Apostila Aula 02 - Encontro Me a Partir Do Outro

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www www.eadseculo21.org.br Página 1 SAV-CRB - Módulo 2 – Aula 02 Encontro-me a partir do outro O ser humano se descobre na relação com o outro. Entre os seres criados, o ser humano é o único que se inquieta na busca por uma reposta: quem de fato ele é? Entretanto a resposta para tal questionamento só será encontrada a partir da relação com o outro. É no confronto com o outro que ele vai se descobrindo. Podemos dizer que faz parte da sua essência a necessidade do outro para que possa se confrontar e juntos possam ir respondendo ao grande chamado feito pelo Deus Criador - existir como ser humano, ou seja, a humanizar-se. O antropólogo e teólogo Afonso Garcia Rubio nos diz que só “podemos ser humanos quando somos com os outros e junto a eles, quando aceitamos que a co-humanidade é uma realidade constitutiva do ser humano e não algo acidental, fortuito ou imposto extrinsecamente. O homem é criado por Deus para viver com os outros seres humanos” 1 . Diante disso é impossível que o ser humano possa encontrar-se, ser feliz e realizado, caso ele tenha uma vida fechada em seu próprio mundinho marcado pelo egocentrismo, egoísmo e autossuficiência. Só o ser humano é capaz de ajudar o outro a humanizar-se. Por isso o estar junto não pode ser visto como um castigo, mas como um momento de satisfação, como caminho para a própria realização. O encontro com o outro deve ser sempre encarado como uma grande celebração que 1 Unidade na pluralidade, Pag. 454

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Encontro-me a partir do outro

O ser humano se descobre na relação com o outro.

Entre os seres criados, o ser humano é o único que se inquieta

na busca por uma reposta: quem de fato ele é? Entretanto a

resposta para tal questionamento só será encontrada a partir da

relação com o outro. É no confronto com o outro que ele vai se

descobrindo. Podemos dizer que faz parte da sua essência a

necessidade do outro para que possa se confrontar e juntos possam

ir respondendo ao grande chamado feito pelo Deus Criador - existir

como ser humano, ou seja, a humanizar-se.

O antropólogo e teólogo Afonso Garcia Rubio nos diz que só

“podemos ser humanos quando somos com os outros e junto a

eles, quando aceitamos que a co-humanidade é uma realidade

constitutiva do ser humano e não algo acidental, fortuito ou

imposto extrinsecamente. O homem é criado por Deus para viver

com os outros seres humanos”1 . Diante disso é impossível que o

ser humano possa encontrar-se, ser feliz e realizado, caso ele tenha

uma vida fechada em seu próprio mundinho marcado pelo

egocentrismo, egoísmo e autossuficiência. Só o ser humano é capaz

de ajudar o outro a humanizar-se. Por isso o estar junto não pode

ser visto como um castigo, mas como um momento de satisfação,

como caminho para a própria realização. O encontro com o outro

deve ser sempre encarado como uma grande celebração que

1 Unidade na pluralidade, Pag. 454

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proporciona uma troca mútua de sabedoria, experiência de amor e

que ajuda no amadurecimento e crescimento.

A narrativa da criação (Gn 2,18-23) revela a insatisfação do

ser humano, representada por Adão ao olhar para toda a criação

que lhe é exposta e encontrar-se sozinho por não descobrir alguém

semelhante a ele. Só quando lhe é apresentada a mulher é que o

Adão manifesta a sua alegria e satisfação, por identificar-se e

encontrar-se nela, e poder estabelecer um diálogo. Ao criar o

homem e a mulher Deus lhe dá uma ordem: “crescei e multiplicai-

vos”. A obediência a esta ordem implica numa relação, em outra

pessoa. A ordem não é direcionada a um indivíduo isolado, mas

sugere uma segunda, ou mais pessoas. Constatamos que “Homem

e mulher são criados à imagem de Deus. Ambos são

administradores da criação. A humanidade toda é chamada a

desenvolver a sua responsabilidade sobre o mundo. A mulher é da

mesma natureza do homem. Ambos são chamados a viver a

reciprocidade mútua” 2.

Por conseguinte, pode-se dizer que quando a pessoa se fecha

ao relacionamento com o outro ela está negando a sua própria

essência e não correspondendo ao chamado divino que é

humanizar-se por meio do amor, respeito, diálogo etc. Toda atitude

de fechamento, exclusão do outro, falta de amor e de respeito, de

individualismo e dominação, leva o homem e a mulher a uma

frustação e desfiguração da imagem de Deus à semelhança da qual

eles foram criados, pois Deus é amor, solidariedade. “Ser humano é

2 Idem, p.172.

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ser eu mesmo, aceitando que o outro seja ele mesmo, no contexto

da nossa coexistência humana. O encontro humano rejeita as

relações de tirania e escravidão instaurando e desenvolvendo uma

relação livre entre amigos” 3. Tal atitude é percebida na pessoa de

Jesus de Nazaré ao estabelecer esse modelo de relação com os

seus discípulos: “Já não vos chamo servos, mas amigos” 4 . É a

partir do modelo de humanidade de Jesus, que todo ser humano

deveria espelhar-se. E é sobre isso que iremos tratar no próximo

tópico.

Jesus Cristo o modelo da nossa humanização.

Toda a vida de Jesus Cristo é marcada por grandes gestos de

humanização ao relacionar-se com cada pessoa. Em cada encontro

ele buscou colocar-se no lugar do outro em uma atitude de imenso

amor, respeito à liberdade do outro, solidariedade e acolhida. No

seu encontro com a mulher samaritana percebe-se a sua

extraordinária sensibilidade, ao vencer todas as formas de

preconceitos socioculturais de sua época, as dificuldades de

relacionamento que havia entre judeus e samaritanos e de sentar-

se com uma mulher e estabelecer diálogo fraterno e respeitoso.

“Com uma sensibilidade nada habitual numa sociedade patriarcal,

Jesus tem o costume de falar explicitamente das (e com) mulheres,

tornando-as ‘visíveis’ e pondo em relevo a sua atuação” 5.

3 Ibidem, p.454. 4 cf. Jo 15,15 5 Pagola, José Antônio. Jesus uma aproximação histórica, p. 265

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Diante da mulher com fluxo de sangue (Mc 5, 25-28) que

sofria por uma forte exclusão e tinha uma vida marcada por seu

sofrimento, Jesus “não sente temor de que uma mulher impura o

tenha contaminado. O que ele deseja é que essa mulher não ande

envergonhada: ela precisa viver com dignidade” 6.

Perante aqueles que eram indesejáveis na sociedade de sua

época, como os pobres, leprosos, prostitutas possuídos por

espíritos impuros, nada impedia que Jesus os acolhesse diante de

si. “É o amor compassivo que está na origem e no pano de fundo

de toda a atuação de Jesus, que inspira e configura toda a sua

vida”7.

A atitude acolhedora de Jesus é também para cada homem e

cada mulher, um convite a ultrapassar todas as barreiras que ainda

dividem, que impedem de sentar juntos e partilhar a vida, os

sonhos e as esperanças. Não podemos permitir que as diferenças

raciais, de classe, culturais, religiosas, ideológicas, etc., sejam

causa de separação e façam ver o outro como inimigo; ele é um

irmão que pensa diferente.

Estas atitudes de Jesus são para cada pessoa humana do

século XXI, tão marcado pela agitação, indiferença, competição e

preconceitos, um convite a sentar mais com o outro para escutá-lo,

ouvir o que ele tem a dizer. Todos nós somos convidados a, cada

vez mais, construirmos espaços e meios que possibilitem o

encontrar com o diferente. É no encontro com o outro, de maneira

especial com os que estão sempre à margem, que se “desmascara 6 idem p.267e 268 7 ibidem p.240

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a falsidade e se faz emergir a verdade do ser humano. Trata-se de

um encontro, para além de toda a perspectiva privatizante e

intimista, que exige compromissos pela transformação de

estruturas e sistemas que obstaculizam ou impedem a

personalização de cada ser humano concreto” 8.

O outro como lugar de descoberta e de vivência da vocação.

Olhando para essas e tantas outras atitudes de Jesus,

percebemos que todo chamado de Deus, dirigido a cada ser

humano, tem sempre como implicação um encontro e um serviço

com e para o outro.

Olhando para os relatos vocacionais na Sagrada escritura,

percebe-se que a cada vocacionado lhe é entregue uma missão em

favor do outro, de um grupo. “A missão de Abraão consiste em ser

o pai de uma grande Nação: ‘Eu farei de você um grande povo’

(Gn12, 2); A de Moisés é libertar o povo escolhido da escravidão

do Egito, ‘Eu vi, muito bem a miséria do meu povo ... Eu envio você

ao Faraó, para tirar do Egito o meu povo, os filhos de Israel’ (Ex

3,7.10). Jeremias tem a missão de ser profeta das nações ‘... para

fazer você profeta das nações’ (Jr 1, 5). Maria é chamada para ser

a mãe do messias: ‘eis que você vai ficar gravida, terá um filho...

será chamado filho do Altíssimo’ (Lc 1.31-32); os apóstolos, para

ficar com ele e continuar a sua missão: ‘então Jesus constituiu o

grupo dos Doze, para ficar com ele e para enviá-los a pregar...’ (Mc

3,13) e a missão de Paulo é o anúncio do evangelho aos gentios:

8 Rubio, Afonso Garcia. Unidade na pluralidade. p.458

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‘Vá... para anunciar o meu nome aos pagãos, aos reis e ao povo de

Israel (At. 9,15)”9.

Diante desses relatos bíblicos, percebemos que a realidade do

outro é sempre utilizada por Deus para nos chamar a uma vocação

especifica. Portanto, se queremos descobrir e responder ao apelo

divino, não podemos nunca nos isolar do outro e de sua realidade.

O chamado de Deus é sempre para uma atitude de amor, serviço e

de entrega ao outro; o próprio Jesus Cristo – modelo do nosso

seguimento - já disse que “ninguém tem maior amor do que aquele

que dá a vida pelos amigos” (Jo 15,13). Se não nos esforçarmos

para desenvolver, cada vez mais, em nós o espirito fraterno, de

acolhida, diálogo e compromisso com o outro, não viveremos bem a

nossa vocação especifica seja ela matrimonial, Religiosa consagrada

ou presbiteral, pois todas elas exigem a vivência dessas atitudes.

Por fim podemos dizer que “a vocação cristã não deve ser

vivida somente com os outros, mas pelos outros, vivendo em Cristo

a plena liberdade, a do dom de si e do serviço (...). Não só a

vocação cristã, mas a existência humana como tal é um bem

recebido, que por sua natureza tende a tornar-se um bem

doado” 10.

9 Varela, Alvariño Gonzalo. Os que são chamados, p. 87 10 Cencine, Amadeo. Fraternidade a caminho, p. 30 e 31

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Quatro relações fundamentais para sermos humanos.

Toda pessoa humana é chamada a desenvolver relações

constitutivas: Consigo mesmo, com Deus, com o mundo e com os

outros.

Na relação comigo mesmo: cada um é chamado a ter uma

atitude de amor por si mesmo reconhecendo as suas limitações,

potencialidade e responsabilidade, a olhar para sua própria vida

como dom gratuito de Deus.

Na relação com Deus: Manifestar sempre uma atitude de

gratidão pelo dom da vida e amor recebido. Buscar sempre uma

relação de abertura aos apelos de Deus, mediante o diálogo,

decisão e resposta.

Na relação com o outro: procurar sempre um

relacionamento de amor, respeito à liberdade do outro, diálogo e

parceria. O outro é o meu semelhante, aquele que me possibilita

uma maior capacidade de encontro, entendimento e

reconhecimento de mim mesmo.

Relação com o mundo da natureza: deve ser uma relação

que implica em responsabilidade e cuidado. É necessário que haja

sempre uma atitude de atenção ao mundo criado, que não permite

a arrogância e a exploração destrutiva. O homem e a mulher

receberam de Deus a missão de administradores, de co-criadores e

não de exploradores da natureza.

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REFERÊNCIAS

Pagola, José Antonio; Jesus: Aproximação Histórica . Tradução

de Gentil Avelino, Titton- Petopolis Rj, vozes 2010.

Rubio, Afonso Garcia. Unidade na pluralidade: o ser humano à

luz da fé e da reflexão Cristã. 4º Edição; São Paulo: Paulus 2001.

Cencine, Amadeo. Fraternidade a caminho: rumo a alteridade.

São Paulo: Paulus, 2003.

Varela, Alvariño Gonzalo. Os que são chamados: Sugestões

para uma pastoral vocacional. São àulo: Paulinas, 1999

Bíblia de Jerusalém, editora Paulus, São Paulo 2002