Apontamentos Leitura Natureza - Wendel Henrique

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1 Marcela Arantes Matozo e Michele Aparecida Hobal Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 101-112, 2008. PERCURSO: SOCIEDADE, NATUREZA E CULTURA ENTIDADE MANTENEDORA: ADMINISTRADORA EDUCACIONAL NOVO ATENEU ISSN 1678-569X Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura Curitiba p. 1-128 a. 7 n. 8 2008

Transcript of Apontamentos Leitura Natureza - Wendel Henrique

  • 1Marcela Arantes Matozo e Michele Aparecida Hobal

    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 101-112, 2008.

    PERCURSO:SOCIEDADE, NATUREZA E

    CULTURA

    ENTIDADE MANTENEDORA:ADMINISTRADORA EDUCACIONAL NOVO ATENEU

    ISSN 1678-569XPercurso: Sociedade, Natureza e Cultura Curitiba p. 1-128a. 7 n. 8 2008

  • 2Percurso: sociedade, natureza e cultura / UNICURITIBA Centro Universitrio Curitiba. A. 1, n.1, (2002). Curitiba:UNICURITIBA, 2002 - .

    24 cm

    Semestral.A partir do n. 7 de 2008, houve alterao do ttulo do peridico.ISSN 1678-569X.

    1. Turismo Peridicos. I. UNICURITIBA

    CDD (21.ed.) 338.4791

    EXPEDIENTE

    Publicao oficial do UNICURITIBA

    Endereo: Rua Chile, 1.678 CEP 80220-181 Curitiba, PR BrasilTelefone: (41) 3213-8700Site: www.unicuritiba.edu.brE-mail: [email protected]

    UNICURITIBA

    Reitor: Danilo ViannaPr-Reitor Acadmico: Alessandro Marco RosiniPr-Reitor Administrativo: Renato Silva

    Comisso Editorial: Cristina Luiza C. Surek, Carlos Luiz Strapazzon, MarlusVinicius Forigo, Gisela Maria Bester Benitez, Nilson Cesar Fraga, Olga MariaCoutinho Ppece, Benedito Costa Neto Filho.

    Reviso: Antonio Carlos Amaral LincolnDiagramao: Tatiane Andrade

    Impresso: Administradora Educacional Novo Ateneu (AENA)Tiragem: 300 exemplaresData: 2008

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Biblioteca do UNICURITIBA

  • 3CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL

    Allan Scoth Mills Virgnia Commonwealth University - VCU Richmond -Virgnia EUAAlicia Ledesma Universidad Nacional de Rosrio - Rosrio ArgentinaCristina Maria de Jesus Barroco Instituto Politcnico de Viseu ESTV -Viseu PortugalEduardo Salinas Chaves Universidad de La Habana - Habana CubaEmilce Cammarata Universidad Nacional de Misiones - Posadas ArgentinaHugo I. Romero Universidad de Chile - Santiago ChileNoemi Wallingre Universidad Nacional de Quilmes - Buenos Aires ArgentinaSaul Contreras Palmas Universidad de Santiago do Chile - Santiago ChileXos Santos Solla - Universidad de Santiago de Compostela Santiago -Espanha

    CONSELHO EDITORIAL NACIONAL

    Adnilson de Almeida Silva SEE ROAnderson Pereira Portuguez UES ESAntnio Castelnou UFPR PRCelso Rogrio Klammer UP PRDjanires Lageano de Jesus UEMS MSErivan Cassiano Karvat UTP PRFrancisco de Assis Mendona UFPR PRGiovanni de Farias Seabra UFPB PBHlio Silveira - UEM PRJanaina Zito Losada UFPR PRJoo Pedro Pezzato UNESP SPJlio Cesar Suzuki USP SPLucia Izabel Czerwonka Sermann UNIFAE PRLucileyde Feitosa Sousa UNIRON ROLuiz Gonzaga Godoi Trigo UNICAMP SPLuzia Neide M. T. Coriolano UEC CEMarcos Aurlio T. da Silveira UFPR PRMaria Cleide Baldo UTFPR PRMaria da Salete Sachweh UNC SCMaria Elisa Zanella UFC CE

  • 4Mariane Alves Dal Santo UDESC SCMarilia Gomes dos Reis Ansarah EAESP SPMary Sandra Guerra Ashton FEEVALE RSMauro Jos Ferreira Cury UNIOESTE PRMiguel Bahl UFPR PRMilton Mariani UFMS MSOsmar Ponchirolli FAE PRRosane Beyer FAP PRRosselvelt Jos Santos UFU MGWendel Henrique UFBA BA

    EditorProf. Dr. Nilson Cesar Fraga

    Coordenao EditorialProf. Marlus Vinicius Forigo

  • 5APRESENTAO

    Apresentamos o segundo volume da stima edio da revistaPerCurso: sociedade, natureza e cultura, contendo artigos cientficosdas reas das cincias humanas e mantendo o processo de melhora-mento em busca da qualidade do material cientfico publicado no CentroUniversitrio Curitiba (UNICURITIBA).

    A revista PerCurso nmero 8, vem caracterizada por um conte-do multidisciplinar, atendendo s especificidades dessa rea do conheci-mento, com os seguintes trabalhos cientficos: Apontamentos para umaleitura epistemolgica e geogrfica de ideias de natureza, de WendelHenrique; As sadas temporrias na execuo penal e o conflito de sen-saes, de Carmem Lcia Alves da Silva Lopes e Sabrina Rosa Paz; Ageografia do municpio no atlas de Maring, PR: uma contribuio para oestudo do global e do local, de Ericson Hideki Hayakawa, Joo PedroPezzato, Anglica Batista Nogueira e Elsa Yussuco Passini; Avaliaoquantitativa e qualitativa do folder turstico: em busca de perspectivas, deClotilde Zai, Maria Alcione Boiko, Mrio Rogrio Silva, Jocelino Taborda eMauro Parollin; Geoprocessamento e gesto de guas: delimitao debacias hidrogrficas. uma anlise da regio hidrogrfica do leste no esta-do da Bahia, de Ana Isabel Leite Oliveira e Nilson Cesar Fraga; O euribeirinho, de Marcela Arantes Ribeiro e Josu da Costa Silva; A naturezageogrfica em Immanuel Kant, de Marcus Antnio Matozo e MicheleAparecida Hobal.

    O presente volume marcado pela ampliao da diversidademultidisciplinar desta revista, contando com trabalhos de Salvador (BA),Pelotas (RS), Maring (PR), Rio Claro (SP), Curitiba (PR) Feira de Santana(BA), Campo Mouro (PR) e Porto Velho (RO).

    Entregamos esta PerCurso comunidade cientfica e reafirma-mos o convite para que colaboradores enviem seus trabalhos para asedies futuras.

    Nilson Cesar FragaEDITOR

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  • 7SUMRIO

    APONTAMENTOS PARA UMA LEITURA EPISTEMOLGICAE GEOGRFICA DE IDEIAS DE NATUREZAWendel Henrique ........................................................................................ 9

    AS SADAS TEMPORRIAS NA EXECUO PENALE O CONFLITO DE SENSAESCarmem Lcia Alves da Silva Lopes e Sabrina Rosa Paz ................... 31

    A GEOGRAFIA DO MUNICPIO NO ATLAS DE MARING, PR:CONTRIBUIO PARA O ESTUDO DO GLOBAL E DO LOCALEricson Hideki Hayakawa, Joo Pedro Pezzato,Anglica Batista Nogueira e Elza Yassuko Passini ............................... 53

    AVALIAO QUANTITATIVA E QUALITATIVA DO FOLDER TURSTICO: EM BUSCA DE PERSPECTIVASClotilde Zai, Jocelino Taborda, Maria Alcione Boiko,Mrcio Rogrio Silva e Mauro Parollin ................................................... 67

    GEOPROCESSAMENTO E GESTO DE GUAS:DELIMITAO DE BACIAS HIDROGRFICAS UMA ANLISE DA REGIO DO LESTE DA BAHIAAna Isabel Leite Oliveira e Nilson Cesar Fraga ...................................... 81

    O EU RIBEIRINHOMarcela Arantes Ribeiro e Josu da Costa Silva .................................. 101

    A NATUREZA GEOGRFICA EM IMMANUEL KANTMarcus Antonio Matozo e Michele Aparecida Hobal ............................ 113

    NORMAS EDITORIAIS ............................................................................. 123

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 9-29, 2008.

    APONTAMENTOS PARA UMALEITURA EPISTEMOLGICA

    E GEOGRFICA DEIDEIAS DE NATUREZA

    APPOINTMENTS FOREPISTEMOLOGICAL

    AND GEOGRAPHICAL APPROACHOF THE IDEA OF NATURE

    WENDEL HENRIQUE___________________________________________________________

    Professor adjunto do Mestrado eDepartamento de Geografia da UFBA

    [email protected]

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 9-29, 2008.

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 9-29, 2008.

    RESUMO

    No sculo XIX, Engels (1991) j alertava que a cincia da Natureza e aprpria Filosofia tm negligenciado at hoje a influncia da atividade dohomem sobre seu pensamento. Pode-se acrescentar a Geografia.Pensando essa afirmao, pretende-se, a partir de uma visoepistemolgica da ideia de Natureza, refletir sobre uma filosofia do espao,resgatando a Natureza na viso geogrfica do mundo, por meio de umaabordagem epistemolgica e dialtica. Retoma-se assim, a velha questodas relaes do homem com a Terra, uma interface da Natureza com asociedade, mediada pelas tcnicas e pela cultura, pois como escreveElise Reclus (1874), a Terra o territrio do homem produtor deNaturezas.

    Palavras-chave: Natureza, Epistemologia, Geografia.

    ABSTRACT

    In XIX century, Engels (1991) wrote that Natural Sciences and thePhilosophy hadnt considered the human thought in their scientific structure.The Geography can be included in this analyse. Thinking Engelssaffirmation, related with a dialectic and epistemological approach, wepropose a geographical reading of the Idea of Nature. This kind of study, anepistemological views started inside of the Geography its a necessarytask, because the own discipline can discuss and debate on its foundations.The relationship between humans societies and the earths surface wasconsidered. Elise Reclus (1874) wrote that the Earth is a mans territory,where he can make the nature.

    Keywords: Nature, Epistemology, Geography.

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 9-29, 2008.

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 9-29, 2008.

    1 INTRODUO precisamente a modificao da Natureza pelohomem e no a Natureza enquanto tal, tomadaisoladamente que o fundamento prximo doessencial do pensamento humano; foi namedida que o homem aprendeu a modificar aNatureza que seu pensamento cresceu.

    (ENGELS, Friedrich, 1991:159)

    Primeiramente, deve-se fazer uma considerao sobre a elabora-o deste texto. Se, num primeiro momento, pensamos na elaborao deuma abordagem epistemolgica da ideia de Natureza dentro da Geogra-fia, durante o processo de estudo a sobreposio e as inter-relaes fo-ram tornando-se to intensas que ficamos impossibilitados de estabele-cer limites ente o comeo da Epistemologia e o trmino da Geografia.Dessa forma, as duas abordagens epistemolgica e geogrfica quese colocam em pauta esto intimamente imbricadas e sua ligao estexplicitada na reflexo sobre a Natureza. Entretanto, para fins de apresen-tao deste artigo, nos debruamos numa tentativa de separar os resulta-dos das duas abordagens para facilitar o seu entendimento.

    Nossa leitura sobre a ideia de Natureza est em consonncia comuma viso de mundo, o qual se encontra, de acordo com Milton Santos(1999), num perodo tcnico-cientfico-informacional. No perodo atual domundo, os significados da Natureza, percebidos pelos sentidos, segundoGilles Deleuze (1998), adquirem uma lgica prpria de uma sociedade deconsumo, ou seja, de uma sociedade de adorao aos objetos, em quetodos esto imbudos de valor simblico. Assim, a Natureza (smbolo eobjeto) tem sido cada vez mais consumida.

    A Natureza, entendida enquanto objeto ou entidade, possui mani-festaes concretas e abstratas, pois no se pode negar seu lado mgi-co e mtico, passvel de ser periodizada, uma vez que tem uma varia-o no tempo e no espao. Na atualidade, ela no mais a mesma dadcada passada, no mais a mesma do sculo passado, no mais amesma do pr-cambriano. Ela se d enquanto processo, como nos expli-ca Alfred North Whitehead (1955). As representaes e o significado daNatureza para o homem de Cro-Magnon eram completamente diferentesdas do mundo contemporneo.

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 9-29, 2008.

    Se cada poca e cada lugar tero sua Natureza objeto e entidade o mesmo se d com a Natureza conceito e ideia. No sculo XIX, per-odo de sistematizao da Geografia como cincia, nos EUA e na Alema-nha, respectivamente, a Natureza tinha seu significado. Nos EUA. ela eraobstculo a ser vencido na marcha para oeste a clssica conquista daNatureza selvagem, includos a os indgenas. Na Alemanha, havia umapreocupao com o espao vital e a obteno de recursos naturais paraimpulsionar a industrializao, isto , a Natureza era um uma questo deGeografia Poltica e Geoestratgia.

    2 UMA QUESTO DE MTODO[...] a lei da Natureza, da vida e do pensamento a espiral e no o crculo, se que desejamosusar uma figura geomtrica.

    (LEFEBVRE, Henri, 1995:232)

    Quando se define um estudo terico1, em consonncia com omovimento do mundo, de acordo com Milton Santos (1999), ou com ascondies e contradies do artifcio humano, seguindo Hannah Arendt(2000), tem-se a necessidade de uma metodologia que explique e d su-porte a uma anlise do processo.

    Alerta Pedro Demo (1981:153) que, se o trabalho pressupe umarealidade processual, a metodologia instrumental terico, tcnico eemprico por conformidade, tambm deveria ser:

    Se a realidade se muta continuamente, sua metodologia tambmdeveria conservar-se aberta a reformulaes, e, mais do que isto,a superaes: suas teorias so provisrias, como provisria asociedade.

    Acrescenta-se a ideia de Gerd Bornheim (1998), com base emuma leitura de Karl Marx: existem dois nveis complementares de histria

    1 Para Louis Graal Althusser (1967:15): Dizer que um problema terico implicaafirmar que no se trata de uma simples dificuldade imaginria, mas de umadificuldade realmente existente colocada sob a forma de problema, isto , sobuma forma submetida a questes imperativas; definio do campo de conhecimento(tericos) no qual se coloca o problema.

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 9-29, 2008.

    2 Na considerao de Henri Lefebvre (1995:12): As noes filosficas de trajeto,percurso e de itinerrio ganham assim um sentido que no mais filosfico. Todopensamento tem uma histria, tem sua histria, resumindo e envolvendo ummovimento. No mais, contudo, a histria das Filosofias, nem a Filosofia da histria.

    3 Pedro Demo (1981:157) afirma: A anttese s pode se entendida como fase nosentido da coexistncia, no da subsequncia. Ou seja, toda anttese realizada uma tese.

    a dos homens e a da Natureza que no podem ser descolados dacategoria tempo, sendo ambos alicerados sobre idia de processo.

    Nessas condies, enquadra-se a abordagem dialtica metodologia e mtodo. Tal realidade, entendida como situao, no pas-svel de congelamento, j que ela est sempre se construindo, se reali-zando.

    De acordo com Friedrich Engels (1991:34), so trs as principaisleis da dialtica:

    a) lei da transformao da quantidade em qualidade e vice-versa;b) lei da interpenetrao dos contrrios;c) lei da negao da negao.

    Se existem trs leis a serem observadas, o mtodo dialtico tam-bm pautado na existncia de trs etapas de encaminhamento2; segun-do Pedro Demo (1981): a tese, a anttese3 (negao) e a sntese (negaoda negao).

    A tese, a ideia inicial, desenvolvida a partir de uma problemtica,uma realidade social, deve estar conectada situao do mundo, deveestar imbuda de uma busca pela totalidade, incluindo contedos e objetoscontraditrios, uma fora negadora. Segundo Henri Lefebvre (1995:238):O mtodo dialtico busca captar a ligao, a unidade, o movimento queengendra os contraditrios, que os opem, que faz com que se choquem,que quebra ou os supera.

    A sntese deve ser uma superao, tomando-se o contedo emer-gido, por meio do confronto, descobrindo-se o cerne das contradies, detal forma que at mesmo a tese possa ser superada, e desdobrando-seuma nova tese. Uma sntese deve ser um saber que recapta o contedoque foi inicialmente reduzido. Para Henri Lefebvre (1995:232): A supera-o, por conseguinte, revela-se como um movimento simultaneamentelgico e concreto [...], de capital importncia.

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 9-29, 2008.

    4 De acordo com Henri Lefebvre (1995:233): O conceito, por sua dialtica interna,enriquecendo-se (tanto em extenso quanto em compreenso, tanto no sentindo dosingular quanto no do universal), tende para a ideia da coisa.

    5 Pedro Demo (1981:152) destaca: [...] querer provar dialeticamente que a Natureza dialtica, usar na definio o definido. O dialtico usa, portanto, uma abordagemdialtica, de instrumental dialtico, porque imagina que a realidade, da qual seaproxima dialtica.

    6 Para Milton Santos (1999:25): As tcnicas so um conjunto de meios instrumentais e

    sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, criaespao. Essa forma de ver a tcnica no , todavia, completamente explorada.

    Quando se pretende chegar a uma ideia de Natureza4, relacionada Geografia, e esta entendida como um conjunto de objetos (forma/apa-rncia) e aes (contedo/essncia/representaes), o mtodo empre-gado poder ser o dialtico5. Lembra-nos Henri Lefebvre (1995) que essemtodo que permite penetrar sob as aparncias que so a marca domundo atual e explicar e refletir sobre seu contedo mais profundo, suaessncia. Esse problema da fixao pela aparncia, est ligado, segundoKarel Kosik (1976:11), a um [...] mundo de objetos fixados, que do aimpresso de serem condies naturais e no so imediatamente reco-nhecveis como resultado da atividade social dos homens.

    Para alcanar-se o objetivo proposto, ser realizada, como proce-dimento analtico, uma periodizao histrica da ideia de Natureza, relaci-onada, posteriormente, aos mtodos da Geografia. Tal periodizao serpautada no fenmeno tcnico, como prope Milton Santos (1999), umavez que a mediao do homem com a Natureza, ou meio, pode ser repre-sentada pela tcnica6. A histria das tcnicas pode permitir que se pensea histria da relao do homem com a Natureza. A contraposio desseprocesso pode ser dada por uma abordagem cultural.

    Enquanto tese, teremos uma abordagem racionalista e tendo naanttese uma postura cultural o que Milton Santos (1999) define comuma tecnosfera e uma psicosfera. Na primeira, a Natureza ser entendidacomo um territrio atrelado cincia e tecnologia, um espao daracionalidade (HABERMAS, 1997), enquadrada na intencionalidade da pro-duo e da circulao de mercadorias, dentro do mundo capitalista. J napsicosfera, a Natureza se situa no mbito do imaginrio e das representa-es, no sentido proposto por Jean-Paul Sartre (1996), das ideias, cultura,emoo e paixes. De acordo com Milton Santos (1999:204): Tecnosferae psicosfera so os dois pilares com os quais o meio cientfico-tcnicointroduz a racionalidade, a irracionalidade e a contrarracionalidade, no pr-prio contedo do territrio.

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    7Eu percorri o mundo como homem livre, eu contemplei a Natureza com um olharpuro e orgulhoso, enquanto lembrava que a antiga Freya era ao mesmo tempoDeusa da Terra e da Liberdade.

    3 POR UMA EPISTEMOLOGIA NA GEOGRAFIA

    Jai parcuru le monde en homme libre, jaicontempl la nature d un regard a la fois candideet fier, me souvenant que lantique Freya tait enmme temps la dese de la Terre et celle de laLibert.7

    (RECLUS, lise, 1874)

    sempre um risco enveredar-se por caminhos de outras discipli-nas, ainda mais quando se trata de temas to caros Filosofia, os quaisno tm sido explorados devidamente pelos gegrafos, como o de Natu-reza e o da Epistemologia. No h como negar, mesmo dentro da Geogra-fia, o papel fundamental que a Filosofia exerce sobre a produo geogrfi-ca do conhecimento, pois toda a histria das cincias est embasada emquestes e conceitos filosficos. Entretanto, na Geografia, muito mais pre-ocupada com a produo do conhecimento geogrfico como cincia doque com sua reflexo, observa-se o papel secundrio da Filosofia em seusestudos.

    Milton Santos tem mostrado sua preocupao com relao a essefato, uma vez que a disciplina se tem estruturado com uma forte-baseemprica/descritiva e extremamente fraca no mbito terico, conceitual,metodolgico e filosfico. Milton Santos e Maria Laura Silveira (2001:12)afirmam:

    Numa boa parte das teses doutorais, a escrita acadmica teriasempre dois plos: a teoria e a empiria. Na realidade, a teoria nemsempre o , pois amide aparece como um discurso em que afir-maes verazes, sem chegar a construir um sistema de conceitos,so, para o objetivo do trabalho, apenas meias verdades. Faltafrequentemente um esquema aplicvel de forma efetiva ao que vaiser tratado como emprico. Assim, o que obtido como empricocorre-se o risco de ser revelar apenas uma listagem de fatos, igno-rando que o que existe sempre unitrio. Na verdade, o que dunidade s partes a viso de conjunto que precede e acompanhao exerccio da anlise.

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 9-29, 2008.

    Com apoio na Epistemologia, focalizada dentro da Filosofia daNatureza, tratar-se- de assuntos tericos conceituais da Geografia, maisprecisamente buscar-se- chegar a uma leitura geogrfica, ou seja, espa-cial sobre a Natureza na atualidade.

    Hilton Japiassu (1977:16) conceitua:Epistemologia, no sentido bem amplo do termo, podemos consi-derar o estudo metdico e reflexivo do saber, de sua organizao,de sua formao, de seu desenvolvimento, de seu funcionamentoe de seus produtos intelectuais.

    Ainda, segundo esse autor, existem cinco tipos de Epistemologia:

    a) global ou geral, em que o saber considerado em seu aspectomais geral e mais abrangente;

    b) particular, destinada a um ramo particular do saber;c) especfica, quando realizada numa disciplina terica,

    metodolgica, tcnica e conceitualmente estruturada, estudan-do-a em sua verticalidade e horizontalidade;

    d) interna uma reviso crtica de uma disciplina, desde suas con-cepes terica at seus procedimentos, visando construoe reconstruo de seus fundamentos;

    e) derivada tambm centrada numa disciplina no objetiva aconstruo de seus fundamentos, mas o conhecimento enten-dimento de suas formas de estruturao e suas relaes sujei-to-objeto, sem, entretanto, interferir em seu desenvolvimento.

    Observa-se nessa proposio uma variao na escala da aborda-gem, do mais geral para o mais especfico. O trabalho que se prope uma unio de trs tipos de Epistemologia, nessa viso de Hilton Japiassu(1977). Com base em uma viso especfica da Geografia, busca-se co-nhecer seus mtodos e a forma como trata seus conceitos, numaEpistemologia derivada, para enfim, de acordo com nosso mtodo, proporuma sntese, ou seja, intervir de maneira ativa, na construo e funda-mentos da Geografia, no caso relacionada a uma Epistemologia interna Geografia. Portanto, altera-se a hierarquia estabelecida, pois acredita-seque necessria a interveno nos fundamentos de uma disciplina, comouma forma de garantir a continuidade de seu desenvolvimento terico econceitual.

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 9-29, 2008.

    Segundo Gaston Bachelard (1971), um racionalismoepistemolgico pode dar conta de diferentes tipos de teorias, suas ampli-tudes tcnicas e empricas, considerando-se um valor de crtica e um va-lor de ao sem, contudo julgar esses valores.

    Para Antoine Bailly e Robert Ferras (1997:13): pistemologie nesignifie pas histoire, pas seulement histoire. Par contre il ny a pasdpistemologie sans histoire.8

    De acordo com Hilton Japiassu (1977), uma reflexo epistemolgicatem como principal objetivo situar e localizar os problemas/ideias/concei-tos, em sua abrangncia, profundidade, especificidade ou excluso, con-forme a prtica terica e tcnica dos cientistas. Segundo esse autor(1977:11/12):

    Falar de epistemologia, hoje, j engajar-se num espao polmi-co ou conflitante, pois sob este ttulo apresentam-se trabalhos quefrequentemente nada tm em comum, quando no se excluemexplicitamente. No se tratar, pois, aqui, de conciliar, mas namedida do possvel, de colocar em ordem e justificar: um discursosobre as cincias um discurso em que a teoria se faz estratgica.E tomando as cincias em sua historicidade, que se elabora acrtica epistemolgica da cincia. Por outro lado, como ahistoricidade no para a filosofia um simples acidente exterior,mas algo que lhe essencial, da forma a histria das cincias seliga muito de perto filosofia, pelo menos, atravs de sua vertenteepistemolgica. A histria das cincias um tecido de juzos impl-citos sobre o valor dos pensamentos e das descobertas cientfi-cas. O papel da epistemologia de explicit-los.

    De acordo com Antoine Bailly e Robert Ferras (1997:6), h pesqui-sadores que defendem uma Epistemologia da Geografia realizada porgegrafos:

    La geographie donne encore rarement loccassion de longsdveloppements en matire depistmologie. Dans le pire des cas,certains considrent que a nest de la philosophie (serait-ce alorsum handicap?) e dautres qu a nest pas de la gographie (maissans dire ce quelle est). Cette dernire affirmation, largementrpandue il y a peu de temps encore, nest plus que le fait duneinfime minorit dusagers. Il y aurait l facilement matire polmique, certains sy essaient priodiquement, dpassant le

    8 Epistemologia no significa histria, somente histria. Mas tambm no existeepistemologia sem histria.

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 9-29, 2008.

    9 A geografia raramente procurou desenvolver sua Epistemologia. Nos piores casos,alguns consideram que isso no filosofia (seria isto ento uma dificuldade?)e outros que isso no geografia (mas sem dizer que ela ). Esta ltimaafirmao, extensivamente predominante, pois poucos tem se usado daEpistemologia em seus estudos. uma questo polmica, que passa do simplesde debates das ideias [...] necessrio que se coloque em evidncia uma reflexoepistemolgica, que analise o discurso (logos) sobre a cincia (pistme) e aproduo do conhecimento geogrfico.

    10 Nature is a process (WHITEHEAD, Alfred North, 1955:53).

    simple dbat dides. [...] la ncessarie rflexion pistmologique atrouv as place, analysant le discurs (logos) sur la science(pistme) e la production du savoir gographique.9

    Grande parte da produo epistemolgica realizada por gegrafosse encontra na Frana, destacando-se as obras de Antoine Bailly (Lesconcepts de la gographie humaine, 1984), M. Derruau (Les composanteset concepts de la gographie physique, 1996), Antoine Bailly e J. B. Racine(La gographie et lespace gographique: la recherche dune pistemologiede la geographie, 1979), Isnard, Racine e Reymond (Les problmatiquesde la gographie, 1981), bem como as contribuies da gegrafa MarieClaire Robic, que coordena um grupo de estudos sobre Epistemologia daGeografia, na Universidade de Paris I.

    4 A EPISTEMOLOGIA DA NATUREZA

    Quando se trata epistemologicamente a Natureza, ela pode serenfocada como o universo fsico transformado em sistema proposto porGeorges Bertrand (1978), ou como vida, na abordagem de MauriceMerleau-Ponty (2000:4), em que

    [...] tudo o que tem um sentido, sem que este sentido tenha sidoestabelecido pelo pensamento [...] Natureza o primordial, ou seja,o no-construdo, o no-institudo [...] nosso solo, no aquilo queest diante de ns, mas o que nos sustenta.

    Entretanto, em nosso mundo atual, em funo do grau de evolu-o tcnica apresentada, parece mais apropriado pensar e explicar a Na-tureza enquanto processo10 (WHITEHEAD, 1955:53), como possibilidade

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 9-29, 2008.

    da realizao histrica do homem (MARX; ENGELS, 1980), como algoque se localiza, hoje, nos interstcios da produo social do mundo, se-guindo o pensamento de Milton Santos (1999). O processo histrico social e no natural passa a produzir e criar a Natureza, enquadrando-aem suas prprias qualidades humanas, podendo assenhorear-se do que,at ento, era visto como uma ddiva divina (MARX; ENGELS, 1980).

    Nossa abordagem insere a Natureza na produo social do mun-do e, como explica Paolo Casini (1975), um fato na vida do homem,presente desde as representaes culturais mais primitivas at as maisracionais vises de mundo.

    Afinal, ainda existe Natureza? talo Calvino (1994), responde queencontramos apenas uma Natureza falsificada e comprometida com osinteresses do capital. Hoje a luta de classes, relacionada com a questoda Natureza, pode ser entendida na contradio entre os produtores daNatureza, ligados ao capital como o imobilirio e os consumidores ouclientes da Natureza aqueles que a percorrem, compram e a conso-mem literal e metaforicamente smbolo, imagem, cone, poder, quali-dade de vida.

    Em sua imbricao com Sociedade, a Natureza se torna um meroartifcio substrato, objeto fruto da ao do homo faber. Como salientaHannah Arendt (2000), ela adquire uma imagem que perpassa a fbula, oromntico e a cultura, que vai alm da materialidade da paisagem, e quefica totalmente imbricada de valor monetrio, financeiro, valor simblico ereal, adquirindo uma mundaneidade, atrelada a um mundo movido por ummotor hegemnico o capitalismo (SANTOS, 2000).

    Mas, como escreve Friedrich Engels (1991), no devemos nos van-gloriar exaustivamente pela nossa dominao sobre a Natureza por meiodo trabalho, pois ela pode se tornar vingativa, anulando todo o processode previsibilidade de seus eventos que, de acordo com Alfred NorthWhitehead (1955), esto associados s suas caractersticas espao-tem-porais, ou seja, sua estrutura. preciso pensar paralelamente a questoestrutural do prprio mundo, que a racionalidade nos coloca, perante ahumanizao da Natureza pela tcnica, no sentido proposto por JrgenHabermas (1997:45), em que

    [] racionalizao significa, em primeiro lugar, a ampliao dasesferas sociais, que ficam submetidas aos critrios de decisoracional. A isto corresponde a industrializao do trabalho social (ANatureza pode ser vista como trabalho social?) com a consequnciade que os critrios da aco instrumental penetram tambm nou-

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    tros mbitos da vida [...] trata-se da implementao de um tipo deaco racional relativamente a fins: aqui, trata-se da organizaodos meios e, alm, da escolha de alternativas [...] A racionalizaoprogressiva da sociedade (e da Natureza) depende dainstitucionalizao do progresso cientfico e tcnico.

    Jrgen Habermas (1997) escreve, ainda, que a tcnica, como pro-jeto histrico-social, repleta da intencionalidade dos sujeitos dominantesque usam esse aparato no controle, tanto da Natureza quanto da Socieda-de. De acordo com Schama (1996), a inveno do arado, uma faca queatacava a terra, marca um perodo que livra o homem da Natureza, queagora se torna objeto da explorao deste.

    Essa relao de dominao e vingana remete questo dadissociao entre o homem e a Natureza, uma vez que, segundo AlfredNorth Whitehead (1955), os limites da Natureza so sempre enevoados,permitindo ao homem agir inicialmente pelas suas extremidades, as quaisgeralmente so diludas. Braudel (1996:147) ilustra essa reflexo quan-do menciona as experincia dos viajantes no sculos XVI e XVII aos Pa-ses Baixos, ao se espantarem com a viso da gua mais alta do que aterra, sendo um lugar onde [] tudo artificial [...], at a terra e a prpriaNatureza. Esse processo de dominao tcnica da Natureza legitima-do, segundo Jrgen Habermas (1997), pelo conforto produzido na vidaindividual.

    Como ficam essas noes dominao, vingana, limites hoje,quando se pode lidar com espaos e tempos da racionalidade simult-neos, similares e sobrepostos?

    Hannah Arendt (2000) explica que o incio desse processo desobreposio da Natureza pelo homem muito inofensivo, com a subs-tituio do ato de contemplao pelo de experimentao da Natureza, poisse buscava ir alm das aparncias, passando assim a impor condies edesencadear processos naturais.

    O que, na poca, se transformou em crescente capacidade dedeflagrar processos naturais elementares, os quais, sem a inter-ferncia do homem teriam continuado adormecidos e talvez ja-mais ocorressem, terminou finalmente numa verdadeira arte defabricar a Natureza, isto , de criar processos naturais que, semos homens, jamais existiriam e que a Natureza terrena, por si mes-ma, parece incapaz de executar. (ARENDT, 2000:242).

    Uma Filosofia da Natureza, assim como sugere Paolo Casini (1975),pode, com fundamento em uma periodizao de sua ideia, esclarecer a

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 9-29, 2008.

    aparente banalizao de seu uso meio ambiente. J um racionalismoepistemolgico, segundo Gaston Bachelard (1971), pode dar conta dediferentes tipos de teorias, suas amplitudes tcnicas e empricas, consi-derando-se um valor de crtica e um valor de ao sem, contudo julgaresses valores.

    Com base nessa abordagem filosfica da Natureza, possvelchegar a uma Filosofia do Espao, ou seja, como filosfica,epistemolgica11 e metodologicamente a ideia de Natureza pode ser umtema fundador da Geografia, uma categoria de anlise do fenmeno geo-grfico.

    Uma busca epistemolgica implica, de acordo com Antoine Bailly eRobert Ferras (1997), retomada da velha questo das relaes do ho-mem com a Terra, que nesse projeto ser uma interface da Natureza coma sociedade, mediada pelas tcnicas12, cultura, poltica e mercado. Alis,como escreve lise Reclus (1874), a Terra o territrio do homem produtor da Natureza.

    Afinal como se pode enquadrar essa Natureza produto da socie-dade humana tanto na histria da Geografia como no presente? Acredi-ta-se que tal tarefa s ser possvel com apoio nos prprios conceitos deGeografia e de seu objeto o espao geogrfico. Esse espao geogrfi-co, um espao banal, sinnimo de territrio usado (SANTOS, 1999), composto de maneira solidria, contraditria e indissocivel entre um sis-tema de objetos e um sistema de aes. O sistema de objetos se carac-teriza como um sistema de formas-contedo e aparncias, em que a Na-tureza pode ser focalizada como uma paisagem, ou seja, como amaterializao de uma cultura (ECO, 1999), de um sistema tcnico (SAN-TOS, 1999), de uma ideologia (HARVEY, 1996), ou como simples merca-doria (BAUDRILLARD, 1997). Os sistemas de aes que produzem a Na-tureza, segundo Hannah Arendt (2000), so aes humanas, considera-das como o contedo que anima as formas (SANTOS, 1999).

    Para direcionar o processo de pesquisa no sentido de superaodas dificuldades terico/filosfico/metodolgicos, existe uma abordagembaseada na epistemologia da ideia de Natureza, sem barreiras disciplina-res, possibilitando sua periodizao. Milton Santos (1997) esclarece queuma periodizao, como procedimento metodolgico, sempre tomada

    11pistemologie ne signifie pas histoire, pas seulement histoire. Par contre il ny apas dpistemologie sans histoire. (BAILLY; FERRAS, 1997:13).

    10 SANTOS, Milton, 1999.

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 9-29, 2008.

    de uma situao exterior e est subordinada aos objetivos do pesquisa-dor. Nesse caso, o pesquisador ultrapassa a Filosofia da Natureza procu-rando, a partir desta, alcanar uma Filosofia do Espao e analisando emcada perodo as ideias e representaes de Natureza.

    O grande trunfo da periodizao a possibilidade metodolgica detornar empricos, em conjunto, tempo e espao (objetos e aes). Aperiodizao permite apreender, a cada momento histrico, os contedose os valores atribudos pela sociedade, os quais qualificam o espao. Almdisso, de acordo com Milton Santos (1988:83),

    [...] um mtodo assim elaborado e sistematicamente aplicado nospermitir entrever igualmente as novas tendncias do uso do terri-trio. [...] Essa noo de periodizao fundamental, porque nospermite definir e redefinir conceitos e, ao mesmo tempo, autoriza aempiricizao do tempo e do espao, em conjunto.

    Para Jean-Paul Sartre (1968:30): Os fatos particulares nada sig-nificam, no so verdadeiros nem falsos enquanto no forem referidospela mediao de diferentes totalidades parciais totalizao em curso.

    De acordo com Wendel Henrique (2004; 2005), em um primeiroperodo, o conhecimento sobre a Natureza era fruto da imaginao e con-templao, principalmente pelos relatos heroicos dos aventureiros, atrelan-do a ideia de natureza concepo de um mito. No mbito as cidades,elas ainda sero incipientes, se representadas pela cidade grega. O obje-to fonte de interpretao ser a prpria natureza. O marco cultural do pe-rodo na questo da interpretao da Natureza a contribuio da culturahelnica, com seus relatos histricos e picos, bem como a contribuiocientfica para o entendimento da Natureza, no se negando as contribui-es dos egpcios, mesopotmios e romanos. A principal ao do homemsobre a Natureza dada pela inveno e propagao das tcnicas dairrigao, que permitiram o maior desenvolvimento da agricultura e, con-seqentemente, propiciaram o incremento da produo de alimentos.

    O segundo perodo vai ser marcado como uma interpretao daBblia, objeto fonte do entendimento da Natureza, denotando uma fortecomponente teolgica da Natureza. No mbito das tcnicas, o arado vaiser a grande revoluo encontrada e com a irrigao ir aumentar a pro-duo agrcola no perodo. Mesmo com esse aparente desenvolvimentotcnico, o temor vontade de Deus ir prevalecer e a Natureza, entendidacomo Sua obra, ser datada de valor divino. O mundo urbano ser carac-terizado pelas cidades feudais, protegidas pelas fortes muralhas e dessaforma fisicamente da Natureza dos bosques, florestas, etc.

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    A superao dos obstculos fsicos e intelectuais no entendimentoda Natureza ir ocorrer no terceiro perodo, em que as constantes viagensmartimas e comerciais ao longo do mundo conhecido e a descoberta denovas terras iro desenvolver um outro objeto para a compreenso daNatureza, que so as pinturas e as xilogravuras criadas com o advento daimprensa. As tcnicas atreladas aos transportes, como a caravela e obalo, iro ampliar o horizonte da ao humana. As caravelas contribu-ram para uma expanso horizontal do conhecimento humano, e o balopermitiu que, pela primeira vez, o homem sasse das prises que a super-fcie da Terra lhe impunha. As cidades, principalmente aquelas com fun-o comercial, comearam a se desenvolver em virtude das rotas de co-mrcio que se estabeleciam. A derrubada das muralhas da cidade feudalpossibilitou um contato maior entre a cidade e a Natureza. As aes hu-manas se concentraram na dissecao da Natureza, no entendimento desuas partes cada vez menores, atreladas s ideias mecanicistas e daNatureza enquanto uma obra fisicoteolgica, um corpo fsico criado pelavontade divina, ainda em consonncia com ideias do perodo anterior. Houveuma forte influncia do descobrimento da montanha, ou seja, daconceituao da montanha, atrelada a uma alta Natureza, pura eimaculada coberta pela mais branca e limpa neve na montanha, ohomem chegava perto de Deus. Nesse perodo, a ao do homem sobrea Natureza revelou paralelamente uma preocupao com sua ordenaoesttica grandes jardins romnticos, parques florestais beleza natural/paisagem. O ambientalismo era esttico para a nobreza e burguesia

    O quarto perodo iria significar uma mudana na relao dos ho-mens com a Natureza, passando a incorporar uma forte cultura industrial.As fotografias e as litogravuras permitiram um estudo a distncia da Natu-reza, mesmo contando com cada vez mais facilidades de deslocamento,como os automveis e avies. Esse perodo marcado pela incorporaoda Natureza vida social, tanto em funo das tcnicas desenvolvidas eaperfeioadas como da cultura vigente, e essa natureza passa a ser en-tendida como recurso. As cidades passaram a concentrar a crescenteproduo industrial e a poluio decorrente dessa atividade.

    O quinto perodo marcado por uma mudana radical na perspec-tiva do entendimento da relao do homem com Natureza, pois esta sertotalmente incorporada ao territrio, quando as imagens orbitais permitemo conhecimento de toda a superfcie do planeta. A sociedade urbana quese constitui por meio de tcnicas que vo desde a escala planetria at aescala da clula, como os satlites e a gentica, leva os homens cada vezmais se encontrarem na qualidade de produtores da Natureza, tornando-a

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    um artifcio, entendido aqui no no sentido de uma mentira de algo falso,mas como resultado da produo humana. As cidades passam a concen-trar a maior parte da populao humana. A Natureza passa a ser produzi-da nas cidades com o intuito de melhoria da qualidade de vida e vai setornar num forte atrativo financeiro aos agentes imobilirios nas grandescidades.

    5 CONSIDERAES FINAIS

    Pensar a questo da ideia de Natureza, muitas vezes tratada comomeio, paisagem, ambiente e meio ambiente, dentro da disciplina geogrfi-ca, resgatar grandes divergncias de carter metodolgico entre ascorrentes baseadas na Filosofia Analtica e na Filosofia Dialtica, ou seja,as controvrsias entre as diferentes escolas da Geografia, notadamente acorrentes neopositivista e a crtica. O avano sobre essas divergnciasse encontra numa reflexo epistemolgica sobre a ideia de Natureza, ten-tando ultrapassar o simples conceito e construindo uma categoria geo-grfica.

    Essa dmarche epistemolgica se torna necessria, para avan-armos pelos ultrapassados recortes analticos da Geografia, com basenas descries de morfologias espaciais, verdadeiras sndromes do cubo,nas quais o espao apenas um cenrio, um amontoado de aparncias(formas geomtricas), e os sujeitos que movem o mundo so apenasatores secundrios, num vis naturalizante da sociedade, que reduz ohomem a um organismo destruidor. Robert Lenoble (1969:30) salientaque no podemos nos restringir apenas s descries:

    [...] possvel ir mais longe e descobrir na prpria estrutura dasdescries, tal como foram historicamente propostas, as marcasconstituintes das explicaes, isto , concepes da Naturezaem que se inspiravam.

    Muitas vezes os gegrafos, resguardados por vises mais tradici-onais de mundo, tendem a naturalizar os processos sociais e, em muitoscasos, ratificando as desigualdades sociais como ciclo natural, em queos pobres so explorados por meio de uma forma de direito natural. Essaforma de entendimento das relaes da sociedade com a Natureza umexemplo da negao da possibilidade humana de construo social domundo.

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    Finalizando, para o filsofo alemo Jrgen Habermas (1997:106),[...] a fora libertadora da reflexo no pode ser substituda pela difusode um saber tecnicamente utilizvel. Nesse sentido, surge a necessida-de de uma slida construo dos fundamentos da Geografia, para queesta no se torne uma tcnica de descrio de objetos e formas, masultrapasse seus prprios limites e chegue concretizao de sua possibi-lidade de explicao do mundo, por intermdio do espao geogrfico.

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    Artigo recebido em 18/5/2008.Aprovado para publicao em 21/6/2008.

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

  • 31Carmem Lcia Alves da Silva Lopes e Sabrina Rosa Paz

    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

    AS SADAS TEMPORRIASNA EXECUO PENAL E OCONFLITO DE SENSAES

    THE TEMPORARY EXITS IN THEPENAL EXECUTION AND THECONFLICT OF SENSATIONS

    CARMEM LCIA ALVES DA SILVA LOPES___________________________________________________________

    Professora da Escola de Psicologia da UC de Pelotas,Mestre em Sade e Comportamento pela UC de Pelotas,

    Pesquisadora e integrante do Grupo Interdisciplinar de Trabalhos eEstudos Penitencirios (GITEP UCPel)

    E-mail: [email protected] e [email protected].

    SABRINA ROSA PAZ___________________________________________________________

    Graduada em Cincias Sociais pela UFPel e em Direito pela UCPel,Mestranda em Cincias Sociais (UFPel,

    Integrante do Projeto do Grupo Acadmico deTrabalhos Estudos Penitencirios (GAEP UCPel)

    E-mail: [email protected].

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

  • 33Carmem Lcia Alves da Silva Lopes e Sabrina Rosa Paz

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    Por que o presdio, vamos supor, uma casa quevisa curar, n? Pra ti sair para a sociedade, n? Asociedade paga os impostos e tudo, para apessoa ficar aqui, n? Mas a pessoa fica aqui semtrabalho, como um bicho. Falta um trabalho, umahorta ou coisa desse tipo. Se apostasse mais notrabalho do preso, eu acho que ia melhorar. Atporque a famlia precisa. No esto apostandonada nele! S atirou ele a. Eu penso que teria quemelhorar ele, n? Porque ele j t pagando proque ele fez. Se tivesse alguma firma, alguma coisa,melhoraria um monte.

    (Apenado e entrevistado 7 na pesquisa As SadasTemporrias na Execuo Penal: ambigidadese possibilidades)

    RESUMO

    Este artigo apresenta dados de um estudo interdisciplinar e dedelineamento transversal, intitulado As Sadas Temporrias na ExecuoPenal: ambigidades e possibilidades. O trabalho foi desenvolvido pordocentes e discentes vinculados ao Grupo Interdisciplinar de Trabalhos eEstudos Penitencirios (GITEP) e ao Grupo Acadmico de EstudosPenitencirios (GAEP), ambos da Universidade Catlica de Pelotas(UCPel), em parceria com tcnicos da 5 Delegacia Penitenciria Regional(DPR), da Superintendncia dos Servios Penitencirios do Rio Grandedo Sul (SUSEPE-RS), durante 2003 e 2004. O universo do estudoabrangeu apenados, os quais cumpriam pena no Presdio Regional dePelotas, RS. Esta produo busca compreender e discutir os conflitos desensaes que surgem, quando o apenado faz contato temporrio com omundo alm da priso.

    Palavras-chave: execuo penal, presdios, apenados, sadastemporrias, conflito de sensaes.

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

    ABSTRACT

    This article presents data of an interdisciplinary cross-sectional study,entitled The Temporary Exits in the Penal Execution: ambiguities andpossibilities. The work was developed by teachers and students linked tothe Interdisciplinary Group of Works and Penitentiary Studies (GITEP) andto the Academic Group of Penitentiary Studies (GAEP), both of the CatholicUniversity of Pelotas (UCPel), with partnership of the technicians from the5th Regional Penitentiary Police Station (DPR) of the Superintendence ofthe Penitentiary Services of Rio Grande do Sul (SUSEPE-RS), during theperiod among the years of 2003 and 2004. The universe covered prisonerswho were serving penalty in the Regional Prison of Pelotas, RS. Thisproduction intend to understand and discuss the sensations that arise whenthe prisoners makes temporary contact with the world beyond the prison.

    Keywords: penal execution, prisons, prisoners, temporary exits, conflictof sensations.

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    1 INTRODUO

    O presente texto constitui-se em um fragmento da pesquisainterdisciplinar As Sadas Temporrias na Execuo Penal: ambigida-des e possibilidades, desenvolvida por docentes e discentes vinculadosao Grupo Interdisciplinar de Trabalhos e Estudos Penitencirios (GITEP) eao Grupo Acadmico de Estudos Penitencirios (GAEP), ambos da Uni-versidade Catlica de Pelotas (UCPel), em parceria com tcnicos da 5Delegacia Penitenciria Regional (DPR) da Superintendncia dos Servi-os Penitencirios do Rio Grande do Sul (Susepe-RS), entre 2003 e 2004,tendo por universo pesquisado apenados que, na poca da pesquisa, cum-priam pena no Presdio Regional de Pelotas, RS.

    O estudo original teve por objetivo analisar o instituto das sadas tem-porrias, em sua insero no contexto terico e prtico da execuo dapena privativa de liberdade (em sua lgica progressiva/regressiva), visandodiagnosticar eventuais ambigidades do instituto sob a perspectiva das fi-nalidades legalmente atribudas punio jurdica, bem como sugerir pro-cedimentos de superao vivel ou estratgico dessas ambigidades.

    Assim, o que se pretende expor um aprofundamento de aspec-tos relativos ao conflito de sensaes vivido pelos apenados que experi-mentaram o breve retorno ao convvio social extramuros, por intermdioda sada temporria direito previsto em nosso ordenamento jurdico, nasubseo II (Das Autorizaes de Sada), do captulo I (Das Penas Priva-tivas de Liberdade), ttulo V (Da Execuo das Penas em Espcie), da Lei7.210, de 1984, compreendendo os artigos 122 a 125 desse diploma legal aps alguns meses ou anos de encarceramento.

    2 ASPECTOS METODOLGICOS E DELIMITAES DO CAMPO

    A pesquisa caracterizou-se como um estudo transversal, no qualforam entrevistados apenados que, progredindo do regime fechado para osemi-aberto, tivessem experimentado, ao menos, uma sada temporriano ano de 2003.

    O instrumento de pesquisa constituiu-se de um questionrio mis-to, pr-codificado, contendo 73 questes com perguntas sobre: perfilsocioeconmico, locais e pessoas com quem o apenado conviveu duran-te as sadas temporrias, conhecimento do entrevistado sobre a legisla-o relacionada execuo penal e sentimentos e impresses que envol-veram a sada temporria. O instrumento apresentava, ainda, questes

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

    abertas. Utilizou-se gravao consentida1 de parte da entrevista e posteri-or degravao desse contedo para a realizao da anlise qualitativados dados. Para realizar a anlise descritiva quantitativa foi utilizado o pro-grama estatstico SPSS verso 10.

    Obtendo-se o consentimento do administrador do presdio para arealizao das entrevistas, a coleta de dados ocorreu em trs semanasconsecutivas, nas manhs de teras-feiras, com agendamento prvio.

    Atuaram como entrevistadores trs acadmicos dos cursos deDireito e Psicologia e o coordenador da pesquisa. A capacitao ocorreupor meio de simulao de entrevistas com discusso e avaliao posteri-or da conduta e sentimentos. Todos receberam o Manual do Entrevistador,o qual continha a forma de apresentao situao de entrevista, alm deexplicaes especficas sobre o que envolve a pesquisa de campo: entre-vista padronizada, papel do entrevistador e do entrevistado, convenesgerais com instrues referentes ao como e o qu envolve o ato de per-guntar, como e quando fornecer feedback, registro e codificao de dadose critrios de excluso. Estabeleceu-se a sistemtica de reunies sema-nais at o final da coleta de dados. A superviso e o controle de qualidadetambm eram feitos. Os questionrios eram revisados e discutidos com ogrupo de entrevistadores.

    Quanto definio da populao-alvo, foram analisados todos ospronturios2 dos casos que estavam dentro dos critrios de incluso, oque totalizou 50 fichas. Revisado o material, foi feita a identificao dospossveis entrevistados, por se enquadrarem no perfil de execuo penaldelimitado. A amostra reduziu-se a 12 pessoas, em funo dos critriosde excluso do estudo previamente definidos. Cumpre destacar que dos12 apenados que preencheram os requisitos de delimitao do pblico-alvo, 8 aceitaram ser entrevistados.

    Como forma de complementar as informaes jurdicas dos pron-turios, buscou-se o Poder Judicirio, mediante acesso aos processosde Execuo Penal dos selecionados, na Vara de Execues Criminaisda Comarca de Pelotas, RS.

    1 Pelo compromisso tico em relao aos entrevistados, suas identidades seromantidas em sigilo. Os dados divulgados em termos de perfil no permitem suaidentificao, bem como as referncias a suas falas sero realizadas em ordem denumerao das entrevistas, por ocasio do tratamento e anlise dos dados.

    2 No caso desta pesquisa, o termo refere-se ao conjunto de documentos e expedientesque so mantidos nos estabelecimentos carcerrios com os dados referentes a cadaapenado.

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

    3 PERFIL DOS ENTREVISTADOS

    Os entrevistados apresentaram idades entre 21 e 42 anos, haven-do predominncia dos mais jovens: 4 entrevistados (50%) encontravam-se na faixa etria de at 25 anos. Ampliando-se a faixa etria para at 30anos, nela foram includos 6 entrevistados, o que representa 75% da amos-tra. A idade mdia foi de 28 anos.

    Entre os entrevistados, 5 eram naturais de Pelotas, 2 de PedroOsrio e 1 de Arroio Grande (ambos municpios que no dispem de esta-belecimentos prisionais em suas comarcas).O estado civil predominante foi o de solteiro, e 3 pessoas declararam tercompanheiras. Entre esses, 5 possuem filhos.

    A baixa escolaridade prevaleceu entre os pesquisados, eis quenenhum concluiu o Ensino Fundamental: uma pessoa analfabeta; umaconcluiu a terceira srie; trs a quarta srie; uma a sexta srie e duas astima srie.

    Quando questionados sobre a renda familiar, utilizando-se comoreferncia o nmero de salrios mnimos, observou-se que nesse quesitotambm pode ser considerada baixa: 5 apenados declararam possuir ren-da de um salrio mnimo, ou seja, 62,5% da populao estudada; 2 decla-raram possuir um salrio mnimo e meio (37,5%); 1 de mais de um salriomnimo e meio.

    Quanto ocupao, 3 entrevistados responderam ter pertencidoao ramo da construo civil, 1 foi frentista, 1 jornaleiro, 1 auxiliar de mec-nico, 1 comerciante e 1 jquei. Pode-se inferir a relao entre ocupaesde baixo prestgio social.

    4 INSTITUTO DA SADA TEMPORRIA

    A pena privativa de liberdade consiste na permanncia do conde-nado em algum estabelecimento prisional por um determinado tempo.Acredita-se que a priso, primeiramente, serviu como uma espcie dedepsito de criminosos para preserv-los fisicamente at o momento deser julgados ou executados, poca em que as leis em vigor se inspiravamem idias e procedimentos de excessiva crueldade.

    No sculo XVIII, com as reformas propostas pelo Iluminismo, nocampo do Direito, especialmente, a partir de Cesare Beccaria, a priso foiutilizada como sano penal. Essa transformao a reforma do sistema

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

    punitivo ocorreu no perodo de transio da sociedade feudal para a so-ciedade moderna, embasada pelo movimento das idias iluministas, cujofundamento era a razo e a humanidade. Na atualidade, o argumentolegitimador tornar a sano penal mais humanitria. A real ideologia des-se sistema, contudo, disciplinar e (re)produzir o sistema capitalista competitivo e excludente.

    Diz-se que esse sistema punitivo, ou seja, a pena privativa deliberdade apresenta uma trplice finalidade: punir, prevenir, recuperar. Noentanto, a meta ressocilizadora permanece como expresso de desejo,enquanto se refora a estrutura institucional de vigilncia/controle (pre-veno/punio). Assim, entende-se que esse sistema serve para re-passar a ideologia ao corpo social dos valores e padres sociais vigen-tes, portanto, desde sua origem, est ligada a um projeto de transforma-o dos indivduos.

    No Brasil, temos os regimes prisionais divididos em fechado, semi-aberto e aberto. A sada temporria prevista em lei para ser aplicada noregime semi-aberto, conforme o artigo 122 da Lei 7.210/84 (ExecuoPenal).

    Efetivamente, a sada temporria um instituto acessvel aos pre-sos que cumprem pena no regime semi-aberto e aberto, mediante com-provao de requisitos objetivos e subjetivos. Os requisitos objetivos so:cumprimento mnimo de um sexto da pena, se o condenado for primrio;um quarto da pena, se for reincidente, e compatibilidade do benefcio comos objetivos da pena. O requisito subjetivo o de adotar um comporta-mento adequado.

    Sobre o requisito subjetivo, pode-se considerar que o indivduo devamostrar adequao aos padres de comportamento institucional, para ob-teno do aval de bom comportamento e, assim, ter acesso sada tem-porria. Por outro lado, paradoxalmente, dever demonstrar que est pre-parado para obedecer a outras regras disciplinares durante a sada forada esfera institucional provando, dessa forma, adaptao vida livre.Assim, a sada temporria, na execuo penal, apresenta, como funda-mento, testar o comportamento dos sujeitos na sociedade e, mais do queisso, pretende disciplinar, corrigir. Mas, se a ressocializao uma farsa,se na verdade os sujeitos so institucionalizados, inevitavelmente, o detentono responde s expectativas da instituio, logo esse sistema funcionacomo um dos fatores da reincidncia criminal.

    No obstante isso, o apenado que cometer alguma falta disciplinardurante a concesso da sada poder sofrer um castigo disciplinar decor-

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

    rente de averiguao pela comisso disciplinar, conforme artigo 59 da Lei7.210/84. Essa sano tem a inteno de reduzir os desvios de compor-tamento, devendo ser, por conseguinte, orientadora/corretiva.

    A punio disciplinar no passa de um elemento pertinente a umsistema duplo: gratificao-sano. A administrao prisional pode dispordesse instituto como ferramenta de controle disciplinar, no momento emque se utiliza direito/benefcio da sada temporria para garantir ordem,limpeza e respeito entre os apenados e deles com os servidores do esta-belecimento prisional, alm das pessoas da sociedade que interagem como detento (famlia, patro, colega de emprego, vizinhos, etc.). Esse siste-ma torna-se operante tanto no processo de treinamento e de correocomo em outros processos relacionados ao tratamento penal. Nesse sen-tido, Michel Focault (1999, p. 126) afirma que:

    Na oficina, na escola, funciona como repressora toda umamicropenalidade do tempo (atrasos, ausncias, interrupo dastarefas), da atividade (desateno, negligncia, falta de zelo), damaneira de ser (grosseira, desobedincia), dos discursos (taga-relice, insolncia) do corpo, (atitudes incorretas, gestos no con-formes, sujeira), da sexualidade (imodstia, indecncia).

    pertinente destacar o artigo 124 da Lei 7.210/84, que trata doprazo para a concesso da sada temporria. Tal artigo corrobora a idiade que tal direito/benefcio tem por objetivo preparar o indivduo para seureingresso definitivo na sociedade, como se pode observar: Art. 124. Aautorizao ser concedida por prazo no superior a sete dias, podendoser renovada por mais quatro vezes durante o ano.

    Desse modo, os sistemas disciplinares e de controle privilegiamas punies que so da ordem do exerccio-aprendizado (FOCAULT, 1999),e um forte exemplo disso o instituto das sadas temporrias que otema privilegiado nesse estudo.

    5 CONFLITO DE SENSAES

    A categoria de anlise denominada conflito de sensaes foi esco-lhida, pois o termo conflito tem o sentido de estado em que a pessoa seencontra quando impulsos, tendncias ou sentimentos antagnicos, opos-tos ou contraditrios sejam simultaneamente desencadeados, e neces-srio fazer uma opo, sem a qual o conflito no se resolver e redundarem frustrao (CABRAL; NICK, 2000).

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

    As opes, no caso dos entrevistados, em sua maioria, no sereferem a aes concretas, mas em respostas cognitivas ou afetivas, cri-adas e utilizadas em seus interiores. Cabe ressaltar que a possibilidadede escolha real do detento mnima, para no dizer nula, o que potencializaa frustrao.

    Quanto ao termo complementar, sensaes, com base na mes-ma referncia, compreendido como processo elementar de sentir, con-siderado em termos abstratos, sem prvia anlise ou interpretao doestmulo responsvel pela experincia.

    O desconhecimento da lei e o despreparo dos apenados para en-frentar a experincia da sada temporria, alm de vrios aspectos de ori-gem emocional, geram conflitos de sensaes. Esses conflitos podemser entendidos como o resultado do aprisionamento vivido por esses su-jeitos (THOMPSON, 1991).

    Os indivduos, ao sarem da esfera institucional, muitas vezes noreconhecem a cidade, o bairro, nem mesmo a famlia. So muitos os sen-timentos e sensaes vivenciados em um lapso temporal muito curto (pe-rodo concedido para a sada temporria). De acordo com lvaro Cabral eEva Nick (2000), entende-se por sentimento a disposio predominante-mente afetiva em relao a outra(s) pessoa(s), coisa ou idia, o que resul-ta em uma relao entre a pessoa e o objeto de afeto e que implica influn-cia de elementos mentais ou psquicos e as emoes que envolvem oafeto.

    A nova realidade tomada pelo sujeito reafirma sua condio de nofazer parte da sociedade, pois o que antes era conhecido, agora estra-nho, diferente, assim como ele.

    Os dispositivos sociais vo estabelecendo, ao longo da evoluohumana, os cdigos entre certo e errado, aceito e rejeitado, normal e anor-mal, igual e diferente. Portanto, quando ingressa na vida carcerria emgeral, de acordo com os perfis de detentos, esses indivduos j carregamconsigo as marcas da excluso, por causa da condio socioeconmicamenos privilegiada, e a bagagem emocional e afetiva plena de significa-dos e carregada da inferioridade que construda a partir das relaessociais pautadas pela prpria normatizao social, pelos locais de mora-dia, acesso educao, sade, a bens de consumo, entre outros. Deacordo com M. B. Jurberg (200, p. 118):

    As concepes de indivduo e de sociedade foram e ainda tmsido perpassadas por uma viso dicotmica da realidade, emque o natural ope-se ao social, o biolgico ao psicolgico, o ani-

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

    mal ao espiritual. Tal viso do mundo no somente referendava atentativa de legitimar a dominao do homem sobre a natureza,como a de certos grupos humanos sobre outros grupos. Essedualismo impregnou o pensamento humano em diferentes mo-mentos de nossa histria, tendo sido utilizado como argumentolegtimo para a manuteno do domnio e do privilgio de conquis-tadores sobre conquistados, de ricos sobre pobres, dedominadores sobre dominados. A manuteno do poder por deter-minados grupos, reforando as desigualdades sociais, portanto,era respaldada por diversos campos de saber. A sociedade secomunica, seja por meio da educao formal obtida na instituioescolar, que dissemina atravs dos campos de conhecimento essesaber legitimado, seja por via do senso comum que, por exemplo,absorve as mensagens divulgadas pela mdia em seus vrios cam-pos de atuao que, por sua vez, atravessam as relaes huma-nas e seus modelos institudos constituindo subjetividades. En-tende-se por subjetividade o que sustenta Baremblit (1992) paraos institucionalistas, no existe um sujeito com uma estruturauniversal e com variaes apenas de desenvolvimento, contedoou estilo. O que existem so processos de subjetividade pelosquais as sociedades tendem a reproduzir sujeitos idnticos ousimilares, segundo os padres dominantes do grupo ou classe deque se trate e de acordo com os moldes do institudo, organizado,estabelecido.

    Pode-se concluir que, embora o conflito de sensaes seja co-mum, h uma intensificao na experincia da sada temporria, desdeque o sujeito j conflitado se depara ante o desejo por viver a liberdade,mesmo que temporria, e a confrontao com as mudanas do alm-muros. A saudade responsvel por modificar o apenado e sua viso docontorno extramuros pelo desejo de retorno que fora mantido pelas lem-branas antes do aprisionamento, adicionado a isso todo o contedo ps-quico que empresta significados ao sujeito e as suas posies diante domundo.

    4 EXPERINCIA DA SADA TEMPORRIA

    Quando questionados a respeito dos sentimentos que envolveramo recebimento da notcia do deferimento da sada temporria, os entrevis-tados descreveram sentimentos, tais como felicidade, medo, angstia etranqilidade. No obstante isso, sete dos oito apenados entrevistados con-sideraram-se preparados para enfrentar a sada temporria. Contudo, cin-co deles revelaram que sentiram a necessidade de conversar com al-

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

    gum, quando souberam que iriam sair e, mais ainda, todos afirmaramque gostariam de participar de atividades que discutissem e preparassempara as sadas temporrias.

    Essa vontade de conversar e participar de atividades preparatriasdo retorno ao convvio extramuros pode inferir um despreparo por partedos entrevistados, primeiramente negado, em funo da necessidade queesses sujeitos tm de demonstrar para o sistema a capacidade de en-frentar a mudana no espao intra para extramuros.

    Considerando a experincia da primeira sada temporria, caberessaltar que o tempo de encarceramento anterior variou entre os entre-vistados, tendo alguns sujeitos recebido o benefcio aps meses de prisoe outros de anos, chegando em dois casos a cinco anos aps a recluso.

    Em algumas transcries, que sero apresentadas a seguir, per-cebe-se a existncia do conflito de forma implcita revelada pela descrioda experincia vivida pelos entrevistados. Assim, com relao aos senti-mentos relativos a sua primeira sada temporria:

    Eu me lembro de ficar em casa com a minha mulher e meus filhos.Eu abracei eles, n? E... Fiquei l assim, sabe? Cheguei na minha casa eo pessoal estava pintando e eu tava ali, parecia que tudo era um sonho,n? Parece que tudo aquilo ali era mentira, que eu no estava na rua.Custei a acreditar. (ENTREVISTADO 7)

    A fala expressa a confuso entre a dimenso real e de desejo oufantasia, em que o entrevistado se assemelha a um telespectador, colo-ca-se de fora e refere-se impresso de um sonho ou mentira. Pode-seinferir que a distncia geogrfica, como espao de convvio, determina e determinante de expresses afetivas de distanciamento. Em Espinoza(apud BAREMBLITT, 1998, p. 81), o desiderium consistia no impulso pro-vocado pela nostalgia correspondente ao objeto de um bom encontro, quefoi posteriormente perdido. A memria disso gera tristeza e a vontade derecuper-lo o desejo. Mas, essa paixo triste deve ser corrigida peloentendimento, que capaz de analisar os novos encontros e escolherentre eles os que sejam capazes de aumentar a alegria e a potncia denossos corpos, evitando os que nos envenenam ou debilitam. Se ao con-trrio, substitumos o entendimento pela imaginao, entregar-nos-emosa encontros fantsticos que obscurecem nossa eleio adequada.

    A ausncia do convvio familiar contribui para a produo de imagi-nao, talvez substituindo a falta da presena real pela imaginria. O detento

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    acompanha o mundo externo a distncia e, para faz-lo, necessita usaraparatos mentais e psquicos para re-montar ou criar uma realidade pos-svel de ser pensada/percebida. Ao retomar o contato pela proximidadeverdadeira, surgem sentimentos de confuso. Outro fator que, possivel-mente, gere desconforto est presente na falta de apropriao do espaode moradia. O entrevistado se reportou a estarem pintando a casa, o quedemonstra claramente sua no-participao nos processos de mudanae deciso do grupo, o que facilita a compreenso da estranheza e do pa-recer nem estar ali.

    Encontra-se expresso de sentimentos similares quanto ao en-contro com a famlia:

    Olha! Me receberam bem, n? Eu que sinto no ter visto os meusfilhos crescer, ver se criar perto de mim, sabe? A sa e ver todos grandesj, quase do meu tamanho. (ENTREVISTADO 4)

    Quanto a mudanas geogrficas tambm so revelados conflitosde sensaes:

    A gente se sente super bem, n? A gente d valor liberdade, agente perde de ver aquelas coisas se criando, a gente perde tudo, de taproveitando l. A gente se sente bem de ver as coisas progredindo, me-lhorando, n? (ENTREVISTADO 6).

    Nesse caso, ao mesmo tempo em que referido um sentimentode perda ao ver que as mudanas ocorreram longe de seus olhos, em-presta-se uma conotao de que bom ver as coisas progredindo. A situ-ao de aprisionamento impede de acompanhar essa evoluo, na medi-da em que est afastado do mundo, da melhora, segundo o entrevistado.Na transcrio seguinte, a falta de contato externo aparece e reflete a faltade orientao espacial:

    A temporria, a primeira sada foi muito boa, n? O cara passou acinco anos a trancado, a o cara pode sair, ver a famlia, [...] At me perdida casa da minha me quando eu fui pela primeira vez. Quando eu fuipreso tinha bem pouquinhas casas, quando cheguei l era uma vila, ummonte de casa. (ENTREVISTADO 8)

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

    Quando se reporta a se perder, como estar registrado em si de-parar-se com um lugar que parece no mais fazer parte de suas refern-cias. A perda de localizao tambm pode representar a perda de rela-es e de uma vida anterior.

    Aps relatar uma sucesso de perdas familiares, inclusive mater-na, que coincidiram com o aprisionamento, outro entrevistado refere-se companheira como algum que esteve com ele nesse momento, masque, tambm, de certa forma, toma-lhe o espao, num meio ao qual j nolhe pertence:

    [...] porque a casa que a minha me morava ficou com ela e tudo,sabe? Mudou tudo. Mudou toda a minha vida. (ENTREVISTADO 7).

    O retorno ao mundo exterior carrega consigo o contato com o queo apenado considera de sua responsabilidade, como, por exemplo, a con-tribuio econmica famlia. Em um relato dito:

    A minha sada foi normal. Sa numa sexta-feira, retornei numa quin-ta. Fui pego num flagrante num assalto. Eu acho que na realidade oapenado sai meio sem estrutura. Eu acho que se ele sasse com umacarta de emprego pra um trabalho fixo j arrumado, acho que no precisa-ria a gente, n?, tentar fazer alguma... Que a gente passa dificuldade gran-de a na rua, a gente tem famlia, e tudo mais, n? A gente sai cometendouma besteira de novo a. (ENTREVISTADO 4).

    O entrevistado recorre forma j conhecida de suprir suas neces-sidades e as de sua famlia. As mudanas tecnolgicas e o desenvolvi-mento econmico e suas interfaces no acompanham questesconstitutivas do ser humano, embutidas nos papis sociais e na cultura.Como assinala Claudia Fonseca (2000), importa considerar que na repre-sentao de homens e mulheres de classe popular cabe ao homem pro-ver a famlia, sob risco de afronta honra masculina.

    O delito cometido implica regresso do regime e, conseqente-mente, impossibilidade de gozar do direito da sada temporria. Assim,constitui a previso legal que opera, sem levar em considerao, entreoutros fatores, o despreparo gerado pelo processo de prisionalizao dossujeitos. Outra infrao ocorreu:

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

    Todas as outras temporrias que eu sa, voltei. S fugi depois dotrabalho. Fugi e no cheguei a ir pro servio, decidi no meio do caminho...Sa e no deu vontade mais de ir trabalhar. Tava xarope o servio. L ocara tem que trabalhar dois meses pra receber um e ficar naquele alber-gue a. At na cadeia aqui, o cara passa fome, o rango tri ruim, horrvel!Horrvel! Eu no passo tanta fome porque minha esposa traiz comida, ocara tem como cozinhar dentro da cela. A ns se apoiamos. (ENTREVIS-TADO 8).

    Possivelmente, quando se vem fora da priso, a presso e a pos-sibilidade de viver a liberdade se intensificam, tornando-se mais difcil ce-der aos impulsos:

    A minha primeira foi um dia s, n? Prometeu s um dia da eu noretornei. No primeiro dia de temporria no causo era sete dia, n? [...]me deram s um dia a eu no quis vim, no retornei. A eu fiquei novems trancado pra depois sair de novo sair em outra temporria. (EN-TREVISTADO 1).

    O sistema punitivo encontra vrias formas de incrementar o casti-go e acaba gerando tenses psquicas e fsicas, o que destitui, na prtica,o sentido reabilitador do discurso.

    Na resistncia ao voltar, encontra-se intensificado um sofrimentopelo tempo que parece no passar, enquanto existe o enclausuramento.Maria de Nazar Agra Hassen (1999) aborda, em seu trabalho de campo,o tempo perdido, no utilizado, com base nos relatos de seus entrevista-dos, como tempo para pensar bobagens. Essa expresso, no dizer dosprprios presos, locuo que traduz tais reflexes, e que conduzem, emalguns casos, possibilidade de pensar a fuga e de partir para a busca deprazeres imediatos. Essa autora utiliza a percepo do tempo dentro dapriso, sendo no presente estudo utilizada como referncia por contribuirna compreenso de como se produzem diferenas perceptivo/afetiva dotempo e suas variaes provocadas pelo entorno, ou seja, a percepodo tempo dentro e fora da priso sentida como diferente, mesmo que otempo cronolgico no ateste isso.

    Quanto relao com os amigos na sada temporria:

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    Ah, mudou! Nem que tu no queira demonstrar, mas demonstraum pouquinho, sabe?, que discriminado um monte. O pessoal olha comoutros olhos. (ENTREVISTADO 7)

    A fala revela a presena do estigma sentido no grupo. O sistemacolabora para que o estigma desempenhe o papel de pena perptua ecarregue consigo a marca pelo resto de seus dias. Erving Goffman (1996)revela vrias formas de mortificao do eu, a que os sujeitos submeti-dos a um regime de instituio total esto subjugados, por meio de condu-tas de anulao e humilhao homogenizadoras. O que o ex-internadoconserva de sua experincia institucional nos transmite muita coisa a res-peito das instituies totais. Quando o status proativo desfavorvel, pode-se empregar o termo estigma e esperar que o ex-internado faa um es-foro para esconder seu passado e tente disfarar.

    Mais adiante h falas que reproduzem o afastamento familiar comobusca de soluo para o conflito e, em outro caso, construo de entendi-mento compensatrio em que o entrevistado se identifica com aes boasque pratica e se v merecedor de aceitao.

    O sujeito pode descobrir que a liberao significa passar do topode um pequeno mundo para o ponto mais baixo de um mundo grande,Erving Goffman (1999, p 68-69). No caso da sada temporria, o tempo deliberdade menor, mas no impede a experimentao das impresses.

    Essa relao no se estabelece unicamente com o exterior, mascontamina o mundo interno do detento, que se sente diferente. Essa dife-rena, porm, ocorre pela marca da criminalidade, mas existem as incur-ses a um modelo social que atinge a todos e minimiza as diferenas.Todos tm acesso informativo aos modelos e aos valores econmico-sociais da sociedade em que vivem. Falta a muitos o acesso posse,mas o apelo se universaliza.

    Seria fcil e prtico trabalhar com uma teoria psicolgica no mbi-to individual, mas bastante reducionista para serem avaliadas as vriasdimenses implicadas nessa vasta realidade.

    Alessando Baratta (1999, pg. 213), ao trabalhar com a teoria darotulao, aponta mudanas tericas na criminologia crtica como tentati-vas para desenvolver uma teoria materialista das situaes e dos com-portamentos socialmente negativos, assim como da criminalizao:

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    Uma teoria materialista desse tipo caracteriza-se pelo fato de rela-cionar os dois pontos da questo criminal, as situaes social-mente negativas e o processo de criminalizao, com as relaessociais de produo e, no que respeita a nossa sociedade, com aestrutura do processo de valorizao do capital.Uma teoria materi-alista que se refira de forma no dogmtica aos ensinamentos deMarx, pode operar com uma correta e radical aplicao do novoparadigma criminolgico, sem cair, por isso, nas mistificaes doemprego idealista do labeling approach; ela pode denunciar e su-perar este uso idealista, sem ter, por isso, que utilizar uma concep-o ontolgica ou naturalista da criminalidade, ou permanecer nonvel do sentido comum.

    Avaliando a reao das pessoas de outra forma, um entrevistadoparece buscar uma compreenso compensatria, procurando em si mes-mo motivos, para que outros gostem dele:

    No meu caso no me trataram de maneira diferente, porque, ape-sar de eu ter feito coisas ruins, eu tambm fiz muitas coisas boas tam-bm. O pessoal gosta de mim. Tem muita gente que gosta de mim. (EN-TREVISTADO 3)

    Falando de si e de sua impresso quanto reao das pessoas aoreencontr-lo, dois entrevistados dizem:

    O cara quando sai da cadeia, quando o cara chega, fica meio, n?J fica meio xarope, envergonhado de sentar perto das pessoas. (EN-TREVISTADO 8).

    A pessoa sai daqui, no sei te explicar, sabe? Sai daqui... Vamossupor assim... Parece que todo mundo t te olhando na rua. Parece que ttodo mundo, sei l, sabendo que tu t preso. (entrevistado 7).

    A vergonha revela a introjeo da moralidade social, as marcas dodelito invadem a constituio de auto-imagem. Reforam-se as marcasdeixadas pelo estigma, como se devastassem o interior e estivessem ex-postas aos olhos de todos.

    Centurio (2001) aborda a possibilidade da aceitao do rtulo (quese acaba tornando estigma) pelo indivduo. Para esse autor, o controlesocial pode levar os indivduos a assumir papis que lhe so atribudospelos outros, o que tambm pode ser percebido na seguinte fala:

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

    Olha! Na minha frente, trataram bem, n? Me davam conselho, bas-tante. Mas... Se adiantasse eu no fazia de novo. (ENTREVISTADO 4).

    Ao final da expresso, mostra-se impotente em cessar o compor-tamento infrator. Reportando-se me, em outro momento da entrevista,relata que durante uma sada temporria no voltou casa da me, comofez na primeira sada, e justifica:

    Eu no quis ir mais l! Fiquei xarope quando fui e coisa. O cara vail, minha me me pediu um monte de coisa, n?, pra mim par de roubar.A, pra no trazer problema pra ela, abri!.

    Nesse caso, foi feita a opo pelo afastamento da famlia de ori-gem e no cessar o comportamento infrator.

    Ao reproduzir o desenvolvimento de pessoas significativas de seupassado, um dos entrevistados parece ter encontrado outras pessoas paradesempenhar esse papel. O sentimento de pertencer ao grupo possivel-mente estivesse afetado diante da nova realidade imposta pela mudanade vida das pessoas, que no pararam como ele. Um aspecto interes-sante deriva da observao no transcrita no instrumento: o entrevistadotem baixa estatura, o que possivelmente tenha causado estranheza ao sedeparar com os amigos mais altos crescidos. Talvez incrementando aquesto, j discutida, da auto-imagem e suas diferenas com o grupo dopassado:

    [...] bastante diferente. Os amigos... Era tudo garoto na poca,tudo grando, maior que eu, uns casado, outros solteiro, minhas irmstudo com filho, casada, solteira tambm na poca, mudou um monte decoisa.(ENTREVISTADO 8)

    5 RETORNO AO PRESDIO

    Respondendo a questes referentes ao retorno ao presdio, umdos entrevistados parece tentar se convencer que a melhor alternativa voltar, para conseguir faz-lo:

    a hora mais xarope, sabe? hora que brabo! Porque o cara,sabe?, que vai ir pra trs das grades, a n? Tm muitos, no s eu, comotodos a dentro no gostam de voltar... Mas... Como agente sabe que

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    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

    pro nosso prprio bem, que tem que volt. A gente tem que voltar, tem quevoltar. ... Tem que voltar lei da Justia, n? A gente tem que voltar praganhar os benefcios tudo certinho, n? Se a gente voltar, vai continuarvindo os benefcios. (ENTREVISTADO 6)

    So revelados sentimentos que envolveram o retorno ao presdio:

    Para retornar... Tu sabe que vai ter que voltar. O cara sabe que temque retornar no outro dia de noite, depois que tu sair. Mas no d vontadenenhuma de voltar. (ENTREVISTADO 7)

    A hora de voltar que ! Mas voltei, voltei! Cheguei no horriocerto. Eles foram at a rodoviria comigo [referente primeira sada tem-porria], pra ver se eu ia embora mesmo. (ENTREVISTADO 8)

    Bh! Fiquei uns trs dias abalado [...] uns trs dias. S em pensarque eu tive l na rua de volta, que podia ter ficado l... E por causa decoisinhas tive que retornar de volta. Fiquei trs dias em pnico, at cair nareal. Mas agora j [...] no se pode fazer nada. (ENTREVISTADO 4).

    As falas demonstram que a motivao da volta est na possibilida-de de sair mais rapidamente comportamento que antagnico ao dese-jo, o que gera conflito e sofrimento, mesmo querendo ficar na rua, no fora,onde a referncia de tempo se preenche de significados, de limites, emum tempo delimitado pelo relgio, pela vida social e suas rotinas, pararetornar ao tempo vazio, sem sentido, sem proveito.

    6 CONSIDERAES FINAIS

    O conflito de sensaes, gerado pela forma como se do as sa-das temporrias, mais um dos efeitos da perversidade do sistemaprisional, que se apresenta perante a lei e a sociedade como tendo umobjetivo reabilitador. Contudo, na realidade, esse sistema serve de atesta-do da excluso do meio micro e macrossocial, portanto reafirma o lugarde errante do apenado e as conseqncias derivadas do comportamento.

    Os resultados apresentados permitem uma reflexo que vai almda formao de subjetividades decorrentes do sofrimento psquico provo-cado pelo modo de concesso s sadas temporrias, porque o estudonos permite identificar quem so esses sujeitos. Ao demonstrarmos que o

  • 50 As Sadas Temporrias na Execuo Penal e o Conflito...

    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

    perfil dos presidirios entrevistados se refere s pessoas de baixa renda,escolaridade e ocupaes de baixo prestgio social, evidencia-se que aprecariedade um risco e no que o risco sejam as pessoas em situaode vulnerabilidade social. Se quisermos estender nosso olhar alm do queest posto, poder-se- pensar e questionar sobre quem est ou presoneste pas.

    Retomando o significado de risco, alertamos que ele est em acre-ditarmos nas normalizaes existentes como verdades, pois isso nos levaa fazer leituras acrticas e a depositar no outro as angstias e os medos, oque reduz a possibilidade de uma macroanlise e a culpabilizar uma clas-se um modo de vida possivelmente diferente do nosso. Por outro lado,se criam mecanismos de proteo aos que pertencem a camadas soci-ais favorecidas. Tudo pode ser estigmatizado como crime. Entretanto,h uma tendncia a criminalizar a precariedade, de deslocar tudo que pblico para o penal, e reinstitucionalizar o Direito Penal ps-moderno naestratgia da purificao e do sacrifcio (BATISTA, 2002).

    REFERNCIAS

    BARATTA, Alessandro. Criminologia crtica e crtica do direito penal:introduo sociologia do direito penal. Traduo de Juarez Cirino dosSantos. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos-Instituto Carioca deCriminologia, 1999.

    BAREMBLITT, Gregrio. Compndio de anlise institucional e outrascorrentes: teoria e prtica. 3. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992.

    BECCARIA, Cezare. Dos delitos e das penas. Disponvel em: .

    CABRAL lvaro; NICK, Eva. Dicionrio tcnico de psicologia. 10. ed.So Paulo: Cultrix, 2000.

    CMARA, Heleusa Figueira. Alm dos muros e das grades: discursosprisionais. So Paulo: EDUC, 2001.

    CAMPOS, M. R. F.; GUARESCHI, P. A. (Org.). Paradigmas em psicolo-gia social: a perspectiva latino-americana. Petrpolis: Vozes, 2000.

  • 51Carmem Lcia Alves da Silva Lopes e Sabrina Rosa Paz

    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 31-51, 2008.

    FONSECA, Cludia. Famlia, fofoca e honra: etnografia de relaes degnero e violncia em grupos populares. Porto Alegre: Ed. da UFRGS,2000.

    FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da priso. 19. ed.Petrpolis: Vozes, 1999.

    GOFFMAN, Erving. Manicmios, prises e conventos. So Paulo: Pers-pectiva, 1996.

    HASSEN, Maria de Nazareth Agra. O trabalho e os dias: ensaio antropo-lgico sobre trabalho, crime e priso. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2000.

    JURBERG, M. B. Individualismo e coletivismo na psicologia social: umaquesto paradigmtica. In: RAUTER, Cristina; PASSOS, Eduardo;Benevides, Regina (Org.). Clnica e poltica: subjetividade e violao dosdireitos humanos. Rio de Janeiro: TeCor, 2002.

    THOMPSON, Augusto. A questo penitenciria. 3. ed. Rio de Janeiro:Forense, 1991.

    Artigo recebido em 19/10/2008.Aprovado para publicao em 13/11/2008.

  • 52 A Geografia do Municpio no Atlas de Maring, PR...

    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 53-65, 2008.

  • 53Ericson Hideki Hayakawa, Joo Pedro Pezzato,Anglica Batista Nogueira e Elza Yassuko Passini

    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 53-65, 2008.

    A GEOGRAFIA DO MUNICPIONO ATLAS DE MARING, PR:

    CONTRIBUIO PARA O ESTUDODO GLOBAL E DO LOCAL

    ERICSON HIDEKI HAYAKAWA___________________________________________________________

    Universidade Estadual de Maring (UEM) [email protected]

    JOO PEDRO PEZZATO___________________________________________________________

    Universidade Estadual Paulista (UNESP, Rio Claro) ePontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais (PUC Minas)

    [email protected]

    ANGLICA BATISTA NOGUEIRA___________________________________________________________

    Universidade Estadual de Maring (UEM)[email protected]

    ELZA YASSUKO PASSINI___________________________________________________________

    Universidade Estadual de Maring (UEM) [email protected]

  • 54 A Geografia do Municpio no Atlas de Maring, PR...

    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 53-65, 2008.

  • 55Ericson Hideki Hayakawa, Joo Pedro Pezzato,Anglica Batista Nogueira e Elza Yassuko Passini

    Percurso: Sociedade, Natureza e Cultura, n. 8, p. 53-65, 2008.

    RESUMO

    Este artigo trata de uma pesquisa colaborativa, na perspectiva qualitativa,produzida no contexto de elaborao do Atlas Municipal de Maring, Paran,Brasil. Aponta as transformaes paisagsticas ocorridas na RegioNoroeste do Estado e prope o estudo desses fen