalidadescabíveis.”

Somente o dinheiro poderá, ao ser convertido em renda, satisfa-zer o credor tributário. Mais uma vez as apólices se mostramimprestáveis. Em suma, para a impossibilidade de consignação em pa-

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gamento de créditos tributários, por via dos títulos emitidos no iníciodo século, concorrem a ausência de permissivo legal e a imperiosanecessidade da consignação ser processada em moeda de cursoforçado.

Suspensão da ex ig ib i l i dade de

créd i tos t r ibutár ios

Na chamada dinâmica de constituição e cobrança do crédito tri-butário ocorrem hipóteses ou situações onde a exigibilidade dos valo-res a serem embolsados pelo Fisco fica suspensa. Tratam do assuntoos Arts. 97, inciso VI, 141 e 151 do Código Tributário Nacional:

“Art. 97 – Somente a lei pode estabelecer:

( . . . )

VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditostributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

...................................................................................................

Art. 141– O crédito tributário regularmente constituído somen-te se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ouexcluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podemser dispensados, sob pena de responsabilidade funcional na for-ma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.”

Este comando deve ser interpretado em conjunto com o Art. 97,inciso VI do mesmo CTN e com a Constituição Federal – quandoconfere autonomia política e administrativa aos entes estatais – paranão se concluir erroneamente pela impossibilidade do legislador com-petente dispor de créditos.

“Art. 151 – Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

I – moratória;

II – o depósito do seu montante integral;

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III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis regulado-ras do processo tributário administrativo;

IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumpri-mento das obrigações acessórias dependentes da obrigação prin-cipal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes.”

Nestas ocasiões, a suspensão da exigibilidade implica a impossi-bilidade, para o Fisco, de encetar qualquer atitude de cobrança docrédito. Não é possível a inscrição em Dívida Ativa ou o ajuizamentoda competente ação executiva, por exemplo. Justamente por tolher aação fiscal e adiar para um dia incerto no futuro o ingresso de recursosnos cofres estatais, a Fazenda Pública defendeu a tese de que somen-te o dinheiro poderia satisfazer a exigência do Art. 151, inciso II doCTN. Até porque, superada em favor do Erário a discussão adminis-trativa ou judicial em que estava envolto o crédito, este seria extintoatravés da pertinente conversão do depósito em renda (Art. 156, incisoVI do CTN):

“Art. 156 – Extinguem o crédito tributário:

( . . . )

VI – a conversão do depósito em renda...”

A argumentação da Fazenda Pública restou vencedora na letra daSúmula no 112 do Superior Tribunal de Justiça, vazada nestes termos:

“O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tribu-tário se for integral e em dinheiro.”

Derrotadas, de novo, as apólices de ocasião. A pretensão de sus-pender a exigibilidade dos créditos tributários a partir delas encon-trará óbices intransponíveis no conjunto normativo regulador da ma-téria e na assente jurisprudência pretoriana.

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omo garant ia do ju í zo em execução f i sca l

Quando da execução fiscal a ser suportada pela empresa, deve amesma pagar o débito ou nomear o bem que satisfaça o montantedevido. Cabe esclarecer que a forma com que é efetivada a penhoranem sempre atende às necessidades da exeqüente (quer seja do âm-bito municipal, estadual, federal ou autarquia). Ou o bem não cobre odébito, o que implica em novo mandado de penhora a ser expedidocontra a executada ou o bem excede o débito, o que nem semprepoderá ser alegado futuramente.

Assim sendo, é forçoso que o contribuinte devedor ofereça umbem que é seu, vez que a lei lhe faculta tal possibilidade. Não poucasvezes, há a impossibilidade da oferta, sem comprometer o regularandamento/funcionamento da empresa, em se ofertando maquiná-rios, veículos etc., não se afastando do fato de não ter bens que satis-faça a dívida, recaindo-se por fim em seu faturamento.

Questiona-se sobre outra forma de garantia, qual seja: Títulos daDívida Pública. O dispositivo que trata da matéria, Art. 11 da Lei deExecução Fiscal, determina que:

“Art.11 (...) a penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinteo rdem:

I – dinheiro;

II – Títulos da Dívida Pública...”

Abre-se a oportunidade, então, para se ofertar referido bem emsede de execução fiscal. Todavia, deve-se ter em mente que a utiliza-ção deste bem, como oferta, simplesmente não põe a salvo o devedorda execução. Diz o Art. 15 da mesma norma que a Fazenda Públicapode requerer em qualquer fase do processo a substituição dos benspenhorados por outros, independente da ordem numerada noArt. 11, bem como o reforço de penhora insuficiente.

Vê-se que a priori nada é garantido em sede de execução, ficandoà liberalidade da exeqüente em requerer a substituição do bem pe-

C

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nhorado. Não obstante, é uma liberalidade moderada, vez que impli-ca em haver justificativa hábil por parte da credora.

Se é certo que não há entendimento jurisprudencial aceitando oTítulo da Dívida Pública como pagamento do débito tributário, hádecisões aceitando-o como garantia. Entre garantia e pagamento háum universo que o separa. Tendo-se em conta da faculdade daexeqüente em substituir, em qualquer fase do processo, o bem dado

em garantia, o risco de ver-se substituído Título da Dívida Pública eoutro bem se equivale. Por outro lado, utilizar referidos títulos, es-tando consciente que vai pagar o quantum é ainda pura ilusão, o quenão tira da possibilidade de utilização na esfera executória. Apesardos sucessivos reveses, os detentores das apólices insistem em bus-car algum proveito na existência das mesmas.

Apenas para ilustrar, verifica-se abaixo quatro decisões contráriasà utilização das apólices:

“As requerentes moveram ação de consignação em pagamento con-tra a União, sustentando serem credoras desta, sendo este crédi-to representado por Apólices da Dívida Pública e devedoras damesma União de dívida confessada espontaneamente por elas,representada por débito de contribuição do PIS e da Cofins. Nestaaludida ação, pretendem as requerentes provar que referidas apó-lices (sic) não estão prescritas e são títulos líquidos e certos eexigíveis.

( . . . )

Nesta Medida Cautelar, acontece a mesma coisa. Não estão con-figurados estes requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora,porque estamos diante de alegados créditos das requerentes sema devida comprovação de sua existência, quantidade, validade eexigibilidade e de débitos seus para com a União, devidamenteconfessados. Seus débitos não estão parcelados e não existe qual-quer dúvida sobre a sua existência, sua validade e suaexigibilidade”(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Medida

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Cautelar no 1.509. Relator: Ministro Garcia Vieira. 12 de novem-bro de 1998. Diário da Justiça, Brasília, p. 6, 17 nov. 1998.Seção 1).

“Na hipótese dos autos, não há procrastinação nem intuito pro-telatório. O que existe é, primeiro, um pseudocrédito ou crédi-tos oriundos de Títulos da Dívida Pública que foram emitidos noinício do século, a partir de 1903, como uma promessa de paga-mento submetida a uma condição: conclusão de uma obra públi-ca determinada. Ora, observem os Senhores que esta promessade pagamento, descumprida de há muito, nunca foi questionada,senão agora, passados mais de 80 anos. O que se pergunta é: quala urgência em guardar-se um processo de cognição completa,exauriente para somente após a prova verificar-se a situação ade-quada para outorgar a tutela? O outro aspecto a observar diz res-peito à alegação de que os títulos estão prescritos. Tal aspecto háde ser investigado pelo Poder Público ou pelo Poder Judiciário.Segundo a alegação da Fazenda Pública, houve chamamento dostitulares dos papéis para que eles fossem resgatados, mas deixa-ram transcorrer in albis o prazo que lhes foi assinalados em decre-tos. Sem atentar para as circunstâncias fáticas, o magistrado, numpasse de mágica, em tutela antecipada, declara os decretos dechamamento nulos de pleno direito. Como terceira vertente, naargumentação, temos o aspecto da jurisprudência que se desen-volveu a partir da Medida Provisória no 1.570/97, transformadana Lei no 9.494/97, que determina a não possibilidade de tutelaantecipada ou de cautelar quando tais medidas exaurirem por com-pleto o interesse da demanda. Tenho proclamado que toda medi-da antecipada é satisfativa. O que não se pode admitir é que elacoloque o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação para oréu, ao retirá-lo do autor. Aí é que reside a impossibilidade. In

casu, temos que, em tutela antecipada, o juiz anulou decretos,declarou a inconstitucionalidade de lei, determinou a utilizaçãode títulos, ordenou a compensação de débitos, admitiu o depósi-

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to dos títulos etc., fazendo tábula rasa do processo de cogniçãoperfeita. Daí a incidência da Lei no 9.494/97 que foi examinadapelo Supremo Tribunal Federal e considerada de plenaconstitucionalidade” (BRASIL. Tribunal Regional Federal, 1a Re-gião. Agravo de Instrumento no 1998.01.00.058971-9/GO.Relator: Juíza Eliana Calmon. 10 nov. 1998).

“Ao examinar a questão da titularidade dos papéis apresentadospelo agravante, não há como deixar de se examinar da validadedesses títulos no momento atual. Esse exame levará, ine-xoravelmente à conclusão de que esses títulos não têm atual-mente qualquer valia. Todos os títulos antigos anteriores a 1956foram, pela Lei no 2.977/56, substituídos, na forma prevista noArt. 5o daquela lei. Posteriormente, a Lei no 4.069/62, em seuArt. 60, estabeleceu:

‘Incidem em prescrição as dívidas correspondentes ao resgate detítulos federais, estaduais e municipais, cujo pagamento não forreclamado decorrido o prazo de cinco anos a partir da data emque se tornar público o resgate das respectivas dívidas.’

Estabeleceu, ainda, aquela lei que mesmo os títulos emitidos emsubstituição e não apresentados em cinco anos sofreriam a inci-dência do manto prescricional. Mesmo que admitido fosse queos títulos, ainda persistissem exigíveis, o que no caso não ocor-reu, não teriam eles resistido à terceira previsão normativa comforça de lei, no sentido da fixação de prazo prescricional, dessavez pelo Art. 3o do Decreto-Lei no 263/67, que fixou esse prazoem seis meses. Não há como se acolher eventual argüição deinconstitucionalidade em relação a esses textos, sobretudo emrelação aos dois primeiros, que mantiveram, inclusive o mesmoprazo prescricional [geral] para as dívidas da União. Trata-se dedívida prescrita” (BRASIL. Tribunal Regional Federal. 5a Região.Agravo de Instrumento no 18.317-PE (98.05.18608-3). Relator:Juiz Francisco Cavalcanti. 10 nov. 1998).

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Apresentam as cártulas, agora com suposta autorização legal ex-pressa, no curso das execuções fiscais. Pretendem, com aparente fun-damento no Art. 11, inciso II da Lei no 6.830, de 22 de setembro de1980, ver garantidas as execuções com tais papéis:

“Art. 11 – A penhora ou arresto de bens obedecerá a seguinteo rdem:

( . . . )

II – Título da Dívida Pública, bem como título de crédito, quetenham cotação em Bolsa ...”

Num primeiro momento, o raciocínio é atraente. Afinal, os Títu-los da Dívida Pública figuram expressamente em segundo lugar nagradação legal dos bens penhoráveis em sede de execução fiscal. En-tretanto, afastada a superficialidade da leitura ligeira, verificamos nãopoderem, ainda aqui, as apólices vingarem. O primeiro obstáculo àpenhora das Apólices da Dívida Pública emitidas no início do séculoreside na ausência de cotação em bolsa de tais papéis. Esta exigênciaconsta expressamente da lei e tem sido convenientemente omitidapelos detentores dos títulos e seus advogados.

O sentido moralizador da exigência é extremamente claro. Pro-curou o legislador afastar as aventuras de garantias das execuções compapéis sem valor sério de mercado, como é o caso das apólices emfoco. Neste sentido, há inúmeras e consistentes manifestaçõesjurisprudenciais:

“O juiz não está obrigado a admitir a nomeação de Título da Dí-vida Pública em penhora, quando inexistente sua cotação em mer-cado, sobretudo quando grafado em um conto de réis, no ano de1912, sem correspondência comprovada na moeda atual.

( . . . )

Muito embora a Lei no 6.830/80, em seu Art. 11, inclua Títulosda Dívida Pública em segundo lugar na relação de bens a serempenhorados ou arrestados, possibilitando sua aceitação pelo juiz,forçoso reconhecer que é necessária a sua demonstração deliquidez perante o mercado. Se o título não possui liquidez com-provada, não estará seguro juízo.

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Não basta, nessa linha, parecer emitido por instituição privada agarantir a autenticidade do título: é necessário, repita-se, com-provar sua liquidez, ou seja, o seu efetivo valor no mercado” (BRA-SIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumentono 080.058-5/8. Relator: Ministro Aloísio de Toledo).

“O TDA não tem cotação em Bolsa e, por isso, não pode ser nomea-do à penhora, exceto no caso da exceção trazida pela Lei no 9.393/96, quanto ao ITR” (BRASIL. Tribunal Regional Federal, 3a Re-gião. Agravo de Instrumento no 03094788. Relator: Juiz MairanMaia. Diário da Justiça, Brasília, 21 jan. 1998).

“Somente o título com cotação oficial pode garantir a execução”(José Lázaro Alfredo Guimarães, Juiz do Tribunal Regional Fede-ral/5a Região).

A Gazeta Mercantil, de 14.12.98, publicou matéria que invocaacórdão da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal, 5a regiãopara nele enxergar o que não está dito: que se estaria acolhendo a teseda validade de Apólices da Dívida Pública emitidas em 1902. Bastaler o voto condutor e a ementa da decisão para verificar que ali não secuida desse tema, mas tão-somente da possibilidade, em tese, detítulos públicos garantirem a execução fiscal. Essa, aliás, é a dicçãodo Art. 11, inciso II, da Lei no 6.830/80:

“Art. 11 – A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinteo rdem:

( . . . )

II – Título da Dívida Pública, bem como título de crédito, quetenham cotação em Bolsa.”

Idêntica é a sistemática adotada na execução comum, apesar de oArt. 655, inciso III, CPC, não se reportar à cotação em Bolsa, como ofaz o inciso seguinte em relação aos demais títulos de crédito. É queo Art. 682, ao tratar conjugadamente dos títulos negociais, exige aprova da cotação oficial do dia.

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Uma interpretação mais elástica poderia admitir a garantiamediante título público não cotado em Bolsa, desde que houvesseoutro tipo de cotação oficial do dia, permitindo a imediataquantificação, sob pena de se apresentar uma garantia ilíquida numaexecução que pressupõe a liquidez e certeza do título. Daí se concluifacilmente que não seria admissível receber como garantia de execu-ção papel datado de quase um século, expresso em moeda de há mui-to não circulante (mil réis), sem cotação em Bolsa e sem mais conver-sibilidade ao atual padrão monetário.

Sem qualquer relevância, portanto, no que diz respeito à execu-ção fiscal, a discussão que se vem travando a respeito da validadedaquelas apólices. Ainda que se admita a sua apresentação para resga-te, isso teria que ser feito ante a instituição que emitiu a apólice, paraconversão em reais, o que, na verdade, se revela materialmente im-possível, pois o Brasil só conheceu a correção monetária a partir de1965, no Governo Castelo Branco, por iniciativa do então Ministroda Fazenda, Gouvêa de Bulhões. Até então, havia inflação, mas ne-nhum mecanismo possibilitava a atualização do poder aquisitivo damoeda. Os 50 mil réis de uma apólice emitida em 1902 já nada valiamem 1964. Tais papéis hoje têm valor meramente histórico. Servempara ornamentar os baús das casas de famílias tradicionais.

Expediente parecido tem sido usado por alguns advogados paratentar colocar como garantia de dívida tributária certidões de cessãode créditos relativos a Títulos da Dívida Agrária-TDA. É claro que osTDAs devidamente formalizados são hábeis para aquela finalidade,mas jamais um mero instrumento particular em que o réu em açãoexpropriatória cede direitos futuros a receber TDAs. É assim quevem decidindo, reiteradamente, a Segunda Turma do TRF/5a Região.

No caso das apólices, é importante advertir para o papel da im-prensa, que vem divulgando notícias e anúncios publicitários que ace-nam para a utilização desses papéis para o pagamento de débitos fis-

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cais, para tanto invocando precedentes judiciais, o que, pelo menosquanto à Segunda Turma do TRF/5a, é absolutamente inverídico.

Mesmo os que admitem não ser a cotação em Bolsa um requisitoessencial à aceitação dos títulos em garantia da execução destacam anecessidade dos papéis representarem valor econômico de fácil aceitação,o que, obviamente, não é o caso das vetustas apólices.

“Os que, não obstante desprovidos de cotação em bolsa, repre-sentem valor econômico de fácil aceitação também sãopenhoráveis, tais como os títulos de clube” (PACHECO, José daSilva. Comentários à Lei de Execução Fiscal. 4. ed. Saraiva, [s.d]).

O segundo óbice à constrição das cártulas em fase de execuçãoestá na farta e correta jurisprudência, oriunda, inclusive, do SuperiorTribunal de Justiça, que aponta a desobediência à gradação legal quandonomeados títulos pelo devedor:

“Execução Fiscal / Penhora / TDA – Ordem da Lei no 6.830/80.A devedora não obedeceu a ordem estabelecida pelo Art. 11 daLei no 6.830/80 porque, em primeiro lugar vem o dinheiro e nãoos Títulos da Dívida Pública. A credora e o julgador não estãoobrigados a aceitar os TDAs como garantia. Recurso Improvido”(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especialno 61.008-SP. Relator: Ministro Garcia Vieira. Diário da Justiça,

Brasília, p. 10.401, 24 fev. 1995).

“Execução Fiscal. Penhora. Títulos da Dívida Agrária. Ordem pre-vista no Art. 11 da Lei no 6.830/1980. 1. Não tendo a devedoraobedecido a ordem prevista no Art. 11 da Lei no 6.830/1980,visto que em primeiro lugar está o dinheiro e não os Títulos daDívida Pública, é lícito ao credor e ao julgador a não aceitação danomeação a penhora desses títulos. 2. Precedentes. 3. RecursoImprovido” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RecursoEspecial n. 122.169-SP. Relator: Ministro José Delgado. Diário

da Justiça, Brasília, p. 14.389, 22 abr. 1997).

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É certo que a ordem legal qualifica-se como relativa, mas o crité-rio subjacente às decisões anteriores aponta para a necessidade de selançar mão da garantia de mais fácil e célere conversão em dinheiro:

P rocessua l c iv i l . Execução f i sca l . TDAs.Impugnação do exeqüente .

I – Correta a decisão que acatou impugnação da Fazenda Públicaaos bens nomeados à penhora pelo executado TDAs comexigibilidade diferida no tempo, se o próprio agravado confessaque dispõe de títulos com prazo de vencimento mais recente. Adívida para com a Fazenda deve ser garantida de forma mais segu-ra possível. II – Agravo improvido” (BRASIL. Tribunal RegionalFederal, 1a Região. Agravo de Instrumento no 0113982. Relator:Juiz Cândido Ribeiro. Diário da Justiça, Brasília, p. 296, 3 abr.1998) .

“A gradação estabelecida para efetivação da penhora (CPC, Art.656, I; Lei no 6.830/80, Art. 11), tem caráter relativo, já que oseu objetivo é realizar o pagamento do modo mais fácil e célere.Pode ela, pois, ser alterada por força de circunstâncias e tendoem vista as peculiaridades de cada caso concreto e o interessedas partes, presente, ademais, a regra do Art. 620, CPC” (BRA-SIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Manda-do de Segurança no 47-SP. Relator: Ministro Carlos Velloso. Diá-

rio da Justiça, Brasília, p. 4.427, 21 maio. 1990).

“Execução Fiscal. Nomeação à penhora de Títulos da Dívida Agrá-ria. Rejeição. Constrição sobre bem de mais fácil conversão emdinheiro. Penhora. Títulos da Dívida Agrária. Não é ilegal a deci-são que não aceita a nomeação a penhora de Títulos da DívidaAgrária, ainda não vencidos” (BRASIL. Superior Tribunal de Jus-tiça. Agravo Regimental no 25.657-SP. Relator: Ministro Ruy Ro-sado de Aguiar).

O terceiro empecilho à utilização das apólices nas execuções fis-cais nutre-se do critério explicitado nas considerações anteriores, ou

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seja, não se prestam a garantir de forma fácil e segura as dívidas públi-cas. Com efeito, o emitente não as reconhece como dívidas suas,descortinando uma longa e penosa batalha judicial para firmar a con-clusão contrária. Por outro lado, não estão sujeitos à correção monetá-ria por força de lei e, simplesmente, não há forma e critérios segurose definidos para proceder a atualização, se fosse o caso.

Trecho da decisão do Desembargador Federal Fábio Prieto de Sou-za (TRF da 3a Região) que revoga a tutela antecipada deferida noprocesso no 97.62142-1/12a Vara (Agravo de Instrumentono 98.03.089522-2):

“16. A correção monetária foi concedida nos termos do ParecerEconômico sobre ‘Dívida Pública interna fundada federal, semcláusula de correção monetária: valor atual’, da Fundação GetúlioVargas (fl. 268).

17. Por primeiro, é duvidosa a participação da Fundação GetúlioVargas, como um todo, na elaboração do documento. Na verdade,o parecer está assinado por um professor da instituição. O queestá, por inteiro, no documento, é o nome impresso da Fundação,na parte superior das seis páginas componentes do que, não semgenerosidade intelectual e com amplíssima licença ética, deno-minou-se parecer (cf. fls. 205/210).

18. Na primeira página, o título do parecer, data e local da elabo-ração e o nome do professor. Na sexta e última, saiu o título doparecer, entrou a assinatura do professor.

19. Na segunda, os termos da consulta. Na terceira, a título de‘preliminares’, especificações sobre as mudanças do padrão mo-netário.

20. Na quinta, a tabela com a correção monetária encontrada en-tre os anos de 1902 e 1940.

21. Resta a fundamentação: a quarta página do parecer (fl. 208).Nesta, registra-se o seguinte:

‘A sucessão de corte de zeros acima descrita tornou ainda mais

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evidente a necessidade de uma criteriosa atualização monetária.De outro modo, por exemplo, valores significativos em termosde poder de compra, expressos no que se denominava então decontos de réis (1 conto de réis sendo igual a $1.000.000,00), noinício do século e até 1940, estariam virtualmente ‘transforma-dos em pó.’

Em segundo lugar, especificamente, para valores expressos apreços correntes anteriores a janeiro de 1944, quando a FundaçãoGetúlio Vargas passou a compilar e divulgar a sua série denominadaIGP-DI (Índice Geral de Preços no conceito de DisponibilidadeInterna), não existem séries de índices de preço por atacado.

Para períodos anteriores a 1944 estão disponíveis, somente, algu-mas séries de índices de preços ao consumidor, construídas demaneira bastante precária, e uma série derivada com base no con-ceito de deflator implícito do PIB (Produto Interno Bruto). Ade-mais, somente para o período de 1870-1913, tem-se uma sériede preços, compilada a partir de publicações em jornais da época,que pode ser tomada como representando preços por atacado.No apêndice, descrevem-se as características das séries apresen-tadas e, com base nelas, constrói-se o índice de preços de melhoradequabilidade a uma atualização monetária das apólices em ques-tão (os destaques não são originais).

22. Ao parecer, adicionou-se um ‘Apêndice’ (fls. 211/221). A lei-tura deste apêndice revela que, aos três parágrafos da fundamen-tação do parecer, acresceram-se escolhas arbitrárias, imotivadas edesprovidas de qualquer rigor acadêmico – nos aspectos intelec-tual e ético de supostos índices de inflação no período de 1902até os dias de hoje.

23. Quase um século de história econômica inserida em três pa-rágrafos e um apêndice. Este o fundamento para a imposição dacorreção monetária. Abuso judicial flagrante.

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23. (sic) Por esses fundamentos, concedo o efeito suspensivo para:

a. revogar a tutela antecipada. (...)

São Paulo, em 11 de janeiro de 1999. Fábio Prieto de Souza.Desembargador Federal.”

Por fim, o mercado, com sua lógica objetiva e fria, não lhes atribuimais do que 5% (cinco por cento) do valor alardeado pelos detento-res, o que abre espaço para sucessivos reforços de penhora.

“Especialista diz que Decreto-Lei é inconstitucional. Tais bô-nus tiveram uma valorização de 100% e a cotação gira hoje emtorno de US$ 12 mil.

A tentativa de resgate dos papéis esbarrou no Decreto-Leino 263, de 1967, que determinou prazo de resgate dos títulos esua conversão por outros títulos. A medida serviu para liquidarparte da dívida e, além disso, fez prescrever o lote restante, queacabou sem valor na mão dos detentores. Esse lote é estimadoem US$ 2,3 bilhões pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e emUS$ 4 bilhões pelos operadores desse mercado em formação.

Os administradores de fundos que compraram estes papéis, alémde bancos estrangeiros que estão comprando títulos para clien-tes que desejam participar do programa de privatização, contra-taram parecer de cinco especialistas. Miguel Reali Júnior, AristidesJunqueira, Saulo Ramos, José Cleber Leite de Castro e ArnoldoWald definiram que o decreto é inconstitucional e concordaramque os bônus representam dívida pública fundada e são passíveis,portanto, de resgate. A definição jurídica e a emenda do deputa-do Roberto Campos (PPB-SP) estimularam o mercado, que pas-sou a tentar fazer negócios com esses papéis.

Os bônus valorizaram-se em 100% depois que essas informaçõesforam divulgadas. O preço, que estava em 2% do valor de face,pulou para 5%. A cotação atual gira em torno de US$ 12 mil. Naavaliação de um operador, há 35 mil bônus em estoque, dos quais

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metade em posse de investidores internacionais. O mercado seforma, ainda, pelo interesse de empresas nacionais que descobri-ram que o bônus é aceito pela justiça para quitação de dívidasatrasadas com o setor público (N.H.)” (O Estado de São Paulo,São Paulo, 6 jun. 1997).

P ara a compensação com

créd i tos t r ibutár ios

A compensação de tributos devidos com créditos do particularem face do Fisco é permitida em nossa legislação, desde que satisfei-tos certos requisitos para tanto.

Inicialmente, é interessante lembrar que a matéria está previstano Código Tributário Nacional, no caput do Art. 170, que fixa os con-tornos gerais da compensação no campo tributário. Eis as normas emquestão:

“Art. 156 – Extinguem o crédito tributário: (...)

II – a compensação; (...)”

“Art. 170 – A lei pode, nas condições e sob as garantias queestipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade ad-ministrativa, autorizar a compensação de créditos tributários comcréditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivocontra a Fazenda Pública.

Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, alei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu mon-tante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspon-dente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrerentre a data da compensação e a do vencimento.”

Desde logo se verifica que o CTN é expresso ao afirmar que a leipoderá permitir a compensação, desde que seja ela feita com a utili-zação de créditos líquidos e certos. Não basta, assim, que existamhipotéticos pagamentos de um tributo posteriormente julgado

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indevido: é preciso que exista a certeza do pagamento, bem como ovalor atualizado do seu montante.

Por via de conseqüência, qualquer decisão judicial que autorize acompensação de créditos ilíquidos ou incertos estará violando o Art.170 do CTN.

Na medida em que os Títulos da Dívida Pública representamcréditos contra o emitente, exigíveis ou não, dependendo do venci-mento, surge, em tese, a possibilidade destes créditos serem com-pensados com as exações tributárias reclamadas ao contribuinte peloErár io.

“O CTN não contemplou os Títulos da Dívida Pública comoforma de liberação da obrigação tributária. Se fossem válidosconsubstanciariam compensação, regulamentada no Art. 170”(TORRES, Ricardo Lobo. Comentários ao código tributário nacional.São Paulo: Saraiva, 1998. v. 2).

O tema da compensação de créditos tributários tem sido tratadode forma singular, ao revés da compensação no âmbito do direito pri-vado. O Código Civil, já em 1916, consagrava em seus Arts. 1.009 e1.017, respectivamente:

“Art. 1.009 – Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor edevedor uma das outras, as obrigações extinguem-se, até onde secompensarem.”

“Art. 1.017 – As dívidas fiscais da União, dos Estados e dos Mu-nicípios também não podem ser objeto de compensação, excetonos casos de encontro entre a administração e o devedor autori-zados nas leis e regulamentos da Fazenda.”

J. M. de Carvalho Santos, sintonizado com as normas presentesno Estatuto Civil, assim discorreu sobre a compensação de créditostributários:

“Visa-se impedir, em suma que fiquem paralisadas as fontes derenda com que conta a administração pública, para satisfazer assuas necessidades, que são também as da comunidade.

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As contribuições fiscais são para o Estado o que os alimentos sãopara o homem. Elementos essenciais para a própria manutenção,escapam necessariamente a qualquer compensação, porque aci-ma dos interesses privados estão colocados os interesses supe-riores da ordem pública, traduzidos no interesse da própria con-servação do Estado” (Código civil brasileiro interpretado. 13. ed.Rio de Janeiro: Freitas Bastos, [s.d.]. v. 13)

Na linha da inaplicabilidade da compensação no setor públicofigura ainda o comando presente no Art. 54 da Lei no 4.320, de 17 demarço de 1964, norma com status de lei complementar. O dispositivoestatui:

“Art. 54 – Não será admitida a compensação da obrigação de re-colher rendas ou receitas com direito creditório contra a FazendaPúbl ica .”

O Código Tributário Nacional, por sua vez, ao contemplar emdois dispositivos a compensação, revogou parcialmente o Art. 54 daLei no 4.320/64, mas reafirmou seu caráter especial e restrito. Pri-meiro, no Art. 156, inciso II consagra o instituto como uma das for-mas de extinção do crédito tributária.

“A revogação foi tácita, porquanto o Art. 170 da lei posterior (Leino 5.172/66) é incompatível com o Art. 54 da lei anterior (Leino 4.320/64), hipótese de revogação prevista no Art. 2o, §1o daLei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei no 4.657, de 4de setembro de 1942); foi parcial, porquanto, se restringiu à com-pensação de créditos tributários, não se aplicando, ipso facto, àsreceitas públicas de outra natureza que, malgrado a repulsa dadoutrina e o tradicionalismo histórico, continuam sob a égide doArt. 54 da Lei no 4.320/64” (João Luiz de Moraes Barreto, citadopor J. Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis em A Lei 4.320

Comentada. 24. ed. p. 98).

Não é ocioso evidenciar um dos traços fundamentais da compen-sação civil, distanciando-a muitas léguas no terreno jurídico, da

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compensação tributária. A nossa compensação legal, tal como escul-pida no Código Civil, independe de convenção das partes e operaseus efeitos mesmo que uma delas se oponha. Em outras palavras, elase processa automaticamente, independente da vontade, no momen-to em que se constituem créditos recíprocos entre duas pessoas. Ora,uma simples leitura do Código Tributário Nacional demonstra nãoter a compensação tributária a marca do automatismo presente noinstituto civilístico:

“A compensação, entre nós, se processa automaticamente, ocor-rendo no momento em que se constituírem créditos recíprocosentre duas pessoas, já que o Código Civil pátrio preferiu a com-pensação legal” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil

brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, [s.d.]. v. 2).

Afinal, aquela somente ocorrerá se existir lei autorizativa estabe-lecendo as condições e garantias para a operação prosperar. Obvia-mente, não pode ser oposta contra esta última característica da com-pensação tributária a impossibilidade do instituto sofrer alteraçõesquando deixa a seara civil e adentra a tributária. Calcados na autono-mia do ramo tributário do direito, inclusive nos Arts. 109 e 110 doCódigo Tributário Nacional, temos traços e efeitos específicos para acompensação tributária, assim como para a prescrição, decadência,capacidade, confissão de dívida, entre outros.

“Art. 109 – Os princípios gerais de direito privado utilizam-separa pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seusinstitutos, conceitos e formas, mas não para definição dos res-pectivos efeitos tributários.

Art. 110 – A lei tributária não pode alterar a definição, o conteú-do e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito priva-do, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Fe-deral, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicasdo Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitarcompetências tributárias.”

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Recentemente, por intermédio de lei, veículo apropriado, a com-pensação tributária ganhou considerável extensão. Com efeito, o Art.66 da Lei no 8.383, de 30 de dezembro de 1991, inaugurou a possibi-lidade de compensação de pagamentos indevidos ou a maior de tribu-tos com outras destas exações da mesma espécie.

“Art. 66 – Nos casos de pagamento indevido, ou a maior de tribu-tos e contribuições federais, inclusive previdenciárias, mesmoquando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão dedecisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensa-ção desse valor no recolhimento de importância correspondentea períodos subseqüentes.

§1o – A compensação só poderá ser efetuada entre tributos econtribuições da mesma espécie.”

Houve considerável evolução nesta legislação mais recente sobrea compensação tributária, mas restou fixado na Lei no 9.250, de 26 dedezembro de 1995, em seu Art. 39:

“A compensação de que trata o Art. 66 da Lei no 8.383, de 30 dedezembro de 1991, com a redação dada pelo Art. 58 da Leino 9.069, de 29 de junho de 1995, somente poderá ser efetuadacom o recolhimento de importância correspondente a imposto,taxa, contribuição federal ou receitas patrimoniais de mesma es-pécie e destinação constitucional, apurado em períodos subse-qüentes .”

Trataram ainda de compensação tributária os Arts. 73 e 74 da Leino 9.430, de 27 de dezembro de 1996.

“Art. 73 – Para efeito do disposto no Art. 7o do Decreto-Leino 2.287, de 23 de julho de 1986, a utilização dos créditos e aquitação de seus débitos serão efetuadas em procedimentos in-ternos à Secretaria da Receita Federal, observado o seguinte:

I – o valor bruto da restituição ou do ressarcimento será debitadoà conta do tributo ou da contribuição a que se referir;

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II – a parcela utilizada para a quitação de débitos do contribuinteou responsável será creditada à conta do respectivo tributo ou darespectiva contribuição.

Art. 74 – Observado o disposto no artigo anterior, a Secretaria daReceita Federal, atendendo a requerimento do contribuinte, po-derá autorizar a utilização de créditos a serem a ele restituídos ouressarcidos para a quitação de quaisquer tributos e contribuiçõessob sua administração.”

Por força destas normas, sempre que o contribuinte tiver direitoa restituição ou ressarcimento de tributos administrados pela Se-cretaria da Receita Federal, deverá o órgão efetivar a pertinentecompensação. Estes comandos convivem em harmonia com a sis-temática preconizada pela Lei no 8.383/91. Debruçadas sobre oconjunto normativo destacado e seus aspectos jurídicos mais re-levantes, a jurisprudência e a doutrina firmaram majoritariamen-te as seguintes premissas:

(a) o Código Tributário Nacional em seu Art. 170, norma comstatus de lei complementar, possibilita a lei ordinária autori-zar a compensação de créditos tributários líquidos e certos,vencidos ou vincendos, do contribuinte contra o Fisco.

O direito subjetivo a este tipo de extinção do crédito tributáriosomente surge no momento, na forma e nos casos estabelecidosem lei ordinária:

“Se a lei apenas autoriza a compensação, esta não será um direitodo contribuinte, oponível à Fazenda Pública. Entretanto, se a leiestabelece que será admitida a compensação em determinadascondições, que de logo estabelece, o contribuinte que preenchertais condições terá direito subjetivo à compensação.”

(b) a Lei no 8.383/91, e as que lhe seguiram, criaram a efetivapossibilidade de compensação de créditos tributários a partirdo recolhimento indevido de outros tributos da mesmaespécie;

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(c) sem lei ordinária autorizativa não é possível a compensaçãotributária, posto que a obrigação tributária sendo ex lege estásubmetida ao regime jurídico de direito público, claramentedistinto dos ditames presentes na compensação privada.

Vê-se, com clareza, a efetiva impossibilidade de serem utilizadosos créditos retratados nas Apólices da Dívida Pública emitidos noinício do século com o fito de realizar qualquer espécie de compensa-ção tributária. Falta, para tanto, a absolutamente necessária leiautorizativa. Ademais, como amplamente demonstrado, não podemser reconhecidas as inafastáveis características de liquidez e certezaaos créditos, em tese, veiculados por tais papéis. Neste sentido, nosreportamos às considerações realizadas quando tratamos da garantiado juízo em execuções fiscais.

Procurando contornar a impossibilidade aqui anunciada são le-vantados alguns argumentos favoráveis à compensação. Um deles con-sidera a existência de princípios constitucionais impositores da com-pensação tributária, conferindo ao contribuinte um verdadeiro direi-to individual derivado diretamente da Constituição. Tal raciocínionão pode prosperar impunemente. A partir dele, consagramos adesnecessidade do legislador, instauramos o império da insegurançajurídica e damos foros de disposição do interesse público as decisõesparticulares, estritamente individuais.

Ademais, o argumento esquece a exigência, reclamada pela pró-pria Constituição, do sistema tributário ser disciplinado por uma leicomplementar de normas gerais, onde os contornos básicos do insti-tuto da compensação serão traçados. Outro, escudado no princípio daisonomia, alega que em diversos casos já é permitida a compensaçãotributária. Assim, seria tratamento desigual e odioso não admiti-lapara os detentores dos títulos da dívida emitidos no início do século.

Não pode haver distorção maior ao princípio da igualdade. Poreste tortuoso raciocínio procura-se dar tratamento igual aos desiguais,rumo completamente diverso da essência da garantia constitucional.Afinal, não podem ser aproximados, equiparados ou igualados quem

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recolhe tributo indevidamente e quem possui papéis absolutamentedesprovidos de qualquer substância, na visão do próprio mercado.Incorre em erro jurídico profundo aquele que invoca os princípios deforma abstrata sem se ater para as características e particularidadesdo caso concreto, para certas refringências e derrogações nos princí-pios genéricos provocadas pela natureza particular do tema examina-do e pela influência de outros princípios de igual ou maior latitude.

Deve, ainda, ser destacado o pífio raciocínio já desmontado noParecer PGFN/GAB/no 859, de 5 de junho de 1998. Publicado noDiário Oficial da União de 6 de julho de 1998 (Seção I, p. 13), comaprovação do Exmo. Sr. Ministro de Estado da Fazenda (despachodatado de 30 de junho de 1998):

“95. Especificamente quanto à pretendida compensação fiscal,dois aspectos merecem breve consideração. O primeiro pertinenteao argumento lançado no item 57 da petição de Wald e Associa-dos. Lá se insinua que o direito dos autores estaria amparado pordecisão do STJ que, por sua Primeira Seção, teria entendido que‘o juiz pode, independentemente do tipo de ação, declarar que ocrédito é compensável, decidindo desde logo os critérios da com-pensação (gr., data do início da correção monetária).’ 96. O arestoem tela não tem a mais mínima pertinência com o caso em dispu-ta, não guardando sequer ponto de tangência. Cuida, isso sim,de tributos sujeitos ao regime de lançamento por homologaçãoem que o contribuinte, ao invés de antecipar o pagamento, regis-tra na escrita fiscal o crédito oponível à Fazenda, por pagamentode tributo de igual natureza, i.e., trata-se de técnica de recolhi-mento de tributos indiretos, sem qualquer relação com o casoconcreto.”

O ilustre parecerista, parece-nos estar coberto de razão e foi aoâmago do problema. O precedente do Superior Tribunal de Justiçadecretou o fim de uma árdua disputa entre a Fazenda Nacional e oscontribuintes acerca da interpretação e aplicação da Lei no 8.383/91,com as alterações posteriores. O crédito compensável, a ser declarado

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pelo juiz, como faz referência o decisum, é só, e somente só, aqueleconsagrado nas leis referidas: o decorrente de tributo pagoindevidamente, jamais os decorrentes das apólices aqui tratadas. Parafecho do assunto, não é demais repetir as palavras do Mestre AliomarBaleeiro:

“Processo irregular e condenável de amortização, praticado porgovernos sem crédito, consiste na faculdade que o Tesouro acenaaos subscritores de pagarem impostos com títulos públicos, pelovalor ao par. Uma perda seca para o Fisco, quando os títulos seacham abaixo do par, é a conseqüência desses expedientes, querepugnam aos Estados de sadia administração financeira.”

Conclui-se que não há a menor possibilidade jurídica de sucessoem qualquer das utilizações alinhadas para as Apólices da Dívida Pú-blica emitidas no início do século. É inexorável, estaremos diante daausência de norma competente autorizativa, distorção de institutosjurídicos sedimentados ou mesmo de contrariedade à pacífica juris-prudência pretoriana. É certo que existe grande divulgação da utili-zação destes títulos, porém, é feito por pessoas que aparentam pos-suir interesse na comercialização dos mesmos. O empresário queainda assim pretender adquirir tais títulos deve estar cônscio dos ris-cos que corre e da utilização que poderá dar. Ainda que aimprescritibilidade venha a ser confirmada, somente servirá para res-gate dos títulos, mas não para os fins tão divulgados.

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ESUMO

Ao resumirmos a situação das apólices devemos antes de tudoressaltar que nosso sistema tributário impõe que somente lei fixará as

hipóteses de suspensão da exigibilidade e extinção dos créditos tributários, etambém que o administrador público não pode fazer qualquer coisasem expressa autorização para tal. Dessa forma, sem autorização le-gal, e pelo princípio da indisponibilidade do interesse público peloadministrador, é certo que não basta a simples vontade de quem querque seja para dispor do patrimônio público representado por seus cré-ditos a receber.

Pagamento de Créd i tos

T r i b u t á r i o s

Os Títulos da Dívida Pública somente podem ser utilizados parapagamento de créditos tributários na medida em que a lei lhes atribua opoder liberatório próprio do dinheiro, da moeda de curso forçado, o quenão é o caso, do contrário estaria ocorrendo uma forma de compensa-ção. E o CTN não contemplou os títulos da dívida pública como forma de

liberação da obrigação tributária.

Dação em Pagamento de Créd i tos

T r i b u t á r i o s

A dação em pagamento necessita de consentimento do credor.Se não houver anuência do INSS, ela não se efetivará. O INSS aceitae especifica alguns títulos que servirão para quitar dívidas (ex.: Títu-los da Dívida Agrária), dentre os quais não foram discriminadas asApólices da Dívida Pública.

R

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ons ignação em Pagamento deCréd i tos Tr ibutár ios

O pagamento por consignação é meio indireto de extinção dasobrigações, mediante depósito judicial da coisa devida, nos casos eformas legais. E somente nos casos expressamente previstos em leiterá lugar a consignação. Portanto, se não existir razão legal, não podeo devedor depositar a prestação devida em vez de pagar diretamenteao credor.

No campo tributário, somente é permitido nas seguintes situa-ções, como vemos no CTN:

“Art. 164 (...)

I – de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamentode outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obriga-ção acessória;

II – de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigên-cias administrativas sem fundamento legal;

III – de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito públi-co, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador.”(grifos nossos)

Além disso, a consignação em pagamento de crédito tributário teráde ser realizada necessariamente em dinheiro (Art. 156, inciso VIII com-binado com o Art. 164, §2o do CTN).

Suspensão da Ex ig ib i l i dade de

Créd i tos Tr ibutár ios

Diz a Súmula no 112 do Superior Tribunal de Justiça:

“O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tribu-tário se for integral e em dinheiro.” (grifos nossos)

Tal súmula dispensa a reprodução dos dispositivos do CTN nes-te mesmo sentido, em seu Art. 151.

C

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Garant ia do Ju ízo em Execução F isca l

O dispositivo que trata da matéria, Art. 11 da Lei de ExecuçãoFiscal determina que a penhora ou arresto de bens obedecerá à se-guinte ordem:

“Art. 11 (...)

I – dinheiro;

II – títulos da dívida pública (...) que tenham cotação em Bolsa;

......................................................................................................................................”

Diz o Art. 15 da mesma norma que “a Fazenda Pública poderequerer em qualquer fase do processo a substituição dos bens pe-nhorados por outros, independente da ordem numerada no Art. 11,bem como o reforço de penhora insuficiente”.

Ocorre que o mercado não atribui aos Títulos da Dívida Públicamais do que 5% (cinco por cento) do valor, o que abre espaço parasucessivos reforços de penhora.

Compensação com Créd i tos

T r i b u t á r i o s

O CTN é expresso ao afirmar que a lei poderá permitir a com-pensação, desde que seja ela feita com a utilização de créditos líquidos e certos.Não basta, assim, que existam hipotéticos pagamentos de um tribu-to posteriormente julgado indevido: é preciso que exista a certeza dopagamento, bem como o valor atualizado do seu montante.

Recentemente, por intermédio das Leis nos 8.383/91 e 9.250,de 26 de dezembro de 1995, a compensação tributária ganhou consi-derável extensão que, respectivamente, apresentou a seguinte tábula:

“Art. 66 – Nos casos de pagamento indevido, ou a maior de tributose contribuições federais, inclusive previdenciárias, mesmo quandoresultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão

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condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação dessevalor no recolhimento de importância correspondente a períodossubseqüentes.

§1o – A compensação só poderá ser efetuada entre tributos econtribuições da mesma espécie.”

“Art. 39 – A compensação de que trata o Art. 66 da Lei no 8.383, de30 de dezembro de 1991, com a redação dada pelo Art. 58 da Leino 9.069, de 29 de junho de 1995, somente poderá ser efetuada com orecolhimento de importância correspondente a imposto, taxa, contri-buição federal ou receitas patrimoniais de mesma espécie e destinação

constitucional, apurado em períodos subseqüentes.”(grifos nossos)

Resume-se que as referidas apólices não possuem utilidade parapagamento de créditos tributários da União; dação em pagamento decréditos tributários do Instituto Nacional do Seguro Social, dos Es-tados, do Distrito Federal e dos Municípios; para consignação empagamento de créditos tributários federais; na suspensão da exigi-bilidade de créditos tributários; não é útil para ser dado em garantiado juízo em execução fiscal e, tampouco, para compensação com cré-ditos tributários federais.