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8/18/2019 Apontamentos Para Uma História http://slidepdf.com/reader/full/apontamentos-para-uma-historia 1/19 APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DA PSICOLOGIA E PSICOTERAPIA FENOMENOLÓGICO EXISTENCIAL ORGANÍSMICA -- DITA HUMANISTA.  Afonso H Lisboa da Fonseca,  Psicólogo. CENTRO DE ESTUDOS DE PSICOLOGIA E PSICOTERAPIA FENOMENOLÓGICO EXISTENCIAL R. Alfredo Oiticica, 106 Farol. 57050-010. Farol. Maceió - AL. Brasil [email protected]  http://www.terravista.pt/FerNoronha/1411  Não pretendo traçar aqui uma história ou uma descrição exaustiva do desenvolvimento da ACP ou da psicologia fenomenológico-existencial organísmica, chamada de humanista, mas destacar o que parecem ser linhas fundamentais de seu processo de constituição. Recebemos, no Brasil, e na América Latina, uma ACP e uma Psicologia humanista que decorrem de intensas fermentações de certas tendências da psicologia, da filosofia e da cultura em geral no interior da Cultura Norte Americana do início do século e até a década de setenta. Se observarmos com atenção, há como que um encontro de águas filosófico, teórico e cultural, que envolve, num primeiro momento, num período cultural e politicamente agitado, um encontro de vertentes da filosofia, da psicologia e da cultura européias, com vertentes da filosofia, da psicologia e da cultura norte americanas. Este encontro destas vertentes, desdobra-se, desde o período anterior a segunda guerra, até os anos setenta. E constitui a formulação básica das psicologias humanistas, e da ACP em particular. Num segundo momento, e vendo o processo de nossa perspectiva, resutados dos encontros das vertentes européias e norte-americanas transbordam para a América Latina e para o Brasil. São, inicialmente, recebidos de um modo um tanto acrítico e impessoal, digamos, como talvez não poderia deixar de ser. E constituem-se como alternativas no campo das psicologias, das psicoterapias, das pedagogias e de outras abordagens das relações humanas.

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APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DAPSICOLOGIA E PSICOTERAPIA

FENOMENOLÓGICO EXISTENCIAL ORGANÍSMICA-- DITA HUMANISTA. 

Afonso H Lisboa da Fonseca, Psicólogo. CENTRO DE ESTUDOS DE PSICOLOGIA E PSICOTERAPIA FENOMENOLÓGICO

EXISTENCIAL 

R. Alfredo Oiticica, 106 Farol. 57050-010. Farol. Maceió - AL. Brasil 

[email protected] 

http://www.terravista.pt/FerNoronha/1411 

Não pretendo traçar aqui uma história ou uma descrição exaustiva dodesenvolvimento da ACP ou da psicologia fenomenológico-existencialorganísmica, chamada de humanista, mas destacar o que parecem ser linhasfundamentais de seu processo de constituição.

Recebemos, no Brasil, e na América Latina, uma ACP e uma Psicologiahumanista que decorrem de intensas fermentações de certas tendências dapsicologia, da filosofia e da cultura em geral no interior da Cultura NorteAmericana do início do século e até a década de setenta.Se observarmos com atenção, há como que um encontro de águas filosófico,teórico e cultural, que envolve, num primeiro momento, num período cultural epoliticamente agitado, um encontro de vertentes da filosofia, da psicologia e dacultura européias, com vertentes da filosofia, da psicologia e da cultura norteamericanas. Este encontro destas vertentes, desdobra-se, desde o períodoanterior a segunda guerra, até os anos setenta. E constitui a formulação básicadas psicologias humanistas, e da ACP em particular.

Num segundo momento, e vendo o processo de nossa perspectiva, resutados dosencontros das vertentes européias e norte-americanas transbordam para aAmérica Latina e para o Brasil. São, inicialmente, recebidos de um modo um tantoacrítico e impessoal, digamos, como talvez não poderia deixar de ser. Econstituem-se como alternativas no campo das psicologias, das psicoterapias, daspedagogias e de outras abordagens das relações humanas.

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Progressivamente, entretanto, as perspectivas psicológicas, filosóficas e culturaislatino americanas, e brasileiras, em particular, em nosso caso, começam a marcarum presença crítica diferenciada, e a reinvidicar perspectivas próprias, no

processo de constituição destas abordagens em nosso meio. Desenvolve-se ummovimento vigoroso neste sentido, a partir do início da década de oitenta.Podemos falar, assim, pelo menos em nosso meio, de uma vertente brasileira elatino americana, no processo de constituição da ACP e da psicologia humanistaentre nós. De modo que a recepção dos produtos do encontro de uma vertenteeuropéia com uma vertente norte americana não se dá passivamente. Há aconstituição de uma vertente brasileira e latino americana, e que participadiferenciadamente do encontro das águas que constituem a ACP e a psicologia epsicoterapia fenomenológico-existencial organísmica, dita humanista.

1. VERTENTE EUROPÉIA.

A FILOSOFIA DA VIDA DE F. NIETZSCHE.

Falar da vertente européia de constituição da ACP e da psicologia humanista éremontar, inevitavelmente, à contribuição de F. Nietzsche ao processo deconstituição da cultura da Civilização Ocidental.

Porque foi Nietzsche, na segunda metade do século passado, quem, opondo-seàs tendências predominantes nas religiões, na filosofia, na ciência, na moral,

afirmou o valor incondicional do corpo, dos sentidos e do vivido, da vida e davivência humana, tal como elas se manifestam em sua espontaneidade.

Precisou antagonizar-se com a religião, pesadamente animada por umaperspectiva socrática de desvalorização do corpo e da vida. O ideal ascético, emsua forma religiosa, sempre foi um dos grandes algozes do corpo e da vida, dovivido e da autonomia humana. Sempre com o pressuposto de uma vida além, àqual a vida do aquém deveria sacrificar-se. Afirmar o valor incondicional da vida doaquém e da perspectiva do vivido, foi um mérito da filosofia Nietzscheana.

Nietzsche precisou ainda confrontar-se com uma filosofia idealista, que

desmerecia a subjetividade e a perspectiva do vivido em privilégio de uma verdadeuniversal, conceitual e abstrata.

Em sua crítica da cultura ocidental, Nietzsche atacou mesmo a ciência como modode produção da verdade, entendendo-a como subalterna à arte neste sentido, namedida em que a arte privilegia o vivido em suas intensidades e fluxos, ecompromete-se, desta forma, com a afirmação deste vivido, da vida, e com acriação, com a criatividade expressiva de uma superabundância de forças de vida.

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Nietzsche busca fazer uma crítica do que ele chamou de inversão socrática comoinversão perpetrada pela filosofia de Sócrates na perspectiva de valor da culturapré-socrática. Os pré-socráticos valorizavam fundamentalmente o corpo, os

sentidos e o vivido, enquanto que Sócrates expressa os fundamentos de um tipode cultura que despreza-os e que passa a valorizar o abstrato e o teórico.

Com isto, Nietzsche re-lança na cultura moderna da civilização ocidental osfundamentos da perspectiva ética de afirmação do vivido, de constituição delecomo fundamento do verdadeiro e dos valores, perspectiva ética de afirmação docorpo e dos sentidos, que vai constituir um fundamento das psicologiashumanistas e da ACP.

S. KIERKEGAARD

Anos antes de Nietzsche, que viveu na Alemanha, Kierkegaard contrapôe-se, naDinamarca, a perspectivas filosóficas que desvalorizam a perspectiva do indivíduoe da subjetividade. Desenvolve toda uma reflexão em que afirma o valor daperspectiva da subjetividade e do indivíduo, criticando em particular a perspectivauniversalizante, sistematizante e conceitual da filosofia de Hegel.

Jean Wahl , comentando a filosofia de Kierkegaard, observa:

"À procura da subjetividade que encontramos em Hegel, à paixão e ao desejo da

totalidade, Kierkegaard vai opor a idéia da verdade como subjetividade. (...) Àforça do conhecimento, afirma, esqueceram-se do que era existir. (...) ‘É necessário procurar uma verdade que não é uma verdade universal, mas umaverdade para mim’. Uma idéia para a qual eu quero viver e morrer. Ao pensamento hegeliano vai, portanto, Kierkegaard opor a paixão. O perigo dopensamento hegeliano é fazer-nos perder a paixão.(...) O hegelianismo comete o erro de querer explicar todas as coisas. As coisas nãodevem ser explicadas, mas vividas. Assim, em vez de querer aprender umaverdade objetiva, universal, necessária e total, Kierkegaard dirá que a verdade ésubjectiva, particular e parcial (...). O pensamento nunca pode atingir senão aexistência passada ou a existência possível; mas a existência passada ou a

existência possível são radicalmente diferentes da existência real. (...) onde há existência não pode realmente haver conhecimento."  

Diferentemente de Nietzsche, entretanto, Kierkegaard assume uma perspectivaeminentemente religiosa, cristã, à qual dedica a sua reflexão filosófica. Nãoobstante, sua reflexão vai constituir-se como uma das mais importantes fontes doexistencialismo moderno, que vai assim, desde esta origem, possuir também umperspectiva religiosa -- ilustrada por Gabriel Marcel e outros --, ao lado de outrosdesenvolvimentos, que afastam-se de qualquer perspectiva religiosa -- econfiguram-se mesmo como anti-religiosos, sofrendo com certeza a influência dasperspectivas de Nietzsche -- como é o caso de Sartre.

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Não obstante, se são discerníveis as influências de F. Nietzsche e S. Kierkegaardnas origens das psicologias e psicoterapias fenomenológico existenciais, já não étão nítida uma contribuição de outros existencialistas, influenciados pelos

trabalhos de Kierkegaard e de Nietzsche.

A FENOMENOLOGIA

A obra de Edmund Husserl criou toda uma revolução nas perspectivas deprodução do conhecimento na Civilização Ocidental. Husserl partiu de uma críticada metafísica, e de uma crítica do positivismo, para constituir uma abordagemepistemológica e uma ontologia fundamentadas não em pressupostos teóricosmas na própria vivência de consciência pré-reflexiva do sujeito cognoscente, em

sua correlação intrínseca com o mundo. Elege assim a vivência de consciênciapré-reflexiva do sujeito cognoscente como o critério de produção doconhecimento.

Esta postura de Husserl tem efeitos imediatos na psicologia e, em particular, napsicoterapia, criando junto com as posturas existencialistas uma alternativa aosmodelos psicanalíticos e comportamentais.

Todo um conjunto de abordagens psicológicas e psicoterápicas originais vãodesenvolver-se a partir da perspectiva da fenomenologia, conjugada com asperspectivas do existencialismo. Dentre elas a Escola da Psicologia da Gestalt,

desenvolvida pelos alemães por Kohler, Koffka e Wertheimer, que vai se proporexplicitamente o desenvolvimento de uma psicologia fenomenológica, servindoassim como importante suporte para o desenvolvimento de linhas de psicologia epsicoterapia fenomenológico existencial, em particular da psicologia organísmica.Estas psicologias e psicoterapias vão ter fundamentalmente como método avalorização de uma atitude fenomenológica, e mesmo como objetivo odesenvolvimento da habitualidade de uma atitude fenomenológica. Como pano defundo estará sempre o pressuposto de que é a perda desta habitualidade de umaatitude fenomenológica o fator preponderante no desenvolvimento dos distúrbios edesajustes humanos, assim como na perda de seus potenciais criativos.Uma epistemologia e uma ontologia fenomenológica, e uma afirmação existencial

da vivência de consciência, do vivido, passam a constituir-se, assim, como umeixo fundamental das abordagens fenomenológico-existenciais em psicologia epsicoterapia.

A FILOSOFIA DIALÓGICA DA RELAÇÃO DE MARTIN BUBER.

À medida em que a psicologia e a psicoterapia vão ganhando coloraçõesfrancamente fenomenológicas e existenciais, desenvolve-se um questionamentoacerca do papel e da auto-concepção do psicólogo e do psicoterapeuta. Este

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papel e auto-concepção passam por um crítica severa, e pela redefinição de suarelação com o cliente. O psicólogo e o psicoterapeuta já não podiam ser mais umser ou um agente meramente objetivista ou metafísico.

Nesta linha, Ronald Laing, um psicoterapeuta fenomenológico-existencial inglês,diria, tempos depois: "Ninguém encontrará a pessoas estudando-as meramentecomo objetos..."Laing captava a questão em seus fundamentos. Ele não falava meramente dosclientes, falava igualmente dos profissionais. Se o cliente não é meramente objeto,o psicólogo, o psicoterapeuta, igualmente, não são meramente sujeitos. Muitomenos sujeitos técnicos, que aplicam um certa tecnologia sobre o cliente, ousujeitos de conhecimento.

Valorizou-se fundamentalmente, em psicologia e psicoterapia fenomenológico

existencial, a perspectiva de que o psicólogo e o psicoterapeuta sãofundamentalmente sujeitos de relação. De uma correlação intrínseca e ativa que oenvolve vivencialmente no encontro com o cliente, dentro dos limites da instituiçãoem que este encontro ocorre.

Mais que isto, constatou-se o poder da valorização desta relação no sentido dodesenvolvimento do cliente, e mesmo do terapeuta.

A filosofia dialógica da relação de Martin Buber estava por trás destesdesenvolvimentos na concepção do papel do psicoterapeuta e mesmo na re-conceituação da psicoterapia e do trabalho em psicologia, na medida em que ele

exercia forte influência sobre os psicólogos e psicoterapeutas fenomenológico-existenciais pioneiros.

Num segundo momento, a filosofia de Buber serve como importante perspectivade esclarecimento da natureza de processos que se desenvolvem com a práticado modelo fenomenológico existencial de psicologia e psicoterapia, para quem,praticando este modelo, não estava familiarizado com as perspectivas destafilosofia.

A filosofia dialógica da relação de Martin Buber tematiza a coisificação natural, enão natural, da condição humana. E a possibilidade de sua superação, pela

afirmação da relação que nos engaja na concretude de nossa existência, seja naesfera da relação com a natureza não humana, com os outros seres humanos, oucom a esfera espiritual.

Buber nos oferece uma perspectiva de vivência e de compreensão daspossibilidades do encontro inter-humano com o cliente, as possibilidades de umencontro potente e potencializador.

A PSICOLOGIA ORGANÍSMICA DE KURT GOLDSTEIN

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Kurt Goldstein foi um médico que se desconstruiu a si próprio, no sentido daconstituição de uma psicologia e de uma psicoterapia fenomenológica. De umeminente neuropsiquiatra e pesquisador, Goldstein morreu estudando

fenomenologia e existencialismo.Antes disto, entretanto, estabeleceu com o seu trabalho as bases da psicologiaorganísmica, fundamentado nas concepções da psicologia fenomenológica dagestalt, e em seus estudos neurológicos com pacientes que haviam sofrido lesãocerebral decorrente de traumatismo de guerra.

Seus estudos deram-lhe o fundamento para insurgir-se contra a psicologiacartesiana institucional de então. Goldstein contrapôs os seus estudos a umapsicologia fundamentada na distinção corpo-mente e na compartamentalização docorpo e do psiquismo humano em funções independentes, sem uma consideraçãoadequada para com os importantes aspectos de seu funcionamento sistêmico. Em

particular, sem uma consideração adequada para com ascapacidades de auto-regulação e de auto-atualização do organismo.

Influenciado por Reich, Goldstein valorizou fundamentalmente estas capacidadesde auto-regulação e de auto-atualização do organismo humano comofundamentos de sua compreensão do ser humano e de sua psicologiaorganísmica. E é esta sua psicologia organísmica que oferecerá um importantefundamento para as psicologias e psicoterapias fenomenológico existenciais, emparticular tal como elas se constituem nos trabalhos de A. Maslow, F. Perls e CarlRogers.

PSICOTERAPEUTAS FENOMENOLÓGICO EXISTENCIAIS EUROPEUS.

Freud ainda era vivo quando a fenomenologia e o existencialismo começaram ainvadir certos segmentos do movimento psicanalítico. Isto ocorreu tanto naAlemanha, como na Suíça, como na França e nos Estados Unidos. Algunspsicanalistas começaram a ser influenciados pelas perspectivas dafenomenologia, de Heidegger, da filosofia da vida de F. Nietzsche e doexistencialismo de S. Kierkegaard, e passaram a criticar os aspectos deterministase biologizantes, e o papel fortemente tecnicista do terapeuta na psicanálise.

Foram os primeiros psicoterapeutas fenomenológico existenciais de que se temnotícia. Ludwig Binswager fundou um instituto de psicanálise na Suíça, erabastante próximo de Freud, e assim continuou. Mas desviou-se dos conceitospsicanalíticos e desenvolveu uma abordagem ligada às perspectivasfenomenológicas e existenciais de Heidegger, e que tinha como interêssefundamental não a análise no sentido psicanalítico do termo, mas a análise daestrutura da existência do cliente em sua facticidade e afetividade próprias.

M. Boss e E. Minkovski foram dois expoentes deste momento pioneiro dodesenvolvimento das psicologias e psicoterapias fenomenológico existenciais.

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Foram eles, junto com K. Goldstein, que exerceram uma forte influência noprocesso de desenvolvimento dos psicoterapeutas fenomenológico existenciaisnorte americanos.

DISSIDENTES DO MOVIMENTO PSICANALÍTICO

Outros dissidentes do movimento psicanalítico, e que desenvolveram sistemaspróprios tiveram uma marcada influência no desenvolvimento da psicologia epsicoterapia fenomenológico-existencial, em particular sobre o seu momentonorte-americano. Dentre estes podemos destacar a C.G. Jung, W. Reich, S.Ferenczi, O. Rank e os culturalistas E. Fromm, K. Horney e H.S. Sullivan.

Com a sua psicologia profunda Jung assenta uma crença na benignidade danatureza humana, que vai potencializar e reforçar, de dentro da psicanálise,idênticas perspectivas da psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial.

Com o seu conceito de individuação como uma apropriação cada vez mais plenado homem das camadas mais profundas de seu ser e de sua vinculação com ouniverso, e com uma compreensão deste processo como o desdobramento daprópria saúde do ser humano, Jung contrapôs-se a um modelo psicanalíticofreudiano, que bipartia a natureza humana em pulsão de morte e pulsão de vida. Eque entendia uma necessidade de coação social para que o ser humano nãorealizasse justamente aquilo o quê ele seria mais profundamente. Para psicanálise

um poço de instintos destrutivos e anti-sociais.

Para Jung não. Em seus níveis mais profundo é que residia para ele a saúde doser humano, e o desdobramento desta saúde era extamente, para ele, aapropriação e integração em sua personalidade pela pessoa destes níveis maisprofundos de seu ser.

Além de ter marcado a história da psicanálise tradicional, através de seus estudossobre a análise das resistências, Reich configurou-se como um dos seus maisnotórios dissidentes. Reich trouxe o corpo para a psicoterapia. através de suasreflexões, a psicoterapia e a própria concepção da natureza humana em

psicoterapia passou a valorizar o corpo e a deslocar-se de uma perspectiva desuper-valorização e reificação do psíquico. Foi Reich um dos primeiros a sustentara perspectiva de uma auto-regulação organísmica.

S. Ferenczi e O. Rank marcaram um momento forte dentro da psicanálise dedescrença com relação à aplicação de técnicas, e de valorização da relaçãoimediata entre o terapeuta e o cliente como fator de potencialização deste. Foramexplícitos em sua crítica a uma postura eminentemente técnica.

Mais que isto, O. Rank foi profundamente influenciado pelas perspectivas de F.Nietzsche, e buscou integrar estas perspectivas como fundamento de seu sistema

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de psicoterapia. Dizia estar para Freud assim como Nietzsche estava paraSchopenhauer. É esclarecedora a passagem de Deleuze , que mencionei emoutro momento, comentando a relação de Nietzsche com Freud.

Deleuze diz o seguinte:

"Do que precede, deve-se concluir que Nietzsche exerceu influência sobre Freud?Segundo Jones, Freud negava-o formalmente. A coincidência da hipótese tópicade Freud com o esquema Nietzscheano explica-se suficientemente pelaspreocupações ‘energéticas’ comuns aos dois autores. Seremos ainda maissensíveis às diferenças fundamentais que separam suas obras. Pode-se imaginaro que Nietzsche teria pensado de Freud: aí ainda ele teria denunciado umaconcepção muito ‘reativa’ da vida psíquica, uma ignorância da verdadeira‘atividade’, uma impotência em conceber e em procurar a verdadeira‘transmutação’. Isto pode ser imaginado com mais verossimilhança visto que

Freud teve entre seus discípulos um nietzscheano autêntico. Otto Rank devia tercriticado em Freud ‘a idéia insípida e terna de sublimação’. Ele reprovava Freudpor não ter sabido liberar a vontade da má consciência ou da culpabilidade. Queriaapoiar-se nas forças ativas do inconsciente, desconhecidas para o freudismo esubstituir a sublimação por uma vontade criadora e artista. Isto o levava a dizer:sou para Freud o que Nietzsche era para Schopenhauer. Cf. RANK, A Vontade deFelicidade."

Otto Rank emigrou para os EUA e lá teve forte influência, a partir de suasperspectivas -- que valorizavam a relação espontânea entre o terapeuta e o clientee a potencialização da criatividade -- sobre o meio do qual emergiria a psicologia

humanista norte americana, em particular sobre Rogers.

Os chamados Culturalistas -- Erich Fromm, Karen Horney, e H.S. Sullivan --foram, dentre os psicanalistas, importantes fontes de inspiraçãoi para a psicologiahumanista. Traziam consigo da Europa -- para os Estados Unidos, no caso, emparticular de Fromm e Horney -- toda a densidade teórica e institucional dapsicoterapia psicanalítica européia. Mas desviaram-se dos fundamentosbiologistas de Freud para desbravarem a nova perspectiva da reflexão cultural noâmbito da psicologia e da psicoterapia. No caso de Fromm, enfatizouexplicitamente a benignidade do potencial humano e a sua tendência natural auma explicitação produtiva e saudável, num meio que atendesse a suas

necessidades básicas . Sullivan enfatizou o papel da relação entre o terapeuta e ocliente como um dos fatores fundamentais da produtividade do processoterapêutico. Teve, desta forma, assim como Ferenczi e Rank, marcante influênciasobre o desenvolvimento das linhas de psicoterapia humanistas que desconfiaramdo primado da técnica para privilegiar a relação imediata e natural com o clienteno processo do trabalho psicológico e psicoterapêutico.

Estamos aqui, já, na interface entre as vertentes Européia e Norte Americana.Fromm, Horney emigraram da Europa para a América e aqui viveram grande partede suas vidas, elaborando o seu trabalho e suas obras. Naturalmente que suas

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idéias foram marcadamente influenciadas pelo meio no qual passaram a viver,trabalhar e escrever.

GESTALTERAPEUTAS

Ainda na interface entre as vertentes Européia e Norte Americana, não podemosdeixar de mencionar os Gestalterapeutas. A Gestalterapia tanto influenciou e foiinfluenciada pela psicologia humanista Norte Americana que tornou-se uma desuas correntes reconhecidas. Na verdade, a ACP e a Gestalterapiadesenvolveram-se no sentido de uma forte e interessante convergência, quemanifesta-se de um modo mais claro em países como o Brasil.

Estas convergências poderiam ser entendidas como convergências anunciadas.Uma vez que raízes fundamentais da gestalterapia são igualmente raízes dapsicologia humanista norte americana, tais como a psicologia organísmica de K.Goldstein, a fenomenologia e a filosofia da vida de F. Nietzsche. Não podemosesquecer o poderoso vículo que representa para estas abordagens a filosofiadialógica da relação de M. Buber.

É importante destacar, todavia, que, não obstante as convergências, háparticularidades.A gestalterapia é um embrião totalmente concebido na Europa, diferentementedas demais abordagens da chamada psicologia humanista. Esteve muito mais

próxima, na figura de seus fundadores, das fontes originais da fenomenologia, doexistencialismo, da filosofia do diálogo de Buber, da psicologia organísmica, damística judaica, da cultura e dos conflitos da Europa.De modo que, incorporada ao meio da psicologia humanista norte americana,trazia muito fortemente marcada a influência destas origens, no estilo de FritzPerls, na formação de Laura Perls e de outros getalterapeutas.

Sofreu e sofre influências marcadas da vertente Norte Americana, mas igualmenteinfluenciou e influencia, a partir destas suas peculiaridades.

2. ENCONTRO DAS ÁGUAS 1. O ENCONTRO DAS ÁGUAS EUROPEU.

Há, na constituição da psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial, quedepois redundará na psicologia humanista, o que talvez possamos chamar de umprimeiro encontro das águas. Um encontro das águas especificamente europeu.Acredito que este encontro das águas realiza-se, em primeiro lugar, na psicologiaorganísmica de K. Goldstein, na medida em que esta, partindo de sólidosfundamentos neurológicos, vai incorporar as idéias de auto-regulação doorganismo, em grande medida devidas a Reich, e as perspectivas

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fenomenológicas de Husserl, através da mediação da psicologia da gestalt deKohler, Kofka e Wertheimer.

Por outro lado, a pioneira psicoterapia existencialista européia também corporifica,nos trabalhos de Binswanger, Boss, Minkovski e outros uma importante dimensãodo encontro das águas europeu, na medida em que recebe os influxos diretos dafilosofia da vida de F. Nietzsche, das filosofias de Kierkegaard, de Heidegger e dafenomenologia de Husserl, além de importantes inspirações da psicologiaorganísmica de K. Goldstein.

Não podemos esquecer, igualmente, que a gestalterapia originária éfundamentalmente parte deste processo de encontro das águas europeu.

Dentre outras raízes, a gestalterapia originária, sintetizada por F. Perls, integra as

influências originais da fenomenologia e do existencialismo europeus, aí incluindasas perspectivas da filosofia da vida Nietzsche.

Um lugar de destaque na contituição desta vertente estará reservada à influênciada filosofia dialógica da relação de M. Buber, na medida em que Laura Perls,esposa de Fritz e uma das pioneiras, foi sua aluna. Fritz Perls foi igualmenteinfluenciado pelas perspectivas de Buber, que expressaram-se na constituição desua abordagem.

A gestalterapia originária integra igualmente as perspectivas da fenomenologiaatravés das obras dos teóricos da escola da gestalt, com um diferenciado lugar

para a teoria de campo de K. Lewin. A psicologia organísmica de Goldstein éigualmente uma importante raiz no processo de constituição da gestalterapia, queintegra, também através desta, as perspectivas da fenomenologia da gestalt. Agestalterapia, em seguida, é transplantada para os EUA, depois de uma escala naÁfrica do Sul.

3. A VERTENTE NORTE AMERICANA

As perspectivas da fenomenologia e do existencialismo como possibilidades de

abordagens de psicologia e de psicoterapia foram recebidas com reservas, de ummodo polêmico, mas igualmente com muito entusiasmo nos Estados Unidos. Paracerto tipo de psicoterapeuta e psiquiatra, e, a seguir, de psicólogo norte americanoelas caiam como uma benção, já que configuravam uma nova e potentealternativa para uma dicotomia entre a abordagem psicanalítica e a abordagemcomportamental.

Com a grande capacidade da cultura dos EUA para assimilar a novidade quecomporte possibilidades produtivas, as linhas gerais da fenomenologia e doexistencialismo foram entusiasticamente incorporadas pela cultura da psicologia e

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da psicoterapia norte americanas. Nos EUA estas perspectivas foram intensa ecriativamente trabalhadas e elaboradas, amalgamando-se com perspectivaspróprias da cultura local. O que resultou numa revolução sem precedentes na

história da psicologia e da psicoterapia, resultando, em particular, na consolidaçãoteórica e prática de uma abordagem fenomenológico existencial de psicologia e depsicoterapia.

WILLIAM JAMES E A PSICOLOGIA CIENTÍFICA PRAGMÁTICO EMPIRISTANORTE AMERICANA.

A psicologia científica universitária norte americana desenvolveu-se fortementeinfluenciada pelas idéias pragmático empiristas de W. James. Foi no âmbito desta

psicologia que aportaram as idéias da fenomenologia e do existencialismo comopossibilidades de abordagens de psicologia e psicoterapia. Um grupo depsicólogos, como observamos, buscava alternativas para os excessos dobehaviorismo e para as perspectivas fortemente teorizantes e tecnicistas dapsicanálise.No que pesem todas as diferenças e conflitos entre a mentalidade vigente napsicologia universitária científica norte americana -- herdeira das idéiaspragmáticas de James, e dos filósofos empiristas ingleses -- e as perspectivas dafenomenologia e do existencialismo, houve uma profícua integração entre ambasas perspectivas, pelo menos até certo ponto, o que resultou na constituição dapsicologia e psicoterapia fenomenológico existencial organísmica, dita humanista,

nos EUA.

Por outro lado, é interessante observar que certas perspectivas da filosofia deJames potencializavam este encontro. Muito especialmente a sua crítica e aversãoa perspectivas e concepções absolutistas e aprioristas em filosofia, representadospara ele pelo hegelianismo.A concepção de verdade de James permitia uma integração com as perspectivasfenomenológico existenciais, em particular ao nível da psicologia e dapsicoterapia, ainda que suscitassem conflitos a níveis filosóficos mais profundos.Para James

"A verdade (...) deixa de ser concebida como adequação entre o pensamento e opensado, a mente e a realidade exterior, ou então como coerência de idéias entresi para tornar-se funcional. Nessa ordem de idéias, uma proposição é consideradaverdadeira na medida em que possa orientar o homem na realidade circundante econduzí-lo de uma experiência até outra. A verdade -- para James --não é algorígido e permanente; pelo contrário, modifica-se e expande-se sempre."  (...) A verdade deve satisfazer a duas condições diferentes. Em primeiro lugar opragmatismo de James salienta a necessidade de as proposições exigiremcomprovação para serem admitidas como verdadeiras. Neste sentido a verdadeseria a verificabilidade. (...) Essa primeira condição da verdade, estabelecida pelopragmatismo entende ‘consequência prática’ como um modo de ‘consequência

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teórica’. A segunda condição estabelecida por James para a identificação de umaverdade consiste no seu valor para a vida concreta. Esses dois modos deconceber a verdade unem-se na concepção de verdade como algo

essencialmente ‘aberto’ e em constante movimento. Em síntese, para WilliamJames, a verdade não é algo feito ou dado; é algo que ‘se faz’ dentro de umatotalidade também em constante processo de ‘fazer-se’. 

A nível de uma reflexão filosófica mais particularizada, esta concepção certamentechoca-se com perspectivas da fenomenologia e do existencialismo. Em particularem torno das questões relativas a este princípio de utilidade da verdade naexistência, que já animava as críticas de Nietzsche à perspectiva dos filósofosempiristas e dos evolucionistas ingleses. Mas, no encontro das águas da vertenteeuropéia com a vertente norte americana de psicologia e psicoterapiafenomenológico existencial estas perspectivas da filosofia pragmática de W.

James serviu como um poderoso gancho de integração entre a mentalidade dapsicologia pragmática norte americana e as influências fenomenológicoexistenciais que lhe chegavam, então, da Europa.A verdade não era absoluta, como queriam as correntes filosóficas a que ambasas tendências se opunham, a verdade era produto de construção e estavaintimamente associada à existência e ao vivido, a verdade não era teórica.

Esta integração de perspectivas pragmáticas com perspectivas fenomenológicoexistenciais forneceu importantes e preciosos suportes e possibilidades para otrabalho psicológico e, em particular, para as urgências e emergências do trabalhopsicoterápico, com clientes em crise existencial, em sofrimento intenso, e carentes

de transformação e de superação de seu status-quo, carentes de construção deverdades novas, a partir dos dados de suas vidas, de seus sentidos epotencialidades e das urgências de suas existência.

PSICOTERAPEUTAS EXISTENCIALISTAS NORTE AMERICANOS

A. Maslow, R. May, A. Angyal constituíram destacadamente um segmento e umnúcleo pioneiro de psicoterapeutas existenciais norte americanos. Médicospsiquiatras, foram profundamente influenciados pelas idéias de K. Goldstein e

pelas perspectivas da fenomenologia e do existencialismo em psicologia epsicoterapia.

Maslow foi um importante pesquisador e teórico da psicologia norte americana,realizando estudos sistemáticos acerca das necessidades humanas e acerca daauto-atualização da personalidade e do que ele veio a chamar de personalidadeauto-atualizante.Através de seus estudos, cursos, palestras, contrapôs-se a um predomínio dapsicanálise e do comportamentalismo no meio da psicologia norte americana.Seus trabalhos estenderam-se à psicologia organizacional. Suas concepçõeshumanistas terminaram por ser um dos fundamentos do que hoje entendemos

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como controle integrado da qualidade no gerenciamento empresarial.Junto com May, Angyal e Rogers constituiu um núcleo pioneiro em torno do qual apsicologia fenomenológico existencial organísmica norte americana começou a

organizar-se como o movimento da psicologia humanista.

May foi um importante dinamizador da psicologia e psicoterapia existencial norteamericana. Foi um dos organizador do pioneiro livro Existencia, que pela primeiravez trazia aos Estados Unidos as concepções de psicoterapeutas existenciaiseuropeus, como Binswanger, Boss, Minkovski, Stauss e outros. Autor de profícuaobra literária no âmbito da psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial .

CARL R ROGERS

Rogers foi um dos mais produtivos e ativos epígonos da psicologia e psicoterapiafenomenológico existencial norte americana. Foi um dos revisores do livroExistence, editado por May e outros. Fez parte destacada do movimento dapsicologia humanista, desencadeado, dentre outros, por A. Maslow. Trabalhou poruma perspectiva própria no campo da psicologia e da terapia, desenvolvendonestas áreas uma abordagem produtiva e com características próprias, quedifundiu-se por todo o mundo, servindo de suporte para o desenvolvimento deabordagens peculiares no âmbito da pedagogia, do trabalho com grupos e domanejo da relações humanas em geral. Comento mais a seu respeito naintrodução deste livro e ao longo de alguns dos capítulos.

FRITZ PERLS

Fritz Perls, alemão, formou-se em medicina, na Alemanha, e especializou-se empsiquiatria, praticando inicialmente a psicanálise. Desiludido com a psicanálisededicou-se a desenvolver a gestalterapia como uma nova abordagem depsicoterapia, a partir da influência de certos dissidentes da psicanálise, comoReich, da psicologia organísmica de Goldstein e das concepções fenomenológicasda psicologia da gestalt, do existencialismo e de suas experiências no meio

teatral.

Ainda como psicanalista, viveu na África do Sul. Voltou à Europa, e emigrou emseguida, definitivamente, para os Estados Unidos. Lá encontrou, no fervilhantemeio da cultura norte americana do início dos anos cinquenta, o ambiente mais doque propício para a apresentação de uma abordagem fenomenológico existencialde psicoterapia. Com a experiência que trazia da Europa, atuou intensamente naconstituição e divulgação de sua abordagem como uma abordagemfenomenológico existencial de psicoterapia, integrando-se desta forma naemergência da psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial organísmicanorte americana.

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4. ENCONTRO DAS ÁGUAS 2: DA VERTENTE EUROPÉIA COM A VERTENTENORTE AMERICANA.

Muito do fundamental deste encontro parece estar no que descrevemos acerca doencontro e articulações da psicologia científica pragmática norte americana com apsicologia e psicoterapia fenomenológico existencial, e com a própriafenomenologia e existencialismo, que nos Estados Unidos aportavam, vindos daEuropa.

Deste encontro brotou a possibilidade prática de uma abordagem fenomenológicoexistencial de psicoterapia, e o seu desenvolvimento prático de um modo até

então insuspeitado na Europa.Pragmatismo, fenomenologia e existencialismo, apesar de suas distinções,conflitos, contradições e incompatibilidades, produziram e produzem umagenciamento prático que parece interessante desvendar e promover em suaspossibilidades.

Do lugar cultural e histórico em que estamos hoje, não podemos negligenciar ospontos conflitantes e mesmo as distorções que se desenvolveram neste processo.

É interessante observar que a chegada do existencialismo nos EUA representaem grande medida a chegada de uma corrente filosófica de cunho fortemente

antagônico com relação às tendências fortemente religiosas, e mesmo puritanas,predominantes na Sociedade Norte Americana. A valorização do corpo, dossentidos, do vivido, não poderiam ser assimiladas em uma tal sociedade sematritos.

Isto é particularmente verdadeiro no que concerne às figuras e às idéias de F.Nietzsche, fortemente críticas com relação à perspectiva religiosa. Há que seacrescentar, ainda, que estas perspectivas da fenomenologia e do existencialismoaportavam nos EUA, vindas em grande parte da Alemanha, com a qual o EUAencontravam-se em hostilidade, hostilidades que redundaram na segunda guerramundial. Curiosamente, vinham trazidas por exilados, que na Alemanha também

antagonizavam-se e eram perseguidas pelo nazismo.

As idéias trazidas da Europa para os Estados Unidos, por intelectuais exilados,antes, durante e depois da segunda guerra, provocaram forte reação cultural naSociedade Norte Americana. Em particular porque, além de configurarem-se comocorpos estranhos fundavam-se basicamente, em grande medida, nas idéias deFreud, Marx e Nietzsche, associados a sexo, amoralismo, ateísmo e oposição àpropriedade.

No âmbito da fenomenologia, podemos dizer que ela aportava numa sociedade dementalidade fortemente empirista, empirismo contra o qual se insurgira a própria

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fenomenologia em seus primórdios, na busca de fundar uma epistemologia e umaciência humana que partisseexatamente da subjetividade humana desprezada pelo empirismo.

Assim, ainda que do ponto de vista prático, a associação de fenomenologia eexistencialismo com pragmatismo e empirismo tenha se revelado muito produtivado ponto de vista prático da criação e desenvolvimento de abordagensfenomenológico existenciais de psicologia e psicoterapia, existiram e existemproblemas...

Muita gente nos EUA adotou as perspectivas da fenomenologia e doexistencialismo com a avidez de quem abocanha uma batata quente. E,consequentemente, com a urgência, em seguida, de quem dela precisa se livrar.Este parece ter sido o procedimento de amplos setores da psicologia e

psicoterapia fenomenológico existencial norte americana.

Num primeiro momento, a fenomenologia e o existencialismo, rudimentarmentecompreendidos, a princípio, revelavam-se como um manancial com enormespossibilidades. Mas a compreensão de suas implicações, em particular comrelação a uma perspectiva religiosa, foram se revelando incômodas. Houvetendências de mitigar, então, os aspectos "negativos" do existencialismo e dafenomenologia. Isto implicou num certo tipo de cristianização do existencialismo,não religioso e mesmo anti religioso, que inspira as origens da psicologia epsicoterapia fenomenológico existencial. E num certo tipo de empirização dafenomenologia.

Estes processos distorsivos, evidententemente, resultaram e resultamfrequentemente na perda da originalidade criativa da abordagem.

No caso da perspectiva religiosa, existe sempre o recurso aos existencialismosreligiosos, que são uma realidade desde Kierkegaard. De meu ponto de vistaparticular, parece-me difícil conceber a psicologia e psicoterapia fenomenológicoexistencial sem a importante contribuição da crítica de F. Nietzsche e aperspectiva de sua filosofia da vida. Mas compartilho da idéia de que cada umdeva encontrar os seus próprios caminhos.

5. ENCONTRO DAS ÁGUAS 3: DA VERTENTE EUROPÉIA/NORTE AMERICANACOM A VERTENTE LATINO AMERICANA.

De nossa perspectiva particular, um momento crucial é o do encontro dosresultados do encontro da vertente européia/norte americana da psicologia epsicoterapia fenomenológico-existencial organísmica, dita humanista, com avertente latino americana.Podemos falar de uma vertente latino americana?

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Muitos certamente responderiam imediatamente que não. Muitos até que achamque deveríamos receber exatamente e preservar o que foi produzidoanteriormente.

Isto seria impossível e impertinente, além de configurar-se como umadesonestidade para com o passado da abordagem, e com relação a nós próprios.

Primeiro porque o que se produziu no encontro das vertentes européia e norteamericana não é uma totalidade acabada, fechada, e que possa ser eleita aoestatuto de dogma ou de ortodoxia. Muito pelo contrário, pela postura básica deseus produtores pioneiros, esta abordagem rejeita qualquer tipo de fechamento, eentende a realidade natural e desejável de que ela seja contínuamente criada erecriada na atualidade de sua vivência concreta. Qualquer tendência a umdogmatismo, ou ortodoxia, além de impertinente e retrógada, depreza esta

saudável postura.Por outro lado, para recebermos os bons produtos formulados pela abordagem,não poderíamos anularmo-nos como sujeitos. Não poderíamos negar asingularidade de nossas perspectivas e de nossos interesses comuns, ainda quefrequentemente conflitantes entre si. Nunca se aprende exatamente o que seensina, a aprendizagem, como sabemos, envolve, para bem ou para mal, odialógico e a reinvenção e é, em sua efetividade, a interatuação de parceirosativos.

Por outro lado, e o que é mais importante, a realidade tem negado uma recepçãopassiva no processo de encontro das vertentes européia/norte americana com a

vertente latino americana.Quero deter-me mais no que se refere à abordagem centrada na pessoa e àgestalterapia.Os resultados do encontro europeu/norte americano chegaram-nos originalmenteatravés dos livros de Rogers, e da recepção de colegas pioneiros queparticipavam de atividades nos EUA ligadas à abordagem, e que iniciavamnúcleos formadores. Muito tempo depois, chegaram os livros de gestalterapia eprofissionais a elas ligados.

Na década de setenta, e uma vez mais na década de oitenta, Rogers e colegasque com ele trabalhavam, em particular John Wood e Maureen Miller, estiveram

no Brasil, realizando palestras, entrevistas e workshops, residenciais, e nãoresidenciais, com grandes grupos de participantes. Já aí, o Brasil e a AméricaLatina tinham um papel significativo no desenvolvimento da abordagem, namedida em que Rogers e seus colegas estavam aprendendo intensamente sobreeste tipo de grupo, e mesmo reformulando, a partir de seus trabalhos, aconcepção de seu modelo de trabalho com grupos e de facilitação, e toda aconcepção de sua abordagem.Estas experiências brasileiras, das quais os brasileiros foram parceiros muitoparticipantes, tiveram uma importância muito grande neste processo.

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Alberto Segrera, do México, com o decidido estímulo de Rogers, foi um pioneirode um momento pós-Rogers da ACP, quando organizou o Primeiro Foruminternacional da Abordagem, em Oaxtepec, no México, em 1983.

A abordagem passou a ter, para bem ou para mal, um forum efetivo, que tem seconstituído como a referência mais abrangente da abordagem.

Neste forum, no México, os Latino Americanos afirmaram as diferenças de suaperspectivas, realidades e necessidades com relação aos europeus e aos norteamericanos. Foi criado o Encontro Latino Americano da ACP, como instância quepudesse reunir os praticantes da abordagem da América Latina para quepudessem compartilhar, inventar e reinventar as suas perspectivas.

O encontro ocorre a cada dois anos desde então. E tem se constituído como uma

vigorosa referência e um vigoroso fator de dinamização e de desenvolvimento daabordagem, e de integração de profissionais nela interessados, em toda a AméricaLatina.

A comunidade de praticantes da abordagem na América Latina tem se integrado ese desenvolvido, em grande parte, graças ao influxo do Encontro Latino.

Na América Latina, a comunidade de profissionais praticantes da abordagemsuperou sem grandes traumas a morte de Rogers, em função, em grande parte,da referência em que se constituiu este encontro. Processo que não ocorreu nosEUA e na Europa, onde a carência da presença física de Rogers, e a falta de um

núcleo consensual de integração tem causado muita perplexidade edesorientação.

O Encontro Latino deu origem a outros encontros pela América Latina. Surgiram oEncontro do Nordeste do Brasil da ACP, o Encontro Argentino, o EncontroUruguaio, o Forum Brasileiro da ACP, cogita-se o Encontro Carioca da ACP, e alista tende a crescer.

Estes encontros têm fornecido o apoio para um amalgamento entre aspespectivas, realidades e necessidades da América Latina, e os produtos doencontro das vertentes européia e norte americana da psicologia e psicoterapia

fenomenológico existencial.

Houve, num primeiro momento, uma reflexão crítica com relação aos fundamentosda prática da ACP. Uma reflexão com relação a uma concepção de pessoademasiado reificada, e conceitualmente aniquiladora da realidade humana degrandes setores de populações da América Latina. Uma concepção de pessoaque não integra a socialidade e a transindividualidade da pessoa, uma pessoadefinida não de uma forma genericamente humana, mas segundo as realidadessociais e humanas das sociedades de primeiro mundo.

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Desde o Grupo Latino do primeiro Forum Internacional da ACP, que colocou-seuma crítica vigorosa contra uma tal concepção de pessoa. Assumir estaconcepção de pessoa na América Latina é alienar das possibilidades da

abordagem amplos segmentos da população, e colaborar com o processo de suaaniquilação já a um nível conceitual.

Esta crítica tem se desdobrado nos Encontros Latinos e nos outros encontros daACP na América Latina, e tem potencializado o desenvolvimento de concepçõesda pessoa que integrem a diversidade de sua cultura, de sua socialidade, de suatransindividualidade. Isto se refere, igualmente, à própria pessoalidade doprofissional.

Por outro lado, tem se desenvolvido um movimento vigoroso de reflexão acercados fundamentos filosóficos fenomenológico existenciais da abordagem, e acerca

do modo como eles se constituem na sua teorização e prática. Este movimentopassa, em primeiro lugar, por uma crítica de uma distorção pragmático empiristaque os fundamentos fenomenológico existenciais sofreram nos EUA. Há ummovimento de recuperação dos fundamentos da fenomenologia e doexistencialismo, em particular da filosofia da vida de F. Nietzsche, que forneceramo substrato básico para o desenvolvimento da psicologia e psicoterapiafenomenológico existencial organísmica.

O resultado é que a abordagem goza, pelo menos no Brasil, desde os anossetenta, de um florescimento e vigor que não se observa em outros locais daEuropa e dos EUA, onde entrou, frequentemente, em franca decadência, em

particular depois da morte de Rogers.Recuperada a perspectiva dos fundamentos fenomenológico existenciaisorganísmicos da abordagem, parece importante preservar uma atitude pragmática,uma valorização existencial da prática e da ação, que foram tão importantescontribuições da Cultura Norte Americana e que permitiram os importantesdesenvolvimentos da abordagem nos EUA e a sua propagação pelo mundo.

A gestalterapia constituiu-se intensamente, no Brasil, como uma opção forte noâmbito das psicologias e psicoterapias fenomenológico existenciais. O vigor dasposturas de Perls chegaram-nos através da literatura, ainda que o que foipublicado no Brasil tivesse um caráter excessivamente fragmentário, e carente

dos textos básicos de Perls, como o Gestaltherapy  e o Ego Hunger andAgression.

Profissionais norte americanos, como Maureen Miller O’Hara, tiveram umaimportante contribuição pioneira no desenvolvimento da gestalterapia no Brasil. Nocaso de Maureen, sempre intimamente associada à ACP.

O antigo Centro de Estudos de Gestalterapia de São Paulo, no que peselimitações, teve um importante papel na difusão das idéias e práticas dagestalterapia, colaborando junto com o programa de formação do Instituto Sedes eSpaientiae, como o mais importante núcleo de formação de profissionais de várias

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partes do país. Thérèse Tellegen teve um importante papel como uma referênciafundamental em todo este processo.

A gestalterapia passa também, no Brasil, por todo um processo de resgate deseus fundamentos fenomenológico existenciais dialógicos e de recriação dosreferenciais de sua prática.Desenvolveu-se o Encontro Brasileiro de Gestalterapia, que tem reunidoperiodicamente os profissionais interessados na abordagem e servido como palcopara a apresentação de desenvolvimentos da abordagem no Brasil e discussão deidéias. O que é preocupante, todavia, é que frequentemente estes encontros têmadquirido um caráter extremamente formal e burocrático, distanciado daexperiência mais vital e pessoal dos participantes, ao mesmo tempo em que nãoraro são parasitados por tentativas de desenvolvimento de culto depersonalidades.