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    Marcos Antonio Bezerra Brito

    Apontamentos sobre mtodos de trabalhoem direito constitucional tributrio:

    O sistema constitucional tributrio na visode cincia do direito de autores e

    decididores

    DISSERTAO DE MESTRADO

    DEPARTAMENTO DE DIREITOPrograma de Ps-Graduao em Teoria Geral do

    Estado e Direito Constitucional

    Rio de Janeiro

    Abril de 2005

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    Marcos Antonio Bezerra Brito

    Apontamentos sobre mtodos de trabalho em direitoconstitucional tributrio:

    O sistema constitucional tributrio na viso de cincia do direito deautores e decididores

    Dissertao de Mestrado

    Dissertao apresentada como requisito parcialpara a obteno do grau de Mestre peloPrograma de Ps-Graduao em Teoria Geraldo Estado e Direito Constitucional doDepartamento de Direito da PUC-Rio.

    Orientador: Prof. Jos Ribas Vieira

    Rio de JaneiroAbril de 2005

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    Marcos Antonio Bezerra Brito

    Apontamentos sobre mtodos de trabalho em direitoconstitucional tributrioO sistema constitucional tributrio na viso de cincia de autores e

    decididores

    Dissertao apresentada como requisito parcialpara a obteno do grau de Mestre peloPrograma de Ps-Graduao em Teoria Geraldo Estado e Direito Constitucional doDepartamento de Direito da PUC-Rio. Aprovadapela Comisso Examinadora abaixo assinada.

    Prof. Jos Ribas VieiraOrientador

    Departamento de Direito PUC-Rio

    Prof. Ricardo Lobo TorresDepartamento de Direito PUC-Rio

    Prof. Fernanda Duarte Lopes Lucas da SilvaUniversidade Gama Filho

    Prof. Joo Pontes NogueiraVice-Decano de Ps-Graduao do Centro de

    Cincias Sociais da PUC-Rio

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    Rio de Janeiro, 3 de abril de 2005Todos os direitos reservados. proibida a reproduo total ou

    parcial do trabalho sem autorizao da universidade, do autor e

    do orientador.

    Marcos Antonio Bezerra BritoGraduou-se em Direito na UFF (Universidade FederalFluminense) em 2002. professor de Direito Tributrio da FESO(Fundao Educacional da Serra dos rgos Terespolis RJ),diplomado pela Escola Superior de Guerra do Ministrio daDefesa, e Auditor Fiscal da Receita Federal.

    Ficha catalogrfica

    CDD: 340

    Brito, Marcos Antonio Bezerra

    Apontamentos sobre mtodos de trabalho em direitoconstitucional tributrio: o sistema constitucional tributriona viso da cincia do direito de autores e dicididores /Marcos Antonio Bezerra Brito ; orientador: Jos RibasVieira. Rio de Janeiro : PUC-Rio, Departamento deDireito, 2005.

    155 f. ; 30 cm

    Dissertao (mestrado) Pontifcia UniversidadeCatlica do Rio de Janeiro, Departamento de Direito .

    Inclui referncias bibliogrficas

    1. Direito Teses. 2. Sistemas jurdicos. 3. Sistemaconstitucional tributrio. 4. Direito constitucional. I. Vieira,Jos Ribas. II. Pontifcia Universidade Catlica do Rio deJaneiro. Departamento de Direito. III. Ttulo.

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    Ao Estado Brasileiro e Igreja Catlica,pela educao, o civismo, e estaoportunidade.

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    Agradecimentos

    Aos meus pais,

    ntimos, intelectuais e espirituais,

    da infncia em casa, da juventude nas escolas, e deste incio de maturidade na

    academia.

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    Resumo

    Brito, Marcos Antonio Bezerra; Vieira, Jos Ribas. Apontamentos sobremtodos de trabalho em direito constitucional tributrio: o sistema

    constitucional tributrio na viso de cincia do direito de autores edecididores. Rio de Janeiro, 2005. 140 p. Dissertao de Mestrado Departamento de Direito, Pontifcia Universidade Catlica do Rio deJaneiro.

    O propsito de identificar mtodos de trabalho em direito constitucional

    tributrio referidos ao sistema tributrio nacional a justificao deste trabalho,

    que buscou referncias de anlise, de compreenso e de cotejo dos autores e

    decididores do sistema tributrio nacional estudados itinerando as orientaes de

    Friedrich Mller, Konrad Hesse, Karl Larenz, Klaus-Wilhelm Canaris, Jrgen

    Habermas, Niklas Luhmann, Robert Alexy, Humberto Bergmann vila e Eros

    Roberto Grau. Para identificar mtodos de trabalho em direito constitucional

    tributrio referidos ao sistema tributrio nacional percorremos as noes de

    sistema jurdico, de sistema constitucional, de sistema tributrio, e uma viso

    contempornea de cincia do direito, na qual a legitimao do direito passou ao

    procedimento decisrio em que o direito posto, pela legislao, administrao e

    jurisdio, portanto no mais pressuposta como uma vontade legtima nsita ao

    texto da norma ou fixada num instante do passado pelo elaborador desse texto,

    resultando o direito legitimado apenas pela interpretao de textos de normas.

    Ento via legitimadora do direito, cabe tornar os procedimentos decisrios

    itinerrios que permitam previsibilidade e controlabilidade das decises. Este o

    procedimento, itinerrio de decidir, mtodo de cincia do direito no estudo

    buscado. Para tanto estudamos a proposta de legitimao do direito pelo

    procedimento tico-argumentativo de Jrgen Habermas, desdobrado nas teorias da

    argumentao jurdica, como a de Robert Alexy, e a proposta de legitimao do

    direito pelo procedimento sistmico de Niklas Luhmann, que serve metdica de

    direito constitucional de Friedrich Mller. Notadamente no direito tributrio

    brasileiro, em que o sistema de antemo diferenciado pela constituio o

    sistema tributrio nacional -, as relaes entre seus elementos as normastributrias - so j fixadas, diferentemente dos sistemas jurdicos que se formam

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    apenas a partir de coletneas de decises, de casos, das quais se inferem seus

    princpios identificadores e unificadores, porque no diferenciados por fixao

    constitucional. Da que o procedimento de legitimao da atuao do estado no

    exerccio de sua funo fiscal seja de incio o procedimento sistmico, e no o

    procedimento tico-argumentativo: permeiam a emergncia de um e outro

    procedimentos de legitimao do direito tributrio a funo fiscal do estado e a

    cidadania. Este o referencial inicial para a identificao de mtodos de trabalho

    em direito constitucional tributrio nas obras de autores brasileiros e na

    jurisprudncia constitucional tributria.

    Palavras-chaveJurisdio constitucional tributria, funo fiscal, sistema jurdico, sistema

    tributrio nacional, metdica jurdica, interpretao, concretizao, racionalidade

    analtica, racionalidade tico-discursiva, hermenutica jurdica.

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    Zusammenfassung

    Brito, Marcos Antonio Bezerra; Vieira, Jos Ribas. Linien ber

    Arbeitsmethoden des Verfassungssteuersrechts: dasVerfassungsteuersrechte System in das Begriff des Rechtwissenchaftsvon Autoren und Richter. Rio de Janeiro, 2005. 140 S.Magiesterarbeitsschreibung Departament des Rechts, PontifciaUniversidade Catlica do Rio de Janeiro.

    Das Vorhaben der Arbeitsmethoden des Verfasungssteuerrechts im

    Verbindung mit dem Nationalen Steuersystem zu identifizieren ist die

    Rechtfertigung dieses Werkes. Darin suchte man Analystische Referenzen,

    Verstndnis und Vergleich der Autoren und Richter des Nationalen Steuer

    Systems laut der Anleitungen von Friedrich Mller, Konrad Hesse, Karl Larenz,

    Klaus-Wilhelm Canaris, Jrgen Habermas, Niklas Luhmann, Robert Alexy,

    Humberto Bergmann vila und Eros Roberto Grau. Um Arbeitsmethoden des

    Verfassungssteuerrechts in Verbindung mit dem Nationalen Steuern System zu

    identifizieren, haben wir die Begriffe von Juristichensystem, Verfassungssystem,

    Steuersystem und eine heutige Auffassung der Rechtswissenschaft, in die die

    Legitimation des Rechtes auf Entscheidungsverfahren, wo das Recht bei dem

    Gesetzt, der Verwaltung und der Jurisdiktion gestellt ist, also nicht mehr als ein

    Legitimer Wille in den selbst Texte die Norm voraussetzt oder in einem Moment

    der Vergangenheit fr den Gesetzgeber bestimmt war, so, dass das legitimierte

    Recht das erste Resultat der Interpretation der Norm ist. So soll dieses

    rechtfertigende Mittel des Rechtes das Entscheidungsverfahren, dass

    Voraussichtlichkeit und die Moglichkeit eine Eintscheidung zu kontrollieren

    erlaubt. Das ist ein Weg fr die Entscheidung und Methode derRechtswissenschaft im dieser Arbeit. Also studieren wir die Beantragung von

    Rechtslegitimation durch ein ethisches discursives Verfahren von Jrgen

    Habermas, dass in die Theorien der juristichen Argumentation, wie zum Beispiel

    die Theorie von Robert Alexy und die Beantragung der Rechtslegitimation durch

    das systematische Verfahren von Niklas Luhmann, in welches der

    Verfassungsrechtsmethodik von Friedrich Mller benutzt ist, gefaltet ist. Im

    brasilianische Steuerrecht, wo das System in der Verfassung differenziert wird das Nationalen Steuersystem , die Verbindungen zwischen den Elementen - die

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    steuerliche Norme werden schon befestigt, verschedenlich als die juristiche

    Systeme, die erst durch Entscheidungen, durch Flle gebildet werden. Von diesen

    Flle, ist die Staat Steuerungs Legitimation von systematischen Verfahrens als ein

    ethisches diskursives Verfahren vorzuziehen ist: die steuerliche Funktion und das

    Brgerrecht die Beantragungen des Steuerrechts Legitimations Auftauchen

    dazwischenkommen. Das ist der erste Bezug um die Arbeitsmethoden des

    Verfassungssteuerrechts in den Werken brasilianischer Autoren und in der

    Verfassungssteuersjurisprudenz.

    Schlsselworte

    Verfassungssteuerrecht Jurisdiktion, steuerliche Funktion, juristiches

    System, das Nationalen Steuersystem, juristiche Methodik,

    Interpretations/Auslegung, Konkretizierung/Veranschaulichung, analytische

    Rationalitt, ethische Rationalitt des Diskurs, juristiche Hermeneutik.

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    Sumrio

    Introduo 15

    Itinerrio de estudo 17

    Captulo I O direito tributrio brasileiro sistematizado pela legislao

    constituinte

    Sistemas, sistemas jurdicos, e sistema tributrio naciona

    l: a jurisprudncia como prtica de cincia e como cincia prtica 23

    1.1. O problema da legitimao das valoraes e da construo

    do sistema constitucional tributrio jurdico/normativo:

    procedimento sistmico e procedimento tico-discursivo 25

    1.1.1. O problema da densidade valorativa dos princpios

    constitucionais legislados 26

    1.1.2. Meios de legitimao da atuao do estado em sua

    funo fiscal: procedimento sistmico e procedimento

    tico-discursivo 28

    1.1.2.1. A legitimao do direito pelo procedimento sistmico

    luhmanniano 28

    1.1.2.2. Legitimao do direito pelo procedimento

    tico-discursivo habermasiano e os diferentes estgios das

    sociedades organizadas ocidentais contemporneas 34

    1.2.3. Metdica jurdica constitucional e o sistema tributrio 38

    1.2.3.1. O sistema tr ibutrio brasi le iro e sua

    diferenciao const i tucional izada pela legis lao 38

    1.2.3.2. A proposta de metdica estruturante de Fri edrich

    Mller e a concret izao do s istema tr ibutrio nacional 40

    1.2.3.3. O trabalho hermenutico-fenomenolgico no processo de

    concretizao do sistema tributrio nos hard cases 45

    1.2. Noes de conjunto, sistema e estrutura constitucional tributria 51

    1.2.1. As noes instrumentais conjunto, sistema e estrutura de

    normas jurdicas 50

    1.2.2. O itinerrio dos juzos tributrios do cidado e do

    decididor estatal 53

    1.2.3. O sistema constitucional tributrio legislado 54

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    Captulo II - O sistema e os princpios constitucionais tributrios

    no mtodo e na viso de cincia de autores brasileiros 57

    2.1. Introduo 58

    2.2. Alcance e representatividade da amostra 59

    2.3. O Sistema e princpios constitucionais tributrios: Direito,

    cincia, sistema e princpios constitucionais tributrios na viso

    de Paulo de Barros Carvalho 60

    2.3.1. Formao acadmica 60

    2.3.2. Trajetria profissional 60

    2.3.3. Quadro terico 60

    2.3.3.1. Direito, cincia do direito, sistema normativo, sistema

    jurdico e o sistema tributrio nacional 60

    2.3.3.2. A linguagem do direito e da cincia do direito de Paulo de

    Barros Carvalho 64

    2.3.3.3. Sobre a lgica jurdica da cincia do direito de Paulo de

    Barros Carvalho e o positivismo lgico do Crculo de Viena 65

    2.3.3.4. O papel dos princpios na construo pragmtica

    jurdico-prescritiva de Paulo de Barros Carvalho e o ps-positivismo

    de Dworkin, Alexy e Mller 67

    2.4. O direito, a cincia, o sistema e os princpios constitucionais

    tributrios na perspectiva de Sacha Calmon Navarro Coelho 71

    2.4.1. Formao acadmica 71

    2.4.2. Trajetria 71

    2.4.3. Quadro terico 71

    2.4.3.1. Quanto ao direito, a cincia do direito e o direito-sistema 71

    2.4.3.2. O direito como objeto da cincia, os sistemas normativos

    e os sistemas de normas jurdicas 74

    2.4.3.3. Concluses parciais 78

    2.5. O direito, a cincia, o sistema e os princpios constitucionais

    tributrios na perspectiva de Ricardo Lobo Torres 81

    2.5.1. Formao acadmica 81

    2.5.2. Trajetria profissional 812.5.3. Quadro terico 81

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    2.5.3.1 Cincia do direito tributrio, mtodo e interpretao

    em direito financeiro e tributrio 81

    2.5.3.2 Sistemas tributrios e o sistema tributrio nacional 91

    2.5.3.3 Princpios constitucionais financeiros/tributrios 95

    2.5.3.4 Concluses parciais 99

    2.5.3.4.1. Quanto viso de cincia do direito tributrio,

    mtodo e interpretao em direito financeiro e tributrio 98

    2.5.3.4.2. Quanto concepo de sistema tributrio nacional 100

    2.5.3.4.3. Quanto aos princpios constitucionais financeiros/tributrios 101

    Captulo III O sistema e os princpios constitucionais tributrios

    no trabalho da jurisprudncia constitucional brasileira 103

    3.1. Reflexo sobre a jurisprudncia constitucional em matria

    tributria: elementos de interpretao da constituio tributria

    pelo STF 103

    3.2. Direito, sistema e interpretao constitucional tributria pelo

    STF antes e depois da CF/88 105

    3.3. Sobre a jurisprudncia constitucional tributria e seu

    3.4. intento de prxis 109Concluso 130

    Bibliografia 131

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    Fenomenologia: Se o sentido do ser das coisas no , napercepo, algo isolvel e auto-suficiente, e sim o

    resultado de uma certa articulao do sensvel,

    desaparece nesse caso o problema de instituir um

    paralelismo entre a ordem considerada positiva dascoisas percebidas e a ordem - confirmada na idealidade

    das coisas ditas. H agora uma base comum na

    intencionalidade do corpo-homem como poder de abrir

    certas dimenses, de instituir diferenciaes no

    continuum espao-temporal (Andrea Bononi

    Fenomenologia e estruturalismo).

    Cincia emprica: Formular uma definio aceitvel decincia emprica tarefa que encerra dificuldades.

    Algumas dificuldades decorrem do fato de que devem

    existir muitos sistemas tericos cuja estrutura lgica similar estrutura lgica do sistema aceito, em um

    particular instante da histria, como sistema de cincia

    emprica. Esse fato descrito, algumas vezes, afirmando-

    se que h grande nmero presumivelmente infinito de

    mundos logicamente possveis. Entretanto, o sistema

    que se denomina cincia emprica pretende

    representar apenas um mundo: o mundo real, ou o

    mundo de nossa experincia (Karl Popper A

    experincia como mtodo, in A lgica da pesquisa

    cientfica).

    Teoria do estado/ direito constitucional: El objeto de la

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    teora Del Estado y del derecho constitucional es el

    Estado en cuanto parte de la realidad espiritual. Al ser

    partes de la realidad, las formas espirituales colectivas

    no constituyen sustancias estticas, sino una unidad de

    sentido de realidad espiritual, esto es, actos espirituales.

    Lo que les caracteriza es un proceso de actualizacinfuncional, de reproduccin; dicho con ms precisin, un

    continuo proceso de laboriosa configuracin social (que

    puede ser valorado indistintamente como progreso o

    como deformacin). Unicamente en y a travs de este

    proceso existen, o mejor, son realizadas nuevamente en

    cada instante aquellas formas colectivas. (Rudolf Smend

    La integracin como processo fundamental de la

    dinmica del Estado, in Constitucin y derecho

    constitucional)

    Legitimao pelo procedimento:As aes dos indivduosesto ligadas permanentemente mediante a comunicao

    plena de sentido. Estes sistemas de relaes sociais

    (como os sistemas jurdicos) reconstituem-se

    continuamente de maneira reflexiva. Com fundamento e

    mediante o recurso s estruturas pr-existentes

    orientadas por um sentido (p. ex., ordem

    constitucional), so modificados os atuais contedos de

    sentido orientadores de conduta (p.ex., as normas

    jurdicas) e produzidos outros novos, transmitidos pela

    comunicao.(Reinhold Zippelius Aspectos de teoria

    dos sistemas, in Teoria Geral do Estado).

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    INTRODUO GERAL

    A constitucionalizao do Sistema Tributrio Nacional (STN) de 1988tornou insuficientes os instrumentos de interpretao e aplicao1 do direito

    tributrio encetados a partir da lei complementar reguladora Cdigo Tributrio

    Nacional (CTN). A atual constituio traz normatividade no fixada na preciso

    de seus termos lingsticos, nem por isso subsidiria de uma vontade do legislador

    constitucional ou complementar expressa, situada naquele instante do passado do

    processo legislativo e da assemblia constituinte. Ao contrrio, os elementos de

    concretizao da normatividade tributria constitucional, aberta para dentro do

    tempo2, somente podem ser cogitados, concebidos, compreendidos no tempo das

    circunstncias econmicas, sociais, polticas, culturais que se apresentam e

    sucedem, e no espao de questes prticas, concretas, hermeneuticamente

    situados. Da porque no mais suficiente a interpretao abstratamente

    considerada de um texto legal de direito tributrio a emprestar significado e

    sentido ao regramento jurdico-tributrio cotidiano apenas: a normatividade

    constitucional tributria atual, concreta, situacionalmente referida funo fiscal

    e cidadania.

    A par dos elementos tradicionais de interpretao, que do conta do

    tratamento do texto da norma tributria infraconstitucional, o sistema

    constitucional tributrio, subsistema constitucionalmente diferenciado, que no

    apenas jurdico, deve ser concretizado na extenso de seus variados momentos, na

    profundidade especfica de cada caso, com a medida de diferenciao para o

    exerccio da funo fiscal e da cidadania constitucionalmente fixada.

    1Somente interpretamos textos para aplic-los. Apenas por uma racionalidade analtica se faz estaseparao, de sentido apenas didtico e abstrato, portanto sem sentido prtico. Ver Grau, ErosRoberto, Ensaio e discurso sobre a interpretao/aplicao do direito, SP, Malheiros, 2003, p.22: O intrprete procede interpretao dos textos normativos e, concomitantemente, dos fatos,de sorte que o modo sob o qual os acontecimentos que compem o caso se apresentam vai tambmpesar de maneira determinante na produo da(s) norma(s) aplicvel(veis) ao caso.2 Hesse, Konrad, Elementos de direito constitucional da Repblica Federal da Alemanha,P.Alegre, S.A.Fabris, 1998, p.40.

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    O programa da norma3 tributria contido em seu texto4, j agora

    referido 1. a uma avaliao do mbito da norma5tributria mbito social (e.g.

    seguridade, nas contribuies sociais), mbito econmico (e.g. economia poltica,

    balana comercial e de pagamentos), mbito poltico (e.g. curso e estabilidade do

    planejamento governamental, poltica cambial, fiscal e de juros, extrafiscalidade

    dos tributos externos, do IOF e do IPI), mbito cultural (e.g. imunidade dos

    templos de qualquer culto), mbito jurdico (e.g. jurisdio e competncia

    tributria legislativa, administrativa e judicial) , e 2. a uma avaliao dos

    elementos do conjunto de fatos destacados por via de detalhamentos recprocos

    tidos como relevantes no prprio processo de concretizao6so engendrados na

    concretizao do direito tributrio, este portanto no apenas dito a partir da

    interpretao de textos de normas constitucionais e infraconstitucionais, mas

    compreendido no fenmeno da produo da norma tributria.

    Procuramos com estas referncias verificar alteraes no modus

    operandi da jurisprudncia e da cincia do direito tributrio brasileiro trazidas

    pelo Sistema Tributrio Nacional da CF88, em face do Cdigo Tributrio

    Nacional, de modo a identificar racionalidades analtica, tico-discursiva e

    hermenutica no STN da CF88, e delinear uma dialgica entre distintas

    racionalidades em ambos, quais sejam uma racionalidade predominantemente

    analtica do STN no CTN, e duas racionalidades no STN da CF88, uma

    racionalidade tico-discursiva referida aos direitos fundamentais, cidadania, e

    uma racionalidade hermenutica referida funo fiscal estatal.

    3 Conforme Silva, Kelly Susane Alflen da, Hermenutica juridica e concretizao judicial,P.Alegre, S.A.Fabris, 2000, p. 417, o programa da norma designa a soma dos dados lingsticos

    normativamente pertinentes extrados do texto da norma, a cada vez. Desenvolvimento anteriordas noes programa da norma e mbito da norma, ver Muller, Friedrich, Mtodos detrabalho do direito constitucional, SP, Max Limonad, 2000.4 Conforme F. Mller, citado em Silva, Kelly Susane Alflen da, Hermenutica juridica econcretizao judicial, P.Alegre, S.A.Fabris, 2000, Der Normtext enhlt nicht die Normativittund ihre Sachstruktur. Er dirigiert und begrenzt die legalen und legitimen Mglichkeiten korrekterRechtkonkretisierung innerhalb seines Rahmes, ou seja, O texto da norma no contmanormatividade e sua estrutura de coisa. Ele dirige e limita as possibilidades legais e legtimas daconcretizao jurdica correta dentro do seu marco, conforme traduo livre da autora.5 Conforme Silva, Kelly Susane Alflen da, Hermenutica juridica e concretizao judicial,P.Alegre, S.A.Fabris, 2000, p. 418, o mbito da norma se configura pela coordenao doselementos fatuais estruturantes que so extrados da realidade social com a perspectiva seletiva evalorativa do programa da norma6

    Hesse, Konrad, Elementos de direito constitucional da Repblica Federal da Alemanha,P.Alegre, S.A.Fabris, 1998, p. 50, e Muller, Friedrich, Mtodos de trabalho em direitoconstitucional, SP, S.A.Fabris, 2000, p. 70/71.

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    Intentamos ainda delinear um continuum dialgico-metodolgico a

    partir dos mtodos tradicionais de interpretao abstrata dos textos das normas de

    direito tributrio contidos no CTN, ampliado por uma metdica constitucional

    tributria, a dar conta da concretizao do sistema tributrio constitucional

    referida ao caso, dos dados fornecidos pelo programa da norma constitucional

    tributria, pelo mbito da norma constitucional tributria, e pelas peculiaridades

    do conjunto de fatos7 antecedentes, concomitantes e projetantes no processo de

    concretizao das normas tributrias.

    O direito brasileiro, como na maioria dos estados constitucionais

    contemporneos, exige que os processos jurdicos decisrios e seus produtos as

    decises - sejam fundamentados, justificados8, e explicitado o itinerrio de

    racionalidade de que resulta aquele juzo, deciso, aquela norma. Tal a exigncia

    a ser cumprida pela jurisprudncia, que como a administrao pblica e a

    legislao deve fornecer representaes concatenadas a partir de formulaes

    legais e mapear seu itinerrio racional-material de decidir, para alm do iter

    racional-formal descrito nos textos das normas procedimentais. Por isso este

    intento - dentro do direito tributrio brasileiro em matria de sistema tributrio,

    abrangente do CTN9 de 1966, e constitucionalizado com forma, contedo e

    alcance distintos em 1988 - de identificar mtodos de trabalho em direito

    constitucional tributrio nos autores-estudiosos e nos autores de decises jurdicas

    e, nos mtodos de trabalho, identificar concepes de cincia do direito

    constitucional tributrio brasileiro de antes e depois de 1988.

    Itinerrio de estudo

    Estudo terico das concepes trazidas nas obras de autoresconstituintes do debate em torno do constitucionalismo tributrio brasileiro, e das

    concepes que permeiam e fundamentam as decises do STF em matria

    tributria, sob a tica de uma racionalidade dialgica analtico-hermenutica

    simultaneamente concretizadora do direito tributrio infra e constitucional. Para

    7 Muller, Friedrich, Mtodos de trabalho em direito constitucional, SP, S.A.Fabris, 2000, p.70/71.8Ver Alexy, Robert, Teoria da Argumentao Jurdica, SP, Landy Livraria e Editora, 2001, p.

    17 e ss.9Cdigo Tributrio Nacional, doravante CTN.

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    compreenso, concretizao) preciso ultrapassar o ponto de vista cientfico

    (descritivo)e recorrer intuio...11.

    Assim, buscar-se- a norma jurdico-tributria produzida in totumnos

    limites dados pela tradio jurdica tributria constitucional a cada vez situao

    hermenutica em que se encontrem cotidianamente legisladores, juristas, governo,

    administrao e cidado. Deste modo, nos casos-limite tributrios abertos para

    dentro do tempo12, seja por uma interpretao conforme a constituio, seja por

    modificaes mutaes constitucionais sem alterao de texto pode cumprir-se

    a tarefa de coeso completa das regulamentaes13em matria tributria do CTN

    com a CF/88, no sentido do sistema jurdico-tributrio constitucionalmente

    diferenciado, coeso esta posta como condio de possibilidade para uma

    compreenso sobre a posio do trabalho dos juristas e demais intrpretes e co-

    intrpretes da constituio tributria, governo, administrao e cidados: a

    unidade da constituio. Por meio do princpio da interpretao conforme a

    constituio, a par de outros mtodos de sua concretizao14, as normas

    constitucionais tributrias passam a ser consideradas tambm normas tributrias

    constitucionais materiais, alm de normas de exame de

    compatibilidade/incompatibilidade das normas tributrias infraconstitucionais,

    determinando o seu contedo mesmo para a formao de unidade da ordem

    jurdica15tributria.

    No limite de aplicabilidade da racionalidade analtica dos mtodos

    tradicionais de interpretao de textos jurdico-tributrios - como acontece

    cotidianamente na prtica jurisdicional, administrativa e mesmo cidad de

    concretizar o direito tributrio do CTN e da CF88 - no se a renegar, mas as

    proposies a que d lugar sero postas entre parntesis, os juzos que ensejam

    suspensos (compatibilidade / incompatibilidade, conformidade / desconformidade,

    11Leonel Franca, Noes de histria da filosofia, 1943, p. 359, citado por Santos, TheobaldoMiranda, Manual de Filosofia, SP, Companhia Editora Nacional, 1958, p. 477.12Hesse, Konrad, Elementos de direito constitucional da R.F.A., P.Alegre, S.A.Fabris, 1998, p.40: Se a constituio deve possibilitar o vencimento da multiplicidade de situaes problemticasque se transformam historicamente, ento seu contedo deve ficar necessariamente aberto paradentro do tempo.13 Silva, Kelly Susane Alflen da, Hermenutica juridical e concretizao judicial, P.Alegre,S.A.Fabris, 2000, p. 443.14Neste estudo do sistema constitucional tributrio desenvolvidos principalmente com apoio nasobras de Konrad Hesse, Peter Hberle, Friedrich Muller, Eros Roberto Grau e Humberto

    Bergmann vila.15 Silva, Kelly Susane Alflen da, Hermenutica juridical e concretizao judicial, P.Alegre,S.A.Fabris, 2000, p. 443.

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    dentro do tempo19, quem vive as normas termina por interpret-las ou pelo menos

    co-interpret-las20, da ento que o espao e momento da concretizao tributria

    constitucional incluem os titulares das funes pblicas participantes do processo

    social e mais participantes materiais nela envolvidos (e.g. aqueles que intervm

    direta ou indiretamente nos fatos geradores de obrigaes fiscais e tributrias,

    contribuintes ou responsveis, alm dos estudiosos), sendo a interpretao aqui

    concretizao - a um s tempo elemento resultante e elemento constituinte dessa

    sociedade21: todos emitimos juzos jurdicos, se e quando nosso juzo do que

    fazemos, atentamos ou referimos seja raciocinado com base em textos de

    legislao; em se tratando de direito pblico, os titulares de funes de estado

    realizam estes mesmos juzos, mas profissionalmente, juzos estes tais corretivos

    ou confirmadores dos nossos, que se confirmados ou no questionados tornam-se

    juzos jurdicos definitivos, normas jurdicas tal quais as daqueles.

    A metodologia utilizada neste projeto ser ento dialgica das

    racionalidades analtica, tico-discursiva e hermenutico fenomenolgica, no

    intento de no mbito da diferenciao sistmico-constitucional tributria, evitando

    o risco de reservas, antecipaes dos juzos jurdico-argumentativos de

    ponderao de bens/valores/interesses/princpios, apontar continuidade de

    normatividade entre as racionalidades analtica e hermenutico-fenomenolgica

    do CTN e da CF88, nesta ltima, especificamente nas operaes de concretizao

    da norma tributria entre o programa e o mbito da norma tributria, pelo

    itinerrio de circularidade de compreenso atravs de indagaes e dados parciais

    que se corrigem reciprocamente, para cuja tarefa nos processos decisrios atuam

    titulares de funes jurdicas socialmente informados, que tm compromisso

    temtico com a tradio22 da legislao, administrao e jurisdio tributria

    estatal.

    19 Hesse, Konrad, Elementos de direito constitucional da Repblica Federal da Alemanha,P.Alegre, S.A.Fabris, 1998, p.40.20 Ver Hberle, Peter, Hermenutica constitucional a sociedade aberta dos intrpretes daconstituio: contribuio para a interpretao pluralista e procedimental da constituio, P.Alegre, S.A. Fabris, 1997, p. 13.21Idem, idem.22Mller, Friedrich, Direito, linguagem, violncia: elementos de uma teoria constitucional, I,P.Alegre, S.A.Fabris, 1995, p. 46: Nas operaes da metdica jurdica, que avanam entre oprograma da norma e a rea da norma, a circularidade da compreenso, conhecida da discusso

    tradicional, pode ser comprovada no sentido de indagaes e dados parciais, que se corrigemreciprocamente. A totalidade desses processos decisrios uma tarefa para trabalhadores jurdicossociologicamente informados, no para socilogos heterodeterminados (fremdbestimmt) em

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    A tcnica de pesquisa a ser utilizada ser bibliogrfica, no mbito 1. da

    filosofia do direito (da cincia jurdica e/ou prxis jurdica), 2. da filosofia (lgica

    formal/material, tpica e argumentao, hermenutica e fenomenologia), 3.

    jurisprudencial, dos acrdos do Supremo Tribunal Federal, e 4. terico-cientfico

    dos estudiosos do direito tributrio brasileiro analisados e referidos.

    No intento de buscar referncias para identificar e cotejar mtodos de

    trabalho em direito constitucional tributrio, no primeiro captulo, O direito

    tributrio brasileiro sistematizado pela legislao constituinte, abordaremos o

    problema da legitimao das valoraes no direito, e no direito tributrio, em vista

    da diferenciao fixada, atravs da nossa constituio legislada, no sistema

    tributrio nacional. Para tanto sero refletidas neste sistema constitucional

    tributrio legislado as tendncias contemporneas de legitimao procedimental

    do direito de Niklas Luhmann (procedimento sistmico, em 1.2.2.) e de Jrgen

    Habermas (tico-discursiva, em 1.2.3.), pois esta racionalidade procedimental

    permeia as tendncias do ps-positivismo jurdico presentes nas teorias ps-

    positivistas da argumentao jurdica, como a de Robert Alexy, e na metdica

    jurdica proposta por Friedrich Mller, referncias com que, alm da racionalidade

    analtica do positivismo legalista, cotejaremos a viso de cincia do direito e o

    mtodo de trabalho em direito constitucional tributrio da jurisprudncia e de

    autores brasileiros.

    No segundo captulo, O sistema e os princpios constitucionais

    tributrios no mtodo e na viso de cincia de autores brasileiros, procuraremos

    identificar itinerrios da racionalidade cientfica do direito tributrio brasileiro

    quanto ao sistema tributrio nacional e os princpios constitucionais tributrios,

    em obras dos professores/juristas Paulo de Barros Carvalho, Ricardo Lobo Torres,

    e Sacha Calmon Navarro Coelho, uma vez que j no captulo primeiro expostasreferncias de nosso itinerrio de estudo. Procuraremos identificar, nas

    abordagens sobre o sistema tributrio nacional e os princpios constitucionais

    tributrios dos autores referidos, os possveis itinerrios de atuao da

    normatividade constitucional tributria, possveis metdicas de direito

    virtude do seu aprisionamento a indagaes jurdicas, pois a anlise funcional sociolgica tendemais dificultar uma deciso vinculada ao caso, j que ela sempre inclui alternativas novas. Ela noaceita um comprometimento temtico com a tradio.

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    constitucional tributrio, eventualmente mediadas por noes de conjunto, sistema

    e estrutura.

    No terceiro captulo, O sistema e os princpios constitucionais

    tributrios no trabalho da jurisprudncia constitucional brasileira, com as

    referncias de uma metdica jurdica de direito constitucional desenvolvidas no

    primeiro captulo, e j cotejadas nas obras de autores juristas e pesquisadores

    brasileiros, intentaremos identificar mtodos de trabalho em direito constitucional

    tributrio nas decises referidas ao sistema e os princpios constitucionais

    tributrios, e a partir desses mtodos, uma viso de cincia do direito tributrio da

    jurisprudncia.

    Em concluso, fixadas no primeiro captulo as referncias deste estudo,

    para

    1. No segundo captulo proceder estudo comparativo de

    obras dos trs juristas-autores brasileiros quanto

    cincia, o sistema e os princpios constitucionais

    tributrios, e

    2. No terceiro captulo itinerar decises da jurisdio

    constitucional tributria em matria de sistema e

    princpios constitucionais tributrios, no intento de

    identificar mtodos de trabalho em direito constitucional

    tributrio,

    propugnamos, consideradas

    1. a diversidade temtica constitucional,

    2. a diversidade de formao e de vises de cincia, sistema e

    princpios constitucionais daqueles titulares de funes de estado a

    quem cabe decidir e portanto interpretar - matria tributriaconstitucional , e

    3. as alteraes na composio dos colegiados de decididores,

    pelo esforo em estabelecerem-se itinerrios de decises que havero

    de proporcionar referncias para sua previsibilidade e

    controlabilidade: mtodos de trabalho em direito constitucional

    tributrio, que sem desatender o exerccio da cidadania, que

    problematiza o procedimento decisrio estatal sistmico de legitimao

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    dos seus atos pelo procedimento dialtico-argumentativo, coadjuvem

    curso seguro organizao estatal da sociedade em matria fiscal.

    Este o intento que se segue nesta pesquisa.

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    O direito tributrio brasileiro sistematizado pela legislao

    constituinte

    1.1. Sistemas, sistemas jurdicos, e sistema tributrio nacional: a

    jurisprudncia como prtica de cincia e como cincia prtica

    1.2. O problema da legitimao das valoraes e da construo do sistema

    constitucional tributrio jurdico/normativo: procedimento sistmico e

    procedimento tico-discursivo

    1.3. Noes de conjunto, sistema e estrutura constitucional tributria

    1.4.O itinerrio dos juzos tributrios do cidado e do decididor estatal

    1.5.O sistema tributrio nacional constitucionalizado pela legislao

    1.1.Sistemas, sistemas jurdicos, e sistema tributrio nacional:

    jurisprudncia tributria como prtica de cincia e como cincia prtica

    Conforme Karl Larenz (Metodologia da Cincia do Direito, Lisboa,

    C.Gulbenkian, 1997, p. 230),

    o contributo inquestionvel da Jurisprudncia dos

    conceitos foi a elaborao de um sistema conceitual abstrato,

    que era construdo de acordo com o princpio da subordinao

    de conceitos cada vez mais especiais aos de extenso muito

    ampla (mbito de aplicao), mas de cada vez mais escasso

    contedo, e que devia permitir atribuir a cada conceito noapenas o seu 1ugar no seio do sistema no seu conjunto, mas

    tambm subsumir situaes de fato concretas s previses

    normativas da lei e, assim, determinar a situao jurdica.

    No entanto,

    ... j ningum espera hoje deste sistema um contributo

    para a soluo de problemas jurdicos em aberto, mas, quando

    muito, um mais fcil achamento das normas legais que sejam emcada caso decisivas. A sua importncia nesta perspectiva no

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    deveria ser menosprezada; no entanto, no justifica por si s os

    empenhos da Jurisprudncia no sentido de ganhar perspectivas

    sistemticas.

    Assim, poder-se-ia distinguir, quanto ao sistema tributrio nacional, o

    que seria um sistema externo1, representado pelo CTN e a CF/88 legislados, e

    um sistema interno2, como ordem axiolgico-teleolgica3, o sistema tributrio

    constitucional, que se constituiria tambm num direito tributrio casustico, que a

    longo prazo tornaria as resolues particulares racionalmente comprovveis e o

    seu conjunto um sistema, pela repetio de um processo circular de descoberta

    de problemas tributrios constitucionais, formao de princpios constitucionais

    tributrios a partir das decises e afinal a consolidao do sistema4: os princpios

    jurdico-tributrios e no os conceitos abstratos seriam assim os fatores genunos

    de formao do sistema, como solues de problemas generalizadas, pelo intento

    de um mtodo - itinerrio, processo de concretizao da norma tributria levado a

    efeito em ltima apreciao pela jurisprudncia - e a delimitao de um objeto -

    fenmeno da produo da norma jurdico-tributria -, ou seja a cientificizao da

    jurisprudncia em matria tributria.

    No entanto, o sistema tributrio nacional atende a diretivas

    constitucionais especficas do direito pblico, difratando-se assim, na estrutura do

    sistema jurdico, dos sistemas de direito privado. Vale aqui a assertiva de

    Humberto vila, de que

    ... Um sistema jurdico caracterizado, sobretudo, por

    seus elementos e suas relaes. Os elementos de um sistema

    jurdico so as normas jurdicas. Parte das relaes que entre

    elas existem estabelecida pela prpria constituio,

    especialmente por meio da fixao de uma hierarquia ou de um

    1Cf. Larenz, Karl, Metodologia da cincia do direito, Lisboa, F.C.Gulbenkian, 1997, p. 621 ess., e Canaris, Claus-Wilhelm, Pensamento sistemtico e conceito de sistema na cincia dodireito, Lisboa, F.K.Gulbenkian, 1989, p. 26 e ss.

    2Cf. Larenz, Karl, Metodologia da cincia do direito, Lisboa, F.C.Gulbenkian, 1997, p. 674 ess.

    3 Ver Canaris, Claus-Wilhelm, Pensamento sistemtico e conceito de sistema na cincia dodireito, Lisboa, F.K.Gulbenkian, 1989, p. 66 e ss.4

    Esser, Josef, Grundsatz und Norm in der richterlichen Fortbildung des Privatrechts, 1956, 4a.ed., 1990, citado por Larenz, Karl, Metodologia da cincia do direito, Lisboa, F.C.Gulbenkian,1997, p. 232.

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    subsistema. A totalidade dessas relaes forma a estrutura de um

    sistema jurdico, que estabelece como as normas jurdicas so ou

    devem ser ordenadas. Princpios estruturantes de um estado so

    os princpios diretivos da sua constituio. Por isso, pode-se

    dividir didaticamente as distines de ambos os sistemas em

    dois grupos: as diferenas que dizem respeito estrutura do

    sistema e aquelas que tratam dos elementos do sistema. As

    primeiras podem ser denominadas de diferenas estruturais; as

    segundas, de diferenas normativas. As diferenas estruturais

    tratam das distines fundamentais da sistemtica jurdica.5

    de notar-se na CF/88 a legislao de um subsistema constitucional

    tributrio, no qual as relaes entre os seus elementos as normas de direito

    tributrio concretizadas pela legislao, administrao e jurisdio encontram-se

    desde logo explicitadas. Porque o poder pblico poder-dever que somente atua

    regulado, os princpios estruturantes - regentes portanto da totalidade de relaes

    do sistema - e as relaes entre os elementos do sistema tributrio necessitam estar

    desde logo explicitadas na regulao (diferenas estruturais e normativas, na

    formulao supra de Humberto Bergmann vila): assim os princpios gerais, as

    limitaes ao poder de tributar, a repartio do poder de tributar e a repartio das

    receitas tributrias (do art. 145 ao art. 162). As normas do subsistema

    constitucional tributrio cumprem portanto uma peculiar e especificada funo na

    estrutura do sistema jurdico brasileiro que atende a uma racionalidade sistmica,

    posta na concretizao das normas tributrias pela legislao, administrao e

    jurisdio, e no uma racionalidade tico-discursiva, como se pode invocar em

    relao ao sistema jurdico no alcanado pelas diferenas estruturais ounormativasconstitucionalizadas para o exerccio do poder de tributar.

    Porque a concretizao do sistema tributrio nacional esteja a cargo de

    titulares de funes de estado, dificilmente h falar-se portanto, antes de uma

    construo jurisprudencial metdica, de princpios implcitos no sistema

    constitucional tributrio brasileiro.

    5vila, Humberto, Sistema constitucional tributrio, SP, Saraiva, 2004, p. 3/4.

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    1.2. O problema da legitimao das valoraes e da construo do

    sistema constitucional tributrio jurdico/normativo: procedimento

    sistmico, procedimento tico-discursivo e hermenutica jurdica

    No intento de buscar referncias para identificar e cotejar mtodos de

    trabalho em direito constitucional tributrio, passamos nesta unidade ao problema

    da legitimao das valoraes no direito, e no direito tributrio, em vista da

    diferenciao fixada, atravs da nossa constituio legislada, no sistema tributrio

    nacional. Para tanto abordaremos refletidas neste sistema constitucional tributrio

    legislado as tendncias contemporneas de legitimao procedimental do direito

    de Niklas Luhmann (procedimento sistmico, em 1.2.2.) e de Jrgen Habermas

    (tico-discursiva, em 1.2.3.), pois esta racionalidade procedimental permeia as

    tendncias do ps-positivismo jurdico presentes nas teorias ps-positivistas da

    argumentao jurdica, como a de Robert Alexy, e na metdica jurdica proposta

    por Friedrich Mller, referncias com que, alm da racionalidade analtica do

    positivismo legalista, cotejaremos a viso de cincia do direito e o mtodo de

    trabalho em direito constitucional tributrio da jurisprudncia e de autores

    brasileiros.

    1.2.1. O problema da densidade valorativa dos princpios

    constitucionais legislados

    A aproximao contempornea dos modos de pensamento de case-law

    e do direito codificado, presentes na nossa jurisprudncia constitucional tributria

    e nos estudos de direito tributrio brasileiros, podem encontrar explicao no fatode que aquele (o case law) est atualmente numa fase de formao e consolidao

    de princpios, portanto na fase inicial de sistematizao, e este (o direito

    codificado), em contrapartida, numa fase de desbloqueamento do sistema e de um

    renovado interesse pelo pensamento problemtico6. o que se pode observar no

    ordenamento jurdico brasileiro com o recente advento da CF/88. Ela trouxe para

    o campo de normatividade constitucional valores, j agora expressos nos direitos

    6 Ver Larenz, Karl, Metodologa da Ciencia do Direito, Lisboa, C. Gulbenkian, 1997, p.232/233.

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    fundamentais e princpios constitucionais, a demandar grande densidade

    valorativa e variabilidade contenutstica7.

    J no mbito de organizao da funo fiscal do estado brasileiro,

    porque a nossa constituio fixou diferenas sistmicas estruturais e normativas

    no sistema jurdico atravs do subsistema tributrio nacional8, a concretizao de

    unidade e de adequao valorativa desse subsistema tributrio no sistema jurdico

    j encontra diferenciao derivada mediatamente dos valores jurdicos mais

    elevados: a racionalidade tico-discursiva invocvel para os direitos

    fundamentais tem portanto imediao em todo o mbito do sistema jurdico no

    diferenciado pela constituio. Assim, e no apoio da formulao de Canaris,

    Klaus-Wilhelm, Pensamento sistemtico e conceito de sistema na cincia do

    direito, Lisboa, F.C.Gulbenkian, 1989, pp. 279-280):

    A funo do sistema na Cincia do Direito reside, porconseqncia, em traduzir e desenvolver a adequao valorativae a unidade interior da ordem jurdica. A partir da, o

    pensamento sistemtico ganha tambm a sua justificao que,com isso, se deixa derivar mediatamente dos valores jurdicosmais elevados.

    Portanto ainda que avanando - em matria de princpiosconstitucionais - alm do limite da racionalidade analtico-formal do positivismo

    jurdico-legalista, se na concatenao das representaes dos processos decisrios

    forem tomados os princpios do STN da CF88 como valoraes postas na soluo

    dos casos, a serem submetidas a um juzo de ponderao por proporcionalidade /

    razoabilidade, incorrer-se- no risco de sobrepor reservas de juzo mediao de

    valores subjacente aos princpios constitucionais tributrios legislados no

    subsistema. Da que eventual juzo, deciso, norma tributria casuisticamenteproduzida com base em ponderaes de princpios constitucionais tributrios,

    afastando a diferenciao - mediao valorativa - j fixada no subsistema

    constitucional tributrio, desvia da necessria previsibilidade e controlabilidade

    das decises tomadas no exerccio da funo fiscal do estado.

    7 Ver em Camargo, Margarida Maria Lacombe, Eficcia constitucional: uma questohermenutica, in Boucault, Carlos E. de Abreu, e Rodriguez, Jos Rodrigo (organizadores),

    Hermenutica plural, SP, Martins Fontes, 2002, p. 378.8Ver em vila, Humberto Bergmann, Sistema tributrio constitucional, SP, Saraiva, 2004, pp.3-4.

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    Este o risco em matria tributria, dos juzos de ponderao, seja pelo

    cotejo ponderado de valores in abstrato considerados hierarquicamente (ao

    princpio fundamental da dignidade da pessoa humana, como princpio-regra, no

    poderiam sobrepor-se quaisquer outros), seja pela escolha in casudos princpios a

    serem ponderados a partir dos textos das normas constitucionais tributrias (e.g.,

    invariavelmente escolhendo-se os textos de normas das limitaes constitucionais

    ao poder de tributar para serem ponderados, em favor dos valores inerentes

    cidadania, desconsiderando-se os valores inerentes funo fiscal do estado,

    sobrejacentes s regras de jurisdio e competncia tributrias dos princpios

    gerais do sistema tributrio constitucional), seja mesmo atravs de uma

    ponderao formal matematizada em razes e propores, medidas quantitativas

    (parmetros) de razoabilidade (entre fins e meios) e proporcionalidade (a partir

    daquela razo entre fins e meios fixada, a distribuio quantitativo-valorativa

    proporcional) pelo timo de Pareto9, a conferirem justificabilidade qualitativa

    (critrios) s decises.

    1.2.2. Meios de legitimao da atuao do estado em sua funo

    fiscal: procedimento sistmico e procedimento tico-discursivo

    1.2.2.1. A legitimao do direito pelo procedimento sistmico

    luhmanniano

    Niklas Luhmann cogita do direito como estrutura de um sistema social

    que se baseia na generalizao congruente de expectativas comportamentais

    normativas10. Mas a legitimao dessa estrutura por Luhmann difere do conceito

    moderno de legitimidade, como concebido pela tradio europia, baseado na

    idia de existncia de um amplo convencimento factual da validade do direito ou

    dos princpios e valores nos quais as decises vinculativas se baseiam11. Pode-se

    encetar correspondncia entre tal tipo de elaborao do conceito de legitimidade

    com uma associao entre consenso e coao, elementos escassos na realidade dos

    9Ver Alexy, Robert, Teoria da Argumentao Jurdica, SP, Landy Livraria e Editora, 2001.

    10LUHMANN. Sociologia do direito vol II, traduo de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edies

    Tempo Brasileiro, 1985,p. 61.11Cf. LUHMANN. Sociologia do direito vol I. op.cit., p.

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    processos contemporneos de aceitao geral de decises. Essa proposta terica

    teve relevncia num determinado momento histrico, no qual o principal objetivo

    era possibilitar a construo jurdica de uma nova forma de dominao, que

    superasse a instabilidade causada pela dissoluo do direito natural. Luhmann

    entende que ela no um instrumento adequado para a anlise das sociedades

    contemporneas, tendo em vista que, por fora da alta complexidade caracterstica

    dessas sociedades, a ampliao, e mesmo a formao, de um consenso factual-

    consciente quanto a contedos expectveis no se faz possvel12. Alm disso, a

    positivao do direito a partir do sculo XIX fez com que a legitimidade perdesse

    por completo seu fundamento moral, entende este autor. Ao substituir as certezas

    exteriores por certezas interiores, imanentes ao sistema jurdico, a positivao do

    direito promoveu o deslocamento da fundamentao da ordem jurdica para dentro

    de sua prpria dimenso13: o direito deixa de ser passvel de um juzo de correo,

    que o considere verdadeiro ou falso, podendo apenas ser vlido14.

    A positivao do direito representa, de fato, um marco essencial para

    Luhmann, pois traz consigo a idia de adaptao do sistema jurdico, rechaando

    o dogma do direito imutvel, prpria do jusnaturalismo. Isso porque o direito

    positivo enquanto sistema autnomo precisa adaptar-se complexidade crescentedo meio social, abrindo-se s novas possibilidades conforme o grau de exigncia

    12 Nas palavras de Luhmann: Nenhum sistema poltico pode, pois, fazer depender a suaestabilidade de atingir objetivos to exagerados (como a convico da autenticidade dos valores,princpios de legitimao ou teor das decises) e ningum est em situao de criar convicespara todos os temas atuais de deciso. Esta opinio desconhece a alta complexidade, variabilidadee capacidade de contradio dos temas e das premissas de deciso, que tm de ser tratadas, emcada caso, de acordo com o sistema poltico-administrativo das sociedades

    modernas.(LUHMANN.Legitimao pelo procedimento, op.cit., p. 33).13PALLADINO, Isabela Amaral, op.cit., p. 30. A autora salienta, ainda, que, por directo positivo,Luhmann entende todas as normas jurdicas que entram em vigor por deciso, e que, de acordocom isso, podem ser revogadas(Idem, p. 27).14 Isabela Amaral Palladino explica que O direito perde sua capacidade de alcanar a verdadedevido ao fato de a prpria verdade ter sido especificada. As certezas exteriores devero, assim,ser substitudas por certezas interiores, imanentes ao sistema jurdico. O direito perde suacapacidade de ser verdadeiro ou falso, podendo apenas ser vlido (PALLADINO, Isabel Amaral,op.cit., p.28). Nas palavras do prprio Luhmann: O pensamento moderno especificou o conceitode verdade no contexto do desenvolvimento das cincias e, vinculado a fortes pressupostosmetodolgicos, decomps, por esse meio, os pensamentos de direito natural, positivando o direito,quer dizer, fundamentando-o em torno dos processos de deciso. Depois disso tudo, torna-se difcilver qual a outra forma, prescindinto do recurso a uma idia pr-concebida, de poder estabelecer a

    opiniode que o conhecimento verdadeiro e a verdadeira justia constituem o objetivo econjuntamente a essncia dos procedimentos juridicamente organizados, e quando e como sepoderia atingir esses objetivos.(LUHMANN.Legitimao pelo procedimento, op.cit., p. 23).

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    das expectativas normativas coletivas aumenta15. Essa evoluo do direito se d

    por via dos processos de deciso16. Cabe a esses processos selecionar, a partir de

    critrios internos, os valores e contingncias sociais, para que alcancem o nvel da

    validade legal17.

    Sendo assim, o conceito de legitimidade tem que ser redefinido18. Para

    Luhmann, a legitimidade se d no terreno ftico: legtima a estrutura jurdica

    capaz de produzir decises. Ou seja, a complexidade das sociedades modernas s

    pode ser tida em conta pela generalizao do reconhecimento das decises19. A

    rigor, segundo o autor, a legitimidade depende muito menos de convices

    motivadas do que duma aceitao sem motivo, independente da aceitao do

    carter prprio de personalidades individuais, que se pode prever tipicamentesem demasiada informao concreta20.Por aceitao, Luhmann se refere,

    precisamente, noo de que os indivduos, por quaisquer motivos, assumam

    sempre as decises como premissas do seu prprio comportamento e estruturem

    as suas expectativas de acordo com isso21. A aceitao pressupe um processo

    de integrao de novas estruturas de expectativas na antiga personalidade, a qual,

    no entanto, permanece idntica. Essa integrao no necessariamente se d de

    forma harmnica, podendo apresentar resistncia pelos indivduos. Luhmannprocura analisar a dinmica desse processo a partir da noo de aprendizado.

    Assim, por meio de um aprendizado bem sucedido, as expectativas alteradas

    15 Cf. DINIZ, Antonio Carlos de Almeida. Legitimao procedimental e modernidade- Aproblemtica da legitimidade jurdico-poltica em sociedades complexas, inRevistade informaolegislativa, ano 38, n. 150. Braslia, abril/junho 2001, p. 104.16PALLADINO, Isabela Amaral, op.cit., pp. 29-30. Por processos de decisoentende Luhmanntodos os processos que, por fora de uma deciso, exercem funo juridicamente normativa,referindo-se, assim, no apenas s sentenas judiciais, como tambm aos atos legislativos eadministrativos.17

    Segundo Luhmann, A representao do carter obrigatrio institucionalizado s compatibilizvel com as necessidades de uma formao de expectativas resistente a frustraes ediferenciada com relao aos sentidos possveis, se ocorrer atravs da diferenciao de processosespecficos, nos quais so tomadas decises institucionalizadas como possuindo efeito vinculativocoletivo. (LUHMANN. Sociologia do direito vol I, op.cit., p. 117).18Antonio Carlos de Almeida Diniz salienta que, para Luhmann, no mais suficiente para asdemandas e imposies de teoria dos sistemas a viso axiolgica ou formalista/ritualstica dodireito e sua processualstica. A desmedida complexificao social e o aumento dos problemascarecendo de soluo adequada impem a necessidade de se ultrapassar as formas mais antigas dosistema jurdico. Essas formas deveriam ser substitudas por mecanismos de criao e estabilizaode smbolos, mais variabilidade do sistema social. (DINIZ, Antonio Carlos de Almeida, op.cit., p.104).

    19

    Cf. LUHMANN.Legitimao pelo procedimento, op.cit., p. 33.20Ibid., loc.cit.21Ibid., loc.cit.

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    pela deciso sero automaticamente consideradas de dentro para fora e tratadas

    como um fato (oportuno ou inoportuno); no aprendizado fracassado h

    necessidade, de situao para situao, de estmulos exteriores para estabelecer

    um comportamento correspondente deciso22.

    Contudo, no o aprendizado individual, como reconhecimento

    voluntrio da deciso, que interessa ao conceito de legitimidade concebido por

    Luhmann. Segundo o autor, a legitimidade depende, na verdade, de um clima

    social que institucionaliza como evidncia o reconhecimento das opes

    obrigatrias e as encara, no como conseqncias de uma deciso pessoal, mas

    sim como resultado do crdito da deciso oficial23. Somente quando o conceito

    de legitimidade desvinculado de valores apriorsticos, nos quais se acreditapessoalmente, torna-se possvel investigar convenientemente as condies

    sociais da institucionalizao da legitimidade e capacidade de aprendizado nos

    sistemas sociais24.

    Dessa forma, a base de validade legtima no est pautada num

    consenso quanto a contedos, mas na aceitao formal e generalizada das decises

    oriundas dos processos de deciso previstos em um direito positivado,

    desconsiderando-se a vontade individual em funo de um contexto social

    favorvel que dar crdito ao exerccio de poder. Ser legtimo, portanto, o poder

    que instituir seu prprio processo de legitimao e, para Luhmann, esta

    legitimidade se faz possvel a partir da dimenso social dos processos de

    deciso25.

    Partindo dessas premissas, o autor procura demonstrar que,entendido

    o direito positivo como o conjunto de todas as normas jurdicas que entraram emvigor por deciso, ser no prprio processo, que vai do ponto inicial do

    procedimento at a deciso tomada, que estar a legitimidade26. Portanto,

    segundo sua elaborao, o procedimento em si que atribui legitimidade ao

    direito27. Nesse sentido, Luhmann adota uma releitura inovadora, de encontro

    22Ibid., pp. 33-34.23Ibid., p. 34.24Ibid., loc.cit.25

    PALLADINO, Isabela Amaral, op.cit., p. 34.26Ibid., p. 30.27Ibid., loc.cit.

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    s tradicionais doutrinas de legitimao procedimental, com lastro numa viso

    emprica do direito positivado28.

    Com efeito, em sua proposta de legitimao pelo procedimento, o

    autor no entende o processo de deciso no sentido que lhe atribui o direito

    processual, e sim como um sistema emprico de aes sociais. A estrutura desse

    tipo de sistema definida, em um primeiro plano, por normas jurdicas gerais,

    vlidas para diversos procedimentos, que informam aos participantes a temtica e

    os limites do processo. Ultrapassada essa etapa inicial, os procedimentos

    desenvolvem-se a partir das decises seletivas dos participantes, que eliminam as

    alternativas, reduzem a complexidade, absorvem a incerteza ou transformam a

    complexidade indeterminada de todas as probabilidades numa problemticadeterminvel e compreensvel29. Para tanto, faz-se necessria a integrao de

    uma estrutura de comunicaes nos sistemas de deciso. Essa estrutura empresta

    ao procedimento o sentido, tornando possvel que os participantes reajam com

    uma escolha de comportamento em funo das informaes sobre as capacidades

    de seleo dos outros. Assim, o procedimento estabelece uma histria do processo

    de deciso, em que cada deciso seletiva de um participante se torna um fato, que

    ser levado em conta na formulao das premissas para as decises dos outrosparticipantes, estruturando, assim, a situao geral30. , justamente, atravs dessa

    combinao entre estruturas de sentido e argumentao interativa dos

    participantes que os endereados das decises participando, ou sendo

    representados aprendem a aceit-las, mesmo antes de sua ocorrncia concreta.

    28Cf. DINIZ, Antonio Carlos de Almeida, op.cit., p. 38.29

    Cf. LUHMANN.Legitimao pelo procedimento, op.cit., p. 38.30 A histria do processo , segundo Luhmann, um conceito essencial para o entendimento dadinmica do processo jurdico. Como explica o autor: Todas as comunicaes, at mesmo umadeclarao involuntria, que contribua para o processo, so consideradas como informaes queabrem, multiplicam ou eliminam possibilidades, que definem os figurantes e o seu passadorelevante e que tornam mais estreito o espao de manobra da deciso. Cada contributo entra nahistria do processo e pode, talvez, dentro de estreitos limites, ser interpretado doutra forma, masj no pode ser readmitido. Assim, se constri pouco a pouco, uma conjuntura de fatos e derelaes de sentido, que est documentada com o selo indelvel do passado e que absorve cada vezmais as incertezas. luz daquilo que j est estabelecido, interpretado e restringido aquilo queainda est em suspenso. A histria do processo serve ento, aqui, como o equivalente dumaestrutura, afasta mesmo este processo durante algum tempo como um sistema especial, em que j

    no possvel tudo aquilo que antes era possvel.(LUHMANN.Legitimao pelo procedimento,op.cit., p. 41).

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    H, por fim, um ltimo requisito para a construo da idia

    luhmanniana de legitimao pelo procedimento: a situao do assunto. A estrutura

    do procedimento juridicamente organizado comporta papis que desempenham

    tanto as funes de procura cooperante da verdade quanto funes de

    apresentao e deciso de conflitos. Ou seja, o modus operandidos procedimentos

    jurdicos permite que cooperao e conflito coexistam em seu interior, de maneira

    que os papis no processo possam ser confrontados de forma concorrente, e at

    mesmo contraditria. A situao do assunto ir determinar aquilo que se espera de

    cada um dos participantes no processo no tocante ao desempenho de seus papis,

    influenciando a sinceridade de suas decises. Assim, por exemplo, para um juiz, a

    sinceridade da deciso uma obrigao, uma vez que sua motivao para integrar

    o processo se d em razo do trabalho, atravs de sua remunerao. Espera-se que

    ele atue de forma imparcial, no sentido da procura da verdade. As partes do

    processo, por sua vez, atuam no sentido da defesa de seus prprios interesses.

    Porm, para que as partes aceitem assumir papis e integrar um

    processo so essenciais os seguintes componentes: um interesse prprio pelo

    assunto; a certeza de que ser tomada uma deciso; e a incerteza quanto ao

    contedo desta. Este ltimo componente especialmente relevante para oprocedimento. Com efeito, a incerteza que d aos participantes o incentivo de

    contribuir para o progresso do procedimento por meio das suas prprias

    tentativas de reduo, mantm-lhes vivas as esperanas, e os conduz atravs do

    caminho que, de acordo com as regras do processo jurdico, levar deciso35.

    Em suma, a legitimao pelo procedimento e pela igualdade das

    probabilidades de obter decises satisfatrias substitui os antigos fundamentos

    jusnaturalistas ou os mtodos variveis de estabelecimento do consenso. Os

    procedimentos encontram como que um reconhecimento generalizado, que

    independente do valor do mrito de satisfazer a deciso isolada, e este

    reconhecimento arrasta consigo a aceitao e considerao de decises

    obrigatrias36.

    Aos itinerrios de reduo de complexidade das relaes sociais de

    cooperao e conflito corresponde a institucionalizao de modelos, padres-

    35Cf. LUHMANN.Legitimao pelo procedimento, op.cit., p. 46.36Cf. LUHMANN.Legitimao pelo procedimento, op.cit., pp. 31-32.

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    referncias de compreenso destas relaes sociais de cooperao e conflito,

    notadamente no direito pblico, portanto nas relaes jurdico-tributrias entre o

    estado fiscal e o cidado contribuinte, j sistemicamente diferenciadas na

    constituio legislada. Isto porque diferentemente das relaes privadas que

    envolvam direitos disponveis - em que h portanto disponibilidade para dar forma

    e contedo complexidade das relaes entre os cidados segundo sua livre

    vontade de pactuar - o estado, que atua em desigualdade de poder em relao ao

    cidado tanto quanto constrio da liberdade do cidado no direito penal,

    como quanto constrio patrimonial do cidado no direito tributrio, em suma

    em qualquer relao em que faa valer a soberania no pode dispor livremente

    da forma e do contedo de suas relaes com o cidado, da desde logo fixadas

    diferenciaes sistmicas para o exerccio da funo fiscal estatal, que assim

    legitima imediatamente seus atos, suas decises, pelo procedimento sistmico

    luhmanniano, mediada tambm esta legitimao pela possibilidade de impugnao

    do cidado contribuinte, que eventualmente problematizar e.g.no exerccio do

    direito fundamental ao contraditrio e ampla defesa aquela legitimao

    imediata.

    1.2.2.2. Legitimao do direito pelo procedimento tico-discursivo

    habermasiano e os diferentes estgios das sociedades organizadas

    ocidentais contemporneas

    A novidade da principiologia normativa constitucional legislada no

    mbito dos direitos fundamentais trouxe o desbloqueio do sistema positivista

    fechado nos textos de normas e sua interpretao, abrindo-se ao critrio da

    ponderao de bens pela racionalidade tico-discursiva de problematizaojurdica dos conflitos institucionalizados. E como medida mais geral de regulao

    por ponderao de bens, o parmetro da proporcionalidade / razoabilidade37.

    37 de anotar-se que usualmente critrios so tidos como noes qualitativas expressas emconceitos, enquanto parmetros so tidos como noes quantitativas expressas por medidas decomparao, como razes e/ou propores. J paradigma uma noo-referncia (qualitativa ouquantitativa) de uso generalizado e inquestionado, que pelo seu uso comum, generalizado econtinuado resta naturalizada. Um paradigma constitucional de controle parametrizado ter sidoo limite dos juros reaisem 12%, embora dependente para sua aplicao da definio de juros

    reais, de resto jamais explicitada por regulamentao legal, fosse como conceito ou medida derazo/proporo. Ver vila, Humberto, Sistema constitucional tributrio, SP, Saraiva, 2004, p.562/563, Teses: A interpretao do direito tributrio deve analisar todas as normas jurdicas

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    A presena na Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988

    da inafastabilidade da apreciao judicial de leso ou ameaa a direito (art. 5 o,

    XXV), e da garantia ao contraditrio e ampla defesa em processos

    administrativos, judiciais, e aos acusados em geral (art. 5o, LV), resultou na

    instituio de instncias julgadoras colegiadas especializadas para a

    problematizao, j em mbito administrativo, do procedimento para lanamento

    de ofcio (na esfera federal, as delegacias de julgamento, por alterao no

    processo administrativo fiscal de determinao do crdito tributrio, o referido

    Decreto no. 70.235/72). E sobrepondo-se a este, na esfera judicial, pelo controle

    de legalidade e/ou de constitucionalidade tributria, a possibilidade de

    problematizar a legitimidade do atuar sistmico da administrao tributria.

    Mas a problematizao do atuar estatal, como a reserva do possvel

    para a realizao dos direitos fundamentais, tambm encontra limites, numa

    reserva do imprescindvel de normatividade contraftica39, representada in

    extremis, entre outros instrumentos, pela possibilidade de medidas provisrias em

    matria tributria, concretizada pelo poder executivo e pela jurisprudncia do STF

    (ADI 1005-1), e da possibilidade de criao de espcies de tributos com mesma

    base de clculo de outras espcies de tributos.

    Jrgen Habermas concede que

    ... A normatividade no sentido da orientao

    obrigatria do agir no coincide com a racionalidade do agir

    orientado pelo entendimento em seu todo. Normatividade e

    racionalidade cruzam-se no campo da fundamentao de

    inteleces morais, obtidas num enfoque hipottico, as quais

    detm uma certa fora de motivao racional, no sendo

    capazes, no entanto, de garantir por si mesmas a transposiodas idias para um agir motivado. ... (o conceito de razo

    comunicativa) se transforma num fio condutor para a

    reconstruo do emaranhado de discursos formadores da

    opinio e preparadores da deciso, na qual est embutido o

    poder democrtico exercitado conforme o direito. Nesta

    39

    Cf. Luhmann, Sociologia do direito, vol.I, RJ, Tempo Brasileiro, 1983, p.57: Normas soexpectativas de comportamento estabilizadas em termos contrafticos.

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    perspectiva, as formas de comunicao da formao poltica da

    vontade do estado de direito, da legislao e da jurisprudncia,

    aparecem como partes de um processo mais amplo de

    racionalizao dos mundos da vida de sociedades modernas

    pressionadas pelos imperativos sistmicos.

    Portanto Habermas concebe a possibilidade de formao da vontade do

    estado, da legislao e da jurisprudncia num processo mais amplo (sem formul-

    lo, mas que por ser mais amplo decerto transcende a organizao estatal) de

    racionalizao dos mundos da vida, exteriorizando das sociedades modernas os

    imperativos sistmicos. de notar-se a atualidade do pensamento de Habermas no

    ensejo da globalizao que representaria os imperativos sistmicos e da

    integrao regional (e.g.Unio Europia, Mercosul), que representa um avano

    dos ncleos de consenso entre os estados em tratados de integrao sobre o

    cooperativismo de fins dos tratados bilaterais ou multilaterais.40

    Em que pese a atualidade das formulaes habermasianas, a unidade

    da sociedade brasileira - distribuda por um territrio de propores continentais,

    com grandes e graves desigualdades sociais estruturais (sade, educao,

    assistncia e previdncia social) e escassez de recursos, de grande complexidade41

    portanto demanda da legislao administrao, e jurisdio uma atuao do

    direito que tende a institucionalizar a formao da opinio e da vontade dos

    cidados, mas dentro dos limites da unidade desta sociedade e de sua insero na

    comunidade mundial: os imperativos sistmicos so ainda para nossa sociedade

    nem tanto relativizveis ou afastveis como, possivelmente, nas sociedades

    ocidentais europias j livres dos problemas estruturais citados. Entre ns, as

    condies temporais, sociais e materiais de generalizao de expectativas

    encontram-se, pelos motivos acima expostos, pouco congruentes, menos aindaconsensuais. Da entre ns a distinta importncia e papel das instituies na

    40O avano do consenso contemporneo est em que, num tratado de cooperao h partes, cadaqual com seu singular interesse (unilateral), que cooperam segundo um determinado fim a seratingido, compatvel com seu exclusivo e unilateral interesse, enquanto num processo deintegrao, que visa formao de vetores regionais comuns de ao e posicionamento em termostarifrios, econmicos ou polticos, h de incio um ncleo de consenso - e no interessesmultilaterais individualizados - como condio de existncia dos tratados. A estas duas tendnciassubjazem, de um lado, a lgica geopoltica, representada pela poltica externa norte-americana, ede outro a tendncia regionalizao atendendo idia da Paz perptua de Immanuel Kant,

    presente nos tratados da UE.41 Sobre a noo de complexidade, referida s sociedades contemporneas, ver supra, Alegitimao do direito pelo procedimento sistmico luhmanniano.

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    antecipao, pressuposio de consenso42, a proporcionar e manter a unidade na

    diversidade, desigualdade, complexidade da sociedade brasileira. Neste particular

    o estado brasileiro cumpre, como instituio ainda em primordial medida

    organizadora da nossa sociedade, atravs de seus titulares de funes43, este papel

    estabilizador.

    Por isso mesmo, esta racionalidade de razes e propores encontra

    atuao apenas mediata, e no imediata44, na esfera da administrao pblica

    estatal tributria: esta opera uma racionalidade sistmica45, reconhecidamente

    indispensvel, como ainda indispensvel a prpria forma estatal de organizao da

    sociedade, como reconhece Jrgen Habermas no seu intento terico de uma

    autocrtica ou reviso no mbito da prpria modernidade, sem cogitar a superao

    de seu projeto cultural46. Tambm para Habermas, a tica refere-se ao bem do

    indivduo ou comunidade, e a moral refere-se justia47, da a imediatidade de sua

    racionalidade tico-discursiva em relao aos direitos fundamentais, no

    42Ver em Luhmann, Sociologia do direito, vol.I, RJ, Tempo Brasileiro, 1983, p. 80: ... a funodas instituies reside menos na criao e mais na economia do consenso, que atingida,principalmente, na medida em que o consenso antecipado na expectativa sobre expectativas, ouseja, como pressuposto, no mais precisando, em geral, ser concretamente expresso. essainstitucionalizao que permite uma comunicao rpida, precisa e seletiva entre as pessoas.43

    Aqui a justificao de um mtodo de trabalho em direito constitucional tributrio comometdica jurdica, tal qual proposto por Friedrich Muller, como veremos.44 Porque a nossa constituio fixou diferenas sistmicas estruturais e normativas no sistemajurdico atravs do subsistema tributrio nacional (ver Humberto B. vila, Sistema tributrioconstitucional, SP, Saraiva, 2004, pp. 3-4), a concretizao de unidade e de adequao valorativadesse subsistema tributrio no sistema jurdico j encontra diferenciao derivada mediatamentedos valores jurdicos mais elevados: a racionalidade tico-discursiva invocvel para os direitosfundamentais tem imediao em todo o mbito do sistema jurdico no diferenciado pelaconstituio. Assim, e no apoio da formulao de Canaris, Klaus-Wilhelm, Pensamentosistemtico e conceito de sistema na cincia do direito, Lisboa, F.C.Gulbenkian, 1989, pp. 279-280): A funo do sistema na Cincia do Direito reside, por conseqncia, em traduzir edesenvolver a adequao valorativa e a unidade interior da ordem jurdica. A partir da, opensamento sistemtico ganha tambm a sua justificao que, com isso, se deixa derivar

    mediatamente dos valores jurdicos mais elevados.45Aqui consideramos o modelo terico de sociedade a partir de sistemas, de Niklas Luhmann, queparte da premissa de que os sistemas existem e no apenas como instrumental analtico, mascomo um conceito que se refere a algo que existe no mundo real enquanto sistema e se definempor sua diferena em relao ao seu meio (Umwelt), uma diferena que se inclui no prprioconceito de sistema. Sistema aqui portanto conceito concreto. Ver em Luhmann, Niklas, Socialsystems. Translated by John Bernarz Jr., with Dirk Baecker. Stanford: Stanford University Press,1995, p.13: This means first of all, in an entirely gereral sense: there are systems that have thehability to estabilish relations with themselves and to differentiate these relations from relationswith the environment. Tambm em Luhmann, Niklas Sociologia do direito, RJ, TempoBrasileiro, 1980.46 Ver em Habermas, Jrgen, Conscincia moral e agir comunicativo, RJ, Tempo Brasileiro,1989, p. 361.47

    Ver em Habermas, Jrgen, Direito e democracia entre faticidade e validade, RJ, TempoBrasileiro, 1997, p. 23.

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    necessariamente generalizvel em relao a todos os princpios constitucionais

    legislados.

    Na esfera da atividade estatal, da administrao pblica fiscal, de

    servios, interventiva e de fomento, os princpios da administrao pblica

    constitucionalizados pela legislao l esto menos para serem imediatamente

    ponderados com outros princpios constitucionais que para serem concretizados na

    atuao dos titulares de funes de estado segundo procedimentos regulados

    sistemicamente, condio do legtimo exerccio do poder estatal pelos seus

    agentes48. Embora de um lado algo ritualizados para o agente pblico, de outro

    lado, justamente pela possibilidade de problematizao deste procedimento

    sistmico por impugnao do cidado atingido em sua esfera jurdica pela ao

    estatal assim procedimentalizada, j seu resultado, se no impugnado, ter

    confirmado a legitimidade do proceder estatal sistmico.

    1.2.3. Metdica jurdica constitucional e o sistema tributrio

    1.2.3.1. O sistema tributrio brasileiro e sua diferenciao

    constitucionalizada pela legislao

    Para identificar e distinguir o sistema constitucional tributrio no

    sistema jurdico brasileiro, vale neste ponto aportar as concepes de sistema

    jurdico de Klaus-Wilhelm Canaris, e de subsistema jurdico de Humberto

    Bergmann vila, de modo a deriv-las para nosso sistema jurdico e para o

    subsistema tributrio.

    Segundo tese de Canaris sobre sistemas jurdicos

    As caractersticas do conceito geral do sistema so a

    ordem e a unidade. Eles encontram a sua correspondncia

    jurdica nas idias da adequao valorativa e da unidade

    interior do Direito; estas no so apenas pressuposies de uma

    jurisprudncia que se entenda a si prpria como Cincia e

    premissas evidentes dos mtodos tradicionais de interpretao,

    48 Trata-se aqui do modelo luhmanniano de legitimao pelo procedimento, compreendido este

    como um sistema social de ao, de tipo especial (Luhmann, Niklas, Legitimao peloprocedimento, DF, Universidade de Braslia, 1980, p. 57, cap. III, O procedimento como sistemasocial.

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    ... A metdica do trabalho uma metdica de titulares

    de funes. Em nvel hierrquico igual ao lado da jurisprudncia

    e da cincia jurdica, a legislao, a administrao e o governo

    trabalham na concretizao da constituio. Tal trabalho sobre

    a constituio orienta-se integralmente segundo normas:

    tambm a observncia da norma, em virtude da qual deixa de

    ocorrer um conflito constitucional ou um litgio, concretizao

    da norma.55

    Os mtodos de trabalho determinam-se pela espcie e tarefa do

    trabalho, e devem possibilitar a decomposio dos processos de elaborao da

    deciso e da fundamentao expositiva em passos de raciocnio suficientemente

    explicitados de modo a permitir sua previsibilidade e controlabilidade por parte

    dos destinatrios da norma tributria, dos afetados por ela, dos titulares de funes

    estatais e da cincia jurdica56. A explicitao e referibilidade do itinerrio do

    juzo de que resulta a norma-deciso - o procedimento, sistmico so assim

    condies de sua legitimidade: aqui tambm a imprescindibilidade da construo

    jurisprudencial metdica, para referibilidade histrica no somente dos resultados,

    das normas-decises, mas do itinerrio de que resultaram.

    A proposta de Mller de uma metdica jurdica aqui do sistema

    constitucional tributrio estruturante e sistmica, porque apoiada em uma

    teoria das funes de estado57. Prope-se fornecer instrumentos s instituies de

    reduo da indeterminidade, internas ao sistema58, diante da necessidade de

    estruturas normativas relativamente indistintas, com vistas a demandas futuras

    de regulamentao59. Sua metdica - processo de concretizao das normas a

    partir de seus programas (prescries) contidos nos textos, de seu mbito denormatividade, e da normatividade (descritiva) das peculiaridades do caso

    55Ver em Mller, Friedrich, Mtodos de trabalho do direito constitucional, SP, Max Limonad,2000, p. 51.56 Ver Muller, Friedrich, Mtodos de trabalho em direito constitucional, SP, Max Limonad,2000, pp. 52-53.57Cf. Muller, Mtodos de trabalho do direito constitucional, SP, Max Limonad, 2000, p. 51.58 Luhmann, Niklas, Recht und Automation in der ffentlichen Verwaltung. Eineverwaltungswissenschaftliche Untersuchung, Berlim, 1966, citado por Mller, Friedrich,

    Mtodos de trabalho do direito constitucional, SP, Max Limonad, 2000, p. 69.59Ver Mller, Friedrich, Mtodos de trabalho do direito constitucional, SP, Max Limonad, 2000,p. 69.

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    jurdico-tributrio - trabalha, como nos parece, no limite de inaplicabilidade da

    hermenutica analtica nos casos-limite, tambm chamados casos difceis, ou

    hard cases -, uma hermenutica fenomenolgica, porque j ento inserido o

    intrprete/concretizador da norma60 numa situao hermenutica a situao

    decisria - determinada pelo caso jurdico61, o hard case. Conforme Muller:

    A metdica estruturante analisa as questes da

    implementao interpretante e concretizante de normas em

    situaes decisrias determinadas pelo caso.62

    O enfoque hermenutico-jurdico de Mller fez introduzir

    normatividade tpica63 ao fundamental do conjunto de fatos

    (Grundsachverhalt)64. No se trata aqui no entanto de espcie de fatos

    controvertidos pelas partes somente, que ensejam prova perante a jurisdio ou a

    administrao, e que subsumem-se a textos de normas configurando uma situao

    jurdica. Tampouco este conjunto de fatos inflete normatividade por uma

    racionalidade tpica em moldes tico-discursivos, como problema jurdico: o

    fundamental conjunto de fatos a situao decisria, situao hermenutica em

    que inserido aquele a quem incumbe concretizar a norma.

    O positivismo jurdico-legalista, pela separao entre ser e dever

    ser subjascente `a formulao de normas como juzos hipotticos, excluiu do

    campo da normatividade jurdica o caso, o conjunto de fatos, assim selecionados

    por subsuno aos textos de normas. Mas como vemos, no entanto

    No possvel descolar a norma jurdica do caso

    jurdico por ela regulamentado nem o caso da norma. Ambosfornecem de modo distinto, mas complementar, os elementos

    60Ver Mller, Friedrich, Mtodos de trabalho do direito constitucional, SP, Max Limonad, 2000,p. 70.61Ver Mller, Friedrich, Mtodos de trabalho do direito constitucional, SP, Max Limonad, 2000,p. 69.62Ibid., ibid.63Ver em Bonavides, Paulo, na apresentao do livro de Friedrich Muller, Mtodos de trabalhodo direito constitucional, SP, Max Limonad, 2000, p. 12.64

    Ver Mller, Friedrich, Mtodos de trabalho do direito constitucional, SP, Max Limonad, 2000,p. 53.

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    necessrios deciso jurdica. Toda e qualquer norma somente

    faz sentido com vistas a um caso a ser (co)solucionado por ela.

    Esse dado fundamental (Grundtatbestand) da concretizao

    jurdica circunscreve o interesse de conhecimento peculiar da

    cincia e da prxis jurdicas, especificamente jurdico, como

    interesse de deciso.65

    Sem negar normatividade ao caso decidendo66 como o positivismo-

    legalista -, nem fazer ingressar normatividade por uma racionalidade tpica tico-

    argumentativa de ponderao por problematizao do caso jurd