Apostila etica arquitetura

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CURSO DE ARQUITETURA DISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIA PROF. ANTONIO JOSÉ INTRODUÇÃO A política engloba uma grande variedade de atividades, a partir de eleições governamentais, cujas eleições é um esforço envidado dos candidatos que da mídia em geral se utilizam, conduzindo a efeito os planos e projetos junto aos seus assessores, com vistas a atingir os eleitores.. Para cada uma destas ações, há considerações éticas e consequências. Este anteprojeto suscita o seguinte problema: Até que ponto podem os movimentos populares serem fatores corroborativos para o exercício da ética e da cidadania na política nacional? Outras questões podem ser aqui aludidas, tais como: Até que ponto a política é compatível com a ética? A política pode ser eficiente se incorporar a ética? Não seria puro moralismo exigir que a política considere os valores éticos? Atualmente, o cenário internacional marcado pelo processo de globalização da economia e a fragilização dos Estados nacionais, coloca uma nova pauta de questões para o poder local, projetando-o no debate político sobre as alternativas de organização do Estado. Este ano teremos eleições municipais em todo o país. São principalmente os municípios que mantém contato cotidiano com a população, que estão desafiados a enfrentar mudanças qualitativas nos métodos de gestão pública. Adotar um novo paradigma de administração pública significa revolucionar por dentro a máquina do Estado, como se organiza e como se presta o serviço público, colocando no centro o cidadão. A reforma administrativa voltada à afirmação da cidadania supõe a implementação de mecanismos e canais de participação popular, contrapondo-se a tendência de privatização e de esvaziamento do espaço público. Nesse sentido, a modernização do poder público implica na participação da sociedade na definição das políticas de governo. Dr. Fábio Konder Comparato, jurista e professor da USP, faz a seguinte assertiva sobre o assunto: Em suma – e aí está o cerne da questão - , se toda a ação política, como vimos, deve ter por finalidade o bem comum do povo, seria um grosseiro absurdo que o próprio povo fosse em permanência excluído da função de julgar a justiça ou injustiça das políticas postas em prática, bem como de fazer atuar a 1

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIECURSO DE ARQUITETURA

DISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIAPROF. ANTONIO JOSÉ

INTRODUÇÃO

A política engloba uma grande variedade de atividades, a partir de eleições governamentais, cujas eleições é um esforço envidado dos candidatos que da mídia em geral se utilizam, conduzindo a efeito os planos e projetos junto aos seus assessores, com vistas a atingir os eleitores.. Para cada uma destas ações, há considerações éticas e consequências. Este anteprojeto suscita o seguinte problema: Até que ponto podem os movimentos populares serem fatores corroborativos para o exercício da ética e da cidadania na política nacional? Outras questões podem ser aqui aludidas, tais como: Até que ponto a política é compatível com a ética? A política pode ser eficiente se incorporar a ética? Não seria puro moralismo exigir que a política considere os valores éticos?

Atualmente, o cenário internacional marcado pelo processo de globalização da economia e a fragilização dos Estados nacionais, coloca uma nova pauta de questões para o poder local, projetando-o no debate político sobre as alternativas de organização do Estado. Este ano teremos eleições municipais em todo o país. São principalmente os municípios que mantém contato cotidiano com a população, que estão desafiados a enfrentar mudanças qualitativas nos métodos de gestão pública. Adotar um novo paradigma de administração pública significa revolucionar por dentro a máquina do Estado, como se organiza e como se presta o serviço público, colocando no centro o cidadão. A reforma administrativa voltada à afirmação da cidadania supõe a implementação de mecanismos e canais de participação popular, contrapondo-se a tendência de privatização e de esvaziamento do espaço público. Nesse sentido, a modernização do poder público implica na participação da sociedade na definição das políticas de governo. Dr. Fábio Konder Comparato, jurista e professor da USP, faz a seguinte assertiva sobre o assunto:

Em suma – e aí está o cerne da questão - , se toda a ação política, como vimos, deve ter por finalidade o bem comum do povo, seria um grosseiro absurdo que o próprio povo fosse em permanência excluído da função de julgar a justiça ou injustiça das políticas postas em prática, bem como de fazer atuar a responsabilidade dos governantes que realizaram, sobretudo quando estes devem a sua posição de mando à eleição popular.1

A construção de uma nova cultura política democrática, que supere os vícios do autoritarismo, do paternalismo e do clientelismo na relação entre Estado e sociedade, não pressupõe a defesa da participação como direito fundamental da cidadania; pressupõe uma nova ética no trato da coisa pública, tanto dos governantes como da sociedade civil, centrada na responsabilidade social, no reconhecimento da diversidade cultural e da pluralidade política dos atores sociais.

1. RELEVÂNCIA E CONTEMPORANEIDADE DA ÉTICA

O assunto se apresenta relevante por suas várias nuances e matizes presentes na vida política nacional, demonstrados no cotidiano dos meios de comunicação de massa e da mídia em geral. Quando se trata da relação entre ética e política não há respostas fáceis. Há mesmo quem considere que esta é uma falsa questão, em outras palavras, que ética e política são como a água e o vinho: não se misturam. Quem pensa assim, adota uma postura que nega qualquer vínculo da política com a moral: os fins justificam os meios. O realismo político, ou seja, a busca de resultados a qualquer preço, subtrai os atos políticos à qualquer avaliação moral, entendendo esta como restrita à vida privada, dissociando o indivíduo do coletivo. Esta concepção sobre a relação ética e política desconsidera que a moral também é um fator social e como tal não pode se restringir ao santuário da consciência dos indivíduos. Em outras

1 COMPARATO, Ética: Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno, Editora Companhia das Letras, 2006, p. 660.

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palavras, embora a moral se manifeste pelo comportamento do indivíduo, ela expressa uma exigência da sociedade (um exemplo disso é a adoção dos diversos "códigos de ética"). Ou seja, não leva em conta que a política nega ou afirma certa moral e que, em última instância, a política também é avaliada pelo comportamento e entendimento moral das pessoas. Aliás, se a política almeja legitimidade não pode, entre outros fatores, dispensar o consenso da consciência dos cidadãos, sobre a qual repousa a democracia. Em todos estes casos, trata-se de problemas ético-práticos que se apresentam diante de nós, nas relações efetivas, reais, entre indivíduos ou grupos. Trata-se de problemas cuja solução não concerne somente à pessoa que os propõe, mas também a outra ou outras pessoas, os quais sofrerão as conseqüências da sua decisão e da sua ação. As conseqüências podem afetas a um indivíduo ou a vários indivíduos ou grupos sociais. Enfim, as conseqüências podem afetar a uma comunidade inteira, ou até mesmo toda uma nação.

Toda a sociedade humana cria padrões de comportamento para os seus concidadãos, os quais servem de parâmetros ou normas geralmente aceitas, as quais fazem parte do senso comum de determinado povo, nação, etnia ou cultura, os quais podemos chamar de “Convenções Sociais.” Há valores ou convenções sociais que são mais pertencentes a um específico povo ou cultura. Há outros tipos de convenções sociais que são universais ou supra-culturais (trans-cultural). Ou seja, estão presentes em todos os povos, etnias e culturas humanas, tais como: 1) O respeito à vida; 2) O respeito aos pais e aos idosos. Caminhando na contramão das “Convenções Sociais”, podemos encontrar o movimento “niilista”. O “niilismo” é uma tendência de viver a vida no campo da negação de todos os parâmetros de comportamentos; contra todos os valores morais; contra todos os princípios fixos, absolutos, dogmáticos em permanentes.

1. CONCEITUANDO A ÉTICA

Nas relações cotidianas entre indivíduos, surgem continuamente problemas como estes: A) Devo cumprir a promessa X que fiz ao meu amigo Y, embora hoje perceba que o

cumprimento da aludida promessa me causará certos danos e prejuízos? B) Devo sempre dizer a verdade ou há ocasiões em que devo mentir?C) Podemos considerar bom o homem que se mostra caridoso com o mendigo que bate à sua

porta, e, durante o dia – como patrão – explora impiedosamente os operários e os empregados da sua empresa?

D) Se um indivíduo procura fazer o bem e as conseqüências de suas ações são prejudiciais àqueles que pretendia favorecer, porque lhes causará mais prejuízo do que benefício, devemos julgar que age corretamente de um ponto de vista moral, quaisquer que tenham sido os efeitos de sua ação?

E) Com respeito aos crimes cometidos pelos nazistas na segunda guerra mundial, os soldados que os executaram, cumprindo ordens militares, podem ser moralmente condenados?

F) Os soldados nazistas deviam executar as ordens de extermínio emanadas de seus superiores?A ética poderá dizer, em geral, o que é um comportamento pautado por normas ou em que

consiste o fim – o bom – visado pelo comportamento moral, do qual faz parte o comportamento individual ou de um grupo. Definir o que é o “bom” não é um problema ético-moral simples, cuja solução cairá ao indivíduo em cada caso particular, mas a um problema geral normativo, de cuja solução ou princípio o cristão se possa valer nas mais diversas circunstâncias.

Hartmann, em sua obra “Ethics”, faz o seguinte comentário sobre o lugar da ética no campo da filosofia:

Os problemas éticos são objeto de uma atenção especial na filosofia grega. Ao naturalismo dos filósofos do primeiro período (os pré-socráticos), sucede uma preocupação com os problemas do homem, e sobretudo, com os problemas políticos e morais. As novas condições que se apresentam no século V a.C., em muitas cidades gregas – e especialmente em Atenas, com a democratização da vida política e o desenvolvimento de uma intensa vida pública, deram origem à filosofia política e moral.2

2 HARTMANN, Nicolai. Ethics. London, England: George Allen and Unwin Ltd., 1973, p. 89.

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A ética é um dos seis ramos tradicionais da filosofia, onde ocupou papel importante, desde o começo. A Ética como um sistema da Filosofia. A Ética é um dos seis sistemas tradicionais da filosofia.

A. Ética: a conduta ideal do indivíduo. B. Política: a conduta ideal do estado.C. Lógica: o raciocínio que guia o pensamento. D. Gnosiologia: a teoria do conhecimento. E. Estética: A teoria das belas-artes.F. Metafísica: teoria sobre a verdadeira natureza da existência. Existem filosofias modernas

como da ciência, da história, da industria, do espírito, etc.

1.1. A ORIGEM DA ÉTICA

A ética originou-se (provavelmente) com o primeiro homo sapiens. Antes do início da filosofia ocidental, as religiões demonstraram uma preocupação com a retidão da conduta humana. Ilustrações: as doutrinas do julgamento, recompensa, reencarnação, etc. Os filósofos pré-socráticos se envolveram em considerações éticas. Anaximandro compreendeu que o processo cósmico é essencialmente um sistema que incorpora justiça, injustiça e reparação. Sócrates (450 A.C.) é considerado o pai da ética como um sistema filosófico. As primeiras escolas éticas se originaram dos discípulos dele.

A palava “Ética” origina-se do termo grego, ethos = “disposição, hábito, modo de ser”, enquanto forma de vida adquirida ou conquistada pelo homem. Já a palavra “Moral”, procede do latim “mos” ou “moris”, que vem a significar “vontade, costume, uso, regra”, no sentido de conjunto de normas ou regras adquiridas por hábito. A Ética. “A teoria da natureza do bem e como ele pode ser alcançado”. “A filosofia de julgamentos morais que declaram a conduta boa, má, certa ou errada. Isto é, o que deve ou não ser feito”. A definição mais simples, mas expressiva é: A ética é a conduta ideal do individuo.

Comparato, em sua magna obra Ética: Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno, apresenta-

nos o seguinte conceito:

Na língua grega, o termo ethos (s), indicam, inicialmente, a maneira de ser ou os hábitos de uma pessoa; a segunda, os usos e costumes vigentes numa sociedade. Na etimologia, portanto, encontramos as duas vertentes clássicas da reflexão ética: a subjetiva, centrada em torno do comportamento individual, e a objetiva, fundada no modo coletivo de vida. Essas duas vertentes foram cumpridas e exploradas pelo pensamento grego. Na primeira delas, a individual, a regra de vida proposta foi a virtude; na segunda, a lei.3

1.2. O PORQUE DA ÉTICA

A. Uma necessidade da sociedade. Ilustração: Aristóteles. O alvo da ética é a conduta ideal do homem, baseada no desenvolvimento de sua virtude especial. Virtude = função dentro da sociedade, para o bem do indivíduo e da sociedade.

B. Uma necessidade metafísica. Tiquismo contra teleologia. No grego, tuche significa chance, caos; telos significa finalidade, desígnio. Kant, por exemplo, rejeitou o principio do tiquismo para evitar a noção de caos. Filosoficamente, devemos escolher entre caos e desígnio, e a nossa ética será governada pela escolha. O argumento moral dele argumentava que a alma deve existir para permitir um julgamento certo, pois neste mundo, a justiça raramente se faz. Deus deve existir para julgar e recompensar de modo justo, porque, neste mundo, isto raramente acontece.

C. Uma necessidade individual. Realmente, é uma questão urgente, porque tudo que fazemos é auto e/ou heterojulgado (avaliado). Ilustração: Platão. O problema ético é a tensão entre o ideal e a conduta defeituosa. Segundo a definição de Aristóteles, todas as instituições humanas, de ensino, da política, do estado, etc., são ramos da ética, porque todas têm alguma coisa a ver com a atuação do homem dentro da sociedade.

3 COMPARATO, Op. Cit., p. 96.

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1.4. A Ética e a Gnosiologia

É impossível separar estes dois sistemas. O que você acha sobre como podemos saber das coisas, determinará, em boa parte, seus conceitos étnicos.

Ilustrações: Racionalismo. O homem, por natureza, é um ser que sabe, sem uma investigação empírica. Portanto, os princípios éticos podem ser descobertos pela razão. Sócrates tinha fé nesta suposição. O racionalismo tem a tendência de ser religioso, portanto, os princípios éticos, supostamente descobertos pela razão, serão religiosos. Misticismo: o conhecimento é um dom de Deus. Portanto, os padrões éticos são predeterminados pela mente divina. Empirismo: somente a experiência (tentativas de saber, erros, adaptações) pode determinar os princípios éticos, porque não existe qualquer conhecimento sem experiência humana. A experiência se baseia nas percepções dos sentidos. A ética, conseqüentemente, é uma questão pragmática e relativa, sendo que o conhecimento do homem é governado pelo fluxo das vicissitudes da experiência. Conclusão: A ética é humana, não divina.

1.5. A Ética e a Metafísica

É impossível separar estes dois sistemas. O que você acha sobre a natureza da existência determinará, essencialmente como você analisa os problemas éticos. Ilustrações: Deus existe, julga e recompensa? Será que realmente existem pecados mortais como a Igreja fala. A ira, a cobiça, a inveja, a glutonaria, a lascívia, o orgulho e a preguiça realmente são ofensas sérias como a Igreja declara? A doutrina da Igreja sobre os pecados mortais é negócio sério. A Igreja tem autoridade para falar estas coisas?

2. Categorias Principais da Ética

2.1. A Ética Formal

Esta ética também se chama rigorista ou teísta: 1. Declara que existem princípios eternos, imutáveis, divinos (ou exigências absolutas na natureza ou da lei natural). 2. A aplicação dos princípios eternos é universal. Não existe uma ética para mim, e outra pra você. 3. É uma ética a priori, não posteriori. Os valores da ética são inatos, baseados num conhecimento inato. 4. Bases. A intuição, o racionalismo, o misticismo, a sobrenaturalidade, a justiça absoluta, a teleologia e o idealismo.

2.2. A Ética Relativa ( da situação)

A. A conduta ideal pode ser estabelecida somente através da experiência humana. Ela não é imposta por uma força exterior, não humana (se tal força existe).

B. A ética é uma experiência ou ciência humana, não um ramo da teologia.C. Os princípios éticos têm aplicação aqui e agora, não antigamente e para sempre. D. A conduta ideal (se existe tal coisa), necessariamente varia de um individuo para o

outro dependendo das circunstancias (situações) pessoais e culturais envolvidas. E. A ética está sempre em estado de fluxo. Os padrões éticos, necessariamente, se

modificam com o tempo e com as exigências diversas de culturas diferentes. F. A ética é relativa, isto é, sempre sujeita a mudanças. Não existem padrões fixos,

imutáveis ou universais. O que funciona vem pra mim é bom pra mim. O que funciona pra mim, pode não funcionar para outras pessoas.

G. Todos os princípios éticos são a posteriori. H. Bases: O empirismo, o pragmatismo, o positivismo, o materialismo, o humanismo, a

ciência.

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2.3. A Ética dos Valores

Este sistema é um meio-termo entre o apriorismo (ética formal) e o empirismo (ética relativa).

A. Procura excluir o relativismo radical, mas ao mesmo tempo, ensina que os valores e imperativos não são vazios, abstratos ou sem significado. Os valores éticos devem ser comprovados na experiência humana para serem reais.

B. Os valores éticos são constantes e duradouros, mas não eternamente fixos. C. Eles não são sujeitos às vicissitudes da experiência humana diária. Eles têm valor em si

mesmos: são intrinsecamente valiosos. A consciência humana sabe, intuitivamente (ou racionalmente) os verdadeiros valores. Ilustrações: a lei do amor é uma constante. Todas as religiões e filosofias honram este principio. Até Schopenhauer, no seu pessimismo, achou um lugar para a simpatia, outro nome do amor. Quase todos os sistemas acham que algum conceito de justiça é necessário para qualquer função razoável de uma sociedade.

D. Os valores tornam-se deveres que devem ser praticados como parte inerente da conduta ideal.

E. Bases: O racionalismo, a intuição, o misticismo (para alguns estudiosos), o empirismo (que não é considerado inerentemente contrário ao racionalismo). É aqui neste mundo, onde venço ou sou derrotado.

3. Os Bens da Ética (alvos da conduta ideal )

3.1. Segundo os conceitos alistados:A. Egoísmo : O homem, por natureza, é radicalmente egoísta e procura somente o que é

bom para ele, como um indivíduo. O filantropo, o soldado e o herói ajudam outras pessoas por razões egoístas.

B. Altruísmo : O homem é capaz de ações incondicionalmente altruístas. A natureza espiritual do homem é uma garantia disto. A lei do amor é uma parte intrínseca da natureza humana.

C. Hedonismo: (de hedoné; em grego, prazer) A única coisa que vale, afinal, é o prazer. Os prazeres podem ser físicos, mentais ou espirituais. Este sistema procura o máximo de prazer acompanhado com o mínimo de dor. Aspectos da ética hedonista: a) Todo prazer é intrinsecamente bom; b) somente o prazer do bem é intrinsecamente bom; c) A bondade de um ato ou experiência depende do proporcional ou quantidade do prazer que contém.

D. Eudemonismo: (de “eudaimonia” da língua grega, que vem a significar “felicidade”). A felicidade é o alvo da conduta ideal. Para Platão, a maior felicidade possível para o homem seria a volta do mundo dos Universais. Para Aristóteles, a perfeita realização de virtude (função) do individuo, naturalmente traz uma felicidade considerável. Para a Igreja, a felicidade maior será alcançada na visão beatífica (que vede).

E. Sobrenaturalidade: O homem não existe e nem vive diariamente, por si mesmo. Ele não é sua própria causa. Sua existência serve para glorificar a Deus. O que acontece a ele é relativamente indiferente se Deus for glorificado. – Secundariamente, aquele que vive para Deus, alcança (e alcançará) uma felicidade particular, afinal. Este afinal pode ser distante, mas é seguro.

F. Naturalismo (humanismo): O único objeto da conduta ideal é o próprio homem. Esta conduta acompanha a evolução da raça e é determinada a posteriori.

G. Utilitarismo e Pragmatismo : Princípios aliados ao naturalismo. O que é útil é bom: o que não é útil é ruim. O que funciona (é prático) é bom; o que não funciona é ruim. A praticabilidade de qualquer coisa deve ser comprovada através de um processo de tentativas e erros, com os ajustamentos apropriados.

4. ÉTICA PRÉ-SOCRÁTICA

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4.1. PitágorasPitágoras (587-522 a.C.) matemático que conheceu toda a ciência de seu tempo, incluindo

a geometria, astronomia, música e medicina. Ensinou que tudo tem seu número (uma numerologia antiga), antecipando que de forma elementar, a teoria atômica. Ele acreditava na esferidade da terra.

Idéias Éticas

A. A alma é transcendente; B. Uma justiça absoluta será realizada afinal pela divindade (ética rigorista, teísta); C. O homem participa do drama cósmico e é responsável pelos seus atos e ações.

4.2. Píndaro (528-438 a.C.), o maior dos líricos corais da Grécia antiga. Vejamos algumas de suas idéias:

A. Em seu texto Olímpios II, ele postula o conceito interessante de que este mundo e o vindouro são, reciprocamente, lugares de recompensa e castigo.

B. Ensinava a reencarnação com uma perspectiva ética: A libertação dos ciclos é adquirida se uma pessoa vive um total de seis vidas rigorosamente justas e úteis.

C. A bem-aventurança imortal espera aquele que houver vivido seis vezes de forma vitoriosa.

D. Enquanto o corpo de todos os homens é sujeito a morte todo-poderosa, a imagem da vida (a alma) vive para sempre, porque só ela vem dos deuses.

4.3. XenófanesIdéias éticas:

A. Criticou rigorosamente a tudo: o culto dos esportes, a glorificação da força física, o vestuário das mulheres, as jóias de ostentação, o uso de perfumes, a opulência dos jantares ricos, as bebidas, os deuses imorais da religião e mitologia gregas, a riqueza e suntuosidade dos templos. B. Atacou os textos escritos por Homero e Hesíodo (dois grandes escritores gregos).C. Ridicularizou os deuses formados na imagem dos homens, afirmando que cada nação fazia os seus deuses-ídolos, com as mesmas características de suas raças ou etnias. D. Ensinou que o homem é responsável por suas próprias ações e atitudes.E. Ensinou um certo tipo de monoteísmo panteísta.

4.4. Anaximandro (612-545 a.C.)Foi aluno de Tales e seu sucessor na escola de Mileto. Apesar de não representar em seus

pensamentos e ensinos uma filosofia ética, compreendia eticamente que o processo cósmico da humanidade é um processo que incorpora a justiça, a injustiça e a reparação.

4.5. Protágoras (480-410 a.C.)Ele foi o maior dos sofistas, os primeiros professores a saírem ensinando pelas cidades gregas e

vendendo seus conhecimentos de diversas disciplinas. Vejamos de forma sumarizada as suas proposições:

A) Sua Gnosiologia: promoveu o ceticismo. A única verdade que um homem pode perceber vem das percepções. Todavia, elas são enganadoras e não podem ser os padrões fixos de uma suposta verdade absoluta.

B) Seu Pragmatismo: A única verdade possível para os homens é o que é prático e funcional.C) Seu Relativismo: O homem é a medida de todas as coisas. Cada homem tem sua própria

verdade. Não existem padrões fixos e extra-humanos.D) Seu Particularismo: O único padrão da moralidade é o interesse de cada um, ou seja, seu

interesse particular.

4;6. Sócrates (470-400 a.C.)

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Sócrates foi o pai da ética filosófica ocidental. Filho de Sadrônico (escultor) e de Fenáreta (parteira), tornou-se um parteiro de idéias. Chamou seu trabalho de Maiêutica (que significa o trabalho da parteira, oriundo da palavra grega ). Começou na profissão do pai, porém, diz-se que ele mudou seu interesse para a filosofia pelo oráculo de Delfos que mandou: Compõe a música. A isto ele interpretou metaforicamente: música igual a filosofia, porque filosofia era tida como a mais bela música. Devemos nos lembrar que na Grécia antiga, a filosofia era vista como a religião mais pura.

Bases Fundamentais da Ética SocráticaA) Reagiu contra o ceticismo e o relativismo dos sofistas 4 . O ceticismo, segundo ele, prejudica

a busca pelo conhecimento e enfraquece a moralidade. Mais tarde, Santo Agostinho (340-430 d.C.), filósofo e teólogo, falou do ceticismo como uma escuridão espiritual que destrói a fé e que não deixa os homens encontrar a verdade. A fé, contrariamente, prepara o solo para a cultivação da verdade.

B) É possível, realmente, adquirir o conhecimento. Falácias de pensamento e erros de conduta resultam de concepções falsas da verdade. Ilustração: O ato de matar pessoas ou até animais representa uma fuga da verdade.

C) A verdade absoluta é escondida: 1) pela ignorância humana, 2) pelo conhecimento parcial, 3) pelas perversões ou idéias falsas.

D) Sua antropologia: Tinha idéias dogmáticas nessa área. Dizia ele: O conhecimento é possível e necessário. Concordava com a inscrição do templo de Apolo, na Grécia: “Conhece-te a ti mesmo”.

E) Sua Gnosiologia: Ensinava que conhecimento do homem precisava incluir estes princípios: dualismo; a mente universal; a verdade nasce inerentemente no homem, isto é, as idéias são inatas; a imortalidade, a justiça, afinal será feita: fé absoluta no triunfo da justiça, da verdade e da bondade; a existência do Espírito Divino, uma crença exigida pelo desígnio no mundo (teleologia); a alma e sua sobrevivência após a morte, ou seja, depois da morte biológica.

F) Sua Idéia do Universal: O universal mais alto é a bondade. Outras virtudes deveriam ser vistas como sub-categorias desta.

G) Sua Idéia de Hedonismo: Segundo Sócrates, a conduta ideal é inerentemente prazerosa. O homem justo alcança um bem-estar que as vicissitudes da vida não podem abalar. Ele sobre uma hierarquia de prazeres: espirituais, mentais, e finalmente físicos.

H) Sua Teleologia: Segundo Sócrates, existem dons dos deuses, como a luz, a comida, o ar, a chuva, etc. Todos estes elementos cooperam juntos para sustentar a vida, portanto, o desígnio é um fator operante na nossa vida. A teleologia implica na existência de um Poder Divino, uma força ativa na vida humana. Assim, o argumento teleológico, em favor da existência de Deus, nasceu na filosofia.

I) Sua Idéia sobre o Homem como um ser Bidimensional: Segundo Sócrates o homem é uma criatura bidimensional. A ética, portanto, viria de sua dimensão superior com forças e entidades super-humanas. A ética pervertida vem da dimensão inferior do mero homem cujos valores podem ser pervertidos.

J) Sua Idéia sobre a Imortalidade: Era uma crença, mas não um dogma de Sócrates. Acreditava em uma recompensa justa, e também na necessidade do castigo adequado para julgar atos perversos. O homem justo é recompensado; o homem injusto é castigado, afinal. Portanto, é melhor e racional, viver de forma justa. Ensinava a doutrina da virtude pela virtude por causa da virtude, ou seja, que a virtude é sua própria recompensa, a despeito dos resultados finais de qualquer ação.

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4 Segundo NOWELL-SMITH, em sua obra “Ethics”, (London, England, Penguin Books, 1994, p. 54), “Constituíram um movimento intelectual na Grécia Antiga, no século V a.C. O sofista reagiu contra o saber do mundo porque o considerava estéril. Eles se transformaram em mestres que ensinavam principalmente a arte de convencer, ou retórica. Mas a sua arte de persuadir era desenvolvida e transmitida, pondo em dúvida não só a tradição, mas também a existência de verdades e normas universalmente válidas. Para eles, não existia nem a verdade, nem o erro, e as normas - poderem humanas – eram transitórias. Protágoras caiu no relativismo ou subjetivismo (tudo é relativo ao sujeito, (ao “homem, medida de todas as coisas”), e Górgias sustentava que era impossível saber o que existia realmente e o que não existia.”

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SEGUNDA AULA:

“O PENSAMENTO FILOSÓFICO E ÉTICO DE PLATÃO (428-347 a.C.)”

A natureza da atividade filosófica segundo Platão. A atividade filosófica é realizada para descobrir o sistema da realidade que é inerentemente imutável. Para a realização desta descoberta, a filosofia deve olhar além das aparências vacilantes das nossas percepções. A busca deve ser governada com a precisão da matemática e deve alcançar, afinal, o universal do bem, que é o auge dce todo o conhecimento e atividade humanos. Sendo que o bem é o maior de todos os universais, e de fato, a fonte de todos, toda a atividade é em última análise ética. O alvo do conhecimento é o valor, não simplesmente, o saber.

A Atividade Literária de Platão

Ele escreveu 36 obras, as quais são consideradas autênticas. Os primeiros diálogos (Apologia, Crito, Eutifron, Fédon) refletem as idéias de Sócrates; os outros desenvolvem as idéias do próprio Platão. Sócrates era essencialmente ético, mas, além da ética, |Platão desenvolveu elaborados sistemas de gnosiologia, estética, metafísica e política. As raízes da lógica se encontram em sua dialética. Sua academia, estabelecida em 387 D.C. foi a primeira universidade da Europa. A filosofia básica desta escola promoveu: 1) A necessidade da inquirição para alcançar o conhecimento., Platão acreditava na interdependência inerente das disciplinas. As disciplinas da escola de Platão incluíram todo tipo de conhecimento: as ciências naturais, astronomia, zoologia, biologia, matemática, dialética e retórica. Aquela escola produziu os melhores cientistas, matemáticos, filósofos, políticos e advogados daquela época na Grécia antiga.

Elementos da Gnosiologia de Platão:Considerações Preliminares

Nenhum sistema da ética pode ser entendido sem considerar os elementos da metafísica e da gnosiologia do filósofo sendo estudado. Se eu acho o verdadeiro conhecimento e a verdade sobre o homem e Deus impossíveis, mantendo uma atitude cética, certamente, não vou levar muito seriamente as regras fixas da ética. Se eu não acredito em um Deus que exige certo tipo de conduta dos homens, então construirei um sistema ético pragmático e totalmente humano. Se acredito em verdades fixas e eternas, então construirei a partir delas, as minhas idéias éticas. Se sou teísta, acreditando que Deus tem interesse na conduta humana e estabelece regras para governar isto, então meu sistema ético vai refletir minha teologia. A metafísica, a gnosiologia e a ética são integralmente relacionadas.

O Diagrama Ético de Platão

Apresentaremos aqui, da forma categorizada, o diagrama ético de Platão:1) O Um da filosofia pré-socrática é o bem ou a beleza, como Platão demonstra em seu livro

“Banquete”. 2) Os universais representam uma hierarquia de valores, e são, ao mesmo tempo entidades iguais

a um realismo radical.3) Em seu diálogo “Leis”, Platão advoga que Deus substitui os universais e eles tornam-se

atributos divinos.

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4) O homem é um ser bi-dimensional. Seu corpo tem afinidade com a matéria e seu espírito com os universais. Pelas percepções o homem conhece o mundo de fluxo; com a mente, o mundo universal, imutável. O mundo do fluxo (isto é, o mundo material) é menos real.

5) O verdadeiro homem é imaterial e já existia no mundo, antes de sua peregrinação no mundo inferior. A alma é uma faísca de Deus e é auto-existente.

6) O mundo físico e material é uma imitação do mundo superior.7) A unidade da existência: A hierarquia dos universais combina perfeitamente em uma

existência absoluta, transcendente e de perfeita harmonia. 8) O mundo universal é o lar do espírito.9) A participação da alma no mundo físico e material, segundo Platão, resultou em? fraqueza;

desejo de experimentar; perversão.10) A participação da alma no mundo material foi uma queda.11) O problema da ética, é a tentativa de reverter a queda e voltar para o lar.12) Somente o espírito libertado do obstáculo, prisão e sepulcro do corpo, poderia entender a

verdadeira natureza da realidade. Portanto, a morte é, potencialmente, e realmente, a nossa amiga.

Elementos e Caracterização da Ética Platônica

A Natureza da Ética Platônica:

A) É uma ética formal ou rigorista.B) O problema ético: O homem como ser racional, não material e bidimensional, deve agir neste

mundo, buscando a conduta ideal deste ser.C) O significado e valor da vida humana são envolvidos na questão maior da natureza no mundo,

que inclui um futuro além da morte biológica.D) O que se chama – vida – é espiritual. O mundo dos fenômenos é passageiro e não deve atrair a

nossa demais a nossa atenção. Os prazeres e vantagens do mundo têm suas utilidades, mas não podem ser o alicerce de uma vida humana. O corpo humano é mero veículo do espírito.

A Alma e Sua Dimensão Sagrada

A) A alma é a essência da vontade, possui auto-movimento. Esta ênfase platônica pode ser comparada com a conotação do primeiro motor de Aristóteles.

B) A alma é um fragmento da eternidade que está voltando para o seu lar. Esta volta depende da conduta ideal. A alma se lembra de sua terra nativa e tem saudades. O corpo serve de sepulcro e a prisão da alma.

C) O princípio da morte deve funcionar todos os dias. Morremos para os vícios e vivemos para o espírito. Cada dia deve ser uma pequena morte para os apetites do corpo. A morte biológica separa o corpo do espírito. A pequena morte diária, anula a influência dos apetites do corpo para deixar o espírito seguir seus ideais.

D) A alma remida, depois de muitas reencarnações, contemplará os Universais (o Deus de Platão), e será absorvida na Realidade Última.

E) Para Platão, a reencarnação é uma realidade e um dos meios da purificação gradual do espírito.

A Composição da Alma e a Ética

Para Platão, a alma representa uma tricotomia: O racional, o ânimo e o vegetal.A) O racional é o espírito puro. A parte racional age segundo ideais nobres. B) O ânimo (a vontade) é o seu aliado.C) A parte vegetal da alma é aliada ao corpo e seus apetites.

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D) Quando a parte racional consegue dominar o corpo e seus apetites, o homem é moderado, e auto-controlado. Mas quando a parte vegetal domina, o homem é descontrolado, injusto, pecaminoso.

E) O homem que tem uma tensão entre a parte vegetal e racional, é um homem injusto, e está sujeito a repetidas reencarnações.

F) O homem que tem resolvido suas tensões, sendo controlado essencialmente pela parte racional, está perto do fim de seus ciclos terrenos,e pronto para voltar ao seu lar de perfeita beleza, harmonia e justiça.

Para Platão, toda lei tem um fundamento transcendente, que é a própria divindade. Deus é a "norma das normas, medida das medidas" (ibid, p. 1341). Na República, o princípio universal supremo é a idéia do Bem, que agora, nas Leis, acaba por coincidir com a própria mente divina. A divindade se apresenta como o legislador dos legisladores, mantendo com o homem uma relação eminentemente pedagógica: assim como toda boa fonte sempre faz jorrar águas saudáveis, Deus sempre prescreve o que é justo; Ele é, portanto, o "pedagogo universal" (ibid, p. 1343). O governo proposto por Platão em As Leis é um sistema que combina elementos da aristocracia e da democracia. A administração do Estado é exercida por diferentes escalões de funcionários, acima dos quais figura o Conselho Noturno, composto pelos servidores mais idosos e notáveis. Este Conselho não é eleito pelos cidadãos, mas seus membros podem ter sido escolhidos, por via eletiva, para ocupar os cargos públicos que antes exerciam. As principais funções do Conselho Noturno são:

1. desenvolver estudos filosóficos visando a mais completa compreensão das leis que regem o Estado

2. Fazer intercâmbio com filósofos de outras cidades a fim de aprimorar as leis existentes em "Magnésia"

3. Zelar para que os princípios filosóficos e legais respeitados pelos conselheiros no exercício de suas funções se difundam para o conjunto dos cidadãos.

Segundo Jaeger (op. cit.), embora surpreendente em alguns aspectos, a proposta político-pedagógica de Platão não se modifica substancialmente em relação a que fora apresentada na República porque os conselheiros cumprem papéis análogos aos dos guardiães: são os supremos defensores e os principais difusores da virtude. Segundo assinala Werner Jaeger (1995, p. 841-842), para Platão o verdadeiro espírito filosófico é aquele que não se deixa perturbar pela variedade das opiniões, tendo como meta alcançar a unidade na diversidade, isto é, "ver a imagem fundamental, universal e imutável das coisas: a idéia".

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JAEGER, Werner. Paidéia – A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

PLATÃO. La République. Paris: Garnier-Flammarion, 1966.

______. The Laws. London: Peguin Books, 1975.

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Rachel Gazolla de. Platão: O Cosmo, o Homem e a Cidade. Petrópolis: Vozes, 1993.

CHATELET, François. El pensamiento de Platón. Barcelona: Nueva Colección Labor, 1973.

KOYRÉ, Alexandre. Introduction à la Lecture de Platon. Paris: Gallimard, 1962.

OLIVEIRA, Renato José de. Utopia e Razão: pensando a formação ético-política do homem contemporâneo. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998.

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIECURSO DE ARQUITETURA

DISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIAPROF. ANTONIO JOSÉ.

TERCEIRA AULA:

“A ÉTICA EM ARISTÓTELES”

Elementos da Ética AristotélicaIntrodução Biográfica

Filósofo grego (384-322 A.C.). Nasceu em Estagira, na Macedônia, filho de Nicômaco, médico do rei. Com dezoito anos ingressou na academia de Platão, tendo sido por ele chamado de “intelecto”. Ali Aristóteles estudou durante cerca de vinte anos. Por ocasião da morte de Platão, um parente deste, e rival de Aristóteles, foi nomeado para chefiar a academia e Aristóteles decidiu deixar a cidade de Atenas. Tornou-se então tutor de Alexandre, o Grande, filho de Filipe, rei da Macedônia. Em 333 A.C., ele regressou a Atenas e fundou o seu Liceu. O rei Alexandre prestou-lhe apoio moral e financeiro. Contudo, quando o rei Alexandre morreu, em 323 A.C., houve uma onda de antemacedonismo, e Aristóteles teve que abandonar novamente Atenas, receoso que o matassem ou o condenassem à morte. Ele veio a morrer no ano de 322 A.C.

Seus Escritos

1) “No Campo da Lógica”; 2) “Organon e as Categorias”; 3) “Sobre Refutações aos Sofistas”; 4) “Física”; 5) “Sobre os Céus”; 6) “Geração e Corrupção”; 7) “História dos Animais”; 8) “Sobre as Partes dos Animais”; 9) “Sobre o Movimento dos Animais”; 10) “Sobre a Progressão dos Animais”; 11) “Sobre a Alma”; 12) “Metafísica”; 13) “Magna Moralis”; 14) “Constituição de Atenas”; 15) “Retórica e Poética”; 16) “Ética a Nicômaco”.

A Felicidade

A) A felicidade se realiza pela forma de um ser social que cumpre o seu papel ou dever, através de uma realização absoluta para o bem de um todo, e não somente de forma particulariza. B) Para a realização máxima do dever, cada pessoa precisa descobrir e desenvolver a virtude. Virtude é igual a função. Cada pessoa deve cumprir bem sua função na sociedade ou na polis. C) O homem justo é aquele que desenvolve ao máximo as virtudes inerentes na natureza humana.. O dever de cada indivíduo é de desenvolver ao máximo a sua função, e isto é o alvo da vida. Exemplo: Todos os membros do corpo tem uma função especial ou específica, mas todos cooperam para promover a ação e o bem-estar da totalidade. Todas as atividades humanas representam virtudes potenciais.

O Bem Supremo

A) A virtude da intelectualidade é o bem supremo. A intelectualidade, na expressão mais elevada e nobre é a contemplação.B) Todas as ciências são instrumentos da contemplação. Os meios principais da contemplação são as belas artes(a estética), as ciências, a ética, as qualidade de prudência, sabedoria, iniciativa e razão.

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O Caminho da Virtude

A) Também como expressão da confluência, na obra de Aristóteles, de toda tradição anterior de reflexão sobre “as coisas humanas” é a doutrina da virtude como um extremo que está no meio.B) A definição aristotélica da virtude como um estado habitual de decisão, que consiste no justo meio relativo a nós cuja norma é a regra moral, isto é, aquela mesma que daria o sábio, traduz uma extraordinária simbiose de três aspectos: A) objetivos; B) o justo meio; C) Subjetivos. Tudo isto é relativo a nós, na doutrina da virtude moral.

Diagrama das Doze Virtudes de Aristóteles

Vícios de Deficiência O meio-termo Áureo Vícios de Excesso

1. Covardia 1. Coragem 1. Imprudência

2. Apatia 2. Moderação 2. Licenciosidade

3. Liberalidade 3. Liberdade 3. Prodigalidade

4. Baixeza 4. Magnificência 4. Vulgaridade

5. Servilidade 5. Magnimidade 5. Vaidade

6. Falta de diligência 6. Diligência 6. Excesso de ambição

7. Falta total de gênio 7. Gentileza 7. Irascibilidade

8. Depreciação 8. Auto-Avaliação 8. Ostentação

9. Rustilidade, grosseria 9. Sabedoria no falar 9. tagarelice

10. Espírito Contencioso 10. Amizade 10. Lisonja, Demagogia

11. Insensatez 11. Modéstia 11. Timidez

12. Malignidade 12. Inocência, pureza 12. Inveja

Características da Ética de Aristóteles apresentadasEm seu livro “Ética a Nicômaco”

Conforme as palavras de Perine, em sua obra “Quatro lições sobre a Ética de Aristóteles: “A “Ética a Nicômaco” está inserida na literatura mundial, como uma das mais extraordinárias e prodigiosas obras que o gênero humano já produziu”.5

Desta forma, faremos aqui alusão a algumas características do pensamento de Aristóteles presentes nesta magnífica obra e sua visão sobre o homem. A) Em primeiro lugar, a compreensão de que o homem é a sua alma. Isso posto, leva a uma compreensão do corpo como instrumento e não como obstáculo para a alma, estabelecendo assim uma relação de interesse e de proveito entre os dois. O homem é, portanto, visto como um composto de

5 PERINE, Marcelo. Quatro Lições da Ética de Aristóteles. São Paulo, SP: Edições Loyola, 2006, p. 11.

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desejo razoável e de razão desejante. Aqui está o fundamento da moral de Aristóteles, quer pode ser resumido assim: “é porque nós somos o nosso espírito, e porque o corpo é para nós um outro, que toda a moral consiste em viver a vida do espírito e não a vida deste outro”.6 B) Uma segunda característica da antropologia de Aristóteles na qual se recolhe toda a tradição anterior é a sua concepção da felicidade como um bem que é o fim de tudo o que está relacionado com as “coisas humanas”. Aristóteles empenha-se, desde o início da sua reflexão, em mostrar que a felicidade é o bem que todos buscam na vida e, assim, é o fim ao qual deve tender toda a nossa vida. C) Em terceiro lugar, ele apresenta a felicidade como um dever, porque o homem só é feliz quando realiza o fim para o qual existe, o fim que lhe prescreve a razão (Deus) como tarefa de ser do homem. Com efeito, a tarefa de um ser é aquela para a qual ele é feito e que, sendo o seu fim, define a sua essência.

Sua Argumentação Teleológica

A) Para que qualquer coisa suceda, ou seja levada a bom termo, deve haver movimento.B) Se existe movimento deve haver um movedor Primário, ou seja, uma causa primária do movimento. Esta entidade chama-se Movedor Primário ou inabalável.C) Trata-se de uma força cosmológica. Na realidade, o Deus da concepção de Aristóteles seria uma força impessoal. D) Este Movedor Inabalável, chamado Deus, é a forma pura, existe independente da matéria, move todas as coisas, sem ser movido por elas.

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE6 R. A. GAUTHIER. La Morale d’Aristote. Paris, PUF, 1963, p. 45.

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CURSO DE ARQUITETURA DISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIA

Prof. Antonio José

Assunto temático da aula:

A QUESTÃO ÉTICA E OS CONCEITOS DE “FINITUDE E INFINITUDE”

Introdução

O TERMO: A Palavra portuguesa vem do latim “finis”, “fim”, referindo-se a qualquer coisa que tenha fronteiras, fins ou limitações. A palavra finitude, usada no sentido básico que é comum tanto para a teologia quanto a filosofia. A finitude é tida como aquela substância que não pode existir por ela mesma e nem através dela.

Muitos filósofos defendem a tese de que não possuímos conceitos do infinito, visto que a nossa experiência, neste mundo, é sempre finita, limitada. Assim, o termo “infinito” significaria, na verdade, “grandíssimo”, “muitíssimo”, etc. O finito é o nosso conceito básico, de tal modo que só pensamos em infinito quando não podemos ver o fim de qualquer tipo de série. Portanto, afirma-se que a palavra infinito alude à nossa incapacidade de compreender uma série. Alguns têm-se utilizado da palavra “infinito” a fim de referirem à totalidade de alguma coisa.

A palavra “Infinito” vem do latim, “in”, “não”, e “finis”, “limite”, “fim”. Às vezes envolve as idéias de interminavelmente grande, permanentemente dotado de indescritível magnitude, sem limites no tempo e no espaço. Dentro do infinito cabem considerações sobre séries infinitas e sobre algum ser infinito como algo tão grande a ponto de ser incomensurável, sem limites, todo abrangente, absoluto. Mas, outras vezes, apenas exageramos na linguagem por pleonasmo, como quando dissemos: “Ele foi infinitamente paciente sobre a questão”. Também podemos pensar no infinitamente numeroso que não podemos contar.

1 - A IDEIA DE “FINITUDE” E “INFINITUDE” NA FILOSOFIA

Devemos esclarecer que a filosofia moderna tem mostrado a “infinitude” como um termo negativo, e não positivo, se insistirmos na ênfase e definição primária de “finitude” como um número infinito, o espaço infinito, um poder infinito, etc.

Assegura-se que não temos qualquer experiência com qualquer tipo de “infinitude”. A mente humana é incapaz de conceber uma série infinita, o espaço infinito, o poder infinito, etc. Portanto o que se quer dizer por “infinitude” é algo muito grande, muito numeroso, muito extenso, muito poderoso, etc. Em outras palavras, a palavra “infinito” passa a ser apenas um sinônimo de “muito” e “imenso”, de uma maneira incalculável para nós. Mas, quando designamos algo de “infinito”, para além dessas especificações, então estamos apenas propondo uma proposição negativa. Por exemplo, dentro desse contexto, quando chamamos “Deus” de “infinito”, na realidade não sabemos o que isso significa. Isso posto, ou estamos dizendo que Deus é muito grande, muito poderoso, etc., ou estamos dizendo que “Deus está acima de minhas categorias de intelecção”. Portanto, empresta-se o termo “infinito” a qualquer objeto sobre o qual não temos coisa alguma de conclusivo para dizer, embora sintamos que estamos abordando algo verdadeiramente grande ou extenso.

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No pensamento platônico, contudo, finitude poderia referir-se a maneira distorcida em que a substância poderia refletir ou participar de suas formas. Finitude e temporalidade são virtualmente sinônimos em tal visão.

Anaximandro, filósofo pré-socrático, ao tentar explicar o elemento do qual todos os demais se derivam, postulou o conceito do “apeiron”, ou seja, “ilimitado”; e assim inventou uma forma de infinitude. Parte de seu ensino parece ter consistido em especulações sobre o tempo e o espaço infinitos.

Outros filósofos pré-socráticos, tais como Pitágoras, Anaxágoras, Empédocles, Demócrito e Heráclito, referiram-se à interminabilidade do espaço e do tempo. Zeno de Eléa, procurou mostrar que os conceitos de “infinitude” colocam-nos em meio a paradoxos e dilemas sem solução.

Aristóteles (384-322 a.C) procurou definir o termo “infinito”. Ele falava sobre infinitude em potencial, na questão da divisibilidade infinita, bem como sobre infinitude mediante indeterminada adição. Ele discursava sobre “infinita” série da causas, pondo-a no lugar da primeira causa. O tempo é apresentado como uma forma de série “infinita” , porquanto incorpora uma série sem fim.

O conceito de “infinitude” subentende –um Ser Infinito-, cujas propriedades seriam independência, eternidade e potencialidades tais que pudessem causar movimentos, pondo todas as demais coisas em atividade. Aristóteles ensinava que Deus, ou o motor imóvel, era a causa primária de toda a existência finita. Ele é a realidade total, e a Ele falta toda e qualquer potencialidade; de outra forma haveria a necessidade de alguma coisa prévia a Ele para torná-lO real. A concretização de alguma coisa potencial envolve mudança. Visto que Deus é pura realidade, Ele deve ser imutável, eterno e imaterial, porque a matéria é uma forma de potência. Sendo imaterial, dizia Aristóteles, Ele é uma mente, não depende de objetos externos para a reflexão, mas contempla Sua própria existência perfeita.

Ele declarou que seu deus, esse Movedor Inabalável, é a causa de todas as coisas. E todas as coisas seriam movidas pelo Movedor Inabalável “sendo amadas por ele”. Aristóteles indicava com isso alguma força cósmica que, poeticamente, ele denominava de “amor”. A metafísica de Aristóteles, por outro lado, concebia o finito como aquilo que requereria uma causa final completamente ativa para nortear isto em torno da total realização de sua própria forma.

Para Aristóteles, isso não precisaria resvalar para a desvalorização do mundo material como se fosse um todo carente, mas, pelo contrário, o conceito da “participação ou da unidade” poderia ser interpretado também como marca do existente de maneira finita.

A filosofia colocara, pela descoberta do Ser pensado como imóvel (Parmênides, fragmento 8), a pedra fundamental para a distinção entre uma esfera própria do “ente que é verdadeiramente”, que foi pensado como em si eterno, infinito, imutável, necessário e perfeito, e o mundo do ente finito que se considerou como em si limitado, mutável, dependente e imperfeito e que somente em virtude de sua participação naquele Ser infinito é que se podia conceber como existente.

O mundo do infinito determinava-se mais precisamente como esfera puramente espiritual, ao

passo que se via o princípio da “finitude” precisamente na materialidade. Como pensar, porém, a

harmonia e ordenação das duas esferas entre si?

Platão (427-347 a.C.) fala do conceito da participação do “finito” do infinito, e, ainda mais forte e complexo, o conceito de Aristóteles da unidade substancial da forma imaterial e do elemento material em todo ente finito.

O neoplatonismo absorveu os conceitos de “infinitude”, discutidos por Platão, aplicando-os a Deus, o possuidor da “real infinitude”, ao mesmo tempo em que a matéria teria apenas “infinitude” em potencial. A alma individual voltaria ser absorvida pelo “infinito”.

René Descartes (1596-1650) afirmava que a idéia de “infinitude” pertence à mente humana como uma intuição inata, anterior mesmo aos conceitos de “finitude”. Ele supunha que uma idéia sobre qualquer coisa alicerça-se sobre a mesma idéia, mas existente em forma ilimitada no Ser divino. Em outras, palavras, o “finito” só encontra sua razão de ser no “infinito” que o originou.

Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), como um característico filósofo do século dezessete, tentou reformar o escolasticismo sob a luz de uma nova ciência física. Em sua Monadologia (1720), Leibniz afirma que matéria consiste de átomos, mas argumenta que além dos átomos físicos divisíveis, e

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por baixo deles, estão átomos metafísicos indivisíveis. A estes centros espirituais de força ele chamou de “mônadas”. Estas mônadas são independentes entre si, mas são levadas a uma organização racional mediante uma harmonia predeterminada, planejada pela mente e vontade de Deus. Seu sistema permitia que ele defendesse as provas tradicionais da existência de Deus e sustentasse alguns princípios escolásticos que haviam sido atacados por outros filósofos.

Ele dizia que somente uma mente “infinita” poderia apreciar a total pluralidade das coisas nelas mesmas; uma mente “finita” os percebe parcialmente, até quanto podem ser percebidos no ser físico de um corpo organizado de membros. A mente finita conhece o universo, até onde este é expressado em seu corpo. Portanto, o Ser divino ao qual o universo obedece e depende para existir, possui a natureza de escolhas ou decretos.

As coisas finitas, se elas existem, precisam adequar-se à dependência da natureza divina. Para ele, a mente finita nada mais é do que uma sucessão de operação pessoal de percepções, idéias ou representações. Com isto, ele quer indicar a falha de nosso poder de analisar a ordem do mundo. Leibniz estava simplesmente analisando a natureza e achou-a ser um sistema de mútua representação; ele estava analisando a mútua representação e achou-a ser sua natureza intrinsecamente pré-estabelecida, e portanto, dependente de Deus. Embora fosse um racionalista, Leibniz denunciou a filosofia de Spinoza, denunciando-a como um ataque contra a imortalidade pessoal e por não deixar lugar para o propósito e a criatividade divinos. Leibniz considerava Deus como um Ser livre e racional, um Ser que poderia Ter criado qualquer tipo de mundo que desejasse.

Desde os séculos dezessete, e particularmente desde a crítica de Imanuel Kant (1724-1804) ao que ele chamou de teologia metafísica, a doutrina da criação tem sofrido grandes ataques e a doutrina da trindade tem sofrido um tipo de limbo, pelo menos no mundo filosófico. Como resultado, a filosofica e trágica idéia de finitude tem sido assimilada por muitos pensadores.

Imanuel Kant situava o conceito de “infinitude” entre suas antinomias, ou seja, leis ou pressupostos que são contraditórios e irreconciliáveis (primeira antinomia: Crítica da Razão Pura, 1781). A palavra “antinomia” significa “contra a lei”. Duas conclusões opostas, ambas as quais parecem válidas quando vistas independentemente, entram em choque, quando postas em confronto. Assim, o determinismo e o livre-arbítrio são antinomias; e a “infinitude” e “finitude” também o são. A palavra antinomia é um vocábulo antigo para o que chamaríamos de paradoxo ou contradição. De acordo com Kant, não podemos pensar no mundo empírico como um “dado todo”, visto que dessa premissa segue-se, com igual necessidade, a asserção e a negação da infinita divisibilidade do espaço e do tempo. Assim, poderia defender-se um mundo “finito” ou outro um mundo “infinito”, um Deus “finito” ou um Deus “infinito”, um universo causado e um universo sem qualquer causa.

Para Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), o termo “infinito” aplica-se com razão ao Absoluto, à totalidade da existência, ao passo que o termo “finito” aplica-se a qualquer parte do Absoluto ou totalidade da existência. Ele falava em termos de processos. O verdadeiro “infinito” é a síntese do abstrato e do concreto, do universal e do particular. Hegel foi o mais influente dos idealistas alemães. Na opinião dele, apenas a mente é real: tudo o mais é a expressão da mente. A filosofia veio a ser um tipo de teologia para Hegel, porque via toda a realidade como expressão do Absoluto, que é Deus. Tudo quanto existe é expressão da mente divina.

De acordo com Hegel, a significância da criatura finita, e particularmente do homo religiosus, descansa como em um movimento dentro de Deus. George Hegel apontou na sua filosofia da religião e da história para o problema do mal como sendo um problema espiritual da finitude. Por um lado, opinava Hegel, o espírito do homem, precisamente porque só pode tornar-se consciente de si mesmo no finito, precisaria captar sua própria finitude, com infinita energia, no ato de se tornar consciente. As interpretações sobre Hegel variam grandemente. Muitos consideram que seu cristianismo “filozofizado” é herético, um tipo de panteísmo. Para outros, o sistema de Hegel é uma tentativa sincera de articular a verdade cristã na linguagem filosófica.

Uma atitude semelhante para com o finito é expresso na concepção de Martin Heidegger (1889-1976) da existência humana como algo completamente dentro do poder da morte, e totalmente dependente de significância sob o conhecimento da morte como sua possibilidade suprema. Heidegger esboçou sua hermenêutica existencial, segundo a qual a existência do homem projetava-se visando a um possível seu mundo juntamente com as circunstâncias relacionais do ente finito. Ele concentrava-se na

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revelação da existência dentro das suas expressões históricas. Seu alvo era desvendar aquilo que estava oculto dentro da temporalidade da nossa existência.

Em seu livro “Being and Time” (Existência e Tempo), Heidegger caracteriza como inautêntica a existência de todos os dias. Segundo ele, nós achamos jogados em nosso mundo, em nosso universo mental. Cada um de nós, nosso eu e nosso mundo são inseparáveis. Como resultado, não é possível descobrir a vida genuína. Para Heidegger, há um único estado de ânimo que leva os seres humanos ao genuíno conhecimento de si mesmo e para longe da traição a si mesmo: este é o pavor. Em lugar de nos concentrarmos em objetos específicos no nosso mundo, devemos desenvolver um senso do nada enfrentando a estrutura da nossa finita existência no mundo.

Embora Heidegger não fosse um teólogo, expressava preocupação religiosa nos seus escritos. Há um constante enfoque em nossa “finitude e morte”. A consciência da morte leva à autêntica existência. Desenvolvemos nosso senso do nada ao enfrentarmos a morte: a plenitude é achada na “existência para a morte”. A morte chega a nós como indivíduos; ao enfrentá-la, não nos perdemos na multidão. Além disso, a nossa vida desenvolve uma unidade quando focalizamos seu fim.

2 - O USO DOS TERMOS “FINITUDE” E “INFINITUDE”

NA FÉ CRISTÃ

Deve-se reconhecer, não obstante, que no contraste de finitude e infinitude, no pensamento grego está contida a idéia da “infinita resignação” em todo finito. O finito carecia do caráter de absoluto, faltava-lhe a perfeição do infinito. Ele era, na linguagem da filosofia cristã, apenas ser criado e não ser divino. Dentro dos conceitos teológicos, somente Deus é infinito. Todas as outras coisas e seres são limitados, ou seja, são finitos. Isso posto, na linguagem teológica, “finito” representa a existência de todas as coisas criadas.

Que afinal existia ser criado devia-se, em consequência deste enfoque e em conformidade com a interpretação cristã ulterior, à tríplice ação de transcendência da parte de Deus, que, (1) transcende existencialmente de maneira infinita de todo ser criado; (2) transcende ontologicamente entre as realidades das perfeições de Deus em si infinitas e o ser criado finito; (3) transcende como ser independente e imutável da criatura finita e mutável. Em outras palavras, todo ente finito existente é marcado por contingência natural do seu existir, na sua natureza e na sua existência individual, e só existe em virtude do absoluto poder criador de Deus enquanto ente infinito.

No platonismo, a visão teológica da criatura inclui o reconhecimento da distorção essencial da criatura. Só dentro do contexto das doutrinas da trindade e da criação pode esta queda ser reconhecida como significante.

Em contrapartida a estes postulados, o entendimento teológico distintivo de finitude foi enfatizado primacialmente por Agostinho, teólogo da Patrística (354-430), em sua concepção de finitude ou servilidade da criatura, conceitos inseridos em suas famosas obras Confissões e “De Trinitate”. O gênio de Agostinho tornou-se possível através do longa e dolorosa luta da Igreja para articular a doutrina trinitária e a completa significância do axioma teológico “Creatio ex nihilo”, o qual ele tão devotadamente trabalhou e elaborou.

A doutrina Cristã da criação ex nihilo posiciona a própria pessoa como essencialmente criatura, como finita ou dependente de Deus. Diferentemente de Aristóteles que derivou as boas qualidades do finito de sua aproximação da perfeição divina ou divino ser, Agostinho derivou as boas qualidades da criatura da luz criativa de Deus, do seu amor comunicável, não de sua perfeição. Numa visão similar, Agostinho deriva a vitalidade e a forma da criatura da mesma fonte, mas é a crença que em Deus como triuno, como a fonte do ser, o logos e amor, que habilita Deus a criar ex nihilo. Para Agostinho, Só é possível obter uma realística visão da criatura, somente se o poder (Deus), o logos (o Filho) e a qualidade relacional e comunicativa (O Espírito Santo) estiverem envolvidos na luz criativa.

Nos escritos de Tomás de Aquino ( 1225-1274) encontramos uma adaptação das idéias de Aristóteles. Assim como Aristóteles, O centro da metafísica de Aquino é a distinção entre essência e a existência em todos os seres finitos. Aristóteles tinha distinguido entre a realidade e a potencialidade. Assim, a premissa central do pensamento é: “o ato passivo”. Só Deus é ato puro (ou atualidade) sem

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forma. Somente Deus é existência. Tudo o mais tem existência. A essência de Deus é idêntica à Sua existência, existir é da essência dEle. Deus é um ser necessário. Ele não pode não existir. Nem é possível que Deus se altere, visto que ele não tem potencialidade para ser outra coisa senão Ele mesmo. Ele é “infinito”, visto que um ato puro como tal, é ilimitado, e não tem potencialidade para limitá-lo.

Aquino acreditava que em Deus é que residiria toda “infinitude”, positiva e absoluta. Por ocasião da criação houve uma “infinitude” potencial. Deus é chamado em “Summa Theologica” de “infinito oceano do Ser”, e todas as criaturas razão de sua existência nele, podendo vir a participar de seu Ser, por meio da redenção em Cristo. Deus criou o mundo do nada (ex nihilo). O tempo não existia antes de Deus criar – somente a eternidade. Devemos conhecer o aspecto finito de toda criatura e aplicar o significado de Deus de modo ilimitado.

A metafísica ocidental de cunho cristão pertinentemente ressaltava que todo ente finito recebeu sua existência, seu valor e sua dignidade mediante a ação criadora de Deus. Contudo, estava fundado na tensão deste enfoque cristão o pendor de uma outra ênfase, a filosófica, que podia caracterizar o mundo, em virtude de sua finitude e materialidade, como em si inconsistente, impotente, cheio de sofrimento e mau em si, a se confrontar deste posicionamento ateísta com toda a teologia cristã, como se ela constituísse desprezo para com o mundo.

O teólogo e Filósofo Soren Kierkegaard introduziu na teologia os conceitos psicológicos de ansiedade e desespero, e, d’alguma forma, preparou o caminho para o tratamento que o teólogo Paul Tillich (1886-1965) deu de finitude, quando à ansiedade é atribuída uma raiz ontológica. Tillich define finitude como uma combinação da existência e da não-existência. Para Ele, a ansiedade é uma das marcas irrefutáveis de finitude.

Paul Tillich sugere que nós façamos a distinção de três tipos de ansiedade de acordo com as três direções nas quais inexistência ameaça a existência. A consciência dessa tríplice de ameaça é a ansiedade aparecendo em três formas: ansiedade por causa da morte (ansiedade da morte), por causa do vazio e falta de significado (ansiedade da falta de significado) e ansiedade por causa da culpa e condenação (ansiedade da condenação).

Tillich observa que a ansiedade da morte cresce com o crescimento da individualização da sociedade, e que as culturas mais coletivas são menos abertas, ou seja, sofrem menos deste tipo de ansiedade. O termo “destino” para este grupo de ansiedades, afirma Tillich, enfoca um elemento que é comum a todos eles; Seu caráter contingente, sua imprevisibilidade e a impossibilidade de mostrar seu significado e propósito.

A morte permanece por trás do fato e suas contingências, não somente no momento de perda quando alguém cortado de sua existência, mas também em cada momento dentro da existência. È a impressão da transitoriedade universal e a experiência da morte na consciência sempre latente de nosso próprio ter que morrer que produz ansiedade, e a ansiedade é finitude, segundo pensava Ele.

Tillich argumenta que Deus deve ser considerado o fundamento da existência, sendo conhecido pelo homem com a preocupação última. É mediante a participação desse fundamento da existência que o homem recebe a sua própria existência. O homem deve enfrentar a inexistência. Quando ele assim fizer, e corajosamente se firmar diante da inexistência, ele expressará a preocupação última. A “nova Existência” para o homem é Jesus Cristo. Quando Jesus Se sacrificou na cruz, tornou-se transparente para o fundamento da existência, isto é, o Cristo, a “Nova Existência”.

3- A “FINITUDE” E “INFINITUDE” E A QUESTÃO DO MAL FÍSICO

É difícil exagerar a importância da doutrina do homem. Naturalmente, tem sempre sido verdade que uma das mais importantes questões a qual o filósofo endereça a ele mesmo é, “o que é o homem”? Em um dos seus diálogos, Platão caracteriza o seu mestre, Sócrates, como um homem obstinado com uma idéia central em sua procura pela sabedoria: “conhecer ele mesmo”.

Hoje, todavia, esta questão acerca do homem está sendo interpelada com uma nova urgência. Existem algumas razões para isso. Uma é que, desde Imamnuel Kant, o problema da epistemologia (Como nós conhecemos e nos conhecemos) tem se tornado primacialmente relevante, enquanto que o

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problema da ontologia (O Que é o Ser Supremo) tem se tornado secundário. O surgimento do existencialismo como uma filosófica, teológica e literária maneira de pensar, tem trazido uma nova ênfase.

Agora, contudo, o humanismo está em apuros. As duas grandes guerras mundiais, adicionadas as atrocidades levadas a efeito pelo regime nazista, pelos sérvios na Bósnia, pelos tutis e hutus na África, pelos talibãs no Afeganistão, tudo isso tem em muito abalado a crença humanista na bondade básica do homem e na significância das virtudes e valores inatos do homem.

Em contrapartida, tem aparecido uma nova onda de “nihilismo” (a rejeição total da moralidade, da tradição, da autoridade e da ordem social), negando todos os valores humanos e falando da falta de significado da vida.

Entre os fatores que ameaçam os valores humanos hoje estão os seguintes: A crescente supremacia da tecnologia; o crescimento dos métodos de produção em massa; o profundo impacto da mídia sobre a massa. Estas entre muitas outras, são forças que tendem a despersonalizar a humanidade. Novos desenvolvimentos nas áreas da biologia, psicologia e sociologia crescem a possibilidade da manipulação das massas somente por alguns. Práticas tais como inseminação artificial, bebês de proveta, aborto, controle químico do comportamento, eutanásia, engenharia genética, tem servido para levantar questões acerca da dignidade da vida humana. Além de tudo isso, há de se adicionar ainda questões como “racismo, o problema da alienação, o problema da igualdade entre os sexos, o crescente desrespeito a quaisquer tipos de autoridade, a profunda disparidade social, e a aviltante situação humana em muitas partes do mundo. Diante de tudo o que vimos, nós podemos enxergar claramente porque a questão “O que é o homem?” tem adquirido uma nova urgência hoje.

O problema do homem tem, portanto, se tornado um dos mais cruciais problemas de nossos dias. Filósofos estão lutando com o aludido problema; sociólogos estão tentando compreendê-lo; psicólogos e psiquiatras estão enfrentando-o; etnicistas e ativistas sociais estão tentando resolvê-lo. Cineastas, novelistas e dramaturgos estão também preocupados com a mesma questão. Virtualmente, cada filme contemporâneo, novela e peça teatral, trata com a questão, “o que é o homem?”

O que alguém pensa acerca do ser humano é de determinante significância para o seu programa de ação. O projeto marxista foi alicerçado na concepção que possuíam acerca do homem. O recente movimento feminista é também embasado em um certo entendimento da pessoa humana, particularmente da relação entre homem e mulher.

Pode-se distinguir vários tipos de antropologias, cada uma com pontos de vista distintos: 1) A antropologia idealística considera o ser humano como sendo basicamente “espírito”.

Para os seus apologistas, o corpo físico é estranho à sua real natureza. Acha-se esta visão na antiga filosofia grega. De acordo com Platão, o que era real acerca do homem era o seu intelecto ou razão, e que continuava após a morte do corpo.

2) Mais comum ainda em nossos dias é o conceito antropológico oposto ao anterior. Na perspectiva dessa posição, o homem é composto de elemento material; sua mente, emoção, e vida espiritual são simplesmente sub-produtos dessa estrutura material. Por exemplo, a visão Marxista da determinação da história, descansa sob uma visão materialista e naturalista da natureza humana. Para o Marxismo, o homem é simplesmente um produto da natureza. Os seres humanos são partes de uma estrutura social; o mal levanta-se e surge desta estrutura e pode ser eliminada somente pela mudança da referida estrutura. O indivíduo não é primariamente responsável pelo mal que ele possa fazer, a sociedade sim; o ser humano não é importante como indivíduo; ele é importante somente como membro da sociedade.

3) Um outro tipo de antropologia materialista muito influente hoje, subjaz inserido nos escritos de B. F. Skinner. Em seu livro “Beyond Freedom and Dignity” Skinner mantém que a idéia que o ser humano é responsável por seu comportamento, está alicerçado em uma tradição que não é mais aceita cientificamente. A determinação do comportamento precisa ser mudado para o que ele chama de “homem autônomo” para o meio ambiente. Não existe no homem nem liberdade nem dignidade. A atividade humana é totalmente determinada pelo meio ambiente; se o meio ambiente fosse perfeitamente conhecido, o comportamento humano seria completamente previsível.

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CONCLUSÃO

Muitos antigos filósofos e pensadores viram na materialidade a causa principal para as variadas carências existentes no mundo, e na verdade inúmeros sistemas religiosos e filosóficos defenderam esta concepção. Exemplificando, as doutrinas hindus de redenção do bramanismo e do budismo tentaram romper com a causalidade retributiva do carma (defendido por outros) e libertar de um mundo finito, que em consequência da prisão da materialidade exterior é tido como profundamente marcado pela doença, pobreza e morte.

Ainda outros afirmam que a finitude de todo ente que existe materialmente, vê-se em inúmeros seres individuais que, levados pela fome e em luta pelo espaço necessário para existir, hostilizam-se e matam-se entre si. Afirmam que a finitude de todo ente que existe materialmente torna-se, desta maneira, na prática da morte por todos os seres vivos em virtude da falta de espaço e alimento, instrumento de limitada manutenção da vida; a carência ontológica da finitude amplia-se assim nos males físicos, a que os seres individuais se vêem necessariamente expostos. O pessimismo imanente que se associa a semelhante visão do mundo pode ir ao ponto de negar a priori a possibilidade da criação do mundo material por Deus, divindade absoluta, e brandir o caráter de carência do mundo como um argumento em prol do ateísmo.

Torna-se, de certa forma mais aguda, a problemática da finitude na questão da origem do mal moral. A antropologia cristã sempre sublinhou a importância da ação livre do homem, e assim entender o mal moral como ato responsável do homem. Muitos pensadores afirmam que o enredamento nas carências e impasses da materialidade já obriga a existência humana a ações que a tornam objetivamente culpada.

O posicionamento hostil ao corpo, presente em vários movimentos religiosos ascéticos, esteve em parte, marcada sobretudo pelo medo de que a vontade moral pudesse, pelo excesso do impulso, vir a ficar apegada ao finito e assim viesse a ser seduzida pelo pecado (as ordens monásticas medievais, por exemplo).

Todo ente que existe materialmente surge no tempo e perece no tempo, e este doloroso antagonismo de devir parece apontar, de maneira mais clara, para a carência do mundo material. Além disso, a matéria traz consigo o limite de tudo o que existe, finitamente, no tempo e no espaço.

OBRAS CONSULTADAS

Bahm, Archie J. 1988. Polarity, Dialectic, and Organicity. Albuquerque, New Mexico, U.S. A.: World Books.

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Blamires, Harry. 1978. The Christian Mind: How Should a Christian Think. Ann Harbor, Michigan: Servan Books.

Calvin, John. 1975. Institutes of the Christian Religion. Atlanta, Georgia, U.S.A.: John Knox Press.

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Erickson, Millard J. 1988. Christian Theology. Grand Rapids, MI., U.S.A.: Baker Book House Company.

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Frank, Erich. 1945. Philosophical Understanding and Religious Truth. London, England: Oxford University Press.

Geisler, Norman. 1980. Introduction to Philosophy, A Cristian Perspective. Grand Rapids, MI., U.S.A.: Baker Book House company.

Hegel, Georg Wilhelm Friedrich. Lectures on the Philosophy of Religion. Los Angeles, Ca., U.S.A.: University of California Press.

Hoekema, Anthony A. 1986. Created in God’s Image. Grand Rapids, MI., U.S.A.: Erdmans Publishing Company.

Kierkegaard, Soren. 1961. Christian Dircourses. New York, NY., U.S.A.: Oxford University Press.

Sartre, Jean Paul. 1982. Critique of Dialetical Reason. London, England: The Theotford Press Limited.

Sosa, Ernest. 1995. A Companion to Metaphysics. Los Angeles, CA., U.S.A.: University of California Press.

Tillic, Paul. 1963. The Courage to Be. London, England: Yale University Press.

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIECURSO DE ARQUITETURA

DISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIAProf. Antonio José

Assunto Temático:

“UMA ANÁLISE ÉTICO-SOCIOLÓGICA, HISTÓRICA E ANTROPOLÓGICA DAS RELIGIÕES”

O que é a religião? Tem havido muitas definições a respeito. Alguns descrevem-na simplesmente como a crença em seres espirituais. Outros tentaram obter definições mais completas, em termos de crenças ou de descrição de práticas.

A palavra latina Religio significa algo realizado com uma atenção minuciosa ou escrupulosa para o detalhe, e desse uso passou a designar o que entendemos por religião, devido ao modo como eram feitos os sacrifícios nos tempos antigos. A palavra pode também ser derivada do verbo de origem latina Religare, significando juntar duas coisas próximas uma da outra, o que nos revela algo muito importante sobre as religiões. As religiões unem as pessoas em práticas e crenças comuns; aproximam-nas em um objetivo de vida. Esse objetivo de vida pode ser também a “vida” nos sentido mais literal, uma vez que as religiões são o mais antigo sistema de proteção conhecido, que habilita as pessoas a terem filhos e criá-los até a idade adulta.

O que significa a religião? Quase tudo, porque as religiões dizem respeito a totalidade da vida - e à morte – do ser humano. Por milhares de anos as pessoas têm buscado o sentido e a verdade de sua própria natureza e do universo, as religiões, que lidam com a totalidade da vida e da morte resultam em parte dessa busca. Mesmo as ciências naturais eram antigamente, essencialmente religiosas; somente nos últimos trezentos anos a religião e a ciência se separaram como de conhecimento. Vê-se as religiões hoje como comunidades de pessoas que compartilham práticas e crenças (geralmente em um Deus ou deuses), que se reúnem em construções especiais para o culto ou meditação e que vivenciam o mundo de maneira especial. Sabe-se que mais de três quartos (75%) da população mundial considera-se pertencente a uma religião, independentemente do pouco ou muito que a pratiquem.

Então, o que significa ser religioso? Significa tantas coisas para pessoas tão diferentes que freqüentemente uns contradizem os outros.

1) Pode significar a crença de que Deus é a fonte e a finalidade da vida (como de fato o é);

2) Pode significar amar o próximo como a si mesmo ou excomunga-lo para um destino pior do que a morte;

3) Pode significar consultar bruxos (as) em buscas de sabedoria, ou queima-las vivas;4) Pode significar obedecer à risca aos mandamentos e preceitos de determinada religião,

ou se ver totalmente livres dos mesmos;5) Pode significar recolher-se ao silêncio (os quakers), ou manifestar a glossolalia (os

movimentos evangélicos carismáticos);6) Pode-se requerer a raspagem do cabelo para o noviciado em algumas religiões), ou a

exigência de que eles nunca será cortado;7) Pode significar ir à mesquita na sexta-feira, à sinagoga aos sábados, ou a um templo

cristão no domingo;8) Pode significar orar, rezar meditar, levitar, entrar em transe e êxtase; Pode significar

construir a Catedral de São Pedro em Roma, de São Paulo em Londres, a mesquita de Omar de Jerusalém, os templos budistas do Nepal, Tailândia e Japão;

9) Pode significar viajar longas distâncias para visitar lugares sagrados em Aparecida do Norte, Em Fátima, Portugal, em Lourdes, na França, ir a Meca, ir a Jerusalém, ou

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caminhar 900 quilômetros a pé numa peregrinação no caminho de San Tiago de Compostela, na Espanha;

10) Pode significar engajar-se em guerra santa contra os muçulmanos como sucedeu nas cruzadas (séculos IX-XII) ou participar da guerra santa dos muçulmanos (jihads) contra os infiéis (os judeus e os cristãos);

11) Pode significar Pode significar abster-se de alimentação chegando ao extremo estado de inanição, ou até mesmo se auto-imolar ou se auto-sacrificar por uma determinada causa;

12) Pode significar a inspiração para a criação de uma música religiosa, a 13) Produção da arte religiosa de imagens e ícones, símbolos e poesias, nos lugares mais

longínquos da terra.

1. - A RELIGIÃO E A CULTURA

Na perspectiva dos antropólogos, os antigos cultos de deusas e deusas eram importantes naquela época antiga, porque, proporcionavam uma cultura comum a todos de um determinado clã, comunidade, cidade, região, ou nação, nos quais símbolos e histórias eram cultivados, e a aprovação ou reprovação em vistos de acordo com o parâmetro das leis religiosas daquele povo, cujos valores eram por todos compartilhados.

Tanto a cultura como o culto vêm da mesma palavra latina Cultus, que quer dizer adoração a um Deus ou deuses, ou a um certo ser supremo. Cultura e crença em num sentido mais elevado, constituem o próprio fundamento da cultura. A religião e a cultura caminham juntas a milhares de anos, cada uma delas influenciando uma à outra, em menor ou maior grau. As religiões com seus diferentes padrões de crença e prática, são os mais antigos sistemas culturais de proteção da sociedade e da família.

As leis religiosas determinavam e ainda determinam o que os indivíduos poderiam ou não comer; quem o indivíduo poderia ou não desposar; que tipos de comportamento sexual poderiam ou não ser permitidos. A religião foi e tem sido por muito tempo o melhor sistema que os seres humanos podem divisar para assegurar a sobrevivência da raça e da espécie humana.

Tudo isso explica porque os seres humanos necessitam de proteção e porque necessitam assegurar-se de que o conhecimento herdado em uma geração passará aa seguinte. As religiões são sistemas organizados de preservar a informação e passa-la de êxodo ração a outra (VER ÊXODO 6:6, 7. SALMO 78:3, 4).

Os modos de organização das religiões variam enormemente. Algumas são fortemente organizadas com hierarquias de autoridade e controle (como o Catolicismo Romano), outras são frouxamente organizadas, sem quaisquer tipos de estruturas. As organizações religiosas em suas estruturas de lideranças, evocam especialistas religiosos chamados de “pastores, padres, freiras, bispos, arcebispos, cardeais, papas, xamãs, gurus, rabinos, etc. A lista é quase infinita.

2. - A RELIGIÃO COMO HISTÓRIAGrande parte das informações, contudo, são colocadas em palavras, e as palavras em narrativas,

as quais são de suma importância em todas as religiões. De fato, as religiões têm sido vistas como grandes contos que as pessoas aprendem e traduzem, segundo a biografia de suas próprias vidas. Mas há muito mais nas religiões, além das narrativas, que auxiliam as pessoas a fazerem isso: liturgias, festivais e peregrinações são caminhos óbvios pelos quais os caminhos de uma religião são traduzidos para a vida pessoal. Assim como as histórias transmitidas pela tradição oral, as religiões também produzem textos. Destes, alguns são vistos como revelações provenientes e autoritativos do próprio Deus pelas religiões que os adotam. Exemplos: A bíblia para nós os cristãos, A Tora (para os Judeus), O alcorão (para os muçulmanos), O Vedas (a escritura hindu), Etc. O fato de que os textos tidos como sagrados pelas diversas religiões que não são cristãs, não se harmonizarem e até mesmo se contradizerem, reforça a divisão radical entre as religiões. Assim, há muito que se aprender no que tange ao passado das religiões. Elas têm estado sempre presentes no processo de mudança e transformação em todos os tempos.

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3. - A religião numa Perspectiva Antropológica

Os antropólogos descrevem as crenças e práticas religiosas tal como se lhes deparam nas comunidades vivas. A religião ajuda a unificar um povo através de uma experiência e de explicação de vida que são compartilhadas. Fornece um padrão para os comportamentos, muitas vezes em respostas aos riscos da vida. A antropologia é o estudo do comportamento humano: a religião, como padrão de comportamento, como se tratasse de qualquer outra atividade da vida humana (assim pensam a maioria dos antropólogos). Posteriormente aos anos de 1950, os antropólogos voltaram a atenção ao papel da religião como expressão da estrutura das idéias, valores e crenças de uma determinada sociedade.

Como área de estudos antropológicos, a religião proporcionou uma grande contribuição para a obtenção de um conhecimento mais vasto acerca dos diversos povos do mundo, principalmente, no que tange as tribos inóspitas e mais primitivas. Os antropólogos desde há muito tempo, têm se dedicado a estudar as mais diferentes formas de religião, porque sentem-se eles interessados em relacionar a ciência antropológica com a religião e seu progresso. Enquanto no século XIX, os estudiosos se sentiam felizes por combinar as idéias antropológicas coma s relacionadas com a mente humana, no século XX a mente foi isolada e sujeita a uma atenção especial e por parte dos psicólogos. Sigmund Freud baseou-se fortemente na antropologia evolucionista, em especial nas famosas Conferências sobre a Religião dos Semitas, de William Robertson Smith (1889), mas o seu desejo era demonstrar como o subjacente poder da mente humana, misturado a uma espécie de energia sexual denominada libido, provocava um atitude de figura divina que tinha as suas origens na relação da criança como seu o seu humano. Freud concluiu também que as posições religiosas já não tinham utilidade para o homem, tal como demonstrou com clareza no seu livro “O Futuro de Uma Ilusão” (1927). Nesta sua obra, a projeção religiosa é vista como ilusão, com a mente humana afastando o homem da verdade e da realidade, fato, portanto, a lamentar.

O psicólogo Willliam James adotou uma atitude bem mais positiva para com o papel da religião. Em sua obra “As Variedades da Experiência Religiosa” (1902), deu uma completa descrição das experiências religiosas de várias pessoas, comparando e fazendo contrastar aquilo a que chamava de “religião de mente só” com a das “almas doentes”. Para William James, a religião tinha valor para ajudar o homem a viver uma vida positiva e corajosa. Em outras palavras, dizia ele, a religião ajuda o homem a aceitar a si mesmo e ás suas condições de vida, em vez de se deixar cair prisioneiro das enfermidades da vida. Tudo isso seria uma vantagem positiva para o homem, motivo pelo qual William James não via a religião como uma ilusão (visão Freudiana) sem futuro real, tal como Freud a descrevia.

4 - A Religião numa Perspectiva Sociológica

Observa-se no domínio da sociologia da religião, as grandes contribuições que fizeram no início do século: Emile Durkheim, Bronislaw Malinowki e Max Weber e Sigmund Freud com a sua obra “Totem e Tabu”. Num ponto de vista, todos eles estão de acordo (menos Freud), que a religião é um fenômeno característico de todas as sociedades humanas passadas, presentes e futuras. Os racionalistas afirmavam que a religião cega os seus asseclas. Votaire, filósofo francês do século XVIII, “a religião cultiva a ignorância entre os seus fiéis, e que a credulidade do povo faz a ciência dos líderes religiosos, conduzindo o povo a uma sentimentalidade passiva.” Karl Marx falava “do suspiro da criatura oprimida”. Para estes, a religião não devem ser tratadas nem como as imagens longínquas de um ideal inacessível, nem como a projeção delirante de desejos que buscam no imaginário uma realização ilusória. A tradição racionalista tratou o rito religioso por muito tempo, como um ato desprovido de sentido. Entretanto, isso não basta, afirma Malinowski (1884-1942), procurar o sentido do rito na motivação do homo religiosus que tenta dominar sua angústia na religião, ou diante dos mistérios impenetráveis de sua condição. O sentido do rito, diz Malinowski, não está em sua eficácia instrumental. O rito não propicia ao fiel apenas a catharsis de sua angústia por comportamentos substitutivos. A

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realização do rito reforça e restaura a solidariedade de grupo – desde que seja tomada a sério e considerada estrita obrigação.

A variante conservadora dessa posição é que a religião é boa para o povo. A contribuição da sociologia consiste em tratar a também como um fato social, isto é como um fato humano. Na perspectiva de Emile Durkheim (1858-1917) não é em si nem boa nem má, contudo, ela serve como um elemento de contenção do caos da sociedade humana, minorando e atenuando a violência. A experiência religiosa encarna-se no tecido da ação social, dando-lhe sentido, embora transcenda-a a ponto de, às vezes, negar-lhe, como em certas formas de ascetismo e de misticismo, qualquer validade, se não mesmo a realidade. Durkheim afirmava não ter dúvidas de que as religiões ocidentais, estavam ultrapassadas, principalmente o catolicismo, mas que o sagrado continua a constituir uma categoria universal da experiência humana. Em suma: “a religião é um sistema solidário de crenças relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas”, afirmava Durkheim. Uma de suas mais importantes obras foi: As Formas Elementares da Vida Religiosa”.

Já o sociólogo Max Weber (1864-1920), em sua obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, trata das especulações da teoria agostiniana e calvinista sobre a graça, não mais como se pertencessem ao universo das idéias, mas como um ingrediente essencial à constituição e à manutenção da civilização moderna. O ensinamento da sociologia Weberiana é duplo:

Em primeiro lugar, ela mostra a importância das orientações religiosas no funcionamento das sociedades modernas. Weber recusa assim as formas mais ingênuas do evolucionismo que vê na religião uma forma, por assim dizer, subdesenvolvida da consciência coletiva.

Em segundo lugar, o fenômeno religioso é visto como não se reduzindo a uma experiência subjetiva somente, vivida por indivíduos particularmente dotados de certas exigências existenciais. O protestantismo (principalmente o calvinismo para Weber), é tanto uma forma de organização da sociedade religiosa, como um projeto religioso sobre como dever organizar-se a sociedade leiga.

O peso do puritanismo é considerado também na formação das instituições democráticas, sobretudo no caso da democracia americana. Tocqueville salientou que os colonos do May Flower (navio que trouxe os peregrinos para a América) haviam decidido fundar, nos ermos do novo mundo, uma sociedade de acordo com o ensino bíblico. É por isso que a noção de Lei é tão central na concepção puritana. A fonte dessa Lei está em Deus.

Por muito tempo, os teólogos têm sustentado a posição que o fato religioso escapa às influências da ciência positiva. Os teólogos sempre se opuseram aos herdeiros da tradição racionalista, que acreditavam explicar o fato religioso pela ignorância ou pelos impulsos de uma afetividade cega.

A teologia começa com dois pressupostos teológicos:1) Deus existe;2) Deus se revela a si mesmo em sua Divina Palavra.

No século XIX por influência do liberalismo teológico, a religião tomou o lugar de Deus como o objeto da teologia. A fé nas Escrituras como uma autoritativa revelação de Deus foi desacreditada. Friedrich Schleiermachar procurou salvaguardar o caráter científico da teologia pela introdução de um novo método: O sentimento religioso do homem substitui a palavra de Deus como a fonte da teologia.

5. - Vários tipos de ateismo religioso

1) Ateísmo dogmático: nega categoricamente que exista um Divino SER;2) Ateísmo cético: Afirma que a mente humana é incapaz de determinar se existe ou não existe um

Deus;3) Deus é a personificação de uma mera idéia abstrata: Deus como um “símbolo”. 4) Deus como um ser impessoal: O panteismo. 5) Deus como um algo completamente imanente e impessoal: Sob a influência do panteísmo,

identificando Deus com o mundo criado.

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6) Deus é finito e pessoal: a idéia de transformar o Deus da Bíblia, inserindo-o na categoria e galeria dos deuses dos povos como simplesmente mais um deles, é uma idéia tão antiga quanto o politeísmo e o henoteísmo

7) Moderno humanismo: Deus é o espírito da humanidade, o senso de totalidade, o alvo étnico e racial. 8) Augusto Comte: Desde Comte tem havido a tendência de personificar a ordem social da

humanidade como um todo e para adorar essa personificação. Premissas conceituais:A) Deus é a totalidade das relações que constituem toda ordem social da crescente humanidade;B) Deus é nosso conceito, nascido da experiência social com o nosso espaço cósmico, com o qual

nós estamos relacionados;C) Deus é aquela qualidade da sociedade humana que dá suporte e enriquecimento a sociedade;D) A palavra “Deus” é um símbolo para designar o universo em sua capacidade ideal de formação.E) Para os cristãos: Para os teólogos, o ateísmo não é um estado natural do homem. As nações que

se tornaram atéias, ateizaram a sociedade pela força e coação. Segundo os teólogos, o ser humano nasce teísta e a sociedade o torna-o ateu.

5 - AS RELIGIÕES E AS PROVAS RACIONAISDA EXISTÊNCIA DE DEUS

1) O argumento ontológico : Este argumento tem sido apresentado por Anselmo e Descartes., tendo a sua mais influente e perfeita forma em Anselmo. Ele argumenta que o homem já nasce com a idéia de um Ser absoluto perfeito. Hegel afirmava ser este o mais forte argumento sobre a existência de Deus.

2) O argumento Cosmológico: ele aparece em várias formas, mas em suma, afirma-se que “todas as coisas existentes no mundo têm uma causa adequada, e portanto, o próprio universo precisa ter uma causa adequda.” David Hume o chamou de lei da causa ela mesma em questão, e Kant sublinhou que cada coisa existente tem uma causa adequada.

3) O argumento Teleológico : Este é um argumento causal e é realmente uma extensão do argumento anterior (o cosmológico). Pode assim ser sumarizado: O mundo em toda parte ao redor, revela inteligência, ordem, harmonia, e propósito, e isto implica na existência de um ser supremamente inteligente outorgou inteligência, harmonia, e propósito a toda as coisas. Ele mostra que o mundo contém inteligência e desígnio e logo, o mundo requer um designador.

4) O argumento Moral : Kant tomou seu ponto de partida no imperativo categórico, e dali inferiu a existência de alguém que, como legislador da lei e juiz, tem o absoluto direito de governar o homem. Para Kant, este argumento é superior aos demais argumentos. Alguns argumentam que a disparidade freqüentemente observada entre a conduta moral do homem e a prosperidade dos injustos na presente vida, requer necessariamente um ajustamento futuro e um justo juiz.

5) O argumento Histórico ou Etnológico: Em suma, este argumento tem a seguinte forma: Entre todos os povos da terra existe um senso do divino, o qual revela ele mesmo ser um valor supra-cultural. Desde que isto é um fenômeno universal, ele precisa pertencer a íntima e intrínseca natureza do homem. E se a natureza do homem o guia para a adoração religiosa, isto pode somente encontrar explanação no mais alto Ser que tem constituído o homem um ser religioso.

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIECURSO DE ARQUITETURA

DISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIAProf. Antonio José

Assunto Temático:

1. A FILOSOFIA DA RELIGIÃO E OS MÚLTIPLOS TIPOS DE RELIGIÃO

A filosofia da religião não é uma defesa das crenças religiosas, antes, é um exame filosófico das crenças religiosas e suas implicações na sociedade e no mundo. A filosofia da religião tal como é compreendida, consiste apenas na análise filosófica dos informes religiosos. A história da religião acompanha a história da humanidade. Onde estiver o ser humano, aí estará, igualmente, a religião. Vejamos, inicialmente, a visão da religião no pensamento dos filósofos:

1. Heráclito (500 A.C) criticou as superstições da antiga religião dos gregos.2. Xenófanes (500 A.C) criticou o politeísmo dos gregos, com seus deuses caracterizados por

uma baixa moralidade, e procurou promover um antigo monoteísmo entre o povo.3. Sócrates (450 A.C) abordou principalmente as questões éticas, as quais são extremamente

importantes para a fé religiosa, e declarou sua fé em Deus e na alma.4. Platão (400 A.C) idealizou um nobre sistema religioso. Sua filosofia estava eivada de

padrões e crenças espirituais. Seu dualismo foi de alguma forma emulado pelo pensamento cristão, influenciando vários teólogos da era patrística, principalmente algumas de suas idéias sobre a alma. Seus conceitos sobre as Idéias ou Universais proveram e coincidiram com muitos atributos tradicionalmente atribuídos a Deus, como infinitude, eternidade, vida fora do tempo, vida fora do espaço, onipotência, onipresença e outros. Ele misturava suas idéias com noções orientais a respeito da alma, da reencarnação e da responsabilidade (Karma). Platão também fez o contraste entre o meramente perere (existência para sempre) e o eterno (participação na natureza divina). Além disso, ele trouxe à tona a qualidade da vida divina, ultrapassando em muito a idéia da vida interminável. Ele concebia um drama sagrado da alma, a qual busca purificação e espiritualização, o que tem influenciado a muitos pensadores. Os primeiros pais da igreja, mormente os de tradição grega, foram, de alguma forma, influenciados por ele. O neoplatonismo, um movimento religioso da era patrística, esta em parte alicerçado no pensamento platônico.

5. Os apologistas cristãos (era patrística) estavam divididos entre o uso da filosofia e da razão. Tertuliano e seu seguidores rejeitaram totalmente o uso de meios racionais e filosóficos para o entendimento e desenvolvimento do pensamento cristão. Por outro lado, Justino Mártir, Clemente, Orígenes e seus seguidores encontravam muito uso para a filosofia da religião, - considerando os melhores aspectos da filosofia, como o pensamento filosófico de Platão. Alguns teólogos da patrística o tinham como um mestre-escola que tendia por conduzir os gregos a Cristo, da mesma maneira que a lei de Moisés teve essa função para os Judeus. Naturalmente, eu creio que essa possibilidade de ver Platão como um Moisés, não procede e nem é verdadeira e legítima para os cristãos.

6. Muitos filósofos do período iluminista supunham que a religião não era dotada de qualquer conhecimento certo, e que se quisermos ter tal conhecimento teremos que nos voltar para a

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ciência. E, segundo eles, quando fazemos isso, abandonamos a religião, por ser ele uma inquirição inferior, afirmavam. Muitos opinavam que o cristianismo era uma superstição. A verdade é que muitos assumiram uma visão geral bastante baixa quanto a religião.

7. Immanuel Kant, filósofo alemão, não podia encontrar apoio para a fé religiosa em suas proposições derivadas da experiência (empirismo), mas descobria certa justificação para as principais crenças religiosas em seus postulados, que ele fazia derivar da razão, da intuição e das experiências. Kant negava os argumentos racionais em favor da existência de Deus, mas apoiava a crença na existência de Deus sobre bases morais. Ele também defendia a existência da alma, como algo necessário para qualquer sistema religioso coerente.

8. O positivismo lógico negava qualquer valor nas proposições metafísicas, fazendo da ciência o seu deus. Ora, a ciência está limitada à percepção dos sentidos e suas manipulações.

9. Soren Kiekegaard e os existencialistas percebiam muito desespero no mundo, enquanto que o homem estaria perdido em seu supremo livre-arbítrio. Os existencialistas ateus não viam como o homem poderia sair desse desespero, contudo o existencialistas cristãos como Kiekegaard, notavam veredas de escape, como a missão de Cristo e a significação dele.

10. Friedrich Schleiermacher vinculava a religiosidade das pessoas, aos seus sentimentos de dependência de Deus.

2. – Os Tipos de Religião

1. Animista : Espíritos, desencarnados ou não, servem de base para as crenças e os atos praticados pelo animismo. Fica entendida a proximidade do mundo dos espíritos, os quais podem encarnar-se em pessoas, coisas ou objetos. Tais espíritos seriam bons ou maus, podendo ajudar ou prejudicar ativamente os seres humanos.

2. Panteísmo : A palavra panteísmo se deriva dos termos gregos “pan”, que significa tudo, e “theos”, - que significa Deus. Panteísmo significa que Deus é tudo e tudo é Deus. Segundo essa crença, nada existe além de Deus. Deus abrange tudo em sua própria existência. Ainda segundo o panteísmo “na eternidade do passado existia algo chamado Ser impessoal, inconsciente, sem vontade ou poder de escolher, nem matéria nem espírito, mas tendo a potencialidade de ambos. Este Ser desenvolveu-se, pela lei da necessidade, transformando-se no universo tal qual existe hoje, ele tem estado a desenvolver-se e continuará a faze-lo ad infinitum. Esse Deus impessoal chegou ao seu desenvolvimento mais elevado e alcançou a consciência no homem. E assim, o universo é Deus e Deus é o universo, e o homem é a mais elevada forma existencial de Deus. Em suma, ensina-se que não existe um Deus pessoal separado da personalidade do homem. (OBS: O movimento da “Nova Era”, se caracteriza como um movimento panteísta. Esse movimento enfatiza a impessoalidade de Deus. A Ênfase é: “Descubra o deus que há em você. Você pode todas as coisas.”

3. Legalista : O principal elemento religioso, nessas religiões, é algum código legal que governa todos os aspectos da vida do indivíduo. Esse código geralmente é concebido como divinamente inspirado; o bem é prometido àqueles que obedecem (algumas vezes esse bem é a própria salvação, um tipo de salvação pelas obras); é prometida a punição àqueles que desobedecem ao código legal aceito.

4. Ritualista : Nessas religiões acredita-se que ritos e cerimônias agradam as divindades (Deus), e que aqueles que observam tais coisas (cerimônias e ritos) serão beneficiados. Esse ritos, com freqüência, simbolizam crenças importantes, ou então costumes e expectações futuras dos adoradores. As artes ocultas e as fés religiosas antigas, operavam com base em ritos e encantamentos, como se essas coisas servissem para controlar os espíritos, fazendo-os atuar para o bem das pessoas, e para malefício dos inimigos dos adoradores (Ex. O assim chamado de culto afro-brasileiro, como a umbanda, quimbanda e seus ritos).

5. Sacramentalista: Nessas religiões, os sacramentos ocupam um lugar preponderante na vida dos adoradores, sendo os sacramentos vistos como meios de graça divina, através dos quais Deus veicula também suas bênçãos. A Igreja Católica, e ainda, as Igrejas evangélicas

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Históricas e outras evangélicas, tendem a ver os sacramentos ou ordenanças do batismo e da Santa como meios de graça. Naturalmente, para nós, os cristãos, não há necessariamente, nada errado nesta crença e nesta postura cristã.

6. Natural : A revelação divina, ou é rejeitada com fundamento para essa religiões, ou recebe uma posição meramente secundária. Para essas religiões, Deus ter-se-ia manifestado na natureza, mostrando-se ativo nas faculdades racionais e intuitivas do homem. Portanto, seriam dispensáveis a revelação divina e os livros sagrados. E o que haveria nessa revelação e nesses livros sagrados seriam noções eivadas de erros, pelo que não serviriam como guias fidedignos.

7. Revelatória : A maioria das grandes religiões e outros grupos menores estariam fundamentadas principalmente sobre revelações da parte de Deus ou deuses, do Espírito (cristãos pentecostais), dos espíritos desencarnados (espíritas e religiões fetichistas), ou de qualquer outro ser ou poder espiritual que dê revelações, as quais acabam cristalizadas em livros sagrados. Em sua maioria, as religiões pertencem a essa categoria.

8. Mística: Essas religiões assumem que para tomarmos conhecimentos das coisas, precisamos contar com as experiências místicas. A maior parte das religiões dão ênfase ao misticismo, do qual a revelação é uma subcategoria, no tocante a seu conhecimento. Mas, enem todas as religiões enfatizam a necessidade de experiências místicas pessoais, como fundamentais para a vida religiosa.

9. Sacrificial: A leitura do Pentateuco basta para mostrar-nos até que ponto a fé dos hebreus era uma religião sacrificial, embora não fosse somente isso. O antigo hinduísmo serve-nos de exemplo de uma fé que supunha que a salvação podia ser obtida através de sacrifícios apropriados. Quase todo os hinos do Rig-vedas (livro sagrado do hinduísmo) era acompanhado por sacrifícios. Da mistura com o conceito dos sacrifícios, havia a importância da expiação pelo sangue. Havia religiões antigas que chegavam a fazer sacrifícios humanos em homenagem aos seus deuses. Essa forma de religião favorece uma forma ou outra da teoria as satisfação dada por meio da expiação. Em suas formas mais primitivas (ou seja, antigas), Deus ou os deuses aparecem aplacados por tais sacrifícios e a ira deles desviava-se.

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIECURSO DE ARQUITETURA

DISCIPLINA:ÉTICA E CIDADANIAProf. Antonio José

Assunto Temático:

“O HINDUÍSMO ANALIZADO EM UMA PERSPECTIVA ÉTICA”

O hinduísmo, existente desde 1500 A. C., constitui-se na mais antiga das religiões organizadas vivas do mundo. Embora não tenha o mesmo êxito de crescimento no ocidente, tal como o budismo, uma outra religião nascida na Índia, o hinduísmo é ainda uma das mais numerosas religiões mundiais, contando com algumas centenas de milhões de seguidores, abrangendo toda a Índia e parte de outros países asiáticos. O hinduísmo é, em parte, fruto do complexo e gradual crescimento de um povo (A Índia), marcado por uma profunda diversidade linguística e cultural. Sua diversidade tem certa unificação, em virtude da crença teórica na alma universal uni-abrangente e uni-santificante, e que governa a sociedade mediante as castas.

O hinduísmo tem sido por muito tempo uma religião hereditária, confinada sempre na Índia. O movimento começou e permaneceu circunscrito ao contexto geográfico da Índia e de algumas outras nações da Ásia por mais de dois mil anos. Recentemente, com o avivamento das religiões pagãs na segunda metade do século vinte e neste final de milênio, tem despertado um novo interesse nos estudiosos das religiões, bem como na vida de milhares de indivíduos saturados e cansados de outras crenças.

1. Estrutura Social

O hinduísmo se distingue entre as religiões do mundo por seu sistema de castas. Quatro são as principais castas conhecidas na história dessa religião, cujos membros devem seguir sua ocupação hereditária e a quem lhes está proibido contrair matrimônio e até comer com membros de outras castas. As castas podem assim ser categorizadas:

1. Brâmanes: A casta sacerdotal e intelectual;2. Chatrias: A dos governantes e guerreiros;3. Vaisias: De agricultores e artesãos;4. Sudras: A classe dos inferiores e miseráveis, os quais não podem ser classificados em

nenhuma das outras castas. No livro sagrado dos hindús, chamado de Rig Veda, que remonta a três mil anos

de antiguidade, há uma clara citação dos quatro principais grupos da sociedade hindú, denominados de castas:

“Sua boca se transformou no BrahmanSeus braços se transformou no ChatriaSeus músculos se transformaram no vaisiaO Sudra nasceu de seus pés” (Rig Veda, 10:90. 12)

No total, há mais de duas mil sub-castas, mutuamente exclusivas, no sistema hindu.

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2. Pressupostos Religiosos

O hinduísmo é notabilizado entre as outras grandes religiões mundiais, pela vida de devoção de seus seguidores, caracterizada por uma grande variedade de crenças religiosas.

1. A idéia acerca de Deus : O fundamental dogma teológico do hinduísmo é a crença em um onipresente ser divino chamado “Brahma”. Brahma deve interpretar-se como o ser absoluto, infinito, eterno e impessoal. Contudo, na realidade, os hindús ortodoxos têm professado toda espécie de teísmo (crença em um único Deus), politeísmo (crença em vários deuses), henoteísmo (crença em muitos deuses, tendo um deles como o preferencial) e panteísmo (crença na fusão da divindade com a própria criação). Eles têm adorado qualquer objeto de sua preferência, ou nenhum; têm seguido quaisquer normas de moralidade ou quase nenhuma. A um dos deuses do céu se lhes chama Dyaus Pitar, o “Pai céu”. Um texto do livro Rig Veda assim proclama: “O céu é meu pai, Progenitor! Ali está minha origem”” (Rig Veda, 1:164, 33). Porém, a idéia de paternidade vinculada com Dyaus Pitar é bem mais que uma divindade física, já que esta divindade masculina se acopla ordinariamente com uma divindade feminina Prithivi Matar, a “Mãe Terra”.

2. Livros Sagrados : O nome com que se designa as Sagradas Escrituras do hinduísmo é “O Vedas”, que significa livros da “sabedoria”. As diferentes ramificações do hinduísmo têm seus Vedas especiais. Os quatro Vedas primitivos e aceitos por todos são: A) O “Veda dos versículos ou Salmos”, chamado de Rig Veda, contendo 1.028 poesias líricas; B) O “Veda das Sagradas Fórmulas”, chamado de Yajur Veda; C) O “Veda dos cantos”, chamado de Sama Veda; D) O “Veda dos feitiços”, chamado de Atharva Veda. Destes quatro Vedas, o primeiro (chamado de Rig Veda) é tido como o mais importante. Os hindús crêem que esse livro é verbalmente infalível.

3. Primitiva adoração da natureza : O tipo de religião que se encontra nos primeiros documentos do hinduísmo é a adoração da natureza. O Rig Vedas (A obra mais antiga do hinduísmo) contém muitos louvores de adoração dirigidos a objetos ou a poderes da natureza personificados (a floresta, os rios, a chuva, o vento, o ar, o fogo, o sol, a lua, as estrelas, etc.). A mais importante das divindades védicas (do livro sagrado hindú Vedas) é “Indra”, o princípio diretor da atmosfera e da chuva.

4. Orações : Na maior parte dos pedidos expressados a aquelas divindades hindús, se pede longa vida, filhos, lucros nos negócios, bens, prosperidade e libertação das doenças. Ao delinearmos uma análise comparativa das orações hindús com a ênfase direcionada em muitas denominações evangélicas contemporâneas, veremos que há muito em comum.

5. O Hinduísmo Sacerdotal: Cerca dos aos 1000 a 800 A.C., nasceu um novo tipo de literatura bem como de ênfase religiosa no hinduísmo, chamado de “Os Brahmanas”, nome que significa “os sacerdotes”, são uma série de vastos tratados em prosa sobre religião. Contém principalmente instruções acerca de vários sacrifícios prescritos e algumas lendas religiosas. À medida que o sacrifício feito pelos sacerdotes assalariados iam sendo considerados como o ato mais importante da religião hindú, as velhas divindades começaram a declinar em sua importância. Se declarou que as velhas divindades tinham sido mortais, e que alcançaram a imortalidade através dos sacrifícios. Os sacerdotes brahmanes conhecedores do ritual, foram enaltecidos ao nível das divindades.

6. Salvação: A salvação, segundo a literatura Brahmana, se alcançava principalmente por meio dos sacrifícios. Ensina-se que a salvação é alcançável por meio da obediência às leis e especialmente as leis de castas. A salvação é também vista como a realização e libertação de toda metamorfose e a completa absorção no ser de Brahma. Naturalmente, o hinduísmo, como as demais religiões, possui um código de valores morais, quando se requer dos seus asseclas: 1) a respeitosa obediência aos pais, mestres e idosos; 2) cumprimento à palavra empenhada; 3) suportar com paciência o mal sem protesto algum; 4) praticar boas ações sempre que possível.

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIEDISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIA

CURSO DE ARQUITETURA

Prof. Antonio José.

Assunto Temático da Aula:UMA PERCEPÇÃO HISTÓRICA DO BUDISMO

Introdução

O budismo começa com um homem. Em seus últimos anos de vida, quando a índia se incendiava com sua mensagem e até reis vinham prostrar-se diante dele, as pessoas se aproximavam de Buda da mesma maneira que mais tarde iriam perguntar a Jesus o que ele era. Somente duas pessoas levaram os outros a fazer essa pergunta - não o simples "Quem é você?", referindo-se a nome, origem ou ascendência, mas "O que você é? A que ordem de ser você pertence? Que espécie você representa?" Entre elas não estava César, certamente, nem Napoleão ou mesmo Sócrates. Essas duas únicas pessoas foram Jesus e Buda. Quando as pessoas levaram sua perplexidade ao próprio Buda, sua resposta deu identidade a toda a sua mensagem. ,,ÉS um deus?", perguntaram a Buda. "Não", respondeu-lhes. "És um anjo?" "Não" "Um santo?" "Não" "Que és então?" E Buda respondeu: "Eu sou um despertado, ou iluminado."

Sua resposta tornou-se o seu título, pois é isso que a palavra buda significa. A raiz sanscrita budh denota tanto o despertar quanto o saber. Buda, portanto, significa "o iluminado" ou "o despertado". Enquanto o resto do mundo estava envolto nas teias do sono, sonhando um sonho que é conhecido como o estado de vigília da vida humana, um ser humano se elevou. O budismo começa com um homem que sacudiu fora o atordoamento, o torpor, os devaneios religiosos da percepção consciente comum do antigo hinduísmo. O budismo começa com um homem que despertou.

Sua vida começou envolta numa lenda romântica. Diz-se que todos os mundos se encheram de luz no seu nascimento. Os cegos há tanto ansiavam ver a sua glória que recuperaram a visão; os surdos-mudos falaram em êxtase das coisas vindouras. Os desonestos se corrigiram; os coxos andaram. Prisioneiros livraram-se de suas correntes, enquanto os fogos do inferno se apagavam. Mesmo o grito dos animais silenciou enquanto a paz envolvia a Terra. Somente Marã, o Maligno, não se rejubilou.. Naturalmente, ainda que nós como cristãos não creiamos nessa visão lendária acerca de Buda, percebemos que foi assim que realmente aconteceu com a vinda de Cristo, bem como o seu ministério, completamente cercado do aspecto portentoso e sobrenatural dos milagres e curas.

Resumidamente, estes são os fatos históricos da vida de Buda: ele nasceu por volta de 563 a.C. na região que é hoje o Nepal, perto da fronteira indiana, mas que naquela época era umaq possessão da Índia. Seu nome era Sidarta Gautama, dos Sakyas. Sidarta era seu primeiro nome, Gautama seu sobrenome e Sakya o nome do clã ao qual pertencia sua família. Seu pai era um rei, mas como havia muitos reinos no subcontinente indiano, seria mais exato pensar nele como um senhor feudal. Pelos padrões da época, sua criação foi luxuosa. Aos 16 anos, casou-se com a princesa de um reino vizinho, Yasodhara, que lhe deu um filho chamado Rahula.

Um homem, em suma, que parecia ter tudo: família ("o venerável Gautama é bem-nascido de ambos os lados: de ascendência e boa aparência; e riqueza ("possuía elefantes e ornamentos de prata para seus elefantes"). Além disso, como herdeiro do trono de seu pai, estava destinado ao poder e à fama. Apesar disso tudo, por volta dos 20 anos, desceu sobre ele um descontentamento que levaria à ruptura completa com sua situação mundana.

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A fonte de seu descontentamento é encontrada na lenda das Quatro Visões Passantes, um dos mais celebrados apelos à aventura da literatura mundial. Quando Sidarta nasceu, diz essa lenda, seu pai convocou adivinhos para descobrir o que o futuro reservava para seu herdeiro. Todos os adivinhos estavam de acordo num ponto: aquele não era um menino comum. Mas sua carreira apresentava uma ambigüidade básica. Se ele permanecesse no mundo, unificaria a índia e se tornaria o maior conquistador, um Chakravartin ou Rei Universal. Se, por outro lado, abandonasse o mundo, ele se tornaria, não um conquistador do mundo, mas um redentor do mundo. Diante dessa opção, seu pai decidiu conduzir o filho para o primeiro destino. Não poupou esforços para manter o príncipe apegado ao mundo. Colocou à sua disposição três palácios e 40.000 dançarinas; O príncipe deveria ser especificamente protegido de visões da doença, da decrepitude e da morte; quando saía para cavalgar, batedores corriam à frente, tirando do caminho todos os sinais proibidos.

Certo dia, porém, o príncipe viu um velho (dizem algumas versões da lenda que se tratava de uma encarnação milagrosa dos deuses para levar a efeito a lição necessária): um velho decrépito, desdentado, com os cabelos brancos, o corpo trêmulo e alquebrado apoiando-se numa bengala. Nesse dia, Sidarta aprendeu a realidade da velhice. Embora o rei aumentasse a guarda, no passeio seguinte Sidarta viu, à beira do caminho, uma pessoa devastada pela doença. No terceiro passeio, viu um cadáver. Finalmente, viu um monge com a cabeça raspada, a túnica ocre e a tigela de mendicante; e nesse dia aprendeu a lição da renúncia ao mundo. Essa história é uma lenda, mas, como todas as lendas, contém uma verdade importante. Pois os ensinamentos de Buda mostram, sem sombra de dúvida, que seu desespero de encontrar realização no plano físico deveu-se ao envolvimento inescapável do corpo com a doença, a decrepitude e a morte. "A vida está sujeita ao envelhecimento e à morte. Em qual esfera da vida não há envelhecimento nem morte?"

Quando ele percebeu a inevitabilidade da dor física e da morte, os prazeres carnais perderam todo encanto. A cantilena das dançarinas, a cadência dos alaúdes e címbalos, os suntuosos festins e procissões, a celebração elaborada dos festivais, nada disso o satisfazia interiormente e trazia paz à sua alma. Ele decidiu deixar a armadilha de distrações em que se tornara seu palácio e seguir a vocação de buscador da verdade. Certa noite, aos 29 anos, ele cortou todos os laços com o passado; começava sua Grande jornada. Durante a madrugada, foi até o leito onde sua mulher e seu filho dormiam abraçados, deu-lhes um adeus silencioso. e mandou o guarda-portão arrear seu grande cavalo branco. Ambos cavalgaram até à floresta. Lá chegando ao amanhecer, Gautama vestiu as roupas do servo e mandou-o de volta ao palácio, com o cavalo, para anunciar o ocorrido. Gautama cortou os cabelos e, "vestindo um traje humilde", mergulhou na floresta em busca de iluminação.

Passaram-se seis anos, durante os quais todas as suas energias se concentraram nesse objetivo. Afirmam os budistas que sua busca passou por três fases, mas não há registro do tempo que durou cada uma ou da intensidade de suas divisões.

O primeiro ato de Gautama foi procurar dois dos maiores mestres hindus da época, deles colhendo a sabedoria daquela grande tradição. Ele aprendeu muito - sobre a filosofia hindu; tanto, na verdade, que os hindus viriam a reivindicar Buda como sua propriedade, alegando que as críticas dele à religião da época representariam apenas uma reforma, sendo bem menos importantes que os muitos pontos de concordância. Mas, com o tempo, Gautama concluiu que já tinha aprendido tudo o que aqueles mestres poderiam lhe ensinar.

Seu próximo passo foi unir-se a um grupo de ascetas e experimentar, com honestidade, o caminho por eles seguido. Homem dotado de enorme força de vontade, o futuro Buda ultrapassou seus companheiros em todas as provas de austeridade por eles propostas. Conta-se que ele veio a comer tão pouco - seis grãos de arroz durante um de seus jejuns -, que "quando pensei que tocaria o céu do meu estômago, na verdade tocava a minha espinha". ' Acabou ficando tão fraco que caiu numa espécie de coma; se os companheiros não lhe dessem um pouco de mingau quente de arroz, facilmente teria morrido. Essa experiência ensinou-lhe a futilidade do ascetismo. Ele dera tudo de si àquela experiência e não alcançara êxito - ela não lhe trouxera a iluminação. Mas também as experiências negativas contêm suas lições e, nesse caso, o fracasso do ascetismo deu a Gautama a primeira tábua para a construção do seu programa: o princípio do Caminho do Meio, entre os extremos do ascetismo, por um lado, e a satisfação dos sentidos, por outro. É o conceito da vida bem distribuída, no qual damos ao corpo aquilo que ele necessita para seu bom funcionamento, e nada mais.

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Voltando as costas para a mortificação, Gautama devotou a fase final de sua busca a uma combinação de pensamento rigoroso e concentração mística. Certa tarde, perto de Gaya, no nordeste da índia, ao sul da atual cidade de Patria, ele sentou-se sob uma figueira que viria a ser conhecida como a Árvore Bodhi ("iluminação"). Mais tarde, esse lugar ganharia o nome de Local Imóvel, pois diz a tradição que Buda, sentindo aproximar-se um momento de ruptura, sentou-se, naquela tarde memorável, fazendo o voto de não se levantar até alcançar a iluminação.

Os registros oferecem, como primeiro acontecimento da noite, uma cena de tentação que nos recorda a de Jesus às vésperas de seu ministério. 0 Maligno, percebendo que o sucesso de seu antagonista estava iminente, correu ao local para perturbar sua concentração. Atacou primeiro sob a forma de Karna, o Deus do Desejo, apresentando três mulheres voluptuosas com seus séquitos tentadores. Como o futuro Buda permaneceu indiferente, o Tentador trocou seu disfarce pelo de Mara, o Senhor da Morte. Seus poderosos exércitos atacaram o aspirante com furacões, chuvas torrenciais e saraivadas de rochas flamejantes, mas Gautama de tal modo se esvaziara do eu finito, que as armas não encontraram alvo e se transformaram em pétalas de flores ao entrarem na sua esfera de concentração. Depois disso, enquanto a Árvore Bodhi derramava chuvas de flores vermelhas que iluminaram a noite de maio, a meditação de Gautama se aprofundou de vigília em vigília até que, quando a estrela da manhã brilhou no céu transparente do Leste, sua mente é finalmente e milagrosamente, restaurada com a radiância do verdadeiro ser. O Grande Despertar tinha chegado. O ser de Gautama foi transformado e ele emergiu como "o Buda". Esse acontecimento teve importáncia cósmica. Afirma-se que a bem-aventurança dessa vasta experiência manteve Buda enraizado ao local durante sete dias. No oitavo dia, ele tentou se levantar, mas outra onda de bem-aventurança quebrou-se sobre ele. Durante 49 dias ele se perdeu em êxtase, depois dos quais seu "olhar glorioso" abriu-se sobre o mundo.

Mara esperava por ele com uma última tentação. Apelou, dessa vez, para o que sempre tinha sido o ponto forte de Gautama: a razão. Mara não tentou discutir o fardo de reentrar no mundo, com suas banalidades e obsessões, mas fez um desafio mais profundo. Quem poderia compreender uma verdade tão profunda como a que Buda tinha alcançado? Como poderia essa revelação, tão além da palavra, ser traduzida em palavras? Como poderiam essas visões, que despedaçavam as definições, ser aprisionadas na mera linguagem? Em suma, como mostrar o que só pode ser encontrado? Como ensinar o que só pode ser aprendido? Por que se incomodar em fazer papel de tolo diante de uma platéia que nunca o compreenderia? Por que não esquecer este mundo violento, lavar as mãos - renunciar ao corpo e deslizar, de uma vez por todas, para o nirvana? O argumento era muito persuasivo. Diz-se então que, que por fim, Buda respondeu, "Haverá alguns que compreenderão", e Mara foi banido da sua vida para sempre.

Seguiu-se quase meio século, durante o qual Buda percorreu as estradas poeirentas da índia até seus cabelos embranquecerem, seu passo perder a firmeza e seu corpo nada mais ser que um frágil envoltório, pregando sua mensagem de anulação do ego. Ele fundou uma ordem de monges, desafiou a insensibilidade da sociedade brâmane e, em troca, aceitou as dúvidas, as perplexidades e o ressentimento provocados pela sua atitude. Sua rotina diária era assombrosa. Além de treinar os monges e supervisionar os assuntos de sua ordem, ele mantinha intermináveis compromissos de pregação pública e consultas privadas, aconselhando os perplexos, encorajando os fiéis e confortando os perturbados. "A ele vinham as pessoas, atravessando o país desde terras distantes, para fazer perguntas, e a todas ele dava as boas-vindas." Por baixo de sua reação a essas pressões e permitindo-lhe suportá-las, estava o padrão de renúncia. Buda recolheu-se por seis anos e, depois, retornou por 45 anos. Mas cada ano era igualmente dividido: nove meses no mundo, seguidos por um retiro de três meses com seus monges, durante a estação das chuvas. Também seu ciclo diário seguia esse padrão. Suas horas públicas eram longas, mas três vezes por dia ele se recolhia, voltando sua atenção (por meio da meditação) à sua fonte sagrada.

Depois de um árduo ministério de 45 anos, com a idade de 80 e por volta do ano 483 a.C., Buda veio a morrer.

ASPECTOS CONCEITUAIS DO BUDISMO:

1. Buda pregou uma religião desprovida de autoridade. Seu ataque à autoridade tem dois aspectos. Por um lado, ele queria romper o controle moriopolizador dos brâmanes sobre os ensinamentos

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religiosos, e boa parte de sua reforma consistiu apenas em tornar acessível a muitos aquilo que até então era posse exclusiva de uns poucos. Mas se o seu primeiro ataque à autoridade visava uma instituição - a casta brahmin -, o segundo foi dirigido contra pessoas. Numa época em que as multidões contavam passivamente com os brâmanes para lhes dizerem o que fazer, Buda desafiou cada pessoa a realizar a própria busca religiosa. Ele ensinava que as pessoas não deviam aceitar aquilo que ouviam relatar, ou mesmo pela tradição, ou porque simplesmente estão nos livros, ou por causa dos ditos de algum mestre.

2. Buda pregou uma religião desprovida de rituais. Repetidamente ridicularizou o palavreado sem sentido dos ritos bramânicos como sendo petições supersticiosas a deuses ineficazes. Aqueles ritos eram meras aparência externas e irrelevantes para a árdua e exigente tarefa de redução do ego. Na verdade, eram piores que irrelevantes; Buda argumentou que "a crença na eficácia de ritos e cerimónias" é um dos Dez Grilhões que aprisionam o espírito humano. Nesse ponto, como em muitos outros, Buda mostrava coerência. Descartando as formas do hinduísmo, ele resistiu à tentação de instituir novas formas, dele próprio, fato esse que levou alguns escritores a caracterizar seus ensinamentos como um moralismo racional, em vez de uma religião.

3. Buda pregou uma religião que contornava a especulação. Há amplas evidências de que ele poderia ter sido um dos grandes metafisicos do mundo, se tivesse voltado sua mente para essa tarefa. Em vez disso, ele contornou "o caminho da teorização". Seu silêncio, nessa questão, não passou despercebido. "Se mundo é eterno ou não, se o mundo é finito ou não, se a alma é o mesmo que corpo ou se a alma é uma coisa e o corpo outra. se Buda existirá após a morte ou não existirá após a morte - essas coisas", observou um de seus discípulos, "meu Mestre não me explica”. Esta é a grande diferença entre o budismo e o cristianismo. A fé cristã está pautada em valores eternos e absolutos, na existência da alma, na vida após a morte, na existência de Deus como Ser Absoluto, eterno, todo-poderoso, onisciente, onipotente e onipresente. No budismo não há um deus.

4. Buda pregou uma religião desprovida de tradição. Postou-se sobre o passado, cujos picos ampliaram imensamente sua visão, mas viu a maioria de seus contemporâneos enterrados sob aqueles picos. Encorajou seus seguidores, portanto, a se libertarem do fardo do passado. Sua mais importante ruptura pessoal com o arcaísmo baseou-se na decisão comparável à decisão de Martinho Lutero de traduzir a Bíblia do latim para o alemão - de abandonar o sânscrito e ensinar na linguagem popular.

5. Buda pregou uma religião de grande esforço pessoal. Já vimos o desânimo e o derrotismo que haviam se instalado na Índia nos dias de Buda. Muitos chegaram a aceitar como infindável o ciclo de nascimentos e renascimentos, o que equivalia a se resignar com uma terrível sentença de trabalhos forçados por toda a eternidade. Aqueles que ainda se agarravam à esperança da libertação final resignavam-se com a noção, patrocinada pelos brâmanes, de que esse processo levaria milhares de vidas, durante as quais o indivíduo iria subindo gradualmente até nascer na casta brahmin, a única a partir da qual a libertação era possível.

A Buda, nada parecia mais pernicioso do que esse fatalismo. Buda nega apenas uma afirmação, a dos "tolos" que dizem que não há ação, nem feito nem poder. "Há um caminho para o fim do sofrimento. Trilhai-o! " Além disso, todo indivíduo precisa trilhar esse caminho por si mesmo, utilizando o auto-despertar e a iniciativa. "Aqueles que contarem apenas consigo mesmos, sem buscar a assistência de qualquer outro além de si mesmos, serão os que alcançarão a máxima altura." Não se pode contar com um deus ou deuses, nem mesmo com o próprio Buda. Quando eu me for, disse ele aos seus seguidores, não vos preocupeis em orar por mim; porque, quando eu me for, terei realmente ido. "Os Budas somente apontam o caminho. Trabalhai diligentemente pela vossa salvação."" Buda considerava ridícula a noção de que somente os brâmanes poderiam alcançar a iluminação. Qualquer que seja a vossa casta, disse ele aos seus seguidores, podeis alcançar a iluminação nesta vida. "Venham a mim as pessoas de inteligência, honestas, sinceras, leais; eu as instruirei e, se elas praticarem como lhes for ensinado, chegarão por si mesmas a conhecer e realizar essa suprema religião e meta."

6. Buda pregou uma religião desprovida do sobrenatural. Ele condenava todas as formas de adivinhação, profecia e predição como artes inferiores; e, embora tivesse concluído por experiência

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própria que a mente humana era capaz de exercer os poderes que hoje chamamos de para-normais, recusava-se a permitir que seus monges gastassem tempo divertindo-se com esses poderes. "Assim saberás que um homem não é meu discípulo - se ele tentar fazer milagres." Pois Buda sentia que contar com o sobrenatural, invocá-lo, equivalia a procurar atalhos, respostas fáceis e soluções simples que apenas desviariam a atenção da tarefa árdua e prática do auto-desenvolvimento. "É por perceber perigo na prática das maravilhas místicas que tão fortemente a desencorajo." Se a religião de Buda - sem autoridade, ritual, teologia, tradição, graça e o sobrenatural - era também uma religião sem Deus é assunto que reservamos para cada um perceber. Depois da sua morte, toda a parafernália contra a qual Buda lutou para proteger sua religião entrou nela aos abundantemente, mas enquanto vivo ele a manteve à distância.

Como conseqüência, o budismo original nos apresenta uma versão da religião que é única e, portanto, historicamente valiosa, pois o olhar às formas assumidas pelas religiões aumenta a compreensão acerca da real essência das religiões.

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIECURSO DE ARQUITETURA

DISCICPLINA: ÉTICA E CIDADANIA PROF. ANTONIO JOSÉ

Assunto Temático da Aula:

A ÉTICA SOCIAL DA TORAH

Introdução

Israel: O país onde nascera os patriarcas e profetas do mundo bíblico; O país que é a confluência de três grandes religiões: O Judaísmo, o Cristianismo, e o Islamismo. Extensão territorial: 28.251 km2. População: Cerca de 7.000.000 (crescimento anual de 2 %). Povos por Etnia: 82% são Judeus; 16% são árabes (palestinos); 2% são druzos. Alfabetização: 94% da população. Capital: Jerusalém, com oitocentos mil habitantes, todavia não é reconhecida pela ONU como capital do país. A capital de Israel internacionalmente reconhecida é Tel Aviv. Línguas oficiais: Hebraico e Inglês e Árabe (. Economia: Israel é um país moderno e industrializado, contudo a economia está sofrendo severo revés por causa da onda de novos imigrantes (25% da população), e as altas despesas militares (30% dos gastos do governo). A renda per capita de Israel é de $12.000 (doze mil dólares), ou seja, cinco vezes maior que a renda per capita brasileira. Política: A criação do estado de Israel em 14 de Maio de 1948 terminou os 1900 anos de exílio do povo judeu fora de sua pátria. Desde 1948 até hoje já houve cinco guerras sangrentas com os países árabes vizinhos (1948, 1956, 1967, 1973, 1982), e isto tem exigido um alto custo e penoso sofrimento para a sociedade Israelense. Religião: 81% da população professa o Judaísmo; 15% professa a fé Islâmica (seguidores de Maomé); 2% são cristãos (católicos e protestantes). Cerca de 3% se declaram judeus nominais ou arreligiosos.

1. O Fundamento da Ética Social Na Torah

O patriarca Abraão e seus descendentes deviam ser canais das bênçãos de Deus para as outras nações. O povo de Israel devia observar os mandamentos de Deus como povo da aliança, a fim de transmitir os valores espirituais às nações ao seu redor. É certamente mais do que coincidente que a trombeta vibrante anunciasse o jubileu no dia da expiação (Levítico 25.9). A reconciliação com Deus é a precondição para a reconciliação com os irmãos e irmãs. A verdadeira reconciliação com Deus leva inevitavelmente à transformação de todos os outros relacionamentos. Da aliança de Deus com Moisés até a promulgação do Decálogo (os Dez Mandamentos), a Torah está continuamente apontando para o pobre, a viúva, o órfão, o estrangeiro, o necessitado e o oprimido. O texto da Torah revela vários fatos significativos acerca da atitude de Deus para com o pobre. “Ele acode ao necessitado que clama, e também ao aflito e ao desvalido. Ele tem piedade do fraco e do necessitado, e salva a alma aos indigentes” (Salmo 72.12-13). O Senhor “não se esquece do clamor dos aflitos” (Salmo 9.12). “Foste a fortaleza do pobre, e a fortaleza do necessitado na sua angústia” (Isaías 25.4). Na ordem social do Velho Testamento, o pobre recebia um benefício econômico. O povo devia emprestar liberalmente ao pobre, sem cobrar juros (Deuteronômio 15.7-11; Êxodo 22.25). Parte do trigo e da colheita da uva deveria ser deixada no campo, para ficar para o pobre

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(Levítico 19.9,10; 23.22). De modo significante, parte do propósito do dízimo era prover a carência do pobre (Deuteronômio 14.29; 26.12,13).

A Torah enfatiza que Deus requer justiça para o pobre e julgará aqueles que os oprimirem. As palavras de Deus ao profeta Zacarias são representativas: “Executai juízo verdadeiro, mostrai bondade e misericórdia cada um a seu irmão; não oprimais a viúva, nem o órfão, nem o estrangeiro, nem o pobre” (Zacarias 7.9,10; Levítico 19.15; Deuteronômio 16.18.20; 24.14.22; Provérbios 31.9; Amós 2.6,7).

Na Torah a atenção divina para com o pobre aparece consistentemente dentro do contexto da justiça de Deus e a obra de justiça no meio de seu povo. Assim, biblicamente, palavras como pobre, necessitado, oprimido, forasteiro têm tipicamente um conteúdo moral, relacionado com a exigência divina por justiça.

Finalmente, o Antigo Testamento ensina que o povo de Deus tem sobre si uma responsabilidade ética especial para com o pobre. A recordação de sua escravidão no Egito foi o motivo para que os israelitas demonstrassem misericórdia para com o oprimido (Deuteronômio 24.17-22). Todos estes ensinos sobre o pobre são parte da palavra de Deus. Embora eles estejam ligados aos contextos históricos específicos, a mensagem ética brilha amplamente e forma o cenário dos ensinos e atitudes do próprio Jesus.

1.1 - O Ano do Jubileu e o Ano Sabático

As provisões econômicas do Ano do Jubileu têm largas implicações (Levítico 25.8-17; 25.18-34; 35-55; Números 26.52-56). A cada quarenta e nove anos, registram os textos, os escravos seriam libertados, os débitos seriam suspensos ou cancelados, e a terra retornaria aos seus proprietários originais (esta declaração realça o reconhecimento de que toda terra, em última análise, pertence somente a Yahveh). A lei previa a liberação do solo, dos escravos e dos devedores a cada sete anos. Passados sete anos a terra deveria ficar inculta:

Seis anos semearás a tua terra, e recolherás os seus frutos; porém no sétimo ano a deixarás descansar e não a cultivarás, para que os pobres do teu povo achem que comer, e do sobejo comam os animais do campo. Assim farás com a tua vinha e com o teu olival (Êxodo 23.10,11).

O ensino da Torah expressa a mesma orientação no livro de Levítico:

Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Quando entrardes na terra, que vos dou, então a terra guardará um sábado ao Senhor. Seis anos semearás o teu campo, e seis anos podarás a tua vinha, e colherás os seus frutos. Porém no sétimo ano haverá sábado de descanso solene para a terra, um sábado ao Senhor; não semearás o teu campo nem podarás a tua vinha. O que nascer de si mesmo na tua seara não segarás, e as uvas da tua vinha não podada não colherás; ano de

descanso solene será para a terra. Mas os frutos da terra em descanso vos serão por alimento a ti, e ao teu servo, e à tua serva, e ao teu jornaleiro, e ao estrangeiro que peregrina contigo; e ao teu gado, e aos animais que estão na tua terra, todo o seu produto será por mantimento (Levítico 25.2-7).

Os escravos hebreus também recebiam sua liberdade no ano sabático:

Quando um de teus irmãos, hebreu ou hebréia, te for vendido, seis anos servir- te-á, mas no sétimo o despedirás forro. E, quando de ti o despedires forro, não o deixarás ir vazio. Liberalmente lhe fornecerás do teu rebanho, da tua eira e do teu lagar; daquilo com que o Senhor teu Deus te houver abençoado lhe darás. Lembrar-te-ás de que foste servo na terra do Egito, e de que

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o Senhor teu Deus te remiu: pelo que hoje isso te ordeno. Se, porém, ele te disser: Não sairei de ti; porquanto te ama a ti e a tua casa, por estar bem contigo, então tomarás uma sovela, e lhe

furarás a orelha na porta, e será para sempre teu servo: e também assim farás à tua serva. Não te pareça aos olhos duro o despedi-lo forro; pois seis anos te serviu por metade do salário do jornaleiro: assim o Senhor teu Deus te abençoará em tudo o que fizeres (Deuteronômio 15.12-18).

Ao término de seis anos os escravos hebreus deviam tornar-se livres. E os senhores deviam compartilhar seus produtos do labor conjunto com os irmãos que partiam. Não deviam ser despedidos de mãos vazias (Deuteronômio 15.14,14). A provisão sabática sobre empréstimos eram ainda mais radicais (Deuteronômio 15.1-6). Cada sete anos todos os débitos deviam ser quitados. Deuteronômio capítulo quinze é tanto uma proposição idealística do perfeito requerimento de Deus como também uma referência realística para o provável comportamento de Israel como comunidade justa e compassiva. O ano sabático, infelizmente, foi praticado somente esporadicamente. A desobediência de Israel, contudo, não enfraquece e nem anula a ordem divina.

1.2 - Leis Sobre o Dízimo e a Respiga

Outras determinações legais ampliam os deveres a ser observados no Ano do Jubileu. A lei estabelece que um décimo de toda a produção de animais e plantações deveria ser separado como dízimo a Deus.

Ao fim de cada três anos tirarás todos os dízimos do fruto do terceiro ano, e os recolherás na tua cidade. Então virá o levita (pois não tem parte nem herança contigo), o estrangeiro, o órfão e a viúva, que estão dentro da tua cidade, e comerão, e se fartarão, para que o Senhor teu Deus te abençoe em todas as obras que as tuas mãos fizerem (Deuteronômio 14.28,29; ver também Deuteronômio 26.12-15; Números 18.21-32).

A pobre viúva Rute (capítulo 2 de Rute) pôde sobreviver por causa da lei da respiga ou rebusca. Quando ela e Noemi viajaram para Belém, a avó do rei Davi foi aos campos no tempo da colheita e ajuntou as gavelas de grãos deixadas pelos ceifeiros. Ele pôde fazer isto porque a lei de Deus decretara que os agricultores deviam deixar alguma coisa da colheita, incluindo as espigas de grãos dos campos para o pobre. Os bagos de uvas caídos acidentalmente deviam ser deixados: “Deixá-los-ás ao pobre e ao estrangeiro: Eu sou o Senhor vosso Deus” (Levítico 19.10). As questões de riqueza, pobreza e justiça social constituem o ponto central do ministério dos profetas. O Senhor diz por meio do profeta Isaías:

Porventura não é este o jejum que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces todo jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desabrigados, e se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante? (Isaías 58.6,7).

Amós clama que não somente Deus deleita-se em tais ações de justiça social, mas os relacionamentos e louvores dos crentes não são aceitáveis a Deus a menos que seus mandamentos sejam observados. “Corra o juízo como as águas, e a justiça como ribeiro perene” (Amós 5.24). Deus deu a Israel aquelas instruções para que seu povo aprendesse como viver em paz e justiça.

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIECURSO DE ARQUITETURA

DISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIA

Prof. Antonio José. “A CONTRACULTURA E A ÉTICA DO CRISTIANISMO”

“Para alguns é o capitalismo que envenena o ser; mas Jesus e os apóstolos foram além: é o “mundo’ – R. Brandt.

O termo “contracultura” identifica os movimentos que se desencadearam a partir da década de 1960, quando jovens se rebelaram contra o conservadorismo nas sociedades “avançadas” do ocidente. Mas o termo pode caracterizar todos os sentimentos de contestação ao modelo vigente em dado momento histórico, uma ruptura com o que é imposto pelos convencionalismos e passivamente acatado pela massa. Rastreando a História, encontramos diversas “contraculturas” que muito significaram em suas épocas e permanecem relevantes. Um olhar honesto encontrará, por exemplo, na pessoa e vida de Jesus e nas motivações iniciais do Cristianismo, uma inspiradora negação ao convencional. Jesus fez discípulos em um contexto singular. Sua presença na História coincidiu com uma “plenitude dos tempos”, quando a religião judaica, a cultura grega e a política romana careciam de um nexo mais profundo. Ele deu novo sentido aos que identificaram na nova doutrina um eixo existencial. Mas não foi apenas nos argumentos e formulações teológicas que o Cristianismo provou sua excelência. A nova fé exigia do converso um outro olhar exterior e outra atitude interior. O “Sermão do Monte” (Mt 5-7) sintetiza essa exigência e fundamenta aquilo que ousamos chamar de “contracultura cristã” em relação aos ensinos da tradição judaica.

Primeiro, em sua Teologia. Deus se revela àqueles cuja atitude interior é imune aos preconceitos e domesticidades —os “limpos de coração”; é o Pai dos que focalizam na paz tanto suas estratégias quanto suas atitudes mínimas e imediatas, e cuja magnanimidade interior gera uma atitude proativa em relação ao próximo.

Segundo, para Jesus a sociedade é insossa e tenebrosa. Poucos são os que se engajam na originalidade e excelência; a porta da hipocrisia, da imitação e da despersonalização é larga. Não bastasse isso, tanto o indivíduo quanto o conjunto social são envenenados por uma religiosidade formalista, exterior e propagandista. Jesus a supera: “ouvistes o que foi dito... eu, porém, vos digo”: odiar ou ofender é tão perigoso quanto matar; submeter a mente a devaneios indizíveis é tão imoral quanto adulterar; ausência de firmeza e responsabilidade no falar é tão repugnante quanto mentir. Jesus troca o Talião pelo perdão. Uma sociedade que semeia vingança colhe sangue; ser diferente é semear reconciliação. Aliás, o Talião é remodelado por Jesus: “da forma que julgardes, sereis julgados; na medida que medirdes, sereis medidos” — autocrítica gera aceitação do outro. Ele não diz que a religião é o ópio do povo, mas desconfia de religiosos “geneticamente modificados”: espinheiros prometendo uvas, abrolhos oferecendo figos e lobos travestidos de ovelhas.

Terceiro, em sua visão de História. Ele não cultua imperadores, militares, empreendedores ou líderes; seus heróis são aqueles que mandaram pouco e serviram muito — os profetas: contestadores, não conformistas (seus ideais eram mais nobres que as rotinas de seus contemporâneos); pagaram preço altíssimo: injuriados, perseguidos, torturados, assassinados. E o Mestre estimula seus discípulos a peregrinarem nessa terra sem configurarem seus ideais com as categorias do sistema vigente, para que a indignação de ver o homem dominado pelo homem seja não apenas uma motivação existencial, mas uma atitude cotidiana: como a mais elementar necessidade biológica; “fome e sede de justiça” mesmo que isso resulte em perseguição, marginalização ou morte. Mas a contestação de Jesus não incorre no erro comum às demais manifestações contra-culturais, que desandaram para comportamentos viciosos e

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inconseqüentes. Jesus não propõe uma atitude amorfa e suspensa ao acaso. Ele assevera: “eu não vim destruir a Lei, mas cumpri-la”. O discurso é encerrado com a mesma advertência: “é insensatez construir uma casa na areia; prudente é quem edifica sobre a rocha”. E adverte, contestando a falsa moralidade do servilismo social, que em sua “contracultura” a moralidade individual deve exceder à dos domestica dores sociais. É importante ressaltar a relevância do discurso e atitude contra-cultural de Jesus para hoje. Para alguns é o capitalismo que envenena o ser; mas Jesus e os apóstolos foram além: é o “mundo”, não importa que regime político-econômico se impõe. E não há, até o presente, modelo ou alternativa tangível que supere ao capitalismo (a história do comunismo ficou marcada por violência, crueldades, atrocidades, como lembra o filósofo marxista Leandro Konder). Jesus não diz que o sistema será transformado (sua utopia estende-se ao Reino dos Céus); mas cabe ao indivíduo galgar uma excelência moral que o transcenda.

Na Ética de Jesus, cooperação supera competição e conflito —os quais acirram rivalidades, trapaças e opressões. Jesus fala de amar ao inimigo, e não apenas aos que nos fazem o bem; fala de estender amor a todo ser humano, e não apenas aos que residem em nossa circunscrição de interesses e afetividades. E é preciso semear a excelência: oferecer a outra face, ceder a capa, andar a outra milha.A gênese dessa atitude é a Regra Áurea (“faça aos outros o que quer que te façam”), sem sua deformação (que Erich Fromm chamou de “Ética da Probidade” — atitude de indiferença: “não me incomode que eu não te incomodo”, significando maior distanciamento entre as pessoas). O “homem burguês” enfrenta, segundo Konder, exigências contraditórias: “cultiva relações humanas verdadeiras para tentar superar a solidão, mas também precisa se servir utilitariamente das pessoas, manipulando-as, para alcançar os objetivos que a ideologia dominante define como essencial: vencer na vida”. Combina “Regra Áurea” com “levar vantagem em tudo”. No discurso e atitude de Jesus o dinheiro não é essencialmente ruim; mas quando seu cultivo torna-se mais importante que a celebração da vida, faz do homem um idólatra. Sua declaração de que a vida e o corpo são mais importantes que a comida e a roupa afronta aos mecanismos e hábitos de consumo. Prestamos atenção à publicidade (o irreal que objetiva o lucro) e ignoramos que ao lado do outdoor há uma cena real, de crianças mergulhando no lixo em busca de comida. E, ao esbanjarmos o que temos (no Brasil, mais da metade do lixo é comida!), somos não apenas coniventes, mas também propagadores da injustiça - e ainda nos consideramos cristãos! A Ética de Jesus é contestadora e denunciadora. É para os que olham para as aves do céu, ostentando apenas a liberdade, o ser, a plenitude; é para os que olham os lírios do campo, simples — sem corroerem a si mesmos e ao próximo numa insaciável avidez que petrifica o coração, coisifica o ser e banaliza a existência. É para quem enxerga a vida poeticamente. Nos tais há uma inquietação interior: amor, dedicação e atenção genuína aos que são privados dos mais elementares ingredientes da dignidade. A vacina contra a mediocridade é o amor. É possível cultivar amor genuíno num ambiente de falsas cortesias? Para Erich Fromm, “um fazendeiro, um operário, um professor, e muitos tipos de homens de negócio, podem tentar praticar o amor sem deixar de funcionar economicamente”. Mas é preciso ser cético diante da moderna manipulação de virtudes. Bolívar Costa observou que valores como “honestidade, lealdade, frugalidade, etc, antes de constituírem qualidades morais, representam capital potencialmente aplicável”. Já a Ética contra-cultural de Jesus propõe o cultivo de virtudes, motivadas não pelas circunstâncias, mas pela pureza interior, para a qual a recompensa é a excelência moral e a certeza de estar cultivando o bem comum. Além dos limpos de coração, dos pacificadores e dos famintos, sedentos e perseguidos pela justiça, Jesus elenca outros “bem-aventurados”: os humildes de espírito, cuja grandeza não é reconhecida por sua geração; os que choram, semeando humanidade e sensibilidade em um ambiente de teatralismos sentimentais; os mansos, porque seu ritmo moral não acompanha o termômetro das circunstâncias, e sua originalidade não é assaltada por exterioridades; e os misericordiosos, que alimentam esperanças e utopias, mesmo quando seus mais sádicos oponentes são justamente os que os rodeiam. Enquanto egoísmo e hedonismo programam cérebros e corações de consumidores, a voz de Jesus ecoa falando de “negar-se a si mesmo” e de autocrítica: “se o teu olho te faz tropeçar, arranca-o; se tua mão te faz tropeçar, arranca-a” —se nosso foco (olho) e ações (mãos) concentram-se no acessório, e não no essencial, somos apenas parcialmente criadores, algo em nosso interior é inútil ou até danoso, e urge ser eliminado. Nossa sociedade consome supérfluos. Muitas intrigas pessoais surgem de detalhes. Somos coisas pervertendo tudo que adorna a vida e embeleza o ser. Passados dois mil anos, as palavras de Jesus continuam válidas e relevantes. E, embora nos

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emocionemos no cinema com cenas que interpretam sua Paixão e sofrimento, continuamos a crucificá-lo em nosso cotidiano absurdamente materialista, consumista e cheio de complexismos, e com nossa visão convencional, não crítica e indiferente.

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIECURSO DE ARQUITETURA

DISCIPLINA: “ÉTICA E CIDADANIA”

Prof. Antonio José

ASSUNTO TEMÁTICO DA AULA:

"O SURGIMENTO DO ISLAMISMO, SUA HISTÓRIA E SEUS VALORES”.

Objetivos: Após esta aula você será capaz de...:

__ Conhecer o surgimento histórico do Islamismo no século VII. __ Conhecer os chamados “cinco artigos de fé” do Islamismo;__ Conhecer os chamados “cinco pilares de fé” do Islamismo;__ Conhecer o que aconteceu no período das Cruzadas e prejuízo causado

à Cristandade medieval.

“CONHECENDO O ISLAMISMO”

Há apenas três religiões de vulto mundial que parecem constituir-se desde o começo como religiões dominadas por uma percepção “missionária” universalista: O Budismo, o cristianismo e o Islamismo.

Nós verificamos que se trata das poucas religiões da humanidade de que se pode determinar um começo definido no tempo, e ao mesmo tempo, identificar os seus fundadores. Cada um dos seus fundadores, considerou haver recebido uma revelação de Deus de significado universal para todos os povos: cada um deles concitou os seus discípulos que pregassem a sua mensagem da forma mais intensa possível. O Budismo tem sido caracteristicamente uma religião oriental. Contudo, recentemente, tem alargado as suas fronteiras para o ocidente. O Islamismo que nasceu como uma religião dos povos árabes, hoje faz incursões de natureza missionária em todo o mundo. Tornando-se numa das religiões que mais crescem no mundo, com prolongamentos em todas as direções. Estende-se desde Marrocos até a China; desde a Albânia até a Indonésia, e penetra com êxito na África Tropical e no mundo ocidental.

Como estamos estudando “ética e Cidadania”, é fator de profunda relevância estudarmos o surgimento do Islamismo, suas nuances históricas e matizes ético-doutrinárias, a fim de que estejamos melhor munidos e equipados em nosso conhecimento acadêmico.

Em anos recentes o Islamismo ficou sob a luz dos holofotes por causa das grandes tensões internacionais no Oriente Médio. Isso tem servido para submeter a cultura Islâmica ao microscópio das atenções do mundo. A fé Islâmica é uma das grandes forças impulsionadoras nas vidas de muitas nações do Oriente Médio, norte da África e Ásia. O impacto dessa fé sobre o mundo vem aumentando constantemente. Atualmente, o Islamismo é a religião de mais rápido crescimento no mundo. Em grande parte a tensão Árabe-Israelense pode ser explicada pelo conflito entre o Islamismo e Judaísmo. Islã significa literalmente “submissão a vontade de Allah”. Islamita é aquele que é um seguidor de Maomé O Islamismo é tanto uma religião quanto uma identidade cultural, que não podem ser separadas. Para o muçulmano não há separação entre a Religião e o Estado.

Milhares de figuras célebres têm aderido ao Islamismo. Há vários anos passados, o múltiplo campeão mundial de Box Cassius Clay, tornou-se muçulmano e denominou a si mesmo de “ Mohammed Ali”, agora, um outro campeão mundial “Mike Thyson”, declara a fé muçulmana.

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O próprio impacto do Islamismo ao longo da história torna-se motivo de estudo. Sir Norman Anderson, um especialista inglês sobre a matéria afirma: “ A religião islâmica é um dos fenômenos mais notáveis da história”.7 Um século após a morte de seu fundador no século sexto (VI), a religião já se espraiava do sul da França, em quase toda a Espanha, as nações do norte da áfrica (Egito, Líbia, Tunísia, Niger, Sudão, Argélia, Nigéria, Marrocos, Mauritânia, Chade), todo o Oriente próximo e Médio (Irã, Iraque, Arábia Saudita, Iemem do Norte e do Sul, Jordânia, Turquia) e partes da Ásia (Afeganistão, Paquistão, Ìndia e China).

Atualmente estende-se em quase todos os países da África, Ásia, Europa, e América do Norte como o movimento religioso mais crescente no mundo contemporâneo.

SUMÁRIO HISTÓRICO DO ISLAMISMO

O fundador do Islamismo foi Maomé (em árabe “Mohammed”). Ele nasceu no ano 570 depois de Cristo em Meca na Arábia Saudita. Já adulto aos 25 anos. Maomé confessou estar recebendo muitas visões as quais ele próprio declarava não saber se elas eram de Deus ou do Diabo. Sua esposa Kadija encorajou-se a crer que aquelas visões eram da parte de Deus. A partir dali ele rejeitou o politeísmo de seus conterrâneos e passou a apregoar o monoteísmo. Essas visões assinalaram o começo da chamada profética de Maomé por parte de Allah (a palavra “ Deus” na língua árabe). Maomé continuou recebendo visões até a sua morte, que ocorreu em 632 d.C.

A HÉGIRA

Maomé foi inicialmente, perseguido em sua cidade natal Meca e dali ele fugiu para Medina (Nome que significa “cidade do Profeta”). A palavra “Hégira” significa “fuga”. Todos os calendários muçulmanos no mundo inteiro marcam essa data, 16 de julho de 622, como o começo do Islamismo. O calendário muçulmano começou a ser contado naquele ano, ou seja este é o ano de 1384 depois de Maomé conforme os muçulmanos. Durante a sua vida Maomé propagou, zelosa e militarmente a sua crença, e assim, usando a lei da espada, o Islamismo cresceu por toda aquela região.

SUAS PRINCIPAIS CRENÇAS

O Alcorão: A base da doutrina Islâmica encontra-se no Alcorão, que é o livro Sagrado dos Muçulmanos. Ele é a única regra de fé e prática para o Islamismo. Uma pequena parte foi escrita por Maomé e outra parte escrita por seus sucessores. O muçulmano crê que só há um Deus, Maomé é o seu maior profeta e o Alcorão é o único livro infalível. O Alcorão compõe-se de cento e quatorze capítulos.

ARTIGOS DE FÉ

Há cinco artigos de fé que concluem a fé islâmica: Se espera que todos os que adotam o Islamismo, creiam nesses artigos, e morram por eles, se necessário for.

1) DEUS : só existe um Deus verdadeiro e seu nome é Allah. Allah é onisciente, Todo-Poderoso, e Juiz Soberano. Ele não é um Deus pessoal, pois acha-se acima do homem em todos os sentidos, pois não pode ser conhecido como uma personalidade. O Islamismo ensina a unidade da essência de Deus, excluindo explicitamente a doutrina da Santíssima Trindade.

7 Sir Norman Anderson. The World’s Religion (London, England: Oxford University Press, 1992), 52.

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Eles não crêem na Deidade de Cristo e nem na divindade do Espírito Santo. Os muçulmanos não crêem na morte vicária de Cristo e nem na sua ressurreição.

2) OS ANJOS : a existência dos anjos é um dos pontos fundamentais da doutrina Islâmica. Eles crêem que o anjo Gabriel apareceu para Maomé e deu-lhe as revelações de Allah. “Al Shaytan” é o diabo, um anjo caído. Um “jinn” na crença muçulmana é uma daquelas criaturas entre os anjos e os homens, e podem ser bons e maus.

3) OS PROFETAS : No Islamismo, crê-se que Deus falou através de muitos profetas no decurso dos séculos. Os seis maiores profetas dentre eles são: Adão, Noé, Abraão, Moisés, Jesus e Maomé. Contudo, Maomé é o maior de todos os profetas.

4) OS ÚLTIMOS DIAS : No último dia haverá a ressurreição e o julgamento. Aqueles que tiverem seguido a Allah e a Maomé irão para o céu Islâmico, chamado de paraíso. Todavia, aqueles que não derem ouvidos aos ensinos do Islamismo e se opuserem a Allah e a Maomé, serão lançados no inferno (“os cristãos estão incluídos nesse grupo”, segundo os muçulmanos).

5) O CÉU ISLÂMICO : Assim diz o Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos: “Os salvos serão admitidos ao paraíso, onde se inclinarão em divãs macios, saboreando taças de vinho, e casar-se-ão com lindas donzelas.”

AS CHAMADAS ‘CINCO COLUNAS” DO ISLAMISMO

Além das cinco maiores crenças ou doutrinas do Islamismo, há também as famosas “cinco colunas” do movimento Islâmico. Se espera também que os muçulmanos vivam e morram para defender estas colunas:

1) O Credo – chamado em árabe de “Kalima”: Não há Deus além de Allah e Maomé é o seu maior profeta”. Essa é rocha que serve de fundamento para a fé Islâmica. Os fiéis repetem muitas vezes essa declaração de fé continuamente em suas orações.

2) As Esmolas – chamado em árabe de “Zakat”: Fazer esmolas é um ato profundamente valioso para o muçulmano. O dever e a responsabilidade dos doadores é doar, e devem ser considerados felizes por tal ato que os ajuda na sua salvação.

3) As Orações – chamado em árabe de “Salat”: A oração, como um rito, é uma prática muito importante para um muçulmano devoto. A pra´tica da oração (salat), acontece cinco vezes ao dia: ao nascer do dia, ao meio-dia, no meio da tarde, ao por do sol, e, antes de recolher-se ao leito para dormir. A oração deve ser feita em direção a Meca, com o rosto e as mãos encostados no chão.

4) O Jejum – Chamado em árabe de “Ramadam”: Os Islamitas fiéis jejuam do alvorecer ao crepúsculo, a cada dia do mês de Ramadam (Dezembro ou Janeiro) que é considerado santo. O jejum, segundo os muçulmanos, desenvolve o auto-controle, a devoção a Allah e a identidade com os necessitados.

5) A Peregrinação – chamado em árabe de “Hajj”: De todos os muçulmanos, espera-se que façam uma viagem a Meca, a cidade-natal de Maomé, ao menos uma vêz na vida. Essa viagem faz parte essencial da obtenção da salvação por parte dos muçulmanos.

Há um sexto dever religioso, que não chega mais uma coluna do Islamismo, contudo, está vinculado às cinco colunas supra-mencionadas. Trata-se da “jihad” ou guerra santa. Esse dever requer que, quando a situação exigir, os homens deverão ir à guerra, a fim de propagar

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o Islamismo e defendê-lo contra os infiéis. Aquele que morrer durante a “jihad” fica-lhe assegurado a vida eterna no paraíso de Allah.

Segundo Will Durant, em sua obra The Age of Faith, “a explosão da península arábica na conquista e conversão da metade do mundo mediterrâneo, é um dos mais extraordinários fenômenos na Idade Medieval.”8 Certamente, uma das maiores ameaças enfrentadas pela igreja Cristã em todos os tempos, foi o surgimento do Islamismo.

É fato inconteste que, onde outrora foi e berço do fé cristã, produziu os grandes teólogos da patrística e vasta literatura, hoje é, indubitavelmente, o maior reduto do Islamismo. Pode-se declarar que a fé islâmica com sua característica religiosa, missionária e militar, constitui-se em um dos maiores desafios da Igreja do Senhor neste terceiro milênio.

O segundo maior confronto entre o Cristianismo e o Islamismo veio com as Cruzadas nos séculos XII e XIII. Existem duas páginas obscuras na história da igreja e sua relação com outros povos: 1) a perseguição aos judeus na era medieval: 2) As Cruzadas contra os Muçulmanos. Aconteceram sete cruzadas ao todo, ocorrendo em intervalos entre 1095 e 1272. Elas foram organizadas e motivadas por diferentes, entre eles Pedro eremita, Bernardo coração de leão e Bernardo de Claraval. Estes homens tiveram a sanção dos papas e da igreja medieval naquele período.

AS CRUZADAS E OS DANOS CAUSADOS À CRISTANDADE MEDIEVAL

Do ano 1.000 a 1500 ocorreram-se cruzadas, isto é, lutas de cunho religioso a serviço da igreja cristã. Sabemos que havia interesses políticos e econômicos, mas o motivo primeiro era religioso.

Justus Gonzáles assevera:

O objetivo das Cruzadas era derrotar os muçulmanos que ameaçavam Constantinopla, salvar o Império do Oriente, unir de novo a cristandade, reconquistar a terra santa, e em tudo isto ganhar o céu. Os quatro primeiros objetivos foram alcançados ainda que temporariamente. Se ganharam o céu ou não, cabe ao Supremo Juiz decidir.9

A expansão da igreja no norte da Europa e o combate aos muçulmanos ocorreram em função de interesses políticos e por questões religiosas. As cruzadas iniciaram-se em 1096 com o objetivo de expulsar os muçulmanos do sul da Europa e durou de certo modo até 1492, quando os mouros foram vencidos definitivamente.

1 – As Principais Cruzadas

Podemos destacar sobre as cinco primeiras cruzadas armadas contra o domínio dos muçulmanos, os seguintes aspectos históricos:

- A primeira cruzada iniciou-se em 1096 e conquistou a cidade de Nicéia, Antioquia e finalmente em 1098, conquistou Jerusalém (o alvo da cruzada), numa das mais sangrentas e violentas batalhas.

- A segunda cruzada também rumo a Jerusalém foi um fracasso, e foi derrotada em 1187, quando os muçulmanos reconquistaram Jerusalém.

- A terceira cruzada, chamada cruzada dos Reis, iniciou-se em 1189 como reação ao fracasso anterior; também foi fracassada, mas obtiveram um acordo, a permissão da entrada dos peregrinos em Jerusalém.

- A quarta cruzada iniciou-se em 1202 para atacar os muçulmanos no Egito, e fazê-lo de base para as operações contra a Palestina. Contudo, ao passar por Constantinopla, saquearam-na e tomaram e o poder.

8 Will durant, The Age of Faith (New York: Siom and Schuster, 1950), p. 155.9 Justus Gonzáles. Gonzáles. História do Cristianismo. vol 4.(São Paulo, SP: Edições Vida Nova, 1981), 47.

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- A quinta Cruzada aconteceu em 1219, no Egito, cuja Cruzada teve a companhia de Francisco de Assis.

Earle Cairns, em sua obra O Cristianismo através dos Séculos, outorga-nos a seguinte informação:

A cruzada das crianças de 1212 foi o episódio mais triste da história das cruzadas. Estevão e Nicolau, dois meninos, dirigiram um batalhão de crianças da França e da Germânia. Elas marcharam desde o sul da Europa até a Itália, na suposição de que a pureza de suas vidas lhes daria o sucesso não obtido por seus pais pecadores. Muitas morreram pelo caminho e as sobreviventes foram vendidas como escravos no Egito.10

São lamentáveis os resultados das cruzadas armadas. Estes resultados trágicos ainda se refletem no difícil relacionamento entre cristãos latinos e os orientais e entre os cristãos e muçulmanos. Elas acentuaram a intolerância religiosa, e justificaram a guerra desde que em defesa da fé. Deram início às ordens monásticas militares, e fortaleceram o poder do papa na igreja ocidental. "Do ponto de vista da história, todo o movimento das cruzadas foi um vasto fiasco".11 Apesar do interesse político dominante nas Cruzadas, temos alguns missionários extraordinários neste período como, por exemplo:

Naturalmente, havia muitos interesses envolvidos tais como: interesse econômico, político, pessoal (os cavaleiros por fama, glória e recompensas) e o interesse religioso. Todavia, o fator preponderante segundo a maioria dos historiadores, foi o fator religioso. Fomentado pelo clero e autoridades religiosas, produziu-se um desejo particularmente europeu, de querer libertar Jerusalém e os lugares sagrados das mãos dos muçulmanos. A idéia se libertar dos muçulmanos, não era em si mesma uma idéia ignóbil. Os homens do ocidente já haviam lutado por causas muito menos nobres do que esta. Foi uma atitude astuta por parte dos papas, para desviar o vigor incansável das classes guerreiras da futilidade das guerras internas que devastavam a Europa medieval. Áqueles que tombavam e caiam nas guerras na terra santa, a auréola do martírio pela fé cristã coroava-lhes as cabeças, diante de uma morte por tão grande causa, asseguravam os religiosos.Aqueles que sobreviviam, tinham a esperança de grande recompensas materiais. A região da Palestina estava sob o controle dos muçulmanos desde o século sétimo. Para muitos, a contínua presença dos muçulmanos dominando a Palestina, era uma afronta para o Cristianismo e uma ameaça aos cristãos peregrinos rumo aos lugares sagrados. Existia também o desejo da Igreja do ocidente de reatar contatos com a igreja do oriente com sede em Constantinopla. Enquanto o mundo ocidental combalia em termos intelectuais na Idade média, Constantinopla resplandecia como a mais intelectual cidade na era medieval. Durante o século X, as relações entre essas igrejas do ocidente e do oriente deterioraram-se até chegar a ruptura em 1504 A. D.

Assim sendo, havia uma certa prontidão e espírito resoluto por parte da Igreja Católica Romana em envidar esforços junto ao império bizantino, centralizado em Constantinopla, para que junto pudessem combater o inimigo em comum: O Islamismo. No século XI, o império bizantino foi vitimado por dias difíceis e nebulosos com a morte do imperador Basílio II , piorando ainda mais com o fim da dinastia macedônica em 1056. Dissenções internas e ameaças estrangeiras ameaçavam fortemente a existência do estado. A maior ameaça veio dos turcos, os quais, convertidos ao Islamismo, formaram no século XI um império que abrangia a Pérsia, a Mesopotâmia, a Síria, o Egito e a Palestina. Em 1071, em batalha acontecida na Armênia, os exércitos turcos infligiram uma grande derrota as forças bizantinas.

Mas, depois de se ter dito tudo que se pode dizer de favorável,em relação às cruzadas, o cristão é obrigado a considerar que representaram um desastre irreparável de grandes proporções para a causa missionária da Igreja. Ainda hoje, muitos muçulmanos quando evangelizados, lembram do que acontecera com as cruzadas. As cruzadas foram romantizadas na Idade Medieval, com o propósito de conseguir o maior número de adesão possível. Para a maioria dos guerreiros cristãos, os muçulmanos eram infiéis q, sem direito à existência, cuja vida não era necessário conservar, podendo assim serem chacinados sem dó nem piedade, para maior glória do Deus cristão. É certo, evidentemente, que o ódio gera o ódio, e que o fel engendra o fel. Os guerreiros sarracenos sentiam-se igualmente felizes ao poderem chacinar os cristãos, o que perante o seu próprio juízo estaria bem justificado. E assim, durante os dois séculos que decorreram entre a primeira conquista de Jerusalém em 1099 e a perda do último

10 Earle Cairns. O Cristianismo através dos Séculos (São Paulo, SP: Edições Vida Nova, 1995).11 Stephen Neill. História das Missões. (São Paulo, SP: Edições Vida Nova, 1997), 177.

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forte dos cruzados em Acre, em 1291, o Mediterrâneo foi ensombrecido por uma nuvem ainda mais escura de ódio, tanto mais desastroso quanto este sentimento era conjurado em nome de Cristo.

De três formas deixaram as Cruzadas a sua marca indelével na história cristã:1 – Em primeiro lugar, lesaram para sempre as relações entre os ramos ocidental e oriental da

Cristandade. Os cruzados ocidentais foram inicialmente convidados pelo império oriental, para somar esforços no combate ao Islamismo. De início, os cruzados ocidentais aceitaram estar sob a tutela e jurisdição dos patriarcas orientais. Mas, não tardou esta submissão e logo, insuflados pelo ocidente, eles criaram dioceses latinas sob a tutela de Roma. E, como seria de esperar, esta atitude provocou o ressentimento do clero oriental. O mal-estar atingiu o clímax mais horroroso quando a quarta cruzada se desviou do seu próprio objetivo, saqueou Constantinopla em 1204 e instalou um precário Império Latino sobre as ruínas do Império Oriental, que assim fora destruído. Sessenta anos depois os bizantinos reagiram, expulsaram os estrangeiros e criaram de novo o seu próprio Império oriental. Mas este era simplesmente uma sombra do Império anterior, permanentemente enfraquecido pela luta infindável contra os muçulmanos. Quando Constantinopla caiu nas mãos dos turcos em 1453, revelou-se toda a extensão da culpa das cruzadas. Nunca mais a Igreja do Oriente seria a mesma!

2 – Em segundo lugar, as cruzadas deixaram um rastro de amargor nas relações entre os cristãos e os muçulmanos, que continua a ser um fator vivo na situação mundial dos nossos dias. Independentemente do que pensamos, para os muçulmanos o ocidente é o grande agressor. Há cerca de novecentos anos, os cristãos participaram deliberadamente deste papel, em nome de Cristo. Hoje, os novos missionários cristãos que chegam a países majoritariamente muçulmanos, ou são mortos ou expulsos daquelas nações. Não queremos dizer com isso que os muçulmanos hajam sido sempre ternos e gentis – também foram bastante agressivos, sempre que se viram com força e com oportunidade para aplica-la. Mas, em qualquer dos casos, os muçulmanos da idade Medieval não pretendiam tornarem-se cristãos ou seguir ao Senhor Jesus, o nosso Príncipe da Paz. Para os ocidentais, poderá parecer que as cruzadas se efetuaram há muitos séculos atrás e que os cruzados dormem tranqüilamente no silêncio das igrejas católicas da Europa. O oriente tem uma perspectiva diferente do tempo.Para cada muçulmano das terras mediterrânicas, os cruzados são um acontecimento de ontem e as feridas estão prontas a abrirem-se de um momento para o outro.

3 – Em terceiro lugar, as Cruzadas implicaram numa descida e declínio moral da Cristandade. Não tardou muito que o papa Inocêncio III mostrasse que o mesmo princípio poderia ser usado contra os chamados “hereges” pela igreja. Milhares de cristãos Albingenses e Valdenses, e até mesmo Judeus, foram mortos na Era Medieval. O próprio concílio de Latrão de 1215 aceitou a derrota moral da Igreja, ratificou e erigiu-a em lei. O papa não desconhecia as atrocidades cometidas pelos cruzados. É impossível discordar do juízo moderado de um historiador das cruzadas:

Simon Runciman, em sua obra A History of the Cruzades, faz a seguinte assertiva:

Visto dentro da perspectiva da história, todo o movimento das Cruzadas foi um vasto fiasco. Serviu para mostrar que a fé sem sabedoria é perigosa... O historiador, quando regride nos séculos observando a sua história, acaba por encontrar a sua admiração vencida pela tristeza, ao verificar as limitações da natureza humana. Havia muita coragem e demasiado pouca honra, muita devoção e pouca compreensão. Os grandes ideais foram maculados pela crueldade e selvageria. O Cristianismo viu-se afetado por uma retidão estreita e cega. A própria guerra santa nada mais era do que um longo ato de intolerância em nome de Deus, o que consistia em um pecado contra o Espírito Santo.12

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE12 Simon Runciman. A History of the Cruzades Vol. III (Hodder and Stoughton, 1954), p. 469.

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CURSO DE ARQUITETURADISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIA

Prof. Antonio José

TEMA: “A INSTRUMENTALIDADE DA LINGUAGEMNA FORMAÇÃO DA CULTURA E VALORES DOS POVOS”

A linguagem ocupa um lugar altamente preponderante no mundo fenomenológico da cultura humana. Linguagem e cultura sempre caminharam juntas. A linguagem é um dos instrumentos mais relevantes para a promoção e desenvolvimento da dos valores ético-culturais de um povo. A linguagem, mais do que qualquer outra coisa, é um dos aspectos mais basilares que distinguem o homem do mundo animal. Houve um tempo em que era muito comum definir o homem como um animal pensante, mas, dificilmente imaginaríamos o pensamento sem as palavras. A linguagem mesma é um instrumento que faz todos os outros possíveis. A linguagem, de fato, é o grande instrumento que torna a cultura humana possível e os valores éticos possíveis.

Contudo, há vários meios de comunicação que diferem em importantes maneiras da linguagem humana. Estas diferenças tornam-se cada vez mais claras se nós considerarmos algumas das características da linguagem humana, como seguem:

1 – A Linguagem humana é um sistema de Sinais

Como seus materiais, a linguagem usa sons vocais. É essencialmente importante estarmos lembrados que a linguagem é basicamente, alguma coisa que é falada: a linguagem escrita é secundária e derivativa. Na história de cada indivíduo, a fala é aprendida antes da escrita, e isto é argumentativamente forte para se crê que o mesmo é verdade em relação a história da raça. Há comunidades e culturas que possuem a linguagem sem a escrita, mas não há nenhuma sociedade humana que tenha a linguagem escrita, sem que não seja precedida pela linguagem falada. Mesmo a linguagem de sinais para os surdos e mudos não são uma exceção à regra. Mesmo utilizadas por pessoas que não podem falar, ou que não tenham sido hábeis para falar, estas linguagens são derivadas de uma linguagem falada ao redor deles, e através deste sistema de sinais criam sua comunicação e ética de valores.

2 – A Linguagem é Sistêmica

A linguagem consiste de um número de sistemas juntos e unidos, e esta estrutura pode ser vista em diferentes níveis. Por exemplo, cada linguagem seleciona um certo número de sons vocálicos entre todos os outros, os quais os seres humanos são hábeis para produzir; e a seleção é diferente para cada linguagem. O número de sons vocálicos que um ser humano pode aprender são muitíssimos, e, quando aprendemos uma outra linguagem além da nossa, uma linguagem estrangeira, claramente percebemos o começo da familiaridade com muitos outros sons os quais não ocorriam em nossa primeira linguagem.

O sistema da linguagem também pode ser encontrado no sentido das palavras. Ao aprendermos uma outra linguagem, logo nos damos conta dos possíveis arranjamentos das palavras, e os significados dos sentidos dos arranjamentos particulares, de uma linguagem para outra linguagem.

3 – A Linguagem é Simbólica

Em todos estes caminhos, a linguagem evidencia um sistema, e isto também significa que nós estamos dizendo que uma linguagem é um sistema de sons vocálicos. Isto também quer dizer que os sons são simbólicos. Isto é, eles permanecem por alguma coisa mais do que eles mesmos, e seus relacionamentos com as coisas que eles permanecem não é um relacionamento de algo necessário, mais

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arbitrário. Um símbolo é um tipo de sinal, mas nem todos os sinais são símbolos. Sua qualidade simbólica é uma das coisas que faz a linguagem humana uma ferramenta tão poderosa para a produção dinâmica da cultura humana e seus valores.

4 - A Linguagem é Funcional

A linguagem é usada para um ou mais propósitos; utilizamos a linguagem com propósitos bem específicos e expressivos. As pessoas podem freqüentemente serem vistas brincando com a linguagem: as crianças especialmente gostam de usar a linguagem como se isto fosse um brinquedo, repetindo, distorcendo, inventando, etc. Existe até mesmo o elemento e a arte de brincar com o uso da linguagem em algumas literaturas. Mas quando o filósofo usa a linguagem para esclarecer suas idéias num determinado assunto, ela a utiliza como um instrumento do pensamento. A linguagem, é portanto, vista como sendo um instrumento de múltiplos propósitos. Contudo, uma função permanece sendo básica: a linguagem habilita-nos a relacionar-nos com as pessoas, influenciar seus comportamentos éticos, e tornar possível a cooperação humana. Nenhuma sociedade animal tem uma divisão de trabalho ou um sistema de produção comparável ao da sociedade humana. Esta cooperação humana seria impossível sem a linguagem, e é obviamente esta função da linguagem que a torna tão factível e relevante.

A linguagem, naturalmente, pertence a um grupo de pessoas e não a um indivíduo; a linguagem é um sistema de sinais, o qual opera com sons vocálicos simbólicos, e que é usado por grupos de pessoas com o propósito de comunicação e cooperação social. O escritor D. McNeill, em sua obra “The Conceptual Basis of Language,” faz a seguinte assertiva:

A verdadeira unidade da linguagem, se é que existe tal unidade, não pode ser substancial; deve ser antes definida como uma unidade funcional. Essa identidade não pressupõe uma unidade formal ou material. Duas línguas diferentes podem representar extremos opostos, tanto em relação aos seus sistemas fonéticos como aos seus sistemas de partes da fala. Isso não impede que cumpram a mesma tarefa na vida na vida da comunidade que as fala. O que importa aqui não é a variedade de meios, mas sua adequação e coerência com o fim.13

5 - A Linguagem é Metafórica

A linguagem e a metáfora são parentes próximos, afirmam os lingüistas e antropólogos. Nos primeiros estágios da cultura humana, sua relação é tão íntima e sua cooperação é tão óbvia que é quase impossível separar um do outro. São dois ramos diferentes de uma única e mesma raiz. Sempre que encontramos o homem, vemo-lo em possessão da faculdade da fala e sob a influência da função de criar categorias metafóricas em seu discurso ou texto. Logo, é importante para a uma ética antropológica, tentar enfocar estas duas características do ser humano. Tentativas nesse sentido foram feitas com frequência. Max Muller desenvolveu uma teoria curiosa, na qual a metáfora era explicado como um simples subproduto da linguagem. A linguagem, por sua própria natureza e essência, é metafórica. Segundo Max Muller, a metáfora deve a sua origem na cultura e valores de um povo, expressando-se, consequentemente, através da linguagem,, e na qual encontra sempre sua nutrição. 14

Ainda em um outro pertinente comentário, ele diz:

A linguagem antiga é um instrumento difícil de manipular, em especial com propósitos religiosos. Na linguagem humana, é impossível abstrair idéias a não ser por metáforas, e não é exagero dizer que todo dicionário da religião antiga é feito de metáforas, as quais conservaram seu lugar na religião e na mitologia do mundo antigo.15

13 McNeill D. The Conceptual Basis of Language. Hillsdale, New Jersey, U.S.A: Erlbaum Associates, 1979, 92. 14 Muller, F. Max, Contributions to the Science of Mythology, London, England: Longmans, Green & Company, 1987, vol. I, p. 68.15 Muller, F. Max. Lectures on the Science of Religion, New York, U.S.A.: Charles Scribner’s Sons, 1983, p. 118.

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6 - A Linguagem na Mente dos Filósofos

Do ponto de vista geral ou filosófico, o problema da linguagem é o problema da intersubjetividade dos signos, do fundamento desta intersubjetividade. O problema da origem da linguagem, discutido nos séculos XVII e XIX, é uma de suas formas; as duas soluções típicas são apenas dois modos de garantir a intersubjetividade dos signos linguísticos. Dizer que a linguagem tem origem em convenções significa simplesmente que essa intersubjetividade é fruto de um acordo, de um contrato entre homens, e dizer que a linguagem se origina da natureza, significa simplesmente que essa subjetividade é garantida pela relação entre o signo linguístico e a coisa ou com o estado subjetivo a que ela se refere.

Na filosofia, a função da palavra mágica foi eclipsada e substituída por sua função semântica. A palavra deixa de ser dotada de poderes misteriosos, não tem mais a influência física ou sobrenatural direta. Não pode mudar a natureza das coisas e não pode forçar a vontade dos deuses ou demônios. Nem por isso passa a não ter sentido ou poder. Contudo, o aspecto decisivo não é o seu caráter físico , mas o lógico. Fisicamente a palavra pode ser declarada impotente, mas logicamente ela é elevada a uma posição mais alta, na verdade a mais alta de todas. O logos (ou a palavra, na língua grega) torna-se o princípio do universo e o princípio da teologia.

Essa transição ocorreu nos primórdios da filosofia grega. Segundo Heráclito, este princípio não pode ser encontrado em uma coisa material. Não é no mundo material, mas no humano, que está a chave para uma interpretação correta da ordem cósmica. Neste mundo humano, a faculdade da fala ocupa um lugar central.

Até no pensamento de Heráclito a palavra, o Logos, não é um fenômeno puramente antropológico. Ela não está confinada aos estreitos limites de nosso mundo humano, pois possui a verdade cósmica universal. Mas em vez de ser entendida como um poder mágico a palavra é entendida em sua função semântica e simbólica. O pensamento grego passou assim de uma filosofia da natureza para uma filosofia da linguagem. Todas as diferentes escolas – tanto os fisiologistas como os dialéticos – partiam do pressuposto de que sem uma identidade entre o sujeito que conhece e a realidade conhecida o fato do conhecimento seria inexplicável. Parmênides declarou que não podemos separar o ser do pensamento, pois são uma e a mesma coisa. Os filósofos da natureza entendiam e interpretavam essa identidade em um sentido estritamente material. Quando analisamos a natureza do homem encontramos a mesma combinação de elementos que ocorre por toda a natureza do mundo físico.

Ernst Cassirer em sua obra “Language and Myth, p. 7, assim declara:

Antes de mais nada, o sentido deve ser explicado em termos de ser; pois o ser, ou substância, é a categoria mais universal que liga e une a verdade e a realidade. Uma palavra não poderia significar uma coisa se não houvesse pelo menos uma identidade parcial entre as duas. A ligação entre o símbolo e seu objeto deve ser natural e não simplesmente convencional. Sem essa ligação natural, uma palavra da linguagem humana não poderia cumprir sua tarefa: tornar-se-ia ininteligível.16

Há também aqueles defensores da idéia que devemos levar os termos de volta à origem se quisermos descobrir o vínculo que os une a seus objetos. Das palavras derivadas devemos voltar às primárias; devemos descobrir o étimo, a forma verdadeira e original, de cada termo, afirmam eles. De acordo com esse princípio, a etimologia tornou-se não só o centro da linguística, mas também um dos princípios básicos da filosofia da linguagem. Nenhuma etimologia baseada em princípios baseada científicos apareceu antes da primeira metade do século XX. Até então, tudo era possível, e as explicações mais excêntricas e bizarras eram prontamente aceitas. Enquanto esses esquemas

16 Cassirer, Ernst. Language and Myth. New York, U.S. A: Dover Publications Inc., 1946, p. 7.

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mantiveram o domínio, a teoria de uma relação natural entre os nomes e coisas pareceu ser filosoficamente justificável e defensável

Uma famosa teoria foi a interjecional, que afirmava ser a linguagem uma expressão involuntária de sentimentos, interjeições e exclamações humanas. Demócrito, filósofo grego, foi o primeiro a fala humana tem origem em certos sons de caráter emocional. Esta teoria exerceu uma influência permanente sobre a teoria da linguagem até o século XVIII. Olhando por esta perspectiva, a fala humana pode ser reduzida a um instinto fundamental implantado pela natureza em todas as criaturas vivas. Nada mais plausível, do que atribuir o fato social da linguagem a essa causa biológica geral. No entanto, a teoria interjecional só pôde chegar à maturidade depois que a própria biologia encontrou uma base científica. Não bastava ligar a fala humana a certos fatos biológicos. Essa ligação tinha que ser baseada em um princípio universal, princípio proporcionado pela teoria da evolução. O Dr. P. Lieberman, professor da Universidade de Harvard, assim se expressa:

Quando o livro de Darwin “The Expresssion of Emotions in Man and Animals” apareceu, foi saudado com o maior entusiasmo não só pelos cientistas e filósofos, mas também pelos linguistas. O próprio Darwin havia tratado o seu tema do ponto de vista de um naturalista. Mas o seu método geral era facilmente aplicável a fenômenos linguísticos, e até mesmo nesse campo apareceu Ter aberto um caminho inexplorado. Darwin mostra que os sons ou atos expressivos são ditados por certas necessidades biológicas e usados segundo regras biiológicas definidas. Abordado desta perspectiva, o enigma da origem da linguagem podia ser trato de modo estritamente empírico e científico.17

Atenção também deve ser dada à tese desenvolvida no livro de Grace de Laguna, “Speech. Its Function and Development.” As qualidades ético-afetivas primitivas ligadas à situação como um todo foram diversificadas e ao mesmo tempo diferenciadas dos aspectos percebidos da situação. Surgem objetos que são conhecidos em vez de sentidos...Ao mesmo tempo, essa condicionalidade ampliada assume uma forma sistemática...Finalmente,...a ordem objetiva da realidade aparece e o mundo torna-se verdadeiramente conhecido.18

Alan Gardiner em sua obra The Theory of Speech and Language, admite que entre as expressões animais e a fala humana há uma diferença tão vital que chega quase a encobrir qualquer possibilidade de homogeneidade essencial.”19 Na verdade, a aparente semelhança é apenas uma ligação material que não exclui, mas, ao contrário, acentua a heterogeneidade formal, funcional. Um exame cuidadoso dessas teorias leva-nos sempre a um ponto em que o próprio princípio em que se baseiam torna-se questionável. Após avançar alguns passos em seus argumentos, os defensores dessas teorias são forçados a admitir e a sublinhar as mesmas diferenças que à primeira vista pareciam negar ou, pelo menos, minimizar. Uma teoria da linguagem tem outras tarefas mais urgentes a cumprir: precisa ensinar-nos a falar e a agir em nosso mundo ético, social e político real, produzindo valores através da dinamicidade da cultura humana.

Conclusão

A questão da origem da linguagem e sua função na cultura humana, exerceu em todas as épocas um estranho fascínio sobre a mente humana. Desde o primeiro vislumbre de intelecto o homem começou a intrigar-se com esse assunto.Segundo informa-nos o Dr. Adam Kendon em sua obra Revisiting the Gesture Theory of Language Origins:

No século XIX ainda era uma opinião corrente de aceitação geral que a história é a única chave para um estudo científico da linguagem. Todas as grandes realizações da linguística vieram de estudiosos cujo interesse histórico era a tal ponto predominante que impossibilitava qualquer outra tendência de pensamento. Mas nem isso bastaria para resolver o problema os problemas

17 Liebrman, L. The Biology and Evolution of Language. Cambridge, Mass., U.S.A.: Harvard University Press, 1984, p. 87. 18 De Laguna, Grace. Speech. Its Function and Development. New haven, U.S.A, Yale University Press, 1957, p. 260. 19 Gardiner, Alan H. The Theory of Speech and Language. Oxford, England: Oxford University Press, 1962, p. 118.

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fundamentais de uma filosofia da linguagem. A filosofia, via de regra, não se mostrava satisfeita com o fluxo das coisas e com a cronologia dos acontecimentos, pois, mesmo nas linguagens não formais, percebe-se a produção de valores ético-sociais.20

A linguagem não pertence ao domínio das idéias eternas. Uma das virtudes da linguagem é que ela está em constante mudança. A mudança fonética, analógica e semântica é um elemento essencial da linguagem. Cada idioma tem sua estrutura própria, tanto no sentido formal como no material. Quando examinamos os fonemas de línguas diferentes, encontramos tipos divergentes que não podem ser incluídos em um esquema uniforme e rígido. Cada língua apresenta suas próprias características particulares na escolha desses fonemas. Contudo, todas as línguas mostram possuir conexão e coerência interna.

Não existe línguas desprovidas de elementos formais ou estruturais. As línguas das nações chamadas de “menos civilizadas” não são de modo algum carentes de forma. As línguas ditas primitivas são tão congruentes com as condições da civilização primitiva e com a tendência geral da mentalidade da época quanto as nossas próprias línguas o são com os fins de nossa dita “cultura requintada e sofisticada.” Todas as formas da fala humana são perfeitas, no sentido de que conseguem expressar os sentimentos e pensamentos humanos de forma clara e apropriada, cujos pensamentos transformaram-se com o tempo na linguagem escrita, produzindo textos que cultivaram a cultura e forjaram os valores dos povos.

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIECURSO DE ARQUITETURA

DISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIA

20 Kendon, Adam. Revisiting the Gesture Theory of Language Origins. Chicago, Illinois, U.S.A: University of Chicago Press, 1991, p. 209.; Jesperson, Otto. The Philosophy of Grammar. New York, U.S.A: Holt & Co., 1944, p. 30.

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Prof. Antonio José

ASSUNTO DA AULA:

UMA ABORDAGEM DA OBRA

“As formas Elementares da Vida Religiosa”Autor: Émile Durkheim

A proposta do livro é estudar em um sistema religioso primitivo a religião, a organização das sociedades”, e o homem. Os conceitos mais basilares de Durkheim é que “não há religiões falsas”, todas são verdadeiras a seu modo: todas correspondem, ainda que de maneiras diferentes, a condições dadas da existência humana. O objeto de estudo da sociologia é o homem, e é a partir desta premissa, que Durkheim fundamenta as suas teorias sobre religião e o seu surgimento, ou seja, a religiosidade está presente no homem, o que a sociedade faz é institucionalizar o que já existe, a partir da formação da sociedade local. O método usado é a história, pois ela contempla a análise explicativa. Ela permite decompor uma instituição em seus elementos constitutivos, uma vez que mostra esses elementos nascendo no tempo uns após os outros. Durkhein, procurou analisar as formas de religiosidade que se manifestam nos rituais e sistemas de crenças primitivas, procurando ai, estabelecer um link com os modelos atuais de crenças e ritos, mostrando que há um escopo universal de religiosidade, e que todas as formas existentes estão centradas nesta sobrenatural religiosidade. O homem é um ser religioso por essência, pois a religião é um fato social e não individual.

Questões Preliminares

O Capítulo 1 procura fazer a definição do Fenômeno Religioso e da Religião – ele afirma que “os homens foram obrigados a criar para si uma noção do que é religião, bem antes que a ciência das religiões pudesse instituir suas comparações metódicas”, ou seja, as necessidades da existência nos obrigam a todos, crentes e incrédulos, a representar de alguma maneira as coisas no meio das quais vivemos, sobre as quais a todo momento emitimos juízos e que precisamos levar em conta em nossa conduta. Para ele, “a religião seria uma espécie de especulação sobretudo o que escapa à ciência e, de maneira mais geral, ao pensamento claro.”(p.5)

A idéia de sobrenatural, está fundamentada no pressuposto de que há uma ordem natural das coisas, ou seja, que os fenômenos do universo estão ligados entre si segundo relações necessárias chamadas leis. E, ainda, o sobrenatural não se reduz de modo algum ao imprevisto, pois o novo faz parte da natureza, assim como seu contrário. Daí podemos dizer que as concepções religiosas tem por objeto, acima de tudo, exprimir e explicar, não o que há de excepcional e anormal nas coisas, mas, ao contrário, o que elas têm de constante e regular. Por mais simples que seja o sistema que estudamos, nele encontramos todas as idéias e todas as principais atitudes rituais que estão na base das religiões, inclusive nas mais avançadas. Em todas eles há os seguintes elementos: distinção das coisas em sagradas e em profanas, noção de alma, de espírito, de personalidade mítica, e divindade nacional e mesmo internacional, culto, ritos de oblação, ritos de expiação, ritos imitativos e outros elementos da natureza religiosa do homem.

O conceito de Religião

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De maneira sintética e um tanto significativa ele define religião como: “religião é a crença em seres espirituais”. Por seres espirituais, deve-se entender sujeitos conscientes, dotados de poderes superiores aos que possui o comum dos homens. E de maneira mais ampla a define como: “uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem.” (p.32). Em todos os casos estudados as representações, as crenças é que eram consideradas como elemento essencial da religião. O primeiro artigo de toda fé é a crença na salvação pela fé. A idéia de culto está fundamentada no conjunto de atos regularmente repetidos. Quem quer que tenha praticado uma religião sabe bem que o culto é que suscita essas impressões de alegria, de paz interior, de serenidade, de entusiasmo, que são, para o fiel, como a prova experimental de suas crenças. Portanto, o culto é o conjunto dos meios pelos quais a fé cria e recria periodicamente. As crenças religiosas se baseiam numa experiência específica cujo valor demonstrativo, num certo sentido, não é inferior ao das experiências científicas, embora diferente. Pois é no campo das intuições ou sensações que a ciência estabelece os seus axiomas, da mesma maneira as impressões sentidas pelos fiéis constituem intuições privilegiadas. Todas as crenças religiosas conhecidas, sejam simples ou complexas, apresentam um mesmo caráter comum: supõem uma classificação das coisas, reais ou ideais, que os homens concebem, em duas partes, em dois gêneros opostos, designados geralmente por dois termos distintos que as palavras profano e sagrado traduzem bastante bem.

Nesse conceito pode-se dizer que sagrado, é aquilo que por excelência que o profano não deve e não pode impunemente tocar. As coisas sagradas portanto, são aquelas que as proibições protegem e isolam; as coisas profanas, aquelas a que se aplicam essas proibições e que devem permanecer à distância das primeiras. Logo, as crenças religiosas são representações que exprimem a natureza das coisas sagradas e as relações que elas mantém, seja entre si, seja com as coisas profanas. Durkheim conclui que as mitologias conceberam a realidade sob tantas formas diferentes, e que a causa objetiva , universal e eterna das sensações que compõem a experiência religiosa, é a sociedade. As forças morais que ela desenvolve e de que maneira ela desperta esse sentimento de apoio, de proteção, de dependência tutelar que liga o fiel a seu culto. Pois o que faz o homem é esse conjunto de bens intelectuais que constitui a civilização, e a civilização é obra da sociedade. Assim se explica o papel preponderante do culto em todas as religiões.

O que implica que ela só pode ser uma atividade coletiva. A sociedade é a ação que domina a vida religiosa, pelo simples fato de ser ela a sua fonte. A idéia da sociedade é a alma da religião. As forças religiosas, são forças humanas, forças morais. Outro aspecto da religião aqui estuda, define que todas elas num certo sentido são espiritualistas, pois as potências que elas põem em jogo são, antes de tudo, espirituais e, por outro lado, é sobre a vida moral que elas têm por principal função agir. A sociedade ideal ou perfeita é o objetivo de toda religião. Ela é concebida dentro do homem, e não no meio externo. Esta sociedade que deve refletir a justiça e a verdade é o reflexo das nossas aspirações mais ou menos obscuras ao bem, ao belo, ao ideal. Essas aspirações têm suas raízes dentro de nós, vêm das profundezas mesmas do nosso ser; portanto, não há nada fora de nós que possa explica-las. Aliás, elas já são religiosas por si mesmas, portanto a sociedade ideal supõe a religião, em vez de poder explica-la. Somente o homem possui a faculdade de conceber o ideal e ampliar o real. A formação de um ideal não constitui um fato irredutível, que escapa à ciência; depende de condições que a observação pode alcançar; é um produto natural da vida social.

Análise dos capítulos Dois e Três Ele estabelece as principais concepções da religião elementar que são o animismo e o

naturismo. O Animismo , tem por objeto os seres espirituais, os espíritos, almas, gênios,

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demônios, divindades propriamente ditas, agentes animados e conscientes como o homem, mas que se distinguem dele pela natureza dos poderes que lhes são atribuídos. Chama-se de animismo essa religião dos espíritos. O Naturismo , tem como objeto as coisas da natureza, seja às grandes forças cósmicas, como os ventos, os rios, os astros, o céu e etc. Essas duas teorias são, até o presente , as únicas pelas quais se tentou explicar racionalmente as origens do pensamento religioso. Porém para se ter o direito de ver nas crenças e práticas animistas a forma primitiva da vida religiosa, cumpre satisfazer três abordagens:

1) é preciso se mostrar como a alma se formou sem tomar nenhum de seus elementos de uma religião anterior;

2) é preciso ver de que maneira as almas tornaram-se objetos de um culto e transformaram-se objeto de um culto e transformaram-se em espíritos;

3) já que o culto dos espíritos não é tudo em nenhuma religião, resta explicar como o culto da natureza derivou do primeiro.

É no animismo que encontramos o culto aos mortos, ou aos ancestrais ou aos espíritos. A morte é quem separa a alma do corpo, estas se multiplicam e formam uma população viva, pois ela não morre. Essas almas de homens têm necessidades e paixões; procuram, portanto, misturar-se à vida de seus companheiros de ontem, seja para ajudá-los, seja para prejudicá-los, conforme os sentimentos que conservaram por eles. Assim, o poder das almas cresce com tudo o que lhes é atribuído, de tal maneira que o homem acaba por ver-se prisioneiro desse mundo imaginário do qual, no entanto, é o autor e o modelo. Portanto, se as almas determinam a tal ponto a saúde e a enfermidade, os bens e os males, é prudente obter sua benevolência ou apaziguá-las quando estão irritadas: daí as oferendas, os sacrifícios, as preces, em suma, todo o conjunto das observâncias religiosas.

Durkheim afirma que deve-se reconhecer que os teóricos do animismo prestaram um importante serviço à ciência das religiões e mesmo à história geral das idéias, ao submeterem a noção de alma à análise histórica. Os adeptos do Naturismo em sua maior parte são etnógrafos ou antropólogos. Esta ligação com a natureza possibilitou conhecer outra forma de religiosidade. O autor que estudou este fenômeno religioso foi Max Müller. Diz ele que “para a ocupar o lugar que lhe cabe como elemento legítimo de nossa consciência, deve, como todos os nossos outros conhecimentos, começar por uma experiência sensível. Foi através do estudo sobre os Vedas que se tornou possível conhecer esta outra forma de expressão religiosa. Os nomes dos deuses védicos são geralmente nomes comuns, ainda empregados como tais, ou antigos nomes cujo sentido original é possível recuperar. Tantos uns como outros designam os principais fenômenos da natureza. Assim como Agni, nome de uma das principais divindades da Índia, significa, a princípio, apenas o material do fogo, tal como os sentidos o percebem e sem nenhuma adição mitológica. Quase que em todas as nações Indo-Européias os corpos e as forças da natureza foram os primeiros objetos aos quais se apegou o sentido religioso: foram as primeiras coisas divinizadas. Max Müller julgou-se autorizado a concluir que a evolução religiosa da humanidade em geral tivera o mesmo ponto de partida.

Capítulo 4 – O Totemismo como Religião

Elementar

Aqui, o autor parte da idéia de que há um ponto de coincidência, ou seja, ambos, com

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efeito, empreendem construir a noção do divino com as sensações que certos fenômenos naturais, físicos ou biológicos, despertam em nós. Para os animistas, o sonho, para o naturistas, certas manifestações cósmicas é que teriam sido o ponto de partida da evolução religiosa. Porém esta afirmativa não pode ser verdadeira, pois não pode alguém com limitações como o homem ser a fonte de si mesmo e nem os seus sentidos, pois ele é apenas homem. A conclusão a que se chega, após avaliação crítica é que, se nem o homem nem a natureza possuem, em si mesmos, caráter sagrado, é que derivam de uma outra fonte. Portanto, deve haver, fora do indivíduo humano e do mundo físico, alguma outra realidade em relação à qual essa espécie de delírio – que em certo sentido, toda religião é de fato – adquire uma significação e um valor objetivo. O culto a esta outra força soberana, os etnógrafos chamam de totemismo.

As Crenças Elementares

As crenças propriamente Totêmicas – A espécie de coisas que serve para designar coletivamente o clã chama-se seu totem. O totem do clã é, também, o de cada um de seus membros. Os objetos que servem de totem pertencem, na grande maioria dos casos, seja ao reino vegetal, seja ao reino animal, , mas principalmente a este último. Ele não é um individuo, mas uma espécie uma variedade. Quanto à maneira como se adquire o nome totêmico, ela diz respeito antes ao recrutamento e à organização do clã do que à religião; portanto, tem mais a ver com a sociologia da família do que com a sociologia religiosa. Conforme as tribos, três regras diferentes são aplicadas. 1) num grande número, pode-se até dizer no maior número de sociedades, a criança tem por totem o de sua mãe, por direito de nascença; 2) o totem se transmite em linha paterna. Desta vez, como a criança permanece unto ao seu pai, o grupo local é essencialmente formado por pessoas que pertencem ao mesmo totem; 3) o totem da criança não é nem do pai e nem da mãe: é o do antepassado mítico que por procedimentos que os observadores nos relatam de diferentes maneiras, veio a fecundar a mãe no momento da concepção. Há os totens de fratias. É o grupo de clãs unidos entre si por laços particulares de fraternidade. Entre o totem da fratria e os totens dos clãs, há como que uma relação de subordinação. Com efeito, cada clã, em princípio, pertence a uma fratria e a uma só.

Como funcionam as fratrias

1) em cada fratria, cada geração pertence a uma outra classe que não a da geração imediatamente anterior. Ou seja, os filhos são da classe da qual seus pais não fazem parte, porém os netos são da mesma classe que seus avós;

2) os membros de uma classe só podem em princípio, contrair matrimônio numa única das classes da fratria. O totem não é apenas um nome; é também um emblema, um verdadeiro brasão, cujas analogias com o brasão heráldico foram freqüentemente assinaladas. É a identidade da família à qual se pertence.

Em alguns grupos tribais, o totem está gravado no próprio corpo. É o próprio modo de representação que está ao alcance inclusive das sociedades menos avançadas. Os laços que unem um individuo a seu totem são tão estreitos que, nas tribos da costa noroeste da América do Norte, o emblema do clã é pintado não apenas nos vivos, mas também nos mortos: antes de sepultar o cadáver, põe-se nele a marca totêmica. Não apenas as imagens totêmicas são as únicas coisas sagradas. Existem seres reais que também são objeto de ritos em virtude das relações que mantém com o totem. As coisas referentes aos desenhos são seres reais, que em algum sentido também são sagrados. Trata-se da maioria dos casos, de animais e de plantas. Alguns são considerados profanos e lícitos de serem comidos, porém há os que são divinizados e a proibição de torna-los em alimento, estão na maioria dos povos tribais. Porém, ainda que se considere

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assim, as representações do totem, têm uma eficácia mais ativa que o próprio totem. O papel do homem no sistema das coisas religiosas, não é meramente figurativo. Cada membro do clã é investido de um caráter sagrado. A razão dessa santidade pessoal é que o homem acredita ser, ao mesmo tempo que um homem no sentido usual da palavra, um animal ou uma planta da espécie totêmica. Já as mulheres, não são consideradas neste sistema como sagradas, pelo contrário, são tidas como profanas em relação aos homens. Elas não participam das assembléias, pois quando são realizadas, os homens se retiram para um lugar afastado, impossibilitando o contato. O totemismo para ser religião necessita de um caráter universalista. E o totemismo satisfaz esta condição, pois todas as coisas que povoam o universo, fazem parte da tribo, são elementos constitutivos e, por assim dizer, elementos regulares dela. Durkheim estabelecendo a importância do totem como religião. Essa religião é mais primitiva das que podem atualmente ser observadas e até mesmo, muito provavelmente, de todas que já existiram. Com efeito, ela é inseparável da organização social à base de clãs.

Alguns autores procuraram explicar o totemismo derivando-o diretamente de uma religião anterior. Tylor e Wilken, coloca o totemismo como uma forma particular do culto aos antepassados. Um grande número de povos crêem que a alma, após a morte, não permanece eternamente desencarnada, mas vem animar novamente algum corpo vivo. Outro estudioso, Andrew Lang, afirma que o totemismo consiste inteiramente na crença numa espécie de consubstancialidade do homem e do animal. Deriva-a inteiramente do fato de o totem ser um nome. Tão logo houve grupos humanos constituído, cada um deles teria sentido a necessidade de distinguir uns dos outros grupos vizinhos com os quais se relacionava e, com essas finalidade, lhes teria dado nomes diferentes. E estes nomes foram tomados preferencialmente da fauna e da flora circundantes, porque animais e plantas podem ser facilmente designados por meio de gestos ou representados por desenhos. Uma definição a que se chega sobre um princípio unificador das espécies de totemismo é que ele é a religião de uma espécie de força anônima e impessoal que se manifesta em cada um dos seres, seja dos animais, ou imagens e dos homens, sem no entanto confundir-se com nenhum deles. O culto totêmico não se dirige a animais ou a plantas determinadas, nem mesmo a uma espécie de vegetal ou animal, mas a uma vaga potência, dispersa através das coisas. Mesmo nas religiões mais avançadas que saíram do totemismo, como as que se vê entre os índios da América do Norte, essa idéia, longe de apagar-se, torna-se mais ciente de si. É ela que domina o sistema religioso. Os espíritos, os demônios, os gênios e os deuses de todo porte não são senão as formas concretas que essa energia, essa “potencialidade”, assumiu ao individualizar-se, ao fixar-se num objeto determinado ou em certo ponto do espaço, ao concentrar-se em torno de um ser ideal e legendário, mas concebido como real pela imaginação popular.

Uma outra definição a que Durkhein chega é que “o totem é antes de tudo um símbolo, a expressão material de alguma coisa outra coisa, que é de um lado, a forma exterior e sensível daquilo que chamamos princípio ou deus totêmico, mas, por outro lado, o símbolo dessa sociedade determinada que é o clã. O totem é sua bandeira, o sinal pelo qual cada clã se distingue dos demais, a marca visível de sua personalidade, marca que se estende a tudo o que faz parte do clã de um maneira ou outra. Isto implica que, o deus do clã, o princípio totêmico, só pode ser o próprio clã, mas hipostasiado e representado às imagens sob as aparências sensíveis do vegetal ou do animal que serve de totem. Para ele, um deus é antes de tudo um ser que o homem concebe, sob certos aspectos, como superior a si mesmo e do qual acredita depender. Mas um deus não é apenas uma autoridade da qual dependemos; é também uma força sobre a qual se apóia nossa força. Daí ele, aplica esta idéia à sociedade, afirmando que da mesma forma a sociedade provoca em nós a sensação de uma perpétua dependência. Por ter uma natureza que lhe é própria, diferente da natureza do indivíduo, ela persegue fins que lhe são igualmente específicos, mas, como não pode atingi-los, a não ser por intermédio de nós, reclama imperiosamente nossa colaboração. E da mesma forma que um deus é também uma força sobre a qual se apóia a nossa força, a ação social não se limita a reclamar de nós sacrifícios, privações e esforços. Pois a força coletiva não nos é inteiramente exterior, não nos move apenas de fora; como a sociedade não pode existir senão nas consciências individuais e por elas, é preciso que ela penetre e se organize

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em nós; torna-se, assim, parte integrante do nosso ser e, por isso mesmo, eleva-o e o faz crescer.

Não há sociedade conhecida sem religião, como também não existe nenhuma, por mais grosseiramente organizada que seja, em que não se verifique todo um sistema de representações coletivas relacionadas à alma, à sua origem, a seu destino, afirma Durkhein. Todas as sociedades, inclusive a Australiana que é o caso estudado, admitem que cada humano abriga um ser interior, princípio de vida que anima: a alma. Ela não é privada de matéria, já que possui uma forma por mais vaga que seja. Ela é distinta e independente do corpo, uma vez que, já nesta vida, pode sair momentaneamente dele. Ela o abandona durante o sono, durante o desmaio, etc. A noção de alma é, portanto, uma aplicação particular das crenças relativas aos seres sagrados. Deste modo se explica o caráter religioso que essa idéia apresentou desde que apareceu na história e que conserva ainda desde que apareceu na história e que conserva ainda hoje. Durkhein afirma ainda, que a alma individual é apenas uma porção da alma coletiva do grupo; é a força anônima que está na base do culto, mas encarnada num indivíduo cuja personalidade ela esposa.

A idéia de um deus-todo-poderoso soberano criador da alma, a partir do nada. Para eles, só se podem fazer almas com almas. As que nascem, portanto, só podem ser formas novas das que existiram; por conseguinte, é preciso que estas continuem a existir para que outras possam se formar. A crenças na imortalidade das almas, em última instância, é a única maneira que o homem possui para explicar a si mesmo um fato que não pode deixar de chamar sua atenção: a perpetuidade da vida do grupo. Os indivíduos morrem, mas o clã sobrevive. As forças que fazem sua vida devem assim ter a mesma perpetuidade. Essas forças são as almas que animam os corpos individuais; pois é nelas e através delas que o grupo se realiza. No que diz respeito a noção de espíritos e de deuses, o livro os coloca como acima da alma, é um personalidade mítica de uma ordem superior, são os heróis civilizadores. O espírito embora com freqüência esteja unido por laços estreitos a um objeto particular, e embora de preferência resida aí, pode afastar-se à vontade para levar a uma existência independente no espaço. Assim, ele tem um raio de ação mais amplo. Pode agir sobre todos os indivíduos que dele se aproximam ou dos quais se aproxima. Um

espírito tem sempre a eficácia de certo tipo e exatamente por isso que ele se define; é encarregado de uma certa ordem de fenômenos, cósmicos ou sociais; tem uma função no sistema do mundo. Quanto a noção de grande deus, ela se deve inteiramente a um sentimento cuja ação já foi observada na gênese das crenças mais especificamente totêmicas: o sentimento tribal. Com efeito, o totemismo, não é uma obra isolada dos clãs, mas que se elaborava sempre no interior da tribo, que tinha, em algum grau, consciência de sua unidade. É por essa razão que os diferentes cultos particulares a cada clã se reúnem e se completam de maneira a formar um todo solidário. É esse sentimento da unidade tribal que exprime na concepção de um deus supremo, comum à tribo inteira. Portanto, são exatamente as mesmas causas que estão agindo da base ao topo desse sistema religioso.

As principais atitudes rituais relacionadas

ao culto.

O culto apresenta um duplo aspecto: um negativo, outro positivo. Os seres sagrados são, por definição, seres separados. O que os caracteriza é que, entre eles e os seres profanos, há uma solução de continuidade. Todo o conjunto de ritos tem por objeto realizar esse estado de separação que é essencial. Como sua função é evitar misturas e aproximações indevidas, impedir que um do domínios avance sobre o outro, esses ritos só podem promulgar abstenções, ou seja, atos negativos. Por essa razão, foi proposto chamar de culto negativo o sistema formado por esses ritos especiais. Há também o que ele chama de culto positivo, que nada mais é que as relações positivas e bilaterais que um conjunto de práticas rituais tem por função regular e organizar. A esse sistema especial de ritos é dado o nome de culto positivo. O culto positivo tende naturalmente a tomar formas periódicas. O que constitui essencialmente o culto é o ciclo das

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festas que retornam regularmente em épocas determinadas. O ritmo a que a vida religiosa obedece apenas exprime o ritmo da vida social e dela resulta. A sociedade não pode reavivar o sentimento que tem de si mesma a menos que se reúna. Outro elemento importante dentro de um sistema totêmico é a magia. A Magia é a influencia de ideais religiosas que se constituíram os preceitos sobre os quais repousa a arte do mágico, e é somente por extensão secundária que eles foram aplicados a relações puramente leigas. É por traz dos mecanismos puramente leigos em aparência, que o mágico emprega, todo um mundo de forças cuja idéia a magia tomou emprestada da religião. Portanto, a magia nasceu da religião.

Conclusão

Para Durkheim, a sociedade ou a consciência coletiva é a forma mais elevada da vida psíquica, já que é a consciência das consciências. Ao mesmo tempo em que vê do alto, ela vê ao longe; a cada momento do tempo, abrange toda a realidade conhecida; por isso só ela pode fornecer ao espírito marcos que se aplicam à totalidade dos seres e que permitam pensá-los dentro de si e apenas toma consciência deles. A sociedade é um sujeito particular, que particulariza o que pensa. Há impessoal em nós porque há social em nós, e, com a vida social compreende ao mesmo tempo representações e práticas, essa impessoalidade estende-se naturalmente tanto às idéias quanto ao atos. Ora, se a síntese das representações particulares que se produzem no interior de cada consciência individual já são, por mesmas , produtoras de novidades, quão mais eficazes serão essas vastas sínteses de consciências completas que as sociedades produzem. Por isso, uma sociedade é o mais poderoso feixe de forças físicas e morais cujo espetáculo a natureza oferece.

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIECURSO DE ARQUITETURA

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DISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIAPROF. ANTONIO JOSÉ

A EDUCAÇÃO COMO UM MEIO REDENTIVO E LEGITIMADOR DOS

OS MOVIMENTOS POPULARES

Os Movimentos Populares Renascentistas e IluministasComo Fatores Determinantes de uma Nova Era

Sócio-Política

Quando se lê a história dos movimentos populares que desencadearam em transformações políticas, sociais e até mesmo econômicas, percebe-se tangivelmente que a educação ocupou um lugar determinante na condução dos povos e nações. À guisa de exemplificações, vejamos que a descoberta da imprensa por Johannes Gutemberg em 1543, fez surgir o movimento renascentista com o revigoramento das letras e educação , da arte, cultura e até mesmo da religião com o Protestantismo. Estes movimentos populares no século XVI, também fizeram cair o Feudalismo que predominara na Europa por quase mil anos. Veio aflorar a burguesia e novas classes sociais a partir daquele contexto histórico. A sociedade estava cansada do Feudalismo Medieval. A sociedade feudal estava em xeque-mate e servilidade humana medieval desmoronara. A sociedade ansiava por uma nova era e a fez acontecer.

Algumas características estão bem presentes no movimento renascentista-humanista: A) Os Clássicos Greco-Romanos foram estudados; B) Os valores culturais humanos foram enfatizados; C) A Autoridade da Igreja Romana foi questionada.

Vultos Renascentistas nas Artes

O Renascimento, com acentuado espírito crítico em todas as suas manifestações (artística, religiosa, literária, política, etc.) teve como principais representantes, no aspecto eminentemente literário: Dante Alighieri – “A Divina Comedia” – Nicolau Maquiavel – “O Príncipe”, “A Mandrágora” – Giovanni Boccacio –– Miguel de Cervantes – “D. Quixote de La Mancha” – Luís de Camões – “Os Lusíadas – William Shakespeare – “Romeu e Julieta”, “Júlio César”, “Hamlet”, “Otelo” e muitíssimas outras obras poéticas e peças teatrais. O Renascimento, sem dúvida precisava de gênios. E os produziu! – Erasmo de Roterdã – “O Elogio da Loucura” – Etienne de La Boetie – “Discurso da Servidão Voluntária” – Thomas Morus – “Utopia”, entre várias outras obras e Autores. Em sua vertente principalmente Artística, o gênio universal de Leonardo da Vinci é, sem sombra de dúvida a maior estrela desta constelação. Michelangelo Buonarotti, o escultor e autor da decoração deslumbrante Capela Sixtina no Vaticano, além das esculturas de “Moisés”, “Davi” e “Pietá” entre centenas de outras! Rafael Sânzio, famoso pelas suas pinturas “magníficas de Madonas”, Murilo e El Greco, entre outros tantos.

Vultos Renascentistas na Área Científica

Em sua vertente Científica há que destacar-se principalmente o fato de surgir um poderoso espírito crítico – comum a todos os renascentistas, os quais rejeitavam o “princípio da autoridade”, o magister dixit aristotélico medieval. Agora buscava-se empiricamente os fatos detalhada e acuradamente, com comprovações factíveis. Não bastava mais estar escrito numa obra genial de Aristóteles para “ser verdade”. Era necessário comprovar essa “verdade”, o que muitas vezes não ocorria, levando a crises com a Igreja e sua “Santa” Inquisição, que supliciou muitos dos pioneiros da

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ciência em nome da defesa da fé... Destacam-se, nesta vertente, o polonês Nicolau Copérnico, cuja teoria heliocêntrica foi completada no século XVII pelo italiano Galileu Galilei (perseguido pela Inquisição, teve de retratar-se mas deixou uma obra imorredoura. Só foi perdoado pela Igreja Católica no “ano do Jubileu”, ou seja, em 2000 d.C. quando, finalmente, a Igreja Católica aceitou o fato de que a Terra é redonda, gira em torno do seu próprio eixo e em torno do sol... Giordano Bruno, por sua vez, não se retratou. Sua tese de que “somente um universo infinito seria compatível com a idéia de um Deus infinito” estava em incompatibilidade com as teses tomistas e aristotélicas da igreja. Por esta “heresia” ele foi amarrado a uma estaca em praça pública onde teve a língua perfurada por uma faca e foi enfim queimado vivo.  

. O Humanismo conquanto Movimento Popular Antropocêntrico

         “Que obra de arte é o homem: tão nobre no raciocínio; tão vário na capacidade; em forma e movimento, tão preciso e admirável, na ação é como um anjo; no entendimento é como um Deus; a beleza do mundo, o exemplo dos animais.”

Hamlet, William Shakespeare

         Revolucionária observação, que conclamava a um antropocentrismo em contrapartida ao teocentrismo católico, baseado mais na tradição do que nas Escrituras Sagradas. Roberti Audi, em sua famosa obra “The Cambridge Dictionary of Philosophy”, p. 397, faz a seguinte assertiva: “Os humanistas criam que era possível viver confiantemente sem os valores religiosos e metafísicos, e que todas as opiniões estavam abertas e e sujeitas a revisão e correção.”21 Muitos renascentistas consideravam sua época como o final de um “tempo obscuro”, de uma “Idade das Trevas”, iniciado com a decadência do Império Romano. Em comparação com a época dos antigos gregos e romanos, plena de realizações culturais, a Idade Média lhe parecia bastante pobre... Tal preconceito, contudo, tem sido revisto por autores contemporâneos uma vez ser inegável a enorme produção cultural patrocinada e orientada pela Igreja Católica Romana; havia tabus e heresias, mas o pensamento cristão reformado veio a surgir e progredir, até mesmo com a simpatia de humanistas como Erasmo de Roterdã, amigo de Lutero.   De todo o modo o Humanismo Renascentista deve ser considerado um movimento intelectual de valorização da Antiguidade Clássica. Não se tratava, contudo, de meramente copiar as realizações do Classicismo greco-romano; tal aspecto retiraria ao movimento sua maior amplitude. O Humanismo, embora não sendo a rigor uma filosofia, resultou deploravelmente em um movimento de glorificação do Homem, tornado centro de todas as indagações e preocupações. Constituía, em sentido amplo, uma tomada de posição antropocêntrica em reação a teologia católica medieval, com suas tradições desprovidas de fundamentação bíblica. Os Humanistas não mais aceitavam os valores e maneiras de ser e viver da Idade Média. Em função disso, os humanistas tenderam a valorizar a produção cultural da Antiguidade Greco-Romana, sem que com isso queiramos dizer que pregavam um retorno ao passado, tomado apenas como fonte de inspiração.

Para a eclosão e ampla difusão do Renascimento como um todo há que se considerar ainda:

1) O aperfeiçoamento da imprensa, que possibilitou a difusão dos clássicos greco-romanos, e muitas obras e clássicos antigos foram redescobertos, publicados e lidos, produzindo assim novos valores éticos e acadêmicos aos cidadãos da Europa naqueles dias;

2) A decadência e derrocada de Constantinopla em 1453, que provocou um verdadeiro êxodo de intelectuais bizantinos para a Europa Ocidental;

21 Audi, Robert. The Cambridge Dictionary of Philosophy. Cambridge, England: Cambridge University Press, p. 397, 1999.

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3) As Grandes Navegações ou Mecanismos de Conquista Colonial, que alargou os horizontes geográficos e culturais e propiciaram o contato europeu com culturas completamente distintas, contribuindo para derrubar muitas idéias até então tidas como verdades absolutas;

4) O Impulso acadêmico praticado por burgueses ricos, Príncipes e até Papas, interessados em projetar suas cortes, daí financiarem as atividades do Renascimento Cultural.

         O Humanismo teve suma importância, pois conduziu a modificações inclusive nos métodos de ensino, uma vez que começaram a surgir Academias e Liceus laicos, onde se estudava as línguas clássicas (o latim e o grego) e com a maior preocupação em analisar acurada e cientificamente os fenômenos da natureza. Na verdade, os movimentos populares na época Renascentismo, foram fatores preponderantemente determinantes para o surgimento de uma “Nova Europa” em todas as áreas. A guerra dos camponeses eclodida em 1530 na Alemanha e a Reforma Protestante de 1517 com Martin Luther e Jean Calvin, inconformados com o autoritarismo e absolutismo medieval, foram movimentos populares que produziram mudanças geopolíticas profundas no velho continente, segundo informa-nos Max Weber em sua obra “Protestantismo e a Ética do Capitalismo”. Estes movimentos populares dom passado, servem de exemplos paradigmáticos para os movimentos populares contemporâneos, com a reivindicação das massas por uma nova política nacional mais humana, justa e igualitária.

O ILUMINISMO E SUA INFLUÊNCIA

SÓCIO-POLÍTICA NO PENSAMENTO OCIDENTAL

O Iluminismo conquanto movimento popular do século XVIII, quebrou com a hegemonia do absolutismo da monarquia francesa e de muitas outras nações européias, e, com isso veio a queda da Bastilha e o fortalecimento dos movimentos populares franceses e suas reivindicações, segundo Bahm, estudioso do assunto.22 No decorrer do século XVIII, as idéias do Iluminismo sobre Deus, a razão, a natureza e o homem cristalizaram-se por uma nova cosmovisão que deitou raízes e acabou por produzir avanços revolucionários na arte, na filosofia e na política. O Iluminismo foi o movimento cultural e intelectual europeu que, herdeiro do Renascentismo e humanismo do século XVI, e, originado do racionalismo e do empirismo do século XVII, fundava-se no uso e na exaltação da razão, vista como o atributo pelo qual o homem apreende o universo e aperfeiçoa sua própria condição. Considerava que os objetivos do homem eram o conhecimento, a liberdade e a felicidade. O Iluminismo foi chamado pelos franceses de Siècle des Lumières, ou apenas Lumières, pelos ingleses e americanos chamado de Enlightnment.

4. 1. Características do Iluminismo como 5. Movimento Popular Francês

O Iluminismo avaliou com otimismo o poder e as realizações da razão humana, e a crença na possibilidade de reorganizar a sociedade segundo princípios racionais. Não ignorou a história, mas a encarou de modo crítico, sem aceitar a idéia de que a evolução da humanidade fosse inexoravelmente determinada pelo passado. Esse enfoque retirou do otimismo dos pensadores iluministas qualquer caráter metafísico. Ao contrário, a visão iluminista tinha por base a possibilidade, aberta a cada ser humano, de ter consciência de si mesmo e de seus erros e acertos, e de ser dono de seu destino: a confiança nos efeitos moralizadores e enobrecedores da instrução se completava na exortação a todas as pessoas para que pensassem e julgassem por si próprias, sem orientação alheia. A crítica iluminista

22 BAHM, Archie J. 1988. Polarity, Dialectic, and Organicity. Albuquerque, New Mexico, U.S. A.: World Books, p. 98.

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dirigiu-se contra a tradição e a autoridade daqueles que, segundo eles, guiavam o pensamento, e contra o dogmatismo que os justificava. Essa luta contra as verdades dogmáticas deu-se, na esfera política, com a oposição ao absolutismo monárquico.23 É certo que houve alguns casos em que monarcas apoiaram e estimularam as novas idéias, atitude que ficou conhecida como "despotismo esclarecido". Esse apoio não configurava uma aliança, necessariamente.

Tudo isso levou à crença no "progresso histórico" da humanidade, concebido não como produto e resultado da razão e dos esforços humanos. Formou-se assim pela primeira vez a idéia de "humanidade" como integração de todos os povos, acima de circunstanciais diferenças étnicas ou situações temporais ou espaciais. Como resultado lógico, a atividade e tarefa que os pensadores iluministas se atribuíam não ficou centrada na criação de grandes sistemas especulativos, e sim na difusão da cultura e na abertura de novas perspectivas para a compreensão da realidade. A luta por uma nova sociedade, demonstrava-se no tríplice viés do “Igualité, Liberté e Fraternité” do movimento. Ao mesmo tempo, os gêneros literários se diversificaram. Surgiram inúmeras publicações, e a diversidade de temas de estudo e de reflexão firmou-se como um dos traços que permaneceram na cultura contemporânea. Para avaliar globalmente o Iluminismo, deve-se levar em conta que, embora houvesse uma atmosfera cultural comum em quase toda a Europa, as diferenças nacionais e a existência de sistemas políticos distintos determinaram condições e pontos de vista diversos. O Iluminismo francês, por exemplo, foi mais anti-clerical e de orientação política do que o Iluminismo britânico, o qual se desenvolveu em um país onde já havia se estabelecido uma monarquia liberal; já na Alemanha, o debate intelectual se concentrou em questões metafísicas e religiosas.

Desenvolvimento e Principais Tendências

Iluministas

O Iluminismo produziu as primeiras teorias modernas seculares sobre a psicologia e a ética dos indivíduos. O filósofo empirista inglês John Locke foi, de certo modo, o primeiro iluminista. Em seu Essay Concerning Human Understanding (1689; Ensaio acerca do entendimento humano), Locke rejeitou a escolástica, que baseava a explicação do mundo em conceitos, e recusou também o apriorismo cartesiano: para Locke, os objetos do entendimento ou conhecimento não poderiam ser entidades constituídas prévia e independentemente dele, nem tampouco idéias inatas. Assim, considerou que, na ocasião do nascimento, a mente humana é como uma página em branco, uma tabula rasa na qual a experiência vai formando o caráter individual. Essas idéias, radicalizadas por David Hume, ensejaram uma nova visão da ética e da sociedade. As ações corretas e a organização social justa dependeriam do exercício da faculdade da razão.

Na França, a organização política não tinha a flexibilidade e funcionalidade do sistema inglês, de modo que a reação contra a rigidez hierárquica e a desigualdade levou quase forçosamente a ideais revolucionários, que apareceram de modo bem definido em obras como a do barão de Montesquieu, L'Esprit des lois (1748; O espírito das leis). Nela, o autor postulava um liberalismo de tipo britânico, assegurado -- e essa foi sua grande contribuição à filosofia política -- pela separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Voltaire foi, em grande medida, o símbolo do "século das luzes" francês; atacou com dureza o absolutismo e a igreja, exaltou a razão e advogou um deísmo que assumiu algumas vezes formas quase místicas e irracionais. Jean-Jacques Rousseau foi uma das grandes figuras das Luzes. Para ele, a moral surge com a sociedade, pressupõe o princípio da ordem e exige a liberdade. A única sociedade política aceitável para o homem é a que está fundada no consentimento geral. Rousseau não preconizou a revolução nem incitou a ela, mas suas idéias influenciaram os revolucionários franceses. Por sua riqueza e originalidade, são também um marco inaugural do

23 CAYGIL, Howard. 1996. A Kant dictionary. Cambridge, England: Blackwell Press, 129.

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romantismo e uma das referências do pensamento moderno. Em outros lugares da Europa, as idéias iluministas penetraram menos.

Os pensadores iluministas deixaram como legado a definição e desenvolvimento de muitos dos conceitos e termos empregados ainda hoje no tratamento de temas estéticos, éticos, sociais e políticos. E o mundo contemporâneo herdou deles a convicção, rica de esperanças e projetos, de que a história humana é uma crônica de contínuo progresso.

Os Movimentos Populares como Instrumento Persuasivo

Da Ética na Política

Os movimentos populares podem, de fato, como foi vimos na história do Renascentismo e do Iluminismo, um poderoso instrumento de transformações e sociais. Esta é uma verdade irrefutável e iniludível. A verdade que muitas vezes aquilo que aparece como algo pertinente à coletividade, de fato mascara o interesse pessoal e carreirista do político que pede seu voto e que faz o discurso do bem comum. A moralização da política recoloca uma antiga problemática: a relação entre o público e o privado. Foram os gregos na antigüidade que inventaram o espaço da política enquanto expressão da vontade coletiva, isto é, enquanto esfera da ação humana que submete a vontade arbitrária e privada do poder pessoal do governante às instituições públicas. Dessa forma, cunharam a distinção entre a autoridade pública — expressão do coletivo — e autoridade privada — identificada com o déspota, o chefe de família. A condição da política é justamente a ausência do despotismo.

Esta relação direta com a realidade dos indivíduos contribui para o entendimento comum que assemelha ética à moral e toma uma pela outra. Um bom exemplo desta confusão conceitual está na expressão já consolidada no vocabulário as diversas profissões: os códigos de ética. Na verdade são normas, regras procedimentos, que configuram, digamos, um código de moral. Observemos que mesmos os partidos políticos têm os seus códigos de ética! Contudo, nem sempre deles se utilizam para enxergar que foram eleitos como representantes do povo, pelo povo e para o bem do povo. Em alusão ao comentado acima, Comparato, em sua clássica obra “Ética (Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno), faz a seguinte assertiva:

É preciso salientar, ainda, que o sistema representativo contemporâneo não se reduz à constituição de um só órgão parlamentar, em cada unidade política: a nação, a região, o Estado federado, o município. Cada vez mais, o povo é chamado a eleger representantes para a decisão de questões de interesse coletivo, seja em unidades políticas menores – distritos ou subprefeituras municipais de grandes cidades -, seja em setores específicos onde devem ser desenvolvidas determinadas políticas públicas, como a educação, a saúde, a adolescência ou a infância, a previdência social, etc. No caminho dessa indispensável extensão da prática democrática, o grande obstáculo a ser vencido é sempre a tendência natural dos chefes de governo e dos agentes administrativos de concentrar sempre mais poderes e de se recusarem à prestação de contas aos representantes do povo.24

Ética tem origem no grego ethos, que significa modo de ser. A palavra moral vem do latim mos ou mores, ou seja, costume ou costumes. A primeira é uma ciência sobre o comportamento moral dos homens em sociedade e está relacionada à Filosofia, isto é, pergunta-se sobre a fundamentação última das questões. Sua função é a mesma de qualquer teoria: explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade, elaborando os conceitos correspondentes. A segunda, como define o filósofo VÁZQUEZ (1992), expressa "um conjunto de normas, aceitas livre e conscientemente, que regulam o comportamento individual dos homens".

Se seguirmos o itinerário da política, dos gregos à modernidade, verificaremos que não há resposta simples nem única. De um lado, a exigência da ética enquanto componente da política expressa

24 COMPARATO, Op. Cit. P. 666.

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o desejo da sua moralização. Como a moral é essencialmente uma forma de comportamento relacionada com a consciência individual, seus critérios chocam-se com a esfera da política enquanto atividade coletiva. A política pressupõe ainda confrontos e conflitos entre interesses de grupos opostos e

antagônicos, o que potencializa ainda mais o choque com os imperativos morais do indivíduo.

Será que os Fins Justificam os Meios

na Vida Política?

Para explicitar este assunto, ainda que laconicamente, faz-se aqui alusão a Maquiavel. Com ele a política é concebida enquanto esfera autônoma da vida social. A política deixa de ser pensada a partir da ética e da religião. Neste sentido, Maquiavel representa uma dupla ruptura: com os clássicos da antiguidade greco-romana e com os valores cristãos medievais. A política deixa de ser pensada apenas no contexto da filosofia e se constitui enquanto um campo de estudo independente, com regras e dinâmica livres de considerações privadas, morais, filosóficas ou religiosas. Em Maquiavel, a política identifica-se com o espaço do poder, enquanto atividade que na qual se assenta a existência coletiva e que tem prioridade sobre as demais esferas da vida humana. A política funde-se com a realidade objetiva, com os problemas concretos das relações entre os homens: deixa de ser prescritiva — em torno de uma abstração moral e ideal — e passa a ser vista como uma técnica, com leis próprias, atinente ao cotidiano dos indivíduos.

Para Maquiavel a política deve se preocupar com as coisas como são, em toda sua crueza, e não com as coisas como deveriam ser, com todo o moralismo que lhe é subjacente. Ao libertar a política da moral religiosa, Maquiavel explicitou seu caráter terreno e transformou-a em algo passível de ser assimilado pelos comuns dos mortais. Isto teve um preço. Não por acaso seu nome virou adjetivo de coisa má. Maquiavelismo virou sinônimo de uma prática política desprovida de moral e de boa fé, um procedimento astucioso e velhaco. De fato, o florentino nada mais fez do que demonstrar a hipocrisia da moral da sua época, isto é, mostrar como, por trás de uma moralidade que justificava a dominação dos senhores feudais e da senhora feudal, a Igreja Católica, a política era cruel e friamente praticada através de meios nada cristãos: traições, assassinatos, guerras etc. A política explicitada e descrita em sua obra “O Príncipe” com dezenas de exemplos retirados da história mais se assemelha ao inferno de Danti do que ao paraíso prometido aos pobres camponeses, desde é claro, que eles se conformassem com a exploração e a situação de miséria em que viviam. Ontem como hoje a recompensa ao conformismo está no pós-morte, no além.

Maquiavel ‘maquiavelismo’ que lhe imputam já se fazia presente antes dele escrever sua obra mais polêmica: O Príncipe. Quem ler este livro sem levar em consideração e estudar minuciosamente o contexto histórico no qual ele escreveu, não aprenderá nem fará justiça ao seu autor. Conquistar e manter o poder: eis em síntese a finalidade essencial da política. É neste sentido que Maquiavel cunha sua famosa e mais polêmica frase: "Os fins justificam os meios”.

Esta questão não pode ser satisfatoriamente respondida sem equacionarmos outra que se coloca a priori: o que justifica o fim? Ora, a realidade social na qual vivemos está longe de assemelhar-se ao paraíso ou à harmonia positivista da ordem e progresso. A ordem se mantém a ferro e fogo, isto é, a partir da ocultação ideológica das relações e mecanismos de exploração e pelo uso do aparato repressivo estatal, sempre que se faz necessário.

Por outro lado, este século, se pensarmos filosoficamente e não apenas do ponto de vista tecnológico, enterrou a ilusão positivista — mas também iluminista e a leitura evolucionista marxista — de que a humanidade marcharia sempre numa direção progressista. Duas guerras mundiais, o nazismo, o fascismo, o stalinismo, as ditaduras de esquerda e de direita etc., negam qualquer idéia no sentido de uma evolução linear positiva.

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Mesmo de um ponto de vista essencialmente capitalista, o progresso é um fracasso pois que toda a riqueza produzida com o desenvolvimento tecnológico está concentrada cada vez mais em mãos de poucos, aumentando o fosso entre ricos e pobres — e não precisa ser marxista para verificar que a miséria aumenta no mundo, que a desigualdade cresce e que as mazelas sociais atingem até mesmo os países mais poderosos. Muitas vezes, o que está imperando na vida política são os interesses de poucos em detrimento da massa, do povo que elegeu os seus representantes. Numa sociedade onde impera a desigualdade e as relações de dominação e exploração entre as classes e grupos sociais, os fins não são universais, como também não o é a moral.

Esta análise nos coloca diante de problemas concretos. Partindo do pressuposto que os fins buscados são diferentes, pode a direita e a esquerda utilizar os mesmos meios? Quem luta pela liberdade pode usar recursos ditatoriais, repressivos? Quem respeita a vida humana pode adotar procedimentos de tortura assassinatos etc., em nome do objetivo político? O que diferencia uma ditadura de esquerda de outra de direita? O terrorista que luta pela liberdade de seu país justifica os meios que utiliza e que, invariavelmente, vitima inocentes?

Os fins justificam os meios, é verdade. Mas apenas na medida em que estes meios não entram em contradição com os fins almejados. Quer dizer, nem tudo é permitido! Só é aceitável aquilo que contribui para que se atinja o fim e que não represente a negação deste. Toda a experiência do ‘socialismo real’ expressa a comprovação histórica de que não basta proclamar certos fins — por mais justos que sejam — é preciso encontrar os meios adequados.

A crise política sem fim e sem precedentes sugere algumas reflexões sobre o problema da ética na política. Nenhuma profissão é mais nobre do que a política porque quem a exerce assume responsabilidades só compatíveis com grandes qualidades morais e de competência. A atividade política só se justifica se o político tiver espírito republicano, ou seja, se suas ações, além de buscarem a conquista do poder, forem dirigidas para o bem público, que não é fácil definir, mas que é preciso sempre buscar. Um bem público que variará de acordo com a ideologia ou os valores de cada político, mas o qual se espera que ele busque com prudência e coragem. E nenhuma profissão é mais importante, porque o político, na sua capacidade de definir instituições e tomar decisões estratégicas na vida das nações, tem uma influência sobre a vida das pessoas maior do que a de qualquer outra profissão. O político deve agir de acordo com a ética da responsabilidade, porque essa é a única ética compatível com o espírito republicano. Um grande número de políticos, porém, não age de acordo com ela.

A Legitimação dos Direitos Políticos dos Movimentos Populares

a Partir Da Ética e da Educação

Este modelo, que predomina no ambiente da educação popular e nos contextos eclesiais identificados com a educação popular, caracteriza-se por ser ocasional, acompanhando determinadas ações de grupos ou movimentos sociais. O processo de ensino e o conteúdo estão centrados na perspectiva e na necessidade do testemunho público da fé em situações carregadas de conflitos sócio-políticos. Devido a isto, são enfatizados a solidariedade, a ética política e o testemunho público do grupo que se percebe inserido numa sociedade injusta e está comprometido com a justiça, a paz e a dignidade humana como sinais da

Matias Preiswerk, um educador católico defende a idéia de método para a ética política, como tendo a capacidade de estabelecer vínculos e recriar relações. Esse educador define método como "um conjunto das ações das reflexões que intermedeiam e são mediadoras na educação". Ao descrever o conjunto de ações e reflexões, o autor afirma que, o método é constituído o sistema de relações como estrutura de pensamento e de ação, como inspiração que assume as rupturas, as

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defasagens, as distâncias entre os sujeitos com seus próprios desejos e necessidades, as metas que se pretende alcançar, os processos para alcançar determinadas metas, os obstáculos proporcionados pelo contexto.25

O método atinge tanto a sistematização da análise crítica da ação e da reflexão que envolve os componentes de uma determinada prática educativa quanto a elaboração de desafios teóricos e práticos que possam modificar a ação educativa do educador e estabelecer, eventualmente, uma nova práxis. O método é, portanto, o próprio conjunto de interações entre a teoria e a prática. A dificuldade na vida política é que, muitas vezes, os representantes do povo, não refletem, não repensam e nem recriam o que está acontecendo lá fora.

Todos conhecemos bem a importância de frases do tipo "ser sujeito de sua história". Elas desempenharam e muitas vezes ainda desempenham o papel de mobilizar as pessoas e de torná-las conscientes de seu potencial transformador. No entanto, as teorias da pós-modernidade chamaram a atenção para o tipo de sujeito que está em construção. Os mais radicais estão dispostos a enterrar o sujeito moderno com a própria noção de história. Por outro lado, as críticas ao sujeito conquanto ser político (tais como: Franco, Salazar, Hitler e Mussolini), e tantos outros anteriores a ales, que carregavam dentro de si a luz da razão universal e que, em nome desta mesma razão, cometeram grandes atrocidades nos últimos séculos, desde a caça às bruxas até o extermínio dos índios ou a morte à distância pela bomba atômica - não parecem ser sem fundamento. Daí a crítica que se faz quando se refere ao sujeito moderno, enquanto “ser político”. O político não pode fazer dele e dos seus interesses pessoais, um fim em si mesmo. É necessário que ele enxergue o povo. Daí a importância dos grupos populares, como elementos afiadores da consciência política, na promoção dos interesses do povo. Longe do homem ser essencialmente bom e possuir um zelo natural pela virtude, percebe-se na política nacional, em muitos casos, um interesse escuso de beneficiar-se do cargo eletivo para beneficiar a si mesmo e não ao povo; ou seja, de tentar tirar benefícios próprios em todas as situações, e a tomar decisões que só beneficiam alguns, em detrimento da maioria, como se contempla em tantos casos conhecidos na vida política nacional.

Uma Ética Política de Relação

É interessante notar como depois de algumas décadas de existência a teoria educador Paulo Freire suscita ainda interesse, exatamente pela noção de diálogo. Isso parece corresponder a uma genuína necessidade que o ser humano sente neste momento da histórico-político de experimentar o Outro, seja o ser humano, a natureza ou o transcendente. Edgar Morin traduz essa necessidade no contexto de sua proposta de criar uma sociedade/comunidade de nações, ao mesmo tempo global e respeitosa das diferenças, com as seguintes palavras: "Esta nova etapa só poderá ser alcançada revolucionando em toda parte as relações entre humanos, desde as relações consigo mesmo, com o outro e com os próximos, até as relações entre as nações e Estados e as relações entre os homens e a sociedade, entre os homens e o conhecimento, entre os homens e a natureza.26

A vida política deve abrir margens e possibilidades para uma ética de relação com os interesses públicos e das massas, de forma mais relacional. Fala-se sobre a necessidade de romper com o ciclo do poder pelo poder, do poder como um espaço hermeticamente fechado para a prestação de contas ao povo, criando assim uma ética política participação, através de relações gratificantes e significativas, com um saudável processo de inclusão.

25 PREISWERK, Matthias (Ed.). Un telar para la educación : avances y materiales. Curitiba CELADEC, 1996. 138 p. (Cadernos de Estudo, 32).

26 MORIN, Edgar, KERN, Arme Brigitte. Terra-Pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995. VER também: BOFF, Leonardo. Ecologia, mundialização, espiritualidade : a emergência de um novo paradigma. São Paulo : Editora Ática, 1993.

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O Termo e a Época em Foco

O vocábulo português “renascença” deriva-se do francês que significa “renascentismo”. Esse termo é aplicado como designação histórica de um período de tempo que foi vivido pela Europa Ocidental, entre os séculos XIV a XVI, ou seja, a alta Idade Média. Mas houve outras designações tais como: “renascentismo do espírito Greco-Romanoi” e “Renascentismo da Erudição”.

2. O Reavivamento da Cultura Antiga

As obras clássicas Gregas e latinas não eram desconhecidas durante a Idade Média, apenas não eram enfatizadas, Durante a Renascença, reviveu o interesse por essas áreas do pensamento e por sua realização. Estudiosos sentiram-se estimulados a buscarem maiores conhecimentos sobre a idade áurea Greco-Romana. Daí resultou um efeito secularizador que tendeu a diminuir o predomínio até então exercido pela Igreja Católica sobre a Europa. A literatura e a cultura Greco-Romana tornaram-se muito importantes para um grande número de estudiosos e pessoas cultas da época.

A Igreja Católica Romana sempre se mostrou interessada pelos clássicos Greco-Romanos, e grande parte das idéias e filósofos Platão e Aristóteles foram incorporadas no escolasticismo Católico, ainda que essa incorporação tenha tido adaptações cristãs e dogmáticas. Isso contrasta com o período da renascença, quando os estudiosos examinavam os clássicos pelo valor que lhes davam.

A Influência Greco-Romana no mundo Ocidental

3.1. A civilização Grega

Os elementos da civilização Grega são acentuadamente notabilizados e reconhecidos. Eles incluem a arte, a, arquitetura, a literatura, a língua grega (o Koinê, o grego comum universalmente conhecido naqueles dias), a ciência e a filosofia. O conhecimento humano manifesta a influência que a cultura grega, sobretudo a língua, a filosofia, o estudo dos astros e planetas e em várias outras áreas do mundo acadêmico. O historiador Dr. Herbert Kane, em sua obra A History of the Christian Mission, informa-nos assim: "O segredo da fertilidade do pensamento grego não pode ser achado na forca física, na sua dimensão geográfica, ou em qualquer outra causa; o segredo reside na mente inquiridora, no espírito incansável, e na arguição e significado da vida."27

Os gregos, com sua visão expansionista e aventureira, foram grandes viajantes e navegadores, estabelecendo colônias em toda a costa do mediterrâneo, a partir dos séculos VI e VII antes de Cristo. Aonde quer que eles iam, conduziam consigo os beneficios de sua civilização. Os viajantes gregos Strabo e Pausânias tornaram-se para os primeiros cristãos, as fontes de estudos mais seguras quanto a topografia de todo o mediterrâneo e do antigo mundo romano naqueles dias.

3.2. A Civilização Romana

No apogeu de seu poder, Roma governou o mundo com punho de ferro e seu império compreendia uma área de aproximadamente dois milhões de quilômetros quadrados, indo da Espanha aos Eufrates, do mar do Norte, até ao deserto Saara. A população do império naqueles dias

27 Herbert Kane. A History of the Christian World Mission (Grand Rapids, Michigan, USA: Baker Books, 1978), 3.

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correspondia a cem milhões de pessoas. O apogeu romano durou desde um século antes de Cristo ate o III século depois de Cristo.

Os romanos eram homens de ação:1) Eles varreram os piratas dos mares e construíram as melhores estradas da antiguidade, com o mínimo de perigo e demora, não somente para os mercadores e os legionários, mas também para os propagadores da mensagem da cruz;2) As legiões Romanas acabaram com as guerras entre as províncias e preservaram a paz em todo o império, produzindo o que foi chamado de "Pax Romana;"

3) Ao mesmo tempo, os Romanos davam as suas províncias plena autonomia, tanto quanto possível, desde que não desestabilizasse ou pusesse em risco a segurança do império. O Judaismo, por exemplo, recebeu especial tratamento no que foi designado pelos romanos de "religio Licita;" e, por um tempo, os Cristãos foram hábeis a tomar vantagem dessa situação de tolerância concedida ao Judaísmo e a outras religiões da época.

O Movimento Humanista

Podemos estar certos e seguros de que esse movimento como uma revolta contra o domínio sufocante da Igreja Católica Romana, apesar de também ter sido um ressurgimento livre e espontâneo do desejo de liberdade e bem-estar humanos. Algumas características estão bem presentes no movimento humanista: A) Os Clássicos Greco-Romanos foram estudados; B) Os valores culturais humanos foram enfatizados; C) A Autoridade da Igreja Romana foi questionada.

Vultos Renascentistas nas Artes

O Renascimento, com acentuado espírito crítico em todas as suas manifestações (artística, religiosa, literária, política, etc.) teve como principais representantes, no aspecto eminentemente literário: Dante Alighieri – “A Divina Comedia” – Nicolau Maquiavel – “O Príncipe”, “A Mandrágora” – Giovanni Boccacio –– Miguel de Cervantes – “D. Quixote de La Mancha” – Luís de Camões – “Os Lusíadas – William Shakespeare – “Romeu e Julieta”, “Júlio César”, “Hamlet”, “Otelo” e muitíssimas outras obras poéticas e peças teatrais. O Renascimento, sem dúvida precisava de gênios. E os produziu! – Erasmo de Roterdã – “O Elogio da Loucura” – Etienne de La Boetie – “Discurso da Servidão Voluntária” – Thomas Morus – “Utopia”, entre várias outras obras e Autores. Em sua vertente principalmente Artística, o gênio universal de Leonardo da Vinci é, sem sombra de dúvida a maior estrela desta constelação. Michelangelo Buonarotti, o escultor e autor da decoração deslumbrante Capela Sixtina no Vaticano, além das esculturas de “Moisés”, “Davi” e “Pietá” entre centenas de outras! Rafael Sânzio, famoso pelas suas pinturas “magníficas de Madonas”, Murilo e El Greco, entre outros tantos.

Vultos Renascentistas na Área Científica

Em sua vertente Científica há que destacar-se principalmente o fato de surgir um poderoso espírito crítico – comum a todos os renascentistas, os quais rejeitavam o “princípio da autoridade”, o magister dixit aristotélico medieval. Agora buscava-se empiricamente os fatos detalhada e acuradamente, com comprovações factíveis. Não bastava mais estar escrito numa obra genial de Aristóteles para “ser verdade”. Era necessário comprovar essa “verdade”, o que muitas vezes não ocorria, levando a crises com a Igreja e sua “Santa” Inquisição, que supliciou muitos dos pioneiros da ciência em nome da defesa da fé... Destacam-se, nesta vertente, o polonês Nicolau Copérnico, cuja teoria heliocêntrica foi completada no século XVII pelo italiano Galileu Galilei (perseguido pela Inquisição, teve de retratar-se mas deixou uma obra imorredoura. Só foi perdoado pela Igreja Católica no “ano do Jubileu”, ou seja, em 2000 d.C. quando, finalmente, a Igreja Católica aceitou o fato de que a

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Terra é redonda, gira em torno do seu próprio eixo e em torno do sol... Giordano Bruno, por sua vez, não se retratou. Sua tese de que “somente um universo infinito seria compatível com a idéia de um Deus infinito” estava em dessintonia com as teses aristotélicas. Por esta “heresia” ele foi amarrado a uma estaca em praça pública onde teve a língua perfurada por uma faca e foi enfim queimado vivo na estaca.

O Humanismo conquanto Movimento Antropocêntrico

         “Que obra de arte é o homem: tão nobre no raciocínio; tão vário na capacidade; em forma e movimento, tão preciso e admirável, na ação é como um anjo; no entendimento é como um Deus; a beleza do mundo, o exemplo dos animais.” Hamlet, William Shakespeare

         Revolucionária observação, que conclamava a um antropocentrismo em contrapartida ao teocentrismo católico, baseado mais na tradição do que nas Escrituras Sagradas. Roberti Audi, em sua famosa obra “The Cambridge Dictionary of Philosophy”, p. 397, faz a seguinte assertiva: “Os humanistas criam que era possível viver confiantemente sem os valores religiosos e metafísicos, e que todas as opiniões estavam abertas e e sujeitas a revisão e correção.”28 Muitos renascentistas consideravam sua época como o final de um “tempo obscuro”, de uma “Idade das Trevas”, iniciado com a decadência do Império Romano. Em comparação com a época dos antigos gregos e romanos, plena de realizações culturais, a Idade Média lhe parecia bastante pobre... Tal preconceito, contudo, tem sido revisto por autores contemporâneos uma vez ser inegável a enorme produção cultural patrocinada e orientada pela Igreja Católica Romana; havia tabus e heresias, mas o pensamento cristão reformado veio a surgir e progredir, até mesmo com a simpatia de humanistas como Erasmo de Roterdã, amigo de Lutero.   De todo o modo o Humanismo Renascentista deve ser considerado um movimento intelectual de valorização da Antiguidade Clássica. Não se tratava, contudo, de meramente copiar as realizações do Classicismo greco-romano; tal aspecto retiraria ao movimento sua maior amplitude. O Humanismo, embora não sendo a rigor uma filosofia, resultou deploravelmente em um movimento de glorificação do Homem, tornado centro de todas as indagações e preocupações. Constituía, em sentido amplo, uma tomada de posição antropocêntrica em reação a teologia católica medieval, com suas tradições desprovidas de fundamentação bíblica. Os Humanistas não mais aceitavam os valores e maneiras de ser e viver da Idade Média. Em função disso, os humanistas tenderam a valorizar a produção cultural da Antiguidade Greco-Romana, sem que com isso queiramos dizer que pregavam um retorno ao passado, tomado apenas como fonte de inspiração.

Para a eclosão e ampla difusão do Renascimento como um todo há que se considerar ainda:

1) O aperfeiçoamento da imprensa, que possibilitou a difusão dos clássicos greco-romanos, e muitas obras e clássicos antigos foram redescobertos, publicados e lidos, produzindo assim novos valores éticos e acadêmicos aos cidadãos da Europa naqueles dias;

2) A decadência e derrocada de Constantinopla em 1453, que provocou um verdadeiro êxodo de intelectuais bizantinos para a Europa Ocidental;

3) As Grandes Navegações ou Mecanismos de Conquista Colonial, que alargou os horizontes geográficos e culturais e propiciaram o contato europeu com culturas completamente distintas, contribuindo para derrubar muitas idéias até então tidas como verdades absolutas;

4) O Impulso acadêmico praticado por burgueses ricos, Príncipes e até Papas, interessados em projetar suas cortes, daí financiarem as atividades do Renascimento Cultural.

         O Humanismo teve suma importância, pois conduziu a modificações inclusive nos métodos de ensino, uma vez que começaram a surgir Academias e Liceus laicos, onde se estudava as línguas

28 Audi, Robert. The Cambridge Dictionary of Philosophy. Cambridge, England: Cambridge University Press, p. 397, 1999.

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clássicas (o latim e o grego) e com a maior preocupação em analisar acurada e cientificamente os fenômenos da natureza. 

A ÉTICA NO CONTEXTO DA ERA MODERNA

Entende-se por moderna a ética dominante desde o século XVI até os começos do século XIX. Embora não seja fácil reduzir as múltiplas e variadas doutrinas éticas deste período a um denominador comum, podemos destacar a sua tendência antropocêntrica – em contraste com a ética religiosa Medieval. Esta ética moderna atinge o seu ponto culminante em Immanuel Kant.

A Ética Antropocêntrica no Mundo Moderno

A ética moderna se cultiva na nova sociedade que sucede à sociedade feudal da Idade Média e se caracteriza por uma série de mudanças em todas as ordens.A) Na Ordem Econômica: incrementaram-se consideravelmente as forças produtivas em relação com o desenvolvimento científico que se concretiza na constituição da ciência moderna (Galileu e Newton) e se desenvolvem as relações capitalistas de produção;B ) Na Ordem Social: se fortalece uma nova classe social – a burguesia – que se preocupa com estender o seu poder econômico e luta para impor a sua hegemonia política através de uma série de revoluções;C) Na Ordem Estatal: desaparece a fragmentação da sociedade feudal – com a sua multidão de pequenos estados – e se criam os Grandes Estados (nações) modernos, únicos e centralizadores;D) Na ordem Espiritual: A religião deixa de ser a forma ideológica dominante e a Igreja Católica Medieval, perde na Era Moderna a sua função de guia. Verificam-se os movimentos religiosos da reforma (Calvinismo e Luteranismo), os quais foram influenciados e, ao mesmo tempo, influenciaram os ideais renascentistas.E) Na Ordem Pessoal: O homem adquire um valor pessoal, não só como ser espiritual, mas também como ser corpóreo, sensível, e não só como ser dotado de razão, mas também de vontade. Sua natureza não somente se revela na contemplação, mas também na ação.

O homem aparece, portanto, no centro da política, da ciência, da arte, e também da moral. A Era Moderna enfatizou a transferência de poderes da Divindade para o homem, apresentando-o como absoluto, ou até mesmo como o criador ou legislador em diferentes domínios, incluindo nestes a moral. Na nova sociedade, consolida-se um processo de separação daquilo que a Igreja Medieval unira: a) A razão separa-se da fé; b) A ciência separa-se da teologia; c) O Estado separa-se da Igreja.

Em Renné Descartes (Século XVII) já se esboça claramente a tendência a basear a filosofia no homem, embora este ainda se conceba como um abstrato eu pensante; para os iluministas e materialistas franceses do século XVIII, a filosofia possuía a tarefa de destruir os pilares ideológicos construídos pelo mundo antigo e medieval, e pela ordem feudal-absolutista, mediante a criação de um novo homem em harmonia com a natureza racional.

Obras Consultadas para Esta Aula:

BAHM, Archie J. 1988. Polarity, Dialectic, and Organicity. Albuquerque, New Mexico, U.S. A.: World Books.

CAYGIL, Howard. 1996. A Kant dictionary. Cambridge, England: Blackwell Press.

FRANK, Erich. 1945. Philosophical Understanding and Religious Truth. London, England: Oxford University Press.

GEISLER, Norman. 1980. Introduction to Philosophy, A Cristian Perspective. Grand Rapids, MI., U.S.A.:

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Baker Book House company.

SOSA, Ernest. 1995. A Companion to Metaphysics. Los Angeles,CA., U.S.A.: University of California Press.

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIECURSO DE ARQUITETURA

DISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIAPROF. ANTONIO JOSÉ

ASSUNTO TEMÁTICO:“UMA PERSPECTIVA ÉTICA DA OBRA

‘VIDA FELIZ’ DE SÊNECA”

O principal pressuposto que se assume e se vislumbra no texto de Sêneca é que “todas as pessoas desejam ser felizes.”Ou seja, a felicidade é uma aspiração de natureza universal.” Contudo, o problema que persiste é que muito poucos percebem claramente o real sentido da vida e de ser feliz. A pressa em buscar dos nossos próprios caminhos e à nossa maneira, faz-nos distanciar do verdadeiro alvo de ser feliz. Assim, se requer que o homem priorize os limites que o mesmo aspira alcançar. O caminho fácil e das multidões, são freqüentemente enganosos, e, por essa razão, não é aconselhável ao homem partir em busca da felicidade sem um destino, sem o discernimento do que ela consiste.

Um segundo pressuposto visto nesse texto de Sêneca é que ele começa a construir o seu pensamento, prestando grande relevância à retidão. A felicidade para Sêneca consiste em ser virtuoso, em ser reto. As virtudes clássicas como a coragem, prudência, temperança, estão presentes no pensamento da filosofia e naturalmente, também em Sêneca. Em sua perspectiva, o homem precisa ter a capacidade de distinguir o que é virtude nas circunstâncias de seu ato. Ter a capacidade de julgar ou aferir antes agir é o pensar racional sóbrio.

Um terceiro pressuposto que se notabiliza no pensamento de Sêneca é a virtude da temperança. A verdade é a retidão do juízo. Essa retidão do juízo, por sua vez, exige uma serenidade da temperança. Ninguém será feliz vivendo fora da verdade, segundo Sêneca. É visto como sábio aquele que descobre a temperança em todas as coisas, que é preciso não haver excessos nem para mais nem para menos. O que Sêneca condena é a satisfação insaciável, pois esta não produz a virtude ou a felicidade. Há uma certa inadmissibilidade e ineficácia no desregramento do prazer, segundo Sêneca. A vida dissoluta e desregrada, que faz do prazer um fim em si mesmo, não propiciará ao homem a felicidade. O homem não é infeliz pela ausência de prazer, mas pelo excesso deles.

O prazer em si não constitui em erro ou algo não virtuoso. O que se constitui em erro é a ausência de temperança, a incapacidade de organizar para sentir prazer retamente. A virtude não nos exime ou impede da realização do prazer, mas orienta-nos quanto a forma de tê-lo de maneira reta e responsável. Assim sendo, constata-se nos ensinos de Sêneca que não há contradição ou antagonismo entre “ser feliz e virtuoso” e “ter prazer.” Ele acertadamente enxerga que existem critérios melhores do que os olhos, ou o engôdo daquilo que é aparente. Sêneca fala em seu texto de tudo o que constitui a sublime tarefa da filosofia: “Afastar-se da aparência.”

Um quarto pressuposto relevantíssimo no texto de Sêneca é que “a razão é o parâmetro para a nossa ação e para desenvolvimento de uma capacidade crítica diante da massa.” Avaliar é pensar racionalmente. Sêneca está fazendo uma grande crítica ao senso comum. As pessoas, via de regra, incorporam as coisas sem capacidade crítica, ou seja, sem discussão. A história da própria filosofia é incontestavelmente uma luta contra o conformismo e contra o senso comum. A opinião generalizada aprova e condena as mesmas coisas.

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Relevantemente, a verdade é vista e apreciada como a razão esclarecida. Os homens com a razão deturpada podem se assemelhar aos animais. O homem precisa ter a certeza do juízo para aferir racionalmente e com sabedoria entre o bem e o mal, o espírito (a mente, a razão) e o corpo, a felicidade e o prazer desregrado. Feliz é aquele cuja capacidade racional o conduz a escolher o bem e preterir o mal; feliz é aquele a quem graças a razão obtêm o conhecimento da verdade. Não basta ao homem ter a capacidade de julgar, é necessário que esse seja um reto juízo. Para Sêneca , a razão inabalável nasce da conciliação de todas as faculdades humanas. Nesta razão “não há vacilações e nem perplexidades no ato de avaliar, opinar ou acreditar.”

Um quinto pressuposto que se percebe em sua obra “A vida Feliz,” é a importância atribuída à natureza. Para Sêneca, a vida feliz é aquela que está em plena harmonia com a natureza e com tudo que nos cerca. Esta idéia profundamente se contrasta com o descaso e a destruição da natureza e das relações humanas, conforme contemplamos no mundo contemporâneo. Giovanni Reale, em sua obra “História da Filosofia,” descreve belamente um texto de Sêneca sobre a natureza:

A natureza nos produz como irmãos, gerando-nos dos mesmos elementos e destinando-nos aos mesmos fins. Ela inseriu-nos um sentimento de amor recíproco, com que nos fez sociáveis, deu à vida uma lei de equidade e justiça e estabeleceu, segundo os princípios ideais de sua lei, que é coisa mais mísera ofender que ser ofendido. Ela ordena que nossas mãos estejam sempre prontas a fazer o bem. Conservemos sempre no coração e nos lábios aquele verso: “Sou homem e não considero estranho a mim nada do que é humano.” Tenhamos sempre presente esse conceito de que nascemos para viver em sociedade. E a nossa sociedade humana é precisamente semelhante a um arco de pedras que não cai justamente porque as pedras, opondo-se umas às outras, sustentam-se reciprocamente e, assim, sustentam o arco.29

Um sexto pressuposto que se percebe nesse texto de Sêneca é a ênfase na perpetuidade da virtude. Ele contrasta a estabilidade da virtude com a transitoriedade e instabilidade do prazer insaciável. Ele fala da necessidade de ter o prazer como servo e parceiro e não como um fim em si mesmo. Embasado no texto de Sêneca, percebe-se que o apego ao prazer decorre da “arrogância, presunção e soberba humanas, o amor excessivo pelas posses e o regozijo exagerado por conquistas sem importância.” Em Sêneca, “a virtude não admite aqueles que tudo aceitam;... é prudente e se regozija na moderação.” Para esta virtude, o prazer é servo e não senhor e soberano; é um bem mas não o bem supremo.

Enquanto Epicuro (340-270 A.C.) sustentou uma visão hedonista da vida, vendo o prazer como o princípio e o fim da vida feliz, Sêneca sustentava que “aprioristicamente, não é pela obtenção do prazer que se busca a virtude; esta igualmente procura aquele, mas não é o prazer o escopo primordial, ainda que mirando a virtude acerte também no prazer.”

Em suma, o supremo bem segundo Sêneca, “está no juízo correto e nos hábitos morais da mente reta, que completado seu curso e fixado seus limites, sente-se feliz e de nada necessita.”

29 Giovanni Reale e Dario Antiseri. História da Filosofia, Vol. I: Antiguidade e Idade Média (São Paulo, SP: Edições Paulinas, 1990), 308.

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DISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIAPROF. ANTONIO JOSÉ

“A FELICIDADE NO CONTEXTO FILOSÓFICO E CONTEMPORÂNEO”

INTRODUÇÃO

Em "À Procura da Felicidade", Will Smith revive a trajetória verídica de Chris Gardner, um vendedor marginalizado que venceu as dificuldades, tornando-se um grande banqueiro aos 30 anos. Smith já havia sido lembrado pela Associação de Correspondentes de Los Angeles pelo papel, garantindo uma indicação ao Globo de Ouro na categoria de melhor ator em drama. Ele também disputou o troféu de melhor ator do Critics Choice Awards, do Black Reel Awards, do Image Awards e do Screen Actors Guild Awards. O longa-metragem "À Procura da Felicidade", protagonizado por Will Smith, foi também indicado ontem ao Oscar de melhor ator por sua atuação no drama, estreou no dia 2 de fevereiro no circuito comercial. Mas, enfim, o que é então a felicidade. Este é um tema debatido por cineastas, novelistas, poetas, escritores, teólogos e filósofos. Possivelmente, para a maioria das pessoas, ou mesmo, no senso comum, a felicidade é um estado afetivo ou emocional de sentir-se bem ou sentir prazer. Algumas experiências ou estados associados em conjunto com a felicidade incluem: bem estar, alegria, prazer sexual, contentamento, saúde, segurança, deleite e amor. Enquanto contrasta com outras que incluem: sofrimento, tristeza, pesar, ansiedade e dor. Felicidade é geralmente correlacionada com a presença de eventos favoráveis (como uma promoção, um casamento, ganhar na lotaria, etc.) e ausência de problemas ou má sorte (como acidentes, ser demitido, divórcio, conflitos, etc.). Felicidade é a sensação que pode ser causada ou pode acontecer espontaneamente deixando uma sensação de bem estar. É um momento pelo qual passamos todos dos dias procurando repetir e mantê-lo o maior tempo possível presente. Pode ocorrer por uma ação de sucesso, uma notícia, uma lembrança, a presença de alguém ou simplesmente porque tudo está bem ou ainda porque nada está mal. A felicidade é o que nos move sempre para frente, pois buscando por ela ou estando com ela temos a certeza que a vida vale a pena

1. A FELICIDADE NA PERSPECTIVA PLATÔNICA

Estabeleceu Platão, como Sócrates, a felicidade como fim do homem. A vontade se inclinaria essencialmente para o bem, como o seu objeto adequado. Impossível querer o mal diretamente (Ménom). Dito com mais precisão, a felicidade, pela conquista do bem, é o fim último interno do homem. Distingue Platão entre felicidade e prazer (Filebo). Referindo-se a felicidade à inteligência e o prazer aos sentidos. Desde logo, pois, refuta a tese de que o prazer sensível é o único fim. Mas não exclui da felicidade os prazeres da sensibilidade; estes são honestos desde que subordinados harmonicamente. Estabeleceu, portanto Platão, como Sócrates, uma hierarquia de valores morais (Filebo; Leis).

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Platão defendia que havia três graus, de prazeres e felicidade, a saber, pela via ascendente: os prazeres do coração, já menos fugazes; os prazeres procurados pela opinião e pela inteligência. O caráter pouco propício aos sentidos, resultantes da doutrina das idéias e da separação entre corpo e alma, apenas extrinsecamente unidos, faz com que alguns critiquem a ética de Platão como um feitio anti-humanista e pouco grego.

1.2. Virtudes cardeais Estabeleceu Platão uma divisão geral das virtudes (República 410), em quatro fundamentais, que

mais tarde serão chamadas, por Santo Ambrósio, virtudes cardeais, isto é, chaves das demais.Esta classificação obedece a um princípio, em que a cada parte da alma corresponde uma virtude

principal. Portanto, uma para a razão, outra para a vontade, outra para o impulso sensível, finalmente ainda uma outra para o controle das partes entre si.  a) A prudência, denominada também sabedoria, é a virtude da parte racional.

b) A fortaleza, dita também valentia é a virtude do entusiasmo (thymoiedés), ou seja dos impulsos volitivos e afetos, regrando o coração.

c) A temperança, também chamada autodomínio, medida, moderação, é a virtude da vida impulsiva, instintiva, ou sensível, refreando os prazeres corporais.

d) Uma quarta virtude, a da justiça, resulta da colaboração equitativa de todas as virtudes, garantindo o funcionamento harmonioso das partes da alma, ou seja de suas faculdades.

Atribuiu Platão a cada classe social uma das virtudes cardeais, como lhe sendo mais adequada. A sabedoria é própria da classe dirigente, ou dominante. A fortaleza se faz necessária na classe militante, ou guerreira. A temperança se recomenda aos demais, os trabalhadores.

A virtude é descrita por Platão como um habito que conduz, ao bem. Ocorre, entretanto, no mestre da Academia a secreta preocupação de que a virtude se obtém pelo saber (Ménon, Fédon, e a República em vários itens).

1.3. A Felicidade e a Responsabilidade do Estado

A finalidade do Estado é a felicidade geral. Coincide esta finalidade com a do homem, a felicidade, no caso coletiva. Mas em que consiste com precisão esta felicidade coletiva, não diz com precisão o Mestre da Academia, Platão.

O futuro da humanidade haveria de tender a restringir as funções do Estado apenas a defender e fomentar as ações, atividades e propriedades do indivíduo. Não atribui, portanto, ao Estado o lugar do indivíduo. Platão parece encontrar-se nesta direção doutrinária, ao tratar-se da ordem, justiça, harmonia, que põe aos cuidados do Estado. Efetivamente, fazer ordem, justiça, harmonia é proteger os direitos de cada um, por as coisas em seu lugar. Mas, em outra parte, Platão atribuiu as funções ao Estado, que já não são apenas de proteger e estimular a atividade dos indivíduos. Estabeleceu a educação integral da criança pelo Estado, e a posse da propriedade pela coletividade. A finalidade do Estado, embora específica, qual é a de atender ao bem comum, se torna polivalente em virtude da disparidade dos componentes e suas necessidades distintas.

2. ARISTÓTELES: O FILÓSOFO EUDAIMONISTA.

Este grande filósofo grego, filho de Nicômaco, médico de Amintas, rei da Macedônia, nasceu em Estagira, colônia grega da Trácia, no litoral setentrional do mar Egeu, em 384 a.C. Aos dezoito anos, em 367, foi para Atenas e ingressou na academia platônica, onde ficou por vinte anos, até à morte do Mestre. Nesse período estudou também os filósofos pré-platônicos, que lhe foram úteis na construção do seu grande sistema. Em 343 foi convidado pelo Rei Filipe para a corte de Macedônia, como preceptor do Príncipe Alexandre, então jovem de treze anos. Aí ficou três anos, até à famosa expedição asiática, conseguindo um êxito na sua missão educativo-política, que Platão não conseguiu, por certo, em Siracusa. De volta a Atenas, em 335, treze anos depois da morte de Platão, Aristóteles fundava, perto do templo de Apolo Lício, a sua escola. Daí o nome de Liceu dado à sua escola, também chamada

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peripatética devido ao costume de dar lições, em amena palestra, passeando nos umbrosos caminhos do ginásio de Apolo. Esta escola seria a grande rival e a verdadeira herdeira da velha e gloriosa academia platônica. Morto Alexandre em 323, desfez-se politicamente o seu grande império e despertaram-se em Atenas os desejos de independência, estourando uma reação nacional, chefiada por Demóstenes. Aristóteles, malvisto pelos atenienses, foi acusado de ateísmo. Preveniu ele a condenação, retirando-se voluntariamente para Eubéia, Aristóteles faleceu, após enfermidade, no ano seguinte, no verão de 322. Tinha pouco mais de 60 anos de idade.

2.1. O Exercício da Cidadania como “Felicidade”`:

Aristóteles, bom filósofo, bom intelectual, mas também dotado de um agudo sentido prático, do dever e da ação, não deixa de discutir os prós e os contras da vida ativa e da vida contemplativa. Cidadão é, em geral, o homem politicamente activo, politicamente partícipe da coisa pública. Sobretudo se for membro de assembléia deliberativa ou juiz, ou seja, se, de algum modo ou em alguma medida, participar do poder público. E especialmente se o enquadramento geral da sua participação política for, precisamente, uma forma política propícia a essa participação, como a democracia. E nem sequer o homem de bem e o bom cidadão são uma e a mesma coisa, pois requerem diferentes virtudes. Quem comanda, por exemplo, deve ter como principal virtude a prudência. E é muito adequado que os cidadãos sejam tão capazes de mandar como de obedecer… Mas o que será melhor: participar activamente na cidadania, ou remeter-se para o recolhimento da vida privada? Para responder a esta questão, Aristóteles procura primeiro indagar qual a verdadeira felicidade. Porque não é ser-se político ou ser-se particular de qualquer forma que está em causa, mas a excelência da vida política, de um lado, e a excelência da vida privada, por outro. Neste sentido, antes de mais nada, deve investigar-se sobre as condições da felicidade particular. E, ao contrário do que muitos pensam, tanto nesse tempo como hoje, tal felicidade não reside na acumulação da riqueza ou dos bens exteriores, que apenas são instrumentos úteis. Assim, o que realmente importa são a inteligência e costumes excelentes, os bens da alma. E assim encaradas as coisas, a felicidade pública não difere da felicidade privada. Tal como acerca da felicidade privada, também os juízos se dividem sobre a pública, e de forma concorde e simétrica: os que louvam a riqueza privada como suprema felicidade, enaltecem os estados ricos; os que na vontade de poder, na dominação, no despotismo privado vêm a maior felicidade, louvam os estados opressores ou dominadores de outros; e finalmente os que prezam as virtudes privadas vêem a felicidade nas virtudes públicas. Aristóteles conta-se entre estes últimos.

2.2. O Exercício da Virtude como Felicidade:

Os seres humanos agem conscientemente, e cada um de nós é senhor de sua própria vida. Mas como resolvemos o que fazer? Você em algum momento já pensou em como você toma as decisões sobre o que fazer em determinadas situações? Você age impulsivamente, "fazendo o que der na telha" ou analisa cuidadosamente as possibilidades e as conseqüências, para depois resolver o que fazer? A filosofia pode nos ajudar a pensar sobre nossa própria vida. Chama-se ética a parte da filosofia que se dedica a pensar as ações humanas e os seus fundamentos. Um dos primeiros filósofos a pensar em ética foi Aristóteles, que viveu na Grécia no século IV a.C. Esse filósofo ensinava numa escola à qual deu o nome de Liceu, e muitas de suas obras são resultados das anotações que os alunos faziam em suas aulas. As explicações sobre ética foram anotadas pelo filho de Aristóteles chamado Nicômaco, e por isso esse livro é conhecido por nós pelo titulo de Ética de Nicômaco. Em suas aulas, Aristóteles fez uma análise do agir humano que marcou decisivamente o modo de pensar oriental. O filósofo ensinava que todo o conhecimento e todo o trabalho visa algum bem. O bem é a finalidade de toda ação. A busca do bem é o que difere a ação humana da de todos os outros animais. Ele perguntou: Qual é o mais alto de todos os bens que se podem alcançar pela ação? E como resposta encontrou:A FELICIDADE. Essa resposta formulada pelo filósofo encontra eco até nossos dias. Tanto no homem do cotidiano como os grandes pensadores estão de acordo que a finalidade da vida é ser feliz. Identifica-se o bem viver e o bem agir

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com o ser feliz. No entanto, disse Aristóteles, a pergunta sobre a felicidade não é respondida igualmente por todos. Cada um de nós responde de uma forma singular. Essa singularidade na resposta é partilhada por outros indivíduos com os quais convivemos. Portanto, no processo de nossa educação familiar, religiosa e escolar aprendemos a identificar o ser feliz com os valores que sustentam nossas ações. Toda produção histórica dos seres humanos consiste em criar condições para que o homem seja feliz. Todas as religiões, as filosofias de todos os tempos, as conquistas tecnológicas, as teorias cientificas e toda a arte são criações humanas que procuram apresentar condições para a conquista da felicidade. O processo civilizatório iniciou-se como a promessa da felicidade.

 

3. A FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE

3.1. A Felicidade e o Utilitarismo:

A felicidade é um dos grandes problemas filosóficos de todos os tempos. Com certeza, jamais será resolvido. Por isso, tentar definir felicidade é sempre temerário. Simplificando, utilitarismo é a filosofia ética e normativa que afirma que uma ação é moralmente correta se promover a felicidade do máximo possível de pessoas e moralmente incorreta, se promover a infelicidade. Portanto, se cada indivíduo procurar maximizar sua própria felicidade, isso irá naturalmente aumentar a felicidade geral do conjunto da sociedade. Os Estados Unidos e o moderno Reino Unido são países fundados em bases filosóficas utilitaristas. Nada mais utilitarista do que a Constituição norte-Americana. Alguns dos principais autores dessa corrente é John Stuart Mill. Ele nasceu em Londres, 20 de Maio de 1806 vindo a morrer no dia 08 de Maio de 1873. Foi um filósofo e economista inglês, e um dos pensadores liberais mais influentes do século XIX. Foi um defensor da ética filosófica utilitarista.

3.2. A Análise da Felicidade Utilitarista em Stuart Mill:

Em seu ensaio Utilitarismo (1861), de John Stuart Mill, é considerado a melhor síntese da filosofia do movimento. Ele começa afirmando que uma ação é certa na medida em que promove felicidade, e errada na medida em que tende a produzir o oposto da felicidade. Por felicidade, se entende prazer e ausência de dor; por infelicidade, dor e ausência de prazer. Assim, prazer e ausência de dor são os únicos fins desejáveis. Tudo o que é desejável é desejável ou pelo prazer inerente em si ou como meio de promover o prazer ou para diminuir/prevenir a dor. Em seguida, Mill responde às pessoas que, tanto naquela época quanto hoje, basta alguém falar em felicidade e eles já aparecem retrucando que felicidade é inatingível porque eles definem felicidade como algo inatingível, ou seja, o tal estado contínuo e ininterrupto de êxtase. Quando alguém diz que a felicidade é inatingível, rebate Mill, só pode ser má-fé e implicância ou um completo exagero. Naturalmente, se a felicidade for entendida como um estado contínuo de experiência prazerosa,parece-nos quase que impossível mesmo. A felicidade a que os filósofos se referiram, continua Mill, não é uma vida de êxtase, mas momentos de prazer em uma existência composta de dores transitórias e variados prazeres, e nunca esperando mais da vida do que ela é capaz de fornecer. Uma vida assim, para quem teve a sorte de tê-la, sempre parece merecer o nome de felicidade. E, mesmo hoje, observa ele, uma existência assim é vivida por muitos durante parte considerável de suas vidas. E completa: atualmente, nossa educação e costumes sociais lamentáveis são os maiores impedimentos para a felicidade da maioria. Por fim, Mill volta a afirmar que somente a felicidade é desejável enquanto fim. Não há razão justificável para a felicidade ser desejável, tirando o fato de que cada pessoa, se considerá-la factível, deseja a felicidade. Na verdade, nada mais é desejado além da felicidade.

Obras mais Conhecidas de John Stuart Mill:

Utilitarismo – Porto editora (2005, Portugal)).

The Subjection of Women – MIT Press (England).

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Capítulos sobre o Socialismo – Porto Editora (2001, Portugal).

La nature – La Decouverte (2005, França).

Sobre a Liberdade – Editora Martins Fontes (2000, Brasil).

A Lógica das Ciências – Editora Escala (2003, Portugal).

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DISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIAPROF. ANTONIO JOSÉ

“RESUMO DE SUAS IDÉIAS INSERIDAS NO TEXTO“SOBRE A DEFINIÇÃO DA JUSTIÇA”

Capítulo XII

SANTO ANSELMO

Santo Anselmo distingue a verdade do conhecimento, a verdade do querer e a verdade da coisa. A verdade do conhecimento consiste na conformidade do conhecimento com a coisa e consegue-se quando se consegue a coisa tal como é. Esta verdade é definida por Anselmo como a retidão do conhecimento. A verdade da vontade é, analogamente, retidão da vontade. Agir segundo a verdade, significa fazer o bem, fazer o que se deve fazer. Ao mesmo tempo, o fundamento e propósito de toda a verdade é o bem supremo.Santo Anselmo tenta evidenciar a idéia de Deus a partir de argumentos. Com ele se inaugura a Escolástica. Neste escrito sobre a definição de justiça, seu escrito segue em forma de diálogo. A verdade em Anselmo, é algo que surge dialogicamente, e é assim que ela é construída por ele. O raciocínio de Santo Anselmo vislumbrado neste texto segue uma ordem lógica e racional de pensamento. Ele inicia afirmando que a verdade é retidão, e que a justiça é retidão. Ao mesmo tempo, ele afirma que a verdade, a retidão e a justiça definem-se reciprocamente e quem tivesse conhecido uma não poderia ignorar as outras.” Ele mostra uma via de mão dupla que atinge o mesmo ponto quando diz que “que todo ser que é reto é justo, e que todo ser que é justo é também reto.”

1. O HOMEM E O FOGO

Algo deveras interessante são as metáforas por ele utilizadas em todo o texto. A primeira metáfora é a do fogo. Ele afirma que “parece ser justo e reto que o fogo seja quente e que cada um dos homens ame a quem o ama.” Ou seja, assim como faz parte da essência do fogo ser quente e isto é o que dele se espera, assim também, espera-se que os homens amem a quem os ama.” Ontologicamente, faz parte da essência da justiça ser justiça. Ela não pode ser outra coisa. Existe uma essência da justiça e esta nunca se separa dela. A justiça, assim como a retidão e a vontade, tem uma essência invariável. A segunda metáfora usada por santo Anselmo para fundamentar raciocínio sobre a justiça, é a metáfora da homem e da pedra. Ele constrói o seu pensamento delineando alguns aspectos semelhantes e outros distintos:

1) Ponto semelhante: A pedra faz o que deve assim como o homem

2) Ponto distinto: A pedra age de modo natural e não voluntário, e o homem age por sua livre

vontade.

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3) Conclusão: “Não é justo quem faz o que deve, se não quer o que faz.” Assim sendo, o que

realmente pesa e faz diferença é que para alguém ser justo, se faz mister que ele faça

querendo, aquilo que deve.

1.1. A RETIDÀO QUE PRODUZ LOUVOR E A QUE NÃO PRODUZ LOUVORUma outra lição básica nesta exposição argumentativa de Santo Anselmo é a diferença que ele

faz entre a justiça que acarreta em louvor e aquela que não acarreta. Ele pertinentemente demonstra que não há justiça em nenhuma natureza que não seja capaz de conhecer a retidão, pois, segundo ele, só a retidão que emana da natureza racional é por conseguinte digna de louvor. Só a justiça que procede de entes racionais é louvável.

1.2. A RETIDÃO QUE NÃO É DIGNA DE LOUVORSanto Anselmo continua seu raciocínio lógico e num ascendente sempre crescente, afirma que

não basta querer o que deve, mas, é necessário que aquele que quer o que deve, o queira retamente e com retidão de vontade. Portanto, “esta justiça não é a retidão da ação, mas da retidão da vontade,” segundo ele.

Para fortalecer e clarificar este ponto de vista, santo Anselmo utiliza-se de dois exemplos corroborativos: a) o exemplo do ladrão; b) o exemplo daquele que age por causa da vanglória. No primeiro exemplo, o ladrão é forçado a devolver aquilo que ele roubou, e, notadamente, ele não queria fazê-lo. Ele é impelido a devolver o que foi roubado pelo motivo que o deve. Constata-se que não há no ladrão a retidão da vontade. Sua justiça não é louvável. No segundo exemplo, há aqueles que querem o que devem por vanglória, e para isso, dão pão ao faminto e fazem muitas outras obras sociais e assistenciais. Estes também, ainda que queiram fazer o que devem, a sua justiça não é dígna de louvor, segundo concebe santo Anselmo, porque querem o que devem por causa de alguma outra coisa. (Obs.: naturalmente, nem todos agem por vanglória).

1.3. TODA VONTADE TEM UM QUE E UM POR QUESegundo santo Anselmo, este é um fator relevantíssimo a ser considerado, “toda vontade tem um

que e um por que.” Aqui, ele apresenta dois modos distintos de querer:A) O justo, quando quer o que deve, observa a retidão da vontade, enquanto pode ser chamado

justo não por outra coisa senão pela própria retidão;

B) Quem quer o que deve porque é coagido ou levado por recompensa estranha, não observa a

retidão por causa dela mesma, mas por outra causa.

C) Conclusão: Para santo Anselmo, “é justa aquela vontade que observa a retidão de si mesma

por causa da própria retidão.”

1.4. A JUSTIÇA RECEBIDA E OBSERVADA-OBSERVADA E RECEBIDASanto Anselmo continua o seu raciocínio lógico ascendente acerca da justiça. Será que nós

temos a justiça porque a queremos? Ou, queremos a justiça por já a temos? Santo Anselmo fala disto em termos de concomitância. Ele argumenta dizendo que “a isso nós podemos responder que ao esmo tempo que a recebemos, a queremos e a temos.” Fazendo uso da símile, ele declara que “assim como ao mesmo tempo a temos e a queremos, assim ao mesmo tempo a queremos e a observamos. E ainda, “enquanto a queremos (a justiça), a observamos, e enquanto a observamos, a queremos.” Há uma clara concomitância entre ter e querer-querer e ter e receber e observar-observar e receber.

Sequenciando sua argumentação, santo Anselmo afirma que, ainda que a causa da recepção da retidão preceda e seja por natureza, anterior ao tê-la e ao querê-la, e todavia, “como simultaneamente

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existem no tempo a recepção, o ter e o querer, pois simultaneamente começamos a recebê-la, a tê-la e a querê-la. E assim, logo que é recebida, é tida e a queremos.”

Santo Anselmo sumariza toda a sua argumentação com beleza e propriedade em sua conclusiva afirmação: “Logo, podemos indubitavelmente afirmar que a justiça é a retidão da vontade, retidão que se observa por causa de si mesma. Portanto, dissemos bem que a justiça é a retidão da vontade observada por causa de si mesma, isto é, que se observa por causa dela mesma.”

E assim, evocando um texto escrito pelo Rei Davi (rei dos hebreus) inserido no livro de Salmos, santo Anselmo pertinentemente conclui, dizendo: “Porquanto nenhum outro se entende que seja reto a não ser aquele que tem vontade reta, como diz o versículo: “Gloriai-vos vós todos que sois retos de coração (Salmos 106:42).”

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1. IMMANUEL KANT

1.1 Lampejos Biográficos

Immanuel Kant, filósofo alemão, nasceu em 1724 em Konigsberg, Alemanha. Ele foi educado na Universidade de Konigsberg, onde mais tarde ensinou como professor de Lógica e Metafísica. Ainda em seus dias, gozou de grande reputação, e poucos anos após a publicação de sua obra Crítica da Razão Pura, suas idéias já estavam sendo discutidas nas principais universidades alemães. Kant não era dotado de robustez física e possuiu uma vida muito discreta e ordeira. Ele jamais deixou a cidade de Konigsberg. Em seus dias, Konigsberg ficava na região da Prússia Oriental, na Alemanha, mas, em nossos dias, fica dentro da Rússia, com o nome de Kanilingrado. Ele veio a morrer em 1804.

Immanuel kant é tido como um dos mais notáveis filósofos alemães, cuja influência tem marcado de forma indelével o mundo da filosofia e do saber nos últimos duzentos anos. Ele escreveu quase todos os seus livros e tratados, já nos últimos anos de sua vida. Três de suas obras muito se notabilizaram: Crítica da Razão Pura (que trata da teoria do conhecimento); Crítica da Razão Prática (que trata da teoria da moral); Crítica do Juízo (que trata da teoria da estética).

Diante do acentuado progresso da física e das ciências exatas, Kant tenta colocar em evidência que a metafísica e os seus valores continuam ainda a ter espaço e a fazer sentido. Ele sabe que para os empiristas o conhecimento se dá a partir da experiência. Por outro lado, para os racionalistas, só a razão é suficientemente capaz de produzir conhecimento. Kant tenta mostrar que os dois não são inimigos em campos opostos, mas sim, que são necessários um ao outro.

1.2 - O Bem em Kant

Kant define o bem como algo que, por meio da razão chancela ele mesmo pelo seu próprio conceito. Ele distingue entre o bem por alguma coisa e o bem intrínseco, ou seja, nele mesmo. Uma relevante distinção feita por Kant é entre o bem absoluto ou obediência a uma categoriza lei da livre vontade sem referência a nenhum outro fim ulterior (o que é bem em si mesmo), e o bem relativo da busca da felicidade, em cujo bem nenhuma lei está conectada, mas que está sempre relacionado ao fim adotado. Na concepção kantiana, o bem absoluto está desvinculado de algum fim particular ou substancial, pois aquele bem é puramente formal. Isto significa que o determinante do bem não é o conteúdo da vontade, isto é, um objeto básico particular, e sim a pura forma da lei universal encorporada em sua máxima.

1.3 - A Virtude e a Felicidade em Kant

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Para Kant, a virtude é uma condição suprema. A virtude não é o soberano bem perfeito. Tanto a virtude quanto a felicidade, ambos são vistos como condição, mas nunca como o bem perfeito. A virtude conduz à condição suprema da busca pela felicidade. Contudo, é importante ressaltar que esta felicidade em si, não é necessariamente boa, porque esta felicidade pressupõe como condição a conduta moral mediante a lei. A felicidade pertence ao aspecto supremo e não ao aspecto do bem perfeito. Ele faz uma distinção entre os deveres éticos e as obrigações éticas em geral, distinguindo do que é formal na determinação moral da vontade, e os deveres da virtude os quais têm também como fim os deveres.

A discussão de Kant acerca da felicidade é permeada pela oposição entre liberdade e felicidade. Kant mostra a perspectiva daqueles que clamam que o dever tem ser buscado por causa do prazer resultante deste dever, havendo também aqueles que dizem que a felicidade necessariamente é uma consequência do dever. Para ele, A felicidade que precede ao dever é sensivelmente dependente e parte da lei natural, enquanto que a felicidade como consequência do dever é baseado em uma liberdade inteligível e é parte da lei moral. A distinção entre estes dois tipos de obediência tem várias consequências através da filosofia prática de Kant. Primeiro: A distinção feita entre a ordem natural e moral. A ordem moral está no campo da causalidade e da inclinação, e da heteronomia; a ordem moral está no campo da liberdade, determinação própria e autonomia. Os princípios baseados na felicidade e heteronomia são materiais, subjetivos e parciais; opostos a estes, os princípios baseados na liberdade e autonomia, são formais, objetivos e universais. A idéia do bem como felicidade é indeterminado, por causa da pluralidade de bem potencialmente.

1.4 - A Vontade em Kant

Para Kant, o alvo da felicidade determina a vontade somente indiretamente. O princípio da felicidade faz seu dever somente através da felicidade que eles antecipam, enquanto o dever comanda a vontade diretamente e não é dirigido para algum fim fora dele mesmo. Ainda que Kant exclua a felicidade de algum espaço na determinação da vontade para a ação, ele não considera isto como um aspecto vital do mais alto bem humano. Ele deixa transparecer que a felicidade seguirá automaticamente a liberdade. A constituição a qual permite a maior liberdade possível é descrita como uma idéia necessária para o progresso humano, que, por sua vez, trará com ela a felicidade. Para Kant, a felicidade é excluída da determinação da ação moral somente para retornar como indispensável companhia do mais alto bem. Kant afirma que no “soberano bem, a realizar mediante a nossa vontade, a virtude e a felicidade são pensadas como necessariamente unidas de tal modo que uma não pode ser admitida pela razão pura prática sem que também a outra a ele esteja inerente.”

Para Kant, a única coisa boa não qualificada é a boa vontade. Uma vontade é boa se segue um princípio de autonomia, isto é, se sua lei é ela mesma apenas, o que repousa sobre a razão. Se, sobre a vontade houver qualquer imposição externa, ela já será heterônoma, ficando assim sacrificada a verdadeira moralidade.

1.5 - O Contentamento em Kant

Kant concebe que o respeito, e não o prazer ou a fruição da felicidade, é uma forma de representação mediante o qual se pode alcançar o que se procura, a saber, que “as ações têm lugar não apenas em conformidade com o dever, mas por dever, o que tem de ser o verdadeiro fim de toda a formação moral,” afirma ele. O único termo segundo Kant, capaz de designar uma satisfação na nossa existência que deve acompanhar a consciência da virtude, a realização do dever por dever, é o termo contentamento. Sequenciando, Kant afirma que a única fonte de um contentamento não fundado em algum sentimento particular, é a liberdade e a consciência da liberdade, e a consciência de um poder, de seguir uma lei predominante, que é a independência das inclinações. “A inclinação é cega e servil,” diz Kant, e não podemos confiar nelas. Mesmo um sentimento de compaixão, misericórdia e terna simpatia, se esse sentimento precede a consideração, sendo a força motriz daquilo que é o dever, tornando-se um

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princípio de determinação, será oneroso e penoso para as pessoas, por mais bem intencionadas que elas sejam, e não produzirá o contentamento da realização do dever por dever.

1.6- As Antinomias Kantianas na Crítica da Razão Prática

Antinomia é a forma retórica de apresentação na qual os argumentos opostos são apresentados lado a lado, um com o outro. Kant usa a forma na dialética das três críticas (pura, prática, juízo) como parte de suas análises das premissas dialéticas. Kant fala sobre o juízo analítico e sintético. Quanto a questão “como é praticamente possível o soberano bem”? Kant diz que, “na analítica, propõe-se aquilo que dela faz um problema de difícil solução, a saber, que a felicidade e a moralidade são dois elementos do soberano bem e totalmente diferentes e que por conseguinte, a sua conexão não podem ser conhecidos analiticamente.” Segundo percebe Kant, a conexão felicidade-moralidade não se deriva da experiência e a possibilidade do soberano bem não se baseia em princípios empíricos. Para Kant, afirmar que “a aspiração da felicidade suscita um princípio de disposição virtuosa”, é uma proposição absolutamente falsa. Por sua vez, afirmar também que a “disposição virtuosa produz necessariamente a felicidade,” não é vista como necessariamente falsa. Mas, enquanto é considerada como forma da causalidade no mundo sensível, é apenas condicionalmente falsa.

O juízo analítico é aquele que a razão nos oferece sem qualquer investigação empírica, como se dá na matemática, cujas proposições são verdadeiras, mesmo sem qualquer prova empírica. Os juízos sintéticos são aqueles que nos chegam através da experiência, com o acúmulo de informes dados pela percepção dos sentidos. A antinomia da razão prática de Kant consiste na premissa oposta de que “o desejo de felicidade seja a causa motriz para as máximas da virtude,” ou que “a máxima da virtude seja a causa eficiente da felicidade.” Para Kant, ambas as premissas são insustentáveis. Para a solução desta antinomia Kant faz uso da antinomia teórica da liberdade e causalidade natural e distingue entre liberdade numenal (como númeno, como pura inteligência, na sua existência não determinável segundo o tempo) e a causalidade natural no mundo sensível. À luz do pensamento kantiano, da resolução da antinomia da razão pura prática segue-se que, nos princípios práticos, se pode conceber pelo menos como possível, uma ligação natural e necessária entre a consciência da moralidade e a expectação de uma felicidade a ela proporcionada, como consequência sua. Conforme Kant, é impossível a busca da felicidade suscitar a moralidade. O bem supremo constitui a moralidade, e a felicidade é seu segundo elemento formativo. Assim sendo, a felicidade é percebida apenas como consequência moralmente condicionada da primeira. Kant assevera que, “só nesta condição é que o soberano bem é o objeto integral da razão prática.”

OBRAS CONSULTADAS

. Anotações das explicações em classe nas aulas ministradas pela profa. Graciela.

ALLISON, Henry E. Kant’s Theory of Freedom. Cambridge, England: Cambridge University Press, 1990.

BECK, Lewis White. A Commentary on kant’s Critique of Practical Reason. Chicago, U.S.A: Chicago University Press, 1960.

CASSIRER, Ernst. The philosophy of the Enlightment. Princeton, U.S.A: University of Princeton Press.

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CHAMPLIN, Russel Norman. Theological and Philosophycal Encyclopedia. Vol. 3. Grand Rapids, U.S.A: Zondervan Publishing Company, 1995.

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CURSO DE ARQUITETURA

DISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIA PROF. ANTONIO JOSÉAssunto Temático: “O pensamento de Espinoza Analisadonuma Perspectiva Ética”

TEXTO ANALISADO: “ÉTICA DEMONSTRADA À MANEIRA DOS GEOMETRAS” (Ed: Martin Claret, 2005), BARUCH DE ESPINOZA

Sinopse Biográfica:H. G. Hubelling, em sua obra “Spinoza”, propicia-nos as seguintes informações biográficas: Baruch de Espinoza nasceu a 24 de Novembro de 1632, em Amsterdã, e veio a falecer em Haia, na Holanda, no dia 21 de Fevereiro de 1677. de uma de judeus portugueses refugiados na Holanda. Naquela época, habitavam em Amsterdã, um grande número de famílias judias, provenientes, na maior parte, de reinos da península ibérica. Da infância à mocidade, ele foi educado dentro da cultura judáica e na tradição rabínica. Por causa de suas idéias, foi ele desligado da sinagoga em 1656. Após o seu desligamento da comunidade judaica, ele latinizou o seu primeiro nome para Benedito. No entanto, dois séculos depois após sua morte, foi-lhe erigida uma estátua na cidade de Haia, Holanda, perto da casa onde viveu os últimos anos de sua vida. Este gesto foi um grato reconhecimento por sua vida. Espinosa é hoje, indubitavelmente, reconhecido e notabilizado por sua benéfica contribuição para o mundo da filosofia e para o conhecimento do ser humano.30

Proposição XVIIO desejo que nasce da alegria, em igualdade de circunstâncias, é mais forte que o

desejo que nasce da tristezaEspinoza principia a defesa da proposição supra-mencionada, fazendo em sua demonstração, as

seguintes categorizações sobre o desejo:1 – Que o desejo é a própria essência do homem;2 – Que o desejo que nasce da alegria é favorecido ou aumentado pela própria afecção da alegria;3 - Que a afecção desejo que nasce da tristeza é diminuída ou refreada pela própria afecção da tristeza;4 - Que a força do desejo que nasce da alegria deve ser definida pela potência humana e ao mesmo tempo pela potência da causa externa;5 - Que a força que nasce da tristeza deve ser definida só pela potência humana, sendo a primeira mais forte que essa segunda. Em seguida, como segundo estágio do seu raciocínio, Espinoza declara-nos que, “resta agora

mostrar o que é que a razão humana nos prescreve e quais as afecções que estão de acordo com as regras da razão humana, e quais as que, pelo contrário, lhe são opostas.” Todavia, antes de assim fazê-lo, Espinosa tenta explicar os ditames da razão, a fim de que cada um de nós possamos perceber o que ele pensa.

30 HUBELLING, H. C. SPINOZA. Cambridge, England: Cambridge University Publishing, 1998, p. 117.

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Assim sendo, “uma vez que a razão não pede nada que seja contra a natureza,” afirma Espinoza, logo, segue-se que:1 – A razão pede que cada um se ame a si mesmo;2 – A razão pede que cada um procure o que lhe é útil, mas o que lhe é útil de verdade;3 – A razão pede que cada um deseje o que conduz de fato, o homem a uma maior perfeição;4 – A razão pede que cada um se esforce por conservar o seu ser, tanto quanto lhe é possível.

Em seguida, como terceiro estágio do seu raciocínio, Espinosa faz a seguinte assertiva: “Depois, visto que a virtude não é outra coisa senão agir segundo as leis da sua própria natureza, e que ninguém se esforça por conservar o seu ser, a não ser segundo as leis da sua própria natureza – segue-se daí:”1 – Primeiro, que o fundamento da virtude é o próprio esforço por conservar o próprio ser, e que a felicidade consiste em o homem poder conservar o seu ser;2 – Em segundo lugar, segue-se que a virtude deve ser desejada por si mesma e que não existe nada de preferível a ela ou que nos seja mais útil, por causa do qual ela deveria ser desejada;3 – Em terceiro lugar, que aqueles que se suicidam são impotentes de espírito e completamente subjugados por causas externas, em oposição à sua natureza.

Dando seqüenciamento ao seu pensamento, Espinosa conclui que, “não pode nunca dar-se o caso de não termos necessidade de nada fora de nós para conservar o nosso ser, e de vivermos de maneira que não tenhamos nenhum comércio com as coisas que estão fora de nós.” Espinosa consubstancia sua premissa com as seguintes idéias dela decorrentes:1 – Há muitas coisas fora de nós que nos são úteis e que, por isso, devem ser desejadas;2 – Que não podemos conceber nenhumas preferíveis às que estão de acordo com a natureza;3 – Que se dois indivíduos, absolutamente da mesma natureza se unirem, tornar-se-ão mais fortes e poderosos;4 – Que nada é mais útil ao homem que o homem; 5– Que os homens não podem desejar nada mais vantajoso para conservar o seu ser do que estarem todos de tal maneira de acordo em tudo que as almas e os corpos de todos formem como que uma só alma e um só corpo;6 – Que os homens que se governam pela Razão, isto é, os homens que procuram o que lhe é útil sob a direção da Razão, não desejam nada para si que não desejem para aos outros homens e, por conseguinte, eles são justos, fiéis e honestos.

Contempla-se que Espinosa não é dualista como muitos outros que fizeram uma separação aguda entre a razão, o ser e a experiência. O primeiro ditame da razão é que cada um se esforce para preservar o seu ser. Ele não separa o humano da razão. Para Espinosa, a virtude consiste justamente em agir segundo à natureza e de conformidade as leis da própria natureza. Vê-se claramente que o fundamento de sua filosofia é a razão como natureza. Logo, podemos conceber que agir em busca da preservação do nosso ser, significa agir de conformidade com a razão como natureza. Luiz Machado de Abreu, em sua obra “Spinoza – A utopia da razão,” faz a seguinte afirmação:

O tema da Natureza em Spinoza anda quase sempre associado a três propósitos: assinalar a unidade da totalidade do real, sublinhar o caráter objetivo das idéias enquanto esse caráter se opõe à abstração, e remeter essa realidade para o entendimento, recusando sempre a sua abordagem a partir da imaginação. A natureza designa o real na sua totalidade, independentemente das diferenças que dentro dele possam ser estabelecidas. Mas a natureza serve também para designar a essência das coisas, isto é, aquilo sem a qual a coisa não pode existir nem ser concebida, e vice-versa. A Natureza designa ainda a ordem e harmonia da razão de que as leis constituem a expressão eficaz.31

A razão não reclama nada que seja contrário à natureza, uma vez que ela própria está compreendida na natureza. E assim, se o nosso ser é a razão como natureza, ser feliz é agir segundo essa razão, e, ser virtuoso seria cumprir a nossa função racional da melhor maneira possível. Dá-nos a perceber que a idéia de “útil” é algo que nos conduz a agir segundo a nossa própria natureza racional. Quando o homem é determinado a agir por idéias inadequadas, ele falta ao seu fim que é a verdadeira utilidade, e sofre a servidão das paixões. Poderia dizer-se, desta forma, que a virtude do ser racional

31 ABREU, Luiz Machado. Spinoza – A Utopia da Razão. Lisboa, Portugal: Coleção Vega Universidade, 1993, p. 230.

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alicerçada no conhecimento racional, é que nos liberta das servidão das paixões. Constata-se que para Espinosa, suicidar-se seria agir de forma antagônica a nossa natureza racional, cuja natureza nos ensina e nos motiva a preservar o ser. O esforço para se preservar é o primeiro fundamento da virtude. Espinoza afirma que o homem é bom para o homem, pois nada é mais útil para o homem do que o próprio homem. Notabiliza-se em sua visão antropocêntrica, que na sua escala de valores o homem é, de fato, mais importante que as coisas. Quanto mais nos tornamos racionais, mas, se faz mister a convicção de reafirmar a necessidade do outro, do nosso próximo, segundo Espinoza. Quando as pessoas envidam esforços juntos, elas crescem, se fortalecem, se completam, e a realização do ser torna-se uma fatualidade, segundo ele. ------------------------------------------------------------------------------------

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIECURSO DE ARQUITETURA

DISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIAPROF. ANTONIO JOSÉ

Assunto Temático:Uma Análise Ética do Texto “Da incoerência de nossas ações” de

Montagne”

1. MICHEL MONTAIGNE

1.1. Lampejos Biográficos

Michel Montaigne nasceu no dia 28 de Fevereiro do ano de 1533, próximo de Bordeaux, na França, cujo pai era um rico mercador e sua mãe procedia de uma rica família judia Hispânico-portuguesa. Em 1539, após seis anos sob o cuidado de pessoas que falavam somente latim para ele, Montaigne foi enviando ao Colégio de Guinne em Bordeaux, uma escola muito bem reputada naquela época. Em 1546, ele ingressou na Universidade de Toulouse para estudar direito. Em 1554, ele tornou-se conselheiro no parlamento de Bordeaux., viajando a Paris frequentemente e tendo uma vida um pouco exacerbada de atividades. Em 1565, Montaigne casou com a senhorita “Francoise de la Chassaigne, filha de um dos membros do parlamento. O ano de 1568 marcou a sua vida com a morte de seu pai, que foi seu grande motivador. Em 1569, ele publicou sua tradução da “teologia natural de Raymond Sebond, cuja tradução realizou a pedido de seu pai. Em 1571, Montaigne recebeu a ordem de Saint-Michel e retirou-se para uma vida de estudo e contemplação. Em 1576, ele escreveu a obra “A defesa de Raymond Sebond.” Em 1580, Montaigne publicou os dois primeiros volumes de seus “Ensaios.” Naquele mesmo ano, ele viajou para Paris e apresentou o rei de França com uma cópia de seus “Ensaios.” Em 1581, enquanto estava na Itália, recebeu a notícia de que havia sido continuou trabalhando em seus “Ensaios,” e em 1588, ele publicou uma nova edição composta agora de três volumes. Michel Montaigne veio a falecer no dia 1`3 de Setembro de 1592.

1.2 O Mundo de Montaigne

Michel Montaigne é o grande pensador francês da renascença que tomou a si mesmo como o grande objeto de estudo em seus ensaios. Em estudar a si mesmo Montaigne está estudando o ser

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humano. Entre outros assuntos tratados em seus ensaios, ela trata de sua natureza, seus hábitos, e suas próprias opiniões. As opiniões de Montagine são decorrentes de seus estudos dos filósofos, mas adicionalmente, fortemente influenciadas por suas leituras, viagens, e por sua vida pública e privada. Montagine procura humilhar o orgulho humano. Ele dizia que havia uma praga no homem, que era a afirmação que o homem conhece alguma coisa. O período Renascentista em que viveu Montaigne , foi caracteriscamente um período de expansão de novos horizontes, e um deste notáveis horizontes era o crescente conhecimento do mundo e seus habitantes. Ao mesmo tempo, os europeus estavam descobrindo o latim e sua cultura, bem como estavam tendo uma percepção mais abrangencial da literatura grega. A ciência estava se desenvolvendo. Os novos horizontes faziam as verdades prévias parecerem erradas e muito provinciais para o novo mundo de conhecimentos que estava surgindo. Isto conduziu Montaigne a enxergar um senso de relatividade da crença e confiança do homem nele mesmo e no mundo em que viviam.

1.3. Da Amizade

Não se deve esperar deste ensaio um tratado segundo as formas habituais, pois o próprio Montaigne afirma que “ousa empreender obra rica, polida e constituída em obediência às regras da arte.

Sobre a amizade, este texto tem uma importância excepcional. Ele é consiste numa importante parte dos seus “Ensaios”. Como Montaigne domina - ao lado de alguns outros - a literatura francesa, não há risco em afirmar que estamos diante de um texto maior. Uma obra-prima? É dizer pouco e ao mesmo tempo demais: esse texto, um dos mais belos que temos, um dos mais verdadeiros, é também o menos pretensioso, o menor pontificante, o menos artificial de todos. Nesse texto, Montaigne demonstra um gosto especial pela verdade e sinceridade, e por uma filosofia que desemboca na prática histórica da convivência e relações humanas.

Logo no primórdio do texto, Montaigne enaltece a sua amizade com La Boétie, caraterizando-a como uma “amizade inteira e completa que por certo não se encontrará igual entre os homens de nosso tempo,” cuja amizade perdurou enquanto Deus o permitiu. Algumas matizes que adornam e embelezam a verdadeira amizade e as distingue daquelas que não o são, estão inseridamente delineadas no referido texto.

1.4. Da origem de sentimentos denominados de amizade

Montaigne descreve várias origens de sentimentos comumente atribuídos como amizade, e que, na verdade, não ser para validar ou consubstanciar a verdadeira amizade. Sentimentos que têm origem e são nascidos de: a) satisfação de nossos prazeres, b) das vantagens que usufruímos, c) de associações formadas em vista de interesses públicos ou privados, são, segundo Montaigne, menos belos e menos generosos, e, por sua, vez, participam menos da amizade. Em adição, afirma Montagine que, essas afeições outrora classificadas nas categorias ditadas pela natureza, a sociedade, a hospitalidade ou as exigências dos sentidos, nem juntas nem separadamente poderiam alcançar o ideal da verdadeira amizade.

1.5. Das Relações Familiares

Conforme Montaigne, “nas relações entre pais e filhos é mais o respeito que domina.” Montaigne assevera que a amizade tem como um dos seus fundamentos a comunicação, e essa comunicação não é completamente estabelecida e realizada nesse domínio familiar e relacional entre pais e filhos. Ademais, espera-se que essa comunicação seja clara e transparente, a tal ponto de formular-se conselhos e censuras mútuas, o que não acontece na relação pais e filhos. Para Montaigne, esse último, é na verdade, um dos aspectos basilares e uma “das primeiras obrigações da amizade.

1.6. Da amizade entre os irmãos

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Segundo Montaigne, “é, em verdade, um belo nome e digno da maior afeição o nome de irmão.” Ele e La Boétie, após se conhecerem e tornarem-se amigos, chamavam um ao outro de irmão. Contudo, mesmo entre os irmãos consanguíneos, a verdadeira amizade não acontece necessariamente. Muitas vezes, interesses particulares tais como a partilha de bens da família, tem sido responsável pela desestabilização da união formal acaso existente entre aqueles que são irmãos naturais. O argumento de Montaigne não é uma falácia. Quando ele fala desta maneira, isso não significa de forma alguma que ele falasse assim porque não houvera tido uma saudável família. Aliás, ele evoca no texto o exemplo de sua família, cuja família é notabilizada pela excelência das relações existentes. Ou seja, Montaigne havia provado anteriormente o que de melhor poderia haver em termos de amizade familiar. Assim sendo, ele poderia constatar que, mesmo reconhecendo o mérito da amizade familiar, a genuína amizade a transcende e dela se distingue.

1.7. Da afeição pelas mulheresUm outro exemplo utilizado por Montaigne para demonstrar o que a verdadeira amizade não é a

afeição pelas mulheres, que, segundo ele, não poderia comparar-se nem substituir a genuína amizade. Ele cria uma linha demarcatória que distingue essas relações: a) afeição pelas mulheres “é uma chama temerária e volúvel, agitada e versátil, sujeita a intermitências; b) o calor da amizade que se estende, abarca e pervade todo o nosso ser, “é geral e igual, temperada e serena, soberanamente delicada e suave. Montaigne claramente explicita as diferenças existentes a autêntica amizade e afeição pelas mulheres, sendo esta última, via de regra, revestida de interesses pessoais. Nesse tipo de relação, a saciedade e a frequência contínua esvai, desvanece, e, muitas vezes, chega ao ponto de fazer fenecê-lo e extingui-lo. Por outro lado, Montaigne afirma que a “frequentação” da verdadeira amizade, eleva-a, desenvolve-a, amplia-a, tendo em vista ser ela essencialmente espiritual. Montaigne diz haver provado essas duas paixões (a afeição das mulheres e a amizade) concomitante, sendo plenamente hábil e capaz de fazer uma clara distinção entre elas.

1.8. Da Fé e da Razão

Para Montaigne, Deus é absolutamente transcendente e está acima de toda a compreensão humana. Assim, sendo a verdade do âmbito do divino e possuída por Deus, ela não pode ser da esfera da razão humana. Escreve Montaigne na "Apologia": O que nos prega a verdade, quando nos exorta a evitar a filosofia mundana, quando nos inculca tão amiúde que diante de Deus nossa sabedoria é apenas loucura; que de todas as vaidades a mais vã é o homem; que o homem que se vangloria de seu saber não sabe ainda o que é saber; e que o homem, que nada é, se julga ser alguma coisa está iludindo a si mesmo e se enganando?

O que quer dizer que não apenas à razão humana está vetado o conhecimento do que está "acima" dela (o que distinguiria entre verdades divinas e verdades humanas), mas que toda verdade está em Deus. Analisando esta questão, Fréderic Brahami privilegia o que ele chama de "naturalização" da razão: a razão torna-se uma entre as várias funções instintivas no homem e está, assim, a serviço da vida. O cristianismo — ou pelo menos aquilo que Montaigne julga ser a expressão mais piedosa dele — traça o quadro no qual se inscreve sua crítica à razão. Situando-se numa perspectiva para a qual Deus é transcendência absoluta, o autor da "Apologia de Raymond Sebond" encerra a razão humana na finitude e afirma sua incapacidade de compreender a verdade. O sobrenatural e o natural não só se distinguem, como o superior do inferior, mas, a rigor, não estabelecem nenhum tipo de contato, a não ser por pura iniciativa divina, por "milagre", como gosta de dizer Montaigne — que jamais nega esta possibilidade, embora nunca a tenha visto acontecer. Ele parte de um dogma fundamental do cristianismo — a idéia da natureza como criação e do homem como "criatura." Colocando a fé acima do discurso, remetendo o homem à sua condição de criatura que não participa em nada (...) da divindade (...), o fato elementar da vida humana é agora a crença.

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1.9. Da Fé e da Crença

Será esta, porém, a última palavra de Montaigne sobre a fé? O caminho que tomaremos é analisar a díade fé-crença, tal como aparece na "Apologia" e em outros capítulos dos Ensaios. Ora, o que é a fé? O que é a crença? Textualmente, a diferença é estabelecida desde as primeiras páginas da "Apologia": “Se nos ligássemos a Deus pelo intermédio de uma fé viva, se nos ligássemos a Deus por ele, não por nós” (...) (II, 12, 165).

Se acreditássemos nele, não digo por fé, mas com uma simples crença (...) se acreditássemos nele e o conhecêssemos como uma outra história, como um de nossos companheiros (...) pelo menos ele marcharia na mesma fileira de nossa afeição que as riquezas, os prazeres, a glória e nossos amigos (Ensaios II, 12, 169).

Tentemos uma definição: a crença resulta do domínio da experiência e constitui-se de convicções não fundadas racionalmente e que modelam a conduta cotidiana; já a fé é descrita como algo inspirado por Deus, uma infusão proveniente do alto. A fé tem origem divina, já os laços constituídos pelos meios humanos (discursos e costumes) seriam a crença. Ainda, Montaigne diz que a fé seria inflexível e inabalável e teria como efeitos ações virtuosas; ela tem origem sobrenatural, portanto levaria a prática para além da natureza e o saber para além da crença, na direção da verdade, como continua o primeiro trecho da citação anterior:

(...) se tivéssemos uma base e um alicerce divino, as circunstâncias humanas não teriam o poder de nos abalar, como têm (...). Se este raio de divindade nos tocasse de alguma forma, ele se manifestaria por toda parte: não apenas nossas palavras, mas também nossos atos trariam consigo sua luz e seu brilho (...). Se tivéssemos uma só gota de fé, moveríamos as montanhas de seu lugar, diz a Santa Escritura, (...) nossas ações não seriam simplesmente humanas (...). (II, 12, 441-442/165-166).

O condicional aí se explica pelo fato de que, recorrendo à experiência, Montaigne não encontra nenhum sinal, nenhum indício de que a religião existente seja marcada pela presença divina, por esta infusão extraordinária. Na realidade, e pelo contrário, o que se vê são pessoas que mudam de crença ao sabor das novidades e dos jogos políticos, e cujas ações não coincidem com as palavras; o que se mostra é uma religião marcada pelas dissensões em relação à verdade, pela brutalidade das guerras e pela crueldade, e colocada, enfim, a serviço dos piores instintos humanos. A própria sublimidade do cristianismo proíbe que ele possa ser objeto de uma crença". Enquanto as religiões humanas encontram seguidores que conformam a elas suas práticas, "uma tão divina e celeste instituição marca os cristãos tão-somente pela língua" (Ensaios II, 12, 165). Não se trata aqui apenas de um discurso moralizante, que visaria mostrar a inferioridade dos cristãos: mais que isso, Montaigne estaria reconhecendo que as exigências do cristianismo ultrapassam, de tal forma, as condições da simples natureza humana que esta não pode ser uma religião na qual simplesmente se crê e à qual a vida poderia conformar-se. A realização do cristianismo só poderia ocorrer numa esfera acima da crença e de forma sobrenatural. Tal compreensão é suficiente para se reconhecer que Montaigne não assimila a fé à crença, mas mantém a distinção entre os dois domínios. A lógica subjacente ao pensamento de Montaigne seria semelhante à daquele homem que,

(...) tendo ido a Roma com a mesma finalidade [examinar a santidade dos costumes cristãos], ao ver a devassidão dos prelados e do povo daquele tempo, firmou-se ainda mais fortemente em nossa religião, considerando quanta força e divindade ela devia ter para manter sua dignidade e seu esplendor em meio a tanta corrupção e em mãos tão viciosas (Ensaios II, 12, 442/166).

Ou seja: a prática dos homens não é medida da verdade de Deus, é medida apenas de si mesma. A fé permanece, portanto, como uma espécie de lugar não preenchido capaz de denunciar as pretensões racionais dos teólogos, a auto-ilusão dos piedosos e a ingenuidade dos supersticiosos.

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Obras Pesquisadas:

BRAHAMI, F. Le scepticisme de Montaigne. Paris: PUF, 1997.  

POPKIN, R. H. (Ed.). Skepticism in Renaissance and Post-Renaissance Thought. New interpretations. Amherst/N.Y: Humanity Books, 2003.        

MONTAIGNE, M. Os Ensaios. Trad. Rosemary C. Abílio. São Paulo: Martins Fontes, 2001.  

STAROBINSKI, J. Montaigne em Movimento. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.          

Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592)(In: Ensaios, Michel de Montaigne; tradução de Sérgio Milliet, 2. ed. São Paulo:

Abril Cultural, 1980, pp. 159-162)

Os que se dedicam à crítica das ações humanas jamais se sentem tão embaraçados como quando procuram agrupar e harmonizar sob uma mesma luz todos os atos dos homens, pois estes se contradizem comumente e a tal ponto que não parecem provir de um mesmo indivíduo. Mário, o Jovem, ora parece filho de Marte ora filho de Vênus. Dizem que o Papa Bonifácio VII assumiu o papado como uma raposa, conduziu-se como um leão e morreu como um cão. E quem diria que Nero, essa verdadeira imagem da crueldade, como lhe apresentassem para ser assinada, de acordo com a lei, a sentença contra um criminoso, observou: – Prouvera a Deus que eu não soubesse escrever! – tanto lhe apertava o coração condenar um homem à morte. Há tantos exemplos semelhantes, e tão facilmente os encontrará sozinho quem quiser, que estranho ver por vezes gente de bom senso procurando juntar tais contradições, mesmo porque a irresolução me parece ser o vício mais comum e evidente de nossa natureza, como o atesta este verso de Públio, o satírico: “Má opinião, a de que não se pode mais mudar.”

É aparentemente possível julgar um homem pelos fatos mais comuns de sua vida; mas, dada a instabilidade natural de nossos costumes e opiniões, pareceu-me muitas vezes que os melhores autores erravam em se obstinar a dar de alguém uma idéia bem assentada e lógica. Adotam um princípio geral e de acordo com este ordenam e interpretam as ações, tomando o partido de as dissimular quando não as deformam para que entrem dentro do molde preconcebido. O imperador Augusto escapou-lhes; deparamos nesse homem com uma tal flagrante diversidade de ações, tão inesperada e contínua no decurso de sua existência, que os mais ousados juízes, renunciando a julgá-lo em seu conjunto, tiveram de deixá-lo assim indefinido.

Acredito que a constância seja a qualidade mais difícil de se encontrar no homem, e a mais fácil a inconstância. Quem os julgasse pormenorizadamente de acordo com seus atos, um por um, estaria mais apto a dizer a verdade a seu respeito. Fora difícil encontrar em toda a antiguidade uma dúzia de homens que tenham orientado sua vida em obediência a determinado princípio, o que é o fim principal da sabedoria. A qual, segundo um autor antigo [Sêneca], se resume em uma frase que enfeixa, em uma só, todas as regras da vida: “querer e não querer são sempre a mesma e a única coisa”. E poderia acrescentar: à condição de que o que queremos ou não queremos seja justo, pois, se não o é, impossível se faz que permaneça constantemente a mesma coisa. Efetivamente, sei de há muito que o vício nada mais é senão desregramento e falta de medida e por conseguinte não o podemos imaginar constante. Atribui-se a Demóstenes a seguinte máxima: a virtude, qualquer que seja, consiste de início em recolhimento e deliberação; a constância, a seguir, comprova-lhe a perfeição. Em refletindo seguimos sempre o melhor caminho, mas ninguém pensa antes de agir. “Desdenha o que pediu, volta ao que largou e, sempre hesitante, contradiz-se sem cessar” (Horácio). Nossa maneira habitual de fazer está em seguir os nossos impulsos instintivos para a direita ou para a esquerda, para cima ou para baixo, segundo as circunstâncias. Só pensamos no que queremos no próprio instante em que o queremos, e mudamos de vontade como muda de cor o

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camaleão. O que nos propomos em dado momento, mudamos em seguida e voltamos atrás, e tudo não passa de oscilação e inconstância. “Somos conduzidos como títeres que o fio manobra” (Horácio).

Não vamos, somos levados como objetos que flutuam, ora devagar, ora com violência, segundo o vento: “Acaso não vemos todo mundo indeciso; uns procurando sem descontinuar, outros mudando de lugar, como para largar uma carga pesada demais?”(Lucrécio). Cada dia nova fantasia, e movem-se as nossas paixões de acordo com o tempo: “o pensamento dos homens assemelha-se na terra aos cambiantes raios de luz com que Júpiter a fecunda”(Cícero). Hesitamos em tomar partido; nada decidimos livremente, de maneira absoluta, coerente. Se alguém traçasse e estabelecesse determinadas leis de conduta e regime político de vida, veríamos brilhar em seus atos e atitudes uma harmonia cabal e em seus costumes uma ordem e uma correlação evidentes. Empédocles observa a seguinte contradição entre os gregos: alguns se entregam aos prazeres como se devessem morrer no dia seguinte e outros edificam como se a vida não tivesse de acabar jamais. O plano de vida fora entretanto fácil de se estabelecer, como se vê em Catão, o Jovem: quem nele toca uma tecla, toca todas, pois há nele uma harmonia de sons bem afinados que nunca se entrechocam. Não seguimos, nós outros, tão sábio exemplo e cada uma de nossas ações decorre de um juízo específico. E na minha opinião seria melhor procurar-lhes as causas nas circunstâncias do momento sem mais aprofundada pesquisa e sem tirar delas quaisquer conseqüências. Durante as desordens que agitaram nosso pobre país, disseram-me que uma jovem, bem perto do local onde eu me encontrava, se jogara pela janela a fim de escapar à brutalidade de um soldado que hospedava. Não teve morte instantânea e para se acabar tentou cortar o pescoço com uma faca, o que não a deixaram fazer. Nesse triste estado, confessou que o soldado nada mais fizera do que lhe declarar seu amor, solicitá-la e presenteá-la, mas ela temera que chegasse a violentá-la.

Daí seus gritos, sua atitude, o sangue derramado, como se se tratasse de uma nova Lucrécia. Entretanto, eu soube que antes e depois dessa ocorrência sempre se mostrou muito menos arisca. Como dizem por aí, “por mais belo e decente que sejas, se não és aceito pela tua amada, não concluas, sem mais amplas informações, ser ela de uma castidade a toda prova; isso não impede que o arrieiro tenha a sua possibilidade”.

Antígono, que se afeiçoara a um de seus soldados por causa de sua valentia e coragem, mandou que o médico tratasse de uma doença que o atormentava havia muito. Observando, após a cura, que o homem se expunha muito menos nos combates, perguntou qual a razão dessa mudança que o tornara poltrão: “Vós mesmo, Sire, porquanto me libertastes dos males que faziam com que eu não apreciasse a vida.”

Um soldado de Luculo fora roubado pelo inimigo. Para se vingar executou contra ele um golpe de mão notável, amplamente compensador de seus prejuízos. Luculo que ficara com excelente opinião dele quis empregá-lo em uma arriscada expedição e, afim de decidi-lo, usava todos os meios de persuasão, “com palavras capazes de entusiasmar os mais tímidos”(Horácio). Mas o soldado atalhou: “Mandai algum soldado miserável que tenha sido roubado.” E recusou peremptoriamente. Como diz Horácio: “Irá quem tiver perdido a bolsa.” Maomé II admoestara violentamente Chasan, chefe de seus janízaros cuja tropa fora desfeita pelos húngaros, sendo que se conduzira ele próprio covardemente durante o combate. Como única resposta, Chasan, sozinho, sem precisar de ninguém, precipitou-se furioso, espada na mão, contra o primeiro pelotão inimigo que percebeu e desapareceu em poucos instantes como se fora por ele tragado. Nesse ato, parece que foi movido menos pelo desejo de se reabilitar do que em virtude de uma reviravolta em seus sentimentos: Não agia sob o impulso da coragem moral e sim por despeito. Quem ontem vistes tão temerário, não vos espanteis em vê-lo poltrão no dia seguinte. A cólera, a necessidade, a companhia ou o vinho, ou o som de uma trombeta, terão feito de suas tripas coração. Não foi o raciocínio que lhe deu coragem: foram as circunstâncias. Não nos espantemos, pois, de ver que mudou ao mudarem elas. Essa variação e essa contradição, tão comuns em nós, levaram muitas pessoas a pensar que possuímos duas almas, ou duas forças que atuam cada qual num sentido, uma no sentido do bem e outra no do mal. Uma só alma e uma só força não poderiam conciliar-se com tão repentinas variações de sentimentos.

Não somente o vento dos acontecimentos me agita conforme o rumo de onde vem, como eu mesmo me agito e perturbo em conseqüência da instabilidade da posição em que esteja. Quem se examina de perto raramente se vê duas vezes no mesmo estado. Dou à minha alma ora um aspecto, ora outro, segundo o lado para o qual me volto. Se falo de mim de diversas maneiras é porque me olho de

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diferentes modos. Todas as contradições em mim se deparam, no fundo como na forma. Envergonhado, insolente, casto, libidinoso, tagarela, taciturno, trabalhador, requintado, engenhoso, tolo, aborrecido, complacente, mentiroso, sincero, sábio, ignorante, liberal e avarento, e pródigo, assim me vejo de acordo com cada mudança que se opera em mim. E quem quer que se estude atentamente reconhecerá igualmente em si, e até em seu julgamento, essa mesma volubilidade, essa mesma discordância. Não posso aplicar a mim um juízo completo, sólido, sem confusão nem mistura, nem o exprimir com uma só palavra. “Distingo” é o termo mais encontradiço em meu raciocínio.

Embora acredite sempre que é preciso falar bem do que é justo e interpretar com simpatia o que a tal juízo se presta, nossa condição é tão singular que não raro o próprio vício nos impele a bem fazer (se o bem não se julgasse unicamente pela intenção que o determina). Daí não se dever tirar de um ato corajoso a conclusão de que um valente o praticou. Valente será efetivamente quem o for sempre em todas as ocasiões. Se fosse um hábito e não um gesto imprevisto, a virtude faria que um homem mostrasse sempre igual resolução; seria o mesmo, só ou acompanhado, na justa como no campo de batalha.

Suportaria esse homem, com igual atitude uma enfermidade em seu leito e um ferimento na guerra e não temeria mais a morte em seu lar do que em um assalto. Não o veríamos lançar-se através de uma brecha com insopitável bravura e em seguida chorar como uma mulher a perda de um processo ou de um filho; ser covarde diante da infâmia e resoluto na miséria, ter medo da navalha do barbeiro e desafiar a espada do adversário. Em tais casos, a ação é louvável, não o homem. Há gregos, diz Cícero, que tremem à vista do inimigo e se mostram tenazes quando enfermos, e tem-se o inverso nos cimbros e nos celtiberos: “Nada pode ser estável se não parte de um princípio sólido”(Cícero). Não há maior valentia, no gênero, do que a de Alexandre, o Grande, e no entanto não se verifica em tudo. Por incomparável que seja, tem suas falhas, o que o faz perturbar-se à mais insignificante suspeita de conjuras e o leva a incrível e absurda crueldade na repressão e a temores em nada compatíveis com sua apreciação habitual das coisas. A superstição que lhe era peculiar participa também da pusilanimidade, e a exagerada penitência que se impõe a si mesmo após o assassínio de Clito prova igualmente a desigualdade de sua coragem. Somos um amontoado de peças juntadas inarmonicamente e queremos que nos honrem quando não o merecemos. A virtude vale por si mesma; se para outro fim tomamos a sua máscara, logo ela no-la arranca da cara. Quando nossa alma se impregna dela, forma ela uma espécie de verniz fortemente adesivo que só se tira com a própria pele. Eis por que para julgar um homem é preciso seguir suas pegadas, penetrar sua vida, e se não deparamos com a constância alicerçando seus atos, “com um plano de vida bem ponderado e previsto”(Cícero), se sua marcha, ou antes, seu caminho (pois é lícito acelerar ou diminuir o passo) se modifica segundo as circunstâncias, abandonemo-lo. Como a ventoinha gira de acordo com o vento, assim reza a divisa de nosso Talbot. Não é de espantar, diz um autor antigo, que o acaso tenha tanta força sobre nós, pois por causa dele é que existimos. Quem não orientou sua vida, de um modo geral, em determinado sentido, não pode tampouco dirigir suas ações. Não tendo tido nunca uma linha de conduta, não lhe será possível coordenar e ligar uns aos outros os atos de sua existência. De que serve fazer provisão de tintas se não se sabe que pintar? Ninguém determina do princípio ao fim o caminho que pretende seguir na vida; só nos decidimos por trechos, na medida em que vamos avançando. O arqueiro precisa antes escolher o alvo; só então prepara o arco e a flecha e executa os movimentos necessários; nossas resoluções se perdem porque não temos um objetivo determinado. O vento nunca é favorável a quem não têm um porto de chegada previsto. Não estou de acordo com o juízo que se fez, ao assistir a uma tragédia de Sófocles, declarando-o, contra a opinião de seu filho, capaz de administrar seus bens. Não acho tampouco muito mais lógico o que fizeram os párias enviados com missão de reformar o governo dos milésios. Depois de visitar a ilha, observando o cultivo cuidadoso da terra, a boa ordem das propriedades, e registrando os nomes dos proprietários, considerando que a atenção e a eficiência demonstradas na administração de seus negócios particulares eram uma garantia de que de igual modo iam gerir os negócios do Estado.

Somos todos constituídos de peças e pedaços juntados de maneira casual e diversa, e cada peça funciona independentemente das demais. Daí ser tão grande a diferença entre nós mesmos quanto entre nós e outrem: “Crede-me, não é coisa fácil conduzir-se como um só homem”(Sêneca). Se a ambição pode impelir o homem a ser valente, sóbrio, liberal e mesmo justo, se a avareza pode dar coragem a um caixeiro criado no ócio e na indolência e infundir-lhe bastante confiança para que se lance à aventura

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em frágil navio, à mercê de Netuno, e lhe ensina a discrição e a prudência; se a própria Vênus arma de resolução a audácia o jovem ainda sob a autoridade paterna, e faz com que se mostre impudica a virgem de coração terno ainda sob a égide de sua mãe: “Passando furtivamente entre os guardas que dormem, protegida por Vênus, vai a jovem sozinha, dentro da noite, juntar-se a seu amante”(Tibulo), se assim é, não deve um espírito refletido julgar-nos pelos nossos atos exteriores; cumpre-lhe sondar as nossas consciências e ver os móveis a que obedecemos. É uma tarefa elevada e difícil e desejaria por isso mesmo que menor número de pessoas se dedicassem a ela.

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIECURSO DE ARQUITETURA

DISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIAPROF. ANTONIO JOSÉ

ASSUNTO TEMÁTICO:

“ UMA ANÁLISE CRÍTICA DA ÉTICA DA COLONIZAÇÃO NA AMÉRICA LATINA ”

A América Latina é um dinâmico tapete, um vivo mosaico. Nenhuma analogia fará justiça a este continente em crise. É possível afirmar que, não tem sido fácil a construção de uma perspectiva pessoal acerca deste vasto continente e de seu povo. O turista vê somente a estreita realidade que lhe é apresentada e raramente terá uma percepção justa, correta e abalizada da realidade latino-americana. Os repórteres internacionais, por sua vez, focalizam simplesmente aqueles assuntos que servirão de caixa de ressonância positiva para as suas agências internacionais. Criminalidade, violência na cidade e no campo, insegurança, instabilidade econômica, disparidade social, favelização dos grandes centros urbanos, têm sido os temas mais aludidos. Mui raramente terá o turista ou o jornalista internacional, condições de entender a complexidade histórica, social e cultural da América Latina, sua origem pré-colombiana, e o seu legado hispano-lusitano.

Cada um tem sua própria perspectiva. Seja ele um historiador marxista, religioso ou secular. O que fará um pesquisador, estudioso sobre a América Latina? Espera-se que o mesmo utilizará todos os recursos disponíveis para entender a América Latina e o seu povo. O problema é que trabalhamos já munidos com uma série de pressuposições ou pré-entendimentos, os quais guiam-nos a fazer uma aferição e um julgamento de “fato e de valor” errôneos sobre o nosso continente. Têm-se falhado em fazer uma leitura histórica holística sobre o continente. Por que isso tem acontecido? William Taylor, professor da Universidade de Dallas, em sua obra Crisis in Latin America elucida o seu pensamento sobre o assunto, sugerindo quatro razões porque isso acontece, Vejamo-las de forma categorizada: 32

1) Isso acontece porque, muitas vezes, a nossa percepção histórica dos fatos já está pré-estabelecida;2) Porque a nossa percepção histórica está arraigada nos valores da classe média ou dominante, ou de um certo contexto sócio-econômico;3) Porque a nossa percepção histórica é auto-protecionista, visando salvaguardar o status quo de um determinado grupo político ou social; 4) Porque a nossa percepção histórica é exacerbadamente influenciada pelos valores culturais dos povos europeus e do hemisfério norte.

32 TAYLOR, William. Crisis in Latin America. Chicago, Illinois: University of Chicago. 1989, p. 21.

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Alguém que viaja pela região, mesmo que seja em só país, pode ser hábil para concluir que não existe somente uma única América Latina, mas muitas. Nós podemos focalizar suas múltiplas raças: Espanhóis, portugueses, Índios, Europeus, Africanos e Orientais, numa profunda mistura genética que faz a América Latina ser o que ela é. Pode-se constatar a sua variedade geográfica: das áreas desérticas até as suas florestas tropicais, dos vastos pampas até a alta cordilheira dos Andes, que corta quase todo o continente. Pode-se pensar, também, em termos de regionalidades: México no norte, as nações caribenhas, os países da América Central, As nações Andinas, e os países do cone sul, incluindo o Brasil: Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai.

Não existe somente uma língua falada por todos na América Latina. O espanhol é a língua nacional na maioria dos países (cerca de trezentos e vinte milhões de habitantes). O idioma inglês é a língua falada em alguns outros (Bahamas, Guiana Inglesa, Belize, Jamaica) e o português é a língua falada no Brasil (cerca de 180 milhões de pessoas). Contudo, existem ainda cerca de 670 línguas e dialetos falados em toda a América Latina. A maioria absoluta dessas línguas já eram línguas faladas antes de Colombo pisar nas terras do novo mundo. Por exemplo, há na Guatemala vinte e cinco línguas diferentes. Se nós atentarmos para o elemento sócio-econômico como fator determinante, existem várias Américas para confundir o observador. Existe uma classe alta dominante correspondente de três a cinco por cento (3% a 5%) da população, uma classe média correspondente a quinze por cento (15%) e uma classe baixa correspondente a oitenta por cento (80%) da população. Inserido na chamada classe baixa existe uma faixa de vinte por cento de miseráveis, ou seja, aqueles que vivem em extrema pobreza.

3.1 A Controvérsia Acerca do Nome

Assim, se não existe uma só América Latina, o que, então, devemos fazer para ser a América Latina? O renomado escritor Colombiano Gérman Arciniegas em sua obra “Latin America: A Cultural History” faz a seguinte assertiva sobre os vários grupos étnicos que formam o mosaico latino-americano:

A América está dividida em quatro grupos étnicos distintos: 1) Hispano-Americanos, América Portuguesa (Brasil), América Inglesa (U.S.A), e América Anglo-Francesa (Canadá). Quando os quatro processos históricos são claramente delineados, um melhor entendimento de suas diferenças e semelhanças torna-se possível. Por causa de uma série longa de experiências (três séculos de dominação espanhola), os habitantes da América-Hispânica falam espanhol, e junto a língua falada, são predominante católicos como os seus colonizadores. A América Portuguesa do Brasil recebeu como legado de seus colonizadores a língua portuguesa, o catolicismo romano e uma cultura diversificada de vários povos: negros, índio, brancos e europeus imigrantes nos últimos dois séculos. A América Inglesa dos Estados Unidos construiu a sua língua e cultura, herdando dos primeiros habitantes de suas treze colônias o espírito de tenacidade pelo trabalho. O povo da América Anglo-Saxônica do Canadá, fala duas línguas: O Inglês e o Francês. O Canadá está incluído entre os cinco maiores países do mundo, com uma população bastante pacífica e homogênea. Para nós, estas quatro Américas são quatro províncias numa massa continental, caminhando juntos em trilhas separadas na busca da mesma coisa: Liberdade.33

Como foi, então, que esta vasta área foi batizada com o nome de “América”? Certamente Cristovão Colombo não imaginou isso. Ele estava convicto que havia descoberto o caminho para a Índia, ou mesmo, que havia alcançado as costas da Índia. Por estar convencido disto, ele chamou os nativos habitantes da terra de “’Indios”. Imediatamente, a Espanha denominou as terras recém descobertas de “Índias Ocidentais” nos seus mapas, cujo título permaneceu por quase quatro séculos. No tempo em que tornou-se claro que as terras descobertas tratavam-se, realmente, de um “novo mundo”, já era muito tarde para retificar o erro, ou mesmo, não havia razão para isso, conforme pensavam os colonizadores.

Na verdade, o título originou-se de um italiano que seguiu a Colombo, segundo é historiado por Donald Marquand Dozer, em sua obra “Latin America: An Interpretative History”:

Entre 1499 e 1502, um homem de negócios de Florença (Itália) possuindo negócios em Sevilla (Espanha), Americo Vespucci, realizou três viagens no curso das quais descobriu a foz do Rio

33 ARCINIEGAS, , Gérman. Latin America: A Cultural History. New York: Alfred A. Knopf. 1972, 16.

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Amazonas e explorou toda a Costa da América do Sul, desde a Venezuela até o Rio da Prata (Argentina). Suas descobertas tornaram-se notórias em toda a Europa da época, e assim, as terras do novo mundo, passaram as ser chamadas de América, em homenagem àquele navegador.34

Quando os “Estados Unidos da América” foi escolhido como o nome da república Norte Americana, os franceses, por sua vez, começaram a chamar os povos de língua hispânica e portuguesa de “Latino Americanos” tendo em vista as línguas faladas, as quais possuíam sua origem latina. Alguns outros nomes foram sugeridos, tais como: “América Hispânica,” ou “Íbero-América.” A realidade é que nenhum destes nomes é completamente abrangencial e adequável para entender e descrever a rica complexidade histórica e cultural dos povos que compõem o que é chamado hoje de “América Latina.” Todos estes nomes alijam completamente a herança índia e negra que os povos atuais do continente receberam dos seus antepassados.

O escritor Colombiano, prêmio Nobel da literatura mundial Gérman Arciniegas, em seu livro “Latin America: A Cultural History,” ressalta alguns elementos que cimentam a história dos povos Latino-Americanos:

Uma herança comum pré-colombiana; a conquista hispânico-portuguesa; o período colonial e os movimentos de independência; a herança religiosa da Igreja Católica Romana em todos os segmentos da vida; um misticismo religioso muito forte oriundo dos diversos povos formadores da América Latina; uma profunda diversidade cultural e musical, com seus rítmos eletrizantes; Uma comunicação de gestos e de linguagem mais dinâmica e agressiva, tornando-os uma cultural tocável (Latin America Touchble Culture versus North America Untouchble Culture).35

3.2 Panorama Geográfico e Racial

O ano de 1492 tornou-se um linha dupla de demarcação, uma dupla demarcação deuma nova era. O primeiro grande evento foi a descoberta espanhol do “novo mundo”. O segundo grande evento foi a descoberta portuguesa do Brasil. Os portugueses, originalmente, não possuíam um grande interesse no lado ocidental do mundo. Seu interesse estava voltado para a África e Ásia, e seus experientes navegadores cruzaram os oceanos com este fim. Eles tornaram-se, juntamente com a Espanha, os grandes poderes do mar, e, por longo tempo, monopolizaram as rotas oceânicas até que descobriram o caminho para a Índia. Contudo, os interesses comerciais, eventualmente, tornaram conflituosos o relacionamento daquelas duas potências marítimas, eclodindo assim no tratado de tordesilhas no ano de 1494. Naquela ocasião, o papa Alexandre VI, juntamente com os monarcas daquelas nações chegaram ao acordo de dividir o mundo recém descoberto e as terras ainda a descobrir nas esferas de operação hispânico e portuguesa. Uma linha imaginária foi traçada, dando a Portugal todas as terras descobertas e a descobrir num ângulo de 180 graus ao oriente a começar em Cabo Verde; também todas as terras num ângulo de 180 graus ao ocidente seriam da Espanha. Mais tarde, houve mudanças no tratado para dar a Portugal as terras do Brasil, descobertas em 1500.

Numa terça-feira, à noite, dia 11 de Outubro de 1492, Colombo avista e chega às terras do “novo mundo,” e suas primeiras impressões históricas dos primeiros dias, manifestam e evidenciam a beleza natural daquilo que ele viu.

Em seu diário, comentado por Joseph Judge, e primeiramente editado por Bartolomeu de Las Casas, estão inseridas as seguintes palavras: “Alcançamos a costa e vimos muitas árvores grandes, muitos rios e uma grande diversidade de árvores frutíferas....A ilha é vastíssima e muito plana, densamente arborizada, muitos rios e lagos, com poucas montanhas”36

34 DOZER, Donald Marquand. Latin America: An Interpretive history. Tempe, Arizona: Arizona State University. 1979, p. 9. 35 ARCINIEGAS. Op. Cit. 27. 36 JUDGE, Joseph. The Island of Landfall. National Geographic, November. 1986, pp. 583, 586.

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Gérman Arciniegas em sua obra Latin America: A Cultural History, propicia-nos uma análise da vasta dimensão geográfica e fluvial do continente latino-americano:

Para que tenhamos uma idéia da expansão geográfica da América Latina, são doze mil quilômetros (7 mil milhas) do Rio Bravo no México até o ponto mais distante do Chile. A distância da costa do Pacífico no Peru até a costa do Atlântico no Brasil, corresponde a seis mil quilômetros (3.2 mil milhas quadradas). A América Latina corresponde a 15% das terras do “globo terrestre,” com quatorze (14) milhões de quilômetros quadrados (7.7 milhões de milhas quadradas) e oito por cento (8%) da população mundial (cerca de 500 milhões). Istsomados treze milhões de quilômetros quadrados (7.5 milhões de milhas quadradas). O Brasil somen duas vezes maior do que a Europa Ocidental. Mencionaremos as quatro maiores bacias fluviais da América Latina: O rio Magdalena e seus afluentes na Colômbia; o rio da Prata na Argentina incluindo os rios Paraguai, Uruguai e Paraná; O Rio Orinoco e seu afluentes na Venezuela; o rio Amazonas e seus afluentes no Peru e no Brasil. A bacia do rio Amazonas sobrepuja a nossa imaginação com um volume de água que transcende a combinação de outros três grandes rios juntos: “Nilo (Egito), Yantze (China) e o Mississippi (U.S.A.). O Rio Amazonas é o maior rio do mundo em volume de águas e o segundo mais longo cobrindo uma distância percorrida de sete mil quilômetros (4 mil milhas).37

Quanto ao nosso perfil étnico, visitantes ou turistas que caminham pelas ruas das grandes cidades brasileiras ou de outros países da América Latina, facilmente constatam a diversidade deste povo: brancos europeus de diversos países, negros, mulatos, índios, asiáticos, etc. A América Latina é um verdadeiro mosaico racial, formado de três grupos raciais diferentes: Brancos Europeus da Península Ibérica (Portugal e Espanha), índios e negros.

Bradford Burns em sua obra Latin America: A Concise Interpretative History, dá-nos uma bela gravura desse mosaico racial:

As populações da Argentina e do Uruguai, por exemplo, são 90% de origem européia, enquanto que a população do Paraguai é predominantemente originada dos índios Guaranis. A língua Guarani é majoritariamente falada no país. Não somente portugueses e espanhóis, mas também uma larga comunidade de alemães, italianos, japoneses, chineses, coreanos, povos árabes e outros, são encontrados aqui. O povo negro do Haiti fala francês, bem como o povo da Guina Francesa; A Guiana Holandesa (Paramaribo) fala holandês; Os negros das Bahamas, de Barbados, Trinidad Tobago, Panamá, Guiana Inglesa e Jamaica falam inglês como sua língua oficial. A Guiana Brasil fala português; os outros povos latinos falam espanhol. Eis um povo multi-racial com uma profunda diversidade linguística e cultural.38

Quantos índios haviam na América Latina quando os conquistadores espanhóis e portugueses aqui chegaram? Vejamos uma informação abalizada e fidedigna de Enrique Dussel, em sua obra A History of the Church in Latin America: Colonialism to Liberation:

Estima-se que havia uma população entre 40 a 80 milhões de indígenas. Não se sabe ao certo número exato, porém, o que se sabe com certeza, é que está claramente documentado de que houve extermínio em massa de milhões de índios por causa de moléstias trazidas pelos brancos, guerras e maus tratos por parte dos conquistadores. Exemplificando, somente no México, foi registrado documentalmente em 1532 o número estimado de 16.871. 408 índios, mas já em 1608, ou seja, oitenta anos depois, o número havia sido reduzido para 1.069. 255 indígenas.39

Através dos séculos, os índios latino-americanos têm tentado preservar sua própria estrutura social com ênfase na família, no clan e na tribo. A percepção do mundo possuída por eles está ligada a poderes supernaturais invadindo a privacidade da vida. Esta visão serve de guia e adequação para a vida pessoal e comunitária dos povos indígenas. Eles são basicamente animistas, adorando os espíritos dos

37 ARCINIEGAS, Gérman. Op. Cit. p. 18.38 BURNS, Bradford E. Latin America: A Concise Interpretive History. Enbglewood Cliffs, New Jersey: Prentice Hall. 1966, pp. 6,7. 39 DUSSEL, Enrique. A History of the Church in Latin America: Colonialism to Liberation (Grand Rapids, Michigan: Eerdmans Publishing House. 1981, p. 42.

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mortos (seus antepassados) e da natureza. As três principais civilizações indígenas da América Latina quando os conquistadores hispânico-portugueses aqui chegaram eram: os Astecas no México, os Maias na Guatemala, e os Incas no Peru e em outros países andinos. As nações classificadas ainda hoje como “nações indígenas” são: México, Guatemala, Peru, Equador, Bolívia e partes da Colômbia. Centenas de pequenas comunidades indígenas estão espalhadas em outros países, tais como: Panamá, Venezuela, e Brasil. Poucos países latinos tem demonstrado profunda apreciação por sua origem indígena tanto quanto o Paraguai. Não obstante, o espanhol ser a língua oficial, o “Guarani” permanece a língua do coração; ela é falada expressamente por todos os segmentos da sociedade e é um dom legado àquela nação co-irmã pelo povo guarani que ali já se encontravam quando chegaram os conquistadores.

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIECURSO DE ARQUITETURA

DISCIPLINA: ÉTICA E CIDADANIAPROF. ANTONIO JOSÉ

TEMA DA AULA:

- “Uma Análise da Ética

Existencialista

O existencialismo é uma tendência agnóstica, ainda que também ocorram os que tentam ultrapassar os limites do agnosticismo, chegando a Deus e à religião. Neste sentido o existencialismo é também um novo humanismo, porque coloca o homem no centro. Não obsta que, apesar desta tendência, alguns existencialismos, como o de Gabriel Marcel, tentem uma saída para Deus, incluindo-o nos resultados do seu processo misticista. Mas para a maioria dos representantes do existencialismo prevalece o agnosticismo a respeito de Deus. Vagamente permanece o monismo, em que o próprio homem projeta ser algo parecido como ser ele mesmo um Deus. Para o existencialismo a existência é anterior à essência não somente ontologicamente, mas também gnosiologicamente. Ao existencialismo importa começar a pensar, começando pela existência; tal acredita-se possível através da apreensão profunda do sujeito. Já se pode antever que, dentro deste modo de pensar existencialista de anterioridade gnosiológica da existência, poderá não haver mais lugar para o conceito de Deus, segundo aquele modo elegante das provas clássicas, que o estabelecem como causa primeira e ser perfeitíssimo, eterno, imutável, etc...  Deus deverá ser procurado por outro caminho, se é que este outro caminho existe; alguns existencialistas acreditam nesta outra maneira de chegar a Deus. Efetivamente, na convicção existencialista muitas afirmações não passam talvez de uso abusivo das palavras, sobretudo das de ser e ente. Quando as frases assumem aspecto retórico, parecem as vezes nada mais do que coragem de afirmar o que ainda não está claro.

2. - Jean Paul Sartre (1905-1980)

Até seu tempo, foi o filósofo existencialista mais representativo da França, além de haver sido escritor brilhante e ativista, quando não também anarquista. Nasceu em Paris, onde teve uma infância mais ou menos tumultuada: pai católico, que logo morreu, mãe protestante, que retornou à casa de seus pais, e voltou a casar aos 11 anos do menino. Primeiramente aos cuidados do avô, depois aos do padrasto, sentiu-se ao que parece um bastardo. Efetivamente, de futuro criou Jean Paul Sartre o "falso bastardo", como figura de uma de suas ficções. Entrou para a Escola Normal Superior em 1924,

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cursando filosofia, com agregação em 1929. Professor de filosofia no Liceu de Le Havre, de 1931 a 1933. Uma bolsa do Instituto Francês lhe deu a oportunidade de passar 1933-1934 em Berlim, onde estudou a fenomenologia (de Brentano e Husserl) e a filosofia existencialista de Heidegger, à qual aderiu definitivamente. Voltou a lecionar em liceu, de 1934 a 1939, sucessivamente em Le Havre (1934-1936), Laon (1936-1937), Neuilly-sur-Seine, Liceu Pasteur (1937-1939).  Sobreveio mais um tumulto à vida de Sartre com a Grande Guerra (1939-1945), que logo de começo esmagara e humilhara a França. Arregimentado para a luta, Sartre foi preso pelos alemães em 1940, e libertado em 1-o de abril de 1941. Retornou ao magistério no Liceu de Neuilly, de onde logo passou ao liceu Condorcet. Participou ativamente do grupo de resistência clandestina à ocupação alemã.

Publicando com suficiente aceitação desde 1937, ganhou sucesso, mesmo durante a guerra, no livro e no teatro. Com o Ser e o nada, em 1943, passou para a lista dos grandes filósofos do tempo.  Estes resultados lhe facultaram desistir em 1945 do magistério, com licença ilimitada. Já era então um escritor de grande tiragem. Os gêneros literários, - o teatro e a ficção, - e as atitudes de que se valeu participando de agitações de massas, - tudo isto favoreceu a Sartre. A força propagandística das livrarias dele se aproveitaram e o tornaram tanto mais notório. Como escritor existencialista, foi Sartre muito mais lido do que Heidegger, e tornou o existencialismo bastante popular. Além disto, Heidegger não se ocupou com o social, tema que Sartre amplamente explorou.  Ainda fundou a revista literária com engajamento político Les tempes modernes (= Os tempos modernos). Como jornalista, viajou pelos Estados Unidos da América, Rússia, Japão e outros países.  Renunciou espetacularmente ao prêmio Nobel de literatura em 1964. Sua participação em movimentos de esquerda lhe criaram problemas com a polícia. Condenou o colonialismo francês na Argélia, cujo processo de independência se consumou com o referendo popular de 1962.  Por último Sartre foi pronunciadamente esquerdista. Modificou várias vezes suas atitudes políticas em relação aos comunistas. Depois da libertação da França, 1945, colaborara com eles. Não demorou a molestá-los polemicamente. Praticando por algum tempo a literatura politicamente engajada, admitiu o combate à injustiça, onde quer que se manifestasse. No final voltou à cooperação clara com os comunistas, embora não ingressando no respectivo Partido.  Já em 1952 havia rompido com Albert Camus, por causa da tendência anticomunista de um livro deste. Constatando também que as palavras por si só não bastam, pregou a ação violenta. Foi entretanto pouco ouvido nos distúrbios de maio de 1968. Finalmente, diabético e cego terminou seus dias não sem algum sofrimento, em 1980.

3. Sartre e Sua Descrição Fenomenológica da Situação

Imediata da existência humana

Primeiramente fechou-se no plano da fenomenologia e a seguir passou a detalhes: Rejeitando a validade dos resultados da inteligência

especulativa raciocinativa,

Fechou-se primeiramente Sartre, como os demais existencialistas, no plano meramente fenomenológico da aparição do ser. Assim, o ser dum existente é o que imediatamente aparece, este ser aparece como subjetividade e liberdade, criador do ser projeto de vida e dos seus valores.  Retido na fenomenologia do que imediatamente aparece, não encontra Sartre no ser aquelas muitas noções e princípios, que, diferentemente, a ontologia racionalista supõe obter. "O pensamento moderno progrediu consideravelmente ao reduzir o existente à série das aparições que o manifestam. Pretendeu-se, assim suprimir certo número das aparições de dualismos que enredavam a filosofia e que foram substituídos pelo monismo do fenômeno" (O Ser e o Nada, p.11). .. O idealismo é superado por Sartre, porque não há, - no seu entender, - distinção entre o fenômeno e a coisa em si. E assim também não há a distinguir entre existência e essência, entre ato e potência, finalmente nem entre criatura e criador. Em virtude de suas qualidades literárias e capacidade combativa, Sartre foi de uma grande influência sobre a geração do seu mesmo tempo. Multiplicou suas poucas idéias em um sem número de afirmações enfáticas e atitudes desconcertantes. Praticou Jean Paul Sartre o existencialismo agnóstico. Com frequência fez

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afirmações radicais, com palavras de ordem do tipo como se usam nas manifestações repetitivas das massas. É exatamente onde se encontram as originalidades de Sartre, sem que necessariamente expressem coisas provadas. No mais talvez não seja tão original, ou porque suas afirmações existenciais se encontram já em Heidegger, ou porque suas conclusões ateístas, materialistas, nihilistas, já são da tradição do pensamento europeu. 

b) Fez Sartre ontologia:

Analisando objetivamente o ser em si mesmo, ainda que sem querer sair do plano meramente fenomenológico do aparecer. Analisando ao ser, nele encontrou sua filosofia existencialista.  Esta sua insistência na análise do ser em si mesmo representa um afastamento da tendência para as experiências pessoais ou subjetivas como fizera Kierkegaard.  Depois de estabelecidos seus pontos de vista na análise do ser, passou a uma aplicação aos setores especiais do homem, ou seja, da antropologia. O homem o apresenta em forma de teatro ou de literatura.  Negou os costumeiros dualismos admitidos em filosofia, como potência e ato, essência e existência. Repudiando a teoria aristotélica do ato e potência (para negar a potência), ficou Sartre com Parmênides . O ser já é o que ele é; nada pode sobrevir ao ser; além do ser, só há o nada, que (para Parmênides) nada é. Nesta conceituação o ser é visto como um "ser em si". Como em-si o ser se isola simplesmente, como dado sem relacionamento, nem de possibilidade, nem de necessidade. A partir dali se desenvolve toda a ontologia de Sartre. "O que se pretende com a afirmação de que a existência precede a essência? Pretende-se dizer que, primeiro de tudo, o homem existe, cresce, aparece em cena e só depois é que se define a si próprio. Se o homem, tal como o existencialista o vê, é indefinível, é porque de início ele é nada. Só depois será alguma coisa e ele próprio terá feito de si o que vier a ser... Não só o homem é o que ele próprio concebeu ser, mas também o que quer ser após este impulso para a existência. O homem nada mais é senão aquilo que se fez" (SARTRE, Jean Paul. Existencialism, New. York, United States, Hadden Stouthon Publishing Company, ano de 1947, página 18).

A liberdade radical, em que o homem se encontra envolvido, é peculiar à contingência geral do ente. Encontra-se simplesmente no mundo, cabendo-lhe escolher. Em vista da liberdade radical, encontra-se desligado de tudo, como um ser estranho, até mesmo ao seu próprio ambiente. Não havendo essências gerais, nem planos, nem sentido no ser, nada o liga no mundo, sobretudo nada liga ao homem a ele. O homem não foi, por conseguinte, criado para algo. Existe simplesmente, com a mais radical liberdade ontológica possível. Entregue a si mesmo, sob sua responsabilidade, o homem sente o medo de sua situação. É um estranho, temeroso. Não tem significado o seu viver, como também não tem sentido o seu morrer. Vive por acidente. Morre por acidente.

c). Deus é absurdo e a criação é contraditória:

Isto decorre diretamente da mesma conceituação anterior feita sobre o ser. Enquanto o ser é simplesmente em si, é também radicalmente contingente. Não reclama para seu existir algo com a característica de ente necessário, como Deus. Não há relação de um ente para outro ente, a título de exigências. E assim não há relação entre o mundo e Deus; nem pode haver criação. Pode-se alegar contra Sartre que a manifestação do ser é o ser, mas não necessariamente de imediato todo o ser. Ao menos deverá deixar o conhecimento do que falta, como algo sobre que não há como se definir-se, ainda que nem a favor, nem contra. Então ficaria pelo menos num agnosticismo negativo referente a Deus e não num agnosticismo positivo, como ele pretendeu. Todavia, afirma Sartre, se o ser é contingente, fica sem sentido, buscar uma prova a respeito de Deus, porque a partir deste ser contingente nada há para seguir em frente. Se, entretanto, no ser se pudesse descobrir algum princípio não contingente, a partir deste princípio necessário poder-se-ía armar um silogismo que conduzisse a Deus. Lançado ao seu nada, somente resta ao homem criar um projeto para si mesmo, e neste projeto tender a ser Deus.  "O homem é o ser que projeta ser Deus... Ser homem é tender a ser Deus ou, se, se prefere, o homem é fundamentalmente desejo de ser Deus".

Tudo é livre, contingente, precário:

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"O homem é uma paixão inútil".

d). O conhecimento é uma intencionalidade: .

Neste detalhe advertiu Sartre contra a interpretação do conhecimento como imagem sem objeto. E quer mesmo nesta intencionalidade determinar a natureza do homem. Distingue entre ser em si (o que é) e ser para si (o que não é e que é o caráter constitutivo da pessoa humana). Interpretando Sartre a intencionalidade cognoscitiva como uma espécie de nada, desenvolveu uma estranha doutrina, em que o ser cognoscente assim se torna por efeito de um processo nadificador. Frente ao ser-em si, o homem é visto como um "ser-para-si", dotado de conhecimento e liberdade. Como explicar esta modalidade de ser, dentro de um mundo logicamente desconexo e deterministico? O ser-para-si se apresenta como incompleto, contendo o nada. Diferentemente, o ser-em-si é completo. Não se trata de um nada colocado ao lado do em si; pois o nada, nada é. O nada, que é específico ao homem, opera no ser em si, nadificando-o. O homem é esta nadificação permanente, que age como um para-si, no âmago do em-si, como uma realidade negativa. Uma análise, conduzida até ao fim, revela que a essência do homem (como ser-para-si), entendida como nada, também se diz consciência e liberdade; estas manifestações são nada e não são ser-em-si. Com mais detalhe, a consciência é existência, enquanto na consciência se manifesta a existência como constituição da consciência. No ser em si (exterior) a existência precede à essência. No ser-para-si (ou ser humano), a existência é a própria essência do homem.

e). Uma ética Sartriana:

Foi também ensaiada por Sartre, a partir da liberdade do homem, tarefa que deixou contudo incompleta. Os Cadernos para uma moral (Cahiers pour une morale) foram escritos em 1947 e 1948, mas impressos postumamente em 1983.  Não existe moral preestabelecida a partir de uma ontologia, que previamente descubra o bem e determine a obrigação. Os valores surgem a partir da escolha. Importa ser fiel à condição de ser livre.  Depois da verificação fenomenológica de que o homem surge imediatamente como sendo essencialmente livre, ele tem como ponto de partida formar livremente um projeto de vida individual.  Entretanto, o projeto de cada qual se choca com o projeto dos outros homens. Tem o projeto do homem por objetivo dominar o mundo. Sendo o homem livre, pode praticar o mal. E o mundo está cheio de maus.  Nas tragédias, do mundo existencialista de Sartre, uma situação existencial impõe as decisões que conduzem à liberdade. O inferno de cada um são os outros.

4 - “JEAN PAUL SARTRE”SARTRE

Críticas Feitas ao Existencialismo de Jean Paul-SartrePalavras de Sartre:

1 ª Crítica: Criticaram-nos por incitar as pessoas a permanecerem num quietismo de desespero, dando por fim a uma filosofia contemplativa. (Crítica dos comunistas);2 ª Crítica: Criticaram-nos por acentuarmos a ignomínia humana, por mostrarmos em tudo o lado sórdido, o equívoco, o viscoco, e por preterirmos o lado luminoso da natureza humana,....esquecemos o sorriso da criança (crítica católica);3 ª Crítica: Censuraram-nos por não termos atendido à solidariedade humana,... por admitirmos que o homem vive isolado, porque partimos da subjetividade pura, quer dizer, do “eu penso” cartesiano, o que nos torna incapazes de regressar à solidariedade com os homens que existem fora de mim (Crítica dos comunistas);4 ª Crítica:

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Censuraram-nos por negarmos a realidade e o lado sério dos empreendimentos humanos, visto que, se suprirmos os mandamentos de Deus e os valores inscritos na eternidade, só nos resta a estrita gratuidade, podendo cada um fazer o que lhe apetecer (Crítica dos católicos);

4.2.1 - Respostas de Jean Paul-Sartre:

Muitos se admiraram de que eu fale aqui de que o existencialismo é um humanismo. Tentaremos mostrar em que sentido entendemos que aqui o termo humanismo. Críticas feitas a Sartre:1) A principal crítica que nos fazem, como se sabe, é de acentuarmos o lado mau da vida humana. Por conseguinte, alia-se a fealdade ao existencialismo.Que é isso de existencialismo?Segundo Sartre, existencialismo é uma doutrina que torna a vida humana possível e que, por outro lado, declara que toda a verdade e toda a ação implicam um meio e uma subjetividade humana. O existencialismo é a doutrina menos escandalosa e a mais austera possível; ela é estritamente destinada aos técnicos e aos filósofos. Há duas escolas existencialistas:O que torna o caso complicado é que há duas espécies de existencialistas: de um lado há os que são cristãos (Jaspers e Gabriel Marcel), e de outro lado, os existencialistas ateus (heidegger, Sartre e outros filósofos franceses).O que têm em comum:O que eles têm em comum é simplesmente o fato de admitirem que a existência precede a essência, ou, se se quiser, que temos de partir da subjetividade.Que é que entendemos com isso?Diremos pois, que, para o corta-papel, a essência – quer dizer, o conjunto de receitas e características que permitem produzi-lo e defini-lo – precede a existência. Temos, pois, uma visão técnica do mundo, na qual se pode dizer que a produção precede a existência.

4.2.2 - Interpelação de Sartre:

Acaso, no fundo, o que amedronta, na doutrina do existencialismo, não é o fato de ela deixar uma possibilidade de escolha no homem? O homem e Deus para os filósofos do século XVII:Admite-se que a vontade segue a inteligencia, ou que, pelos menos a acompanha. Deus quando cria, sabe perfeitamente o que cria. O conceito de Deus é assimilável ao conceito de um corta-papel no espírito de um industrial. Deus produz o homem segundo técnicas e uma concepção,...

Para os filósofos do século XVIII:Suprime-se a noção de Deus, mas não a idéia de que a essência precede a existência. O homem possui uma natureza humana; esta natureza que é o conceito humano, encontra-se em todos os homens. Para Kant, cada homem é um exemplo de um conceito universal. Resulta de tal universalidade que o homem da selva, tal como o burguês,...estão inseridos na mesma definição e possuem as mesmas qualidades de a base. A essência do homem precede essa existência histórica que encontramos na natureza.

4.2.3 - O existencialismo ateu: Se Deus não existe, há, pelo menos, um ser que no qual a existência precede a essência, e este ser é o homem, ou a realidade humana, como diz Heidegger. A concepção existencialista do homem:Que significa aqui o dizer-se que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o

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concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. O homem é o que faz: O homem não é mais que o que ele faz. Tal é o primeiro princípio do existencialismo. É também a isso que se chama a subjetividade.O projeto:O homem primeiro existe, antes de mais nada, é o que se lança para o futuro, ‘;e o que é consciente de se projetar no futuro. O homem é um projeto que se vive subjetivamente. Nada existe anterior a esse projeto; o homem será antes de mais nada, o que tiver projetado ser.O homem é plenamente responsável:Mas se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem eé responsável por aquilo que é. O primeiro esforço do existencialismo:É o de colocar todo homem no domínio do que ele é e lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência. Há dois sentidos para a palavra “subjetivismo:” 1) A escolha do sujeito individual por si próprio. A impossibilidade para o homem de superar a subjetividade humana. 2) O segundo sentido é o sentido profundo do existencialismo. Quando dizemos que o homem escolhe a si, queremos dizer que cada um de nós se escolhe a si próprio. Isso também significa que, ao escolher a si próprio, ele escolhe todos os homens. Não há dos nosso atos, um sequer que, ao criar o homem que desejamos ser, não crie ao mesmo tempo uma imagem do homem como julgamos que deve ser.

4.2.4 - Declarações Sartrianas:

- O existencialista não tem pejo em declarar que o homem é angústia. Não pode ele deixar de ter, na decisão que tem de tomar. Tal angústia todos os chefes a conhecem. Eles encaram uma pluralidade de possibilidades. É a essa angústia que se refere o existencialismo.

- A moral laica: Ainda que Deus não exista, é preciso a priori, ser honesto, ser justo, não mentir, etc.

- Doistoévski: “Se Deus não existisse, tudo seria permitido.”- Estamos sós e sem desculpas. Estamos condenados a ser livres. Condenado porque não se

criou a si próprio. Livre, porque, uma vez lançado no mundo, tudo quanto fizer, é responsável por tudo quanto fizer.

- O existencialismo não crê na força da paixão. Pensa, sim, que o homem é responsável por essa sua paixão.

- O homem está condenado a cada instante a inventar o homem. Ou seja, o homem tem um futuro virgem que o espera.

- Não posso determinar o valor desse afeto ou de um sentimento, a não ser que, precisamente, eu pratique uma to que o confirme e o defina. O sentimento constitui-se pelos atos que se praticam.

- Nenhuma moral geral pode indicar-vos o que há a fazer; não há sinais no mundo.- O desamparo implica sermos nós a escolher o nosso ser. Depende de nossa vontade ou dde um

conjunto de probabilidades que tornam a nossa ação possível.- Há sempre uma série de elementos prováveis.- Não há nenhuma natureza humana em que eu possa basear-me.- O quietismo é a atitude das pessoas que dizem: os outros podem fazer aquilo que eu não posso

fazer.- O homem é o seu projeto. Só existe na medida em que se realiza. Ele nada mais é do que a

soma de seus atos. - Para o existencialista, não há amor diferente daquele que se constrói. O homem escolhe-se ao escolher todos os homens:Se a existência prece a essência, e se quisermos existir e ao mesmo tempo, construirmos a nossa imagem, está imagem é válida para todos e para toda a nossa época. Assim, a responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, porque envolve toda a humanidade.

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