Apostila de Processo Coletivo

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva 1 DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO COLETIVO LÚCIO FLÁVIO SIQUEIRA DE PAIVA ADVOGADO. MESTRE EM DIREITO PELA PUC/GO. PROFESSOR DE PROCESSO CIVIL NA PUC/GO, ESCOLA DA MAGISTRATURA DE GOIÁS E CURSOS PREPARATÓRIOS PARA CONCURSOS PÚBLICOS Atualizada até abril de 2012.

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DIREITO

PROCESSUAL

CIVIL

PROCESSO

COLETIVO

LÚCIO FLÁVIO SIQUEIRA DE PAIVA ADVOGADO. MESTRE EM DIREITO PELA PUC/GO.

PROFESSOR DE PROCESSO CIVIL NA PUC/GO, ESCOLA DA MAGISTRATURA DE GOIÁS E CURSOS

PREPARATÓRIOS PARA CONCURSOS PÚBLICOS

Atualizada até abril de 2012.

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ROTEIRO 01

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

01. ANTECEDENTES HISTÓRICOS

- As fases metodológicas do processo: (i) imanentista ou sincretista; (ii)

autonomista; (iii) instrumentalista: processo coletivo como vertente do

instrumentalismo substancial.

- A ação popular romana como antecedente histórico das ações coletivas.

- A “summa divisio” romana: divisão do direito em público e privado, de acordo

com os possíveis titulares de direitos, ou seja, o indivíduo ou o Estado.

- Necessidade de superação conceitual, ante a tomada de consciência de uma

classe de direitos que transcendem tanto a esfera do indivíduo, por um lado,

quanto a esfera do Estado, por outro. Exemplo: a consciência ecológica e o

despertar valores ambientais, os direitos do consumidor.

- A experiência norte-americana das class action: importância do estudo de

mecanismos que inspiraram o legislador brasileiro, a saber: (i) o right to opt out;

(ii) o sistema de fair notice ; (iii) a adequacy of representantion; (iv) o binding

efect decorrente da coisa julgada.

- A evolução do processo coletivo no Brasil: (i) a ação popular prevista no artigo

113, inciso XXXVIII da Constituição de 1934; (ii) A lei 4.717/65; (iii) a década de

70 e a “revolução dos professores”, inspirada no movimento de ACESSO À

JUSTIÇA, comandado por CAPPELLETTI e BRYANT GARTH.

02. FUNDAMENTOS OU OBJETIVOS DAS AÇÕES COLETIVAS:

- Acesso à Justiça.

- Economia Processual.

- Segurança Jurícia.

- Isonomia.

- Celeridade.

- Prevenção de decisões conflitantes.

03. CONCEITO DE PROCESSO COLETIVO:

- Para Didier e Zanetti Jr., “ conceitua-se processo coletivo como aquele instaurado

por ou em face de um legitimado autônomo, em que se postula um direito coletivo

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lato sensu ou se postula um direito em face de um titular de um direito coletivo lato

sensu, com o fito de obter uma providência jurisdicional que atingirá uma

coletividade ou um número determinado de pessoas”.

3.1. CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO COLETIVO

- A especial legitimação para agir.

- A afirmação em juízo de um direito coletivo lato sensu.

- A extensão subjetiva da coisa julgada.

04. PROCESSO COLETIVO E MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA

- O sistema de tutela coletiva é formado por diversas leis que se comunicam entre

si, em verdadeiro diálogo de fontes, e que formam um verdadeiro microssistema do

processo coletivo.

- Principais Leis: Lei de Ação Popular (Lei n◦ 4.717/65); Lei da Política Nacional do

Meio Ambiente (Lei n◦ 6.938/81); Lei de Ação Civil Pública (Lei n◦ 7.347/85);

CF/88; Código de Defesa do Consumidor (Lei n◦ 9.078/90); Lei do Mandado de

Segurança (Coletivo) (Lei n◦ 12.016/09) e outros.

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ROTEIRO 02

OS DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU

01. INTRODUÇÃO

- Direitos coletivos “lato sensu”: difusos, coletivos e individuais homogêneos.

02. A CONCEITUAÇÃO LEGAL

- CDC, Artigo 81, parágrafo único.

- Interesses ou direitos difusos: os transindividuais, de natureza indivisível, de que

sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

- Interesses ou direitos coletivos: os transindividuais, de natureza indivisível, de

que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas, ligadas ente si ou com a

parte contrária por uma relação jurídica base.

- Interesses ou direitos individuais homogêneos: assim entendidos os decorrentes

de origem comum.

- IMPORTANTE: apesar de conceituados no CDC, não se aplicam apenas às relações

de consumo.

2.1. DIREITOS OU INTERESSES?

- A doutrina amplamente majoritária afirma que o CDC não fez distinção entre as

duas expressões. KAZUO WATANABE (Comentários ao CDC) afirma serem

expressões sinônimas, na medida em que o interesse, quando amparado pelo

ordenamento, adquire o status de direito. ELPÍDIO DONIZETI e MARCELO

CERQUEIRA (Curso de Processo Coletivo) afirmam se tratar de distinção incabível,

pois que os direitos coletivos são titularizados por coletividades, dispensando que

se recorra ao conceito da doutrina italiana de interesse para permitir a sua tutela

jurisdicional.

03. OS DIREITOS DIFUSOS:

- Características principais:

a) Titularidade: coletividade composta por indivíduos indeterminados e

indetermináveis;

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b) Divisibilidade: ausente, pois que o direito difuso é essencialmente indivisível1;

c) Origem: mesma situação de fato.

- Exemplos típicos: meio ambiente, direitos do consumidor, patrimônio histórico,

moralidade administrativa.

04. OS DIREITOS COLETIVOS STRICTO SENSU

- Características principais:

a) Titularidade: coletividade composta de indivíduos indeterminados mas

determináveis;

b) Divisibilidade: ausente, pois também são essencialmente coletivos;

c) Origem: prévia relação jurídica base, mantida entre si ou com a parte contrária.

- Exemplos típicos: OAB ou sindicato, na defesa dos interesses de seus associados;

contribuintes de um determinado imposto.

05. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

- Características principais:

a) Titularidade: grupo de indivíduos determinável;

b)Divisibilidade: presente, pois se trata de direito essencialmente individual;

c) Origem: situações de fato ou de direito equivalentes.

- Exemplos clássicos: adquirentes de modelo de veículo com defeito; consumidores

de um produto nocivo à saúde que buscam indenização.

- IMPORTANTE: trata-se de direitos tipicamente individuais, que por poderem

ensejar conflitos de massa (mass torts), receberam do legislador a tratativa na

forma coletiva.

- OBS 1: inspiração nas class action for damages do direito norte-americano. CASO

CLÁSSICO: agent Orange case, no qual veteranos da guerra do Vietnã, por

intermédio de um representante adequado, moveram uma ação coletiva (class

1 Ricardo de Barros Leonel, em MANUAL DO PROCESSO COLETIVO, observa (pag. 91), dando como exemplo de direito difuso o meio ambiente: “O objeto do seu interesse é indivisível, pois não se pode repartir o proveito, e tampouco o prejuízo, visto que a lesão atinge a todos indiscriminadamente, assim como a preservação a todos aproveita”.

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action for damages) e processaram várias indústrias químicas americanas que

manipularam esse agente químico.

- Sobreleva, nesses casos, a questão do acesso à justiça e paridade de armas.

06. A QUESTÃO DA TITULARIDADE DOS DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU

- Ao contrário do que afirma parcela da doutrina, a titularidade não é

indeterminada, mas determinada: a coletividade, que se faz presente em juízo por

intermédio de um representante adequado.

07. QUADRO COMPARATIVO DOS DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU

ESPÉCIE TITULARIDADE DIVISIBILIDADE ORIGEM CLASSIFICAÇÃO

DIFUSO Coletividade de

indivíduos

indeterminados

e

indetermináveis

Indivisível Fato lesivo Essencialmente

coletivo

COLETIVO Coletividade de

indivíduos

indeterminados

mas

determináveis

Indivisível Relação

jurídica base

anterior entre

si ou com a

parte

contrária

Essencialmente

coletivo

INDIVIDUAL

HOMOGÊNEO

Coletividade de

indivíduos em

situação jurídica

homogênea

Divisível Fato lesivo Acidentalmente

coletivo

08. METODOLOGIA PARA A IDENTIFICAÇÃO DOS DIREITOS COLETIVOS LATO

SENSU (PROPOSTOS POR ELPÍDIO DONIZETE E MARCELO CERQUEIRA)

Primeira pergunta: a tutela jurisdicional é postulada em benefício de quem? De um

indivíduo ou de uma massa de indivíduos?

Segunda pergunta: em se dirigindo a um conjunto de indivíduos, há divisibilidade

do direito coletivo pleiteado? Ou seja, poderia o direito ser postulado por cada

indivíduo integrante do todo em ação própria?

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Terceira pergunta: Qual a origem do direito coletivo postulado? Havia prévia

relação jurídica entre os membros da coletividade ou entre eles e a parte contrária?

CASO HIPOTÉTICO INTERESSANTE:

(proposto por DONIZETTI e CERQUEIRA)

- Fabricante de iogurte que, buscando aumentar suas vendas, divulga, mediante

propaganda televisiva, que seu produto reduz o “colesterol ruim”. Pesquisas

científicas demonstram, porém, que na verdade o consumo daquele iogurte

aumentos os níveis de colesterol ruim.

- 3 ações judiciais são propostas em decorrência desse fato:

Ação X: busca a parte autora indenização pelos danos materiais e morais sofridos,

decorrentes dos gastos efetuados com a compra do produto e o aumento dos níveis

de colesterol.

Ação Y: entidade legitimada pleiteia indenização pelos danos materiais e morais

sofridos por todos os consumidores que adquiriram aquele produto.

Ação Z: entidade legitimada que, com base na proteção ao direito à saúde do

consumidor, pleiteia que a fabricante seja condenada a retirar seus produtos do

mercado.

IDENTIFIQUE O DIREITO EM CADA CASO.

- CONCLUSÃO: o direito coletivo deve ser identificado no caso concreto, de acordo

com o pedido e com a causa de pedir, pois um mesmo fato pode originar

pretensões difusas, coletivas e individuais homogêneas.

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ROTEIRO 03

PRINCÍPIOS DO PROCESSO COLETIVO

01. NOÇÕES GERAIS SOBRE TUTELA JURISDICIONAL

- Classificação de acordo com a pretensão submetida à apreciação jurisdicional:

tutela cognitiva, executiva ou cautelar.

- Noção de crise jurídica.

- Tipos de tutela cognitiva: declaratória, constitutiva/desconstitutiva e

condenatória.

02. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO PROCESSO COLETIVO

2.1. Aplicação Residual do CPC:

- O CPC, por seu caráter eminentemente individualista, terá aplicação meramente

residual aos processos coletivos e desde que obedecidas as seguintes regras: (i) no

microssistema de tutela coletiva haja omissão; (ii) a regra processual do CPC seja

compatível com o processo coletivo, na medida em que não pode comprometer a

eficácia da proteção aos direitos coletivos lato sensu.

2.2. Representatividade Adequada

- Os substitutos processuais da coletividade atuam em nome desta e, por isso,

devem ser representantes adequados. Os sistemas conhecidos são o de controle

judicial (ope iudices) da representação adequada, como ocorre nos Estados Unidos,

e o sistema de controle da representatividade adequada pela lei (ope legis), como

ocorre no Brasil, eis que entre nós é a lei quem indica os representantes, prévia e

abstratamente.

DONIZETTI e CERQUERIA criticam a terminologia representante por se confundir

com o instituto da representação no processo individual. Pensamos que a crítica

não faz sentido, bastando lembrar que a expressão representante adequado é já

tradicional na doutrina do processo coletivo e usada em um contexto que não

permite confusão com a representação do processo individual.

DIDIER e ZANETI JR., ao comentarem o princípio da representação adequada

pontuam que cresce a necessidade de que seja feito, pelo juiz e no caso concreto, o

controle da representação adequada, com vistas à segurança jurídica e garantia de

efetiva proteção ao direito coletivo postulado em juízo.

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Se essa opinião prevalecer – e já há muitos juízes que fazem esse controle – o

Brasil passaria a ter, na prática, um critério misto ou híbrido: a lei, prévia e

abstratamente, aponta os legitimados extraordinários; o juiz, no caso concreto,

analisa se aquele legitimado extraordinário é, naquele específico caso, um

representante adequado.

2.3. Não-taxatividade ou Atipicidade da Tutela Coletiva:

- Decorrência direta de que de nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser

excluída da análise do Poder Judiciário, a doutrina ensina que a ausência de

procedimento próprio para a tutela de determinado direito coletivo não pode ser

óbice à propositura da ação coletiva. DONIZETTI e CERQUEIRA chegam a afirmar

que “nada impede, portanto, a propositura de uma ação coletiva inominada”. Essa

idéia é anunciada no artigo 83 do CDC.

Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são

admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua efetiva e adequada

tutela.

2.4. Princípio da Ampla Divulgação da Demanda Coletiva e Princípio da Informação

aos Órgãos Competentes:

- O princípio da ampla divulgação decorre, diretamente, do artigo 94 do CDC.

Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os

interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de

ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de

defesa do consumidor.

A doutrina ressalta que o princípio da ampla divulgação da demanda coletiva visa

possibilitar: (i) que os autores individuais possam requerer a suspensão de seus

processos; (ii) a propositura de uma única demanda coletiva, evitando casos de

litispendência e coisa julgada; (iii) a intervenção de amicus curiae; (iv) a execução

individual da sentença coletiva; (v) o controle da atuação adequada do legitimado

extraordinário.

DIDIER e ZANETTI JR. pontuam que se trata de princípio de encontra raízes na fair

notice do direito norte-americano.

- A seu turno, o princípio da informação aos órgãos competentes decorre dos arts.

6◦ e 7◦ da Lei de Ação Civil Pública:

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Art. 6◦. Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do

Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto

da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção.

Art. 7◦. Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem tiverem

conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão

peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.

2.5. Princípio da Indisponibilidade Temperada e da Continuidade da Demanda

Coletiva:

- O princípio da indisponibilidade temperada da ação coletiva liga-se, sobretudo, ao

Ministério Público, por ter o dever institucional de atuar na defesa dos direitos

coletivos em sentido lato. Assim, ao contrário do processo individual, em que a

propositura ou não da ação encontra-se no âmbito da faculdade do indivíduo, no

processo coletivo, constatada a lesão a um direito coletivo lato sensu, a propositura

da ação coletiva é uma imposição. Todavia, essa obrigatoriedade de propositura da

ação coletiva deve ser considerada temperada, justamente porque o MP deverá

fazer um exame de oportunidade e conveniência quanto ao seu manejo.

Um bom exemplo do princípio da indisponibilidade da ação coletiva encontra-se

tratado no artigo 9◦ da Lei de Ação Civil Pública (lei 7.347/85):

Art. 9◦. Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se

convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil,

promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas,

fazendo-o fundamentadamente.

§1◦. Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão

remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao

Conselho Superior do Ministério Público.

§2◦. Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público, seja

homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão as associações

legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão juntados aos

autos do inquérito ou anexados às peças de informação.

§3◦. A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do

Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu regimento.

§4◦. Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de arquivamento,

designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da

ação.

Ainda sobre o princípio da indisponibilidade temperada da ação coletiva, merece

destaque a opinião de DONIZETTI e CERQUEIRA no sentido de aplicá-lo não só ao

Ministério Público, mas também às defensorias públicas e à advocacia pública, forte

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no argumento de que estes também são essenciais à Justiça e incumbindo-lhes

igualmente velar pelos direitos coletivos em sentido lato.

- Por sua vez, o princípio da continuidade da demanda coletiva encontra-se

positivado no §3◦ do artigo 5◦ da Lei de Ação Civil Pública (lei 7.347/85):

Art. 5◦. (...)

§3◦. Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação

legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.

Sobre o dispositivo, duas observações: (i) não se trata de abandono da demanda

coletiva apenas por associação, mas por qualquer legitimado; (ii) a continuidade

também é temperada, pois não pode obrigar o Ministério Público ou outro

legitimado extraordinário a dar prosseguimento a uma demanda infundada.

2.6. Princípio da Obrigatoriedade da Execução da Sentença coletiva:

- Esse princípio decorre, primordialmente, do artigo 15 da Lei de Ação Civil Pública

(lei 7.347/85), que reza:

Art. 15. Decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito em julgado da sentença

condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo

o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.

No mesmo sentido, o artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número

compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a

liquidação e execução da indenização devida.

Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o Fundo criado

pela Lei n◦ 7.347, de 24 de julho de 1985.

O artigo 15 da LACP deixa claro que, se a propositura da ação coletiva comporta

algum temperamento, a execução da sentença de procedência é absolutamente

obrigatória, sem exceção. Logicamente, qualquer legitimado que não promova a

execução da sentença coletiva poderá ser substituído por outro, a fim de assegurar

a efetiva execução da sentença de procedência.

O artigo 100 do CDC, por sua vez, trata das sentenças proferidas em ações

coletivas que buscam a tutela de direitos individuais homogêneos: nesse caso, o

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legitimado extraordinário busca uma sentença condenatória genérica, que será

posteriormente liquidada e executada pelos substituídos, ou seja, pelos legitimados

individuais. Ocorre que, não raro, tais legitimados individuais não comparecem para

realizar a devida liquidação/execução, quer por não terem conhecimento da ação

coletiva e da sentença condenatória (daí a importância do princípio da máxima

divulgação), quer por falta de interesse econômico. Nesses casos, decorrido um ano

sem o comparecimento significativo desses substituídos, deverá o Ministério Público

ou qualquer outro legitimado promover a execução do julgado, que agora será em

caráter coletivo e a fim de beneficiar toda a coletividade, pois que os valores

apurados devem ser depositados nos fundos estatais de proteção aos direitos

coletivos lato sensu. Trata-se do instituto que hoje é conhecido como fluid recovery

ou reparação fluida.

2.7. Princípio da Extensão Subjetiva da Coisa Julgada e do Transporte in utilibus

- Pela extensão subjetiva da coisa julgada, a decisão do processo coletivo se

estende ou erga omnes ou ultra parts, beneficiando os membros da coletividade.

Essa extensão subjetiva da coisa julgada (ou de seus efeitos, como oportunamente

se estudará) é inerente ao processo coletivo, sendo um de seus elementos

caracterizadores.

- Já o transporte in utilibus permite que uma sentença, proferida em ação coletiva

para a defesa de direitos essencialmente coletivos possa ser transportada para uma

ação individual, originada, por exemplo, daquele mesmo fato.

2.8. Princípio da Intervenção Obrigatória do Ministério Público:

- Esse princípio decorre do artigo 5◦, §1◦ da Lei de Ação Civil Pública, que reza:

Art. 5◦. (...)

§1◦. O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará

obrigatoriamente como fiscal da lei.

A intervenção do Ministério Público em uma demanda coletiva se dá de duas

formas: na qualidade de autor e na qualidade de custos legis. Ora, quando atua na

qualidade de Autor qualquer dúvida há, pois que o MP será parte na demanda.

Surge o questionamento naqueles outros casos, em que não propôs a ação e, a

nosso ver, sempre que houver uma ação coletiva não proposta pelo MP, esse

deverá atuar como fiscal da lei, sendo intimado dos atos processuais.

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2.9. Princípio do Interesse Jurisdicional no Conhecimento do Mérito do Processo

Coletivo:

- De acordo com esse princípio, visto por alguns como um subprincípio da

instrumentalidade das formas, deve o juiz flexibilizar ao máximo as regras de

procedimento, a fim de assegurar o direito da sociedade em ver apreciado o mérito

da ação coletiva. Na seara, pois, da tutela dos direitos coletivos, o processo deve

ser visto, mais do que nunca, como mero instrumento de viabilização da prestação

da tutela jurisdicional.

- Por fim, cita a doutrina ainda dois princípios: certificação da demanda coletiva e

competência adequada. O primeiro não nos parece aplicável ao sistema brasileiro, e

o segundo ainda carece de aprofundamento doutrinário, pelo que não serão

comentados.

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ROTEIRO 04

A LEGITIMIDADE NAS AÇÕES COLETIVAS

01. NATUREZA JURÍDICA DA LEGITIMIDADE ATIVA NAS AÇÕES COLETIVAS

Basicamente, três são as teorias que buscam explicar a natureza

jurídica da legitimidade ativa nas ações coletivas: (i) legitimidade ordinária; (ii)

legitimidade extraordinária e (iii) legitimidade autônoma para a condução do

processo.

A primeira corrente defende se tratar de legitimidade ordinária das

formações sociais para a defesa dos direitos coletivos e os entes que representam

essas formações sociais estariam em juízo a defender direito que efetivamente

titularizam. ARAKEN DE ASSIS, citado por DONIZETTI e CERQUEIRA (pag. 134),

explica que,

É questão em aberto, no direito pátrio, a natureza da legitimidade do Ministério

Público, e a fortiori, das associações civis e dos partidos políticos, tratando-se de

interesses difusos e coletivos [...]. Parece mais consentâneo à realidade qualificar a

legitimidade de ordinária nessas situações.

[...] a transmigração do individual para o coletivo, a qual alude Dinamarco, [...]

implica uma transformação mais profunda e intensa do que a simples substituição,

outorgando a titularidade do direito coletivo e do difuso a uma pessoa diferente dos

titulares da situação individual incluída no conjunto.

Em outras palavras, o Ministério Público, a associação ou o cidadão, conforme o

caso, legitimam-se, ativamente, porque se mostram titulares do direito posto em

causa, sem embargo de existirem outros titulares dos direitos parciais que,

coletivamente, formam o objeto litigioso. Por essa linha de raciocínio, a soma das

partes adquire identidade própria e nova, substancialmente diversa das frações de

que é titular pessoa também diferente, graças à indivisibilidade. E tal legitimação se

revela ordinária.

A segunda corrente, amplamente majoritária na doutrina

brasileira, defende tratar-se de legitimidade extraordinária, visto que o autor

coletivo vai a juízo em nome próprio, defender direito de outrem, ou seja, defender

o direito metaindividual que é titularizado pela coletividade, caso em que atua como

verdadeiro substituto processual. Essa a teoria adotada por DIDIER e ZANETI JR.,

DONIZETTI e CERQUEIRA, bem como pelo autor do presente trabalho.

A terceira corrente tem em NELSON NERY seu principal defensor.

Inspirada no direito alemão, pugna por um abandono da tradicional divisão em

legitimação ordinária e extraordinária, pois que se trataria de conceituação

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insuficiente para explicar o fenômeno da legitimidade no processo coletivo.

Defende, assim, que os entes legitimados à propositura da ação coletiva seriam

dotados, pela lei, de uma legitimação autônoma para a condução do processo.

Também RICARDO DE BARROS LEONEL defende tal concepção, partindo da

premissa que os esquemas de raciocínio típico do processo individual não servem

adequadamente ao processo coletivo. Faz, porém, uma ressalva: na seara dos

direitos individuais homogêneos, que são apenas acidentalmente coletivos, a

legitimação é extraordinária por substituição processual, dado que o Autor coletivo

vai a juízo em nome próprio defender, realmente, direito alheio.

02. CARACTERÍSTICAS DA LEGITIMAÇÃO COLETIVA ATIVA

A legitimação extraordinária por substituição processual possui as

seguintes características: (i) autônoma, (ii) exclusiva, (iii) concorrente e (iv)

disjuntiva.

É autônoma, pois o legitimado extraordinário está autorizado a

conduzir o processo independentemente do titular do direito litigioso, ou seja,

independente da autorização da coletividade titular do direito metaindividual.

É exclusiva, pois o só o legitimado extraordinário está autorizado a

propor a ação coletiva na defesa dos direitos coletivos lato sensu.

É concorrente, pois há mais de um legitimado extraordinário à

propositura da ação coletiva e qualquer um deles, sem ordem de preferência, pode

propor a ação coletiva.

E, finalmente, é disjuntiva, pois, apesar de concorrente, cada um

dos legitimados atua independentemente da vontade e da autorização dos demais

co-legitimados.

03. OS LEGITIMADOS COLETIVOS ATIVOS:

O rol dos legitimados coletivos ativos encontra-se, basicamente,

nos artigos 5º da Lei de Ação Civil Pública e art. 82 do CDC.

LACP, art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

I – o Ministério Público;

II – a Defensoria Pública;

III – a união, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;

V – a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

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b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao

consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico,

estético, histórico, turístico e paisagístico.

CDC, art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados

concorrentemente:

I – o Ministério Público;

II – a união, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

III – as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que

sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e

direitos protegidos por este Código;

IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos 1 (um) ano e que

incluam entre sues fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos

por este Código, dispensada a autorização assemblear.

3.1. A LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

É da Constituição Federal que se extrai, primordialmente, a

legitimidade do Ministério Público para a propositura de ações coletivas.

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime

democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio

público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

3.2.1. PRINCIPAIS POLÊMICAS

a) a legitimidade do Ministério Público para a proteção de

direitos individuais homogêneos:

Esse é um dos temas mais polêmicos, atualmente, em termos de

legitimidade do Ministério Público. Com efeito, se não se discute a legitimidade do

M.P. para a defesa dos direitos essencialmente coletivos, quanto aos direitos

individuais homogêneos (acidentalmente coletivos), a controvérsia é aceso.

Sobre o tema existem três posições doutrinárias:

(i) Teoria restritiva, que entende que o M.P. não tem

legitimidade para a defesa de direitos individuais

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

17

homogêneos, ainda que presente o requisito do interesse

social.

(ii) Teoria mista: reconhece que o interesse social não se

encontra presente em toda e qualquer demanda coletiva,

mas, nos casos em que se faça presente, a legitimação do

M.P. é inafastável. Ainda de acordo com essa visão, o

interesse social se manifestaria em casos que envolvessem

danos vultosos, que atingem número elevado de pessoas,

ou em razão da dispersão dos eventuais titulares do direito

individual. Ainda, o M.P. poderia atuar na defesa dos

direitos individuais homogêneos indisponíveis. Trata-se da

corrente majoritária.

(iii) Teoria ampliativa, que considera que toda e qualquer ação

coletiva, justamente por coletiva ser, tem presente o

requisito do interesse social, que seria, portanto, in re ipsa.

De fato, tem prevalecido, tanto na doutrina, quanto na

jurisprudência, a teoria mista, que aceita a legitimidade do Ministério Público para a

defesa de direitos individuais homogêneos quando (i) indisponíveis ou (ii) presente

o requisito do interesse social. Todavia, a jurisprudência dos tribunais superiores já

fixou entendimento que o M.P. não tem legitimidade para a tutela de direitos

individuais homogêneos em matéria tributária e previdenciária.

b) legitimidade do Ministério Público para a impetração de

Mandado de Segurança Coletivo:

Tanto a CF/88, quanto a lei 12.106/09, não fizeram menção ao

Ministério Público como um dos legitimados ativos à impetração do mandado de

segurança coletivo. Tal omissão, proposital ao que tudo indica, conduz a conclusão

inicial de que o M.P. não teria legitimidade para a propositura do writ sob a forma

coletiva.

Contudo, razões variadas podem colocar em cheque conclusão tal.

Ora, tem-se ou não um microssistema de processo coletivo, no

qual as leis que o compõem comunicam-se entre si, em verdadeiro diálogo de

fontes? Positiva a resposta, a omissão da lei 12.016/09 seria preenchida pelas

demais leis, generosas que são quanto à legitimidade do Ministério Público.

Ainda: o mandado de segurança não passa de um procedimento

especial que se notabiliza não propriamente pelo direito postulado em juízo, mas

sim pela exigência da prova pré-constituída dos fatos alegados e, claro, pela maior

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

18

concentração dos atos processuais; tanto assim o é que o mesmo direito que pode

ser tutelado pela via mandamental, também poderá sê-lo via ação de cognitiva de

procedimento ordinário. Nesses termos, no mínimo estranho que o Ministério

Público tenha legitimidade para tutelar um direito se optar por ação cognitiva

ordinária, e perca tal legitimação se escolher diferente procedimento.

Ademais, pelo princípio da atipicidade da tutela coletiva e da

máxima eficácia na defesa dos direitos coletivos, qualquer ação é adequada à tutela

desses mesmos direitos, conforme expressamente dispõe o artigo 83 do Código de

Defesa do Consumidor.

Assim, em que pese a omissão legal, pensamos que não se pode

negar ao Ministério Público a legitimidade para a impetração de mandado de

segurança coletivo.

3.2. A LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA

Até o ano de 2007 a Defensoria Pública não detinha legitimidade

para propor ação coletiva, quadro que mudou com a edição da lei 11.448/2007,

que inseriu a defensoria no rol dos legitimados extraordinários do artigo 5 a Lei de

Ação Civil Pública.

A questão que mais se debate, atualmente, sobre a atuação da

defensoria em sede coletiva é a seguinte: teria ela legitimidade ativa apenas nos

caos em que a coletividade fosse composta de pessoas hipossuficientes

economicamente?

A questão é bastante controvertida, mas a posição dominante

defende que basta a existência de algumas pessoas hipossuficientes ou

necessitados para que já se justifique a atuação da Defensoria Pública, não

havendo necessidade de todos os integrantes sejam necessitados. DIDIER e

ZANETI JR. (pág. 219) bem explicam a questão:

Para que a Defensoria seja considerada como “legitimada adequada” para conduzir

o processo coletivo, é preciso que seja demonstrado o nexo entre a demanda

coletiva e o interesse da coletividade composta por pessoas “necessitadas”,

conforme locução tradicional. Assim, por exemplo, não poderia a Defensoria Pública

promover ação coletiva para a tutela de direitos de um grupo de consumidores de

PlayStation III ou de Marcedes Benz. Não é necessário, porém, que a coletividade

seja composta exclusivamente por pessoas necessitadas. Se fosse assim,

praticamente estaria excluída a legitimação da Defensoria para a tutela de direitos

difusos, que pertencem a uma coletividade de pessoas indeterminadas.

Page 19: Apostila de Processo Coletivo

Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

19

3.3. A LEGITIMIDADE ATIVA DA UNIÃO, ESTADOS, D.F. e MUNICÍPIOS,

AUTARQUIA, FUNDAÇÃO, EMPRESA PÚBLICA, SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA e

ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta,

dotados de personalidade jurídica, possuem legitimidade ativa para a propositura

da ação coletiva. Precisam, porém, demonstrar a pertinência temática (requisito a

seguir estudado) de sua atuação.

Lado outro, importante por em destaque que também órgãos da

administração pública possuem legitimidade ativa, ainda que desprovidos de

personalidade jurídica própria, conforme se extrai do artigo 82, III, do CDC.

Art. 82. (...)

III – as entidades e órgãos da administração direta ou indireta, ainda que sem

personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e

direitos protegidos por este Código.

A disposição legal citada destina-se a propiciar que órgãos como o

PROCON possam igualmente propor ações coletivas.

3.4. ASSOCIAÇÃO E OUTRAS FORMAS DE ASSOCIATIVISMO

Primeiramente, cumpre destacar, com base na autorizada lição de

DONIZETTI e CERQUERIA (pág. 147), que a LACP e o CDC previram a legitimação

ativa de associações, fazendo-o, porém, em sentido lato, de modo a abranger

qualquer outra forma de associativismo, tais como sindicatos, entidades de classe,

cooperativas e partidos políticos.

A lei erige, porém, nesses casos, dois importantes requisitos: (i) a

constituição da associação há pelo menos 1 (um) ano, requisito que poderá ser

dispensado pelo juiz, em casos excepcionais, quando haja manifesto interesse

social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do

bem jurídico protegido; (ii) inclua a associação, entre suas finalidades

institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, a ordem econômica, à

livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e

paisagístico.

3.5. O REQUISITO DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

20

Como se viu, o processo coletivo brasileiro adotou um regime de

legitimidade extraordinária em que os substitutos processuais são indicados prévia

e abstratamente pela lei, daí a se dizer que se trata de uma legitimidade ope legis.

Também já se viu que o sistema brasileiro, nesse ponto, distancia-

se do norte-americano, no qual a legitimidade do autor coletivo, lá denominada

“adequacy of representation” ou “representação adequada” é feita caso a caso.

Ocorre que a prática das ações coletivas no Brasil tem revelado

que a jurisprudência e a doutrina não têm aplicado o sistema de legitimidade ativa

ope legis de maneira, por assim dizer, pura e automática. Ao contrário, têm exigido

que entre o substituto processual e matéria discutida em juízo haja um liame, uma

ligação por afinidade, notadamente com as finalidades institucionais do Autor da

ação coletiva.

E não só doutrina e jurisprudência colocam em relevo esse liame:

a lei também o faz, bastando ver que a LACP, em seu artigo 5º., V, “b”, quando

trata da legitimidade das associações, exige que esteja incluído, entre suas

finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem

econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico,

turístico e paisagístico.

A essa conexão entre as finalidades institucionais do legitimado

extraordinário e a matéria discutida na ação coletiva dá-se o nome de pertinência

temática.

Cumpre destacar que a pertinência temática e a representação

adequada são conceitos que não se confundem, pois que este é mais abrangente

que aquele. Em outras palavras, a falta de pertinência temática fará com que o

autor coletivo não seja considerado um representante adequado, a comprometer a

sua legitimidade ativa para atuar naquela específica ação coletiva.

Com razão, nesse ponto, FREDIE DIDIER e ZANETI JR. (pág. 213),

quando pontuam que a legitimidade ativa, no processo coletivo, deve ser aferida

em dois momentos: primeiro, abstratamente, quando se deve verificar se o autor

coletivo é um daqueles que a lei aponta como legitimado extraordinário; segundo,

verificada essa legitimidade em tese, deverá o órgão julgador analisá-la em

concreto, investigando a pertinência temática da atuação daquele legitimado em

relação ao direito coletivo discutido em juízo.

Na prática, portanto, o que se percebe é que o processo coletivo

brasileiro acaba por adotar um sistema híbrido de aferição de legitimidade, pois

que, além da prévia autorização legal para a propositura da ação coletiva

(legitimação ope legis), deve o autor demonstrar a pertinência temática da sua

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

21

atuação, de modo a ser considerado, no caso concreto, um representante

adequado.

04. AS AÇÕES COLETIVAS PASSIVAS (defendant class action) – BREVE NOTÍCIA

Um dos mais interessantes temas da atualidade do processo

coletivo diz respeito às denominadas ações coletivas passivas, ou seja, casos em

que um autor deduz em juízo uma pretensão em desfavor de uma coletividade.

Com a costumeira clareza, DIDIER e ZANETI JR. (pág. 411)

afirmam que

Há ação coletiva passiva quando um agrupamento humano for colocado no pólo

passivo de uma relação jurídica afirmada na petição inicial. Formula-se uma

demanda contra uma coletividade. Os direitos afirmados pelo autor da demanda

coletiva podem ser individuais ou coletivos (lato sensu) – nessa última hipótese, há

uma ação duplamente coletiva, pois o conflito de interesses envolve comunidades

distintas.

A premissa para bem se compreender a ação coletiva passiva

passa pelo reconhecimento de que, assim como uma coletividade pode ser titular

de um direito, pode também estar em situação de sujeição ao direito do autor, seja

esse direito coletivo ou não.

A experiência forense brasileira já se deparou com interessantes

casos de ações coletivas passivas (ver DIDIER e ZANETI JR, pág. 415 e seguintes):

1) Litígios coletivos trabalhistas, em que em cada um dos pólos se

encontra o sindicato (representante adequado) das respectivas

categorias – empregados e empregadores.

2) Ação proposta em face de categoria de servidores públicos, em

casos de greve, com a pretensão de voltem ao trabalho.

Noticia-se que a ação pioneira ocorreu em 2004, quando a

categoria dos policiais federais entrou em greve. Naquela

oportunidade, a União ingressou com ação em face da

Federação nacional dos Policiais Federais e o Sindicato dos

Policiais Federais do Distrito Federal, pleiteando o retorno das

atividades;

3) Exemplo citado em doutrina, o caso de uma empresa que

ingressa com ação a fim de ver declarado que seu projeto é

ambientalmente correto, ou ação proposta por empresa que se

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

22

vale de contratos de adesão, a fim de ver declarada a

legalidade das cláusulas desse mesmo contrato.

Percebe-se que o conceito de representatividade adequada nas

ações coletivas passivas ganha importância extrema, na medida em que só é

aceitável que demanda tal seja proposta em face daquele legitimado passivo que

efetivamente seja o representante adequado daquela categoria.

A doutrina subdivide as ações coletivas passivas em originárias ou

derivadas. Serão originárias quando surgem sem que lhes preceda uma demanda

coletiva ativa; são derivadas quando surgem em decorrência de uma ação coletiva

ativa, tal como ocorre com a ação rescisória de sentença proferida em ação coletiva

ativa, ou cautelares incidentais a ações coletivas ativas.

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23

ROTEIRO 05

A COMPETÊNCIA NAS AÇÕES COLETIVAS

01. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

- Jurisdição e competência.

- Critérios determinadores da competência: (i) matéria; (ii) função; (iii) pessoa;

(iv) valor da causa; (v) território.

- Regime processual da competência absoluta e relativa.

02. A COMPETÊNCIA NO PROCESSO COLETIVO

Em processo coletivo, as regras de competência são ditadas por

dois principais dispositivos, quais sejam, o artigo 2º. da Lei de Ação Civil Pública, e

o artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor:

Lei 7.347/85

Art. 2º. As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o

dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as

ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o

mesmo objeto.

Código de Defesa do Consumidor

Art. 93. Ressalvada a competência da justiça federal, é competente para a causa a

justiça local:

I – no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito

nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos

de competência concorrente.

2.1. A COMPETÊNCIA PARA A AÇÃO CIVIL PÚBLICA – COMPETÊNCIA TERRITORIAL

ABSOLUTA

Como visto, a regra básica de competência para a Ação Civil

Pública encontra-se no artigo 2º. da lei 7.347/85.

Apesar da lei falar em competência funcional, a doutrina mais

recente tem firmado entendimento de que se trata de competência territorial

absoluta, em moldes bem parecidos com a tradicional regra do artigo 95 do CPC.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

24

Assim, o local onde o dano ocorreu ou deva ocorrer será competente, em caráter

absoluto, para processar a julgar e Ação Civil Pública.

Pode ocorrer, porém, de o dano ocorrer em mais de uma

localidade. Em casos tais, o foro de qualquer dessas localidades é competente para

a ACP (um caso excepcional de competência territorial absoluta concorrente) e,

sendo a demanda proposta no foro de qualquer deles, este terá sua prevenção

firmada para quaisquer outras demandas que tenham a mesma causa de pedir ou

pedido, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 2º. da lei 7.347/85.

Cumpre destacar, porém, que essa regra de foros concorrentes

quando o dano se estender por mais de uma localidade não deve ter aplicação nos

casos em que a dimensão do dano chegue a ser regional, estadual ou nacional, pois

que nessas hipóteses o CDC reserva regra específica, conforme a seguir se verá.

2.2. COMPETÊNCIA QUANDO O DANO FOR NACIONAL

Como exposto, o artigo 93 do CDC indicou, para as hipóteses em

que o dano seja nacional, a competência das capitais dos Estados ou o Distrito

Federal para processar e julgar a ação civil pública.

De início, discutia-se em doutrina e jurisprudência se mencionada

regra tratava de uma competência concorrente entre as capitais e o DF. O STJ, ao

julgar o Conflito de Competência n. 26.842-DF, firmou entendimento nesse sentido,

afirmando que em casos de dano de dimensão nacional são concorrentemente

competentes os foros das capitais dos Estados e o do Distrito Federal.

2.2. COMPETÊNCIA QUANDO O DANO FOR ESTADUAL

Em se tratando de dano de abrangência estadual, a despeito da

omissão legislativa, será competente o foro da capital do respectivo Estado, em

aplicação analógica do artigo 93 do CDC.

2.3. COMPETÊNCIA QUANDO O DANO FOR DE ABRANGÊNCIA REGIONAL

A legislação não define o que seja dano regional. Aliás, não define

o que seja dano nacional ou estadual, o que causa alta dose de insegurança quando

se deve definir, no caso concreto, o juízo competente para uma ação coletiva.

Segundo as lições doutrinárias, pode-se conceber o dano regional

sob dois aspectos: dano que se estenda por mais de um Estado da Federação (sem

que se possa chegar a considerar esse dano nacional), ou dano que se estenda por

Page 25: Apostila de Processo Coletivo

Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

25

mais de uma comarca do mesmo Estado, sem que chegue a configurar dano

regional.

Nesses casos, por aplicação do artigo 93 do CDC, deve-se

considerar como competente, quando o dano se estender por mais de um Estado, o

da capital de qualquer deles; quando o dano for regional e se estender por mais de

uma comarca, sem, contudo, chegar a ser um dano estadual, a regra do artigo 2º.

da Lei de Ação Civil Pública deverá ter aplicação, ditando-se a competência em

razão do local onde o dano ocorreu ou deva ocorrer.

03. COMENTÁRIO AO ARTIGO 16 DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA E ARTIGO 2º.-A

DA LEI 9.494/97

Conforme estudado em capítulo anterior, a ação coletiva tem por

finalidade (ou objetivo) a obtenção de economia processual, a garantia de acesso à

justiça, a preservação da segurança jurídica, mediante a prevenção de prolação de

decisões judiciais conflitantes etc, finalidades estas alcançáveis mediante a

propositura de uma única ação coletiva, evitando a propositura de diversas ações

substancialmente idênticas, colocando em risco todos aqueles objetivos antes

mencionados.

Nada obstante, polêmicas alterações realizadas nas leis que regem

o sistema processual coletivo brasileiro acabaram por colocar em cheque a própria

efetividade da tutela coletiva. Trata-se das alterações veiculadas pelo artigo 16 da

lei 7.347/85 e artigo 2º.- A da lei 9.494/97, assim redigidos:

Lei 7.347/85

Artigo 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes nos limites da

competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado

improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado

pode intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Lei 9.494/97

Art. 2º.-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por

entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados,

abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação,

domicílio no âmbito de competência territorial do órgão prolator.

A reação da doutrina a esses dispositivos, que limitam,

territorialmente, os efeitos das decisões proferidas em ações coletivas, foi imediata

e veemente. Os argumentos contrários são bem resumidos por DONIZETTI e

CERQUERIA (pag. 210/211): primeiramente, as alterações promovidas seriam

Page 26: Apostila de Processo Coletivo

Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

26

inconstitucionais por ofenderem (i) o princípio da razoabilidade, na medida em que

imporiam uma restrição absurda e despropositada à eficácia das decisões das ações

coletivas; (ii) o princípio da igualdade, pois acaba ensejando a propositura de

diversas ações coletivas substancialmente idênticas, com a conseqüente prolação,

ao menos em tese, de decisões conflitantes; (iii) o princípio do acesso à justiça,

pois deixa à margem da proteção jurisdicional coletividades que estejam fora dos

limites de competência territorial do órgão prolator da decisão.

Além disso, a doutrina também sustenta a ineficácia da alteração

legislativa, visto que: (i) qualquer decisão judicial tem eficácia além dos limites

territoriais de competência do órgão prolator: por exemplo, uma sentença de

divórcio prolatada por juiz de São Paulo não pode valer apenas nesta cidade,

permanecendo, no Rio de Janeiro, casadas aquelas partes. (exemplo citado por

Nelson Nery); (ii) os direitos coletivos, por ontologicamente indivisíveis, não

poderiam ser cindidos por um critério de competência territorial do órgão prolator

da decisão judicial; (iii) finalmente, o artigo 93 do CDC define a competência para a

ação coletiva de acordo com a extensão do dano. Assim, em caso de dano nacional,

por exemplo, o juízo da capital do Estado ou do Distrito Federal terá, em tese,

jurisdição nacional, e os efeitos de sua decisão atingiriam, naturalmente, todo o

Brasil.

A posição atual dos tribunais, notadamente do STJ, é pela

aplicação literal desses dispositivos.

CONTRIBUIÇÃO DO AUTOR DA APOSTILA

Os dispositivos analisados regulam, sobretudo, a eficácia subjetiva das decisões

proferidas em ação coletiva.

Em uma ação coletiva, o que o judiciário define é o acertamento de um direito

(coletivo) envolvendo a coletividade autora da ação (ali representada pelo

substituto processual) e o réu. Assim, o que os artigos fazem é limitar essa

coletividade beneficiada, utilizando como critério dessa limitação a competência

territorial do órgão prolator. O que se limita, assim, não é a coisa julgada, mas a

eficácia subjetiva da decisão, que somente será extensível à coletividade abrangida

pela competência territorial do órgão prolator do decisório. Assim, se o dano for

nacional e a ação coletiva for corretamente proposta ou no DF ou perante a Capital

de um dos Estados da Federação, tendo esse juízo competência nacional naquele

caso, a extensão subjetiva dos efeitos do julgado assim também será. Melhor será

desenvolvido esse assunto quando tratarmos da coisa julgada coletiva.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

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ROTEIRO 06

CONEXÃO, CONTINÊNCIA E LITISPENDÊNCIA

NO PROCESSO COLETIVO

01. NOÇÕES GERAIS

- O sistema de conexão e continência no processo individual.

- Prevenção: união das ações conexas perante o juízo prevento ou distribuição da

ação, por dependência, à ação já proposta.

- Litispendência: conceito.

02. A CONEXÃO E A CONTINÊNCIA NO PROCESSO COLETIVO

Aplica-se o sistema base do processo individual, com as seguintes

peculiaridades: (i) no processo coletivo a aferição da existência de afinidade entre

processos deve ter em conta, principalmente, o objeto da demanda coletiva; (ii) a

necessidade de se evitar, ao máximo, em ações coletivas, a prolação de decisões

conflitantes; (iii) o substituto processual não influencia na determinação da

existência de conexão, continência ou litispendência, visto que a parte material na

demanda é a coletividade substituída.

2.1. A POSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA ABSOLUTA POR

CONEXÃO

Umas das mais clássicas regras do processo individual com relação

à competência absoluta é que esta, por ser improrrogável, não comporta

modificação em razão da conexão e continência.

Não é assim, porém, no processo coletivo, pois que a despeito de

ser absoluta a competência territorial, a sua prorrogação é possível em virtude de

conexão e continência.

Duas particulares disposições legais autorizam essa conclusão: o

§3° do artigo 5° da Lei de Ação Popular e o parágrafo único do artigo 2° da Lei de

Ação Civil Pública. Confira-se:

LEI DE AÇÃO POPULAR

Art. 5°. (...)

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

28

§3°. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações que

forem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos

fundamentos.

LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Art. 2°. (...)

Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as

ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o

mesmo objeto.

Um exemplo certamente esclarecerá a aplicação dos dispositivos

citados. Imagine-se um dano ambiental que tenha atingido área de 04 (quatro)

comarcas de determinado estado. Tal dano, que se pode considerar regional,

poderá ser objeto de ação coletiva a ser proposta em qualquer uma das 04 (quatro)

comarcas, por força da regra geral de competência (territorial absoluta) do local do

dano, ditada pelo artigo 2° da Lei de Ação Civil Pública. Em palavras outras, o juízo

de qualquer das 04 (quatro) comarcas tem competência concorrente para processar

e julgar a ação coletiva. Proposta que seja, a ação, perante o juízo da comarca A,

torna-se ele prevento para qualquer futura demanda que tenha por objeto aquele

mesmo dano ambiental.

Não se trata, ressalte-se, da constituição de um juízo universal, à

semelhança do juízo falimentar, como chegou a decidir o Superior Tribunal de

Justiça no Conflito de Competência 19686-DF. Trata-se, de fato, apenas e tão

somente de prevenção, pois que apenas serão “atraídas” para o juízo prevento as

ações coletivas conexas com aquela primeiramente deduzida. Caso fosse,

realmente, um juízo universal, essa “atração” seria exercida sobre toda e qualquer

demanda, independentemente de vínculo de afinidade ou risco de prolação de

decisões conflitantes.

Outra observação importante: enquanto a prevenção, no processo

individual, é configurada ou pelo primeiro despacho (mesma competência territorial

– art. 106 do CPC), ou pela primeira citação válida (competência territorial distinta

– artigo 219 do CPC), no processo coletivo o que configura a prevenção é a

propositura da ação coletiva, conforme artigo 2°, parágrafo único da Lei de Ação

Civil Pública.

Confira-se o quadro-resumo proposto por DONIZETTI e

CERQUERIA (pág. 232):

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

29

PROCESSO INDIVIDUAL PROCESSO COLETIVO

COMPETÊNCIA

TERRITORIAL

Relativa, em regra. Absoluta.

CONEXÃO e

CONTINÊNCIA

Não provoca a modificação

em caso de competência

absoluta

Provoca a modificação da

competência, em que pese

absoluta.

PREVENÇÃO Determinado pelo 1°

despacho (art. 106 do CPC)

ou pela 1ª citação válida

(art. 219 do CPC)

Determinada pela propositura

da ação.

2.2. A CONEXÃO ENTRE AÇÃO COLETIVA E AÇÃO INDIVIDUAL

A possível relação existente entre ação coletiva e ação individual

encontra-se disciplinada no artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II do parágrafo único do art.

81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa

julgada erga omnes ou ultra parts a que aludem os incisos I e III do artigo anterior

não beneficiarão os autores das ações individuais, se ao for requerida a sua

suspensão no prazo de 30 dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da

ação coletiva.

Fica claro, portanto, que a propositura da ação coletiva não inibe a

ação individual. Todavia, não há como negar que entre a ação coletiva e a ação

individual, quando baseadas no mesmo fato (um acidente ambiental ou uma lesão

em relação de consumo, por exemplo), serão conexas, exatamente porque revelam

identidade de causa de pedir.

Ocorre que, a despeito de haver a conexão, a sua principal

conseqüência, que é a reunião das ações perante o juízo prevento não ocorrerá,

porque o legislador adotou solução diferente no âmbito coletivo: a suspensão das

ações individuais a requerimento do autor.

É de se destacar recente entendimento do STJ, trazido no

Informativo 413, em que se determinou a suspensão das ações individuais, quando

proposta ação coletiva versando sobre o mesmo direito coletivo lato sensu. Trata-

se, assim, de uma inovadora suspensão do processo por ordem judicial e, a

despeito de não expressamente reconhecido nesse precedente, a regra do artigo

265, IV, do CPC, que versa sobre a suspensão do processo por prejudicialidade

externa autoriza que se chegue a solução tal.

Page 30: Apostila de Processo Coletivo

Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

30

2.3. A LITISPENDÊNCIA NAS AÇÕES COLETIVAS

Não há regra específica para a litispendência no microssistema do

processo coletivo. Aplica-se, assim, a princípio, a mesma regulação prevista para o

processo individual.

Algumas questões, entretanto, devem se ponderadas quando se

fala em litispendência entre ações coletivas.

Primeiramente, não se deve exigir identidade de substitutos

processuais, mas sim identidade da coletividade titular daquele direito e

representada em juízo pelo legitimado extraordinário.

O procedimento adotado para as ações coletivas também é

indiferente.

Assim, é sobretudo à partir da análise da causa de pedir e do

pedido das ações coletivas que se poderá concluir pela existência ou não de

litispendência.

Há, ainda, que se levar em conta a confusa regra do artigo 16 da

Lei de Ação Civil Pública, que em muitos casos, por limitar a eficácia subjetiva da

decisão à competência territorial do órgão prolator, induzirá, ou mesmo obrigará a

propositura de tantas ações coletivas idênticas quantas sejam necessárias à tutela

das coletividades excluídas pela limitação subjetiva dos efeitos da decisão.

A visão do autor da apostila não é essa. A despeito dos entendimentos de que o

artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública seria inconstitucional, a solução que propomos

para o tema não passa por essa seara. A nosso ver, o artigo 16 da LACP deve ser

interpretado em consonância com o artigo 93 do CDC, de modo que, tratando-se de

dano estadual, regional ou nacional, caso a ação coletiva seja corretamente

proposta perante uma das capitais dos estados ou no Distrito Federal, o juízo

perante o qual se desenvolver a demanda terá competência para a toda a extensão

do dano, ou seja, nacional, estadual ou regionalmente. Assim, esse será o limite de

sua competência, permitindo-se a extensão subjetiva dos efeitos da decisão nessa

mesma proporção.

Imagine-se, por exemplo, o caso de um concurso da aeronáutica que insira em seu

edital exigências discriminatórias e desproporcionais quanto à idade e altura dos

candidatos. É proposta, pelo MPF, ação civil pública perante a Seção Judiciária de

Goiânia, com pedido de liminar para suspender as cláusulas editalícias impugnadas.

Concedida a liminar, pergunta-se: terá ela eficácia em todo o Brasil ou apenas no

estado de Goiás? A nosso ver, sendo esse um dano nacional, o juízo (no caso

federal) de qualquer das capitais dos estados é competente para processar e julgar

a causa e, sendo proposta a demanda coletiva terá o juízo competência territorial

em toda a extensão do dano, de modo que sua liminar terá eficácia em todo o

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

31

Brasil, dado que e é justamente esse o limite de sua competência territorial naquele

caso concreto.

A se aplicar o artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública sem se observar essa critério,

ou seja, ignorando a regra de competência do artigo 93 do CDC (como muitos

fazem, inclusive os tribunais), a decisão liminar, voltando ao exemplo, terá eficácia

apenas no Estado de Goiás, forçando a repetição de ações coletivas idênticas em

outros estados da federação, o que é desaconselhável e nada razoável.

Em tempo: discute-se em doutrina se a litispendência deveria

importar na extinção ação da ação coletiva que possua esse “vício” ou na reunião

com a anteriormente ajuizada. Pela reunião, DIDIER e ZANETI; pela extinção,

DONIZETTI e CERQUEIRA. Adotamos a segunda posição.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

32

ROTEIRO 07

LITISCONSÓRCIO E INTERVENÇÃO DE

TERCEIROS NO PROCESSO COLETIVO

01. LITISCONSÓRCIO: NOÇÕES GERAIS

Pode-se conceituar o litisconsórcio como a existência de uma

pluralidade de partes, tanto no pólo ativo, como no pólo passivo, litigando em um

mesmo processo. Trata-se de instituto processual voltado à proteção da

uniformidade das decisões judiciais, bem como à celeridade e economia processual.

Classifica-se da forma seguinte:

(i) Quanto ao pólo: ativo, passivo ou misto (quando se forma

em ambos os pólos da relação jurídica processual);

(ii) Quanto ao momento de formação: originário, quando se

forma desde o início da demanda, e ulterior, quando se

forma ao longo desta;

(iii) Quanto à obrigatoriedade de sua formação: necessário,

quando a lei ou a relação jurídica, por indivisível,

impuserem a sua formação; ou facultativo, nos demais

casos;

(iv) Quanto ao modo de julgar: simples, quando o juiz puder

decidir a lide de maneira distinta para cada um dos

litisconsortes, ou unitário, quando o magistrado tiver que

decidir a lide de maneira uniforme para todos os

litisconsortes.

1.1. O LITISCONSÓRCIO NO PROCESSO COLETIVO

Dada a característica da legitimidade no processo coletivo, que é

extraordinária (por substituição processual), concorrente e disjuntiva, torna-se

possível a coligação de vários colegitimados para a propositura da ação coletiva, ou

mesmo sua coligação no pólo passivo.

Diferencia-se, porém, do litisconsórcio no plano individual em um

ponto relevante: enquanto no processo individual os litisconsortes são partes em

sentido material, defendendo em juízo cada um o seu direito, no âmbito coletivo a

formação do litisconsórcio terá conotação e estrutura puramente processual, pois

Page 33: Apostila de Processo Coletivo

Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

33

que a coletividade substituída por cada um dos colegitimados é exatamente a

mesma.

Trata-se de um litisconsórcio sempre facultativo, exatamente

porque a legitimidade é disjuntiva.

Pode ser originário, quando se forma desde o início da demanda

coletiva, ou ulterior, quando se forma após a propositura da ação. É bem verdade

que existe em doutrina certa divisão quanto à intervenção do colegitimado em

momento posterior à propositura da ação coletiva. Para alguns, trata-se de

litisconsórcio ulterior, enquanto para outros, assistência litisconsorcial. Sobre essa

controvérsia, ver com mais detalhes o item 2.2.1 infra, dedicado ao estudo da

assistência nas ações coletivas.

Prosseguindo, ainda segundo a doutrina trata-se de litisconsórcio

unitário, pois que a decisão a ser proferida deverá ser exatamente a mesma para

todos os litisconsortes. DONIZETTI e CERQUEIRA ponderam, não sem razão, que

justamente pelo sistema de substituição processual, típico do processo coletivo, a

decisão da ação coletiva não é prolatada em razão da parte processual (substituto),

mas em razão da coletividade substituída. Assim, ponderam que perderia o sentido

classificar o litisconsórcio em simples ou unitário, até porque no plano do direito

material existe um único titular. Concordamos com a perspicaz ponderação, mas

entendemos que a classificação é útil sobretudo sob o ponto de vista didático, na

medida em que reafirma a impossibilidade de serem adotadas decisões divergentes

para cada um dos legitimados extraordinários.

1.2. O LITISCONSÓRCIO ENTRE RAMOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO OU DA

DEFENSORIA PÚBLICA

Dispõe o art. 5°, §5°, da Lei de Ação Civil Pública:

§5°. Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União,

do Distrito Federal e dos Estados, na defesa dos interesses e direitos de que cuida

esta lei.

Sobre a regra, uma primeira observação importante: entende a

doutrina que se deve aplicar a mesma disposição, por analogia, aos ramos da

Defensoria Pública.

A regra legal, nesses termos, é clara, sendo cogitável, por

exemplo, a propositura de uma ação civil pública pelo Ministério Público Estadual

em litisconsórcio com o Ministério Público Federal.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

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A grande e tormentosa questão que se coloca nesses casos é:

perante qual justiça deverá tramitar essa ação: justiça estadual ou justiça federal?

Outra: podem os ramos do Ministério Público demandar perante qualquer justiça?

DIDIER e ZANETI JR. (pág. 342) ponderam que se trata de

questão de difícil resolução, notadamente porque a legislação vigente não fornece

respostas. Apontam, assim, a existência de duas correntes doutrinárias que

enfrentaram essa polêmica: uma que defende que cada Ministério Público deve ter

sua atuação limitada à “sua justiça”; a segunda, apontada como majoritária,

entende que o Ministério Público poderia atuar perante qualquer justiça, desde que

a matéria discutida em juízo seja de sua atribuição.

De fato, parece ter razão a segunda corrente doutrinária, tendo

em conta os seguintes fundamentos: (i) a delimitação das funções de cada

Ministério Público não está constitucionalmente adstrita a essa ou aquela justiça;

(ii) não pode equiparar o Ministério Público Federal à União, de modo que a sua

simples presença na lide imponha a competência de justiça federal; (iii) a expressa

autorização, contida na lei, para a formação do litisconsórcio entre Ministérios

Públicos já revela a possibilidade de sua atuação perante uma justiça que não lhe

seria correspondente; (iv) o Ministério Público Estadual não poderia ficar submetido

à vontade do Ministério Público Federal. Imagine-se um dano causado por um ente

público federal: se o Ministério Público Federal não propusesse a demanda coletiva,

o Ministério Público Estadual não poderia fazê-lo, por não poder pleitear perante a

justiça federal.

É bem verdade que há um precedente do STJ (REsp 440-002-SE,

de 2004, Relatoria Ministro Teori Albino Zavascky), em que se decidiu que “para

fixar a competência da justiça federal, basta que a ação civil pública seja proposta

pelo Ministério Público Federal”.

Pelos fundamentos antes expostos, não é essa a posição que

adotamos no presente curso.

1.3. POSSIBILIDADE ALTERAÇÃO DOS ELEMENTOS OBJETIVAS DA DEMANDA

FORMULADA PELO LITISCONSORTE ATIVO ULTERIOR

Conforme se afirmou em passagem anterior, é admissível que um

colegitimado extraordinário ingresse na ação coletiva em momento posterior à sua

propositura, o que configura a formação de um litisconsórcio ativo, facultativo,

ulterior e unitário.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

35

Debate-se em doutrina se, em casos tais, seria dado a esse

litisconsorte tardio formular novos pedidos na ação coletiva, ou alterar-lhe de

algum modo a causa de pedir.

Prevalece em doutrina a opinião de que tais alterações seria

possíveis.

Doutrinadores muitas vezes citados em nosso curso, DONIZETTI e

CERQUEIRA (pag. 263) entende que se deve admitir que o litisconsorte ulterior

possa alterar a causa de pedir e o pedido, desde que isso não provoque prejuízo

injustificado para o réu ou viole a garantia do contraditório. DIDIER e ZANETI Jr.

parecem trilhar caminho semelhante.

De nossa parte, pensamos que a possibilidade de alteração do

pedido ou da causa de pedir, fora das regras limitadoras já previstas no CPC (art.

264), colocam o réu da ação coletiva em situação de insegurança e total

instabilidade processual, com óbvio comprometimento do contraditório e da ampla

defesa.

Assim, posicionamo-nos contra essa possibilidade de ampliação,

em que pese assumindo com isso posicionamento claramente minoritário.

02. AS INTERVENÇÕES DE TERCEIRO NO PROCESSO COLETIVO

2.1. AS INTERVENÇÕES NO PROCESSO INDIVIDUAL – BREVE NOTA

O processo individual prevê as seguintes modalidades de

intervenção de terceiros: assistência, oposição, nomeação à autoria, denunciação

da lide e chamamento ao processo.

Em brevíssima síntese, a assistência tem lugar quando o terceiro

(denominado assistente), que tem interesse jurídico em que algum dos litigantes

seja vencedor de uma demanda, nela intervém justamente para auxiliar essa parte

(assistido) a atingir tal objetivo, qual seja, sagrar-se vencedor naquela demanda.

Classifica-se em assistência simples e assistência litisconsorcial, a depender se

assistente tem ou não relação jurídica com o adversário do assistido.

Na oposição, o terceiro ingressa na demanda porque pretende para

si, no todo ou em parte, o bem ou direito litigado.

Na nomeação à autoria tem-se uma verdadeira tentativa de

correção do vício da ilegitimidade passiva, visto que aquele que foi demandado em

nome próprio por direito alheiro pode, no prazo da resposta, apontar o verdadeiro

legitimado.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

36

A denunciação da lide, a seu turno, consiste numa verdadeira ação

de regresso que uma das partes exerce contra o terceiro para, caso seja

sucumbente na demanda, ver seu direito de regresso ser reconhecido pelo juiz na

mesma sentença, sendo assim indenizado dos prejuízos que a sucumbência no

processo principal vier a lhe acarretar.

Finamente, o chamamento ao processo é a intervenção típica das

obrigações solidárias, em que um réu chama ao processo aqueles que devem tanto

ou mais do que ele.

Vejamos, agora, quais dentre estas intervenções podem ocorrer no

processo coletivo e suas principais características e regras.

2.2. A ASSISTÊNCIA NAS AÇÕES COLETIVAS

No processo coletivo é plenamente possível a intervenção de

terceiros na modalidade assistência, sendo mesmo, na prática, a mais usual.

Vejamos, pois, como as diversas hipóteses em que a assistência poderá ocorrer no

processo coletivo.

2.2.1. INTERVENÇÃO DE COLEGITIMADO EXTRAORDINÁRIO EM AÇÃO COLETIVA:

ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL OU LITISCONSÓRCIO ATIVO ULTERIOR?

Como já destacado em passagem anterior, quando tratamos do

litisconsórcio, não se discute que é dado a qualquer colegitimado à propositura da

ação coletiva intervir, no curso do processo, em uma demanda já proposta por

outro colegitimado. A questão que divide a doutrina é: trata-se, tal intervenção, de

uma assistência litisconsorcial ou de um litisconsórcio facultativo ulterior?

Para DIDIER e ZANETI JR (pág. 252), considerando que o

colegitimado teria legitimidade para a própria propositura da ação coletiva, sua

intervenção neste em momento posterior configura assistência litisconsorcial,

passando o colegitimado a figurar como verdadeiro litisconsorte unitário do autor,

recebendo o processo no estado em que se encontra, mas exercendo seus exatos

mesmos poderes. Perceba-se que os afamados autores qualificam essa intervenção

como assistência litisconsorcial e a equiparam ao litisconsórcio ulterior.

DONIZETTI e CERQUEIRA (pág. 266), por sua vez, consideram que

a assistência litisconsorcial e o litisconsórcio facultativo ulterior são fenômenos

distintos, pelo que não afiguraria correto equiparar e igualar tais fenômenos.

Defendem que o assistente litisconsorcial auxilia o assistido pois defende direito

que também é seu e que será influenciado pela sentença. Já o litisconsorte integra

Page 37: Apostila de Processo Coletivo

Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

37

a mesma situação jurídica sustentada por uma das partes no processo. Concluem,

assim, que o colegitimado que ingressa no feito após a sua instauração, justamente

por defender a mesma situação jurídica do autor da demanda, o faz como autêntico

litisconsorte ativo ulterior.

A nosso ver, a diferença prática entre qualificar o ingresso de um

colegitimado no curso na ação coletiva em litisconsórcio facultativo ulterior ou

assistência litisconsorcial é quase nenhuma, pois que o legitimado extraordinário

que ingressar terá basicamente os mesmos poderes, quer se trate de litisconsorte,

quer se trate de assistente litisconsorcial. Consideramos, contudo, que a posição

adotada por DONIZETTI e CERQUEIRA é mais adequada, devendo-se, assim,

qualificar a intervenção do colegitimado no curso da ação coletiva como

litisconsórcio ativo ulterior.

2.2.2. INTERVENÇÃO DO INDIVÍDUO EM AÇÃO COLETIVA: VEDAÇÃO GERAL E

POSSÍVEIS EXCEÇÕES

Em regra, o indivíduo não pode intervir em ação coletiva, quer na

qualidade de assistente, quer na qualidade litisconsorte. E assim o é porque, em

primeiro plano, não tem legitimidade para tutelar em nome próprio direitos

coletivos, o que tecnicamente o impede de ingressar como litisconsorte ou

assistente; em segundo plano, a se permitir referida intervenção, ainda que como

assistente, comprometido estaria um dos principais objetivos da tutela coletiva,

justamente a celeridade processual, vez que, em tese, dezenas, centenas ou

milhares de indivíduos poderiam requerer seu ingresso na ação coletiva,

transformando o processo em verdadeiro caos.

Existem, porém, duas importantes exceções.

A primeira delas é a intervenção prevista no artigo 94 do Código

de Defesa do Consumidor, que dispõe:

Art. 94. Proposta a ação, será publicado no órgão oficial, a fim de que os

interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de

ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de

defesa do consumidor.

A regra do dispositivo transcrito, é preciso destacar, não tem

cabimento em qualquer ação coletiva, mas apenas naquelas em que o legitimado

extraordinário defenda direitos individuais homogêneos. Ou seja, não á cabível a

intervenção do indivíduo em ações coletivas para a tutela de direitos difusos ou

coletivos stricto sensu.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

38

Por outro lado, nada obstante tenha a lei se utilizado da expressão

litisconsortes, trata-se, conforme aponta a doutrina, de assistência litisconsorcial.

Não pode o indivíduo ser considerado litisconsorte ulterior pois não detém ele

legitimidade para tutelar coletivamente direitos individuais homogêneos;

entretanto, o direito individual coletivamente tutelado na ação é também dele, pelo

que a sua intervenção se dá na condição de assistente litisconsorcial.

A segunda hipótese de intervenção do indivíduo como assistente

em ação coletiva é bastante peculiar e liga-se à ação popular. Como se sabe, a lei

defere ao cidadão-eleitor a legitimidade para, em nome próprio, tutelar direito

verdadeiramente difuso, consistente na moralidade administrativa amplamente

considerada. Nesses casos, não há dúvida, o cidadão-eleitor atua, em nome

próprio, na defesa de direito alheio, em verdadeira legitimidade extraordinária.

Por outro lado, é cogitável que qualquer outro legitimado

extraordinário busque, mediante ação coletiva que não a ação popular, a tutela do

exato mesmo direito difuso, como a moralidade administrativa antes citada.

Nesses casos, defende a doutrina, e com razão, que justamente

por ser o cidadão-eleitor colegitimado à tutela do mesmo direito via ação popular,

possa ele intervir na ação coletiva na qualidade de assistente litisconsorcial.

2.2.3. A POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO LEGITIMADO EXTRAORDINÁRIO EM

AÇÃO INIDIVIDUAL

Conquanto rara, não se pode afastar a hipótese em que um

legitimado coletivo tenha interesse em intervir numa ação individual cuja questão

debatida, normalmente ligada a direito coletivo stricto sensu ou individual

homogêneo, e a eventual decisão, venha a ter influência em uma ação coletiva a

ser proposta ou já efetivamente deduzida.

Em nossa experiência profissional vivenciamos um caso em que

interesse tal, por parte do legitimado extraordinário, poderia se manifestar.

Tratava-se de ação individual proposta por 23 delegados federais, que impugnavam

a exigência de controle de suas atividades profissionais mediante ponto eletrônico.

A ação proposta, perante a Justiça Federal de Goiás, foi a primeira em todo o Brasil

a obter liminar suspendendo os efeitos da portaria que instituía o ponto eletrônico,

bem como sentença de mérito no mesmo sentido. Apenas após o êxito nessa ação

individual é que a associação que representa os delegados em nível nacional optou

pela propositura da ação coletiva, igualmente exitosa em termos de concessão de

liminar, justamente fincada no precedente firmado na ação individual. Nesse caso,

o estágio avançado da ação individual, que se transformou no leading case

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

39

referente à questão do ponto eletrônico para delegados federais, certamente

poderia despertar o interesse, por parte da associação nacional, de intervir, na

qualidade de assistente simples, para auxiliar os autores individuais a se sagrarem

definitivamente vencedores na demanda, com o que obteriam precedente favorável

e que diretamente influenciaria na ação coletiva proposta.

O próprio STF já admitiu a intervenção de legitimado

extraordinário em ação individual: ver RE 550.769-RJ.

2.2.4. A DENOMINADA “INTERVENÇÃO MÓVEL”

De acordo com o art. 6°, §3°, da Lei de Ação Popular, “a pessoa

jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de

impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do

autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo

representante legal ou dirigente”.

Trata-se de fenômeno processual denominado pela doutrina de

intervenção móvel e, decidindo a pessoa jurídica demandada atuar ao lado do autor

da ação popular, assumirá posição similar à do assistente litisconsorcial (ver

DONIZETTI e CERQUEIRA, pág. 271).

2.3. A DENUNCIAÇÃO DA LIDE

Como visto na parte introdutória do presente roteiro, a

denunciação da lide consiste em uma ação de regresso em que o litisdenunciante,

que já é parte no processo, exerce em face do litisdenunciado, que até ali é

terceiro, para que seu direito de regresso seja decidido pelo juiz em caso de vir a

se tornar sucumbente.

Em ações coletivas, a possibilidade de denunciação de lide

fundamenta-se na disposição contida no artigo 70, inciso III, do CPC, que afirma

ser cabível a denunciação “àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a

indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda”.

Nas ações coletivas em geral não há regra que proíba a

litisdenunciação, sendo, por isso, a princípio cabível. Tem-se defendido em

doutrina, porém, que o magistrado realize, no caso concreto, o controle da

pertinência e da adequação da litisdenunciação formulada, indeferindo aquelas que

possam tumultuar o feito e prejudicar a tutela do direito coletivo.

Nesses termos, casos em que a litisdenunciação, por exemplo,

pretenda trazer ao feito apuração de responsabilidade civil subjetiva, quando na

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

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ação coletiva se discuta responsabilidade objetiva, devem ser indeferidos,

notadamente por tornar a atividade probatória excessivamente complexa.

Tal controle deve, porém, como dito, ser realizado no caso

concreto, sendo a denunciação da lide, em geral, cabível também nas ações

coletivas.

2.3.1. ESPECIFICAMENTE SOBRE A DENUNCIAÇÃO DA LIDE EM AÇÕES DE

CONSUMO

O art. 88 do CDC não deixa margem a dúvidas quanto ao não

cabimento da denunciação da lide em ações contra fornecedores de produtos ou

serviços, ao utilizar na parte final deste dispositivo a expressão “vedada a

denunciação da lide”. O dispositivo em referência, destaque-se, tem aplicação tanto

nas ações individuais, quanto nas ações coletivas.

O objetivo da lei foi claro e sábio: evitar denunciações sucessivas,

exatamente porque em relações de consumo se estabelece, normalmente, uma

longa cadeia de fornecedores, sendo que a denunciação de cada um deles

certamente acarretaria prejuízo processual ao consumidor ou ao autor coletivo.

Vale destacar a lição de DIDIER e ZANETI JR (pág. 268), para

quem não se trata, em caso de integrantes de cadeia de consumo, de verdadeira

denunciação da lide, mas ante de chamamento ao processo, dado se tratar, a teor

do artigo 7° do CDC, de responsabilidade solidária.

De todo modo, tanto a denunciação da lide, quanto o chamamento

ao processo, mostram-se inviáveis à luz da regra do artigo 88 do CDC, o que vale

para ações individuais e também para as ações coletivas.

03. A INTERVENÇÃO DO AMICUS CURIAE NAS AÇÕES COLETIVAS

Amicus curiae ou “amigo da corte” é modalidade de intervenção já

conhecida do direito brasileiro, pois que admitida nas ações de controle

concentrado da constitucionalidade e também no julgamento da repercussão geral

no recurso extraordinário, e consiste na oitiva de um terceiro, normalmente expert

na área de conhecimento objeto da demanda, a fim de cooperar com o Judiciário e

aprimorar as decisões judiciais.

Dada a intrínseca relevância social das ações coletivas, doutrina e

jurisprudência têm se mostrado favoráveis à sua admissão no processo coletivo.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

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ROTEIRO 08

ASPECTOS GERAIS DA TUTELA COLETIVA

01. A PRESCRIÇÃO E A DECADÊNCIA NAS AÇÕES COLETIVAS

1.1. NOÇÕES GERAIS SOBRE A PRESCRIÇÃO E A DECADÊNCIA

- Análise sistemática da prescrição e da decadência: direitos

subjetivos-prestação e direitos subjetivos-poder.

- A prescrição e a decadência são fatos extintivos; a primeira

atinge a pretensão, enquanto a segunda atinge o próprio direito.

- Os prazos prescricionais estão ligados a pretensões

condenatórias. Os prazos decadenciais estão ligados a pretensões

constitutivas/desconstitutivas. As pretensões declaratórias não se submetem nem a

prazos prescrições, nem decadenciais, sendo consideradas ações perpétuas.

1.2. A PRESCRIÇÃO E A DECADÊNCIA NO PROCESSO COLETIVO – VISÃO DA

DOUTRINA

O tema da prescrição e decadência dos direitos coletivos lato

sensu não possui unanimidade em doutrina, havendo lições notadamente

divergentes sobre a questão.

Uma primeira corrente de pensamento defende que as ações

tendentes a tutelar direitos coletivos em sentido lato não se submeteriam a

qualquer prazo extintivo, ou seja, não estariam submetidas nem a prescrição, nem

a decadência, configurando-se como verdadeiras ações perpétuas

Citado por DIDIER e ZANETI JR. (pág. 281), RICARDO DE BARROS

LEONEL afirma que não correm prescrição e decadência com relação aos interesses

difusos, coletivos e individuais homogêneos. Aponta os seguintes fundamentos: a)

inexistência de previsão de prescrição e decadência quanto aos interesses supra-

individuais; b) não legitimação dos titulares de tais interesses para sua postulação

em juízo; c) imprescritibilidade com fundamento constitucional de uma espécie de

interesse difuso, relativo à defesa do patrimônio público; d) existência no

ordenamento ortodoxo de situações de imprescritibilidade e de inocorrência de

decadência.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

42

Os mesmos autores DIDIER e ZANETI JR. (pág. 283) discordam

parcialmente dessa opinião e apontam específicas hipóteses de prescrição (e

decadência) nas ações coletivas, a saber:

a) prescrição dos pedidos repressivos-punitivos na improbidade

administrativa, conforme previsto no artigo 23 da lei 8.429/92. Necessário lembrar,

porém, que tal prescrição somente se aplica às penas que não envolvem as

pretensões de ressarcimento ao erário, pois que essas são imprescritíveis, a teor da

disposição contida no art. 37, §5°, da CF/88. Aplica-se, pois, esse prazo às penas

previstas na lei de improbidade diferentes do ressarcimento, tais como proibição de

contratar com o poder público, inelegibilidade, multa civil, entre outras.

b) decadência do pedido de habilitação individual nas ações

indenizatórias para compor os direitos individuais homogêneos, previstas nas leis

federais n°s 8.078/90 e 7.913/89 (com redação dada pela Lei Federal n°

9.008/95).

c) a prescrição (ou decadência) na ação popular, em prazo

qüinqüenal, conforme artigo 21 da Lei de Ação Popular: Artigo 21. A ação prevista

nesta lei prescreve em 5 (cinco) anos. Lembrando que esse prazo não se deve

aplicar às pretensões de ressarcimento por danos causados ao erário, pois que

esses, conforme já se expôs, são imprescritíveis.

d) prazo decadencial de 120 dias para a impetração do mandado

de segurança coletivo, sendo oportuno lembrar que esse prazo decadencial não se

aplica ao direito material coletivo, mas sim ao direito de escolha do procedimento

especial do mandado de segurança.

e) prescrição e decadência dos direitos do consumidor e das

respectivas ações singulares, conforme disposição do artigo 262 do CDC: o direito

de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I) trinta

dias, tratando-se de fornecimento de serviço ou de produto não duráveis; II)

noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis.

Ressaltam DIDIER e ZANETI que referidos prazos devem ser aplicados tanto às

ações individuais, quanto às coletivas.

Com base nessas constatações, DIDIER e ZANETI JR. defendem

que havendo previsão expressa em lei sobre prescrição e decadência, não haveria

como deixar de se aplicar a lei, em que pese se trate de direito coletivo lato sensu.

1.3. A PRESCRIÇÃO E A DECADÊNCIA NO PROCESSO COLETIVO: UMA TENTATIVA

DE SISTEMATIZAÇÃO (VISÃO DO AUTOR DA APOSTILA)

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

43

Pensamos que as opiniões doutrinárias citadas no item anterior

estão a merecer uma melhor sistematização.

De fato, não se pode pretender emprestar aos direitos

essencialmente coletivos (difusos e coletivos stricto sensu) a mesma sistemática de

prescrição e decadência aplicável aos direitos individuais homogêneos, que são

apenas acidentalmente coletivos.

É necessário reconhecer, assim, que o regime de prescrição e da

decadência deverá ser analisado de uma maneira para dos direitos difusos e

coletivos stricto sensu e de outra para os direitos individuais homogêneos,

conforme se expõe a seguir.

1.3.1. A PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NOS DIREITOS ESSENCIALMENTE

COLETIVOS

Consideramos que, salvo regra legal expressa em sentido

contrário, as ações que tratem sobre a proteção a direitos difusos e coletivos stricto

sensu devem ser consideradas ações perpétuas, ou seja, não submetidas a prazos

prescricionais ou decadenciais.

E assim o é por uma importante razão: como se sabe, os fatos

extintivos prescrição e decadência ligam-se à perda da pretensão por não exercício

desta, dentro de determinado prazo, por seu titular, à partir do momento em que

se torna exigível essa mesma pretensão.

Por outro lado, como igualmente se sabe, os direitos

essencialmente coletivos são indivisíveis e impassíveis de serem apropriados por

um indivíduo; seu titular é uma coletividade, indeterminada ou determinável, mas

sobretudo uma coletividade.

Ainda conforme as lições correntes da doutrina, essa coletividade

não tem como defender e exigir em juízo, por si mesma, seus direitos, razão pela

qual a lei instituiu um rol de legitimados extraordinários que farão, em nome

próprio, a representação dessa coletividade em juízo. Em palavras outras, a

coletividade, em si mesma considerada, não tem condições de exigir em juízo o

direito coletivo do qual é titular; depende sempre do legitimado extraordinário.

Parece-nos, assim, incomportável pensar em prescrição (ou

decadência) quando se tratar de direito difuso ou coletivo stricto sensu, exatamente

por não se poder apenar alguém – no caso a coletividade – por não ter exercido

uma pretensão se essa pretensão não era possível de ser por ela exercida pessoal e

diretamente.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

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Vale destacar que o direito brasileiro não é infenso ao

reconhecimento de que a prescrição e a decadência, em situações especiais, não

deve correr, notadamente porque impossibilitados os titulares do direito a

exercerem sua pretensão. Esse o espírito da regra constante, por exemplo, do art.

198 do Código Civil, que diz não correr a prescrição contra incapazes, contra os

ausentes do País, em serviço público da União, Estados e Municípios, e contra os

que se acharem servindo nas forças armadas, em tempo de guerra.

Assim, em sentido genérico, justamente porque as coletividades

titulares dos direitos essencialmente coletivos não têm condições de exercer suas

pretensões, entendemos que não podem correr prazos de prescrição ou decadência.

Claro que essa regra geral deverá ceder espaço naqueles casos em

que o direito material tenha reservado uma regra específica. Assim ocorre, por

exemplo, com as pretensões não-ressarcitórias previstas na lei de improbidade

administrativa, ou outras hipóteses que a lei eventualmente instituir.

1.3.2. A PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

(ACIDENTALMENTE COLETIVOS)

Na seara dos direitos individuais homogêneos o que se tem, antes

de tudo, são direitos perfeitamente divisíveis e passíveis de serem defendidos em

juízo por seus titulares individuais. Tais direitos são apenas processualmente

coletivos, na medida em que o legislador, em homenagem à celeridade, economia

processual e acesso à justiça, entendeu por bem permitir a sua defesa em juízo de

maneira coletiva.

Em assim sendo, não há dúvida que aos direitos individuais

homogêneos aplicam-se todos os prazos de prescrição e decadência normalmente

aplicáveis ao direito individualmente considerado. Nesses termos, se uma

pretensão individual submete-se a prazo prescricional de 5 anos, a esse mesmo

prazo se submeterá a eventual ação coletiva para a tutela coletiva dos direitos

individuais homogêneos.

Essa a opinião que prevalece em doutrina. Os já tantas vezes

citados DIDIER e ZANETI JR. (pág. 299), assim se manifestam sobre o tema:

O prazo prescricional para a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos será

o prazo prescricional das respectivas pretensões individuais. Não há qualquer razão

para que haja prazos diversos, um para a ação coletiva e outro para a ação

individual. Assim, se se trata de pretensões individuais ressarcitórias que

prescrevem em três anos, três anos será o prazo para ajuizamento da respectiva

ação coletiva para a tutela dos direitos individuais homogêneos.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

45

1.3.2.1. A PROPOSITURA DA AÇÃO COLETIVA PARA A DEFESA DE

DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO INTERROMPE O PRAZO PRESCRICIONAL DAS

PRETENSÕES INDIVIDUAIS?

Ainda dentro do tema prescrição e decadência das ações coletivas

para defesa de direitos individuais homogêneos, uma interessante questão merece

análise: a propositura da ação coletiva interrompe o prazo para o ajuizamento das

ações individuais?

A resposta deve ser positiva. Caso a ação coletiva para a defesa

dos direitos individuais homogêneos não fosse suficiente à interrupção dos prazos

prescricionais para as pretensões individuais, isso acabaria forçando que os

legitimados individuais propusessem suas ações com o fito de se forrarem aos

efeitos da prescrição. Restaria, assim, ao menos em parte, comprometido o

principal objetivo da tutela coletiva, qual seja, evitar a proliferação de demandas

essencialmente idênticas. Essa, também, a opinião de DIDIER e ZANETI JR (pág.

296).

1.3.2.2. QUAL O PRAZO PRESCRICIONAL PARA A EXECUÇÃO INDIVIDUAL, EM

CASO DE ÊXITO NA AÇÃO COLETIVA PARA A DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS

HOMOGÊNEOS?

A questão não deveria causar maiores dificuldades: a execução

individual da sentença coletiva prescreve exatamente no mesmo prazo da ação

individual, aplicando-se ao tema a máxima contida na Súmula 150 do STF:

Prescreve a execução no mesmo prazo que prescreve a ação. Assim, sendo de três

anos o prazo prescricional da ação, também de três anos será o prazo para a

execução da sentença coletiva proferida na ação para defesa de direitos individuais

homogêneos.

Foi nesse sentido que decidiu o STJ, conforme se constata do

Informativo n° 484, de 26 de setembro a 7 de outubro de 2011.

PRAZO. PRESCRIÇÃO. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. AÇÃO COLETIVA.

Trata-se, na origem, de pedido de cumprimento individual de sentença proferida em ação civil pública que condenou instituição financeira a pagar poupadores com contas iniciadas e/ou renovadas até 15/6/1987 e 15/1/1989, os expurgos inflacionários referentes aos meses de junho de 1987 a janeiro de 1989, e juros de 0,5% ao mês. O Min. Relator afirmou que para a análise da quaestio juris deve-se ater aos seguintes aspectos: I – na execução, não se deduz pretensão nova, mas aquela antes deduzida na fase de conhecimento, com o acréscimo de estar embasado por um título executivo judicial que viabiliza atos

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

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expropriatórios, consubstanciando a sentença marco interruptor do prazo prescricional, daí por que a execução deve ser ajuizada no mesmo prazo da ação (Súm. n. 150-STF); II – as ações coletivas fazem parte de um arcabouço normativo vocacionado a promover a facilitação da defesa do consumidor em juízo

e o acesso pleno aos órgãos judiciários (art. 6º, VII e VIII, do CDC), levando sempre em consideração a vulnerabilidade do consumidor (art. 4º do CDC). Assim, o instrumento próprio de facilitação de defesa e de acesso do consumidor não pode voltar-se contra o destinatário de proteção, prejudicando sua situação jurídica; III – as ações coletivas inseridas em um microssistema próprio e com regras particulares, sendo que das diferenças substanciais entre tutela individual e coletiva mostra-se razoável a aplicação de regras diferenciadas entre os dois sistemas. Do exposto, concluiu que o prazo para o consumidor ajuizar ação individual de conhecimento, a partir do qual lhe poderá ser aberta a via da execução, independe do ajuizamento da ação coletiva, e não é por essa prejudicada, regendo-se por regras próprias e vinculadas ao tipo de cada pretensão deduzida. Porém, quando se tratar de execução individual de sentença proferida em ação coletiva, como no caso, o beneficiário se insere em microssistema diverso e com regras pertinentes, sendo necessária a observância do prazo próprio das ações coletivas, que é quinquenal, conforme já firmado no REsp 1.070.896-SC, DJe 4/8/2010, aplicando-se a Súm. n. 150-STF. Daí o beneficiário de ação coletiva teria cinco anos para o ajuizamento da execução individual, contados a partir do trânsito em julgado de sentença coletiva, e o prazo de 20 anos para o ajuizamento de ação de conhecimento individual, contados dos respectivos pagamentos a menor das correções monetárias em razão dos planos econômicos. REsp 1.275.215-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/9/2011.

Destaque-se que o prazo de 01 (um) ano previsto no artigo 100 do

CDC, que permite a propositura da ação coletiva (fluid recovery), não importa na

perda das pretensões individuais; trata-se, apenas, de prazo durante o qual os

legitimados extraordinários devem aguardar para que se possa eventualmente

propor a ação de execução coletiva.

02. A DESISTÊNCIA E O ABANDONO NAS AÇÕES COLETIVAS

Em ação civil pública, a desistência e o abandono encontram-se

regulados pelo artigo 5°, §3°, que tem a seguinte redação:

Art. 5◦. (...)

§3◦. Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação

legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.

Trata-se da aplicação do já estudado princípio da continuidade

(temperada) da ação coletiva, e que merece atenção a duas observações: (i) não

se trata de abandono da demanda coletiva apenas por associação, mas por

qualquer legitimado; (ii) a continuidade também é dita temperada, pois não pode

obrigar o Ministério Público ou outro legitimado extraordinário a dar

prosseguimento a uma demanda infundada.

Note-se que a lei regula hipótese de desistência infundada, sendo

que há em doutrina opiniões no sentido de que a desistência fundada é possível no

âmbito da ação civil pública. DIDIER e ZANETI JR. (pág. 318), citando a lição de

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HUGO DE NIGRO MAZZILI, pontuam que se a desistência for do Ministério Público

ou se ele não assumir a posição ativa no processo, após a desistência de outro

colegitimado, deverá o membro do Ministério Público submeter o seu

posicionamento à homologação do Conselho Superior do Ministério Público

respectivo, aplicando-se por analogia a regra atinente ao arquivamento do inquérito

civil público (art. 9° da LACP).

03. A RECONVENÇÃO DAS AÇÕES COLETIVAS

É questão interessante investigar se o Réu de uma ação coletiva

poderia utilizar a reconvenção como uma das formas de resposta.

O CPC, ao regular a demanda reconvencional no processo

individual, veicula a seguinte regra:

Art. 315. O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a

reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.

Parágrafo único. Não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor,

quando este demandar em nome de outrem.

Conforme se constata da leitura do dispositivo, um dos requisitos

para o cabimento da reconvenção é que o autor da ação esteja postulando em juízo

direito próprio em nome próprio, ou seja, é requisito que se trate de legitimado

ordinário.

Ocorre que nas ações coletivas, como se sabe, o autor da

demanda é legitimado extraordinário, sendo substituto processual do verdadeiro

titular do direito coletivo.

Assim, conforme aponta a doutrina amplamente majoritária, a

reconvenção em ações coletivas é, regra geral, vedada, ante a ocorrência da

legitimação extraordinária no pólo ativo.

Vale destacar a interessante opinião de DIDIER e ZANETI JR. (pág.

320) que, a par de acolherem o entendimento supra, observam que não se pode

generalizar a proibição, e mencionam situação que em que a reconvenção em ação

coletiva seria cabível:

Mas a conclusão não pode ser tão simples.

Isso porque, conforme já visto, é possível falar em legitimação coletiva passiva. Se

o réu reconvier, deduzindo demanda coletiva passiva, para a qual o autor originário

possua legitimação coletiva passiva, e essa demanda for conexa com a ação

principal, não há óbice à admissibilidade da reconvenção, visto que por ela se

afirma direito em face do substituído. Obviamente, para quem não admita a

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legitimação coletiva passiva, o que não é a posição deste trabalho, não é admissível

a reconvenção em ação coletiva.

A observação é pertinente e correta; há que se reconhecer,

todavia, que se trata de hipótese bastante rara, motivo pelo qual se deve concluir

que, regra generalíssima, a reconvenção em ações coletivas não se mostra viável.

04. A DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO COLETIVO

Em matéria probatória, o CPC adotou a denominada teoria estática

quanto ao ônus da prova, consagrada no artigo 33 daquele diploma processual. Ao

autor incumbe o ônus da prova do fato constitutivo de seu direito; ao réu, o ônus

da prova do fato extintivo, impeditivo ou modificativo do direito do autor.

Entretanto, conforme pondera a doutrina especializada, não raro

essa distribuição rígida e estática do ônus probatório poderá conduzir a situações

jurídicas injustas, notadamente nos casos em que aquele que tenha o ônus da

prova a si atribuído, não tenha condições, por razões várias, de dele se

desincumbir.

Surge, assim, a proposta que defende uma distribuição dinâmica

desse ônus: a prova incumbirá a quem tiver melhores condições de produzi-

la, à luz das especificidades do caso.

DIDIER e ZANETI JR. (pág. 323) apontam os postulados básicos

dessa teoria:

(i) O encargo jamais deve ser repartido prévia e

abstratamente;

(ii) Sua distribuição não pode ser estática e inflexível, mas,

sim, dinâmica;

(iii) Pouco importa a posição processual assumida pela parte;

(iv) Não é relevante a natureza do fato probando (constitutivo,

extintivo, modificativo ou impeditivo), mas quem tem

melhores condições prová-lo.

A distribuição dinâmica do ônus da prova, ou pelo menos uma

aplicação desse mecanismo, encontra-se no Código de Defesa do Consumidor (art.

6°), que permite a inversão do ônus da prova nas causas que envolvam relação de

consumo.

Na jurisprudência, alguns acórdãos já aplicaram a distribuição

dinâmica. Conforme citam DONIZETTI e CERQUEIRA (pag. 304), o STJ tem aplicado

uma distribuição diferenciada do ônus da prova nos casos em que a prova se

mostra impossível, a denominada prova diabólica. Em um caso concreto, o tribunal

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entendeu ser impossível ao autor de uma ação provar que, à época da ditadura

militar, fora demitido por motivos de natureza política, razão pela qual atribuiu à

parte ré o ônus de provar que a demissão se deu independentemente de motivação

política.

Regra importante: a distribuição dinâmica do ônus da prova deve

ser feita pelo juiz antes da fase instrutória do processo, a fim de não surpreender a

parte onerada com a distribuição diferenciada do ônus probandi. Trata-se, pois, de

regra de procedimento ou atividade e não regra de julgamento.

05. CONCILIAÇÃO NAS CAUSAS COLETIVAS

De acordo com o artigo 841 do Código Civil, só quanto a direitos

patrimoniais de caráter privado se permite a transação. Nada obstante, nas causas

coletivas, nas quais normalmente (mas não sempre) se discute direitos

indisponíveis, a conciliação se mostra possível.

Manifestação clara dessa possibilidade de acordo é a regra do §6°

do artigo 5° da Lei de Ação Civil Pública, que permite que os órgãos públicos

legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua

conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título

executivo extrajudicial.

Conforme ensinam DIDIER e ZANETI JR. (pág. 326), por

intermédio do compromisso de ajustamento de conduta (que por ser veiculado por

intermédio de um termo é também conhecido como Termo de Ajustamento de

Conduta – TAC), não se pode dispensar a satisfação do direito transindividual

vulnerado, mas sim regular o modo como se deverá promover a sua reparação.

Trata-se, conforme explicam esses doutrinadores, de modalidade de acordo, com

nítida finalidade conciliatória, e que pode ser extrajudicial (normalmente para

prevenir a Ação Civil Pública) ou judicial (para pôr fim a ela, com resolução do

mérito, nos termos do artigo 269, III, do CPC).

Vale lembrar que nas ações de improbidade administrativa há

regra específica vendando a transação, nos termos do artigo 17, §1°, da lei

8.429/92: é vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o

caput”.

Reafirmando a possibilidade de acordo judicial em sede de direitos

coletivos, DIDIER e ZANETI JR. citam acórdão da 1 Turma do STJ em que tal

expediente restou expressamente autorizado:

PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR DANO AMBIENTAL – AJUSTAMENTO

DE CONDUTA – TRANSAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – POSSIBILIDADE.

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1. A regra geral é de não serem passíveis de transação os direitos difusos.

2. Quanto se tratar de direitos difusos que importem obrigação de fazer ou não

fazer deve-se dar tratamento distinto, possibilitando dar à controvérsia a melhor

solução na composição do dano, quando impossível o retorno ao status quo ante.

3. A admissibilidade de transação nos direitos difusos é exceção à regra.

(STJ, 2ª Turma, REsp n° 299.400/RJ, rel. Min. Peçanha Martins, rel. p/ acórdão

Min. Eliana Calmon, j. em 01.06.2006, publicado no DJ de 02.08.2006, p. 229).

Ainda sobre o termo de ajustamento de conduta, extrajudicial ou

judicial, DONIZETTI e CERQUEIRA (pág. 314/315) ponderam que os direitos

coletivos devem ser tutelados de modo específico ou mediante providências que

assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, mas concluem que

não sendo possível a proteção ao direito coletivo por meio de uma obrigação de

fazer ou não fazer, “não se verifica qualquer óbice à inclusão no TAC de uma

obrigação de dar como medida reparatória” (pág. 315).

06. ESPECIFICIDADES DA TUTELA DE URGÊNCIA NO PROCESSO COLETIVO

O regramento das tutelas de urgência, cautelar e antecipada, não

sofre alterações de vulto quando transportadas para o processo coletivo.

A legislação prevê, porém, limitações à concessão de tutelas de

urgência contra o Poder Público em ações coletivas, razão pela qual merecem ser

estudadas.

Assim destaca-se o artigo 2° da lei 8.437/92:

Art. 2°. No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será

concedida, quando cabível, após a audiência do representante da pessoa jurídica de

direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 horas.

Essa regra foi repetida no artigo 22, §2°, da lei 12.016/09 (“nova”

lei do mandado de segurança):

Art. 22. (...)

§2°. No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a

audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá

se pronunciar no prazo de 72 horas.

Os tribunais têm reconhecido que a inobservância dessa regra

acarreta a nulidade da decisão judicial liminar.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

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Trata-se, sem dúvida, de regra que visa proteger o Poder Público,

dada a abrangências e potencial eficácia erga omnes das decisões proferidas em

ações coletivas.

Ressalte-se que aos processos coletivos aplica-se o instituto da

suspensão dos efeitos da decisão, previsto no artigo 4° da lei 8.437/92 e no artigo

15 da lei 12.016/09.

07. AS DESPESAS PROCESSUAIS E OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE

SUCUMBÊNCIA

O regime das custas processuais e honorários advocatícios de

sucumbência, em sede de processo coletivo, é ditado pelos artigos 17 e 18 da Lei

de Ação Civil Pública, bem como pelo artigo 87 do Código de Defesa do

Consumidor, que basicamente consolida em um único artigo a redação dada aos

dispositivos da LACP.

Confira-se, pois, o artigo 87 do CDC:

Art. 87. Nas ações coletivas de que trata este Código não haverá adiantamento de

custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem

condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de

advogado, custas e despesas processuais.

Parágrafo único. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores

responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em

honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade

por perdas e danos.

A regra transcrita tem o claro propósito de estimular a propositura

das ações coletivas, vistas pelo legislador como mecanismo de litigação de

interesse público, e para tanto desonera o autor da demanda com a dispensa do

adiantamento de custas, emolumentos e honorários de perito, bem como com a

não condenação caso venha a ser sucumbente na ação. A ressalva fica com ações

coletivas manejadas de má-fé, caso em que não só haverá condenação nos

honorários advocatícios de sucumbência, como também ao décuplo das custas

processuais, sem prejuízo de eventual responsabilidade processual civil por dano

causado pelo processo.

Dois temas, porém, merecem um detalhamento maior: (i) o

regime dos honorários advocatícios e (ii) as despesas com honorários periciais.

7.1. OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM AÇÃO COLETIVA

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

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Os honorários advocatícios em ação coletiva têm regramento

distinto, dependendo da procedência ou da improcedência dos pedidos formulados

na demanda. Confira-se nas linhas seguintes.

6.1.1. OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM CASO DE IMPROCEDÊNCIA DOS

PEDIDOS FORMULADOS NA AÇÃO COLETIVA

Não haverá, em ações coletivas cujos pedidos tenham sido

julgados improcedentes, condenação nos ônus da sucumbência, que englobam,

como se sabe, as despesas processuais e os honorários advocatícios.

Sucumbindo, pois, o autor coletivo, não deverá ser condenado ‘nos

ônus da sucumbência, ressalvado o caso de litigância de má-fé, antes já apontado.

7.1.2. OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM CASO DE PROCEDÊNCIA DOS

PEDIDOS FORMULADOS NA AÇÃO COLETIVA

Se os ônus da sucumbência não devem ser suportados pelo autor

coletivo em caso de improcedência dos pedidos formulados, o mesmo regime não

se aplica em casos de procedência dos pedidos, ou seja, nos casos em que o autor

coletivo é vencedor da demanda. Nessa hipótese, deve haver a normal condenação

do perdedor nos ônus da sucumbência, notadamente nos honorários de advogado.

Surge, quanto a esse ponto, interessante questão: quando o autor

da ação coletiva é uma pessoa jurídica de direito privado, obviamente os honorários

pertencem ao respectivo advogado, tal qual dispõe o artigo 22 do Estatuto da

Ordem dos Advogados do Brasil; entretanto, quando o autor vencedor é órgão

público (Ministério Público, Defensorias ou entes despersonalizados mas com

capacidade judiciária, como o Procon) ou pessoa jurídica de direito público, a

questão dos honorários advocatícios é razoavelmente controvertida.

Examine-se, primeiramente, o caso do Ministério Público e da

Defensoria Pública. Seus integrantes, por expressa vedação legal (ver, por

exemplo, artigo 128, §5°, II, “a”, da CF/88), não podem perceber honorários. Por

tal razão, conforme noticiam DONIZETTI e CERQUERIA (pág. 328), formaram-se

quatro opiniões sobre o tema:

a) os honorários devem ser arbitrados pelo juiz e destinados à

pessoa jurídica de direito público a que se encontram vinculados o órgão do

Ministério Público ou da Defensoria;

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

53

b) os honorários devem ser arbitrados e recolhidos como recursos

orçamentários do próprio Ministério Público ou Defensoria;

c) os honorários devem ser arbitrados e recolhidos ao Fundo de

Defesa dos Direitos Difusos, criado pelo artigo 13 de Lei de Ação Civil Pública;

d) não deve haver condenação em honorários advocatícios quando

atuarem o Ministério Público e a Defensoria Pública.

Parece que a melhor opção, dentre as apresentadas, é aquela que

defende o arbitramento dos honorários advocatícios, com a reversão em benefício

do próprio órgão do Ministério Público ou da Defensoria, a fim de contribuir com seu

melhor aparelhamento. Quanto à Defensoria, aliás, há regra expressa nesse

sentido, qual seja, o art. 4°, XXI, da Lei Complementar 80/94:

Art. 4°. São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

(...)

XXI – Executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação,

inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as aos fundos

geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da

Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores;2

Por fim, tratando-se de atuação de pessoa jurídica de direito

público, ou mesmo de entes públicos despersonalizados, como o PROCON, os

honorários advocatícios devem ser arbitrados e revertidos em benefício ou da

pessoa jurídica de direito público ou dos procuradores encarregados de sua

representação judicial, tudo a depender da legislação de regência de cada uma das

carreiras.

7.2. A POLÊMICA QUESTÃO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS

Conforme visto, o artigo 18 de LACP assegura que não haverá

adiantamento de honorários periciais, regra reafirmada pelo artigo 87 do CDC.

Assim, aplicando-se essa regra, caso em uma ação coletiva seja

necessário a realização de uma perícia, o autor coletivo estaria dispensado de

adiantar os honorários do profissional encarregado pelo juízo da realização da

prova.

2 Sobre o tema, vale ressaltar a SÚMULA STJ 421: “Os honorários advocatícios não

são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito

público à qual pertença”.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

54

Entretanto, parece óbvio que não se pode obrigar o perito,

normalmente um profissional liberal, a trabalhar de graça, o que acaba por

acarretar um impasse nos casos concretos em que situação tal se manifesta.

À primeira vista poder-se-ia pensar em transferir tal ônus ao réu

da ação coletiva, lançando mão o juiz, inclusive, da regra de distribuição dinâmica

do ônus da prova, que tem aplicação reconhecida na seara do processo coletivo.

Ocorre que tal solução, que até pode resolver alguns casos, não

funciona em todas as hipóteses, pelo simples fato de que, não raro, não está o réu

da ação coletiva em condições de arcar com os altos custos que podem envolver

esse tipo de prova pericial. Em palavras outras, não raro o réu simplesmente não

tem condições de arcar com os custos da prova.

O que fazer nesses casos?

Parece-nos pertinente que o juiz imponha ao autor coletivo o ônus

da antecipar os valores dos honorários periciais. Em sendo o Ministério Público, a

Defensoria Pública ou uma associação, por exemplo, excelente opção é a utilização

de verbas do fundo de defesa dos direitos difusos, criado pelo artigo 13 da Lei de

Ação Civil Pública.

Essa importante temática tem sido objeto de decisões recentes do

Superior Tribunal de Justiça, que analisou casos de ação civil pública proposta pelo

Ministério Público, tendo o tribunal adotado dois caminhos: (i) ora impor ao próprio

Ministério Público o ônus de adiantar os honorários periciais, quando for ele, o

Ministério Público, o Autor da ação civil pública; (ii) ora no sentido de impor à

Fazenda Pública à qual pertença o Ministério Público o ônus de suportar referidos

custos.

Confira-se, com efeito, o que restou decidido no 891.743-SP

(2006/0213263-0), de Relatoria da eminente Ministra Eliana Calmon, julgado em

outubro de 2009:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. HONORÁRIOS PERICIAIS. ART. 18

DA LEI 7.347/85.

1. Na ação civil pública, a questão do adiantamento dos honorários periciais, como

estabelecido nas normas próprias da Lei 7347/85, com redação dada ao art. 18 da

Lei 8.078/90, foge inteiramente das regras gerais do CPC.

2. Posiciona-se o STJ no sentido de não impor ao Ministério Público condenação em

honorários advocatícios, seguindo a regra de que na ação civil pública somente há

condenação em honorários quando Autor for considerado litigante de má-fé.

3. Em relação ao adiantamento das despesas com a prova pericial, a isenção inicial

do MP não é aceita pela jurisprudência de ambas as turmas, diante da dificuldade

gerada pela adoção da tese.

4. Abandono da interpretação literal para impor ao parquet a obrigação de

antecipar os honorários de perito, quando figure como autor na ação civil pública.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

55

5. Recurso especial não provido.

Outra tese que tem encontrado eco no STJ é da imposição de tal

ônus à pessoa jurídica a que pertença o Ministério Público, conforme recente

aresto, datado de 10 de agosto de 2010, de relatoria do Min. Mauro Campbell

Marques, no REsp n◦ 864.314-SP (2006/0137903-9):

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PERÍCIA. HONORÁRIOS DO

PERITO. DESPESA PROCESSUAL. ADIANTAMENTO PELO AUTOR DA AÇÃO

(MINISTÉRIO PÚBLICO). IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA PLENA PLENA

DO ART. 18 DA LEI 7.347/85.

1. O art. 18 da Lei 7.347/85 constitui regramento próprio, que impede que o autor

da ação civil pública arque com os ônus periciais e sucumbenciais, ficando afastada,

portanto, as regras específicas do Código de Processo Civil.

2. Considera-se aplicável, por analogia, a Súmula n. 232 desta Corte Superior, a

determinar que a Fazenda Pública a que se acha vinculada o Parquet arque com

tais despesas.

3. Essa linha de orientação vem encontrando eco no Supremo Tribunal Federal: RE

233.585/SP, Rel. Min. Celso de Melo, DJe 28.9.2009 (noticiada no Inf. STF n.

560/09).

4. Recurso especial parcialmente provido.

08. ASPECTOS RECURSAIS

O sistema recursal do processo individual é praticamente todo

aplicável ao processo coletivo, quer se trate da teoria geral, quer se trate dos

recursos em espécie.

Algumas alterações pontuais, porém, merecem destaque, na forma

seguinte.

8.1. O EFEITO SUSPENSIVO DOS RECURSOS

Como se sabe, por força do caput do artigo 520 do CPC a apelação

é um recurso dotado, em regra, de efeito suspensivo. Os demais recursos, pelo

menos em regra, não possuem tal efeito, como o agravo, os embargos de

declaração, o recurso especial e extraordinário.

Entretanto, o regramento da apelação aplicável ao processo

coletivo é outro. Conforme disposição contida no artigo 14 da Lei de Ação Civil

Pública, “o juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano

irreparável à parte”. Fica claro, pois, que a interpretação a contrario sensu é de que

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

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o recurso de apelação nas ações civis públicas, não é dotado de efeito suspensivo

ope legis, podendo o juiz, nos casos de dano irreparável concedê-lo, ope judices.

Há, porém, uma exceção, que faz o recurso voltar ao sistema do

processo individual. Trata-se do recurso de apelação na Ação Popular, que tem

dispositivo expressamente dotando a apelação de tal efeito: Confira-se

Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está

sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de

confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação,

com efeito suspensivo.

§1°. Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento.

§2°. Das sentenças e decisões proferidas contra o autor da ação e suscetíveis de

recurso, poderá recorrer qualquer cidadão e também o Ministério Público.

O dispositivo transcrito também cuida de outro tema conexo ao

sistema recursal, qual seja, o reexame necessário, a ser tratado no item seguinte.

8.2. O REEXAME NECESSÁRIO NO PROCESSO COLETIVO

Discute-se em doutrina acerca da aplicação ou não, ao processo

coletivo, do instituto do reexame necessário, ordinariamente previsto no artigo 475

do CPC.

Primeiramente, é importante destacar que há regra expressa sobre

reexame necessário na ação popular, sendo que o caput do artigo 14 da Lei de

Ação Popular, há pouco transcrito, determina que a sentença que concluir pela

carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição.

Tal regra, apesar de algumas manifestações em contrário, deve

ser aplicada a toda ação coletiva, já que a premissa assumida pela doutrina e

adotada nesse curso é a de que estamos a estudar um microssistema, cujas

normas têm aplicação interpenetrante. É essa a opinião, por exemplo, de

DONIZETTI e CERQUEIRA (pág. 344).

Outra questão a se enfrentar é se os demais casos previstos no

artigo 475 do CPC se aplicariam ao processo coletivo.

Aqui, também, consideramos que sim, apesar de entendimentos

doutrinários em contrário. Como bem recomendam DIDIER e ZANETI JR. (pág.

364), os regimes do artigo 19 da Lei de Ação Popular e do artigo 475 do CPC são

compatíveis, pelo que: (i) ; (ii) julgada improcedente a ação civil pública ou extinto

o processo sem resolução do mérito, haja ou não ente público envolvido, aplica-se

a remessa, por força do artigo 19 da Lei de Ação Popular.

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8.3. O INTERESSE RECURSAL – A QUESTÃO DA COISA JULGADA SECUNDUM

EVENTUM PROBATIONIS

O interesse recursal aplicável ao processo individual aplica-se ao

processo coletivo quase que integralmente, com um único reparo: normalmente,

quem ganha, ou seja, o vencedor, não tem interesse recursal. Mas no processo

coletivo em pelo menos um caso o vencedor terá interesse: sabe-se que a sentença

de improcedência da ação coletiva pode dar-se por ausência de provas (secundum

eventum probationis), caso em que não obstará a propositura da mesma demanda

em momento futuro, com base em nova prova; sendo também possível a

improcedência com suficiência de provas, caso em que a coisa julgada opera-se

normalmente.

Pois bem, é cogitável que o réu de uma ação coletiva julgada

improcedente por insuficiência de provas pretenda recorrer para que o fundamento

da decisão seja alterado, de modo a reconhecer a improcedência com suficiência de

provas. Terá interesse recursal, nesse caso, pois o recurso será capaz de alçá-lo a

uma condição melhor do que a que se encontra antes do manejo da impugnação.

8.4. O RECURSO DE TERCEIRO INTERESSADO

Sendo autônoma e concorrente a legitimidade ativa no processo

coletivo (ver o roteiro dedicado ao estudo da legitimidade), torna-se possível que

proferidas decisões em ações coletivas, o colegitimado, que até aquele momento

não atuara no feito, o faça, ingressando com recurso na condição de terceiro

prejudicado, nos exatos termos facultados pelo art. 499 do CPC.

Também não se poderia afastar a possibilidade de recurso de

terceiro ao legitimado individual, nos casos em que a ação coletiva versar sobre

direitos individuais homogêneos.

Assim, o recurso de terceiro prejudicado funcionará, no processo

coletivo, assim como a assistência nas ações coletivas, na forma seguinte:

a) tratando-se de ação coletiva para a tutela de direito

essencialmente coletivo a intervenção recursal: (i) de legitimado individual é

absolutamente vedada, salvo a hipótese de uma ação coletiva que tutela direito que

seria também tutelável pela via da ação popular; (ii) sendo colegitimado

extraordinário, o manejo de recurso na qualidade de terceiro prejudicado será

possível, passando a atuar dali em diante como assistente litisconsorcial.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

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b) tratando-se de ação coletiva para a tutela de direito

acidentalmente coletivo (ou seja, direito individual homogêneo), permite-se a

intervenção do legitimado individual substituído, que também passa à condição de

assistente litisconsorcial; assim como de eventual colegitimado;

c) tratando-se de ação individual, com repercussão em ação

coletiva (ver item 2.2.3 do roteiro 07), poderá o legitimado extraordinário ingressar

e recorrer como terceiro prejudicado, agora na qualidade de assistente simples.

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ROTEIRO 09

A COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS

01. NOÇÕES GERAIS

Estudar a coisa julgada no processo coletivo tem por pressuposto o

exame desse instituto à luz do quanto sobre ele se construiu na dinâmica do

processo individual. E assim deve ser porque o processo coletivo, quanto à coisa

julgada, busca seus conceitos mais importantes no processo individual, com todas

as evoluções que quanto ao instituto da coisa julgada a doutrina já realizou, desde

as suas origens mais remotas localizadas no direito romano.

Aliás, desde que os romanos forjaram a noção de res judicata os

juristas se esforçam por compreender, em toda a extensão e complexidade, seu

conceito.

Com efeito, o processo, como tantas vezes já afirmado em

doutrina, é o instrumento através do qual o Estado presta a tutela jurisdicional,

resolvendo a crise jurídica3 que lhe foi levada pelo jurisdicionado.

Em palavras mais simples, o processo é uma espécie de máquina

transformadora, que busca tornar certas relações jurídicas incertas: essa a função

precípua do processo de conhecimento, que mais de perto nos interessa no

presente estudo.

Entretanto, essa certeza jurídica não é obtida instantaneamente e

de inopino. Necessário é observar um passo a passo, que naturalmente conduzirá

essa máquina rumo a seus produtos finais. Esse passo a passo recebe a

denominação de procedimento45, o qual, por sua vez, é composto por sucessivos

atos processuais.

O procedimento e os atos processuais que o integram podem,

pois, para fins didáticos, ser entendidos como o modo de ligação entre os dois

principais pontos do processo: o ponto inicial, que consiste em um ato da parte,

que é a demanda, e um ponto final, consubstanciado em um ato do Estado-juiz,

qual seja, a sentença.

Segundo o professor NELTON DOS SANTOS6,

3 A expressão crise jurídica é de CANDIDO RANGEL DINAMARCO, em sua obra Instituições de Direito Processual Civil II, Ed. Malheiros, 2a edição. 4 Como ensina autorizada doutrina, o procedimento é a manifestação extrínseca do processo, ao passo que a manifestação intrínseca seria a relação jurídica processual. Procedimento é, assim, comportamentos coordenados em vista de um fim predeterminado. 5 Segundo DINAMARCO, Processo = Relação Jurídica Processual + Procedimento. 6 NELTON DOS SANTOS e outros, in Código de Processo Civil Interpretado, Antônio Carlos Marcato, coordenador. – 3. Ed. – São Paulo: Atlas, 2008.

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até agora, a doutrina não conseguiu encontrar formulação

definitiva para o vocábulo (processo),embora grandes

avanços tenham sido realizados a partir dos estudos de Elio

Fazzalari (ver Instituzioni di diritto processuale civil, p. 80-

86). Segundo ele, o processo pode ser traduzido pela idéia

de ‘procedimento em contraditório’. Não sem fazer

observações ao entendimento do jurista italiano, os

processualistas pátrios têm dito que a noção de processo

envolve as de procedimento e de relação processual. O

procedimento é a forma pela qual se sucedem os atos

processuais, é o caminho pelo qual o processo segue; a

relação processual, por sua vez, é o vínculo jurídico que une

o juiz e as partes, estabelecendo, entre eles, conforme sua

qualidade, poderes, faculdades, deveres, ônus e sujeições.

Assim o processo é o somatório desses dois elementos, ou

seja, é o instrumento exteriorizado e materializado por um

procedimento e que, além disso, é animado por uma relação

jurídica processual”.

Toda essa concatenação lógica de atos processuais tem por fim,

portanto, viabilizar o ato final, no qual o juiz, após a realização de cognição

exauriente, diz o direito aplicável ao caso, resolvendo a crise jurídica submetida

pelas partes: eis aí a sentença.

Não é demais destacar que a Constituição da República assegura,

a todos os litigantes, o devido processo legal, com oportunidade de exercício do

contraditório e da ampla defesa. Isso, sem dúvida, legitima a decisão final que o

juiz profere, porquanto dela puderam as partes envolvidas efetivamente participar,

expor suas razões, produzir as provas dos fatos alegados etc.. Além disso, a

observância do devido processo legal tem o objetivo de proporcionar decisões

ponderadas, seguras e, na medida do possível, mais justas.

Entretanto, essa busca pela justiça, pela decisão perfeita, deve

encontrar limites, sob pena de um processo judicial jamais se encerrar,

perpetuando os litígios indefinidamente e jamais se atingindo o fim precípuo da

Jurisdição, que é pacificar os conflitos de interesse que turbam a paz social. Em

determinado momento, pois, a decisão do Poder Judiciário deve ser tida por

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imutável, não se permitindo às partes retornarem com demandas que visem

rediscutir aquilo que já foi objeto de resolução.

Como bem destaca o Professor WILLIAM B. RUBENSTEIN7, a

imutabilidade de uma decisão é um tema central em qualquer sistema judiciário,

pois que tangencia tormentosos questionamentos, tais como: a partir de que

condições estamos preparados para aceitar que o resultado de um processo é

imutável? Quando estamos habilitados a dizer que a justiça realmente foi feita?

A resposta a esses complexos questionamentos talvez seja:

NUNCA. Todavia, para um sistema judiciário que pretende ser racional e atingir a

sua finalidade de dar solução a litígios, essa é uma resposta absolutamente

inaceitável. Em algum momento, pois, o conflito deve se encerrar e a solução

ditada pelo Poder Judiciário deve ser definitiva. Alguma hora deve cessar a busca

pelo valor justiça, a fim de se assegurar outro valor igualmente importante: a

segurança jurídica.

Surge aí a coisa julgada.

Para WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO8,

A coisa julgada, para um teórico do processo do porte de

James Goldschimidt, em sua obra clássica Der prozess als

rechtslage (cf. §§ 14 e 15), é o próprio objetivo que com o

desenrolar do procedimento deverá ser alcançado, em se

tratando de um processo judicial. Realmente, o ato que

cumpre a finalidade própria da jurisdição, isto é, a sentença,

reveste-se, em determinado momento, de uma autoridade

conferida pela lei, adquirindo com isso a estabilidade para

garantir a ‘segurança’ nas relações sociais, ameaçadas pelas

controvérsias submetidas à apreciação do órgão judicial. Por

uma questão de ‘justiça’, as decisões judiciais estão sujeitas

a serem modificadas, uma vez impugnadas e levadas ao

conhecimento do órgão superior. A essa possibilidade de

revisão, no entanto, se contrapõem limites, fixando um

número razoável delas e estipulando um prazo rígido dentro

do qual se pode solicitá-la. Uma vez que a sentença não está

7 WILLIAM B. RUBENSTEIN, Finality inc Class Action Litigation: Lesson from Habeas, New York Universiy Law Review, 2007. 8 WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, Notas fenomenológicas sobre a relativização dos limites subjetivos da coisa julgada em conexão com o litisconsórcio necessário. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa Julgada Inconstitucional. 2. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. Pag. 65-83.

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mais sujeita a alterações, pelo esgotamento da possibilidade

de se recorrer contra ela, ocorre o trânsito em julgado e ela

adquire a autoridade de coisa julgada (autorictas res

judicata).

Irrepreensível a lição transcrita. De fato, a coisa julgada é um

fenômeno que se liga à própria finalidade da jurisdição, na exata medida em que a

estabilização da ordem jurídica torna-se impossível de ser obtida se os conflitos

entre as pessoas se eternizarem. Daí porque, conforme já anotava ilustre

processualista9, a possibilidade de que essa decisão final e imutável seja injusta é

um mal menor comparado com a perpétua incerteza das relações do mundo

jurídico.

02. A COISA JULGADA FORMAL E A COISA JULGADA MATERIAL

Como visto no item anterior, em algum momento é preciso dar

cabo da busca pela decisão ideal e conformar-se com a decisão possível, tudo em

homenagem à segurança jurídica e à pacificação das relações litigiosas. Afirmou-se,

também no item anterior, que a cessação dessa busca pela justiça e a assunção do

valor segurança vem com a coisa julgada. Não se disse, entretanto, o momento em

que a coisa julgada se forma, ou seja, qual o exato instante, no tempo, em que o

que era modificável deixa de sê-lo.

É preciso afirmar, pois, que esse é o instante do chamado trânsito

em julgado da sentença10 e que se dá no exato momento em que contra a decisão

não mais é possível o manejo de qualquer recurso, seja porque a parte irresignada

os manejou todos e esgotou os meios impugnativos, seja porque deixou transcorrer

in albis o prazo de que dispunha para oferecer o recurso cabível. Certo é que, a

partir do exato instante em que a sentença não mais pode ser impugnada por

recurso, ela transita em julgado e torna-se imutável. A expressão trânsito em

julgado é, nesse sentido, bastante apropriada, pois que bem denota a migração de

um estado para outro, vale dizer, a sentença transita do estado de mutabilidade

para o estado de imutabilidade.

Ocorre que essa imutabilidade da sentença decorrente da sua

inimpugnabilidade por recurso projeta efeitos em dois planos distintos: a sentença

se torna imutável naquele mesmo processo em que foi proferida, ao que se dá o

nome de coisa julgada formal, e em se tratando de sentença de mérito (art. 269 do

9 LOPES DA COSTA, Manual Elementar de Direito Processual Civil, Ed. Forense, 3ª. ed., 1982, pag. 218. 10 Utilizaremos, no texto, a expressão sentença com o sentido genérico de decisão final, de modo a abarcar não só o ato sentença (art. 162, §1◦ do CPC), como também os acórdãos dos Tribunais.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

63

CPC), a sua imutabilidade se projeta também para outros processos, ao que se dá o

nome de coisa julgada material. Em palavras outras, a coisa julgada formal opera

efeitos “dentro” do processo em que a sentença foi proferida, no que consiste,

antes de tudo, em uma preclusão, enquanto a coisa julgada material opera efeitos

“fora” do processo em que a sentença veio a lume.

Conforme a lição sempre abalizada de HUMBERTO THEODORO

JUNIOR11,

A coisa julgada formal atua dentro do processo em que a

sentença foi proferida, sem impedir que o objeto do

julgamento volte a ser discutido em outro processo. Já a

coisa julgada material, revelando a lei das partes, produz

seus efeitos no mesmo processo ou em qualquer outro,

vedando o reexame da res in iudicium deducta, por já

definitivamente apreciada e julgada.

No manejo desses conceitos é preciso ter cuidado para não incidir

no erro de se vincular o conceito de coisa julgada formal às sentenças proferidas

com base no artigo 267 do CPC e coisa julgada material às sentenças proferidas

com base no artigo 269 do mesmo diploma legal. Tal equívoco, muito comum entre

profissionais do direito, é resultado da inadequada percepção do fenômeno da coisa

julgada em relação aos tipos de sentença, terminativa ou definitiva, conforme o

caso.

Como se sabe, o processo se encerra por intermédio da prolação

de uma sentença, que pode extinguir o feito sem a resolução do mérito (art. 267 do

CPC) ou com a resolução do mérito (art. 269 do CPC). No primeiro caso, a sentença

recebe a denominação de terminativa e é resultado de um pronunciamento judicial

que reconhece a presença de óbices formais12 que impedem o juiz de decidir o

mérito daquela lide; no segundo caso, a sentença recebe a denominação de

definitiva e é resultado de pronunciamento judicial que enfrenta o mérito da

demanda.

Ora, tanto a sentença terminativa quanto a sentença definitiva

alcançam o trânsito em julgado em seu aspecto formal, porquanto ambas, em

algum momento, deixam de ser impugnáveis por recurso e, por isso mesmo,

tornam-se imutáveis naquele processo. Entretanto, se a sentença transitada em

11 HUMBERTO THEODORO JUNIOR, Curso de Direito Processual Civil Vol. I, Ed. Forense, 47ª. ed., RJ 2007, pag. 595. 12 Esses óbices formais ligam-se, no mais das vezes, ao juízo de admissibilidade do processo, composto pela categoria dos pressupostos processuais e das condições da ação.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

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julgado adentrou o mérito, ela projetará efeitos também para outros processos em

que as partes pretendam discutir aquela mesma lide, alcançando, pois o trânsito

em julgado em seu aspecto material.

Segundo ALEXANDRE FREITAS CÂMARA13,

Em outros termos, e com base na teoria até aqui exposta,

no momento em que a sentença se tornasse irrecorrível,

transitando em julgado, tornar-se-ia impossível alterá-la. A

esta imutabilidade da sentença chamar-se-ia coisa julgada

formal. Tratando-se de sentença definitiva, porém, a esta

coisa julgada formal se acresceria ainda a imutabilidade dos

efeitos da sentença (declaratórios, constitutivos,

condenatórios), e a esta imutabilidade dos efeitos é que se

daria o nome de coisa julgada material.

A coisa julgada formal seria, assim, um pressuposto lógico

da coisa julgada substancial, haja vista que seria impossível

a formação desta sem a daquela.

Em suma, todas as sentenças formam coisa julgada formal, mas

apenas as sentenças definitivas atingem a coisa julgada material.

03. A COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS DE ACORDO COM O

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A MAJORITÁRIA DOUTRINA

BRASILEIRA

3.1. A COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS DE ACORDO COM O

REGRAMENTO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor, assim como se encarregou de

oferecer as definições de cada um dos direitos coletivos em seu artigo 81, também

traçou a regulação geral da coisa julgada nas ações coletivas, fazendo-o no artigo

103 e nos termos seguintes:

13 ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, Lições de Direito Processual Civil vol. I, Ed. LumenJuris, 15ª ed., pag. 474.

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Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este Código, a

sentença fará coisa julgada:

I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado

improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que

qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico

fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do

inciso I do parágrafo único do art. 81;

II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo categoria ou

classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos

termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese

prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III – erga omnes, apenas no caso de procedência do

pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores,

na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

§1◦. Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II

não prejudicarão interesses e direitos individuais dos

integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

§2◦. Na hipótese prevista no inciso III, em caso de

improcedência do pedido, os interessados que não tiverem

intervindo no processo como litisconsortes poderão propor

ação de indenização a título individual.

§3◦. Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art.16,

combinado com art. 13 da Lei 7.347, de 24 de julho de

1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos

pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na

forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido,

beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão

proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96

a 99.

§4◦. Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença

penal condenatória.

Da análise das disposições legais transcritas, podemos perceber

que o CDC, em realidade, acabou regulando diferentes esquemas de coisa julgada,

que ora variam (i) de acordo com o direito transindividual discutido em juízo

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

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(difuso, erga omnes; coletivo stricto sensu, ultra partes; individual homogêneo,

erga omnes), com o (ii) resultado da demanda (ou seja, secundum eventum litis,

pois a extensão a eventuais titulares de direitos individuais ocorre quando

procedente o pedido, mas não quando improcedente), ou ainda quanto à (iii)

suficiência da atividade probatória (secundum eventum probationis).

Dada essa diversidade de abordagens, trataremos da matéria nos

itens separados que seguem.

3.1.1. A DISCIPLINA DA COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS

FUNDAMENTADAS EM DIREITOS DIFUSOS

Conforme a disposição legal constante do artigo 103, I, do CDC, a

coisa julgada nas ações que sejam fundadas na defesa de direitos difusos terá

eficácia erga omnes, o que significa que a coisa julgada formada alcança a todos

aqueles que se encontram na sua esfera jurídica de proteção.

É importante destacar que no que toca aos direitos difusos, vários

são os possíveis colegitimados, conforme dispõe o art. 5◦ da Lei de Ação Civil

Pública. Assim, em uma ação coletiva para defesa de direito difuso a sentença

transitada em julgado estende-se a todos esses colegitimados, de modo que não

poderão propor novamente a mesma ação, ou seja, não poderão levar ao judiciário

a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

Tal imutabilidade do conteúdo da sentença prolatada na ação

coletiva para defesa de direito difuso ocorre tanto nos casos de procedência do

pedido, quanto nos casos de improcedência. É certo que se o pedido foi julgado

procedente o direito difuso restará resguardado, faltando mesmo interesse de agir

aos demais autores ideológicos; no caso, porém, de improcedência, os demais co-

legitimados não poderão intentar nova ação, com base na mesma causa de pedir e

pedido, pois esbarrarão na coisa julgada material anteriormente formada.

Excepcionalmente, entretanto, pode acontecer de a sentença de

improcedência não obstar a propositura de nova e idêntica ação: caso se trate de

sentença que julgou o pedido da ação coletiva para defesa de direito difuso

improcedente por insuficiência de provas. Essa a famosa coisa julgada secundum

eventum probationis. Nessa hipótese, qualquer autor ideológico pode reprisar a

demanda anterior, caso disponha de nova prova que, caso tivesse sido produzida

no primeiro processo, teria conduzido o juiz a julgar o feito de maneira distinta.

Sobre essa técnica de coisa julgada secundum eventum

probationis, a doutrina se divide em dois posicionamentos principais: (i) de acordo

com a corrente que se pode denominar restritiva, para a caracterização da

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

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sentença judicial nessa hipótese seria indispensável que o juiz, ao prolatar a

sentença de improcedência, diga que o faz ante a ausência de provas, chegando

mesmo alguns a defenderem o cabimento de embargos de declaração para que o

juiz aclare tal situação; (ii) outra corrente, que denominamos liberal, bastaria a

propositura da segunda ação coletiva, agora como novo material probatório, para

demonstrar que a improcedência da demanda anterior ter-se-ia dado em função do

material probatório insuficiente.

Inclina-se a doutrina majoritária por adotar a segunda corrente de

pensamento14.

Por último, mas não menos importante, a regra do §1◦ do artigo

103 do CDC: o resultado negativo da ação coletiva, ou seja, sua improcedência,

não afeta os direitos individuais decorrentes do mesmo acontecimento, não inibindo

a propositura de ações indenizatórias individuais. Nesse particular, percebe-se a

utilização da técnica secundum eventum litis, pois que a coisa julgada não se

forma, no plano dos legitimados individuais, in pejus, ou seja, nos casos de

improcedência, mas apenas in melius, vale dizer, no caso de procedência dos

pedidos.

Para fins didáticos podemos oferecer o seguinte quadro

comparativo das “coisas julgadas” nas ações coletivas fundadas em direitos difusos,

segundo as lições de RONALDO LIMA DOS SANTOS15:

(i) Extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267 do

CPC) – coisa julgada formal – possibilidade de propositura

de nova demanda com o mesmo objeto e causa de pedir,

inclusive pelo autor que havia proposto a ação anterior;

(ii) Procedência do pedido – coisa julgada material – eficácia

erga omnes. Impossibilidade de propositura de nova

demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, por

qualquer ente legitimado;

(iii) Improcedência do pedido por qualquer motivo que não a

insuficiência de provas – coisa julgada material – eficácia

erga omnes. Impossibilidade de propositura de nova

demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, por

qualquer ente legitimado;

(iv) Improcedência do pedido por insuficiência de provas – coisa

julgada secundum eventum probationis – possibilidade de 14 ADA PELLEGRINI GRINOVER e outros, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Ed. Forense Universitária, 9ª. ed., RJ, 2007, pag. 951. 15 RONALDO LIMA DOS SANTOS, Amplitude da Coisa Julgada nas Ações Coletivas, Revista de Processo n◦ 127, pag. 47.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

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propositura de nova demanda com o mesmo objeto e causa

de pedir, baseado em novas provas, inclusive pelo autor

que havia proposto a ação anterior.

3.1.2. A DISCIPLINA DA COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS

FUNDAMENTADAS EM DIREITOS COLETIVOS STRICTO SENSU

Nas ações coletivas para a defesa de direitos coletivos stricto

sensu, a coisa julgada será, segundo a lei, ultra partes, mas limitadamente ao

grupo, categoria ou classe.

Optou a legislação por dar uma eficácia menor do que aquela

emprestada à tutela dos direitos difusos. No caso de direitos coletivos stricto sensu

são beneficiados pelo julgado coletivo aqueles que fizerem parte da coletividade

titular do direito posto em juízo. Nessa hipótese é possível determinar-se aqueles

que serão atingidos pela extensão subjetiva do julgado a partir da relação jurídica

base que une os membros da classe entre si ou com a parte contrária, previamente

à lesão, conforme disciplina o artigo 81, parágrafo único, inciso II do CPC.

Aqui também, em caso de improcedência da demanda coletiva, a

coisa julgada se forma secundum eventum probationis, sendo, pois, aplicável tudo

o quanto se disse quanto a esse tema quando comentamos a coisa julgada na

defesa de direitos difusos.

Por fim, também o resultado negativo da ação coletiva não afeta

os direitos individuais decorrentes do mesmo acontecimento, não inibindo a

propositura de ações indenizatórias individuais, conforme esclarece o §1◦ do art.

103 do CDC.

Assim sendo, o quadro comparativo das “coisas julgadas” nas

ações coletivas fundadas em direitos coletivos stricto sensu pode ser construído na

forma seguinte:

(i) Extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267 do

CPC) – coisa julgada formal – possibilidade de propositura

de nova demanda com o mesmo objeto e causa de pedir,

inclusive pelo autor que havia proposto a ação anterior;

(ii) Procedência do pedido – coisa julgada material – eficácia

ultra partes. Impossibilidade de propositura de nova

demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, por

qualquer ente legitimado;

Page 69: Apostila de Processo Coletivo

Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

69

(iii) Improcedência do pedido por qualquer motivo que não a

insuficiência de provas – coisa julgada material – eficácia

ultra partes. Impossibilidade de propositura de nova

demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, por

qualquer ente legitimado;

(iv) Improcedência do pedido por insuficiência de provas – coisa

julgada secundum eventum probationis – possibilidade de

propositura de nova demanda com o mesmo objeto e causa

de pedir, baseado em novas provas, inclusive pelo autor

que havia proposto a ação anterior.

3.1.3. A DISCIPLINA DA COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS

FUNDAMENTADAS EM DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

A doutrina, em uníssono16, afirma que a coisa julgada nas ações

para defesa de direitos individuais homogêneos é diferente daquela das ações para

a defesa dos direitos difusos e coletivos stricto sensu. São igualmente concordes os

doutrinadores ao afirmarem que diferença tal reside em um ponto: enquanto

aqueles são direitos que consideram essencialmente coletivos, os direitos

individuais homogêneos são acidentalmente coletivos, daí não poderem, por essa

exata razão, submeter-se a idêntico sistema de coisa julgada.

Assim, por essa peculiaridade, previu-se que a coisa julgada nas

ações coletivas para a defesa de direitos individuais homogêneos será erga omnes,

apenas no caso de procedência do pedido, a fim de beneficiar todas as vítimas e

seus sucessores. No caso de a demanda coletiva ser julgada improcedente, a

eficácia erga omnes desaparece.

Em palavras outras, os terceiros individualmente considerados,

que estejam na mesma situação jurídica daquela discutida em juízo – o CDC

denominou tais terceiros de vítimas – são beneficiados pela procedência do pedido

deduzido na ação coletiva, podendo liquidar seus danos e executá-los, prescindindo

de nova sentença condenatória, pois que aproveitam aquela genérica prolatada na

ação coletiva. Entretanto, não ficam esses terceiros com seus direitos individuais

obstados por coisa julgada, caso a ação coletiva seja julgada improcedente.

Tem-se aqui o que a doutrina denomina de coisa julgada

secundum eventum litis, conforme explica RONALDO LIMA DOS SANTOS17:

16 Ver, por todos, RONY FERREIRA, Coisa Julgada nas Ações Coletivas: Restrição ao Artigo 16 da LACP, Sergio Fabris Editor, Porto Alegre, 2004, pag. 114. 17 RONALDO LIMA DOS SANTOS, Amplitude da Coisa Julgada nas Ações Coletivas, Revista de Processo n◦ 127, pag. 47.

Page 70: Apostila de Processo Coletivo

Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

70

Em resumo, consoante o fenômeno da coisa julgada

secundum eventum litis, as pretensões individuais dos

particulares beneficiam-se das vantagens advindas com o

proferimento de eventual sentença de procedência em ação

coletiva, de modo que a coisa julgada possuirá efeitos erga

omnes. Em sentido contrário, as pretensões individuais dos

particulares não são prejudicadas pelo advento de sentença

desfavorável, ou seja, somente são abrangidos secundum

eventum litis; nesse caso, a existência de sentença coletiva

desfavorável não obsta que os indivíduos enquadrados na

hipótese fática ou jurídica que fora objeto da ação coletiva

promovam ações individuais.

Quanto aos eventuais colegitimados à tutela coletiva dos direitos

individuais homogêneos, haverá sempre formação de coisa julgada material, pro et

contra. Outrossim, nessa hipótese não se aplica o sistema de coisa julgada

secundum eventum probationis, ou seja, ainda que a sentença da ação coletiva

seja de improcedência do pedido por insuficiência de provas, haverá coisa julgada

material suficiente a impedir que qualquer colegitimado proponha idêntica ação.18

Por fim, duas importantes observações: (i) a sentença favorável da

ação coletiva fundada em direito individual homogêneo não beneficiará o indivíduo

que, possuindo ação individual ao tempo da propositura da demanda coletiva,

tomando ciência da mesma, não requereu a suspensão da sua ação no prazo de 30

(trinta) dias, conforme reza o artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor; (ii) a

coisa julgada formada na ação da coletiva julgada improcedente atingirá o indivíduo

que tiver intervindo no processo coletivo na qualidade de assistente litisconsorcial.

Nessa ordem de idéias, o quadro comparativo das “coisas

julgadas” nas ações coletivas para a defesa de direitos individuais homogêneos é o

seguinte:

(i) Extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267 do

CPC) – coisa julgada formal – possibilidade de propositura

de nova demanda com o mesmo objeto e causa de pedir,

inclusive pelo autor que havia proposto a ação anterior;

(ii) Procedência do pedido – coisa julgada material – eficácia

erga omnes. Impossibilidade de propositura de nova

18 No mesmo sentido, RONY FERREIRA, Coisa Julgada nas Ações Coletivas: Restrição ao Artigo 16 da LACP, Sergio Fabris Editor, Porto Alegre, 2004, pag. 114.

Page 71: Apostila de Processo Coletivo

Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

71

demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, por

qualquer ente legitimado. A execução poderá ser efetuada a

título coletivo ou individual. Não será beneficiado pela coisa

julgada coletiva o indivíduo que não requereu a suspensão

do processo individual;

(iii) Improcedência do pedido, inclusive por insuficiência de

provas – coisa julgada material –Impossibilidade de

propositura de nova demanda com o mesmo objeto e causa

de pedir, por qualquer ente legitimado. Os interessados

individuais que não tiverem intervindo no processo (como

assistentes litisconsorciais) poderão pleitear seus direitos

em ações individuais.

3.1.4. O DENOMINADO TRANSPORTE IN UTILIBUS DA COISA JULGADA

COLETIVA

Fechando a sistematização geral da coisa julgada nas ações

coletivas, o §3◦ do art. 103 do CDC veicula o denominado transporte in utilibus da

sentença proferida na ação coletiva.

Por tal mecanismo, a sentença de procedência de uma ação

coletiva em defesa de direitos difusos ou coletivos stricto sensu pode ser

aproveitada pelos indivíduos, que promoverão a respectiva liquidação e execução

de danos.

É bom que se diga que esse transporte in utilibus não se confunde

com a eficácia erga omnes das ações coletivas para defesa de direitos individuais

homogêneos prevista no inciso III do artigo 103 do CDC. Nesse caso, a ação

coletiva tutela o mesmo direito individual dos legitimados individuais, mas o faz de

forma coletiva e justamente com o objetivo de obter uma sentença condenatória

genérica que possa beneficiar os legitimados individuais que se encontrem no

mesmo enquadramento fático-jurídico debatido na demanda coletiva.

No caso do §3◦ do artigo 103, ora tratado, o fenômeno é diverso,

pois que o transporte se dá a partir de uma sentença prolatada em uma ação

coletiva para defesa de direitos tidos pela lei como essencialmente coletivos, quais

sejam, os difusos e coletivos stricto sensu. Ocorre que em casos tais é possível,

senão comum, que a mesma lesão a um direito difuso, por exemplo, possa causar

repercussões, ao mesmo tempo, na esfera dos indivíduos. E é justamente aí que

surge o transporte in utilibus, beneficiando o titular de direito individual decorrente

da lesão de um direito metaindividual. Note-se, aliás, que nesses casos a ação

Page 72: Apostila de Processo Coletivo

Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

72

coletiva não deduz pedido de tutela condenatória em benefício dos titulares de

direito individual e, ainda assim, como efeito anexo da procedência do pedido, o

transporte in utilibus pode ser realizado.

Repita-se e frise-se: enquanto nas sentenças coletivas que tutelam

direitos essencialmente coletivos, a condenação de indenizar os danos no plano

individual não existe, sendo imputada pela lei (verdadeiro efeito anexo), nas

sentenças coletivas que tutelam direitos acidentalmente coletivos essa condenação

é expressa na própria sentença, até porque é esse o objetivo da demanda.

De todo modo, a despeito da diferença conceitual, a consequência

processual será exatamente a mesma: a possibilidade do transporte ou extensão da

coisa julgada do processo coletivo para o plano individual, de modo que o indivíduo

legitimado possa passar diretamente à fase de liquidação e execução do crédito

(quantum debeatur), sem a necessidade de rediscutir o dever de indenizar (na

debeatur), quer porque o dever de indenizar é efeito anexo (direitos

essencialmente coletivos), quer porque a condenação é expressa (direitos

acidentalmente coletivos).

RONALDO LIMA DOS SANTOS19 expõe hipótese esclarecedora:

Tome-se como exemplo, uma ação civil pública proposta

pelo Ministério Público do Trabalho cujo objetivo é a

eliminação da insalubridade no estabelecimento de

determinada empresa. Embora o pedido seja a proteção de

um bem essencialmente coletivo (meio ambiente do

trabalho), em sendo julgada procedente a demanda, o

reconhecimento da insalubridade do meio ambiente daquele

estabelecimento, e dos danos reais ou potenciais à saúde

dos trabalhadores, aproveita in utilibus os trabalhadores

individuais, que não necessitarão discutir novamente a

salubridade daquele ambiente, podendo promover

diretamente a execução do julgado, demonstrando na

liquidação, que se processará por artigos, os elementos

necessários à fixação do adicional de insalubridade.

A técnica do transporte in utilibus representa, para alguns

doutrinadores, verdadeira ampliação ope legis, do objeto do processo, conforme

19 RONALDO LIMA DOS SANTOS, Amplitude da Coisa Julgada nas Ações Coletivas, Revista de Processo n◦ 127, pag. 53.

Page 73: Apostila de Processo Coletivo

Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

73

defende ADA PELLEGRINI GRINOVER20, no que é seguida por RONY FERREIRA21 e

FREDIE DIDIER JUNIOR e HERMES ZANETTI JUNIOR22. Em sentido contrário, JOSÉ

ROGÉRIO CRUZ E TUCCI23, que a nosso ver com razão, pontua:

Essa técnica, contudo, não implica ampliação, ope legis, do

objeto do processo, para incluir o julgado sobre a obrigação

de indenizar. Na verdade, trata-se de efeito secundário ou

anexo da sentença ditado pela lei, que autoriza a liquidação

e a execução individual, pelos respectivos titulares do direito

material. A eficácia condenatória é inerente à própria

sentença, não havendo qualquer dilatação objetiva da res in

iudicium deducta.

Aliás, a técnica de transporte in utilibus nas ações coletivas não se

limita à esfera cível. Inspirado, por certo, no conhecido efeito anexo da sentença

penal condenatória, que gera para a vítima automático direito indenizatório no

cível, o legislador o CDC previu, no §4◦ do artigo 103, que a sentença penal

condenatória que apure lesão a direitos coletivos também enseja a possibilidade de

transporte in utilibus para fins de indenização individual. Basta pensar no caso de

demanda que condena o réu pelo crime de propaganda enganosa. Tal sentença

permitirá ao consumidor lesado por tal violação proceder a liquidação e execução

dos danos, com base na eficácia condenatória gerada pela sentença penal.

04. DAS LIMITAÇÕES À COISA JULGADA E SEUS EFEITOS – ART. 16 DE LEI

7347/85 E ART. 2º-A DA LEI 9494/97

Estudo do precedente Recurso Especial n° 1.243.887-PR:

DIREITO PROCESSUAL. RECURSO REPRESENTATIVO DE

CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, CPC). DIREITOS

METAINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO X

BANESTADO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. ALCANCE

OBJETIVO E SUBJETIVO DOS EFEITOS DA SENTENÇA

20 ADA PELLEGRINI GRINOVER e outros, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Ed. Forense Universitária, 9ª. ed., RJ, 2007, pag. 951. 21 RONY FERREIRA, Coisa Julgada nas Ações Coletivas: Restrição ao Artigo 16 da LACP, Sergio Fabris Editor, Porto Alegre, 2004, pag. 124. 22 FREDIE DIDIER JR e HERMES ZANETTI JUNIOR, Curso de Direito Processual Coletivo, Ed. JusPodivm, 2007, pag. 346. 23 JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, Limites Subjetivos da Eficácia da Sentença e da Coisa Julgada nas Ações Coletivas, Revista de Processo n◦ 143, pag. 57.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

74

COLETIVA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL. IMPROPRIEDADE.

REVISÃO JURISPRUDENCIAL. LIMITAÇÃO AOS

ASSOCIADOS. INVIABILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA.

1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:

1.1. A liquidação e a execução individual de sentença

genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada

no foro de domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a

eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos,

mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido,

levando-se me conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a

qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts.

468, 472 e 474, CPC E 93 3 103, CDC).

1.2. A sentença genérica proferida na ação civil coletiva ajuizada

pela Apadeco, que condenou o Banestado ao pagamento dos

chamados expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança,

dispôs que seus efeitos alcançariam todos os poupadores da

instituição financeira do Estado do Paraná. Por isso descabe a

alteração do seu alcance em sede de liquidação/execução

individual, sob pena de vulneração da coisa julgada. Assim, não se

aplica ao caso a limitação contida no art. 2º-A, caput, da Lei n.

9494.97.

2. Ressalva de fundamentação do Ministro Teori Albino Zavascki.

3. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

75

ROTEIRO 10

LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO NO PROCESSO COLETIVO

01. A LIQUIDAÇÃO NO PROCESSO COLETIVO

Liquidação de sentença, como se sabe, é fase do processo de

conhecimento destinado a tornar líquida uma sentença genérica. Em outras

palavras, trata-se de procedimento que tem o objetivo de estabelecer o quantum

debeatur que será perseguido pelo credor na subsequente fase de execução. Tendo

em conta que não há, no microssistema de processo coletivo, regramento próprio

sobre o tema, deve ser aplicada a sistemática do arts. 475-A e 475-H do CPC.

Basicamente, 04 (quatro) são as possíveis sentenças proferidas

em ações coletivas que demandarão uma fase de liquidação antes da sua execução:

(i) Sentença ilíquida, resultado de ação para a defesa de

direito essencialmente coletivo. Nesse caso, como o valor

de eventual condenação será revertido em benefício da

coletividade (a um dos fundos criados pela lei), a

legitimidade será de um dos legitimados extraordinários,

preferencialmente aquele que tenha atuado na fase de

conhecimento, de modo que se trata de autêntica

liquidação coletiva;

(ii) Sentença ilíquida, resultado de ação para a defesa de

direito acidentalmente coletivo, ou seja, direitos individuais

homogêneos. Nesse caso, pois que a sentença genérica

forma título executivo judicial em benefício do legitimado

individual, terá o indivíduo a legitimidade para a fase de

liquidação de sentença.

(iii) Sentença ilíquida, resultado de ação para a defesa de

direito essencialmente coletivo, que possa ser objeto de

transporte in utilibus para o plano de individual. Nesse

caso, também será do indivíduo a legitimação para a fase

de liquidação.

(iv) Finalmente, sentença ilíquida, resultado de ação para a

defesa de direito acidentalmente coletivo, que não receba

liquidações e execuções compatíveis com a extensão do

Page 76: Apostila de Processo Coletivo

Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

76

dano, no prazo de 01 (um) ano. Trata-se, aqui, de uma

fase de liquidação preparatória da fluid recovery.

1.1. A LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA GENÉRICA PROFERIDA EM AÇÃO PARA

DEFESA DE DIREITOS ACIDENTALMENTE COLETIVOS (INDIVIDUAIS

HOMOGÊNEOS)

Como se viu, a principal função da ação coletiva para a defesa de

direito individual homogêneo é alcançar uma sentença condenatória genérica, que

posteriormente renderá ensejo a uma liquidação e execução pelos legitimados

individuais. Esse objetivo encontra-se perfeitamente estabelecido no art. 95 do

CDC:

Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação

será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos

causados.

A interpretação literal do artigo transcrito levou parte da doutrina

a afirmar ser vedada a prolação de sentença líquida em ações coletivas para a

defesa de direitos individuais homogêneos. Equivocada, porém, a afirmação. Caso

seja possível, não só pode como deve o juiz liquidar os danos individualmente

sofridos, facilitando a atividade futura do legitimado individual, que terá apenas o

“trabalho” de executar a sentença já líquida. É possível, pois, haver sentença

líquida em ação coletiva para defesa de direitos acidentalmente coletivos, conforme

afirmam DONIZETTI E CERQUEIRA (pág. 380/381).

Sendo, porém, o caso de prolação de uma sentença genérica,

deverá a mesma ser objeto de liquidação individual por cada um dos legitimados

titulares da pretensão.

Vale destacar que, nessa hipótese, a liquidação em processo

coletivo se diferencia da liquidação no processo individual. Nessa, basta a discussão

relativa ao quantum debeatur; na liquidação coletiva, porém, forçoso reconhecer

que o objeto é mais amplo: é preciso discutir não só o quantum debeatur, mas

também investigar se o legitimado individual integra o grupo lesado, ou seja, se é

realmente titular do crédito perseguido, o que se denomina cui debeatur.

De acordo com DIDIER e ZANETI JR. (pág. 386), nessa liquidação

serão apurados: a) os fatos e alegações referentes ao dano individualmente sofrido

pelo demandante; b) a relação de causalidade entre esse dano e o fato

Page 77: Apostila de Processo Coletivo

Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

77

potencialmente danoso acertado na sentença; c) os fatos e alegações pertinentes

ao dimensionamento do dano sofrido.

Debate-se, também, se essa fase de liquidação deve se processar

como um mero incidente do feito principal, ou, ao contrário, em autos

desvinculados daquele. Sem dúvida, a segunda hipótese é a mais adequada. A

liquidação – e também futura execução – deve se dar em procedimento autônomo

e sem vinculação com o juízo que prolatou a sentença genérica. E assim o é por,

pelo menos, duas razões: (i) facilitação do acesso do legitimado individual, que

nem sempre tem domicílio no mesmo local do juízo prolator da decisão genérica;

(ii) a vinculação do juízo prolator do decisum a futuras liquidações e execuções

traria sérias consequências a esse juízo, que poder-se-ia ver inviabilizado o serviço

jurisdicional prestado, caso fosse muito grande o número de

liquidantes/exequentes.

Vale destacar que o Superior Tribunal de Justiça, após alguma

hesitação da jurisprudência pátria, fixou, no importante Recurso Especial n°

1.243.887-PR, relatado pelo Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, o entendimento de que a

liquidação e a execução de sentença coletiva pode ser feita no foro de domicílio do

beneficiário. Tal precedente afastou, ainda, definitivamente, a limitação territorial

da coisa julgada, inserida no artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública. Confira-se a

ementa desse paradigmático julgado:

DIREITO PROCESSUAL. RECURSO REPRESENTATIVO DE

CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, CPC). DIREITOS

METAINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO X

BANESTADO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. ALCANCE

OBJETIVO E SUBJETIVO DOS EFEITOS DA SENTENÇA

COLETIVA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL. IMPROPRIEDADE.

REVISÃO JURISPRUDENCIAL. LIMITAÇÃO AOS

ASSOCIADOS. INVIABILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA.

1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:

1.1. A liquidação e a execução individual de sentença

genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada

no foro de domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a

eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos,

mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido,

levando-se me conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

78

qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts.

468, 472 e 474, CPC E 93 3 103, CDC).

1.2. A sentença genérica proferida na ação civil coletiva ajuizada

pela Apadeco, que condenou o Banestado ao pagamento dos

chamados expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança,

dispôs que seus efeitos alcançariam todos os poupadores da

instituição financeira do Estado do Paraná. Por isso descabe a

alteração do seu alcance em sede de liquidação/execução

individual, sob pena de vulneração da coisa julgada. Assim, não se

aplica ao caso a limitação contida no art. 2º-A, caput, da Lei n.

9494.97.

2. Ressalva de fundamentação do Ministro Teori Albino Zavascki.

3. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.

1.1.1. A FLUID RECOVERY

A sentença condenatória proferida em ação para a defesa de

direito individual homogêneo pode gerar o denominado fluid recovery, caso não

haja, no prazo de 01 (um) ano, habilitação de legitimados individuais compatíveis

com a gravidade e extensão do dano.

Sobre tal tema, calha trazer uma inicial observação: o prazo de 1

ano previsto no art. 100 do CDC não importa na perda da pretensão individual, mas

apenas o prazo que os legitimados coletivos deverão aguardar para a propositura

da liquidação/execução a título coletivo, com reversão dos valores aos fundos

criados pela LACP.

Conforme bem anotam DIDIER e ZANETI JR. (pág. 389), o art.

100 do CDC prevê uma legitimidade extraordinária subsidiária, pois que somente

após o decurso de prazo de 01 ano contado do trânsito em julgado da sentença é

que será permitido o fluid recovery.

1.2. A LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA GENÉRICA PROFERIDA EM AÇÃO PARA A

DEFESA DE DIREITOS ESSENCIALMENTE COLETIVOS

Tais sentenças poderão render ensejo a dois tipos de

liquidação/execução: (i) coletiva, proposta pelo legitimado extraordinário; (ii)

individual, proposta pelo legitimado individual, decorrente do transporte in utilibus.

Page 79: Apostila de Processo Coletivo

Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

79

Na primeira hipótese, a discussão resume-se ao quantum

debeatur; na segunda, deve ser debatido o cui debeatur e o quantum debeatur,

conforme se destacou no item antecedente.

02. A EXECUÇÃO NO PROCESSO COLETIVO

Regra geral, a execução no processo coletivo seguirá o sistema do

CPC: obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa, são regulados pelos arts. 461

e 461-A do CPC; já as sentenças para pagamento de quantia, seguem a sistemática

do art. 475-J e seguintes.

Em termos de legitimidade, em regra será do próprio autor da

demanda coletiva; caso haja demora excessiva, nos termos do artigo 15 da Lei de

Ação Civil Pública, 60 (sessenta) dias, qualquer colegitimado poderá propor a ação

coletiva.

Como já explicado nos itens dedicados à liquidação, podemos ter

as seguintes hipóteses de execução: (i) execução coletiva; (ii) execução individual

decorrente de sentença genérica ou de transporte in utilibus; (iii) execução de fluid

recovery.