Apostila - Historia Do Brasil - Ensino Medio

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  • O que uma repblica? Esta pergunta tem sido respondida de diversasmaneiras pelas sociedades humanas atravs dos tempos. Nos dias de hoje, noBrasil, como poderamos respond-la? Vamos supor que estamos fazendo umapesquisa de opinio e ouvindo as pessoas na rua sobre esse tema. Podemosimaginar uma resposta. Por exemplo: a forma de governo em que os cidadoselegem os seus governantes por um prazo determinado, ao contrrio da monarquia, emque o poder hereditrio e vitalcio. Uma boa definio, mas que se mostra poucoinformada a respeito dos modernos regimes monrquicos em que o povo, apesarde no escolher seu rei ou rainha, elege o chefe de governo e os membros doPoder Legislativo. Mesmo assim, continua sendo uma boa resposta, pois iden-tifica dois princpios gerais do regime republicano: a soberania popularsoberania popularsoberania popularsoberania popularsoberania popular isto ,o poder do povo, cabe a ele a deciso final sobre a melhor forma de organizaodo pas e a provisoriedade dos representantes eleitosprovisoriedade dos representantes eleitosprovisoriedade dos representantes eleitosprovisoriedade dos representantes eleitosprovisoriedade dos representantes eleitos por esse mesmo povo.

    Na histria do mundo ocidental, os regimes monrquicos absolutistaspredominaram durante muito tempo. No sculo XIX, como uma conseqnciadas revolues liberais, o absolutismo foi sendo substitudo por monarquiasconstitucionais ou por repblicas. Enquanto as primeiras permaneceram muitofortes na Europa at a Primeira Guerra Mundial, na Amrica as repblicasdominaram o cenrio poltico desde a primeira metade do sculo XIX.

    No Brasil, a repblica tornou-se realidade no final do sculo XIX. A mudanade forma de governo trouxe, como vimos nas ltimas aulas, desconfianas econflitos para todos os gostos. Mas, com ela, novas esperanas de participaotambm vieram tona. Ser que agora, com o fim da escravido e com aSer que agora, com o fim da escravido e com aSer que agora, com o fim da escravido e com aSer que agora, com o fim da escravido e com aSer que agora, com o fim da escravido e com apossibilidade de maior envolvimento poltico, o pas encontraria seu rumo epossibilidade de maior envolvimento poltico, o pas encontraria seu rumo epossibilidade de maior envolvimento poltico, o pas encontraria seu rumo epossibilidade de maior envolvimento poltico, o pas encontraria seu rumo epossibilidade de maior envolvimento poltico, o pas encontraria seu rumo ese tornaria uma nao moderna?se tornaria uma nao moderna?se tornaria uma nao moderna?se tornaria uma nao moderna?se tornaria uma nao moderna?

    Essa questo marcou, e marca, toda a nossa trajetria republicana, que jdura um pouco mais de cem anos. Nas prximas aulas, voc acompanhar osdiversos momentos da nossa histria republicana. Ver que a repblica queconstrumos teve muitas caras, muitas faces. A repblica dos brasileiros foi, etem sido, marcada pela instabilidadeinstabilidadeinstabilidadeinstabilidadeinstabilidade e pela diversidadediversidadediversidadediversidadediversidade. Afinal, nossarepblica teve de formar os estados da federao, os diferentes grupos sociais(que se espalharam e ganharam fora), os costumes polticos e as invenesculturais. So muitos e muito distintos os personagens e as situaes. Nossaviagem agora pelas diferenas. De agora em diante, voc percorrer umlongo e sinuoso trajeto. Um caminho que continuamos a trilhar e a construir.

    Parte IIIA repblica dosbrasileiros

  • Mdulo 8As bases

    da Primeira Repblica

    Em aulas anteriores, voc pde perceber que foi muito mais fcil para osrepublicanos civis e militares promover a derrubada do Estado monrquico doque construir a nova ordem republicana. O que fazer? Como o governo federalpoderia recuperar o controle da situao poltica, at ento marcada pelainstabilidade?

    Nas prximas trs aulas, voc poder acompanhar essa questo. Ver aindaque o pas passava por um importante processo de modernizao econmica.Naqueles tempos de predomnio do caf, surgiam as indstriais e cresciam ascidades. E, com elas, ganhavam fora novos segmentos sociais: os industriais eos operrios.

    Em nossa viagem, estamos desembarcando no sculo XX.

  • 21A U L A

    A esta altura, voc j pde perceber queiniciamos o terceiro bloco de nosso curso. Entramos na Repblica, depois deviajar pela Colnia e pelo Imprio.

    H muitas maneiras de iniciar nossa passagem pela Repblica. Escolhemosum ditado que j se tornou popular no Brasil: dando que se recebedando que se recebedando que se recebedando que se recebedando que se recebe .

    Em situaes de disputa pela distribuio de cargos pblicos ou de verbaspara a realizao de obras, volta e meia esse princpio utilizado. Significa que,em troca do apoio de um poltico a alguma lei enviada ao Congresso peloExecutivo, alguma recompensa o poltico deve receber.

    Esse assunto to importante e atual tem razes antigas na histria do Brasil,atravessa a Repblica e permanece em nossa memria. Vamos entender suasorigens?

    Vamos acabar com a instabilidade! A poltica dos governadores

    Os primeiros dez anos da Repblica brasileira caracterizaram-se por inten-sos conflitos entre diferentes grupos da sociedade: dos representantes polticosda classe dominante com os militares, dos prprios polticos entre si, e entre ospolticos e o povo. Todos queriam controlar o poder, tinham interesses diversose discordavam em suas concepes de como organizar a Repblica.

    Acrescente-se a isso a existncia de uma crise econmica e financeiraconstante, caracterizada por inflao, endividamento externo, gastos excessivosdo governo e declnio dos preos dos produtos de exportao.

    Como resolver todos esses problemas?

    Depois de muitos conflitos, e com o fortalecimento dos grupos polticosligados aos cafeicultores de So Paulo, algumas sadas comearam a ser pensa-das: a volta dos militares aos quartis, o controle da participao das camadaspopulares e dos conflitos entre grupos dominantes e, por fim, o desenvolvimen-to de uma poltica de saneamento da crise financeira.

    No fim do governo de Prudente de Moraes (1894-1898), alguns dessesdesafios j tinham sido contornados, com a derrota dos militares jacobinos e seuafastamento do palco dos acontecimentos polticos. Tambm a revolta de Canu-dos foi sufocada, eliminando um foco de contestao ao regime na rea rural.

    dando que serecebe

    Abertura

    Movimento

  • 21A U L A

    Mas muito restava para ser feito quando, em 1898, Campos Sales foi eleitopresidente. Era preciso consolidar a Repblica, e o novo governo direcionou suaatuao para dois objetivos:

    a renegociao da dvida externa do pas com os banqueiros estrangeiros ea elaborao de um plano para equilibrar as finanas brasileiras;

    adoo da poltica dos governadorespoltica dos governadorespoltica dos governadorespoltica dos governadorespoltica dos governadores.

    Na aula de hoje, vamos estudar a montagem e o funcionamento da polticada polticada polticada polticada polticados governadoresdos governadoresdos governadoresdos governadoresdos governadores. Essa poltica caracterizou a Primeira Repblica, ou RepblicaVelha o perodo que se estende de 1889 at a Revoluo de 30. O que vem a serisso?

    A idia central que presidiu a organizao da poltica dos governadores foio compromissocompromissocompromissocompromissocompromisso. Conforme j dissemos, as oligarquias, isto , os grupos depolticos que dominavam os Estados, viviam brigando entre si pelo controle dopoder. Essas disputas se expressavam especialmente nos momentos de eleies,tanto para o Executivo como para o Legislativo, nos municpios, nos Estados eno pas.

    Na Primeira Repblica no havia Justia Eleitoral independente nem votosecreto. Sempre, ao final das eleies, havia dvidas acerca de que candidatoshaviam sido legitimamente eleitos. Isso gerava conflitos interminveis e umaforte instabilidade do Congresso. E o presidente da Repblica tinha dificuldadesde construir uma base de apoio slida para garantir a aprovao de seus projetos.

    Esse problema no era uma novidade da Repblica, pois conflitos semelhan-tes j ocorriam no Imprio. A grande diferena era que no regime monrquicoexistia um grande rbitro o imperador, que, no exerccio do Poder Moderador,controlava os conflitos entre os diferentes grupos e promovia seu revezamentono poder.

    Em tempo

    O caricaturista retratouCampos Sales voltandoda Europa e dizendoaos concidados quehavia muita esperanano futuro da repblica.Fonte: Isabel Lustosa

  • 21A U L A Na ausncia da Justia Eleitoral, desenvolveram-se inmeras formas de

    fraude que receberam nomes engraados. Voc conhece as expresses curralcurralcurralcurralcurraleleitoraleleitoraleleitoraleleitoraleleitoral e degoladegoladegoladegoladegola?

    curralcurralcurralcurralcurral eleitoraleleitoraleleitoraleleitoraleleitoral: na Repblica Velha, era um lugar prximo do local devotao, para onde eram levados os eleitores das reas rurais, no dia deeleio. Cada coronel, ou chefe local, tinha o seu curral, e a distribua aoseleitores envelopes fechados contendo as clulas dos candidatos em queeram obrigados a voltar. Era o voto conhecido como de cabresto, porqueo eleitor era dominado por um freio, como uma montaria, ou marmita,porque j vinha pronto. Depois da votao, os eleitores recebiam umarefeio e eram levados de volta para casa.

    degoladegoladegoladegoladegola: era a eliminao dos candidatos ao Legislativo que no tinham sidoaprovados pelos governos dos Estados. O problema era que no bastavaganhar a eleio, era preciso ser confirmado. E nem sempre os vitoriososeram aprovados. Ganhavam, mas no levavam!

    Embora j se votasse desde o perodo colonial, o ttulo de eleitor s foiinstitudo em 1881. Nele s constavam nome, data de nascimento, filiao,estado civil e profisso. Mas, note bem, no havia o retrato do eleitor! Essasituao permaneceu na Repblica, o que dava margem a inmeras fraudes. Nomomento do alistamento, na votao, na contagem dos votos e na elaborao dasatas com os resultados finais das eleies, criavam-se nomes falsos, votavamdefuntos, somava-se errado. Era a chamada eleio a bico de pena.

    A poltica dos governadores tinha como objetivo en-contrar uma sada para esses problemas. Ela deveria, antesde mais nada, fortalecer a posio do presidente da Rep-blica e dos governadores de Estado em face dos deputados.Mas como isso seria feito? Mediante um acordo que elimi-naria as brigas, mas no necessariamente as fraudes.

    No momento das eleies para o Legislativo federal, osgovernadores fariam a lista dos candidatos dos seus respec-tivos Estados que deveriam ser eleitos. Uma vez eleitos,esses parlamentares tinham a obrigao de apoiar sempreo presidente da Repblica. Em troca, o governo federaldava total liberdade ao governador do Estado que o estavaapoiando para controlar seus opositores e promover perse-guies polticas e violncias. Alm disso, tambm eramconcedidos, ao governador, verbas para a realizao deobras e o direito de nomeao para cargos pblicos.

    Esse tipo de acordo tambm acontecia entre os gover-nadores e os chefes municipais os prefeitos e entre osprefeitos e os seus amigos coronis, grandes proprietri-os rurais que controlavam os eleitores.

    Como voc pode perceber, existia uma corrente em quecada um trocava favores com outros. O nome desse acordoera pacto oligrquicopacto oligrquicopacto oligrquicopacto oligrquicopacto oligrquico. Ele tinha por base o compromissocoronelstico, ou seja, a troca de favores polticos entre asoligarquias e os coronis.

    Em tempo

    O jogo de cartasmarcadas naseleies da PrimeiraRepblica.Fonte: Isabel Lustosa

  • 21A U L AEsse tipo de comportamento foi retratado em muitas obras da literaturaliteraturaliteraturaliteraturaliteratura

    brasileira brasileira brasileira brasileira brasileira e em programas de TVprogramas de TVprogramas de TVprogramas de TVprogramas de TV. A novela Gabriela, inspirada num livro deJorge Amado, nos mostra a atuao de vrios personagens desse sistema. RamiroBastos, grande fazendeiro de cacau e chefe poltico do municpio de Ilhus,controla toda a vida local, lidera outros coronis e persegue duramente seusadversrios polticos, com a concordncia do governador.

    Voc conhece outros exemplos?

    O federalismo desigual

    Mas importante compreender que nesse acordo entre as oligarquias nohavia uma igualdade em todo o pas. Existiam grupos regionais que eram muitomais poderosos que outros, dependendo dos Estados que controlavam. Porexemplo: as oligarquias de So Paulo e Minas Gerais tinham uma posioprivilegiada, e por isso esses Estados eram chamados de primeira grandeza.

    A seguir, tnhamos os Estados de segunda grandeza. O Rio Grande do Sulocupava uma posio especial nesse grupo, que compreendia ainda os Estadosda Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco. Por fim, vinham os chamados estadossatlites, de poder poltico e econmico reduzido.

    Como voc pode ver, existia uma hierarquia hierarquia hierarquia hierarquia hierarquia entre os Estados. Conseqen-temente, o grau de autonomia de cada um era diferente. De fato, a descentralizaodefinida pela Constituio de 1891 estabelecia um federalismo desigual, pois osEstados mais fracos no tinham autonomia e sofriam constantes intervenes dogoverno federal, controlado em geral pelas oligarquias de Minas e So Paulo.

    Na obra Terras do sem fim, ao relatar conflitos polticos em Ilhus, o autorJorge Amado usa o personagem Virglio, advogado contratado pelos coronis,para anunciar esta ameaa:

    O governo estadual se afastava cada vez mais do federal e era certo paraquem tivesse viso que no ia poder se manter no poder nas prximas eleies.Ou talvez casse antes. Havia na Bahia quem falasse que haveria intervenofederal no Estado.

    Em tempo

    Em tempo

    esquerda, acaricatura deNogueira Accioly,dono do Cear. direita, caricaturado oligarcapernambucano,Rosa e Silva,abraando o Piau.

  • 21A U L A A poltica dos governadores foi eficaz porque conseguiu resolver alguns

    problemas que ameaavam a estabilidade da Repblica brasileira. Ao mesmotempo, seu funcionamento resultou no enorme fortalecimento dos grupos leaisao governo a situaosituaosituaosituaosituao em detrimento dos grupos de oposiooposiooposiooposiooposio. Com isso,tornava-se praticamente impossvel o rodzio do poder, um dos fundamentos doEstado democrtico.

    Essa forma de fazer poltica dificultou muito a organizao e o fortalecimen-to dos partidos polticos no Brasil. Durante a Primeira Repblica, no se desen-volveram partidos nacionais, apenas partidos regionais, com programas nodefinidos. Esses partidos baseavam suas prticas na troca de favores, no dando que se recebe. Outra conseqncia foi a excluso da participao polticaimposta s camadas populares, que se sentiam pouco estimuladas e muitorestringidas.

    verdade que o crescimento das cidades e a diferenciao das atividades,especialmente a expanso da indstria e do comrcio, permitiram o desenvolvi-mento de movimentos da classe trabalhadora, como greves, quebra-quebras,iniciativas de organizao sindical. Nos centros urbanos, a liberdade de circula-o de pessoas e de idias era muito maior. Mas, com tudo isso, a vida polticano se diferenciava muito daquela que vigorava no interior rural.

    Mesmo no Rio de Janeiro, capital da Repblica e principal centro do pas, aseleies, como diz o historiador Jos Murilo de Carvalho, eram uma operaode capangagem, pois os chefes polticos das diferentes freguesias da cidadecriavam constantes tumultos para evitar a participao de seus opositores,especialmente se pertencessem s camadas populares.

    Hoje vimos o modo de fazer poltica na Primeira Repblica. Na prximaaula, examinaremos como os grupos dirigentes brasileiros enfrentaram asquestes econmicas que ameaavam a estabilidade do regime republicano.

    Exerccio 1Exerccio 1Exerccio 1Exerccio 1Exerccio 1Releia o item Vamos acabar com a instabilidade! A poltica dos governado-Vamos acabar com a instabilidade! A poltica dos governado-Vamos acabar com a instabilidade! A poltica dos governado-Vamos acabar com a instabilidade! A poltica dos governado-Vamos acabar com a instabilidade! A poltica dos governado-resresresresres e explique por que a poltica dos governadores eliminou as brigas masmanteve as fraudes.

    Exerccio 2Exerccio 2Exerccio 2Exerccio 2Exerccio 2D um novo ttulo a esta aula.

    ltimaspalavras

    Exerccios

  • 22A U L A

    Algum j disse, com razo, que todobrasileiro , ou gostaria de ser, tcnico de futebol. Basta a seleo brasileira jogarpara todo mundo comear a dar palpite. Somos grandes palpiteiros.

    Ultimamente, uma das manias nacionais tem sido falar tambm sobre aeconomia brasileira. Em todos os telejornais existe a figura do comentaristaeconmico. Muitos de ns j esto mais familiarizados com a difcil linguagemdos economistas, o economseconomseconomseconomseconoms. Nestes tempos de sucessivos planos econmi-cos, de forte presena do Estado na definio dos rumos da economia, muitossabem que qualquer medida do governo pode afetar a vida de muita gente. natural, por conseguinte, tanto interesse.

    Na Primeira Repblica, a histria era outra. Poltica econmica era um temapara poucos. O caf era o eixo fundamental da nossa economia, e o poder pblicointerferia bem menos que nos dias de hoje.

    Nesta aula, veremos como o Estado se fazia presente naquela economiaagroexportadora. Examinaremos ainda os principais fatores responsveis pelaexpanso da indstria nas primeiras dcadas do sculo XX.

    Salvar o caf

    O Imprio caiu, mas o rei caf no perdeu a majestade. Na dcada de 1890,a produo cafeeira viveu um crescimento vertiginoso. A produo mdiaaumentou de 6,5 milhes de sacas entre 1891 e 1895 para 11,7 milhes entre 1896e 1902.

    Esse fato certamente est relacionado, entre outros fatores, ao aumento daprocura do produto no plano internacional e, ainda, ao grande movimento deimigrao naquela ltima dcada do sculo XIX.

    Entre 1888 e 1900 [ingressaram no Brasil] cerca de 1.400.000 pessoas, das quais890.000 se fixaram em So Paulo.Joo Manuel Cardoso de Mello, Joo Manuel Cardoso de Mello, Joo Manuel Cardoso de Mello, Joo Manuel Cardoso de Mello, Joo Manuel Cardoso de Mello, O capitalismo tardio, O capitalismo tardio, O capitalismo tardio, O capitalismo tardio, O capitalismo tardio, p. 124p. 124p. 124p. 124p. 124

    Estava finalmente equacionado o problema da falta de braos para a lavouracafeeira, que por muito tempo havia atormentado o esprito dos produtores.

    Estado e economiana Primeira Repblica

    22A U L A

    Abertura

    Movimento

  • 22A U L A A euforia expansionista logo enfrentaria problemas. O grande aumento da

    produo, ao lado da diminuio da procura, foi responsvel por uma quedaacentuada dos preos no mercado internacional. O recurso utilizado paracompensar as perdas eram as constantes desvalorizaes da moeda nacional queocorriam naqueles difceis anos iniciais da Repblica.

    A desvalorizao da moeda nacional tem reflexos importantes na economiade um pas. Um deles o encarecimento dos produtos importados, o queprejudica os importadores e consumidores desses bens.

    J para os exportadores, a desvalorizao torna-se lucrativa, pois lhesgarante mais recursos na converso da moeda internacional pela nacional.

    Assim, naqueles tempos de queda nos preos do caf, a desvalorizao damoeda era muito bem vista pelos cafeicultores. Dessa forma, eles podiam mantersuas margens de lucro. Isso no ocorreria se houvesse uma poltica de valoriza-o da moeda, pois eles seriam obrigados a arcar com seus prejuzos.

    Essa situao, no entanto, no durou muito tempo. Na gesto do presidenteCampos Sales (1898-1902), adotou-se um rgido programa econmico voltadopara enfrentar os problemas decorrentes do desequilbrio das contas do governoe da virtual incapacidade do pas de honrar seus compromissos externos.

    Para isso, Campos Sales obteve um emprstimo externo de 10 milhes delibras. Em troca, o governo comprometeu-se a acertar as contas externas e aestabilizar a economia por meio de uma poltica contencionista, deflacionriadeflacionriadeflacionriadeflacionriadeflacionria,que retirava parte do papel-moeda de circulao.

    Isso significava, tambm, uma poltica de valorizao da moedavalorizao da moedavalorizao da moedavalorizao da moedavalorizao da moeda. Essapoltica, como sabemos, afetava a j debilitada debilitada debilitada debilitada debilitada economia cafeeira.

    A situao do caf tornou-se ainda mais crtica no governo de RodriguesAlves (1902-1906). A queda acentuada de preos no abalou a deciso dopresidente da Repblica, que se recusava a proteger o produto por meio dadesvalorizao da moeda ou de qualquer outro mecanismo de natureza econ-mica.

    Diante disso, os Estados de So Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiroreuniram-se na cidade paulista de Taubat para adotar uma nova polticacafeeira. Foi ento assinado o Convnio de TaubatConvnio de TaubatConvnio de TaubatConvnio de TaubatConvnio de Taubat (1906), que estabeleceu asseguintes diretrizes: a crise era de tal ordem que se fazia necessria a interveno dointerveno dointerveno dointerveno dointerveno do

    poder pblico no mercadopoder pblico no mercadopoder pblico no mercadopoder pblico no mercadopoder pblico no mercado;

    os Estados deveriam obter um emprstimo externo para comprar e estocarcomprar e estocarcomprar e estocarcomprar e estocarcomprar e estocaros excedentes de cafos excedentes de cafos excedentes de cafos excedentes de cafos excedentes de caf;

    era necessrio criar mecanismos que impedissem a excessiva valorizaoexcessiva valorizaoexcessiva valorizaoexcessiva valorizaoexcessiva valorizaoda moeda da moeda da moeda da moeda da moeda e novas crises de superproduonovas crises de superproduonovas crises de superproduonovas crises de superproduonovas crises de superproduo.

    Esboava-se a uma poltica de valorizao do cafpoltica de valorizao do cafpoltica de valorizao do cafpoltica de valorizao do cafpoltica de valorizao do caf. Mas, como os Estadosde Minas Gerais e Rio de Janeiro no assumiram de fato a orientao doconvnio, So Paulo tratou de agir. Obteve emprstimos externos e,

    em fim de 1907 (...) comprou cerca de 8,2 milhes de sacas [de caf], que foramarmazenadas nas principais cidades da Europa e dos Estados Unidos.Boris Fausto, Boris Fausto, Boris Fausto, Boris Fausto, Boris Fausto, Histria do Brasil, Histria do Brasil, Histria do Brasil, Histria do Brasil, Histria do Brasil, p. 267p. 267p. 267p. 267p. 267

    Em tempo

    Desvalorizarnossa moeda quer

    dizer que ela valermenos em relao moeda de outro

    pas, no caso,o dlar.

    Deflacionarquer dizer diminuir

    a quantidade dedinheiro em

    circulao. Quantomais dinheiro

    houver emcirculao, maior

    a chance deaumentar a

    inflao.

    Pintura a leo deCndido Portinari

  • 22A U L AS em 1908, no governo do presidente Afonso Pena (1906-1909), o governo

    federal avalizou o emprstimo de 15 milhes de libras que o Estado de So Paulorequereu para intervir com maior rigor no mercado do caf.

    Os resultados foram imediatos. J em 1909, os preos comearam a subir e semantiveram em alta at 1912. O sucesso do empreendimento consolidou apresena federal no setor cafeeiro. As crises do caf, a partir de ento, deixaramde ser apenas um problema dos cafeicultores e do Estado de So Paulo: transfor-maram-se em uma questo nacional, assumida pelo governo federal.

    A fora dos interesses cafeicultores expressou-se tambm em 1921, quandonovamente o governo federal interveio no mercado e promoveu novas valo-valo-valo-valo-valo-rizaes do produtorizaes do produtorizaes do produtorizaes do produtorizaes do produto.

    Em sntese, como se percebe, no foram muito fceis as relaes do governofederal com os interesses do caf. Entre 1898 e 1906, o poder pblico federal optoupor adotar ou manter programas de estabilizao econmica. Com isso, teve deenfrentar fortes presses do setor cafeeiro, interessado em medidas que prote-gessem o produto, como a desvalorizao da moeda. Aps o Convnio deTaubat, o setor obteve vitrias expressivas at assegurar a garantia do governofederal.

    A partir da, a poltica econmica brasileira adotou uma postura de maiorproteo ao caf at meados da dcada de 1920, quando o Estado de So Pauloassumiu a defesa permanente do produto.

    Nas prximas aulas, voc ver que ocorreram novos embates entre o setorcafeeiro e o governo federal no final da dcada de 1920.

    Tudo isso nos leva a duas importantes concluses sobre as relaes doEstado com os interesses cafeeiros nas primeiras dcadas republicanas. Primei-ra: eram inegveis a fora e a importncia do setor cafeeiro, que teve na elitepoltica paulista seu principal porta-voz. Segunda: no houve, por parte dogoverno federal, mesmo nos governos de presidentes paulistas, uma defesaintransigente e permanente do caf. Ocorreu o que o economista Winston Fritschchamou de uma poltica cambiante, que ora agia no sentido de garantir oequilbrio econmico, ora protegia o caf (Winston Fritsch, Sobre as interpretaestradicionais sobre a lgica da poltica econmica na Primeira Repblica, p. 342).

    Isso nos leva a crer, portanto, que o governo federal, mesmo reconhecendoa fora do caf e atendendo vrias vezes s suas reivindicaes, no podia deixarde levar em conta o equilbrio econmico e outros interesses que tambm opressionavam, no plano externo e interno.

    Fazendeiro decaf inspecionaa plantao.

  • 22A U L A

    Explique o que voc entendeu por poltica de valorizao do caf.

    Expanso industrial e urbana

    Na passagem do sculo XIX para o sculo XX, outros produtos primriosse destacaram na nossa pauta de exportaes. Dois deles merecem ser citados:o cacau e a borracha. O primeiro cresceu no sul da Bahia, embalado pelo aumentodo mercado externo.

    A produo baiana atingiu a marca de 13.000 toneladas, recriando passageira-mente, com as importaes inglesas, a prosperidade dos latifundirios daquelaregio. Logo depois [por volta de 1900], os ingleses, que haviam investido naCosta do Ouro, sua colnia, deixaram de importar, o que levou estagnao e crise da produo baiana.Francisco Alencar e outros, Francisco Alencar e outros, Francisco Alencar e outros, Francisco Alencar e outros, Francisco Alencar e outros, Histria da sociedade brasileiraHistria da sociedade brasileiraHistria da sociedade brasileiraHistria da sociedade brasileiraHistria da sociedade brasileira, p. 191, p. 191, p. 191, p. 191, p. 191

    A produo da borracha na Amaznia no foi muito diferente da do cacaubaiano. Aps um breve perodo de grande expanso, que se prolongou do fim dosculo passado at 1914, a produo entraria em franca decadncia comoresultado da forte concorrncia externa das colnias inglesas, francesase holandesas.

    Mas, se nessas regies parecia que a histria brasileira se repetia como nostempos da Amrica portuguesa, em algumas grandes cidades do Sudeste asituao era bem diferente.

    Vivia-se uma poca de transformaes nos costumes, no comportamento,muito impulsionadas pelas novas tecnologias e pelo clima de otimismoque aqui chegavam.

    Era a poca do progresso, no mundo e no Brasil.

    A euforia tomou conta do planeta. (...) Os povos sadam, cheios de encantamen-to, o advento do sculo XX.(...) De repente, aps milnios de civilizao, o homem tinha em seu poderengenhos inacreditveis: um carro que anda sem precisar de cavalos, um fio queinstantaneamente transmite mensagens de um continente a outro, uma lmpa-da sem gs, nem pavio, um aparelho para conversar com pessoas a longadistncia, outro para tirar retratos perfeitos como um espelho, (...) uma telamgica onde so projetadas imagens de pessoas, bichos e coisas movendo-seanimadamente, igualzinho vida real... E para coroar este festival de deslum-bramento, vira realidade o mais caro sonho do ser humano: voar!Nosso Sculo: 1900-1910, Nosso Sculo: 1900-1910, Nosso Sculo: 1900-1910, Nosso Sculo: 1900-1910, Nosso Sculo: 1900-1910, p. 55p. 55p. 55p. 55p. 55

    Em meio a tudo isso, cresciam tambm as atividades industriais, especial-mente nas cidades do Rio de Janeiro e So Paulo. Pouco a pouco, a economiaagroexportadora brasileira se modernizava.

    Na Aula 18, vimos que, na segunda metade do sculo XIX, surgiramalguns empreendimentos industriais. No final do sculo, com o avano daimigrao estrangeira, a atividade industrial brasileira ganhou corpo. As cida-des cresciam de importncia e, com elas, ampliava-se o mercado consumidor.

    Foi na maior dessas cidades, o Rio de Janeiro, que a atividade industrial sedesenvolveu com maior fora naquele final do sculo XIX e incio do sculo XX.

    Em tempo

    Pausa

  • 22A U L AAlm do mercado consumidor em franca expanso, havia, na capital federal,

    comerciantes e banqueiros que se interessavam em investir parte de seus capitaisem novas atividades, como as industriais.

    Formaram-se, assim, tanto grandes fbricas produtoras de tecidos e cervejae grandes moinhos de trigo como pequenas e mdias oficinas produtoras decalados.

    Em So Paulo, a indstria tambm acompanhou a expanso da cidade. BorisFausto afirma que, de 1890 para 1900,

    a populao paulistana passou de 64.934 para 239.820 habitantes, registrandouma elevao de 268% em dez anos...Boris Fausto, Boris Fausto, Boris Fausto, Boris Fausto, Boris Fausto, Histria do BrasilHistria do BrasilHistria do BrasilHistria do BrasilHistria do Brasil, p. 286, p. 286, p. 286, p. 286, p. 286

    Esse espetacular crescimento se relacionava ao enorme impulso que o cafalcanara nas terras paulistas naquela passagem do sculo XIX para o XX.E, sombra do caf, cresceria a indstria paulista sombra do caf, cresceria a indstria paulista sombra do caf, cresceria a indstria paulista sombra do caf, cresceria a indstria paulista sombra do caf, cresceria a indstria paulista. Vejamos como isso ocorreu.

    Como voc j deve saber, formou-seem So Paulo um conjunto de atividadeseconmicas que giravam em torno do caf.Alguns autores chamaram esse conjunto,que envolvia a produo, a distribuio, ofinanciamento e a comercializao do pro-duto, de complexo cafeeirocomplexo cafeeirocomplexo cafeeirocomplexo cafeeirocomplexo cafeeiro.

    Todas essas atividades foram funda-mentais para a criao de fatores respon-sveis pela expanso industrial. Porexemplo: com a grande imigrao para asatividades cafeeiras, criava-se um merca-do consumidor para os produtos industri-ais; com a expanso das estradas de ferro,ampliava-se o mercado para o interior doEstado.

    Alm disso, os capitais investidos nocaf passaram tambm a ser aplicados naindstria.

    Expanso urbanano comeo dosculo XX.Fonte: Nosso Sculo

    Fbrica emSo Paulo.

  • 22A U L A O papel dos imigrantes na industrializao de So Paulo foi dessa forma

    descrito por Boris Fausto:

    Os imigrantes surgem nas duas pontas da indstria, como donos de empresa eoperrios. (...) Eles tiveram um papel fundamental nas empresas manufatureirasda cidade de So Paulo, nas quais, em 1893, 70% de seus integrantes eramestrangeiros.Boris Fausto, Boris Fausto, Boris Fausto, Boris Fausto, Boris Fausto, Histria do Brasil, Histria do Brasil, Histria do Brasil, Histria do Brasil, Histria do Brasil, p. 287p. 287p. 287p. 287p. 287

    A indstria paulista, que pela fora do caf logo tornou-se a mais importantedo pas, tambm se caracterizou como uma indstria de bens de consumo no-durveis (tecidos, alimentos).

    Com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), esses ramos da indstriabrasileira ganharam maior fora. O conflito internacional diminua a concorrn-cia externa e permitia uma ocupao maior do mercado brasileiro por produtosnacionais.

    Mas foi apenas no ps-guerra que se iniciou um processo mais consistentede mudana do perfil limitado da nossa indstria. Na dcada de 1920, foi criadaa primeira indstria siderrgica no pas, a Belgo-Mineira. Iniciava-se assim aimplantao da chamada indstria de baseindstria de baseindstria de baseindstria de baseindstria de base, fundamental para romper com adependncia externa e garantir um ritmo mais acelerado de desenvolvimento.

    Voc saberia dizer quais so os limites de uma industrializao baseadaapenas nos bens de consumo no-duravis?

    Sabe de cabea?timo! Responda logo para no esquecer.No sabe ainda? Pense um pouco, discuta com seus companheiros de

    trabalho, pesquise nos livros de Histria.

    Para finalizar, voltemos ao Estado.O Estado procurou, muitas vezes, proteger o caf. O que dizer de sua relao

    com a indstria? O Estado tambm protegeu, ou simplesmente desconheceu aimportncia das atividades industriais?

    Essa uma antiga controvrsia entre os historiadores, que se prolonga athoje. H os que afirmam o carter inteiramente antiindustrializante da polticagovernamental, e os que dizem que no era bem assim, que a poltica dedesvalorizao do cmbio encarecia os produtos importados e assim defendia aindstria nacional.

    Em um ponto, porm, h consenso: no havia uma poltica de estmulos no havia uma poltica de estmulos no havia uma poltica de estmulos no havia uma poltica de estmulos no havia uma poltica de estmulos indstriaindstriaindstriaindstriaindstria. Ela no era a prioridade do governo naquelas dcadas de predomnioda agroexportao.

    Na prxima aula, estudaremos um pouco a vida da sociedade industrialbrasileira: o empresariado e o mundo do trabalho. No perca!

    Exerccio 1Exerccio 1Exerccio 1Exerccio 1Exerccio 1Releia o item Expanso industrial e urbanaExpanso industrial e urbanaExpanso industrial e urbanaExpanso industrial e urbanaExpanso industrial e urbana e explique a frase contida notexto da aula: ... sombra do caf, cresceria a indstria paulista.

    Exerccio 2Exerccio 2Exerccio 2Exerccio 2Exerccio 2Releia o item Salvar o cafSalvar o cafSalvar o cafSalvar o cafSalvar o caf e explique por que os Estados de So Paulo,Minas Gerais e Rio de Janeiro promoveram uma ampla interveno no setorcafeeiro no governo do presidente Rodrigues Alves.

    Em tempo

    ltimaspalavras

    Exerccios

    Em tempo

    Chamamosindstria de base

    aquela que cria ascondies para odesenvolvimentoindustrial. So as

    que operam aextrao de

    minrios paraoutros setores

    industrias.

  • 23A U L A

    Vamos viajar hoje pelo mundo da fbrica.Imagine-se como um trabalhador que ingressa pela primeira vez em uma grandeindstria. Voc, como qualquer outro novato, ficaria certamente atordoado como barulho daquelas mquinas modernas e com o trabalho incessante dos oper-rios. Tudo funciona como um relgio; cada minuto importante; o tempo racionalizado; as mquinas ditam o ritmo da produo; o trabalho coletivo edisciplinado.

    Se, nos dias de hoje, tempo das novas tecnologias e da informtica, ainda nosimpressionamos com tudo isso, imagine o impacto que a introduo do sistemade fbrica deve ter causado muito tempo atrs na Europa, no incio do sculoXIX, e no Brasil, cerca de cem anos depois.

    Como ser que era viver essa nova realidade? Um importante escritorfrancs, perplexo com a grande indstria inglesa, assim descreveu o mundofabril:

    Desta vala imunda a maior corrente da indstria humana flui para fertilizar omundo todo. Deste esgoto imundo jorra ouro puro. Aqui a humanidade atingeo seu mais completo desenvolvimento e sua maior brutalidade; aqui a civilizaofaz milagres e o homem civilizado torna-se quase um selvagem.Alexis de Tocqueville, 1835, citado por Eric Hobsbawm, Alexis de Tocqueville, 1835, citado por Eric Hobsbawm, Alexis de Tocqueville, 1835, citado por Eric Hobsbawm, Alexis de Tocqueville, 1835, citado por Eric Hobsbawm, Alexis de Tocqueville, 1835, citado por Eric Hobsbawm, A era dasA era dasA era dasA era dasA era dasrevoluesrevoluesrevoluesrevoluesrevolues, p. 43, p. 43, p. 43, p. 43, p. 43

    Nesta aula, vamos estudar algumas caractersticas bsicas da sociedadeindustrial. Vamos ver tambm como determinados segmentos da sociedadebrasileira viveram todas essas transformaes no incio do sculo XX.

    Sociedade industrial

    Charles Chaplin lanou, em 1936, uma de suas obras-primas: o filmeTempos Modernos. Nele, Chaplin apresenta o mundo moderno industrial deforma potica e crtica. H cenas que se tornaram clssicas na histria do cinemamundial; em uma delas, o protagonista, Carlitos, se v engolido pelas enormesengrenagens industriais; em outra, enlouquece e sai apertando parafusos imagi-nrios por toda parte. No filme, no so os homens, mas as mquinas queemitem sons.

    23A U L A

    Abertura

    Movimento

    A formaoda sociedade

    industrial brasileira

    Em tempo

  • 23A U L A Os dramas contidos no filme de Chaplin eram parte constitutiva daquela

    nova sociedade urbano-industrial que se gerara na Europa desde a RevoluoIndustrial. Com a introduo da mquina no processo produtivo, as sociedadeshumanas mudaram o rumo da histria, pois tornaram-se

    capazes da multiplicao rpida, constante e at o presente ilimitada, de homens,servios e mercadorias.Eric Hobsbawm, Eric Hobsbawm, Eric Hobsbawm, Eric Hobsbawm, Eric Hobsbawm, A era das revoluesA era das revoluesA era das revoluesA era das revoluesA era das revolues, p. 44, p. 44, p. 44, p. 44, p. 44

    Com a Revoluo Industrial, a fbrica transforma-se na sede da novasociedade. Nela so geradas muitas mudanas. O trabalho torna-se cada vezmais coletivo e intenso. O mercado em expanso exige novos mtodos queracionalizem o esforo dos operrios. O tempo passa a ser visto como o tempo dafbrica.

    Na sociedade pr-industrial, a noo de tempo era bem diferente. A vida eo trabalho no tinham o carter de regularidade como na fbrica. Depen-dendo da atividade, o trabalhador poderia passar determinadas pocas semnenhuma ocupao. Era muito comum o trabalho por tarefas, e muitas pessoasfaziam seu prprio horrio.

    Essa cultura no condizia com a sociedade industrial. Com a fbrica, criou-se um discurso em favor do tempo til, contra a ociosidade. Repare no texto aseguir:

    Preguia, silenciosa assassina, no mais tenhas minha mente aprisionadaNo me deixes nenhuma hora mais contigo, sono traidorCitado por Edgar de Decca, Citado por Edgar de Decca, Citado por Edgar de Decca, Citado por Edgar de Decca, Citado por Edgar de Decca, O nascimento da fbrica, O nascimento da fbrica, O nascimento da fbrica, O nascimento da fbrica, O nascimento da fbrica, p. 16p. 16p. 16p. 16p. 16

    Em meio a tudo isso, formava-se o empresariado industrial, que se apro-priou das idias baseadas na livre iniciativalivre iniciativalivre iniciativalivre iniciativalivre iniciativa para romper com os monoplios eentraves produzidos pelo Estado.

    As relaes de trabalho tambm sofreram profundas alteraes no mundoda fbrica. Entrou em cena o contrato de trabalhocontrato de trabalhocontrato de trabalhocontrato de trabalhocontrato de trabalho entre o empresrio e otrabalhador. Nele, estabeleceu-se um acordo com regras fixas e objetivas (valordo salrio, horas de trabalho, punies).

    Agora, a tendncia era o afastamento do empresrio do contato direto comseus empregados. Reduziu-se o carter paternalista to presente no mundo pr-industrial. Estavam fixadas as bases da sociedade liberal-capitalista.

    Essas transformaes no foram vividas sem problemas nas sociedadeseuropias. Na Inglaterra, no final do sculo XVIII e incio do sculo XIX, iniciou-se um movimento de quebra de mquinas; protestava-se contra a perda depostos de trabalho e contra a rgida disciplina estabelecida pela fbrica; nessemovimento,

    os quebradores de mquinas distinguiram entre aqueles tornos de fiar(...) apropriados para a produo domstica, e que no destruam, eaqueles outros mais amplos, apropriados exclusivamente para a suautilizao em fbricas, que destruamDavid Dickson citado por Edgar de Decca, David Dickson citado por Edgar de Decca, David Dickson citado por Edgar de Decca, David Dickson citado por Edgar de Decca, David Dickson citado por Edgar de Decca, O nascimento da fbrica, O nascimento da fbrica, O nascimento da fbrica, O nascimento da fbrica, O nascimento da fbrica, p. 31p. 31p. 31p. 31p. 31

    Em tempo

    Livre iniciativa uma crena

    na liberdade decomrcio e

    de produo. Deacordo com ela,

    cada vez menos oEstado intervm

    nas atividadeseconmicas da

    sociedade.

  • 23A U L AGradativamente, o operariado ingls buscou novas formas de organizao

    para resistir s enormes jornadas de trabalho e s pssimas condies de vida.Era o incio do movimento sindicalmovimento sindicalmovimento sindicalmovimento sindicalmovimento sindical, que se desenvolveu na Inglaterra e emvrios outros pases europeus no decorrer do sculo XIX.

    Paralelamente, surgiram correntes ideolgicas anticapitalistas, organiza-das em movimentos ou partidos polticos, que passaram a exercer forte influn-cia no movimento sindical. Entre outras, destacaram-se as correntes anarquistaanarquistaanarquistaanarquistaanarquista(que defendia a supresso do Estado) e socialista-marxista socialista-marxista socialista-marxista socialista-marxista socialista-marxista (que propunha arevoluo proletria e a instalao de um governo de trabalhadores).

    No final do sculo XIX e incio do sculo XX, o movimento sindical j ganharamaior densidade social e poltica, o que resultou em importantes conquistas paraos trabalhadores.

    Primeiros industriais no Brasil

    Como vimos na Aula 22, foi no final do sculo passado e nas primeirasdcadas do sculo XX que a indstria tornou-se uma realidade na vida dealgumas cidades brasileiras. A partir da, iniciou-se a formao da sociedadeindustrial brasileira, fruto especialmente da ao de dois novos agentes sociais:o empresariado industrial e o operariado.

    No interior daquela sociedade fundada na agroexportao, cresceram asprimeiras indstrias no Brasil. No pas dos bacharis e dos grandes proprietriosrurais, comeava a ganhar forma a figura do industrial. Muitos deles, especial-mente em So Paulo, eram imigrantes que chegaram ao Brasil com algum capitale muita disposio de ganhar dinheiro. Outros tinham origem na agroexportaoe nas casas comerciais.

    No foram poucos os problemas enfrentados pelos primeiros industriais.Um deles era a concorrncia externa, em razo da falta de uma poltica dogoverno federal para proteger a indstria nacional. Outro, contraditoriamente,era a crtica, feita por vrios setores, de que a indstria brasileira era artificial,dependente do governo e responsvel pela carestia. Finalmente, os industriaisenfrentavam a luta operria por melhores salrios e condies de trabalho.

    Correntesideolgicas soformas deexpresso deidias, depropostas, devises de mundoou de governo.

    Jorge Street, um dos pioneiros da industrializao brasileira.

  • 23A U L A Em meio a tudo isso, os empresrios industriais trataram de criar associaes

    de classe para a defesa de seus interesses. Passaram tambm a participar deforma mais ativa no debate sobre o papel da indstria no desenvolvimentobrasileiro. Naquele comeo do sculo XX, destacaram-se alguns polticos elderes de classe que defendiam, alm de tarifas protecionistas, uma polticagovernamental de amparo indstria como forma de reduzir a dependncia dopas em relao aos capitais externos.

    Perante a opinio pblica em geral, e em particular perante os trabalhadores,os industriais tentavam convencer a sociedade de que seu capital, sua riqueza,era fruto exclusivamente de seu esforo pessoal, e no de privilgios governa-mentais. Eram divulgadas histrias de imigrantes que aqui chegaram pobres eque, com seu suor, alcanaram o sucesso.

    Vida operria

    Fbricas de tecidos em So Paulo. Ano: 1912.Inspeo de funcionrios doDepartamento de Trabalho. Trechos do relatrio:

    Uma fbrica: A durao do trabalho dirio de 11 horas teis. Otrabalho interrompido pelo almoo, que dura uma hora e meia, e pelocaf, para o qual os operrios tm direito a um quarto de hora. Trabalhamnesta fbrica 500 operrios, na maioria italianos e espanhis. (...)Impresso desagradvel causa ao visitante o excessivo nmero de meno-res em trabalho (...).Outra fbrica: Os contramestres so todos adultos, de nacionalidadeitaliana e em nmero de 20. Entre os 374 operrios recenseados, anacionalidade predominante italiana, vindo em seguida a espanhola edepois a brasileira: dos brasileiros, 44 so menores de 12 anos.Esquelticos, raquticos, alguns! O tempo de trabalho varia para assees de onze horas e meia a doze horas e meia por dia. (...).Boletim do Departamento Estadual do Trabalho citado por Maria AuxiliadoraBoletim do Departamento Estadual do Trabalho citado por Maria AuxiliadoraBoletim do Departamento Estadual do Trabalho citado por Maria AuxiliadoraBoletim do Departamento Estadual do Trabalho citado por Maria AuxiliadoraBoletim do Departamento Estadual do Trabalho citado por Maria AuxiliadoraGuzzo de Decca, Guzzo de Decca, Guzzo de Decca, Guzzo de Decca, Guzzo de Decca, Indstria, trabalho e cotidianoIndstria, trabalho e cotidianoIndstria, trabalho e cotidianoIndstria, trabalho e cotidianoIndstria, trabalho e cotidiano, p. 39-40, p. 39-40, p. 39-40, p. 39-40, p. 39-40

    Voc, que leu com ateno o documento, percebeu que estamos diante de umbom ponto de partida para estudar o que era a vida operria naquele incio dosculo XX. Vejamos algumas informaes contidas no relatrio acima.

    Nas duas fbricas visitadas, h algumas caractersticas comuns: predomnio deestrangeiros entre os operrios, longa jornada de trabalho e presena significativade menores de idade. Na descrio, percebe-se ainda uma certa crtica utilizaodo trabalho infantil; no h, no entanto, nenhuma meno a multas ou punies.

    Esses dados j nos permitem esboar um breve perfil do operrio de SoPaulo naquelas primeiras dcadas republicanas. Como veremos adiante, acomposio e a atuao dos operrios na cidade do Rio de Janeiro tinhamcaractersticas um pouco diferentes.

    O grande nmero de estrangeiros entre os operrios de So Paulo tem sidodestacado por diversos estudiosos. Com a grande imigrao ocorrida no final dosculo XIX em direo s fazendas de caf, muitos trabalhadores tomaram orumo da cidade em busca de melhores condies de vida. Destaca-se a fortepresena de italianos entre os primeiros operrios.

    O impacto da presena de imigrantes na formao da classe operria em SoPaulo foi expressivo. Foram principalmente eles que difundiram no meio

  • 23A U L Aoperrio as idias de transformao radical da sociedade pela via revolucionria,

    socialista ou anarquista.O anarquismo ganhou fora e logo se transformou na principal corrente

    poltica de base operria. E no era difcil entender por qu.

    Naquela sociedade com um mercado de trabalho em formao, em quepraticamente inexistia qualquer proteo ao trabalhador; em que a utilizao dotrabalho infantil era justificada como forma de se retirar os meninos da rua; emque, em suma, eram extremamente duras as condies de trabalho, as idias desupresso do Estadosupresso do Estadosupresso do Estadosupresso do Estadosupresso do Estado e de todas as formas de repressotodas as formas de repressotodas as formas de repressotodas as formas de repressotodas as formas de represso encontravam boareceptividade. Governo e patres eram vistos como inimigos que deveriam sercombatidos a todo custo.

    Os anarquistas no confiavam nas instituies liberais. Desprezavam ospolticos, os partidos e o parlamento. Defendiam a atuao sindical de resistnciae combatiam tanto as correntes que defendiam a existncia de um partido operriocomo os sindicatos ou associaes de carter assistencialista. Tiveram ainda umimportante papel nas tentativas de organizao operria em nvel nacional.

    Por tudo isso, as lideranas anarquistas foram bastante perseguidas pelosempresrios e pelo governo. Na grande imprensa, sua imagem era apresentadacomo a de um terrorista estrangeiro que vinha destruir a paz existente nasrelaes entre os operrios brasileiros e seus patres. At foram criadas nessapoca leis de expulso do pas de lideranas operrias estrangeiras, com oobjetivo de enfraquecer a corrente anarquista.

    Imagem doanarquista terrorista.Fonte: Nosso Sculo

  • 23A U L A A educao do trabalhador era outra preocupao bsica do anarquismo.

    Para os anarquistas,

    a luta s se faria, e principalmente a nova sociedade s se implantaria, sehouvesse uma transformao profunda no homem trabalhador. O que o projetoanarquista almejava era uma revoluo social e no apenas uma revoluopoltica. Da o privilgio da educao entendida como ampla formao cultural.O fato de terem sido os anarquistas os principais pioneiros em atividades comoteatro, educao musical, prticas de leitura, criao de escolas e universidadespopulares, no casual. E, por esta razo, no casual tambm que velhosmilitantes operrios, anarquistas ou no, considerem at hoje que foi educandoque os libertrios mais contriburam para a constituio da identidade da classetrabalhadora..Angela Gomes, Angela Gomes, Angela Gomes, Angela Gomes, Angela Gomes, A inveno do trabalhismoA inveno do trabalhismoA inveno do trabalhismoA inveno do trabalhismoA inveno do trabalhismo, p. 92, p. 92, p. 92, p. 92, p. 92

    J na cidade do Rio de Janeiro, houve maior diversidade entre as correntesque disputavam o controle do movimento operrio. Para o historiador BorisFausto, a menor presena do anarquismo na capital pode ser explicada pelo fatode que o operariado carioca

    se concentrava em atividades vitais dos servios (ferrovirios, martimos edoqueiros), [sendo por isso] tratados com um mnimo de considerao pelogoverno. Havia tambm no Rio maior contingente de trabalhadores nacionaisimbudos de uma tradio paternalista nas relaes com os patres e o governo.Boris Fausto, Boris Fausto, Boris Fausto, Boris Fausto, Boris Fausto, Histria do Brasil, Histria do Brasil, Histria do Brasil, Histria do Brasil, Histria do Brasil, p. 209p. 209p. 209p. 209p. 209

    Esse fato foi, em parte, responsvel tambm pela emergncia de correntespolticas no revolucionrias, que buscavam menos o confronto e mais a nego-ciao. Eram chamados, pejorativamente, de amarelos pelas tendncias maisradicais.

    Everaldo Dias Evaristo de MoraisJos OiticicaAntonio Piccarolo

    Todos esseshomens eram

    anarquistas, menosAntonio Piccarolo eEvaristo de Morais,

    que eramsocialistas.

    Em tempo

    Gigi Damiani Edgard Levenroth Otvio Brando Astrojildo Pereira

  • 23A U L AA despeito da represso governamental e patronal e das enormes dificulda-

    des de organizao da resultantes, os movimentos sindicais paulista e cariocativeram condies, no decorrer da dcada de 1910, de obter maior apoio entre ostrabalhadores, tornando-se, inclusive, capazes de liderar importantes movi-importantes movi-importantes movi-importantes movi-importantes movi-mentos grevistas entre os anos de 1917 e 1920mentos grevistas entre os anos de 1917 e 1920mentos grevistas entre os anos de 1917 e 1920mentos grevistas entre os anos de 1917 e 1920mentos grevistas entre os anos de 1917 e 1920.

    Para isso, foi importante a divulgao, pelos anarquistas, de um conjunto deidias que procurava reforar uma imagem positiva do trabalhador como

    um homem honesto, mas explorado econmica e socialmente e, por isso mesmo,digno do maior respeito e ateno por parte da sociedade em geral..Angela Gomes, Angela Gomes, Angela Gomes, Angela Gomes, Angela Gomes, A inveno do trabalhismoA inveno do trabalhismoA inveno do trabalhismoA inveno do trabalhismoA inveno do trabalhismo, p. 90, p. 90, p. 90, p. 90, p. 90

    Dessa forma, combatia-se a imagem, difundida pelo governo e pela grandeimprensa, que apresentava o trabalhador brasileiro como vtima da ao debaderneiros e terroristas.

    A ascenso do movimento sindical brasileiro, bom lembrar, no foi um fatoisolado: naqueles anos, em boa parte da Europa, explodiam movimentos detrabalhadores impulsionados pela vitria do socialismo na Rssia. *Por sinal,como resultado direto da implantao do socialismo naquele pas europeu,criou-se, em 1922, o Partido Comunista do Brasil (PCB) que, em pouco tempo,passou a disputar, principalmente com os anarquistas, o controle do movimentosindical.

    A maior presena do movimento operrio na cena poltica teve por resultadoa aprovao, pelo Congresso, de algumas leis trabalhistas, como a lei de friaspara trabalhadores da indstria e do comrcio e as limitaes ao trabalho dosmenores. A regulamentao e aplicao dessas leis encontrou forte resistnciado empresariado.

    Vejamos agora, para finalizar, alguns aspectos da vida operria fora dasfbricas e dos sindicatos.

    Nas grandes cidades, a habitao tpica dos trabalhadores urbanos era a casade cmodos ou cortio, localizada, em geral, em reas centrais prximas aoslocais de trabalho. Em algumas fbricas mais distantes do centro, e mesmo nointerior, muitas vezes foram criadas vilas operrias que permitiam melhoresacomodaes que os cortios e uma maior possibilidade de controle da mo-de-obra por parte dos empresrios.

    Nos cortios e vilas, os operrios utilizavam seu tempo livre nos times defutebol, nas associaes recreativas, casas de jogos, cordes carnavalescos etc.

    Vila operriae chamin daCia. Nacional deTecidos de Juta,em So Paulo.

  • 23A U L A Em seu bairro ou em sua cidade, possvel que exista ainda hoje, funcionan-

    do ou no, uma fbrica que foi fundada nas primeiras dcadas do sculo XX. Faauma pequena pesquisa sobre ela. Verifique se existia, nas proximidades, umavila operria. Anote o ano da fundao da fbrica, seus fundadores, o nmero deoperrios, e como era a vida daquela comunidade.

    s vezes, com algumas entrevistas, voc pode conseguir essas e muitasoutras informaes.

    Nesta aula, vimos que o final do sculo XIX e as primeiras dcadas do sculoXX foram anos de mudana no Brasil. A extino do trabalho escravo, a grandeimigrao e ainda os recursos acumulados no comrcio e na agroexportaocriaram condies para o surgimento e expanso da indstria em nosso pas.

    A partir da, iniciou-se um processo de modernizao que teve por base,fundamentalmente, dois novos atores sociais: o empresariado industrial e ooperariado. O primeiro ganhou fora e organizao nas lutas contra a tese doartificialismo da indstria brasileira e ainda nos embates diretos com o movimentooperrio. O segundo ator social, o operariado, procurou forjar sua identidade sejano enfrentamento dirio com empresrios e foras policiais do governo, seja nacriao de um discurso que construa uma imagem, ou seja, criar sua prpriafeio positiva do trabalhador.

    O resultado de tudo isso foi a formao de uma sociedade mais diversificadae complexa que, na dcada de 1920, passou a se mostrar cada vez mais descontentecom o predomnio dos grupos oligrquicos. o que veremos nas prximas aulas.

    Exerccio 1Exerccio 1Exerccio 1Exerccio 1Exerccio 1Releia o item Sociedade industrial Sociedade industrial Sociedade industrial Sociedade industrial Sociedade industrial e identifique trs caractersticas bsi-cas da sociedade industrial.

    Exerccio 2Exerccio 2Exerccio 2Exerccio 2Exerccio 2Releia o item Vida operriaVida operriaVida operriaVida operriaVida operria e caracterize duas correntes polticas queparticiparam do movimento operrio na Primeira Repblica.

    Pausa

    ORAMENTO FAMILIAREm 1918, o salrio mensal de um trabalhador rural ou urbano variava entre 80$000 e 120$000.

    Segundo pesquisa de Hlio Negro e Edgard Leuenroth, o consumo mnimo de uma famliaoperria pequena (homem, mulher e duas crianas) nunca era menor que 207$650,

    o que obrigava quase todos os seus membros a trabalhar.

    Exerccios

    DESPESAS MENSAISALIMENTAO12 kg de arroz de 2 ........................ 9$60012 kg de feijo .................................. 4$20018 kg de batatas .............................. 5$40015 kg de po ....................................7$50010 kg de farinha de mandioca ......... 4$0005 kg de macarro ............................. 5$00010 kg de carne .............................. 10$0007 kg de toucinho ou banha ........... 11$2007,5 kg de acar .............................. 7$0003 kg de caf ...................................... 3$00015 litros de leite ............................... 9$000Verduras ...........................................6$000Cebola, alho, sal,pimenta, vinagre,querosene, vassoura etc. ............ 28$000ALUGUEL(2 cmodos, com cozinha) ........... 45$000OUTRAS NECESSIDADESSabo ...............................................6$0003 sacos de carvo ............................ 9$000Fsforos, cigarros,barbeiro e sociedade desocorros mtuos ........................... 17$000SOMA MENSAL ................................. 166$900

    DESPESAS ANUAIS (VESTURIO)HOMEM:2 ternos ......................................... 80$0002 pares de sapatos ....................... 24$0002 chapus ...................................... 14$0003 camisas ...................................... 12$0003 ceroulas ......................................... 9$000Meias etc ....................................... 12$000MULHER3 vestidos de chita ........................ 60$0002 pares de sapatos ou chinelos ... 24$0003 camisas ...................................... 15$0003 saias brancas ............................. 21$00012 pares de meias ........................ 18$0002 CRIANASRoupas e calados ..................... 100$000DESPESAS ANUAIS (OUTRAS NECESSIDADES)Mveis, loua e outros objetos .. 100$000

    TOTAL DAS DESPESAS ANUAIS ........... 489$000ou seja, por ms ........................... 40$750

    SOMA:DESPESA MENSAL ........................... 166$900PARCELA MENSAL DA DESPESA ANUAL . 40$750TOTAL DE GASTOS POR MS ............. 207$650

    ltimaspalavras

    80$000 l-seoitenta mil ris

    Font

    e: N

    osso

    Sc

    ulo

    (1910

    -1930

    )

  • Mdulo 9A crise da repblica

    oligrquica

    A Primeira Guerra Mundial, que se desenro-lou entre 1914 e 1918, marcou o incio de um novo tempo. Para alguns historia-dores, foi a partir da que comeou o sculo XX.

    No Brasil, esse sentimento de mudana, de transformao, tambm se fezpresente durante e aps o grande conflito mundial. Para intelectuais e polticos,aquela Repblica das oligarquias, que voc conheceu nas trs aulas anteriores,mostrava-se incapaz de acompanhar os novos tempos.

    Era preciso construir a nao, criar novas referncias, repensar a cultura.No quadro poltico, os anos 20 foram anos de radicalizao. O governo

    enfrentaria, a todo momento, levantes e conspiraes.Em 1930, os grupos dirigentes da Repblica oligrquica venceram no voto,

    mas perderam nas ruas o controle da vida poltica. Era a Revoluo de 30.Tudo isso voc estudar nas prximas duas aulas.

  • 24A U L A

    Ptria, morrer por tiou pelo menos teofertar este ramode palavras ardentes.Vou rua, perorocom voz de cala curtaordeno ao municpioque marche resolutoa combater os boches.Carlos Drummond de Andrade,Carlos Drummond de Andrade,Carlos Drummond de Andrade,Carlos Drummond de Andrade,Carlos Drummond de Andrade, 1914 1914 1914 1914 1914

    Os versos de Carlos Drummond de Andrade falam da guerra, dos senti-mentos de um garoto pelo seu pas. Num rompante de patriotismo, ele pede aentrada do pas na guerra. A voz desse menino no um fato isolado.

    Em outubro de 1917, quando os submarinos alemes bombardearam osnossos navios mercantes, ocorreu uma verdadeira exploso de patriotismo.Nas praas pblicas, multides se acotovelaram exigindo uma posio dogoverno.

    Todo esse clima de exaltao patritica j vinha sendo preparado anterior-mente. Em 1916, Olavo Bilac dera incio campanha cvica. Ele viajou por todoo Brasil fazendo inflamados discursos em que defendia o servio militar obriga-trio e a mobilizao do Exrcito.

    O que mobilizava os coraes e mentes era a idia de defender as fronteirasda nacionalidade. Para esse nacionalismo militarista, defender as fronteirassignificava defender a nossa lngua, os nossos costumes e a nossa cultura:esta guerra universal e minha, diz a poesia de Drummond.

    Essas idias fizeram poca. Foi por causa delas que o Brasil afinal foi para aguerra, ao lado dos Aliados. Em defesa da civilizaocivilizaocivilizaocivilizaocivilizao.

    Nesta aula, voc vai ver como o final da guerra, em 1918, modificou o nossopas. Mudou o cenrio internacional, mudaram as ideologias, mudou o Brasil. nessa roda viva que vemos aparecer uma nova imagem do pas.

    Que imagem essa?Voc vai ver tambm o que significou lutar pela civilizao. Que realidade

    estava por trs dessa palavra?Quando o Brasil entrou na guerra, em 1917, entrou defendendo os ideais da

    civilizao francesa. A influncia dessa cultura era muito forte, no s no nosso

    Brasil:a nao revisitada

    Abertura

    24A U L A

  • 24A U L Apas, mas no mundo inteiro. Paris era o centro exportador da literatura, da

    pintura, das operetas e dos cafs-concertos.Esse perodo da influncia francesa durou mais de trinta anos e ficou

    conhecido como a Belle Epoque. Os nossos intelectuais viviam voltados para aCidade Luz, como era chamada Paris.

    O escritor Lima Barreto fez uma piada sobre o assunto, dizendo que ointelectual brasileiro anda, come, dorme e sonha em Paris.

    O que vinha da Frana era civilizado. O que estava aqui era primitivo e noprestava. Essas idias acabaram quando acabou a guerra. Terminado o conflito,que durou quatro anos, a Europa j no era a mesma. Runas. Desolao. Cidadesinteiras desapareceram. A Cidade Luz j no brilhava.

    Muita gente perdera a vida, muita gente perdera a iluso de ver um mundomelhor. Desmoronara a idia de progresso indefinido. Desmoronara a Europacomo modelo de civilizao e desenvolvimento.

    O fim da guerra foi o fim dessa ideologia chamada liberalismoliberalismoliberalismoliberalismoliberalismo. Afinal decontas, que comunidade era essa, na qual os irmos se matavam nos campos debatalha? Que liberdade mais enganosa fazia alguns pases enriquecerem custade outros? Que igualdade de condies permitia que uns tivessem todos osdireitos e outros mal conseguissem sobreviver?

    Em 1916, um escritor chamado Spengler escreveu um livro que ficou famoso:A decadncia da civilizao ocidental. Esse livro anunciava a decadncia daEuropa e a aurora do Novo Mundo. Era na Amrica que ia surgir a novacivilizao.

    Era mais uma utopia! Mas essa imagem to promissora teve papel importan-te. Levou os brasileiros a se olharem. Perplexos, eles chegaram concluso deque quase nada sabiam sobre a nossa cultura!

    Mais uma vez foi o escritor Lima Barreto quem chamou a ateno para o fato:Ns no nos conhecemos uns aos outros, dentro do nosso prprio pas.

    Era necessrio encarar o pas. At ento, o Brasil tinha, ou desejava ter, a carada Frana. Podia ser uma mscara bonita, de Pierr. Mas o que estava por trsdela?

    Movimento

    Utopia umarefernciaimaginria a umasituao perfeita.De to perfeita, sempre irrealizvel.

    Caf no Rio deJaneiro, onde sereuniam artistas eintelectuais.

  • 24A U L A Se ns dermos um salto na histria e chegarmos a 1992, vamos ver os

    estudantes que saram de cara pintada para as ruas. Eles reivindicavam umBrasil melhor e mais justo.

    Os caras-pintadas usaram mscaras para expressar o seu protesto. Nasmscaras dos estudantes estava uma das caras do Brasil dos anos 90.

    As expresses variam de acordo com a poca...

    A dcada de 1920 foi uma poca de intensas inda-gaes e descobertas. Os artistas e intelectuais busca-ram um novo jeito de expressar o pas por meio daliteratura, das artes plsticas, da msica e da pintura.Esse movimento ganhou o nome de modernismomodernismomodernismomodernismomodernismo. Oque ser modernoser modernoser modernoser modernoser moderno? estar de acordo com a moda? copiar modelos? Ou ser que ser moderno s seatualizar atualizar atualizar atualizar atualizar sem precisar copiar?

    Eram essas perguntas que estavam na cabea dosnossos artistas e intelectuais. Eles queriam atualizar atualizar atualizar atualizar atualizar anossa cultura. Mas, para isso, era preciso descobri-la.

    O marco simblico do modernismo brasileiro foi aSemana da Arte Moderna, que se realizou em So Pauloem fevereiro de 1922. Mas esse foi s um marco simb-lico. O modernismo j vinha acontecendo antes daSemana e iria continuar acontecendo depois dela, comovamos ver adiante.

    No Rio da Janeiro, desde o final do sculo XIX, jse percebia um interesse pela msica popular, como omaxixe, o corta-jaca e as modinhas. Alguns artistas

    compreendiam que a cultura negra devia ser respeitada como expresso doBrasil. Tambm em So Paulo, Minas e outros Estados essa atitude comeavaa existir.

    Mas, afinal de contas, o que aconteceu em So Paulo na Semana de ArteModerna?

    Entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal, foramrealizados concertos, exposies, palestras. No seu concerto, o maestro e compo-sitor Heitor Villa-Lobos causou grande impacto ao incorporar orquestrainstrumentos de congada, tambores e uma folha vibratria de zinco.

    Na poca, esses instrumentos eram considerados populares e no deviamfazer parte de uma orquestra. A congada e os tambores pertenciam s culturasnegra e indgena, vistas como primitivas e brbaras. Os modernistas mostraramque eram justamente essas culturas que tornavam o nosso pas original ediferente.

    Esse era o esprito do movimento: mostrar uma nova imagem do pas, umanova fisionomia cultural. O que antes era escondido, agora era mostrado. Por quenegar as culturas africana e indgena, se elas faziam parte da nossa realidade?

    Na Semana de Arte Moderna tambm foram expostas as pinturas de AnitaMalfatti, Di Cavalcanti, Goeldi. Mrio de Andrade, Oswald de Andrade eRonald de Carvalho apresentaram ao pblico os seus escritos.

    Em tempo

  • 24A U L AA Semana funcionou como um estopim. A arte buscava refletir as transfor-

    maes por que passavam o mundo e o pas. Em meio a um acelerado processode industrializao e urbanizao, surgiam nas grandes cidades edifcios, letrei-ros luminosos, viadutos, mquinas e fbricas.

    O tempo corria mais rpido. A arte precisava acompanhar o fluxo da vidamoderna, diziam os modernistas. Para isso, era necessrio mudar a maneiratradicional de se expressar. Mais ousadia criativa, mais rebeldia e menosformalidade. Mas era necessrio, tambm, responder a algumas perguntas.

    Que pas este? Quem somos ns? Os modernistas contaram uma outrahistria do Brasil. No aceitavam mais a histria balofa dos heris, dos grandesfeitos, dos monumentos e medalhas, e ento usaram o humor humor humor humor humor e a stirastirastirastirastira.A histria que contaram falava da cobia dos povos, da explorao dos ndios enegros, da depredao de nossas riquezas. Vejamos como Oswald de Andradecontou sua Histria ptria:

    L vai uma barquinha carregada deaventureirosL vai uma barquinha carregada debacharisL vai uma barquinha carregada decruzes de cristo...

    Essas barquinhas eram as caravelas da colonizao portuguesa, escrevendoa nossa histria. Uma histria de altos e baixos, aventura e violncia, amor e dio.Mas repare como essa histria era contada agora com humor e criatividade! Esseera o estilo dos modernistas.

    Oswald de Andrade (sentado no cho), em foto com outrosorganizadores da Semana de 22.

  • 24A U L A

    Em 1928, Mrio de Andrade publicou Macunama, cujo personagem-ttulo era a cara do Brasil. Macunama nasceu ndio, depois virou negro e depoisbranco. Essa era a imagem do nosso pas na sua diversidade de culturas.Macunama sobrevoou o pas num pssaro chamado tuiui. Ele viu o pasl do alto. Viu como as regies so diferentes, mas viu tambm que so essasdiferenas que fazem o Brasil.

    Mrio de Andrade mostrava que ns no somos completamente brancos,nem completamente negros, nem completamente ndios. Somos um povo emformao. Com muito mais perguntas do que respostas...

    Mas os escritores modernistas no pensavam sempre igual. Dentro domovimento existia um grupo chamado Verde Amarelo, ao qual pertencia oescritor Cassiano Ricardo. Na mesma poca em que Mrio de Andrade escreveuMacunama, Cassiano Ricardo escreveu Martim Cerer. O personagem-ttulo eraagora um heri bem comportado, srio e patriota. Voc se lembra do nacionalis-mo de Olavo Bilac? Pois Martim Cerer era uma espcie de soldado sempredefendendo as nossas fronteiras. Ele no olhava do alto, como Macunama.

    O que estamos querendo mostrar como o modernismo iria construirdiferentes vises da nacionalidade. Alguns viam o pas como uma interrogao,um desafio. J outros preferiam v-lo como realidade pronta a ser louvada emversos. Mas, apesar dessas diferenas, o modernismo teve um saldo muitopositivo: mostrou como era importante pensar a nossa cultura e ousar novasformas de expresso.

    Desenho deCcero Dias parao livro Macunama.

  • 24A U L AO jeito rebelde que caracteriza a maior parte dos artistas modernistas uma

    marca da nossa cultura. Ela reaparece na dcada de 1970 com o movimentotropicalista.

    Tambm na msica de Raul Seixas vemos essa atitude de indagao:

    Eu prefiro ser essa metamorfose ambulantedo que ter aquela velha opinio formada sobre tudo...

    Essa foi uma das propostas do modernismo: acabar com as velhas opiniessobre o Brasil, sobre a nossa cultura. Ser moderno era estar a par das inovaesartsticas e intelectuais. Mas ser moderno era, sobretudo, absorver essas informa-es de forma criativa e crtica.

    A cultura exprime o jeito de ser de cada nacionalidade. Ela no est s noslivros, mas nas cirandas, vaquejadas, marujadas; est no vatap, tacac, arroz decux; nas histrias de botos encantados, da mula sem cabea, do Saci Perer.Tambm so cultura o casario colonial, as igrejas barrocas e as carrancas do rioSo Francisco...

    O que o modernismo mostrou que a cultura no est apenas nas grandescidades, mas nas vrias regies brasileiras. Na dcada de 1930, o modernismotomou grande impulso no Nordeste. Foi o movimento do regionalismo literrioregionalismo literrioregionalismo literrioregionalismo literrioregionalismo literrio.

    Os romances de Jorge Amado falam da Bahia, Jos Lins do Rego descreve osengenhos de acar; Graciliano Ramos conta a vida de Alagoas, rico Verssimoa do Rio Grande do Sul. J em Pernambuco Gilberto Freyre quem busca umanova interpretao sociolgica para a cultura brasileira. Esse movimento deuorigem a uma nova imagem nova imagem nova imagem nova imagem nova imagem do Brasil.

    Na dcada de 1920, os nossos artistas e intelectuais estavam construindouma nova imagem do Brasil. Nessa imagem, eles mostraram que o Brasil secaracterizava por muitas culturas.

    D uma olhada no texto e responda: que cara ou que caras voc acha que oBrasil deve ter? Brasil-Pierr? Brasil-Macunama? Brasil-Cerer? Brasil-cara-pintada?

    Explique por que voc escolheu uma dessas caras como expresso do pas.

    Nesta aula, vimos como as mudanas ocasionadas pela Primeira GuerraMundial afetaram culturalmente o nosso pas. Vimos tambm como os nossosartistas e intelectuais construram uma nova imagem do Brasil, de acordo comos tempos modernos.

    Mas os efeitos da guerra no pararam por a. Em 1929, a crise econmicamundial gerou uma onda de desemprego nos campos e fbricas. O governorepublicano caiu no descrdito popular.

    dessa crise poltica que vamos falar na nossa prxima aula...

    Exerccio 1Exerccio 1Exerccio 1Exerccio 1Exerccio 1Explique a frase de Lima Barreto: O intelectual brasileiro anda, come,dorme e sonha em Paris.

    Exerccio 2Exerccio 2Exerccio 2Exerccio 2Exerccio 2Identifique uma proposta do movimento modernista.

    Em tempo

    Exerccios

    ltimaspalavras

    Pausa

    Interpretaosociolgica querdizer interpretaomais fiel scaractersticas deuma sociedade.

  • 25A U L A

    25A U L A

    Os anos 20 trouxeram profundas transfor-maes para a sociedade brasileira. Nessa dcada se manifestaram a crise dopacto oligrquicopacto oligrquicopacto oligrquicopacto oligrquicopacto oligrquico, a demanda de maior participao poltica dos setores urbanose a insatisfao dos militares.

    O ano de 1922, em especial, reuniu uma sucesso de acontecimentos quemudaram de forma significativa o panorama poltico e cultural do pas. No foiapenas o ano da Semana da Arte Moderna. Foi tambm o ano de uma disputadasucesso presidencial que revelou divergncias srias entre as oligarquias, o anoda criao do Partido Comunista do Brasil, e o ano do incio do movimentotenentista.

    O ano do centenrio da Independncia indicava, em suma, que novos ventosestavam soprando sobre o pas.

    As oligarquias desafinam

    Vamos comear a aula de hoje estudando a crise do acordo entre as oligar-quias, manifestada na sucesso presidencial de 1922. Na Aula 21, voc estudouo pacto oligrquico. Volte l e confira.

    Voc aprendeu tambm que a poltica dos governadores, com o propsito dereduzir a instabilidade poltica que ameaava a Repblica brasileira, neutralizouas oposies oposies oposies oposies oposies e criou mecanismos para garantir que as foras da situaosituaosituaosituaosituaofossem sempre vitoriosas.

    O resultado foi que, durante vrios anos, as eleies para presidente daRepblica tiveram um candidato nico, oficial, e no houve uma verdadeiradisputa eleitoral. A exceo foi a sucesso presidencial de 1910sucesso presidencial de 1910sucesso presidencial de 1910sucesso presidencial de 1910sucesso presidencial de 1910, quando RuiBarbosa, candidato de oposio ao marechal Hermes da Fonseca, lanou aCampanha Civilista e foi derrotado. Aps as eleies, contudo, no houvecontestao dos resultados finais.

    J em 1922, a situao seria diferente. Pela primeira vez, o confronto entre osgrandes Estados e os Estados de segunda grandeza se apresentou claramentenuma disputa pela presidncia da Repblica, revelando os conflitos regionaisentre as oligarquias e os problemas do federalismo desigual brasileiro.

    Esse confronto assumiu sua forma plena com o movimento da ReaoReaoReaoReaoReaoRepublicanaRepublicanaRepublicanaRepublicanaRepublicana, que lanou a candidatura dissidente de Nilo Peanha em oposio candidatura oficial de Artur Bernardes. Enquanto Bernardes contava com

    Abertura

    Movimento

    Os anos loucos: a criseda dcada de 1920

  • 25A U L Ao apoio de Minas Gerais, So Paulo e pequenos Estados, uniram-se em torno

    da Reao Republicana Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambucoe Distrito Federal. Esses Estados tentavam construir um eixo alternativoeixo alternativoeixo alternativoeixo alternativoeixo alternativode poderde poderde poderde poderde poder.

    A plataforma da Reao Republicana defendia a regenerao dos princpiosrepublicanos e a formao de partidos polticos nacionais. Criticava a formacomo se desenvolvia o federalismo no Brasil, que beneficiava apenas os grandesEstados.

    Para enfrentar a ameaa permanente que rondava a candidatura da oposi-o, que antes mesmo da disputa j tinha sua derrota traada, a Reao Republi-cana desencadeou uma forte propaganda eleitoral, coisa pouco comum naseleies da Primeira Repblica. E, o que muito importante, buscou tambmapoio militar.

    No carnaval de 1922, s vsperas das eleies presidenciais, a populaocarioca, engajada na campanha eleitorial, cantava a seguinte marchinha: Ai, seuM! Ai, M, M! L no Palcio das `guias, ol! No hs de pr o p!

    O Palcio das `guias era o Catete, sede do governo.E seu M era o apelido de Artur Bernardes...

    Os militares voltam cena

    Apesar do clima de intensa agitao poltica que marcou os primeiros mesesde 1922, as eleies se realizaram na data prevista, em 1 de maro. Os resultadoseleitorais, controlados pela mquina oficial, deram a vitria a Bernardes, com 466mil votos, contra 317 mil de Nilo Peanha. Mais uma vez, o esquema eleitoralvigente na Repblica Velha funcionou para garantir a vitria do candidatoda situao.

    Mas, diferentemente das eleies anteriores, a oposio no aceitoua derrota. A Reao Republicana desencadeou uma campanha para mantera mobilizao dos seus aliados e estimular a insatisfao militar. A faltade prestgio e poder que os militares enfrentavam havia algum tempo eraa responsvel por essa insatisfao.

    Os militares ocuparam, sem dvida, um lugar importante durante toda aPrimeira Repblica (1889-1930). Mas a fora que tiveram na primeira dcadarepublicana, ou seja, de 1889 a 1899, foi decrescendo, consideravelmente,depois. O fechamento da Escola Militar da Praia Vermelha aps sualtima revolta, em 1904, e a criao da Escola Militar do Realengoalteraram profundamente a formao da oficialidade do Exrcito.O propsito da nova escola no era formar soldados-cidados, comum p no Exrcito e outro na sociedade e na poltica. A idia eraformar soldados profissionais.

    Contudo, uma srie de incidentes ocorridos no incio dos anos 20iria recolocar na ordem do dia a participao dos militares na poltica.

    Um desses incidentes foi o episdio das chamadas cartas falsas,que estourou ainda antes das eleies presidenciais, e permitiu quedois movimentos distintos, a rebeldia militar e a Reao Republicana,se articulassem para contestar as estruturas polticas da PrimeiraRepblica.

    Em tempo

    Arthur Bernardes.

  • 25A U L A Voc sabe o que eram essas famosas cartas falsas? Eram cartas que haviam

    sido supostamente enviadas pelo candidato Artur Bernardes ao lder polticomineiro Raul Soares, contendo cidas crticas corporao militar. O contedode uma das cartas era o seguinte:

    Estou informado do ridculo e acintoso banquete dado pelo Hermes [referncia comemorao da posse do marechal Hermes da Fonseca na presidncia doClube Militar], esse sargento sem compostura, aos seus apaniguados e de tudoque nessa orgia se passou. Espero que use de toda energia (....) pois esta canalhaprecisa de uma reprimenda para entrar na disciplina (...). A situao no admitecontemporizaes, os que forem venais, que a quase totalidade, compre-os comtodos os seus bordados e gales.

    Em tempo

    A Marcha dos 18do Forte de

    Copacabana.

    Mapa dotrajeto da

    ColunaPrestes.

  • 25A U L A

    Em tempo

    A publicao dessas cartas, em outubro de 1921, pelo Correio da Manh,jornal carioca que apoiava a Reao Republicana, caiu como uma bomba, criandouma indisposio completa entre o candidato da situao e segmentos militares.Bernardes venceu a eleio, mas estava preparado o caminho para a ecloso daprimeira revolta tenentista, em julho de 1922.

    O tenentismo foi um conjunto de movimentos militares que se desenvolve-ram ao longo de toda a dcada de 1920, at 1932, liderados pela jovem oficiali-jovem oficiali-jovem oficiali-jovem oficiali-jovem oficiali-dade das foras armadasdade das foras armadasdade das foras armadasdade das foras armadasdade das foras armadas. Os chamados tenentes tinham como objetivomoralizar os costumes polticos, defender o voto secreto e advogar a criao demoralizar os costumes polticos, defender o voto secreto e advogar a criao demoralizar os costumes polticos, defender o voto secreto e advogar a criao demoralizar os costumes polticos, defender o voto secreto e advogar a criao demoralizar os costumes polticos, defender o voto secreto e advogar a criao deum Estado centralizado que pudesse modernizar o pasum Estado centralizado que pudesse modernizar o pasum Estado centralizado que pudesse modernizar o pasum Estado centralizado que pudesse modernizar o pasum Estado centralizado que pudesse modernizar o pas.

    Esse primeiro levante foi derrotado, assim como o foram as iniciativas decontestao da Reao Republicana. Em novembro de 1922, Bernardes tomouposse como presidente da Repblica sob estado de stio, desencadeando forterepresso contra todos aqueles que se haviam oposto sua candidatura.

    Desse modo, as oligarquias conseguiram temporariamente administrar suacrise interna e neutralizar os conflitos dos setores urbanos, que pleiteavam maiorparticipao poltica. Em 1926, nova sucesso presidencial ocorreria sem maio-res problemas, tendo como candidato nico Washington Lus, governador deSo Paulo.

    Se a pacificao dos grupos oligrquicos foi conseguida rapidamente com amarginalizao, mais uma vez, das oposies, os levantes tenentistas continua-ram ainda por algum tempo. Em 1924 eclodiu a revolta de So Paulo, e a seguirteve incio a marcha da Coluna PrestesColuna PrestesColuna PrestesColuna PrestesColuna Prestes, movimento militar desencadeadocontra o governo Bernardes.

    A Coluna Prestes originou-se de um grupo de militares rebeldes que tinhamparticipado de levantes contra o governo federal em 1924, no Rio Grande do Sule em So Paulo. Formou-se em dezembro daquele ano e percorreu a p cerca de30 mil quilmetros, por treze Estados, com o objetivo levar uma mensagemrevolucionria a todo o pas.

    Expresso mais radical dos movimentos militares da dcada de 1920 quepleitearam reformas polticas, a Coluna Prestes foi combatida por diferentesadversrios arregimentados pelo governo federal, mas venceu grande parte doscombates que travou.

    Ainda assim, em 1927, contando com poucos remanescentes, refugiou-se naBolvia e deps as armas.

    E chegaram os gachos

    O governo de Washington Lus iniciou-se em clima de estabilidade polticae econmica. Como j vimos, os desafios colocados pelas oligarquias no incio dadcada de 1920, questionando a maneira como funcionava a poltica dosgovernadores, pareciam estar resolvidos definitivamente.

    Mas era apenas uma impresso. Logo, novas nuvens se formaram anuncian-do tempestade... Era a Revoluo de 1930 que se aproximava.

    Em 1929, iniciou-se mais um vez um processo de sucesso presidencial.Tudo indicava que as regras que norteavam o funcionamento da poltica naPrimeira Repblica seriam mais uma vez cumpridas as foras da situao, pormeio do presidente da Repblica, indicariam o candidato oficial, que deveria serapoiado por todos os grupos dominantes nos Estados.

    Estado destio: suspensotemporria dedireitos individuaise coletivosprevistos naConstituio deum pas.

  • 25A U L A

    Em tempo

    Mas, dessa vez, o racha no se deu entre candidatos representantes dosEstados dominantes e dos Estados de segunda grandeza. Aconteceu no coraodo prprio grupo dominante. Washington Lus desejava fazer seu sucessor eindicou Jlio Prestes que, como ele, era representante de So Paulo. Aconteceque Minas acreditava estar no direito de ocupar a presidncia da Repblica.

    Essa divergncia entre Minas e So Paulo logo abriu espao para que outrasdivergncias latentes, sufocadas no passado, pudessem ressurgir. E a oligar-oligar-oligar-oligar-oligar-quia gacha quia gacha quia gacha quia gacha quia gacha no ia perder essa oportunidade.

    Em julho de 1929, com o apoio mineiro, foi lanada a candidatura do gachoGetlio Vargas, tendo como vice o governador da Paraba, Joo Pessoa. Estavaformada a Aliana LiberalAliana LiberalAliana LiberalAliana LiberalAliana Liberal, cuja base de sustentao eram Minas, Rio Grandedo Sul, Paraba e mais alguns grupos de oposio ao governo federal devrios Estados tais como o Partido Democrtico de So Paulo e outrosgrupos de civis e militares descontentes.

    A plataforma da Aliana Liberal estava voltada para conquistar asimpatia das classes mdias e de alguns setores operrios. O programapropunha medidas de proteo ao trabalhador (aplicao de lei de frias,regulamentao do trabalho do menor e da mulher) e a reforma poltica dopas (voto secreto, justia eleitoral e anistia aos presos polticos).

    11 - Joo Pedro12 - Paulo Krger da

    Cunha Miranda13 - Ari Salgado Freire14 - Nlson Machado

    15 - Manuel LimaNascimento

    16 - Sadi Vale Machado17 - Andr Trifino Correia18 - talo Landucci

    1 - Miguel Costa2 - Lus Carlos Prestes3 - Juarez Tvora4 - Joo Alberto5 - Siqueira Campos

    6 - Djalma Dutra7 - Cordeiro de Farias8 - Jos Pinheiro Machado9 - Atanagildo Frana10 - Emdio da Costa Miranda

  • 25A U L A

    Em tempo

    A acirrada disputa eleitoral iniciada em 1929 seria agravada pela profundacrise econmica mundial. Essa crise foi provocada pela quebra, em outubro, dabolsa de Nova Iorque.

    No final do ano, j havia centenas de fbricas fechadas no Rio e em So Paulo,e mais de um milho de desempregados em todo o pas. A crise atingiu tambma cafeicultura paulista, provocando uma queda dos preos do caf e liquidandoo programa de estabilizao financeira do governo.

    As eleies se realizaram em maro de 1930 e, conforme era esperado, avitria coube a Jlio Prestes, que recebeu 1.091.000 votos contra 737 mil dados aGetlio Vargas.

    Nas eleies de 1930, o Bloco Operrio Campons (BOC), patrocinado peloPartido Comunista, lanou um candidato a presidente da Repblica. Obteveuma votao simblica, mas que expressava a demanda concreta de participaopoltica das classes trabalhadoras.

    Divulgados os resultados, parecia mais uma vez que a regra de ouro dapoltica dos governadores seria mantida, e que a vitria do candidato oficial seriareconhecida. Mas, em pouco tempo, estava em marcha um movimentoconspiratrio para depor Washington Lus pela fora das armas e liquidar oregime oligrquico da Primeira Repblica.

    Um acontecimento inesperado deu fora conspirao revolucionria. Em26 de julho, Joo Pessoa foi assassinado em Recife e, assim, transformado emmrtir. Nos meses seguintes cresceu a articulao revolucionria, com a adesode importantes quadros do Exrcito. O comando geral do movimento armado foientregue ao tenente-coronel Gis Monteiro.

    Comcio daAliana Liberal.

  • 25A U L A A revoluo estourou em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul em 3 de

    outubro de 1930. Depois de algumas resistncias, a situao no Nordestetambm pendeu para os revolucionrios. A 24 de outubro, os generais TassoFragoso, Mena Barreto e Leite de Castro e o almirante Isaas de Noronhadepuseram o presidente Washington Lus no Rio de Janeiro e constituram umajunta provisria de governo.

    A junta tentou permanecer no poder, mas a presso dos revolucionriosvindos do Sul e das manifestaes populares obrigaram-na a entregar o poder aGetlio Vargas, que tomou posse na presidncia da Repblica a 3 de novembrode 1930.

    Estava encerrada uma fase da histria poltica brasileira, com o fim daRepblica Velha.

    Segundo Boris Fausto, um dos principais estudiosos da Primeira Repblica,

    a Revoluo de 1930 no foi feita por representantes de uma supostanova classe social: a classe mdia ou a burguesia industrial (...). Osvitoriosos de 30 compunham um quadro heterogneo tanto do ponto devista social como poltico. Eles tinham-se unido contra um mesmoadversrio, com perspectivas diversas.

    A heterogeneidade dos grupos revolucionrios e a dificuldade de cada umse sobrepor aos demais criariam problemas para a reorganizao do novo Estadobrasileiro. Esse assunto ser objeto da nossa ateno na prxima aula.

    Exerccio 1Exerccio 1Exerccio 1Exerccio 1Exerccio 1Releia o item As oligarquias desafinam As oligarquias desafinam As oligarquias desafinam As oligarquias desafinam As oligarquias desafinam e explique o que foi a ReaoRepublicana.

    Exerccio 2Exerccio 2Exerccio 2Exerccio 2Exerccio 2Releia o item Os militares voltam cenaOs militares voltam cenaOs militares voltam cenaOs militares voltam cenaOs militares voltam cena e explique as principaispropostas do movimento tenentista.

    ltimaspalavras

    Exerccios

  • Voc pde ver, pelas aulas anteriores, que a sociedade brasileira ganhouuma vibrao importante nas primeiras dcadas deste sculo. A efervescnciados anos 20 no ficou reduzida ao panorama cultural, que foi riqussimo.Tambm tomou conta da poltica, pela voz de novos atores, de grupos deoposio aos velhos costumes. Parecia que viveramos prolongados tempos departicipao. Parecia que experimentaramos o momento democrtico.

    Mas no se faz uma democracia da noite para o dia.Nas prximas trs aulas voc vai aprender como, em nosso pas, os polticos

    resistiram experincia democrtica.

    Mdulo 10Tempos sombrios

    da democracia

  • 26A U L A

    Na Aula 25 voc viu que, graas ao movi-mento conhecido como Revoluo de 30Revoluo de 30Revoluo de 30Revoluo de 30Revoluo de 30, Getlio Vargas tornou-se presidenteda Repblica. E agora vai ver como, durante quinze anos consecutivos, elemanteve esse ttulo.

    Mas, afinal, o que foi a Revoluo de 30? Quais as foras vitoriosas em 30 eque projetos estavam em disputa? Quais as principais transformaes ocorridasno pas? Como foi possvel a permanncia de Vargas no poder durante quinzeanos?

    A Revoluo de 30 e o novo perfil do Estado

    Com a Revoluo de 30, o Brasil transformou-se. Modificaes importantesocorreram nos campos poltico, econmico e social. Uma das primeiras medidasadotadas pelo governo revolucionrio foi o fechamento do Congresso Nacionale das assemblias legislativas estaduais e municipais.

    Getlio Vargas passou a governar por meio de decretos-leis. Limitou o poderdos Estados. Os governadores, que haviam sido eleitos pelo voto direto, foramsubstitudos por interventores nomeados diretamente pelo presidente da Rep-blica. O Executivo federal tornou-se todo-poderoso. Uma ditadura ditadura ditadura ditadura ditadura foi instaladano pas.

    Diferentemente da Repblica Velha, o Estado implantado no ps-30 era maisintervencionista e mais centralizador. Havia maior integrao nacional e menorautonomia estadual. As tradicionais oligarquias rurais continuaram fortes, masforam vendo seu poder diminudo a cada dia.

    A economia permaneceu voltada basicamente para a agricultura, mas haviauma preocupao em acelerar a industrializao do pas. O papel das ForasArmadas, em especial do Exrcito, foi redimensionado. Alm de garantir aordem interna, as Foras Armadas deveriam ser um suporte para a criao deuma indstria de base nacional.

    A questo social, considerada na Repblica Velha como caso de polcia,passou a ser vista como uma questo poltica. Reconhecia-se a importncia daclasse operria.