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1 2º Seminário de Relações Internacionais: Graduação e Pós-graduação “Os BRICS e as Transformações da Ordem Global” 28 e 29 de agosto de 2014 Política Externa APONTAMENTOS SOBRE A INTEGRAÇÃO REGIONAL PARA INFRAESTRUTURA SUL- AMERICANA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A POSIÇÃO DA POLITICA EXTERNA BRASILEIRA Mariana Duque Carvalho Dias Mestrado PPGH – Universidade Federal Fluminense - UFF

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2º Seminário de Relações Internacionais: Graduação e Pós-graduação

“Os BRICS e as Transformações da Ordem Global”

28 e 29 de agosto de 2014

Política Externa

APONTAMENTOS SOBRE A INTEGRAÇÃO REGIONAL PARA INFRAESTRUTURA SUL-

AMERICANA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A POSIÇÃO DA POLITICA EXTERNA

BRASILEIRA

Mariana Duque Carvalho Dias

Mestrado PPGH – Universidade Federal Fluminense - UFF

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Resumo:

O presente trabalho tem por objetivo sistematizar e refeltir sobre a dinâmica de construção da integração regional sul-americana para a infraestrutura e a posição da politica externa brasileira para a mesma, durante o Governo Lula da Silva. Sua reflexão parte do processo histórico dos projetos de integração regional para a América Latina, com ênfase na integração regional para infraestrutura, através do projeto IIRSA – a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana. A partir de breve análise histórica deste projeto, contextualiza seus elementos constitutivos, estrutura técnica e política, principais eixos de investimento e carteira de projetos, arquitetura financeira e imbricação com os projetos políticos e econômicos de integração regional, como o Mercosul, Plano Mesoamérica e, especialmente, a UNASUL, através de sua inserção ao Cosiplan – Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento. Ao final, traz apontamentos e reflexões sobre os avanços e problemas da IIRSA, seu papel de fomento da economia sul-americana para a inserção no mercado global e o posicionamento da politica externa brasileira para a integração regional. A metodologia deste trabalho tem aporte teórico na análise histórica, em reflexões sobre sua dinâmica geopolítica, econômica e das Relações Internacionais. O aporte empírico trabalha a sistematização bibliográfica, utilizando-se de documentos oficiais dos órgãos diretamente ligados à execução da integração regional na América Latina, tais como BID, CAF. Mercosul, Ministério do Planejamento do Brasil, Ministério das Relações Exteriores do Brasil, CEPAL, IPEA, IIRSA, UNASUL, dentre outros. Também utiliza documentos e artigos de outros órgãos não diretamente ligados à execução da Integração Regional, mas essenciais na reflexão sobre sua dinâmica e direcionamento. Ao final, o trabalho propõe elementos para a construção de uma agenda de pesquisa para o tema proposto.

Palavras- chaves: América do Sul, Integração Regional, Infraestrutura; IIRSA, Brasil

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Introdução

Os processos políticos que marcaram a América Latina no inicio do Século XXI foram

construídos por um movimento histórico de contestação e rompimento com o projeto

neoliberal, que deixou, a partir das medidas propostas pelo Consenso de Washington, um

legado de intensa vulnerabilidade externa nos países do continente, através do aumento das

instabilidades e crises no continente, desigualdades e acentuação das restrições ao

crescimento. Em meados da década de 1990, este movimento ganhou um caráter

antineoliberal e anticapitalista, em especial na América do Sul. Para Castelo (2010), neste

período, o continente vivenciou uma guinada política à esquerda, derrubando diversos

governantes alinhados a Washington e elegendo democraticamente, em alguns países,

lideranças com posições antineoliberais. Este processo levou alguns autores a falar,

‘apressadamente, já em 1994, em uma fase pós-neoliberal. Cada uma delas tem bases

ideológicas e programáticas diferentes e, em alguns casos, divergentes.’ (2010, p.23)

Este processo não foi homogêneo a todos os paises. É importante considerar as

assimetrias existentes na América do Sul, em suas dimensões econômicas, sociais e

culturais, como também em sua dimensão política – no que concerne à definição de uma

opção antineoliberal e anticapitalista ou o devir histórico de alinhamento aos paises centrais.

Um dos pontos que se tornaram consenso, neste novo milênio, foi a necessidade de se

avançar na integração regional, como pauta chave para superar as desigualdades e a

dependência estrutural externa, mesmo que neste ponto existam diferenças quanto ao

modelo de desenvolvimento que se almeja implementar.

Um dos elementos principais nessa nova orientação é a perspectiva de rompimento

da integração regional com o eixo de vinculação direto com os EUA. Para Sarti (2010), o

lugar da América do Sul até o século XX foi o de ‘sócio menor’ da hegemonia estadunidense

e o atual modelo de integração adotado pela maioria dos paises da região, ‘enseja a plena

conversão da política externa dos paises sul americanos à multipolaridade nas relações

internacionais, como condição para a consolidação da democracia nos paises da América do

Sul.’ (2010, p.6)

Outro elemento importante apresentado no inicio dos anos 2000, foi uma melhora nas

economias da região, pelo cenário favorável da economia mundial, que apresentou uma nova

dinâmica, em especial no período entre 2003 e 2007. Este processo ocorreu em consonância

com os novos fluxos comerciais e financeiros advindos de um novo eixo de acumulação do

capital, que interligou os EUA com a China e a Índia e proporcionou um grande avanço nas

exportações da região, ainda que não tenha permitido uma mudança qualitativa em termos

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de estruturação das economias, reprimarizadas durante a égide neoliberal (Carcanholo,

Filgueiras e Pinto, 2009).

Para Fiori (2010), esta expansão se prolongou até 2008 e sua grande novidade

ocorreu na inserção da China como um dos principais eixos das exportações sulamericanas

de commodities, principalmente minérios, grãos e energia. Ainda, o crescimento econômico

advindo das exportações, proporcionou o fortalecimento da capacidade fiscal dos estados,

permitindo o financiamento de projetos de integração da infraestrutura regional em energia e

transporte.

O objetivo deste trabalho é apontar reflexões que possam contribuir para o estudo da

relação entre a forma em curso do projeto de integração regional, a partir do estudo da

integração para a infraestrutura e o padrão de desenvolvimento apontado para a América do

Sul, a partir das mudanças ocorridas no início do século XXI, refletindo sobre o papel da

liderança do Brasil no continente. Este trabalho se constitui em duas seções: a primeira traça

um histórico do projeto IIRSA e seus elementos constitutivos, delineando suas características

politicas e econômicas; na segunda seção, o trabalho traz apontamentos sobre o

posicionamento do Brasil para a integração regional, em especial de infraestrutura, seu papel

como lider regional e reflexões acerca da natureza das mudanças ocorridas no século XXI.

1. A integração física do continente: o projeto IIRSA

A Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul Americana – IIRSA - foi

proposta pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, em consonância com o Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID), durante a reunião dos Doze Chefes de Estado Sul

Americanos, em Brasília, no ano de 2000. Sua proposta consiste na implantação de uma

rede de infraestrutura multimodal, com investimentos em transportes (rodovias, hidrovias,

portos, etc.) e interconexões de energia e comunicações. Estes investimentos são baseados

em dez Eixos de Integração e Desenvolvimento (EID), demarcados geoeconômicamente em

faixas de interpelação e conexão entre os países, a partir dos processos produtivos

potenciais de cada uma dessas faixas, visando o escoamento da produção e a projeção de

novas cadeias produtivas potenciais intrapaises, em especial grãos, minério e

agrocombustíveis. Ainda, os canais multimodais propostos neste projeto de integração, visam

uma ligação direta entre os paises e os Oceanos Atlântico e Pacifico, complementando, a

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partir da América do Sul, o Plano Puebla-Panamá (atual Mesoamérica), que visa a ligação da

América Central à América do Norte.1

Assim, o objetivo inicial da IIRSA foi o de potencializar o desenvolvimento da região

para sua inserção no mercado globalizado, através da construção de infraestrutura para o

fomento às exportações, sob as diretrizes neoliberais do regionalismo aberto. Este objetivo

tinha como parâmetro primeiro a atração de investimentos e financiamento privado para as

obras de infraestrutura, em um momento de declinio dos investimentos diretos estrangeiros

(IDE) na região, em fins da década de 1990.

“A IIRSA nasceu com uma concepção de atrair o setor privado para participar do equacionamento financeiro dos projetos. No Brasil, os investimentos na área começavam a diminuir com a redução da agenda privatizadora empreendida na década de 1990. E, mesmo nessa década, grande parte dos investimentos no setor havia sido direcionada à transferência de ativos, e não a novos investimentos. Com a infraestrutura deficiente, a míngua dos investimentos externos e a crise fiscal do Estado face às turbulências financeiras de epicentro asiático e mexicano que assolaram a região, a IIRSA representou uma tentativa de resgatar a corrente de investimentos em infraestrutura para a região. Assim, exercia uma força de atração aos governos já ideologicamente alinhados da região que buscavam uma alternativa para viabilizar novos investimentos em infraestrutura.” (Couto e Padula, 2012, pg. 452)

A estrutura institucional da IIRSA foi inicialmente concebida e executada, com a sua

coordenação politica exercida pelo Comite de Direção Executiva (CDE) sob a tutela de

representantes de Alto Nivel dos Governos dos países, mas na prática, ficou sob a

responsabilidade das Instituições Financeiras Multilaterais - BID, CAF2 e Fonplata3 - que

compunham tanto o Comite de Coordenação Técnica (CCT), quanto a Secretaria Executiva

do CDE, cumprindo a função de propor, elaborar, captar financiamento e implementar os

projetos. Ao CDE foi relegado apenas a definição dos planos de ação da IIRSA, a partir de

proposições do CCT. É importante ressaltar o alinhamento direto entre BID e Estados Unidos

e sua relevância nas decisões e no planejamento estratégico deste projeto de integração,

também delineado nos principios orientadores da Iniciativa, calcadas nas diretrizes

neoliberais. São sete o principios que constituem a IIRSA: Regionalismo Aberto, os Eixos de

1 Plano Puebla Panamá: projetado em 2001, pelo Presidente Vicente Fox, do México, é um mega projeto que visa integrar o sul

do México à Colômbia, passando pela América Central. Seus projetos são na área de infra estrutura, energia, comunicação,

turismo, transporte, dentre outros. Em 2008, sofreu novas alterações e passou a se chamar Projeto Mesoamérica. No seu

contexto original, a IIRSA, assim como o Plano Puebla-Panamá se colocaram como a territorialização do projeto da ALCA,

para potencializar e normatizar a circulação das exportações da região para o mercado global, em especial de recursos

naturais. 2 Corporação Andina de Fomento. 3 Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata.

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Integração e Desenvolvimento (EID), Coordenação Público-Privada, Convergência

Normativa, Tecnologias da Informação, Aumento do Valor Agregado da Produção e

Sustentabilidade Econômica, Social, Ambiental e Politico-Institucional. Padula (2012) aponta

três principios centrais, que regem o escopo da Iniciativa, influenciando os demais. Para ele,

o Regionalismo Aberto, os Eixos de Integração e Desenvolvimento e a Coordenação Público-

Privada são centrais na concepção da IIRSA. Este último influencia, diretamente, o principio

da Convergencia Normativa ao propor

“o compartilhamento entre governos (em distintos níveis) e o setor privado das ações, coordenação, responsabilidades, financiamento de investimentos, além de iniciativas para estabelecer um ambiente regulatório adequado à participação privada, no âmbito da integração de infraestrutura [ ... ] para que esta impulsione investimentos, especialmente os estrangeiros. Tais critérios acabaram influenciando a hierarquização e a distribuição espacial dos investimentos em infraestrutura.” (Padula, 2012 p. 585)

Os EID’s determinam a organização territorial sulamericana para a implantação da

infraestrutura, a partir de uma avaliação geoecônomica para a construção de corredores de

exportação e um melhor fluxo de mercadorias. Seu planejamento contemplou a identificação

de uma carteira de 532 projetos, dispostos em faixas multinacionais sobre o território

sulamericano, determianndo os fluxos comerciais potenciais e atuais. Dentre os projetos foi

acertada, em 2004, a prioridade de implementação de 31 dos mesmos, dentro da Agenda de

Implementação Consensual (AIC) 2005-2010.

Complementando os EID’s, foram criados os Processos Setoriais de Integração (PSI),

com o objetivo de identificar obstáculos de normatização e institucionais e propor aos países

formas de superá-los, harmonizando os marcos regulatórios nacionais e intrapaíses, para a

integração dos projetos inclusos nos EID’s, permitindo um melhor fluxo regional. São sete PSI

propostos: Instrumentos de Financiamento de Projetos de Integração Física Regional;

Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), Integração Energética, Passos de

Fronteira, Sistemas Operativos de Transporte Aéreo, Marítimo e Multimodal.

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Fonte: www.iirsa.org Mapa 1: Eixos de Integração e Desenvolvimento (EID).

Em 2009, a IIRSA foi incorporada à Unasul4, na perspectiva de ter maior suporte

político dos países às atividades de integração em infraestrutura, garantindo os investimentos

necessários aos projetos prioritários, buscando minimizar os erros de implementação dos

projetos até então, além de propor mudanças na orientação da integração regional com base

no regionalismo aberto. É importante ressaltar a mudança que a formação da Unasul

representou para a integração sulamericana, assim como a incorporação de pautas como a

segurança e a infraestrutura dentro de seu papel de Coordenação Política do continente. Não

há dúvidas que as mudanças qualitativas que o bloco emprega ao continente, corroboram

4 A União das Nações Sul Americanas – Unasul - foi ratificada em 2008 e engloba os 12 paises da região. Sua gênese remonta da criação da CASA – Comunidade Sul-americana de Nações, que já em seus objetivos primeiros ‘tem abordado temas que estão a cargo dos diversos esquemas de integração regional (MERCOSUL-CAN, ALADI, IIRSA), concentrando-se na costura entre os diversos mecanismos’ (Luce, 2007). Seguindo-se estes passos, para S.P.Guimarães (2010), o principal objetivo da Unasul é a coordenação política e cooperação entre os paises da América do Sul. Seu principio orientador é o impulso à integração regional nas áreas de educação, ambiente, educação, infraestrutura, segurança e democracia.

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com as mudanças de caráter antineoliberal e a guinada progressista, que a América do Sul

vem sofrendo desde meados da década de 1990, em especial, nos anos 2000. Politicamente,

a incorporação da IIRSA ao escopo da Unasul promoveu uma expectativa de mudanças:

primeiro, no que tange à implantação de projetos calcados em um modelo de

desenvolvimento que não privilegia apenas a realização, via circulação e dominio do território,

da liberalização total das barreiras para a acumulação do capital internacional, através da

exportação de recursos naturais e sua consequente primarização das economias – mas, que,

em última instância, privilegia o fortalecimento das economias do continente, suprimindo o

histórico quadro de vulnerabilidade externa e alinhamento às determinações da politica

externa dos Estados Unidos; em segundo, sob um contexto mais amplo do papel da Unasul,

para contribuir no reordenamento geopolitico do continente no cenário internacional.

Num primeiro momento, a mudança do projeto IIRSA se deu em três aspectos: i) em

relação ao peso político para as decisões de implementação deste projeto, assim como da

segurança, e de seu papel na consolidação da integração regional; ii) na importância

relegada ao debate das assimetrias existentes no continente, como primordial para a

cooperação e para a integração regional; iii) na sua forma organizacional, com a substituição

do Comitê de Direção Executiva da IIRSA, pelo Comitê Coordenador do Conselho Sul-

Americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN) da Unasul, transformando a

Iniciativa em seu corpo técnico. Esta mudança ampliou o espaço coordenador da IIRSA para

o plano político ministerial dos 12 paises membros, retirando o protagonismo da tríade BID –

CAF – Fonplata e submetendo aos Ministros de Estado, as decisões referentes ao

COSIPLAN. Assim, esta nova instância de coordenação da IIRSA tornou-se o ator chave

para a seleção de projetos, busca de financiamento, comprometimento dos governos na

implementação dos projetos prioritários e na normatização necessária para a integração

territorial regional. (IIRSA, 2011).

Em agosto de 2011, ocorreu a Primeira Reunião dos Coordenadores Nacionais do

COSIPLAN, para definir os moldes e projetos contidos na nova agenda prioritária da IIRSA,

para o decênio 2012-2022. Algumas mudanças foram feitas nas características da AIC,

formando agora, a Agenda Prioritária de Projetos de Integração (API), mas sua natureza,

assim como o número de projetos prioritários permaneceram. Sua mudança consiste

basicamente na garantia, por parte da COSIPLAN, do consenso entre dois ou mais países

para a implementação dos projetos, incrementando os diversos modos de transportes, sendo

a API complementada, dentro desta perspectiva por ações regulatórias e de planificação

territorial, na construção do que vem sendo chamado de Programa Territorial de Integração.

(IIRSA, 2011).

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Fonte: IIRSA, 2012. Mapa 3: API: 2012 – 2022.

Para sua viabilização, a IIRSA possui aportes diretos dos Estados envolvidos e do

capital privado, através das Parcerias Público-Privadas (PPP) e do financiamento de

agências multilaterais como a Corporação Andina de Fomento (CAF), o Fundo Financeiro

para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata) e Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID). Os aportes estatais configuram-se através dos acordos intrapaises

via normatização e liberalização comercial ou de programas de financiamento especiais para

a IIRSA dos blocos, como o FOCEM (Mercosul). O Brasil conta com o Programa de

Financiamento às Exportações Brasileiras - PROEX (Banco do Brasil) e as linhas de

financiamento para exportação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

(BNDES), estas voltadas ao financiamento de empresas públicas e privadas brasileiras na

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construção de infraestrutura no exterior e exportação de produtos. O Banco do Sul5,

vinculado à Unasul, ademais da importância de seu projeto necessitar de um espaço de

reflexão por sua proposta integracionista no campo do financiamento, não caberá aqui com

mais detalhes, por ainda hoje não estar em funcionamento, mesmo que esse fator seja um

ponto importante de estudo sobre seu papel fomentador para a integração regional.

Em termos gerais, os financiamentos aos projetos de infraestrutura são compostos de

uma junção entre capital estatal e privado. Nos anos anteriores à inserção da IIRSA ao

COSIPLAN, a proposta de financiamento, sob a coordenação BID - CAF - Fonplata, era de

maioria de recursos privados, o que não ocorreu, sendo os projetos financiados

majoritariamente pelos Tesouros Nacionais.

É importante apontarmos o diferencial do BNDES6, não apenas na composição de seu

capital, mas principalmente na sua natureza e objetivos. O BNDES não é um banco de

financiamento regional. Ele é um banco brasileiro de desenvolvimento nacional, que em seu

estatuto apenas pode financiar empresas, fusões e aquisições de capital nacional e estatal,

mas que apresenta linhas de créditos para aportar a exportação de produtos nacionais

manufaturados, bens e serviços, através da atuação de empresas brasileiras fora do país. A

composição de seu capital é estatal apenas, sendo sua capitalização feita pelo Estado,

através de Títulos do Tesouro e em sua maioria os aportes são dados a empresas privadas.

Sua importância nesse estudo está na abertura de seu estatuto para a exportação de capitais

através de empresas privadas de capital nacional e que, cada vez mais, vem ampliando seu

financiamento para uma atuação regional e internacional das empresas brasileiras, incluindo

as responsáveis pela construção de infraestrutura nos países da América do Sul.

2. Pontos sobre a posição do Governo Lula para a América do Sul e o projeto IIRSA.

5 Banco do Sul: Proposto por dentro da construção da Comunidade Sul Americana de Nações – hoje UNASUL –foi fundado em dezembro de 2007, por Brasil, Argentina, Equador, Venezuela, Paraguai e Bolívia. Em suas diretrizes de criação, através da ‘Declaraçao do Rio de Janeiro’, de outubro do mesmo ano, os paises membros propõem a construção de um banco alternativo às IFM’s já existentes (Furtado, 2008). Este Banco tem por objetivo financiar diretamente a integração regional, através de projetos relacionados aos setores estratégicos, redução da pobreza, desenvolvimento tecnológico e cientifico, emergência de catástrofes, entre outros. Duas foram as características fundamentais, que permearam sua criação: primeiro, sua formação e gestão serem marcadas apenas por países da região sul americana; segundo, seu objetivo esta diretamente vinculado à integração regional e assim, ‘concedendo crédito sem as restrições e condicionalidades tradicionalmente impostas por instituições como Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento. A idéia surgiu no contexto do ‘projeto bolivariano’ de liderança regional.’ (De Deos, 2009). O Banco do Sul ainda não está em funcionamento. 6 Hoje, o BNDES está estruturado em diversas subsidiárias, que compõem o Sistema BNDES. São elas: BNDESpar, BNDES Exim, BNDES Finame e BNDES Limited. Destes, o Exim e o Limited tem o objetivo de captar e financiar projetos que possam fomentar as exportações brasileiras, incluindo a área de serviços, como a construção. www.bndes.gov.br

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Os antecedentes de criação da IIRSA são importantes, pois nos revelam elementos

de seus objetivos e a consonância direta do Brasil com os mesmos. A proposta da IIRSA

nasceu do chamado Estudo dos Eixos de Integração e Desenvolvimento (ENID),

encomendado pelo Governo FHC ao empresário Eliezer Batista – ex-diretor da Companhia

Vale do Rio Doce (CRVD). Foi projetado pelo governo brasileiro e o BNDES, no final da

década de 1990, e incorpado no programa Avança Brasil (Plano Plurianual 2000-2003).

Couto e Padula (2012) apontam que este foi o primeiro momento em que a liderança

brasileira aparece na criação e rumos da IIRSA - somando-se a isso, o esforço conjunto do

Presidente Fernando Henrique Cardoso e do Presidente do BID, Enrique Iglesias, para

alavancar este projeto, além do principio de atração de capital privado para financiamento -

como no caso das privatições e concessões, base da politica econômica brasileira no

período.

O alinhamento às diretrizes da politica externa dos EUA, à cartilha neoliberal e ao

principio do Regionalismo Aberto foram características presentes na política econômica,

quanto na política externa do governo FHC, incluindo sua posição para a América do Sul.

Garcia (2012) analisa que em sua politica externa, o governo FHC seguiu duas direções: i) no

plano global trouxe um viés institucionalista, com aumento na participação de regimes e

instituições, maximizando ganhos absolutos; e ii) construiu frente a América do Sul um

processo de institucionalização minimizado e ‘procurou acumular poder e liderança regional,

porém sem fazer concessões ou arcar com os custos da cooperação, elaboração e

implementação de regras na região.’ (2012, p.133). Desta forma, os interesses de curto prazo

prevaleciam aos de longo prazo, privilegiando a manutenção da autonomia, da flexibilidade e

a preocupação com ganhos relativos em beneficio próprio.

Este período de alinhamento às politicas do Consenso de Washington levaram a

sucessivas crises no sistema global e no continente, a partir de meados da década de 1990 e

início dos anos 2000 – como México (1994), Argentina (1999) e Brasil (2000). Este

esgotamento trouxe consideráveis mudanças para a América Latina, em especial a América

do Sul, com a chegada de governos à esquerda ao poder, que resultaram em um

afastamento ideológico dos EUA – com o abandono das negociações da Alca; uma

aproximação dos países sulamericanos com novas perspectivas de projeto integracionista;

um crescimento econômico dos países da região, acompanhando um momento virtuoso da

economia global; e a aproximação com novos players mundiais, como a China. O Governo de

Luís Inácio Lula da Silva se consolidou neste processo histórico de mudanças.

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Para Garcia (2012), o governo Lula definiu uma politica externa de inserção soberana

do país no mundo, através de sua vinculação a um ‘desenvolvimento nacional alternativo’7.

Para a América do Sul, buscou uma maior cooperação regional, através do aumento da

institucionalização politica e econômica, mesmo sob o pagamento de maiores custos ao

Brasil, com a perspectiva de ganhos de longo prazo. Neste projeto, a diplomacia ganhou a

conotação de um importante instrumento de apoio ao projeto de desenvolvimento. Dois

elementos importantes ganham novos significados: i) a América do Sul ganha prioridade na

estratégia geopolitica do Brasil de inserção soberana no sistema mundial, como afirma

Guimarães (2010), de que a América do Sul é o futuro do Brasil e o futuro da América do Sul

está no Brasil; ii) a relevância da cooperação para a superação das assimetrias exiestentes

entre os países do continente, mesmo que tragam determinada ‘continuidade’ do periodo

FHC, ganha nova conotação ao apontá-las como grande desafio para a promoção do

desenvolvimento dos países mais atrasados, tornando a região, uma área dinâminca,

inovadora e econômica (Guimarães, 2010).

Couto e Padula (2012) assinalam as importantes inflexões trazidas pela liderança

brasileira, a partir dos anos 2000, com o direcionamento da política externa brasileira. Para

eles, este direcionamento ainda traz elementos de cristalização e amadurecimento no que

tange à ampliação da agenda regional, com a questão social e as assimetrias como pautas

chave e no aprofundamento da institucionalização multilateral. Mas, ao mesmo tempo,

apontam para superações como a criação da Unasul, por trazer temas que ampliam o

discurso diplomático para ações concretas, juntamente com uma maior presença do Estado

como promotor do desenvolvimento, mesmo que o combate às desigualdades não seja

efetivo.

Quanto à integração física, o governo Lula assumiu a importância da IIRSA no escopo

de sua política externa para a América do Sul. Uma de suas principais ações referentes a

mesma foi a liderança na construção da Unasul, assumir a primeira Presidência Pro-Tempore

do Cosiplan e a inserção da Iniciativa ao comando político do bloco, retirando a tríade BID –

CAF – Fonplata de sua coordenação. Para Guimarães (2010), o projeto do Brasil para 2022

tem em seu principio norteador a inserção do Brasil na América do Sul de forma intensa,

complexa e profunda, em suas dimensões políticas e econômicas. As razões econômicas

apontam que a interligação e expansão da infraestrutura – transportes, energia e

7 Garcia, Ana E. Saggioro. A internacionalização de empresas brasileiras durante o governo Lula: uma análise crítica da relação entre capital e Estado no Brasil contemporâneo. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Instituto de Relações Internacionais, 2012. P. 134.

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comunicações - ampliará os fluxos de comércio, migratórios e de investimentos entre o Brasil

e seus vizinhos.

Ainda, no que concerne à infraestrutura, o governo Lula determinou algumas ações

para o fortalecimento de sua inserção no continente, através do fomento à

internacionalização das empresas brasileiras e a ampliação de obras de infraestrutura no

Brasil. No inicio de seu primeiro mandato, o governo brasileiro encomendou ao BNDES um

relatório sobre a visão estratégica do país sobre a America Latina. Como resultado, propôs

como uma de suas prioridades a alteração da geopolítica, através de nova correlação de

forças favorável aos paises emergentes, da diminuição das vulnerabilidades, aumento da

autonomia dos paises, o dialogo Sul – Sul e a aproximação de interesses comuns, com a

construção de uma coordenação política do continente (hoje UNASUL), instrumentalizados

pelo fortalecimento do Mercosul, da aproximação com a CAN, da construção de uma

infraestrutura regional e a preparação do Brasil para as novas fases mais agressivas da

globalização (Mantega, 2005).

Ainda, como resultados diretos da visão e ação estratégica do Brasil sobre a América

do Sul, Mantega (2005) – presidente do BNDES neste período – apontou no mesmo

documento do órgão, i) a necessidade de aumentar a competitividade das empresas

nacionais, a partir do aumento de comércio intrarregional; ii) a modernização da economia e a

superação dos problemas estruturais, pela atração de investimentos diretos nacionais e

estrangeiros: iii) melhoria das condições de vida da população brasileira e sulamericana; e iv)

incremento nos fluxos comerciais regionais, a partir das oportunidades geradas pela

implantação de infraestrutura nos campos de energia, transporte e comunicações, com a

criação de novos corredores de exportação.

O processo de internacionalização das empresas brasileiras sempre esteve

diretamente ligado com a integração para infraestrutura. Em sua atuação, a diplomacia do

governo brasileiro proporcionou uma divisão do mercado regional para a concretização da

IIRSA. Luce (2009) aponta, que através da diplomacia econômica desenvolvida pelo

Departamento de Integração Sulamericana, em fins de 2004, foi fechado um acordo de

divisão de mercados abertos pela nova carteira de projetos de infraestrutura, em reunião na

sede do BNDES, com as sete maiores empreiteras brasileiras - Odebrecht, Andrade

Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, OAS, Carioca e EIT. Concomitante a este

processo, o BNDES incorporou ao seu escopo, a estratégia no apoio à integração regional e

na internacionalização das empresas do país, com a definição do governo brasileiro de seu

papel de financiador da integração da América do Sul, através de programas de exportação

de bens e serviços e de investimentos fora do Brasil (Mantega, 2005). Já em 2007, o BNDES

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superou o BID tanto em ativos totais, quanto em desembolsos e em 2009, ultrapassou

também o Banco Mundial, no valor total de desembolsos (De Deos, 2009).

No Brasil, a construção da maioria dos projetos de infraestrutura foram concentrados

no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, que abarca

investimentos de Parcerias Público-Privadas e tem amplo leque de execução, como

infraestrutura urbana, habitação, mineração, energia, transporte multimodal, comunicações e

mega eventos, como a Copa do Mundo as Olimpíadas. Neste programa, estão incluídos

muitos projetos da IIRSA, como o Complexo do Rio Madeira, que perpassa o Eixo

Interoceânico. Segundo o governo brasileiro, os objetivos iniciais do PAC seguem a mesma

direção da Iniciativa.8 Em março de 2010, foi lançado o PAC 2, com a previsão de

investimentos na ordem de R$ 1 trilhão, em quatro anos – 2011 a 2014, com prioridade para

o escoamento da produção do Centro-Oeste brasileiro, obras do pré-sal, energia e logística.

Este processo de construção da infraestrutura fortaleceu no Brasil, a partir das Parcerias

Público-Privadas, a tendência à incidência do setor privado sobre o público, principalmente

no que se refere ao financiamento e normatizações. Um exemplo desta incidência foi o

projeto Norte Competitivo9 organizado pela CNI para a construção de infraestrutura na

Amazônia. O projeto ainda não saiu do papel, mas está sendo acordado com o governo

federal a sua inclusão no PAC 3.10

Analisando a partir dos antecedentes da IIRSA, para De Deos (2009), a sua

superposição com os ENID se manifesta também ao observar as principais empresas e

órgãos financiadores que participam dos projetos regionais, como as empreiteras brasileiras

acima citadas e o BNDES e que trazem em si, o beneficiamento direto do Brasil neste

processo de integração física na América do Sul. E segue, afirmando, que o estabelecimento

da vontade politica de concretização material dos projetos regionais, aliado a um conjunto

8 O PAC é um projeto mais amplo que a IIRSA, no que se refere às frentes de atuação, mas também tem como prioridades as frentes de transporte, energia e comunicações. Os principios de investimentos público – privados e da convergência normativa também são intrinsecos ao programa. Mais informações em: Programa de Aceleração do Crescimento 2007-2010. Governo Federal: 22 de janeiro de 2007. 9 No projeto Norte Competitivo, a CNI identificou 151 obras necessárias à ampliação e modernização da malha local de transportes, com perspectiva de investimentos na ordem de R$ 52 bilhões. Seu objetivo é ‘nortear as ações do setor público na área de infraestrutura para os próximos dez anos, ao apontar as demandas logísticas dos produtores da região’, em especial grãos e minério. (Revista Valor, 2011). O projeto propõe o aumento da movimentação de mercadorias pela Amazônia Legal, abrangendo uma área maior que cinco milhões de quilômetros quadrados – o equivalente a 61% do território nacional. Exemplos de integração deste projeto são: a BR 364, ligando o Mato Grosso ao Sudeste e a finalização do corredor internacional para ligar o Brasil aos portos do Pacífico, no Peru e no Chile. A proposta foi complementada pelos projetos Sul Competitivo e Nordeste Competitivo. 10 Norte Competitivo poderá ser incluído no PAC 3. Matéria publicada no dia 05 de junho de 2014, no site da SUDAM. http://www.sudam.gov.br/comunicacao-social/1007-norte-competitivo-podera-ser-incluido-no-pac-3

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organizado dos mesmos, se tornou uma fonte importante de demanda de serviços para estas

empresas.

A relação entre os elementos constitutivos da politica externa brasileira nos anos

2000, para a integração regional para infraestrutura da América do Sul e as ações de

governo para a concretização da mesma podem nos apontar algumas contradições no que

concerne às perspectivas estruturais de mudanças que acompanharam o continente no inicio

do milênio. Garcia (2012) observa que o governo brasileiro pretendeu combinar os objetivos

‘autonomia’, ‘desenvolvimento’e ‘credibilidade’, para definir sua estratégia de política externa.

Desta forma, procurou combinar visões divergentes: i) procurou romper com o modelo

econômico neoliberal, buscando corrigir as vulnerabilidades macroeconômicas, ao mesmo

tempo que procurou a credibilidade dos mercados. ii) para alcançar o objetivo anterior,

precisou organizar a convivência de interesses conflitantes de classe (trabalhadores, sem

terras, empresas, agronegócio, mercado financeiro, Estado, etc) em um modelo de

desenvolvimento, buscando sintetizar o resultado de ampla negociação nacional para

assegurar o crescimento com ‘estabilidade’, através de uma grande aliança. Garcia ainda

aponta, que as posições opostas encontravam-se inclusive na base de apoio do governo e

todos exerciam pressão para a formulação da política externa.

3. Considerações finais

As mudanças ocorridas no continente sulamericano no início do milênio são

importantes e buscaram avançar, por parte do posicionamento de alguns países, na

superação das desigualdades, da vulnerabilidade e dependência externa estrutural, que os

mesmos foram submetidos historicamente. O Brasil teve fundamental importância neste

processo, com posturas progressistas em sua política externa e em seu papel de líder

regional, posicionando-se como importante player no continente para o reposicionamento

geopolitico da América do Sul e sua incidência cada vez maior nos desdobramentos político-

ideológicos da América Central e Caribe (Fiori, 2010). Dentre os muitos pontos positivos no

avanço da integração regional sulamericana, é importante ressaltar os avanços obtidos com a

formação da Unasul e a unidade que o bloco obteve nos temas da segurança e infraestrutura,

permitindo a autonomia da maioria dos países nas decisões, a partir de um distanciamento

das diretrizes da política externa estadunidense.

De qualquer forma, este processo nos aponta uma série de contradições, necessárias

de serem ressaltadas e aprofundadas em sua análise. Primeiramente, podemos apontar a

contradição existente entre as demandas dos países, suas posições políticas e as mudanças

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efetivas ocorridas. Não apenas a presença de países como Colômbia, Peru e Chile –

gepoliticamente importantes por sua localização na Costa do Pacífico e que seguem

alinhados ideologicamente com os EUA – dificulta a unidade regional, mas também as

assimetrias no que concerne ao peso político na correlação de forças entre os Estados

nacionais, seja para garantir seus interesses, seja para abarcar o financiamento de projetos

de infraestrutura, que os contemple efetivamente. Para Couto e Padula (2012), o processo de

integração regional deveria buscar a resolução do bem comum entre os países, mas segue

marcado pela convivência contraditória entre projetos e interesses nacionais e regionais.

Em segundo lugar, a implementação dos projetos de infraestrutura regional, mesmo

com a mudança em sua coordenação política, ainda segue sob a tutela do Regionalismo

Aberto, efetivando-se sob o monopólio do capital privado, de seu consequente domínio

territorial e a manutenção do objetivo de ampliação de corredores de exportação de recursos

naturais entre Atlântico e Pacífico, fortalecendo a reprimarização das economias nacionais.

Este fato contradiz-se na relação entre permitir que países com economias frágeis e

primarizadas, carentes de infraestrutura, se apoderem de tecnologia, logística e subsídios,

para sua estruturação soberana, através da cooperação com os países mais estruturados e o

fomento, por parte do Brasil, à internacionalização de suas empresas nacionais de capital

privado para a execução dos projetos de infraestrutura, que em última instância, continuam

seguindo um modelo de desenvolvimento que privilegia o livre mercado, a globalização e, em

muitos casos, a apropriação privada do financiamento público e do território, através de

concessões e normatizações.

Em terceiro lugar, as mudanças ocorridas até então foram importantes, assim como é

necessário compreender o longo tempo demandado para a efetivação de um processo

integracionista. Mas, não podemos ainda falar em uma mudança qualitativa na natureza e

objetivos da integração para a infraestrutura na América do Sul, capaz de superar de forma

estruturante e mesmo em longo prazo, as históricas desigualdades dos países, assim como a

inserção soberana do continente na divisão internacional do trabalho, que não o de

exportador de recursos naturais. O debate sobre o modelo de desenvolvimento que permeia

este processo é relevante, necessário e deve ser aprofundado para acompanhar o escopo

das mudanças que precisam se efetivar.

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