Apostila políticas básicas da educação habilitação senador pompeu - pdf

65
FACULDADE KURIOS HABILITAÇÃO EM PEDAGOGIA PROF. ANTONIO MARTINS DE ALMEIDA FILHO POLÍTICAS BÁSICAS DA EDUCAÇÃO SENADOR POMPEU – CEARÁ JULHO – 2011

description

Sociedade, Estado e Educação – O pensamento Sociológico de Rousseau - a educação dohomem individual/social, Bonald a educação do homem social e Saint-Simon - a educação do homemindustrial. A Relação Educação e Sociedade - Os Clássicos Do Pensamento Social. As Funções doProcesso Educacional. As Políticas Educacionais no Contexto do Neoliberalismo. A Ideologia e aEducação. A Crise do Capitalismo e da Ideologia Liberal; A Educação Neoliberal. As PolíticasEducacionais no Brasil - Contextualização Histórica. O Papel do Estado e a Educação como Direito. AsPolíticas Públicas em Educação no Brasil. A Legislação Educacional Brasileira

Transcript of Apostila políticas básicas da educação habilitação senador pompeu - pdf

Page 1: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

FACULDADE KURIOS HABILITAÇÃO EM PEDAGOGIA

PROF. ANTONIO MARTINS DE ALMEIDA FILHO

POLÍTICAS BÁSICAS

DA EDUCAÇÃO

SENADOR POMPEU – CEARÁ JULHO – 2011

Page 2: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

2

FACULDADE KURIOS HABILITAÇÃO EM PEDAGOGIA

PROF. ANTONIO MARTINS DE ALMEIDA FILHO

POLÍTICAS BÁSICAS

DA EDUCAÇÃO

SENADOR POMPEU – CEARÁ JULHO – 2011

Page 3: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

3

As políticas públicas, particularmente as de caráter social, são mediatizadas pelas lutas, pressões e conflitos entre elas. Assim, não são estáticas ou fruto de iniciativas abstratas, mas estrategicamente empregadas no decurso dos conflitos sociais expressando, em grande medida, a capacidade administrativa e gerencial para implementar decisões de governo. (...)Ao longo da história, a educação redefine seu perfil reprodutor/inovador da sociabilidade humana. Adapta-se aos modos de formação técnica e comportamental adequados à produção e reprodução das formas particulares de organização do trabalho e da vida.

Eneida Shiroma

Page 4: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

4

FACULDADE KURIOS HABILITAÇÃO EM PEDAGOGIA

EMENTA DA DISCIPLINA POLÍTICAS BÁSICAS DA EDUCAÇÃO PROF. ANTONIO MARTINS DE ALMEIDA FILHO

EMENTA: Sociedade, Estado e Educação – O pensamento Sociológico de Rousseau - a educação do homem individual/social, Bonald a educação do homem social e Saint-Simon - a educação do homem industrial. A Relação Educação e Sociedade - Os Clássicos Do Pensamento Social. As Funções do Processo Educacional. As Políticas Educacionais no Contexto do Neoliberalismo. A Ideologia e a Educação. A Crise do Capitalismo e da Ideologia Liberal; A Educação Neoliberal. As Políticas Educacionais no Brasil - Contextualização Histórica. O Papel do Estado e a Educação como Direito. As Políticas Públicas em Educação no Brasil. A Legislação Educacional Brasileira

OBJETIVO GERAL: Identificar, historicamente, a importância das políticas de educação na prática

social da educação, analisando-as num contexto político econômico e cultural de país capitalista dependente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: AVELAR, Lúcia. (1996). "Clientelismo de Estado e política educacional

brasileira" in: Educação & Sociedade (Ano XVII, nº 54, p.: 34-50, abr.). Campinas: Cedes.

AZEVEDO, Janete L. (1988). Educação como política pública. São Paulo:

Autores Associados. DIDONET, Vital. (2005). FUNDEB: Dilemas e Perspectivas. Brasília: edição

independente, 164 p. DOURADO, Luiz Fernando & PARO, Vitor Henrique (org.). (2001). Políticas

Públicas e Educação Básica. São Paulo: Xamã. GENTILI, Pablo & MCCOWAN, Tristan (orgs.). (2003). Reinventar a escola

pública: política educacional para um novo Brasil. Petrópolis: Vozes, 272 p. GRACINDO, Reginha Vinhaes. (1997). "Estado, Sociedade e Educação: novas

prioridades, novas palavras-de-ordem e novos-velhos problemas" in: Revista Brasileira de Política e Administração da Educação (v. XIII, nº. 1, p. 07-18). Rio de Janeiro: Anpae.

Page 5: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

5

LIMA, Carlos Alberto Ferreira & MORAES, Raquel de Almeida. (2005). "A

política de formação de professores leigos no Brasil" in: Universidade e sociedade (Vol. 36, p. 73-80). Brasília: Andes.

SADER, Emir & GENTILI, Pablo (org.). (1995). Pós-Neoliberalismo: as políticas

sociais e o Estado democrático. São Paulo, Paz e Terra. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. (1979). Cidadania e Justiça. Rio de

Janeiro: Campus. STEINER, João E. & MALNIC, Gerhard (orgs.). (2006). Ensino Superior:

Conceito & Dinâmica. São Paulo: Edusp, 360 p.

Page 6: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

6

SUMÁRIO EMENTA DA DISCIPLINA 04 UNIDADE I SOCIEDADE, ESTADO E EDUCAÇÃO - Rousseau, Bonald e Saint-Simon 07 UNIDADE II

A RELAÇÃO EDUCAÇÃO E SOCIEDADE - OS CLÁSSICOS DO PENSAMENTO SOCIAL 21 UNIDADE III

AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO CONTEXTO DO NEOLIBERALISMO 27 UNIDADE IV AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL 32 UNIDADE V PAPEL DO ESTADO E A EDUCAÇÃO COMO DIREITO 40 UNIDADE VI

AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO NO BRASIL 48 UNIDADE VII A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO 57

Page 7: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

7

UNIDADE I 1.1 SOCIEDADE, ESTADO E EDUCAÇÃO - Notas sobre Rousseau, Bonald e Saint-Simon

Este texto foi apresentado em seminário promovido pela área temática “Estado, sociedade e educação” do Programa de Pós-Graduação em Educação e pelo Grupo de Pesquisa “Educação, Sociedade Civil e Estado” do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da Faculdade de Educação da USP, realizado em novembro de 1995. Por Luiz Antônio Cunha. Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo (Pesquisador-visitante, bolsista FAPESP).

Estas notas visam destacar passagens do pensamento desses três precursores da sociologia no que diz

respeito, especialmente, a uma questão que mantém sua atualidade: a distinção social entre a educação pública e a educação privada.

Considerando que a sociologia, pelo menos em sua forma universitária, nasceu de uma pedagogia, pelo

magistério de Durkheim, propus-me a uma revisão do pensamento dos precursores da disciplina, no que concerne à educação, com o objetivo de identificar gérmens da sociologia da educação. Na primeira aproximação, cujos resultados são apresentados neste texto, foram examinadas obras de

Rousseau e Bonald que escreveram trabalhos especialmente dedicados ao tema. Do primeiro, temos o

celebrado Emílio. e, do segundo, o desconhecido Théorie de l’éducation sociale. Saint-Simon não dedicou a esse tema nenhum livro, mas atrevo-me a focalizar a projeção do pensamento que ele poderia ter tido a respeito, deduzindo-o de seu industrialismo. Para tanto, vou me valer do livro de Júlio Verne, Paris no século XX.

Rousseau foi um típico filósofo do Iluminismo, movimento de idéias predominante no século XVIII. Ainda

que não fossem homogêneos nas idéias a respeito do homem e da sociedade, os filósofos iluministas pretendiam que a razão iluminasse as trevas da superstição e da ignorância com suas luzes, de modo que as descobertas científicas pudessem se estender por todo o mundo Para isso, seria necessário, em primeiro lugar, recusar o princípio de autoridade (tão caro à Igreja Católica e seus dogmas) e a concepção de que o homem é escravo da história: ele deveria ser o seu senhor.

O processo revolucionário ainda estava em seu início quando surgiu toda uma nova concepção do homem

e da sociedade, que passou a ser utilizada, também, como força material de uma contra-revolução que, de alguma maneira, se esperava ou se preparava. Onde os filósofos iluministas viam superstições, passou-se a perceber as idéias fundamentais que constituíam a sociedade. Ao invés de festejarem a razão e o novo, os românticos celebravam o sentimento e a tradição. No lugar da autonomia individual, a sujeição à autoridade. Ao invés do mecânico, o orgânico.

As mudanças decorrentes da Revolução Francesa e de seus desdobramentos criaram condições para um

pensamento novo que desse conta das novas condições sociais, inclusive e particularmente da industrialização. Embora mais atrasada do que a Inglaterra na produção industrial, a França passava por profundas mudanças trazidas por um novo modo de produzir e de pensar, que acarretavam novos conflitos e até mesmo novos atores sociais, como a classe operária. Ora, tanto o Iluminismo (esgotado pela própria política revolucionária) quanto o romantismo (ultrapassado pelo dinamismo social) mostravam-se incapazes dessa tarefa. Saint-Simon defrontou-se com as duas tradições de pensamento e procurou uma síntese que desse conta dessa nova realidade.

Passemos, então, a cada um dos pensadores anunciados.

Page 8: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

8

1.1 Rousseau: a educação do homem individual/social Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) nasceu em Genebra, na Suíça, filho de um culto relojoeiro. Órfão de

mãe muito cedo, foi criado pelos tios. Com 16 anos abandonou Genebra e foi para Annecy, na Sabóia (Reino da Sardenha), onde passou a viver numa espécie de pensionato para jovens. Aí se converteu ao catolicismo (era protestante de origem) e completou sua formação humanística. Em 1741, então com 29 anos, mudou-se para Paris, onde passou a manter-se dando aulas de música e copiando partituras, atividade que exerceria até o fim da vida. Rousseau publicou textos sobre música (inclusive um dicionário especializado) e teatro; compôs duas óperas — uma delas chegou a ser representada para Luís XV. Já no ano seguinte ao de sua chegada à capital francesa, estabeleceu relações com os filósofos iluministas (Voltaire, Diderot, D’Alembert), tendo sido convidado a escrever verbetes para a Enciclopédia, entre eles o de economia política.

Incentivado por Diderot, Rousseau escreveu o Discurso sobre as ciências e as artes para o concurso da

Academia de Dijon, obtendo efetivamente o primeiro prêmio (1750). Mas foi com o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, escrito para o mesmo propósito, que, embora não alcançando o mesmo resultado, veio a ter reconhecimento editorial (1755). Seu sucesso se estendeu à literatura de ficção, com Júlia ou a nova Heloísa (1761). Rousseau havia se transformado, então, no autor da moda em Paris.

As idéias germinadas no segundo discurso foram desenvolvidas no Contrato social e em Emílio ou da

educação, ambos publicados em 1762. As reações contra essas duas obras foram tremendas, e de diferentes lados, inclusive de seus amigos filósofos e do clero, que desfechou ataques contra quem consideravam um inimigo da ordem pública (isto é, da monarquia) e da religião. O Parlamento de Paris condenou Emílio à fogueira e o autor à prisão, de que escapou fugindo, sendo acolhido por David Hume na Inglaterra (1766). Embora o segundo discurso tivesse sido dedicado à cidade de Genebra, cujos cidadãos e magistrados foram elogiados pela liberdade de que gozavam e pela sabedoria com que geriam os negócios públicos; embora, ainda, Rousseau tivesse sido entusiasticamente recebido em sua cidade natal em 1754, Emílio foi também aí condenado.

Em 1767, Rousseau recebeu autorização para retornar à França, onde retomou as cópias de partituras

musicais, os estudos de botânica e os escritos autobiográficos, assim como a poesia. Mas foi nesse período de declínio de sua obra de filosofia social que ele exerceu sua mais controvertida atividade, a de assessor político. A exemplo do que fizera em 1765, redigindo, a pedidos, uma Constituição para a Córsega, o filósofo elaborou, em 1772, um projeto de reforma do governo da Polônia. Esses textos de política prática foram muito criticados, como se eles renegassem sua obra teórica, orientada para a igualdade e a liberdade. Rousseau foi contemporâneo da Revolução Industrial, então em curso na Inglaterra, e pôde assistir a todas as conseqüências que acarretava para o advento de um mundo novo. Diante desse fato, o filósofo, que não prezava o mundo feudal, buscava retardar e se prevenir diante das mudanças ameaçadoras que se anunciavam. Manifestava um marcante pessimismo, que se expressa na idéia que permeia seus trabalhos, a de que o homem é naturalmente bom, a sociedade é que o corrompe. Como também na surpreendente primeira frase de uma obra pedagógica: “Tudo é certo em saindo das mãos do Autor das coisas, tudo degenera nas mãos do homem” (Emílio, p. 9). No entanto, seu pensamento acabou por ser adotado por quem queria acelerar a destruição do mundo feudal e a construção da sociedade capitalista. De fato, mais do que um ideólogo datado, Rousseau deu à história das idéias uma importante contribuição, inclusive para o nascimento da sociologia. Se eu tivesse de me restringir a uma pequena citação que resumisse a contribuição do pensamento de Rousseau para o nascimento dessa disciplina, minha escolha seria a seguinte: “É preciso estudar a sociedade pelos homens, e os homens pela sociedade; os que quiserem tratar separadamente da política e da moral nunca entenderão nada de nenhuma das duas” (Emílio, p. 266).

Ao contrário de Montesquieu, que se propôs compreender as leis tal como existem, a partir das condições

reais que as geraram, Rousseau inicia O contrato social com a preocupação de tomar os homens como são e as leis como podem ser. Sua preocupação é unir o que o direito permite e o interesse prescreve, a fim de que a justiça e a utilidade não fiquem separadas.

Seu ponto de partida é a surpreendente constatação: “O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se

a ferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles” (Contrato, p. 28).

Page 9: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

9

Essa ordem social aprisionadora não se origina na natureza, mas se funda em convenções. Só a família, a mais antiga de todas as sociedades, é natural e não resulta de convenções. Ela é o primeiro modelo das sociedades políticas, estas sim criadas por convenções.

A convenção fundamental, o contrato social, é apresentada por Rousseau não como uma certeza nem

como um axioma, mas como uma suposição — uma hipótese de trabalho. Assim ele inicia o capítulo sobre o pacto social: “Suponhamos os homens chegando àquele ponto em que os obstáculos prejudiciais à sua conservação no estado de natureza sobrepujam, pela sua resistência, as forças de que cada indivíduo dispõe para manter-se nesse estado. Então, esse estado primitivo já não pode subsistir, e o gênero humano, se não mudasse de modo de vida, pereceria” (Contrato, p. 37 grifo meu).

Conservar seus bens e a si mesmo seria o motivo racional para que os homens efetivassem o contrato

social. Sua razão então seria: “Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes” (Contrato, p. 38).

Isso implica na “alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade toda”.

(Contrato, p. 39) O ato de cada um pôr em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção suprema da vontade geral é vantajoso porque: 1) cada um dando-se completamente, a condição é igual para todos; e 2) sendo assim, ninguém se interessa por tornar essa condição onerosa para os demais. “Enfim, cada um dando-se a todos, não se dá a ninguém.” (Contrato, p. 39)

O que cada indivíduo perde com o contrato social é a liberdade natural e a posse (efeito da força ou o

direito do primeiro ocupante); por outro lado, ganha a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Qualquer que seja a forma pela qual se dê a aquisição de bens pelos indivíduos, o direito que cada um tem sobre seus bens está sempre subordinado ao direito que a comunidade tem sobre todos, sem o que o liame social não teria solidez, nem o exercício da soberania teria uma força verdadeira.

Foi a oposição dos interesses particulares que exigiu o estabelecimento das sociedades. Mas foi o acordo

desses mesmos interesses que possibilitou o contrato social, quer dizer, o nascimento das sociedades. O Estado é uma pessoa moral, que consiste na união de seus membros. Sua maior preocupação é com a

conservação desses membros, para o que precisa dispor de uma força universal e compulsiva para mover e dispor cada parte de maneira mais conveniente a todos. “Assim como a natureza dá a cada homem poder absoluto sobre todos os seus membros, o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus, e é esse mesmo poder que, dirigido pela vontade geral, ganha, como já disse, o nome de soberania” (Contrato, p. 54).

Enquanto o filósofo celebra a vontade geral e a prevalência dos negócios públicos sobre os particulares,

bem como estuda a gênese e a anatomia da desigualdade entre os homens (no segundo discurso e no Contrato social), em sua obra pedagógica Emílio, ele valoriza a educação típica da nobreza: não só seu aluno paradigmático é um jovem abastado e “de berço”, como, também, a relação pedagógica é a que une o preceptor ao discípulo.

Em “Economia política”, verbete da Enciclopédia, publicada no mesmo ano do Discurso sobre a

desigualdade (1755), Rousseau apresenta uma concepção social da educação bem distinta do individualismo que emana de Emílio.

Naquele curto texto, a educação pública é a mais importante tarefa da economia política, entendida como

administração pública. Ela é um dos princípios fundamentais do governo popular ou legítimo. Se é bom saber empregar os homens tais quais são, é muito melhor tornar quais se tem necessidade que

sejam: a autoridade mais absoluta é aquela que penetra no íntimo do homem e que se exerce sobre a vontade tanto quanto sobre as ações. É certo que os povos, em grande parte, são aquilo que o governo os faz ser (“Economia”, p. 160).

Mas formar cidadãos não é tarefa de um dia. Seria preciso educar os indivíduos ainda meninos. Eles

deveriam ser exercitados a não levar em conta sua própria individualidade, a não ser em suas relações com o corpo

Page 10: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

10

do Estado. Sua existência individual deveria ser percebida como parte da existência do Estado. A conseqüência esperada por Rousseau é que os jovens se identificassem com esse “todo maior”, que se sentissem membros da pátria e passassem a amá-la. Se as crianças fossem educadas em comum e em absoluta igualdade; se assimilassem as leis do Estado e os princípios da vontade geral; se fossem educadas para respeitar esses princípios acima de tudo; se fossem cercadas de exemplos e de coisas que lhes remetessem à “terna mãe que os nutre” e do amor que ela tem por todos, o filósofo acreditava que o sentimento fraternal seria compartilhado por todos. Como resultado, iriam querer apenas aquilo que a sociedade quisesse.

A educação preconizada para as crianças deveria ser bem regulada, calcada mais nos deveres do que nos

direitos. Desde o primeiro momento da vida é preciso começar a merecer a viver; uma vez que, nascendo, tornamo-

nos participantes dos direitos dos cidadãos, o momento de nosso nascimento deve ser o início do exercício de nossos deveres. Se existem leis para a idade adulta, devem ser também para a infância: que ensinem a obedecer aos outros e, como não se deixar a razão de cada homem ser o único árbitro dos seus deveres, tanto menos se deve deixar às luzes e preconceitos dos pais a educação dos filhos, que concerne mais ao Estado que aos pais; de fato, e segundo o curso natural das coisas, a morte subtrai ao pai os últimos feitos da educação que começara, enquanto a pátria sente seus efeitos cedo ou tarde: o Estado permanece, a família se dissolve (“Economia”, p. 169).

Rousseau não pretende diminuir o papel dos pais na educação das crianças com a posição proeminente

atribuída ao Estado nessa matéria. Para ele, os pais nada mais fazem do que trocar de nome, já que, como cidadãos, têm em comum a mesma autoridade que exerciam sobre os filhos, separadamente, no âmbito familiar.

A educação pública seria exercida por magistrados indicados pelo Estado, conforme regras por ele

prescritas. A “magistratura educacional” deveria ser o prêmio do trabalho, o doce e honrado repouso da velhice, o ápice de todas as honras para aqueles que tenham assumido dignamente as outras funções públicas.

No entendimento de Rousseau, apenas três povos antigos praticaram a instrução pública, no sentido assim

definido: os cretenses, os lacedemônios e os persas, estes com o maior sucesso.2 Quando as nações se tornaram demasiado grandes para serem bem governadas, a educação pública já não foi mais utilizada. Além dessa razão, Rousseau alude a outras razões “que o leitor pode facilmente perceber”, responsáveis pela inexistência da educação pública em qualquer povo moderno. Suponho que o filósofo quisesse que o leitor da Enciclopédia pensasse na Igreja Católica, especialmente na Companhia de Jesus.

Enquanto o filósofo celebra a vontade geral e a prevalência dos negócios públicos sobre os particulares no

Contrato social, em sua obra especificamente pedagógica, Emílio, ele valoriza o individualismo mais extremado, a ponto de dizer que seria preciso optar entre formar o homem e fazer dele cidadão. Vejamos como essas idéias se articulam.

Num alentado texto de mais de quinhentas páginas, Rousseau apresenta bem mais do que um tratado de

pedagogia. Coerente com sua posição de que para bem educar é preciso dispor de toda uma visão do homem e da sociedade, ele inclui boa parte do Contrato social no Emílio. Vou apresentar um resumo do pensamento aí exposto, focalizando, especialmente, dois temas que me parecem centrais: o trabalho, a religião e a mulher.

Embora o filósofo diga que escreveu essa obra motivado pela vontade de agradar “a uma boa mãe que

sabe pensar”, seu alcance ultrapassa a destinatária, se é que realmente existiu. Para a concepção de homem e de sociedade de Rousseau, suas idéias teriam de resultar numa pedagogia.

Para ele, tudo o que não temos ao nascer, e de que precisamos quando adultos, nos é dado pela

educação. Ela provém da natureza, dos homens ou das coisas. O desenvolvimento interno de nossas faculdades e de nossos órgãos é a educação da natureza; o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento é a educação dos homens; e o ganho de nossa própria experiência sobre os objetos que nos afetam é a educação das coisas.

Dessas três, a educação dos homens é a única que podemos realmente controlar e, mesmo assim, por

suposição. Mas nem por isso Rousseau mostra apreço pela educação escolarizada. Apesar da estima que declarou ter por certos professores da Universidade de Paris, não via como “uma verdadeira instituição pública esses

Page 11: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

11

estabelecimentos ridículos a quem chamam colégios” (Emílio, p. 14). Resta a educação doméstica, sobre a qual Rousseau vai concentrar sua atenção. A ela o filósofo dá uma especial importância:

[...] a educação do homem começa com seu nascimento; antes de falar, antes de compreender, já ele se instrui. A experiência adianta-se às lições; no momento em que conhece sua ama, já muito ele adquiriu. Surpreenderiam-nos os conhecimentos do homem mais bronco, se seguíssemos seu progresso desde o momento em que nasceu até aquele a que chegou. Se se dividisse toda a ciência humana em duas partes, uma comum a todos os homens, outra peculiar aos sábios, esta seria muito pequena em comparação com a outra. Mas não pensamos quase as aquisições gerais, porque elas se fazem sem que nelas pensemos e até antes da idade da razão. De resto, o saber só se faz notar pelas diferenças e, como nas equações de álgebra, as quantidades comuns não contam (Emílio, p. 42).

Para apresentar suas idéias pedagógicas, o filósofo construiu uma situação ideal que se assemelha à

rigorosa construção do objeto de pesquisa nas Ciências Sociais. Na educação imaginada, o próprio filósofo seria o preceptor de um jovem nobre. Com esse artifício, ele não queria dizer como deveria ser a educação dos jovens nobres. Seu interesse estava com o homem em geral, vale dizer com a educação de uma criança que não ficasse restrita a sua condição social. Aliás, trata se de um ponto em que Rousseau foi incisivo ao defender uma educação que levasse em conta a possibilidade de mudanças sociais que pudessem levar a mudanças revolucionárias. Se o senhor tivesse de se tornar mendigo, que não levasse consigo os preconceitos de sua condição anterior; se um rico empobrecesse, que não persistisse no desprezo pelos pobres. Até mesmo o monarca pode tornar-se súdito. Logo, o melhor a fazer nesse tempo de tão profundas mudanças é educar não em função da condição imediata da criança, mas a prepará-la para viver em qualquer situação. Para isso seria preciso justamente atuar sobre o homem abstrato.

Na ordem social, em que todos os lugares estão marcados, cada um deve ser educado para o seu. Se um

indivíduo, formado para o seu, dele sai, para nada mais serve. A educação só é útil na medida em que sua carreira acorde com a vocação dos pais; em qualquer outro caso ela é nociva ao aluno, nem que seja apenas em virtude dos preconceitos que lhe dá. [...] Na ordem natural, sendo os homens todos iguais, sua vocação comum é o estado de homem, e quem quer seja bem educado para esse, não pode desempenhar-se mal dos que com esse se relacionam. Que se destine meu aluno à carreira militar, à eclesiástica ou à advocacia, pouco me importa. Antes da vocação dos pais, a natureza chamou-o para a vida humana. Viver é o ofício que lhe quero ensinar. Saindo de minhas mãos, ele não será, concordo, nem magistrado, nem soldado, nem padre; será primeiramente um homem. Tudo o que um homem deve ser, ele o saberá, se necessário, tão bem quanto quem quer que seja; e por mais que o destino o faça mudar de situação, ele estará sempre em primeiro lugar (Emílio, p. 15).

A ocupação produtiva (“que pode outorgar a subsistência ao homem”) que mais se aproxima do estado

natural é o trabalho artesanal. Para Rousseau, o artesão só depende de seu trabalho. Ele é tão livre quanto o lavrador é escravo, pois este está preso ao campo, cuja colheita está à mercê de outrem. O inimigo, o príncipe, um vizinho poderoso, um processo, podem tomar-lhe a terra. Por sua dependência, o lavrador pode ser humilhado de mil maneiras, o que não acontece com o artesão, pois diante de uma situação adversa, ele toma sua bagagem e seu braço e vai-se embora.4 Entretanto, a agricultura é o primeiro ofício do homem: o mais honesto, o mais útil e por conseguinte o mais nobre que se possa exercer. Emílio aprenderá a agricultura mas não irá praticá-la. Vai aprender e praticar um ofício artesanal — e isso é para Rousseau questão fechada.

Trata-se menos de aprender um ofício, para saber um ofício, do que para vencer os preconceitos que o

desprezam. Nunca sereis forçado a trabalhar para viver. Tanto pior. Mas pouco importa; não trabalheis por necessidade, trabalhai por prazer. Abaixai-vos à condição de artesão para que fiqueis acima da vossa. Para dominar a sorte e as coisas, começai tornandovos independente. Para reinar pela opinião começai reinando sobre ela (Emílio, p. 215).

O ofício que ele gostaria que seu discípulo aprendesse é o de marceneiro: é limpo e útil, pode ser exercido

em casa, mantém o corpo em atividade, exige do artesão engenho, habilidade, elegância e gosto. Ademais, se Emílio viesse a se dedicar às “ciências especulativas”, ele poderia empregar o que aprendeu para fazer instrumentos como lunetas, telescópios etc.

Se o pedagogo mostrou a preferência pela marcenaria, não deixou de evidenciar seu desprezo por outros

ofícios artesanais, pelo automatismo que neles via ou pela força que exigiam:

Page 12: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

12

[...] não gostaria dessas profissões estúpidas em que os operários, sem engenho e quase autômatos, só exercitam suas mãos no mesmo trabalho; os tecelões, os fazedores de meias, os canteiros: que adianta empregar nesses ofícios homens de bom senso? É uma máquina que conduz outra (Emílio, p. 222).

1.2 Bonald: a educação do homem social Louis de Bonald (1754-1840) era visconde, oficial dos mosqueteiros do rei e prefeito (maire) de Millau, na

França, sua cidade natal, quando eclodiu a Revolução. e início ele foi favorável às idéias revolucionárias, mas reformulou sua posição logo após a Constituição Civil do Clero (1791). Depois de seis anos de exílio na Alemanha (Constança e Heidelberg), retornou à França. Napoleão, que apreciou seu livro Théorie du pouvoir politique ET religieux (1796), nomeou-o conselheiro titular da Universidade da França (1810), mas ele se recusou a assumir encargos docentes. Com o fim do poder de Napoleão e a restauração da monarquia (1814), foi deputado 1815-1823), ministro de Estado de Luís XVIII, diretor da censura de Carlos X e par e França. Foi eleito para a Academia Francesa (de Letras). Seu pensamento político e social foi sintetizado na Démonstration philosophique du príncipe constitutif de La societé (1830).

Ao contrário do que queriam os iluministas, o homem é, para Bonald indissociável da sociedade

principalmente da sociedade religiosa. Deus governa os homens por meios humanos, por isso é que se fez homem para regenerar as sociedades humanas. “Os olhos maldosos do ódio só se fixaram num canto do quadro, eles só viram o particular, o homem; eu só vi o geral, a sociedade. Eles acreditaram que o homem fez a sociedade, mas eu creio que que a sociedade faz o homem [...]” (Démonstration, p. 444).

Nessa completa inversão da concepção rousseauniana da relação indivíduo- sociedade, Bonald tem o

conceito de sociedade como central em seu pensamento: “A sociedade é a reunião de seres semelhantes para sua produção e sua conservação mútuas, e de seus elementos naturais e constitutivos” (Démonstration, p. 440).

Essa definição se aplica tanto à sociedade em geral como às diferentes espécies de sociedades

particulares — doméstica, civil e religiosa —, assim como às suas combinações. Elas se distinguem das associações (como as empresariais), que são obras humanas, e podem ser dissolvidas à vontade. Bonald foi procurar na religião a constituição natural e geral da sociedade. A definição de religião do filósofo é a seguinte: “[...] uma consciência mais ou menos distinta e razoável de um ser invisível e todo poderoso, criador dos seres subordinados, a quem o homem atribui os bens e os males da vida, e do qual ele se esforça por merecer os benefícios ou de aplacar a ira” (Démonstration, p. 501).

O homem não encontra em si mesmo e em sua razão individual o fundamento das crenças religiosas,

sejam elas quais forem. Elas só podem ser encontradas na sociedade. O filósofo se pergunta, encaminhando a resposta positiva, se a facilidade com que o cristianismo havia se propagado na Antigüidade pelos povos pagãos e, no seu tempo, pelos “povos selvagens”, não poderia ser resultado (independentemente das obras sobrenaturais que acompanhavam sua presença) de alguma coisa que se agregasse aos pensamentos, aos sentimentos do homem social, mesmo sem o seu conhecimento, para os esclarecer e dirigir. Seria uma espécie de assimilação, da mesma forma como se dá com as substâncias alimentares que ingerimos, que nutrem nossos corpos, sem que conheçamos sua natureza e sua relação conosco, sem saber como elas agem em nosso organismo e se convertem em nosos diferentes humores.

Uma vez que a idéia da divindade entrou no mundo (pela revelação, de alguma maneira), ela se

diversificou ao infinito, fosse pelo desenvolvimento que os homens lhe deram, fosse pelas alterações que lhe impuseram. De todo modo, transmitida pela língua, de geração a geração, ela não sai jamais da sociedade.

Embora Bonald chame a sociedade religiosa de “mãe de todas as sociedades”, é na família que ele vai

encontrar o modelo comum a todas as sociedades. O gênero humano começou por uma família e continua constituído por famílias. Cada família tem três elementos — pai, mãe, filho. Ao contrário dos animais, que nascem perfeitos, o homem, além de produzir, tem de conservar sua prole. O homem nasce apenas perfectível, e tem de tudo receber da sociedade.

Page 13: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

13

A cada um dos elementos da sociedade doméstica corresponde uma pessoa social. Ao pai, à mãe e ao filho correspondem o poder, o ministro e o súdito. O pai age tanto para a produção quanto para a conservação. E o faz pelo ministério da mãe, que concorre para a realização da vontade e da ação do poder. O filho, submetido a essa vontade e a essa ação, é o produto de um e de outro, no que diz respeito à produção e à conservação. Se o pai é poder, a mãe é autoridade, pois necessita ser autorizada pelo esposo.

A sociedade política, também chamada de Estado ou governo, é uma sociedade de produção e

conservação de famílias. O poder público não foi resultado de um contrato nem de uma imposição. Ele foi necessário, conforme a natureza da vida dos seres humanos em sociedade. As causas e a origem do poder público foram todas naturais. Os homens foram unidos para enfrentar um perigo comum diante de inimigos poderosos ou de animais. Além desse inimigo externo, existiu, também a necessidade de reprimir um inimigo interno que, movido pelas paixões, ameaçava a tranqüilidade da cidade e o repouso das famílias. Por uma razão, por outra ou por ambas, a criação do poder público se deu mediante a iniciativa de um homem forte. Em conseqüência, foi o poder que distinguiu e classificou as demais pessoas sociais, conforme procedimentos que não nos permitem encontrar o mais leve traço de soberania popular. As funções essenciais do poder são julgar e combater. As dos ministros, o conselho e o serviço para secundar sua ação. Como na sociedade política tudo é feito para a utilidade dos súditos, eles não têm propriamente nada a fazer. Os súditos só têm poder e funções na sociedade doméstica.

O poder público só pode ser independente (com relação aos súditos) se for proprietário da terra, pois toda

outra riqueza, imobiliária ou comercial, depende dos homens e de seus eventos. Em suma, a família torna-se povo e a religião, de doméstica, torna-se pública. Na sociedade civil como na sociedade religiosa, Bonald vê sempre poderes que comandam, súditos que obedecem e, entre eles, com diversos nomes, ministros, meios ou intermediários, que, submetidos ao poder, recebem deste para transmitir aqueles. Esta hierarquia de pessoas e de funções forma a “constituição natural de toda a sociedade”, também chamada de “sistema eterno da sociedade”.

Na monarquia real, as três sociedades que compõem o “edifício social” são a sociedade religiosa (o clero),

a sociedade política (a nobreza) e a sociedade doméstica (o terceiro estado). Essas três ordens representam as três coisas que constituem toda sociedade: as luzes, a propriedade e o trabalho. Elas integram os Estados Gerais.

Na Teoria da educação social, Bonald trata de várias questões além da educação propriamente dita. Aos

capítulos sobre a educação doméstica, dos colégios, dos alunos, ele acrescenta outros sobre a administração geral, a nobreza, o exército, os costumes, as letras, a filantropia pública, as finanças,

1.2.1 Sociedade, Estado e Educação. O que dá unidade a todo esse conjunto, justificando o título da obra, é a preocupação geral com a

constituição da sociedade. Na sociedade conturbada de seu tempo, sacudida por revoluções, cumpria dirigi-la para o caminho natural de onde havia sido desviada. Assim, a educação social no pensamento de Bonald pode ser entendida em dois sentidos bem articulados: a educação dos jovens para que exerçam uma “profissão social” e a educação dos adultos no sentido de conservar a sociedade.

Três tipos de pessoas estão na sociedade mais do que são dela. Pertencem mais à sociedade natural do

que à sociedade política; pertencem mais às suas famílias do que ao Estado. São as crianças, as mulheres e o povo, que correspondem, respectivamente, à fraqueza da idade, do sexo e da condição social. Essas pessoas mantêm com a sociedade uma relação assimétrica: a sociedade deve protegê-las, mas elas não são feitas para proteger a sociedade.

O povo, isto é, os que exercem profissões puramente mecânicas e contínuas, permanecem no estado

habitual da infância, são apenas coração e sentimento. Seu espírito não pode se aplicar suficientemente sobre os objetos dos conhecimentos humanos, a ponto de ser possível e útil dar-lhes esses conhecimentos. A razão do povo deve ser seu sentimento. Portanto, é seu coração que deve ser dirigido e formado, não seu espírito.

No entanto, nessa classe encontram-se pessoas que a natureza eleva acima de sua esfera, que ela destina

ao exercício de alguma profissão útil à sociedade. Para que essas pessoas possam cumprir seu destino, a sociedade lhes dá os primeiros elementos dos conhecimentos, que nem a natureza nem a razão podem suprir. Esse

Page 14: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

14

é o objetivo das pequenas escolas situadas nas cidades e vilas, onde se ensina a ler, a escrever, os princípios da religião e da aritmética.

Bonald diz que um erro muito comum nos que muito leram, pouco meditaram e menos ainda observaram é

acreditarem na existência de talentos latentes na maioria das pessoas. Os philosophes (os iluministas?) crêem também na existência de espíritos que eles não vêem. Nesse sentido, muitos autores que escreveram sobre a educação pública tiveram essa quimera na mente. E, por quererem desenvolver os talentos escondidos, eles não cultivaram ou não formaram as disposições conhecidas e comuns a todos os homens. Eles só observaram o povo de suas janelas e só o estudaram nos livros. Saber ler e escrever não é mesmo necessário à felicidade física ou moral do povo ou aos seus interesses.

A sociedade dá ao povo uma garantia mais eficaz contra a trapaça e a má-fé. O que todo o povo precisa é

da religião, dos costumes e de uma honesta comodidade. Ele precisa do sentimento para manter a religião; de bons exemplos e das leis executadas para manter os costumes; e de trabalho para manter a comodidade.

Para Bonald, o homem é espírito, coração e sentimento, mas suas faculdades só se desenvolvem uma

depois da outra. A criança só tem sentimento, depois o coração se revela. Ambos devem ser objeto da educação doméstica, que se destina ao homem natural.

Mais tarde, propiciado pelos conhecimentos elementares fornecidos pela educação doméstica, o espírito se

desenvolve. Agora começa o homem social, cujo espírito é dado pela sociedade. Ele tem vontades e opiniões, que é preciso regular e guiar. O objeto da educação social é, então, orientar para seu uso todas as faculdades do homem; ela tem o direito de formar para a utilidade geral todas as suas faculdades: a faculdade de querer, de amar, de agir — seu espírito, seu coração e seu sentimento.

Há na sociedade profissões que são necessárias à conservação da sociedade natural, e outras,

necessárias à conservação da sociedade política. Assim, há famílias políticas ou sociais e famílias naturais. Se as primeiras não tiverem os meios para dar a suas crianças uma educação social, a sociedade, em seu próprio interesse, deve vir em sua ajuda.

Bonald examina a objeção de que se o Estado está obrigado a educar as crianças das famílias sociais que

não dispuserem dos meios de fazê-lo por si mesmas, disso resultaria desigualdade entre os diversos membros da sociedade. Para contestar essa objeção, ele recorre à explicação sobre as diferenças entre os homens. Para conhecer aqueles que trabalham mais e melhor (obrigação que a natureza impõe a todos os homens), que cumprem melhor seu dever, há um método infalível, público, isento de toda contestação: é pela sua fortuna.

Aquele que enriquece é, portanto aquele que trabalha mais e que trabalha melhor, que cumpre mais

perfeitamente com seus deveres naturais, que apresenta a melhor garantia de sua aptidão em preencher os deveres políticos, que merece ser distinguido e sua família, ser enobrecida (Théorie, pp. 247-248).

Assim, o homem que enriquece e enobrece sua família pela compra de cargos nada mais faz do que provar

à sociedade que ele merece que sua família seja admitida a cumprir com os deveres políticos, pela sua aplicação e sua aptidão no cumprimento dos deveres naturais. Bonald nem mesmo aceita a objeção de que possa haver meios desonestos de enriquecimento numa sociedade constituída. Não se poderia admitir que o enobrecimento proviesse apenas dos serviços distinguidos prestados à sociedade, senão apenas duas famílias por século seriam admitidas à nobreza, enquanto que as necessidades da sociedade exigem um número um pouco maior.

Bonald defende que deverão ser admitidos nos colégios (no ensino secundário) os filhos de todas as

famílias que devam ou que possam lhes dar a educação social ou pública. Toda família que não exerce uma profissão social, mas que deseja dar a suas crianças uma educação

social (ou pública), demonstra que tem a intenção de torná-las úteis à sociedade, e pode se elevar ao nível das famílias sociais ou distinguidas. A sociedade não pode pagar a educação dessas crianças porque ignora se elas vão querer ou se vão poder abraçar uma profissão social ou se sua família terá as qualidades necessárias para se elevar ao nível de uma família social. Mas deve admiti-las nos estabelecimentos públicos e, assim, facilitar-lhes os meios de serem úteis. Assim, a sociedade deverá admitir em seus estabelecimentos de educação pública todas as

Page 15: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

15

crianças sãs de corpo e de espírito, cujas famílias tenham a intenção e os meios de lhes dar a educação social. Só não poderá assumir os encargos financeiros desses estabelecimentos.

É preciso que os pais sejam persuadidos de que a educação social não tem por objetivo tornar os jovens

mais sábios, mas, sim, torná-los bons e próprios para receber a educação particular da profissão à qual estão destinados, e que eles estão no colégio menos para se instruírem do que para se ocuparem (Théorie, p. 249-250).

1.3 Saint-Simon: a educação do homem industrial Claude-Henri de Rouvroy, conde de Saint-Simon (1760-1825), desde muito jovem mostrou inconformidade

com as condições sociais, buscando mudanças em seu modo de vida pessoal. Participou como capitão do corpo expedicionário francês na luta dos colonos da América contra a dominação britânica. Conheceu, então, uma sociedade bem diferente da sua. Deparou com um modo de vida onde o comércio e a indústria eram atividades muito valorizadas livres dos entraves feudais que persistiam na França. De volta a seu país, apoiou a Revolução, abriu mão de seu título nobiliárquico, mas não desempenhou nenhum papel ativo, por julgar que as pessoas de origem aristocrática deveriam aguardar o desfecho das disputas políticas.

Enquanto o processo revolucionário se estabilizava, Saint-Simon dissipou sua fortuna na promoção de uma

convivência mundana com intelectuais e artistas, aproveitando para se instruir. Freqüentou cursos na Escola Politécnica e na Escola de Medicina, onde a interação com os professores propiciou-lhe a participação em diversas experiências. Foi só após 1805, completamente arruinado financeiramente, que ele veio a escrever a quase totalidade de sua obra, valendo-se do amparo de amigos no governo.

Além de ser um protagonista político, Saint- Simon extraiu das lutas de que participou elementos para a

construção de uma verdadeira matriz teórica, unindo teoria e prática política de um modo original. Criador do positivismo como filosofia, desenvolveu incansável atividade panfletária contra os “ociosos” e em prol dos industriais, os únicos que poderiam assessorar o rei na direção dos negócios públicos, de preferência exercendo eles o poder diretamente.

A ciência foi anunciada como a substituta da religião, depois sua parceira na condução da humanidade em

direção à harmonia e ao bem comum. Como um dos pioneiros do socialismo enquanto doutrina social, insistiu na distinção entre sociedade e Estado, condição para se empreender uma organização social e até um governo da sociedade sem poder estatal, no sentido político do termo; na igualdade entre os homens em cooperação, em lugar da exploração do homem pelo homem; no fim do direito de herança; na contribuição de cada um segundo suas capacidades e na retribuição a cada um conforme suas necessidades individuais.

Como os filósofos do Iluminismo, ele confiava no poder da razão para transformar o mundo, recusando-se

a aceitá-lo como estava, adotando uma posição internacionalista e otimista quanto ao futuro da humanidade. Afastava-se deles na avaliação da Idade Média, não aceitando seu julgamento de que teria sido uma época dominada pela superstição e pela ignorância. Não escondia sua admiração pela sociedade feudal, no que tinha de força coesiva representada pelo clero, e a religião como idéia dominante, propiciando a unidade de toda a Europa, tendo no papa a direção intelectual. Mas ao contrário dos românticos, não aceitava que a Idade Média européia pudesse ser o modelo do mundo novo, pois a ciência e a indústria, desde que estas apareceram na sociedade feudal, determinaram a sua morte e se converteram nos princípios essenciais de uma nova sociedade.

Saint-Simon insistiu em mostrar a existência, na França pós-revolucionária, de uma contradição entre o

progresso constante da indústria e as idéias comuns dos industriais. As idéias dominantes do feudalismo persistiam, impedindo os industriais de desenvolverem todas as suas possibilidades objetivas. Eles continuaram pensando como discípulos dos “metafísicos” (principalmente os iluministas), com aspirações à nobreza, não desenvolvendo uma consciência dos interesses de sua classe, prolongando, assim, sua posição subalterna.

O lugar ocupado pela burguesia deveria ter sido preenchido por um poder espiritual intermediário, já que os

homens não podem passar de uma só vez e inteiramente de uma doutrina a outra. O único papel desse poder espiritual passageiro seria o de operar a transição de um sistema para outro, que, plenamente em funcionamento, o dispensaria.

Page 16: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

16

Esse poder espiritual não seria o do clero atual, que tinha se tornado “um encargo sem benefício para a última classe da sociedade”, já que todas as suas prédicas se destinavam a levar os pobres à obediência passiva dos ricos e dos privilegiados, os quais, por sua vez, deveriam obedecer cegamente, primeiro ao papa, depois ao rei. Mas, se o clero estava ultrapassado, o mesmo não acontecia com o Cristianismo, doutrina de grande atualidade na sociedade industrial.

Em De l’organisation sociale, Saint-Simon dizia que o poder espiritual ou científico deveria ser

institucionalizado em duas academias separadas. A Academia de Ciências definiria um código de interesses, enquanto que a Academia de Belas Artes trataria de um código de sentimentos. Elas atuariam conjuntamente no estabelecimento de uma doutrina relativa à instrução pública.

Embora a religião e o clero tivessem perdido o lugar que ocupavam na sociedade feudal, a sociedade

industrial plenamente constituída necessitaria de seu equivalente funcional. O pensamento científico substituiria o dogma religioso e os cientistas ocupariam o lugar do clero. Mas a ciência não poderia ser apreendida da mesma maneira por todos os indivíduos. Para os que fossem intelectualmente menos capazes, a verdade científica seria difundida mediante rituais, cultos e processos místicos. A elite educada, ao contrário, apreenderia a ciência diretamente. Assim, uma nova força coesiva se desenvolveria, garantindo a unidade da sociedade. Aí está o lugar do pensador social como protagonista na difusão das novas formas de pensamento: a difusão de uma ética baseada no pensamento positivo.

Para se concluir o processo da Revolução, seria preciso acabar com o poder dos ociosos e transferi-lo aos

industriais. Saint-Simon dizia que todos os cidadãos dedicados a ocupações úteis desejavam que os agricultores, negociantes e fabricantes de mais sucesso fossem os dirigentes dos negócios públicos, pelo menos da elaboração do orçamento.Isso porque eles eram tidos como os mais interessados no aperfeiçoamento da moral pública e privada, bem como no impedimento das desordens. Eles sentiriam mais do que ninguém a utilidade das ciências positivas e os serviços que as belas artes poderiam prestar à sociedade. Além do mais, os industriais de sucesso já teriam provado ser os mais capazes em seus negócios particulares, razão pela qual se poderia esperar que fizessem o mesmo nos negócios públicos.

Para mostrar a indispensabilidade dos industriais, Saint-Simon convidava o leitor de uma de suas cartas ao

rei, incluída em Du système industriel, a fazer uma suposição. Se a França perdesse de repente três mil cidadãos pertencentes aos diversos ramos das ciências, das belas artes e da agricultura, da manufatura e do comércio, “ela se tornaria um corpo sem alma”, em situação de inferioridade diante da nação rival. Se, ao contrário, ela conservasse seus “homens de gênio” e perdesse trinta mil personagens consideradas as mais importantes dentre os funcionários públicos, os militares, os legisladores, os clérigos, os proprietários ociosos, não resultaria disso nenhum mal político para o Estado, e a nação conservaria sua posição elevada entre os povos civilizados.

Refinando sua análise, Saint-Simon distingue dentre os industriais, no sentido estrito, os proprietários dos

não-proprietários, a quem chama de proletários ou de classe proletária. Reconhece a existência de conflitos entre eles, bem como entre os dirigentes e os executores, entre os “chefes de trabalhos industriais” e os proletários, entre estes e os especialistas. Em certas passagens, onde enfatiza a oposição entre os industriais, a burguesia e os ociosos, ele sugere que os conflitos entre aquelas classes seriam espontaneamente resolvidos mediante conciliação. Já em outras passagens, reconhece que o egoísmo desmedido dos ricos e a rebeldia dos pobres teriam efeitos desorganizadores que comprometeriam a própria unidade social. Ele entendia a sociedade como um corpo social, no qual as diversas partes contribuem, cada uma a seu modo, para a vida em comum. Nas suas palavras, “mais do que um aglomerado de seres vivos, a sociedade é sobretudo uma verdadeira máquina organizada na qual todas as partes contribuem de uma maneira diferente para o funcionamento do conjunto” (“De la physiologie sociale”, Oeuvres, tomo V, p 177, grifo meu).

No sistema positivo de pensamento, característico da etapa científica, todo o universo humano substituiria a

idéia de uma regulação divina pela da gravitação, como Newton havia estabelecido como hipótese para os corpos celestes. Com os arranjos convenientes, o princípio da gravitação viria a tomar o lugar, com idéias claras e precisas, de todos os princípios que a teologia ensinava até então 6

A indústria, depois de ter sido a causa da evolução (que levou à Revolução), vai tornar-se o próprio fim da

vida social, penetrando todas as atividades, impondo-lhes suas características, inclusive na política. O governo

Page 17: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

17

militarizado do feudalismo estava orientado para a ação sobre os homens, por isso era hierarquizado. Já a indústria tem por fim agir sobre a natureza, sobre as coisas, por isso o governo que lhe corresponde estará orientado para a organização. A indústria opera uma nova socialização dos indivíduos, criando um tipo radicalmente novo de solidariedade: é o trabalho que se torna o princípio de coesão e de integração social. Essa é a igualdade própria da sociedade industrial, onde não existem privilegiados por razão de nascimento nesta ou naquela família.

A plena realização do industrialismo como modo de vida implicaria o desaparecimento dos ociosos, com o

triunfo dos industriais, vindo o trabalho a ser o princípio organizativo de toda a sociedade. Assim, tendendo a tornar-se a única classe da sociedade, os industriais (com suas diferenciações) forneceriam a base social para o princípio da igualdade com diferenciação de funções. O sistema industrial estaria, então, baseado no princípio da igualdade perfeita, opondo-se aos direitos de nascimento e a todo tipo de privilégio.

Na linha de Rousseau, Saint-Simon considera que a educação (no sentido lato) é mais importante do que a

instrução propriamente dita, tendo em vista o bem-estar social. É aquela que forma os costumes, que desenvolve os sentimentos e amplia a capacidade de previsão. Para os proletários, particularmente, a educação é muito mais importante do que a instrução, haja vista a capacidade que o filósofo reconhece nesta classe de exercer a administração das empresas. Isso não quer dizer que Saint-Simon condene o proletariado à educação espontânea. Ao contrário, ele reconhece que essa classe tem mostrado disposição de se instruir, quando encontra condições para isso, apesar de os filhos dos ricos, notadamente dos ociosos, terem mais tempo e recursos para se dedicarem aos estudos.

Para o filósofo, a instrução deveria ficar sob a responsabilidade do poder espiritual, devendo dela ser

retirada o conteúdo inerente à cultura dos ociosos, em especial as línguas clássicas e os autores gregos e latinos. As ciências positivas é que deveriam ocupar o lugar deixado vago, especialmente a matemática, a física, a química e a história natural. Detalhando seu propósito de renovar a mentalidade dos industriais, Saint-Simon sugeriu a Napoleão (quando este retomou o poder em 1815) que instituísse cátedras públicas de política. Em 1825, no Catecismo dos industriais, propôs a criação de três cátedras para o ensino dos principais elementos da ciência social: uma cátedra de direção política e industrial; outra, de moral; e outra, de pesquisa científica.

Em 1816, num opúsculo enviado à assembléia geral da Sociedade de Instrução Primária, entidade privada

destinada à promoção da instrução popular, notadamente mediante o ensino mútuo, Saint-Simon sugere a adoção de medidas insólitas para sua época. Embora considerasse preferível e mais fácil a educação das crianças da classe média do que da “última classe da sociedade”, ele recomendou a atração dos filhos das famílias ricas para estudarem junto aos pobres; o prolongamento dos estudos dos “societários” até a escola secundária; e a adaptação do currículo da escola primária às necessidades da indústria.

Lamentavelmente, pouco mais se sabe a respeito da feição que assumiria a educação, especificamente a

instrução, na sociedade industrial preconizada por Saint-Simon. Quatro décadas depois de sua morte, Júlio Verne escreveu (em 1863) um romance de antecipação (ficção

científica), inédito até 1994, denominado Paris no século XX, onde projetou para a década de 1960 os processos que considerava em curso na sociedade francesa de seu tempo, assim como a educação. Nessa projeção, a presença do positivismo de Saint-Simon pode ser facilmente reconhecida na rejeitada caricatura do futuro parisiense. Chama a atenção o fato de o romancista ter imaginado como seria a educação coerente com o industrialismo pregado pelo filósofo, a que ele próprio não havia dado tal importância.

Júlio Verne apresenta nesse romance uma visão profundamente pessimista do progresso. As maravilhas

tecnológicas não teriam resultado, um século após, na melhoria da vida humana. A educação, particularmente, levou ao amesquinhamento das pessoas, formadas exclusivamente para o trabalho lucrativo na indústria e no comércio. Assim, focalizar a imagem “industrialista” da educação, em Júlio Verne, é uma espécie de mirada no negativo da imagem que dela teria Saint-Simon, pelo menos pela ótica de seu lado positivista mais extremado.

Passemos, então, à Paris do futuro. O livro começa focalizando a distribuição dos prêmios anuais da

Sociedade Geral de Crédito Instrucional, que “correspondia perfeitamente às tendências industriais do século XX”. Os capitais liberados pela estatização das ferrovias foram empregados numa empresa com fins educacionais. O que

Page 18: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

18

não teria nada de espantoso. “Ora, para um empresário, construir ou instruir é tudo a mesma coisa, visto que, para falar a verdade, a instrução não passa de um tipo de construção, um pouco menos sólida” (Paris, pp. 32-33).

Em 1937, durante o reinado de Napoleão V (Júlio Verne escrevera durante Napoleão III), o barão de

Vercampin, um bem-sucedido homem de negócios, obtivera autorização do Estado para fundir os liceus públicos e privados numa única instituição, que cobria a França inteira, mantida por uma sociedade anônima, aprovada por decreto imperial. No conselho administrativo estavam um diretor de ferrovias, um banqueiro, um senador, um deputado, um coronel da polícia e o diretor geral do estabelecimento de ensino. “Como se vê, nenhum nome de sábio ou professor no Conselho Administrativo. Era mais tranqüilizador para a instituição comercial” (Paris, p. 34). Um inspetor do governo acompanhava as operações da companhia e as relatava ao ministro competente.

O autor nada diz sobre o ensino superior, a não ser que a Escola Politécnica havia sido “supressa” em

1889. Nem sobre o ensino primário. Foi o ensino secundário que mereceu sua atenção. Nos cerca de 150 mil alunos da companhia, cuja idade e currículo leva a crer serem do ensino secundário,

“a ciência era incutida por meios mecânicos” (Paris, p. 34). As letras e as línguas mortas, como o latim e o grego, foram relegadas a um segundo plano, com tendência à extinção. As línguas vivas, com a exceção do francês, eram muito cultivadas, com objetivos comerciais, especialmente depois da conquista francesa da Cochinchina (Indochina).

A Sociedade tinha construído uma verdadeira “cidade instrucional” no Campo de Marte, onde cabiam

milhares de estudantes e mestres. Sintomaticamente no mesmo lugar onde a federação havia sido aclamada pela massa revolucionária, 150 anos antes. Os negócios iam muito bem: o lucro do exercício de 1960 já superava o preço de emissão das ações.

Os estudantes premiados foram sendo chamados para ouvirem seus feitos celebrados na matemática e

nas ciências. Mas, quando foi chamado Michel Dufrénoy, primeiro prêmio em versos latinos, a gozação do público foi geral, pelo desprezo que se tinha por essa “disciplina” remanescente. O incrível foi o prêmio que o herói do livro (homônimo do filho de Júlio Verne) ganhara: o Manual do bom fabricante, que ele jogou no chão.

Michel vivia numa “família eminentemente prática” (título de um capítulo do livro). Órfão, foi criado pelos

tios. O Sr. Stanilas Boutardin era o produto natural daquele século de indústrias; desenvolvera-se numa estufa

quente, em lugar de crescer em plena natureza; homem eminentemente prático, nada fazia que não fosse útil, conformando suas menores idéias ao útil, com um desejo incontido de ser útil que ia dar num egoísmo verdadeiramente ideal; unindo o útil ao desagradável, como teria dito Horácio; sua vaidade transparecia em suas palavras, mais ainda que em seus gestos, e ele não teria permitido que sua própria sombra o precedesse; exprimia-se por gramas e centímetros e andava com uma bengala métrica fosse qual fosse o clima, o que lhe dava um grande conhecimento das coisas deste mundo; desprezava solenemente as artes, principalmente os artistas, para dar a entender que os conhecia; para ele, a pintura não ia além da água forte, o desenho da cópia, a escultura da fôrma, a música do apito das locomotivas, a literatura dos boletins da Bolsa (Paris, p. 53).

O tio de Michel, banqueiro e industrial, crescera cercado pela mecânica, por isso explicava sua vida pelas

engrenagens ou transmissões. Movia-se regularmente com o mínimo de atrito possível, como um pistão num cilindro perfeitamente calibrado. Transmitia seu movimento uniforme à mulher, ao filho, aos empregados, aos criados de casa, todos eles verdadeiras máquinas-ferramentas de que ele, o grande motor, tirava o melhor partido possível. Era um mau-caráter, incapaz de um bom ou de um mau movimento. Fizera uma imensa fortuna, animado pelo “elã do século”. Mostrava-se reconhecido para com a indústria, que adorava como se fosse uma deusa.7

Sua mulher, a tia de Michel, era, por sua vez,“uma verdadeira administradora, bem uma fêmea de

administrador” (Paris, p. 55). A história é da desventura de Michel em tentar ser “um homem prático”, exigência do tio que o queria

empregado em seu banco. E sua tentativa frustrada de ser um literato numa sociedade onde o primeiro dever do

Page 19: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

19

homem era ganhar dinheiro. Para os poetas, restava a única oportunidade de celebrar em seus versos as maravilhas da indústria.

A língua francesa estava recheada de palavras inglesas. Os inventores, os comerciantes de cavalos e os

vendedores de carros foram buscar na língua inglesa as palavras de que precisavam para valorizar seus produtos.8 Na Sociedade, as cátedras de letras seriam extintas em 1962, em decorrência de uma decisão tomada em

assembléia geral dos acionistas. Dizia o desconsolado professor de retórica: “Quem quer saber de gregos e latinos, que só servem, no máximo, para fornecer uma ou outra raiz para as palavras da ciência moderna!” (Paris, p. 132).

Mas não só os literatos eram uma espécie em extinção. A carreira de soldado foi extinta porque não havia

mais exércitos nem guerras. No século anterior (o XIX), o desenvolvimento das máquinas de guerra havia atingido tal ponto que o desarmamento foi o desfecho inevitável. As nações européias suprimiram o Estado militar e, com ele, o espírito de luta. Antecipando o equilíbrio bélico da guerra fria da década de 1960, Júlio Verne dizia que “efetivamente, as máquinas mataram a bravura e os soldados transformaram-se em mecânicos” (Paris, p. 138).

O industrialismo teria imprimido sua marca na sociedade tão fortemente (como vaticinava Saint- Simon, o

filósofo positivista) que até mesmo as mulheres mudaram seu modo de ser — acabarão sendo substituídas por máquinas de ar comprimido. Já era possível ver como as mulheres entraram em decadência fisiológica. O diagnóstico do pianista Quinsonas, marginal como Michel, é bem depressivo, mostrando a adaptação da mulher ao industrialismo e ao americanismo, seu modo de vida correspondente:

A atitude envolvente da parisiense, seu porte gracioso, seu olhar vivo e terno, seu amável sorriso, sua

carnadura ao mesmo tempo adequada e firme, em pouco tempo deram lugar a formas longas, magras, áridas, descarnadas, emaciadas, depauperadas, de uma desenvoltura mecânica, metódica e puritana. A cintura perdeu a curva, o olhar ficou austero, as juntas enrijeceram; um nariz duro e rígido inclinou-se sobre os lábios finos e chupados; o passo espichou; o anjo da geometria, antigamente tão pródigo no fornecimento de suas curvas mais atraentes, entregou a mulher a todo o rigor da linha reta e dos ângulos agudos. A francesa virou americana; fala gravemente dos negócios graves, encara a vida com rigidez, cavalga sobre o lombo magro dos costumes, veste-se mal, sem gosto, e enverga coletes de tecido galvanizado, capazes de resistir às pressões mais intensas. Meu filho, a França perdeu sua verdadeira superioridade; suas mulheres, no delicioso século de Luiz XV, haviam afeminado os homens; de lá para cá passaram para o gênero masculino e já não valem o olhar de um artista nem a atenção de um amante! (Paris, p. 144-145).

Ao contrário de Saint-Simon, o filósofo positivista, Verne imaginava o aumento do poder do Estado. Apesar

da industrialização acionada pelos empresários privados, ele via a França dos próximos cem anos marcada pela centralização estatal, movida por dez milhões de funcionários públicos. A propósito, alguém disse a Michel sobre a possibilidade de arranjar um emprego público: “sempre é tempo de se funcionarizar”. Como as ferrovias, os teatros haviam passado para o controle do governo.

Depois que Michel demonstrou sua incapacidade para o trabalho no banco do tio, de onde fugira após

provocar grande prejuízo, seus amigos, marginais como ele, mas com relações vantajosas, arranjaram-lhe um emprego no Grande Armazém Dramático. Apesar da boa vontade do diretor, ele fracassou em todas as tarefas que lhe foram atribuídas na máquina burocrática do entretenimento oficial.

Deserdado pelo tio banqueiro, incapaz de se adaptar no emprego público, a miséria chegou em pleno

inverno rigoroso. Perdeu contato com os amigos, marginais como ele, perdeu-se da amada e acabou morrendo de fome e frio. Morto pela sociedade industrializada, que não admitia um poeta como ele, do mesmo modo que condenava os artistas.

1.3.1 À guisa de comparação Pelo exposto, podemos ver que os três pensadores focalizados — Rousseau, Bonald e Saint-Simon —

entendem diferentemente as relações entre sociedade, Estado e educação.

Page 20: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

20

Para o Rousseau da Enciclopédia, educação pública é sinônimo de educação estatal, e seus destinatários são todas as crianças nascidas na sociedade, em especial na república. Já no Emílio, o filósofo nem ao menos trata a educação pública como tema a ser considerado, pois sua preocupação é a educação de um indivíduo abastado e “de berço”.

Para Bonald, há uma educação pública sinônima de educação estatal, pelo menos no tocante ao ensino

secundário, cujos destinatários são apenas os jovens oriundos das “famílias sociais”, isto é, da nobreza, aos quais se juntariam os filhos das famílias burguesas que desejassem investir no ingresso nesse estamento. Além do mais, o texto do filósofo reconhece a existência de escolas primárias nas cidades e nas vilas, destinadas a crianças das “famílias naturais” que, sem se transformarem naquelas, haviam se elevado um pouco acima de sua condição original. Tais escolas não são apresentadas pelo autor como escolas públicas. Possivelmente, elas seriam mantidas por entidades constituintes da Sociedade Religiosa, portanto escolas privadas.

Para Saint-Simon, finalmente, poucas são as referências à educação mantida pelo Estado. Ele se referiu,

certa vez, à Escola Politécnica (estatal) como o mais perfeito estabelecimento de ensino existente, e chegou a propor a Napoleão a criação de cátedras para a educação dos industriais, possivelmente dos mais instruídos. No que diz respeito ao ensino elementar, sua filiação à Sociedade de Instrução Primária — entidade civil filantrópica — destinada a promover a educação das crianças proletárias, o filósofo apresenta sua atividade como sendo de caráter público, embora não estatal. No mesmo sentido, a direção de toda instrução pública não ficaria a cargo do Poder Público (do Estado), mas, sim, do Poder Espiritual, constituído da Academia de Ciências e da Academia de Belas Artes.

Se a expressão educação pública não-estatal está ausente dos escritos desse filósofo, a concepção está

bem presente. Ela veio a ser reforçada, na ótica do positivismo, por Augusto Comte (1830)9 e pela projeção ficcional saint-simoniana de Júlio Verne (1863). Já na ótica socialista, também tributária do pensamento de Saint-Simon, a educação pública não estatal veio a ser defendida por Karl Marx, pelo menos na exposição ao Conselho Geral da Associação Internacional do Trabalho (1869).

LUIZ ANTÔNIO CUNHA é sociólogo, mestre e doutor em educação. Lecionou na PUC/RJ, no IESAE/FGV,

na UNICAMP, na UFF, na USP e na FLACSO. Foi pesquisador-visitante da Faculdade de Educação da USP, com bolsa da FAPESP. Dentre seus livros, os mais importantes são Educação e desenvolvimento social no Brasil (1975), Educação, Estado e democracia no Brasil (1991), a trilogia sobre a universidade brasileira (Temporã, 1980; Crítica, 1983; Reformanda, 1988) e, o mais recente (1995), Educação brasileira: projetos em disputa (Lula x FHC na campanha presidencial). Disponível em: http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/rbde01/rbde01_06_luiz_antonio_cunha.pdf .Acessado em 27 de julho de 2011.

Page 21: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

21

UNIDADE II 1. A RELAÇÃO EDUCAÇÃO E SOCIEDADE - OS CLÁSSICOS DO PENSAMENTO SOCIAL

A educação, para os clássicos como Durkheim, expressa uma doutrina pedagógica, que se apoia na

concepção do homem e sociedade. O processo educacional emerge através da família, igreja, escola e comunidade. Fundamentalmente, Durkheim parte do ponto de vista que o homem é egoísta, que necessita ser preparado para sua vida na sociedade. este processo é realizado pela família e também pelas escolas e universidades:

A ação exercida pelas gerações adultas sobre as que ainda não estão maduras para a vida social, tem por objetivo suscitar e desenvolver na criança determinados números de estados físicos, intelectuais e morais que dele reclamam, por um lado, a sociedade política em seu conjunto, e por outro, o meio especifico ao qual está destinado. (DURKHEIM, 1973:44).

Para Durkheim, o objeto da sociologia é o fato social, e a educação é considerada como o fato social, isto

é, se impõe, coercitivamente, como uma norma jurídica ou como uma lei. Desta maneira a ação educativa permitirá uma maior integração do indivíduo e também permitirá uma forte identificação com o sistema social. Durkheim rejeita a posição psicologista. Para ele, os conteúdos da educação são independentes das vontades individuais, são as normas e os valores desenvolvidos por uma sociedade o grupo social em determinados momentos históricos, que adquirem certa generalidade e com isso uma natureza própria, tornando-se assim ?coisas exteriores aos indivíduos?:

A criança só pode conhecer o dever através de seus pais e mestres. É preciso que estes sejam para ela a

encarnação e a personificação do dever. Isto é, que a autoridade moral seja a qualidade fundamental do educador. A autoridade não é violenta, ela consiste em certa ascendência moral. Liberdade e autoridade não são termos excludentes, eles se implicam. A liberdade é filha da autoridade bem compreendida. Pois, ser livre não consiste em fazer aquilo que se tem vontade, e sim em se ser dono de si próprio, em saber agir segundo a razão e cumprir com o dever. E justamente a autoridade de mestre deve ser empregada em dotar a criança desse domínio sobre si mesma (DURKHEIM, 1973:47).

Talcott Parsons (1964), sociólogo americano, divulgador da obra de Durkheim, observa que a educação,

entendida como socialização, é o mecanismo básico de constituição dos sistemas sociais e de manutenção e perpetuação dos mesmos, em formas de sociedades, e destaca que sem a socialização, o sistema social é ineficaz de manter-se integrado, de preservar sua ordem, seu equilíbrio e conservar seus limites. O equilíbrio é o fator fundamental do sistema social e para que este sobreviva é necessário que os indivíduos que nele ingressam assimilem e internalizem os valores e as normas que regem seu funcionamento.

Aqui encontramos uma primeira diferença com o pensamento de Durkheim, que destaca sempre o aspecto

coercitivo da sociedade frente ao indivíduo. Parsons afirma que é necessário uma complementação do sistema social e do sistema de personalidade, ambos sistemas tem necessidades básicas que podem ser resolvidas de forma complementar. O sistema social para Parsons funciona armonicamente a partir do equilíbrio do sistema de personalidade. A criança aceita o marco normativo do sistema social em troca do amor e carinho maternos. Este processo se desenvolve através de mediações primarias: os próprios pais através da internalização de normas inicia o processo de socialização primaria. A criança não percebe que as necessidades do sistema social estão se tornando suas próprias necessidades. Desta maneira, para Parsons, o indivíduo é funcional para o sistema social. Tanto para Durkheim como para Parsons, os princípios básicos que fundamentam e regem ao sistema social são:

Continuidade; Conservação; Ordem; Harmonia; Equilíbrio

Page 22: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

22

Estes princípios regem tanto no sistema social, como nos subsistemas. De acordo com Durkheim bem como Parsons, a educação não é um elemento para a mudança social, e sim, pelo contrário, é um elemento fundamental para a conservação e funcionamento do sistema social.

Uma corrente oposta a Durkheim y Parsons estaria constituída pela obra de Dewey e Mannheim. O ponto

de partida de ambos autores é que a educação constitui um mecanismo dinamizador das sociedades através de um indivíduo que promove mudanças. O processo educacional para Dewey e Mannheim, possibilita ao indivíduo atuar na sociedade sem reproduzir experiências anteriores, acriticamente. Pelo contrario, elas serão avaliadas criticamente , com o objetivo de modificar seu comportamento e desta maneira produzir mudanças sociais.

É muito conhecida e difundida no Brasil a obra de Dewey, razão pela qual não a aprofundaremos em

detalhes. Entretanto, é necessário assinalar que para Dewey é impossível separar a educação do mundo da vida: A educação não é preparação nem conformidade. Educação é vida, é viver, é desenvolver, é crescer. (DEWEY, 1971:29).

Para Dewey, a escola é definida como uma micro-comunidade democrática. Seria o esboço da socialização

democrática, ponto de partida para reforçar a democratização da sociedade. Segundo Dewey, educação e democracia formam parte de uma totalidade, definem a democracia com palavras liberais, onde os indivíduos deveriam ter chances iguais. Em outras palavras, igualdade de oportunidades dentro dum universo social de diferenças individuais. Para Mannheim, a educação é uma técnica social, que tem como finalidade controlar a natureza e a historia do homem e a sociedade, desde uma perspectiva democrática.

Define a educação como:

O processo de socialização dos indivíduos para uma sociedade harmoniosa, democrática porem controlada, planejada, mantida pelos próprios indivíduos que a compõe.

A pesquisa é uma das técnicas sociais necessárias para que se conheçam as constelações históricas

especificas. O planejamento é a intervenção racional, controlada nessas constelações para corrigir suas distorções e seus defeitos. O instrumento que por excelência põe em pratica os planos desenvolvidos é a Educação. (MANNHEIM, 1971:34).

A pratica da socialização percorre diversos espaços, como família e outros grupos primários, a escola,

clubes, sindicatos, etc. Assim, a pratica democrática emerge horizontalmente permitindo a estruturação duma sociedade igualitária. Concorda com Dewey que essa pratica deveria ser institucionalizada.

1.1 AS FUNÇÕES DO PROCESSO EDUCACIONAL A pesar das profundas diferenças que separam as correntes sociológicas que se ocuparam da questão, e

que não podem ser ignoradas, existe entre elas um ponto de encontro: a educação constitui um processo de transmissão cultural no sentido amplo do termo (valores, normas, atitudes, experiências, imagens, representações) cuja função principal é a reprodução do sistema social. Isto é claro no pensamento durkheimiano, ao afirmar:

Em resumo, longe de a educação ter por objeto único e principal o indivíduo e seus interesses, ela é antes de tudo o meio pelo qual a sociedade renova perpetuamente as condições de sua própria existência. A sociedade só pode viver se dentre seus membros existe uma suficiente homogeneidade. A educação perpetua e reforça essa homogeneidade, fixando desde cedo na alma da criança as semelhanças essenciais que a vida coletiva supõe. (DURKHEIM, 1973:52).

Page 23: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

23

Também é este o sentido da formalização do processo de socialização do sistema social parsoniano; da aprendizagem de papeis sociais atribuída a tal socialização por Linton; dos arbítrios culturais reproduzidos pela prática pedagógica, que constituem um dos principais mecanismos de reprodução social para Bourdieu e Passeron. Aceitando esta perspectiva de analise, o problema é: como a educação cumpre essa função e como se articula a outros mecanismos de reprodução social. Dado que o tema remete a uma vasta e complexa questão, mais importante que se perguntar pelas funções da educação em geral, é delimitar inicialmente o campo de analise às funções da escola - uma das instituições que cumprem essa função de reprodução ideológica, deixando de lado momentaneamente outras tão importantes quanto aquela (família, meios de comunicação, sindicatos, partidos, etc.). Parece adequado recuperar as postulações que tentam uma articulação global entre a escola e a reprodução social. O fato de que as mesmas se centram fundamentalmente no problema da reprodução ideológica pode servir como uma primeira aproximação.

No entanto, não se deve perder de vista que estes desenvolvimentos teóricos são ao mesmo tempo

suficientemente amplos e estreitos. Amplos, porque se referem ao conjunto dos aparelhos ideológicos que fazem com que a sociedade exista e se mantenha. Restritos, porque privilegiam, precisamente, de modo geral, a análise da ideologia, de maneira quase exclusiva. Em primeiro lugar, deve-se perguntar: qual é a função atribuída aos aparelhos ideológicos no processo de reprodução social

Se se privilegia a produção de bens materiais como eixo de analise no funcionamento da sociedade, a

historia da humanidade pode ser reconstruída através das formas de organização do trabalho social, isto é, a forma pela qual os homens produzem bens materiais para a sua subsistência. Desde este ponto de vista, é possível pensar que existe uma divisão entre os diversos agentes que desempenham tal trabalho social.

Porem, talvez o mais importante seja o fato de que sobre tal divisão se ergue a possibilidade de que um

setor da sociedade organize o conjunto da atividade produtiva, obtendo benefícios provenientes de seu controle dos meios de produção.

E fundamentalmente no âmbito econômico, embora não exclusivamente, que se coloca a possibilidade

existência das classe sociais. E é também nesse âmbito que se desenha, de inicio, a possibilidade de conflito social que emerge da relação de exploração e subordinação à qual está submetido o conjunto social dos não-proprietarios. Claro está que a estruturação de tais classes, partindo da existência do conflito, supõe uma permanente modificação da forma que sua relação assume. Radica-se aí a possibilidade de identificação de diferentes épocas históricas e o reconhecimento de que a sociedade capitalista constitui apenas uma dessas épocas: aquela caracterizada pela forma em que a organização social do trabalho conduz à existência de um modo de exploração social a qual se gera a mais-valia.

Por que, então, pensar na reprodução em suas diferentes formas? A mudança social ocorre necessariamente pelo fato de ser o conflito econômico intrínseco ao conceito de

sociedade que serve de ponto de partida? Responder afirmativamente a essa pergunta seria cair em uma visão simplista da sociedade. Se tal conflito

existe potencialmente, a possibilidade de sua realização a fim de produzir efeitos que realmente modifiquem a estrutura social, supõe um complexo processo que não se resolve unicamente com mudanças no interior do processo produtivo.

Se se admite este suposto, chegar-se-á à conclusão de que a sociedade não se reproduz apenas no

aspecto econômico, mas em todos seus níveis. Compreender como e porque a sociedade logra se reproduzir, captar quais são os mecanismos eficazes

sobre os quais se assentam o seu funcionamento, pode ser, então, uma chave para compreender suas reais possibilidades de mudança.

Em conseqüência, a visualização do conflito deverá transcender o econômico. A analise da reprodução

social também fará o mesmo.

Page 24: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

24

De fato, parece pouco convincente atribuir a persistência de uma forma social ao simples fato de que existe uma classe social possuidora dos meios de produção, que se apropria do excedente econômico gerado pelo conjunto social dos trabalhadores. Igualmente, é pouco convincente pensar que a sociedade se mantém em função do estrito ? controle social cujo monopólio aquela classe detém.

Sem duvida, a sociedade é algo mas complexo e em sua interpretação deve-se introduzir não apenas a

analise de suas instancias como, também, e fundamentalmente, a articulação entre as mesmas. Dai a importância de alguns trabalhos que pretendem centrar-se na analise das superestruturas, em sua articulação com o aspecto econômico.

A escola e a reprodução social As primeiras apreciações em torno dos chamados aparelhos ideológicos do Estado foram feitas por

Gramsci. As superestruturas do bloco histórico constituem uma totalidade complexa em cujo interior se distinguem duas esferas essenciais: a sociedade política e a sociedade civil.

A sociedade política agrupa o aparelho de Estado, entendido este em seu sentido restrito, realizando o

conjunto das atividades da superestrutura que dão conta da função de dominação. Por sua vez, a sociedade civil constitui a maior parte da superestrutura e é formada pelo conjunto dos organismos vulgarmente chamados privados e que correspondem à função de hegemonia que o grupo social dominante exerce sobre a sociedade global. Esta sociedade civil pode ser considerada sob três aspectos analiticamente diferentes e complementares:

Como ideologia da classe dominante, ela alcança todos os ramos da ideologia, da arte à ciência, incluindo a economia, o direito, etc. Como concepção do mundo, difundida em todas as acamadas sociais para vinculá-las à classe dirigente, ela se adapta a todos os grupos: dai provêm seus diferentes graus qualitativos: filosofia, religião, sentido comum, folclore; como direção ideológica da sociedade, ela se articula em três níveis essenciais: a ideologia propriamente dita, a estrutura ideológica - isto é, as organizações que a criam e a difundem - e o material ideológico, isto é: os instrumentos técnicos de difusão da ideologia: sistema escolar, mas media e bibliotecas. (PORTELLI, 1971: 23)

A partir destas considerações gerais, os problemas da ?estrutura e do material ideológico? passaram a ser

temas recorrentes de analise. Não obstante, o característico nesses estudos foi subordinar o conflito social surgido no interior de tais instituições à analise formal de tais aparelhos ideológicos.

Contudo, o processo educacional deixou de ser analisado como um processo a-histórico, para ser referido

à sociedade capitalista. Então, as perguntas fundamentais passaram a ser: que relação guarda o sistema escolar com a estrutura das relações de classe Como tal sistema escolar age de maneira a assegurar a reprodução ideológica e, em conseqüência, a reprodução da sociedade capitalista E, por fim, a pergunta, como os fatores sociais agem no interior desse sistema educacional. Um dos principais esforços de elucidação deste problema foi enunciado desta maneira:

Para compreender adequadamente a natureza das relações que unem o sistema escolar à estrutura das

relações de classe e elucidar sem cair em uma espécie de metafísica da harmonia das esferas o do providencialismo do melhor e do pior, das correspondências, homologias e coincidências redutíveis em ultima analise à convergência de interesses, alianças ideológicas e afinidades entre habitus, deixando de lado o discurso interminável que resultaria de percorrer em cada caso a rede completa das relações circulares que unem estruturas e praticas pela mediação do habitus como produto das estruturas, para definir os limites de validade (isto é, validade desses limites) de uma expressão abstrata como a de sistema de relações entre o sistema de ensino e a estrutura das relações de classe. (BOURDIEU & PASSERON, 1976:212).

Isto é, o nexo conceitual entre estruturas e praticas, que estes autores elaboram, é o de habitus definido

como:

Sistema de disposições duráveis e transferíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como matriz de percepções, apreciações e ações, e torna possível a realização de tarefas suficientemente diferenciadas, graças à transferencia analógica de esquemas que permitem resolver problemas da mesma forma, e, graças a correções incessantes dos resultados obtidos, dialeticamente produzidos por estes resultados (BOURDIEU & PASSERON, 1976:214).

Page 25: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

25

Com estes postulados, tenta-se demostrar que a sociedade se organiza não apenas a partir de bens econômicos, mas também a partir da produção de bens simbólicos, de habitus de classe, que, transmitidos fundamentalmente pela família, levam a que os indivíduos organizem um modo de vida e uma determinada concepção do mundo. A introdução desta dimensão se fundamenta no conceito de classe em jogo:

As diferenças propriamente econômicas são explicadas por distinções simbólicas na maneira de usufruir esses bens, ou melhor, (é) através do consumo, e mais, através do consumo simbólico (ou ostentatorio) que se transmitem os bens simbólicos, as diferenças de fato (se transformam assim) em distinções significativas. A lógica do sistema de ações e procedimentos expressivos não pode ser compreendida de maneira independente de sua função, que é dar uma tradução simbólica do sistema social como sistema de inclusão e exclusão, segundo a expressão de Mc Guire, mas também significar a comunidade ou a distinção, transmutando os bens econômicos em atos de comunicação. De fato, nada mais falso do que acreditar que as ações simbólicas (ou o aspecto simbólico das ações) nada significam Alem delas mesmas; em verdade, elas expressam sempre uma posição social segundo uma lógica que é a mesma da estrutura social: a lógica da distinção (BOURDIEU & PASSERON, 1976:217).

Agora, bem instaladas as classes sociais a nível do mercado, este passa a ser visualizado como a

mediação entre a produção - ou a forma de participação na produção - e o jogo de distinções simbólicas onde se reproduzem as relações de força entre as classes. Então, a pergunta é: quem e através de que mecanismos, reproduzem essas distinções simbólicas. Esses autores privilegiam família como instituição reprodutora dos sistema social. A família é que introduz o indivíduo no mundo da cultura, as crianças são socializadas muito antes de entrarem na escola. Essa socialização corresponde a valores (em sentido amplo) que são patrimônio cultural do universo social a que pertencem. Como, então, se relaciona a sua ação com aquela empreendida pelo sistema educacional. Durkheim, como seus seguidores, se esforçava por assinalar que a importância do processo educacional se baseava no fato de que o mesmo tinha como função principal a transmissão da cultura na sociedade. Esta cultura era assim apresentada como única, indivisa, propriedade de todos os membros que compõem o conjunto social. Uma das pretensões de Bourdieu e Passeron é justamente demostrar a não existência de uma cultura única, mais que:

Na realidade, devido ao fato de que elas correspondem a interesses materiais e simbólicos de grupos ou classes diferentemente situadas nas relações de força, esses agentes pedagógicos tendem sempre a reproduzir a estrutura de distribuição do capital cultural entre esses grupos ou classes, contribuído do mesmo modo para a reprodução da estrutura social: com efeito, as leis do mercado em que se forma o valor econômico ou simbólico, isto é, o valor enquanto capital cultural, dos arbítrios culturais reproduzidos pelas diferentes ações pedagógicas (indivíduos educados) constituem um dos mecanismos mais o menos determinantes segundo os tipos de formação social, pelos quais se acha assegurada a reprodução social, definida como reprodução das relações de força entre classes sociais. (BOURDIEU & PASSERON, 1976:218).

O sistema escolar reproduz, assim, a nível social, os diferentes capitais culturais das classes sociais e, por

fim, as próprias classes sociais. Os mecanismos de reprodução encontram sua explicação ultima nas?relações de poder?, relações essas de domínio e subordinação que não podem ser explicadas por um simples reconhecimento de consumos diferenciais. Assim, quando analisam a função ideológica do sistema escolar, uma de suas preocupações é justamente a da possível autonomia que pode ser atribuída a ele, em relação à estrutura de classes. Com efeito, Bourdieu e Passeron perguntam:

Como levar em conta a autonomia relativa que a Escola deve à sua função específica, sem deixar escapar as funções de classes que ela desempenha, necessariamente, em uma sociedade dividida em classes? (BOURDIEU & PASSERON, 1976:219).

E respondem:

Se não é fácil perceber simultaneamente a autonomia relativa do sistema escolar, e sua dependência relativa à estrutura das relações de classe, é porque, entre outras razões, a percepção das funções de classe do sistema escolar está associada, na tradição teórica, a uma representação instrumentalista das relações entre a escola e as classes dominantes como se a comprovação da autonomia supusesse a ilusão de neutralidade do sistema de ensino. (BOURDIEU & PASSERON, 1976:220).

Page 26: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

26

O que parece, sim, surgir da exposição é que no caso das relações entre escola e classes sociais a harmonia apresentada pelos autores parece perfeita: as estruturas objetivas produzem os habitus de classe e, em particular, as disposições e predisposições que, gerando as praticas adaptadas a essas estruturas, permitem o funcionamento e a perpetuação das estruturas.

Bourdieu e Passeron falam da reprodução das classes do ponto de vista de uma analise ideológica. Neste sentido, a noção de existência de códigos lingüisticos é de central importância. Existem códigos

lingüisticos que se expressam claramente na linguagem, gerando relações diferentes, constituem representações, significações próprias da cultura de grupos ou classes sociais. Frente a essa cultura fragmentada, o sistema escolar impõe uma norma lingüistica e cultural determinada, mas aproximada àquela que é parte do universo simbólico das famílias burguesas, e distanciada, em conseqüência, daquela dos setores populares. O êxito ou o fracasso das crianças na escola se explica pela distancia de sua cultura ou língua em relação à cultura e à língua escolares. Finalmente, introduziremos o ponto de vista de Poulantzas sobre o papel da escola, no qual se privilegia como eixo de analise a divisão trabalho intelectual/trabalho manual, como forma de analisar tanto a função ideológica como a de reprodução da força de trabalho anexa à mesma:

Com efeito, só se pode dizer de forma totalmente análoga e aproximativa que a escola forma trabalho intelectual de um lado e trabalho manual (formação técnica) de outro. Numerosos estudos mostraram amplamente que a escola capitalista não pode, situada globalmente como está, ao lado do trabalho intelectual, formar o essencial do trabalho manual. A formação profissional operaria e essencialmente o saber técnico operário não se ensina (não pode ser ensinado) na escola capitalista, nem mesmo em suas máquinas e aparelhos do ensino técnico. O que se ensina principalmente à classe operaria é a disciplina, o respeito à autoridade, a veneração de um trabalho intelectual que se acha quase sempre fora do aparelho escolar. De maneira alguma, as coisas se apresentam da mesma forma para a nova pequena burguesia e para o trabalho intelectual, sendo sua força de trabalho, em seu lado intelectual, efetivamente formada pela escola. (POULANTZAS, 1975:288)

Isto é, o que Poulantzas tenta reafirmar é que as funções da escola só podem ser analisadas em função

das classes sociais às quais dirige sua ação, e não em função de instituições ou redes escolares. Isso nos permite encontrar no interior da escola uma reprodução da divisão social do trabalho e afirmar que: O principal papel da escola capitalista não é ?qualificar? diferentemente o trabalho manual e o trabalho intelectual, mas, muito mas, desqualificar o trabalho manual (sujeitá-lo), qualificando só o trabalho intelectual. Disponível em: http://www.antroposmoderno.com/antro-articulo.php?id_articulo=243. Acessado em 27 de julho de 2011.

Page 27: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

27

UNIDADE III 1. AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO CONTEXTO DO NEOLIBERALISMO A conjuntura das políticas educacionais no Brasil ainda demonstra sua centralidade na hegemonia das

idéias liberais sobre a sociedade, como reflexo do forte avanço do capital sobre a organização dos trabalhadores na década de 1990. A intervenção de mecanismos internacionais como o FMI e o Banco Mundial, aliada à subserviência do governo brasileiro à economia mundial, repercute de maneira decisiva sobre a educação. Em contrapartida, a crise do capitalismo em nível mundial, em especial do pensamento neoliberal, revela, cada vez mais, as contradições e limites da estrutura dominante. A estratégia liberal continua a mesma: colocar a educação como prioridade, apresentando-a como alternativa de “ascensão social” e de “democratização das oportunidades”. Por outro lado, a escola continua sendo um espaço com grande potencial de reflexão crítica da realidade, com incidência sobre a cultura das pessoas. O ato educativo contribui na acumulação subjetiva de forças contrárias à dominação, apesar da exclusão social, característica do descaso com as políticas públicas na maioria dos governos.

O propósito do presente texto é apresentar, em síntese, as principais características da educação no

contexto neoliberal do Brasil, numa tentativa de contribuir com o debate de conjuntura acerca das políticas educacionais. Neste sentido, iniciamos a discussão com uma breve reflexão sobre a ideologia na educação, para, em seguida, apresentar a dimensão da crise do capitalismo e do pensamento liberal, concluindo com as principais políticas oficiais que vêm sendo propostas para a educação.

1. A IDEOLOGIA E A EDUCAÇÃO A relação da ideologia com a educação foi bastante polêmica ao longo da história. Embora o termo tenha

sido primeiramente utilizado em 1801, é com o advento do marxismo que a ideologia assume uma maior importância para o pensamento humano. Conforme Marilena Chauí, o marxismo entende a ideologia como “um instrumento de dominação de classe e, como tal, sua origem é a existência da divisão da sociedade em classes contraditórias e em luta”. Além disso, a utilização do termo confunde-se com o significado de crenças e ilusões que se incorporam no senso comum das pessoas. “A ideologia é ilusão, isto é, abstração e inversão da realidade, ela permanece sempre no plano imediato do aparecer social. (...) A aparência social não é algo falso e errado, mas é o modo como o processo social aparece para a consciência direta dos homens”.

Diferente da maioria dos marxistas, para os quais a ideologia consiste na expressão de interesses de uma

classe social, para Karl Manheim o que define a ideologia é o seu poder de persuasão, sua “capacidade de controlar e dirigir o comportamento dos homens”. Nicola Abagnano, reforça a teoria de Manheim dizendo que “o que transforma uma crença em ideologia não é sua validade ou falta de validade, mas unicamente sua capacidade de controlar os comportamentos em determinada situação”

A compreensão de ideologia como expressão de interesses e “falsificação da realidade” com vistas ao

controle social, permite a conclusão, do ponto de vista marxista, de que a estrutura social dominante constitui “aparelhos ideológicos” em forma de superestrutura, mantendo a opressão. Segundo Louís Althusser a escola é o principal aparelho ideológico da sociedade e, em seu entendimento, como a estrutura determina a superestrutura, não é possível qualquer mudança social a partir da educação. Moacir Gadotti considera a posição de Althusser bastante equivocada do ponto de vista da emancipação humana, pois gera uma situação de passividade e impotência, o que revela um caráter ideológico de sua própria teoria, já que “a subserviência da omissão interessa mais à dominação do que o combate a favor dela”. Para Gadotti, “se aceitarmos a análise de Althusser, certamente a educação enquanto sistema ou subsistema é um aparelho ideológico em qualquer sistema político. Mas se aceitarmos que ela é também ato, práxis, então as coisas se complicam. Não podemos reduzir a educação, a complexidade do fenômeno educativo apenas às suas ligações com o sistema”.

Page 28: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

28

De certa forma, Gramsci é que dá um novo rumo ao conceito de ideologia e, com isso, fornece valiosas contribuições para a construção da educação voltada para a transformação social. Um dos conceitos fundamentais adotados por Gramsci é o de hegemonia que, segundo ele, se dá por consenso e/ou coerção. Na sociedade dividida em classes, temos uma constante luta pela hegemonia política e a ideologia assume o caráter de convencimento, o primeiro recurso utilizado para a dominação. Do ponto de vista dos oprimidos, o embate ideológico contra a hegemonia burguesa se dá em todos os espaços em que esta se reproduz, como por exemplo, a escola. Temos então, uma luta de posição na escola, colocando a política, luta pelo poder, como o centro da ação pedagógica.

A educação, portanto, é um espaço social de disputa da hegemonia; é uma prática social construída a partir

das relações sociais que vão sendo estabelecidas; é uma “contra-ideologia”. Nesta perspectiva, é importante situar a posição do educador na sociedade, contribuindo para manter a opressão ou se colocando em contraposição à ela. Se o educador é um trabalhador em educação, parece coerente que este seja aliado das lutas dos trabalhadores enquanto classe, visto que as suas conquistas sociais, aparentemente mais imediatas, também dependem de vitórias maiores no campo social. Nessa perspectiva, é coerente que a posição do educador seja em favor dos oprimidos, não por uma questão de caridade, mas de identidade de classe, já que a luta maior é a mesma. Qual é a função do educador como intelectual comprometido com a transformação social?

Gramsci afirma que o povo sente, mas nem sempre compreende e sabe; o intelectual sabe, mas nem

sempre compreende e muito menos sente. Por isso, o trabalho intelectual é similar a um cimento, a partir do qual as pessoas se unem em grupos e constroem alternativas de mudança. Mas isso não é nada fácil: assumir a condição de intelectuais orgânicos dos trabalhadores significa lutar contra o contexto dominante que se apresenta e visualizar perspectivas de superação coletiva sem exclusão. Entender bem a realidade parece ser o primeiro passo no desafio da construção de uma nova perspectiva social. Que realidade é essa que se apresenta para a educação?

2. A CRISE DO CAPITALISMO E DA IDEOLOGIA LIBERAL O atual contexto traz algumas novidades e um conjunto de elementos já presentes há muito tempo no

capitalismo, ambos tentando se articular coerentemente, embora as contradições estejam cada vez mais explícitas. Em termos de estrutura social, vigora a manutenção da sociedade burguesa, com suas características básicas:

a) trabalho como mercadoria; b) propriedade privada; c) controle do excedente econômico; d) mercado como centro da sociedade; e) apartheid, exclusão da maioria; f) escola dividida para cada tipo social. Porém, a novidade, em termos estruturais, é que a ordem burguesa está sem alternativa, ou seja, o

capitalismo prova sua ineficácia generalizada e a crise apresentada revela seu caráter endógeno, ou seja, o capitalismo demonstra explicitamente ser o gerador de seus próprios problemas. Se o mercado é a causa da crise e se boa parte das soluções apresentadas para enfrentar esta crise prevê a ampliação do espaço do mercado na sociedade, a tendência é que os problemas sejam agravados.

O fracasso do capitalismo se comprova internamente, principalmente nos países mais pobres. Além disso,

o auge do neoliberalismo da década de 1990 mostra suas limitações e começa a ser rejeitado em todo o mundo. Entretanto, os neoliberais, embora a maioria não se assuma como tal, usam a estratégia de atacar quem se propõe a explicitar o que ficou evidente: “Além do ataque à esquerda, como que responsabilizando os outros pelo seu próprio fracasso, alguns liberais têm se manifestado através de artigos na imprensa, afirmando que as pessoas ‘de forma pobre e maniqueista culpam o neoliberalismo e o FMI pela miséria brasileira’. Ora, será que a culpa seria do PT, da CUT, do MST, da intelectualidade e do povo brasileiro?”

Nem mesmo crescimento econômico, suposta virtude da qual os intelectuais burgueses ainda se

vangloriavam, o capitalismo consegue proporcionar. Conforme o economista João Machado, a economia mundial

Page 29: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

29

que se mantinha num crescimento de 4% na década de 1960, chegou ao final da década de 1990 com apenas 1%. O custo social, por sua vez, é catastrófico:

a) a diferença entre países ricos e pobres têm aumentado em 110 vezes, desde a 2ª. Guerra Mundial até a década de 1990; b) aumenta consideravelmente a distância entre ricos e pobres dentro dos países;

c) a crise ecológica vem sendo agravada, com a poluição das águas e diversos recursos naturais essenciais à produção. Há uma clara incompatibilidade entre a ordem burguesa e a noção de progresso civilizatório. De maneira mais conjuntural as principais características são as seguintes: a) crise do trabalho assalariado, com acentuada precarização nas relações de trabalho; b) mito da irreversibilidade da globalização, com forte carga de fatalismo; c) mundo unitário sem identidade, trazendo à tona a fragmentação, também no que se refere ao conhecimento; d) retorno de “velhas utopias”, principalmente na política, economia e religião; e) despolitização das relações sociais; f) acento na competitividade com a perspectiva de que alguns se salvam já que não dá para todos. Nessa realidade está inserida a educação, como um espaço de disputa de projetos antagônicos: liberal X

democrático-popular. Por um lado, o caos da ditadura do mercado como regulador das relações humanas e, por outro, a tentativa de manter a democracia como valor universal e a solidariedade como base da utopia socialista.

3. A EDUCAÇÃO NEOLIBERAL Do ponto de vista liberal, a educação ocupa um lugar central na sociedade e, por isso, precisa ser

incentivada. De acordo com o Banco Mundial são duas as tarefas relevantes ao capital que estão colocadas para a educação:

a) ampliar o mercado consumidor, apostando na educação como geradora de trabalho, consumo e cidadania (incluir mais pessoas como consumidoras);

b) gerar estabilidade política nos países com a subordinação dos processos educativos aos interesses da reprodução das relações sociais capitalistas (garantir governabilidade).

Para quem duvida da priorização da educação no países pobres, observe o seguinte trecho do vice-

presidente do Banco Mundial: “Para nós, não há maior prioridade na América Latina do que a educação. entre 1987 e 1992 nosso programa anual de empréstimos para a educação na América Latina e o Caribe aumentou de 85 para 780 milhões de dólares, e antecipamos outro aumento para 1000 milhões em 1994”. Porém, não vamos nos iludir pensando que a grande tarefa dos mecanismos internacionais a serviço do capital é financiar a educação. Conforme análise de Sérgio Haddad, o principal meio de intervenção é a pressão sobre países devedores e a imposição de suas “assessorias”: “A contribuição mais importante do Banco Mundial deve ser seu trabalho de assessoria, concebido para ajudar os governos a desenvolver políticas educativas adequadas às especificidades de seus países. (...) O Banco Mundial é a principal fonte de assessoramento da política educativa, e outras agências seguem cada vez mais sua liderança”.

Page 30: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

30

É evidente que a preocupação do capital não é gratuita. Existe uma coerência do discurso liberal sobre a educação no sentido de entendê-la como “definidora da competitividade entre as nações” e por se constituir numa condição de empregabilidade em períodos de crise econômica. Como para os liberais está dado o fato de que todos não conseguirão “vencer”, importa então impregnar a cultura do povo com a ideologia da competição e valorizar os poucos que conseguem se adaptar à lógica excludente, o que é considerado um “incentivo à livre iniciativa e ao desenvolvimento da criatividade”. Mas, e o que fazer com os “perdedores”? Conforme o Prof. Roberto Lehrer (UFRJ), o próprio Banco Mundial tem declarado explicitamente que “as pessoas pobres precisam ser ajudadas, senão ficarão zangadas” . Essa interpretação é precisa com o que o próprio Banco têm apresentado oficialmente como preocupação nos países pobres: “a pobreza urbana será o problema mais importante e mais explosivo do próximo século do ponto de vista político”.

Os reflexos diretos esperados pelo grande capital a partir de sua intervenção nas políticas educacionais

dos países pobres, em linhas gerais, são os seguintes: a) garantir governabilidade (condições para o desenvolvimento dos negócios) e segurança nos países “perdedores”; b) quebrar a inércia que mantém o atraso nos países do chamado “Terceiro Mundo”; c) construir um caráter internacionalista das políticas públicas com a ação direta e o controle dos Estados Unidos; d) estabelecer um corte significativo na produção do conhecimento nesses países; e) incentivar a exclusão de disciplinas científicas, priorizando o ensino elementar e profissionalizante. Mas, é evidente que parte do resultado esperado por parte de quem encaminha as políticas educacionais

de forma global fica frustrada por que sua eficácia depende muito da aceitação ou não de lideranças políticas locais e, principalmente, dos educadores. A interferência de oposições locais ao projeto neoliberal na educação é o que de mais decisivo se possui na atual conjuntura em termos de resistência e, se a crítica for consistente, este será um passo significativo em direção à construção de um outro rumo, apesar do “massacre ideológico” a que os trabalhadores têm sido submetidos durante a última década.

Em função dessa conjuntura política desfavorável, podemos afirmar que, em termos genéricos, as maiores

alterações que ultimamente tem sido previstas estão chegando às escolas e, muitas vezes, tem sido aceitas sem maiores discussões a seu respeito, impedindo uma efetiva contraposição. Por isso, vamos apresentar, em grandes eixos, o que mais claramente podemos apontar como conseqüências do neoliberalismo na educação:

1- Menos recursos, por dois motivos principais:

a) diminuição da arrecadação (através de isenções, incentivos, sonegação...); b) não aplicação dos recursos e descumprimento de leis;

2- Prioridade no Ensino Fundamental, como responsabilidade dos Estados e Municípios (a Educação

Infantil é delegada aos municípios); 3 - O rápido e barato é apresentado como critério de eficiência; 4 - Formação menos abrangente e mais profissionalizante; 5 – A maior marca da subordinação profissionalizante é a reforma do ensino médio e profissionalizante; 6- Privatização do ensino; 7- Municipalização e “escolarização” do ensino, com o Estado repassando adiante sua responsabilidade (os

custos são repassados às Prefeituras e às próprias escolas);

Page 31: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

31

8- Aceleraração da aprovação para desocupar vagas, tendo o agravante da menor qualidade; 9- Aumento de matrículas, como jogo de marketing (são feitas apenas mais inscrições, pois não há

estrutura efetiva para novas vagas); 10- A sociedade civil deve adotar os “órfãos” do Estado (por exemplo, o programa “Amigos da Escola”). Se

as pessoas não tiverem acesso à escola a culpa é colocada na sociedade que “não se organizou”, isentando, assim, governo de sua responsabilidade com a educação;

11- O Ensino Médio dividido entre educação regular e profissionalizante, com a tendência de priorizar este

último: “mais ‘mão-de-obra’ e menos consciência crítica”;. 12- A autonomia é apenas administrativa. As avaliações, livros didáticos, currículos, programas, conteúdos,

cursos de formação, critérios de “controle” e fiscalização, continuam dirigidos e centralizados. Mas, no que se refere à parte financeira (como infra-estrutura, merenda, transporte), passa a ser descentralizada;

13- Produtividade e eficiência empresarial (máximo resultado com o menor custo): não interessa o

conhecimento crítico; 14- Nova linguagem, com a utilização de termos neoliberais na educação; 15 - Modismo da qualidade total (no estilo das empresas privadas) na escola pública, a partir de 1980; 16- Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) são ambíguos (possuem 2 visões contraditórias), pois

se, por um lado, aparece uma preocupação com as questões sociais, com a presença dos temas transversais como proposta pedagógica e a participação de intelectuais progressistas, por outro, há todo um caráter de adequação ao sistema de qualidade total e a retirada do Estado.

É importante recordar que os PCNs surgiram já no início do 1º. mandato de FHC, quando foi reunido um

grupo de intelectuais da Espanha, Chile, Argentina, Bolívia e outros países que já tinham realizado suas reformas neoliberais, para iniciar esse processo no Brasil. A parte considerada progressista não funciona, já que a proposta não vem acompanhada de políticas que assegurem sua efetiva implantação, ficando na dependência das instâncias da sociedade civil e dos próprios professores.

17- Mudança do termo “igualdade social” para “eqüidade social”, ou seja, não há mais a preocupação com

a igualdade como direito de todos, mas somente a “amenização” da desigualdade; 18 - Privatização das Universidades; 19 – Nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) determinando as competências da

federação, transferindo responsabilidades aos Estados e Municípios; 20 - Parcerias com a sociedade civil (empresas privadas e organizações sociais). Diante da análise anterior, a atuação coerente e socialmente comprometida na educação parece cada vez

mais difícil, tendo em vista que a causa dos problemas está longe e, ao mesmo tempo, dispersa em ações locais. A tarefa de educar, em nosso tempo, implica em conseguir pensar e agir localmente e globalmente, o que carece da interação coletiva dos educadores e, segundo Philippe Perrenoud, da Universidade de Genebra, “o professor que não se preparar para intervir na discussão global, não é um ator coletivo”. Além disso, a produção teórica só tem sentido se for feita sobre a prática, com vistas a transformá-la. Portanto, para que haja condições efetivas de construir uma escola transformadora, numa sociedade transformadora, é necessária a predisposição dos educadores também pela transformação de sua ação educativa e “a prática reflexiva deve deixar de ser um mero discurso ou tema de seminário, ela objetiva a tomada de consciência e organização da prática”.

Page 32: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

32

UNIDADE IV 1. AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

1.1 Contextualização Histórica – Por Jorge Barcellos A partir da Revolução de 1930 e a chegada de Getúlio Vargas ao Poder enquanto revolucionário e

representante das propostas de mudança da Nação Brasileira, o Estado torna-se o articulador central da política educacional brasileira. Após revolução que levou Vargas ao poder, até 937 permaneceu a tradição de relegar o ensino elementar aos Estados e Municípios. Quanto ao ensino secundário, a política educacional assumia competência exclusiva. Em 1931, Francisco Campos, então Ministro da Educação e Saúde, propõe a Reforma do Ensino Secundário, ampliando o monopólio estatal do acesso ao ensino superior. Tratava-se da política de "equiparação", política de oficialização de escolas públicas e privadas que exigia a equivalência de todos os cursos com o Colégio Pedro II. Foi o primeiro referencial normativo para o setor da educação secundária, levando as ultimas conseqüências a nomatividade que já vinha se realizando ao longo da república.

São reformas superiores as previstas para a educação pela Aliança Liberal. Francisco Campos era ex-

Secretário da Instrução Pública de Minas Gerais. A reforma incluiu ainda o ensino profissional e a formação específica de magistério. Quanto ao terceiro grau, Francisco Campos criou novas áreas de saber universitário, mas assumindo um compromisso com a educação secundária. Ele estabelece a implementação definitiva do sistema seriado, o estabelecimento da política de equiparação das escolas e a criação de um sistema federal de regulamentação, fiscalização e orientação pedagógica das escolas equiparadas. A importância da ênfase adotada está no fato de que desde 1891, com Benjamin Constant, o ensino secundário era um mero preparativo para o ensino superior. O ensino seriado dá uma finalidade própria ao ensino secundário. A respeito, assinala Marlos Bessa Mendes da Rocha, em "Educação Conformada: a política pública de educação (1930-1945)

Com a reforma Campos, ao contrário, o conteúdo da crítica pedagógica exercida e as medidas administrativas tomadas justificam-se inteiramente como voltadas para o ensino secundário. Nesse sentido, aboliu-se em definitivo os "exames de preparatório", mecanismo utilizado pela União nas reformas anteriores (exceto pela Reforma Rivadávia, de 1915) no controle do acesso ao 3o. grau. Exigir-se-á, a partir de então, que o acesso ao superior somente se faça pelo cumprimento, por completo, do sistema seriado. A preparação às Faculdades não será, entretanto, a sua única finalidade, pois o que se quer é que a seriação forme a personalidade do aluno, além de sua habilitação geral para a escolha profissional

A Reforma Rivadávia havia vigorado de 1911 a 1915, formulada pela Lei Orgânica do Ensino Superior e

Fundamental da República. Elaborada pelo Ministro Rivadávia Correia, aboliu por completo qualquer interferência da União sobre os estabelecimentos de ensino e sobre os exames de acesso, como assinala Marlos Rocha. A reforma de 1931, ao contrário, se faz com o comprometimento da União com a rede de escolas secundárias, através de mecanismos de fiscalização das escolas oficiais e particulares. Somente são preservados os exames preparatórios da época do Império. Passam a existir então os "Exames de madureza", exames preparatórios para o ensino superior que conferiam o grau de Bacharel em Ciências e letras. Realizado em várias seções disciplinas, segundo Mattos é bem mais rigoroso que os exames preparatórios que conferiam apenas certificados de estudos secundários. Também foi o momento em que ocorreu a equiparação das escolas estaduais ao Ginásio Nacional. Aos poucos,o Estado alarga suas atribuições em matéria de ensino, inaugurando um processo de uniformização pedagógica, do ensino privado, que havia expandido-se e organizado no Brasil.

A mudança que a implementação da seriação também foi importante por que superou a possibilidade de se

prestar exames para qualquer série. Ainda que permaneçam limitados a criação e manutenção de estabelecimentos públicos, a união interfere pedagogicamente no ensino secundário publico e privado, tornando homogêneos os currículos. Este quadro não é modificado pela Constituição de 1934, e durante o Governo Provisório, Francisco Campos buscará pela educação, atrair setores católicos, com a introdução do ensino religioso nas escolas públicas.

Page 33: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

33

Pode-se ter uma idéia do significado da medida frente ao caráter laico da tradição republicana, reforçado pelo Escolanovismo, movimento de renovação dos ideais educacionais que chega ao Brasil à época.

1.2 As políticas educacionais na década de 1930 Em 1924, havia sido criada a Associação Brasileira de Educação. Em 1931, sua IV Conferência revela que

o governo não conseguiu produzir um consenso entre os educadores nacionais. O governo provisório não possui uma política de educação, e as disputas acirram-se entre laicos e religiosos.. NO ano seguinte, em março de 1931, será lançado o "Manifesto dos Pioneiros", cuja ampla repercussão terá repercussão na Constituinte. Ele tem a formulação das "bases e diretrizes"para a educação nacional, com o objetivo de superar o estado fragmentário das antigas reformas, influenciando principalmente a escola pública. Segundo Rocha, "pretende-se superar o isolamento da escola em relação ao meio social, fazendo-a transbordar dos seus muros, levando-a a articular-se com outras instituições sociais”. Diz Shiroma

Apresentava idéias consensuais como a proposta de um programa de reconstrução educacional em âmbito nacional e o principio da escola pública, leiga, obrigatória e gratuita e do ensino comum para os dois sexos (co-educação)

A proposta reconhece o relativismo da educação, defende uma concepção de vida e mundo, que são

também marcadas pela origem de classe social. A educação tem agora uma consciência histórica, afastando-se dos interesses de classe social, dos privilegiados, para ser a base para a organização da sociedade. Nasce a idéia de uma escola de qualidade, guiada pelo principio de igualdade e acesso a todos os indivíduos. O Manifesto também defende um ideal humano, solidário, cooperativo, baseado em atividades criativas na produção. Compromete-se também com o respeito a individualidade humana. O individuo tem portanto direito a educação,função pública por excelência.

Nasce a idéia de escola única, escola comum para todos, acessível em todos os seus graus para todos os

cidadãos. Deve ser uma função única, onde suas partes apresentam-se integradas. Precisa ser autônoma o suficiente para não depender em suas funções dos diversos governos, e os bens oriundos da sua organização devem pertencer aos próprios sujeitos (descentralização). Uma escola adaptada as necessidades dos alunos, reorganizada de forma dinâmica em contato com a comunidade. Para os pioneiros, somente um "Plano de Reconstrução Nacional", é capaz de possibilitar a construção de uma educação unitária, da escola primária a universidade. Como aponta Rocha "para os pioneiros, a educação é fonte de energia criadora, de solidariedade social e de cooperação". Os educadores, portanto, situam-se politicamente fazendo a critica da escola tradicional, trazendo dois princípios modernos: o da universalidade do acesso educacional e o principio da individualização pedagógica. Seu significado foi importante (1932-1937), no período que antecede a imposição do regime autoritário que se seguirá,pois, frente a um estado que se faz interventor social, reconhece o principio liberal de preservar autonomia da individualidade.

O ideário reformista superestimava a importância da reforma da educação para reforma da sociedade.

Típico do espírito salvacionista, origina-se quando em 1930 foi criado o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública pelo Governo Provisório. O objetivo é criar a educação necessária a modernização do pais. Eneida Shiroma, em Política Educacional, assinala uma série de Decretos que efetivou as chamadas Reformas Francisco Campos. Em 11 de abril de 1931, é criado o Conselho Nacional de Educação e organizado o ensino superior no Brasil, adotando-se o regime universitário. Em 18 de abril de 1931, o Decreto 19.890, dispõe sobre a organização do ensino secundário e ao final de junho do mesmo ano, o Decreto 20.158, organiza o ensino comercial. A reforma Francisco Campos tutela o ensino nacional.

Entre os sujeitos com os quais o governo entrará em atrito, encontra-se a igreja. Conforme Shiroma:

Para a Igreja, a educação moral do povo brasileiro deveria ser de sua exclusiva competência. Tratava-se, para os católicos, de um esforço político, patriota, uma vez que colaborando para a pureza dos costumes, estaria formando homens úteis e conscientes, com os conhecimentos necessários aos bons cidadãos

Page 34: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

34

O esforço valeu a pena. Em 1931, dentre as medidas assinaladas, o Governo Provisório inclui o ensino de religião nas escolas do país. Ë facultativo. Somente, após, com o Manifesto dos Pioneiros, a igreja verá seu poder ser afetado por setores intelectuais e educadores que emergem de um processo de industrialização. Entre as razões com que fazem o sucesso dos pioneiros, está o fato de que cada vez mais, são seus ideólogos que ocuparam cargos na burocracia estatal, atuando politicamente. Vargas e Francisco Campos agiram buscando conciliar as divergências.

A Constituinte de 1934 atribuiu ao Conselho Nacional de Educação a tarefa de elaborar o Plano Nacional

de Educação. A proposta dura pouco. A repressão generalizada da ditadura varguistas faz com que os ideais liberais sejam combatidos. Para Rocha, é difícil estabelecer as regras e as especificidades do debate de 33-34, pois os posicionamentos, em geral, são carentes de visão de conjunto ou as vezes, até incoerentes. A Constituinte,por exemplo, discute a questão da participação da União nos diversos ramos e níveis de ensino, que do anteprojeto governamental, sofre um Substitutivo na Comissão Constitucional. A critica paulista, principalmente, era de que era um projeto centralista para a educação, permitindo a interferência da União em toda as esferas de ensino. Rio Grande do Sul e Minas Gerais, ao contrario, se posicionam junto ao governo: o ensino secundário, por exemplo, deve continuar submisso ao governo central.

A Constituinte também discute o tema do direito à educação. Primeiro, sobre o aspecto da afirmação

jurídica do direito do cidadão. Em segundo lugar, pela previsão de recursos para a garantia desse direito e, finalmente, o da obrigatoriedade escolar, que define, de quem é o dever público. Nasce a idéia da educação como "direito público subjetivo" um avanço, se considerarmos o fato de que Rocha menciona que o anteprojeto governamental nada falava – exceto em "favorecer o desenvolvimento das artes, ciência e ensino" o Substitutivo Constitucional, somente dizia que "a todos facilitará o Estado a educação necessária"Ou ainda, cabe ao Estado a obrigação de dar os meios, e ao cidadão, a obrigação de reclamar os meios. Assinala Rocha

Apesar dos renovadores conseguirem finalmente afirmar na Constituição o direito a educação, ele sai suficientemente mutilado para que nada obrigue o Estado a um investimento maciço em educação pública. Ao contrário de toda e expectativa dos renovadores, o que ali se abriu foi uma imensa brecha para o que Anísio Teixeira chamará mais tarde de "publicização do privado’ referindo-se ao processo de elevação do interesse privado ao plano do interesse público.

A constituinte põem também em debate a questão da ação supletiva da união. OS renovadores queriam

que a União agisse em prol da educação onde se fizesse necessário, inclusive e principalmente, naquelas regiões carentes de recursos.Inspirados na experiência americana, os renovadores propõe a idéia dos Conselhos de Educação, como forma de realizar essa ação. Autônomos, segundo justificativa da ABE na sugestão para um Plano Nacional de Educação, "é preciso não esquecer a consideração muito importantemente de que, num e noutro caso, os órgãos políticos são sujeitos a mudanças demasiados freqüentes.

A constituinte também propõe tratar da aplicação dos recursos públicos em educação, de forma a garantir a

obrigatoriedade escolar básica. As constituições anteriores haviam se eximido desta questão, e agora, o debate se faz em índices orçamentários para a União, Estados e Municípios referidos a educação. Discute-se critérios para distribuição desses meios, inclusive, bolsas de estudos em instituições privadas, caso o sistema público não tenha condições. Isso fazia parte do reconhecimento da educação como direito social. Os renovadores, portanto, não tem, ao contrário do que se poderia pensar, comprometimento com a idéia de dirigir verba pública para a educação pública. Rocha, encontra a explicação em Anísio Teixeira, quando diz:

Antes de 1930, os colégios particulares do Brasil eram realmente particulares e resistiam vivamente a qualquer intromissão do Estado. Os de nível secundário pensariam em tudo,menos em pedir recursos ao Estado. Zelavam, sobremodo, pela sua independência e serviam a uma pequena classe média relativamente abastada e a pobres orgulhosos, que sofriam sua pobreza mas não desejavam esmolas, que tanto seriam consideradas as bolsas e auxílios

Por isso é que não ocorreu uma grande disputa pela verba pública, inclusive, pelos setores majoritários da

igreja católica.. Mas há a brecha constitucional para que ela se instale e ao longo do tempo, o principio de subimento público será a regra de financiamento do aluno carente no sistema privado. Seu auge se dará no Estado Novo.

Page 35: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

35

A relação entre católicos e conservadores não era de oposição. De fato, assumiram posições conciliativas quanto a aprovação do ensino religioso de caráter facultativo nas escolas publicas, de acordo com a confissão religiosa, bem como a questão da intervenção do Estado na educação, a que a igreja era favorável, apesar de ser uma posição moderna. Sua exigência era apenas da participação da família na educação. Apesar de ser criada no meio de posições majoritariamente conservadoras (São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul) a Constituinte abre espaços para o moderno representado pelos pioneiros, devido ao novo momento que vive o país após a Revolução de 1930. Além disso, os pioneiros tiveram sucesso em demonstrar a coesão de seus princípios doutrinários e de forjar alianças entre educadores e políticos. Foram eles que qualificaram a definição de quem educa e de quem diz o como educar. Para a primeira, a resposta é a centralizada do poder público em todos os níveis e ramos de ensino, aprovada a nível de diretrizes de autoridade e fiscalização. Os pioneiros tinham consciência da necessidade de modernização do Estado. Os limites eram dados pelo contexto da época. NO Caso dos Conselhos de Educação, como órgãos públicos de regulamentação e ensino, cede, num contexto centralizador, sendo aprovado um Conselho restrito, extinguindo o agente civil democratizador, o estado centraliza e termina por restringir o publico ao governo, e com ele, o controle da escola particular, em equivalência com as escolas públicas. Para Rocha

São dois, portanto, os sentidos básicos do arreglo jurídico-político constituído naquela legislatura: 1. Afirmação de uma modernidade educacional pelo primado do púbico, mas que se faz fundamentalmente pela exacerbação da regulação e fiscalização do Estado, antes que pelo papel de promovedor da universalização do acesso por meios públicos; 2. Ambigüidade na definição do direito público a educação, igualizando direitos aos sistemas públicos e privados de ensino"

A Constituição foi promulgada em julho de 1934 e a repressão faria letra morta as propostas liberais e as

garantias constitucionais em nome a perseguir’`ao comunista. O atendimento manteve-se deficitário, ainda que tenham aumentado o número de matriculas. Havia uma distancia entre a intenção de saneamento escolar.

A implantação do Estado Novo em 1937, redefiniu o papel da educação no projeto nacionalista. A nova

constituição dedicou-lhe menos espaço, garantindo-lhe apenas como estratégia de resolver a "questão social" e combater o comunismo. O estado privilegiava um ensino específico para as classes menos favorecidas, primeiro dever do estado a ser cumprido com industrias e sindicatos. A escola se transformava em lugar de discriminação social. A política educacional era o lugar da ordenação moral e civil, adestramento, obediência, formação da fora de trabalho para a modernização.

1.3 As políticas educacionais do Estado Novo

A política educacional do Estado Novo no ensino básico, segundo Rocha, não é puro arbítrio do regime. Ele

herda o fundamento político estabelecido pela dimensão do direito publico de educação. Estão presentes, de uma forma desfigurada o, os sujeitos sociais civis no interior do estado. A preocupação é com a modernidade, e para isso, uma preocupação muito grande com o ensino primário, através de rede de escolarização e aportes financeiros, com critérios para sua distribuição, serão pensados. O Estado centraliza, regula e fiscaliza: seu conservadorismo revela-se na relutância da união numa aplicação intensa de verbas: o discurso de nacionalização é intenso, mas a participação é irrisória.

Entre a Constituinte de 1934 a instalação do Estado Novo, a ação da política dos renovadores foi

organizada pela ABE. A constituição havia aprovado princípios caros aos renovadores, mas no espaço de luta, outros princípios foram desvirtuados, fazendo-se uma defesa das prerrogativas da União no ensino secundário, por exemplo. Em meados de 1935, com a promulgação da Lei de Segurança Nacional, inicia o fechamento político, e com esse a repressão deste ano. O movimento renovador é atingido e Anísio Teixeira, um dos principiais lideres renovadores e Secretario de Instrução Publica no Distrito Federal, demitido. O debate é cerceado

Em 1942, o então ministro Gustavo Capanema, implementou uma série de medidas que tomaram o nome

de Leis Orgânicas do Ensino, que flexibilizaram e ampliaram as reformas Francisco Campos. Foram aprovadas a Lei Orgânica do Ensino Industrial(1942), a Lei Orgânica do Ensino Secundário(1942) o Servi;o Nacional de Aprendizagem Industrial SENAI (1942), a Lei Orgânica do Ensino Comercial (1943), a Lei Orgânica do Ensino Primário e Normal (1946) e a Lei Orgânica do Ensino Agrícola (1946). Essa legislação completa o processo político dado pela criação do ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública e possibilitaram a consolidação de

Page 36: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

36

diretrizes em todos os níveis. As reformas de Campos, só atentaram para o ensino comercial. Contemplando todos os níveis de ensino, entretanto, havia dualismos que fazia com que não houvesse diretrizes comuns gerais a todos os ramos e níveis de ensino, as camadas mais favorecidas buscavam o ensino secundário e superior e as mais pobres, as escolas primárias e uma rápida formação para o trabalho. O SENAI foi um sistema paralelo ao oficial, o estado reconhecia sua incapacidade em prover a formação profissional em larga escala. Para os empresários, era o luar ideal para a formação dos valores do industrialismo e por isso foi mantido pelos fiados da Confederação Nacional da Industria. Aos poucos, já em 1948, o SENAI desiste da tarefa que lhe é proposta, reivindicando para a escola primaria a tarefa de formação do operariado. É por isso que ao longo dos anos abandona os cursos e atividades vinculados a formação de mão de obra para dedicar-se a formação especializada de nível técnico. A remodelação sofrida no pós 64 devolverá ao Estado a tarefa.

Com a Constituição de 1946, do Estado Novo, é defendida a liberdade e educação dos brasileiros.

Conforme Shiroma, "era assegurada como direito de todos e os poderes públicos foram obrigados a garantir, na forma da lei, educação em todos os níveis". Clemente Mariano nomeia uma comissão de especialistas com o objetivo de propor uma reforma geral da educação nacional, que em 1948 é apresentado ao Congresso Nacional e levará a promulgação, em 1961, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (Lei 4024/61). Segundo Shiroma, será a vitória das forças conservadoras e privatistas e que trará sérios prejuízos quanto a distribuição de recursos públicos e ampliação das oportunidades educacionais.

O ensino secundário durante o estado novo, contudo, foi diferente. Segundo Rocha

Tratou-se de um ensino de cunho ideológico, valorativamente autoritário, centralista na sua formulação e controle, regulamentado estrito dos conteúdos e das regas de ensino, fiscalizador burocrático formalistas desses conteúdos e regras, homogeneizados do ensino em âmbito nacional nos níveis e tipos de ensino, segmentador dos cursos, dificultado equivalências e passagens de um curso a outro.

Para Rocha, a questão de "como educar" e "quem educa" mantém-se sobre o estabelecimento de relações de tipo cartorial, beneficiando uma parte da iniciativa privada. A expansão da iniciativa privada na educação, nos anos 40, é fruto da política de equivalência entre ensino público e privado, que "trouxe ares de qualificação pública a um conjunto de novas escolas privadas’. A política de equivalência substitui a ausência de uma política de expansão da rede pública de ensino médio. A política para o ensino básico procurou comprometer verbas pública dos estados e municípios, já para o nível secundário não há preocupação com a expansão da rede. É conseqüência do fato de que o setor renovador não foi defensor do estatismo do como educar, mas da livre criação educacional sustentada com verba publica. Por outro lado, os que defendem a iniciativa privada não tem contradições com o controle estatal, e de fato, expandem-se quando o Estado o regula, dando-lhe equivalência e disputa de verba publica.

Entre as razões, está o fato da nova conjuntura política dos anos 40. O Governo Vargas busca mobilização

social em apoio ao governo, consolidando em 1945, quando é editado o Ato Adicional no. 9,Uma portaria ministerial concede aumento de 25% para os professores da rede privada, ato inédito, para os profissionais sujeitos a CLT, através de portaria. Gustavo Capanema revelava o comprometimento de sua atuação com medidas de apoio popular. O patronato de ensino reage, buscando compensações e os alunos, o não repasse as mensalidades. Daí o financiamento indireto, através da suspensão de impostos e da concessão de empréstimos, que colaboram no déficit orçamentário a longo prazo.

Segundo Rocha:

Abriu-se, dessa forma, a nível de educação média, especialmente a de tipo secundário, o processo que aqui chamamos de cartorização do ensino privado. Ele é decorrente das opções fundas do Estado corporativo-autoritário, aliadas que foram da preservação conservadora de uma política de investimento educacional do Estado, que fora apanágio dos anos anteriores a 1940"

Os anos 40 encerram-se com o surgimento de um novo sujeito civil na realidade educacional, o

empresariado de ensino. Seu vinculo estatal esta marcado pela sua origem, no momento em que foi dada ao ensino privado a dimensão de ensino publico. A intervenção do estado na educação privada se dará pela possibilidade de financiamento e gestão escolar sob critérios públicos. Contudo, nos governos posteriores, desaparece a questão da gestão, permanecendo apenas o financiamento. ""Ou seja, o que vale para o financiamento, não vale para a

Page 37: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

37

intervenção, o que evidentemente é um reconhecimento de fato, a revelia da lei, do caráter empresarial de tais estabelecimentos", diz Rocha, p. 169.

Durante 13 anos, o Movimento em Defesa da Escola Pública, iniciado na USP, com nomes como Florestan

Fernandes, Fernando Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, ocupam as discussões do projeto em tramitação no Congresso nacional. Em 1959 é inclusive divulgado novo manifesto assinado por 189 intelectuais, educadores, endereçado ao governo e ao povo. A nova geração discutia os aspectos sociais da educação e a defesa da escola pública. A aprovação da LDB de 1961, conservadora, revela a submissão a iniciativa privada, prevendo ajuda financeira de forma indiscriminada ao mercado e a igreja.

1.4 As políticas Educacionais do Estado Militar O contexto político é agitado pela guerra fria e pela efervescência cultural e política. Surgem os chamados

movimentos de educação popular, que nos anos 60, serão realizados pelos Centros Populares de Culturas, (CPCs) da Une, que levavam peças políticas a portas de fabricas e sindicatos . Também surgem os movimentos de Cultura Popular em Pernambuco e Rio Grande do Norte, com programa de alfabetização de Paulo Freire. A igreja divide-se tem-se a emergência de forças progressistas. A alfabetização das massas tinha então o objetivo de colaborar na conscientização popular e aumentar o número de eleitores, por que o voto não era facultado aos analfabetos.

O tema foi exaustivamente estudado por José Wiillinton Germano, em "Estado Militar e Educação no

Brasil"(1964-1985). Para Germano, o estado militar precisou da adesão de uma parte dos intelectuais, camadas médias e massas populares. A ambigüidade de seu discurso e prática é que enquanto apelava a democracia e a liberdade, a golpeava, enquanto declarava-se a favor da erradicação da miséria, colabora para aumentar os índices de pobreza pela concentração de renda. Nesse sentido, insere-se o discurso favorável a erradicação do analfabetismo e a expansão da educação escolar, proposto pelos militares, enquanto reprimiam severamente professores e diminuíam as verbas do Orçamento para a educação. A política educacional faz parte do contexto em que o Estado assume cunho ditatorial voltado para os interesses do capital. As reformas do ensino superior (1968) e ensino primário e médio (1971) são realizadas sem a participação da sociedade civil, com a intenção de desmobilizar os eventuais movimentos sociais. A política educacional se transforma em "estratégia de hegemonia", veiculo necessário para a obtenção do consenso. O Estado militar esbarra no limite de escassez de verbas para a educa’[cão publica, já que está empregando os recursos disponíveis para a acumulação do capital. Seu interesse pela educação se manifesta pela repressão aos professores e alunos indesejáveis ao regime, pelo controle político e ideológico do ensino, eliminando-se a critica. O regime tinha como princípios um anticomunismo exacerbado, antiintelectuais que levava a negação da razão e o terrorismo cultural.

Finalmente Germano, a política educacional do Regime Militar vai se pautar pela economia da educação de

cunho liberal. É elaborada a "teoria do capital humano", subordinando diretamente educação a produção – é o êxtase da aplicação de princípios da economia à educação. O II Plano Setorial da Educação, Cultura e Desporto(1974-1979), é exemplo disso. Germano assinala que em síntese, foram os seguintes os eixos de sua política educacional:

Controle político e ideológico da educação escolar em todos os níveis. Tal controle, no entanto, não ocorre da forma linear, porém, é estabelecido conforme a correlação de forças existentes nas diferentes conjunturas históricas da época. Em decorrência, o Estado militar e ditatorial não consegue exercer o controle total e completo da educação. A perda de controle acontece, sobretudo, em conjunturas em que ass forças oposicionistas conseguem ampliar o seu espaço de atuação política. Daí os elementos de "restauração"e de "renovação" contidos nas reformas educacionais; a passagem da centralização das decisões e do planejamento, com base no saber da tecnocracia, aos apelos "participacionistas"das classes subalternas. 2) Estabelecimento de uma relação direta e imediata, segundo a "teoria do capital humano" entre educação e produção capitalista e que aparece de forma mais evidente na reforma do ensino de 2o. grau, através da pretensa profissionalização .3) incentivo a pesquisa vinculada a acumulação de capital. 4) Descomprometimento com o financiamento da educação pública e gratuita, negando, na prática, o discurso de valorização da educação escolar e concorrendo decisivamente para a corrupção e privatização do ensino, transformando em negócio redondo e subsidiado pelo Estado. Dessa forma, o Regime delega e incentiva a participação do setor privado na expansão do sistema educacional e desqualifica a escola pública de 1o. e 2o. graus, sobretudo

Boa parte das reformas de ensino militares foram balizadas por recomendações de agencias internacionais

e relatórios vinculados aos estados unidos, como o Relatório Atcon e o Relatório Meira Mattos do Ministério da Educação Nacional. Incorporava-se compromissos da Carta de Punta Del Leste (1961) e do Plano Decenal da

Page 38: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

38

Educação da Aliança para o Progresso. Eram os acordos MEC-USAID que tinham nos intelectuais orgânicos do regime, como o Instituto de Pesquisas E Estudos Sociais e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática, as bases de apoio para o regime. Suas reflexões serviram também para uma perspectiva economicista em educação, confirmada pelo Plano Decenal de 1967. O planejamento da educação torna-se coisa de economistas.

Em 1964, várias leis são aprovadas entre elas a regulação a participação estudantil e o salário educação.

Dois anos depois, é suspensa as atividades da UNE e a representação estudantil nas universidades federais. Entre 1967 e 69, é organizado o funcionamento do ensino superior: reitores podem enquadram o movimento estudantil na legislação pertinente, organiza-se o funcionamento universitário e proíbe-se a manifestação política na universidade. No campo do ensino fundamental e médio, é criado o Mobral em 1967, Movimento Brasileiro de Alfabetização e as diretrizes e bases para o ensino de 1o. e 20 graus (Lei 5692/71) que será reformada pela lei7044, em 1982. A Constituição de 1967 faz um retrocesso, não prevento percentuais mínimos a serem despendidos pelo poder publico. Segundo Shiroma, havia dois objetivos básicos do governo militar durante o milagre econômico brasileiro:

O primeiro era o de assegurar a ampliação da oferta do ensino fundamental para garantir a formação e qualificação mínimas a inserção e amplos setores das classes trabalhadoras em um processo produtivo ainda pouco exigente. O segundo, o de criar as condições para a formação de uma mão de obra qualificada para os escalões mais altos da administração pública e da industria e que viesse a favorecer o processo de importação tecnológica e de modernização que se pretendia para o país

Formulada no auge do regime militar, a reforma do ensino superior visou conter as mobilizações estudantis

e a resistência a ditadura existem nas universidades. De fato, lideranças estudantis , intelectuais haviam se engajado na luta armada contra a ditadura.. A ditadura visava restaurar a ordem e ambiguamente, nos termos de Germano, "emprego desmedido da repressão política mas, igualmente, da assimilação (desfigurada) de princípios avançados que haviam sido colocados por segmentos e experiências de caráter reformador". Por exemplo, a lei 5540/68 extingue a cátedra, introduz o regime de tempo integração e de dedicação exclusiva aos professores, cria a estrutura departamental , divide o curso de graduação em duas partes, básico e profissional, e cria o sistema de crédito por disciplina, a semestralidade e o vestibular. Mas contudo, é a lei que implementa a indissociabildade entre ensino, pesquisa e extensão e fortaleceu a pós-graduação Outro exemplo é a lei 569271, que introduz mudanças no ensino, sem colocar em disputa os defensores da escola pública e laica, e a igreja, como ocorreu em 1936 e 46 e 61. Foi ampliada a obrigatoriedade escolar para oito anos, com a fusão do primário e ginásio, eliminando-se o excludente exame de admissão ao ginásio, antiga reivindicação dos educadores atendida pela ditadura. Finalmente, a implantação do salário educação (Lei 4420/64), cumpriu o papel de fonte de recursos, numa época em que o governo gastou menos de 3% do orçamento com educação. Delineai-se uma escola ampla que necessitava investimentos, e o governo limita-se a formular projetos de gabinete e favorecer favores e dependências. A educação se transforma em negócio, empresas privadas envolvem-se cada vez mais com a educação, aproveitando incentivos e subsídios.

1.5 A política educacional da Nova República No segundo período (1975-1985), com a crise econômica e política, a política educacional proposta pelo

governo busca a correção das desigualdades no plano do discurso, enquanto na pratica continuou os mecanismos de exclusão da escola. 60% da população é excluída da escola, condenada a viver em condições miseráveis devido a contração de renda conseqüência do projeto de construção do "Brasil potência’. A prioridade do estado é o mercado, a acumulação de capital e não a educação. Os raros projetos voltados para educação tinham vícios estruturais, e os recursos perdiam-se no meio da burocracia. Exemplos são os programas e ações para as populações mais pobres do norte. A questão social passas a substituir o discurso da segurança nacional. A educação passa a colaborar com o projeto desenvolvimentistas tecnocrático, atenuando as contradições do modelo econômico. Programas como Pólo Nordeste, Edurrural, Programas de Ações Socioeducativas e Culturais para as Populações Carentes do Meio Urbano (PRODASEC, e do Meio RURAL(PRONASEC), além do programa de Educação Pré Escolar, no entender de Shiroma, constituem exemplos do modelo de gestão das coisas da educação, e que vai perdurar por até hoje: a pulverização de recursos no campo da Educação, perda de recursos nos entraves burocráticos, dificuldades impostas pelas muitas instancias administrativas. Para Shiroma, "poucos recursos alcançavam as necessitadas escolas das regiões ou localidades a que se dirigiam". O estilo centralizador de controle das fontes de financiamento, o clientelismo na distribuição dos recursos, o atendimento de prerrogativas do Banco Mundial.

Page 39: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

39

Com a Anistia, e a atuação de diversas entidades, como a SBPC, forma-se um consenso sobre a

necessidade de um novo projeto educacional, Organiza-se o Fórum de Secretários Estaduais de Educação, que via a se transformar no Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), cujo objetivo é a defesa da educação publica, através da participação dos estados na definição das políticas do MEC.

O primeiro governo civil depois do regime militar de 1964, escolhido por um Colégio Eleitoral denomina-se

Nova República. Para Sofia Lerche Vieira, em "Política Educacional em Tempos de Transição". Para Vieira, os documentos do governo Sarney fazem um "amplo inventário dos históricos problemas da educação, mas tendem a oferecer poucas alternativas inovadoras a sua superação". Os documentos, assinala, pautam entre suas prioridades estratégias de flexibilidade, mobilização social e articulação com a sociedade com o objetivo de valorizar projetos de valorização do magistério de educação básica, ampliação de oportunidades de acesso a escola e assistência ao aluno carente. A ele veio somar-se as diretrizes tiradas no dia 18 de setembro de 1985, o chamado "Dia D da Educação", que discriminou uma série de preocupações governamentais, principalmente quanto ao aumento do número de escolas, de melhor qualidade e participação da comunidade. Com o PND da Nova República, estabelece

o compromisso de oferecer escola pública a todas as crianças de 7 a 14 anos. É objetivo, ainda, garantir a permanência dos alunos na escola durante todo o período da educação fundamental. Ao final do plano, 25 milhões de crianças estarão sendo atendidas

A prioridade é explicita a educação básica. Passado dois anos, o foco da política educacional se desloca do

executivo para o legislativo, onde está sendo votada a nova Constituição. Dois anos depois, a Reunião de Jomtien, realizada na Tailândia, assinala que, educação para todos é, para crianças de 7 a 14 anos, ou portanto, não exatamente todos.

Segue-se Fernando Collor de Mello, para um mandato de cinco anos.Para Vieira, seu governo inaugura a

fase da "educação espetáculo", propondo o Programa nacional de Alfabetização para a Cidadania – PNAC. Como os governos anteriores, firma a concepção de uma educação como eixo importante para o desenvolvimento, sem fazer na prática grandes avanças. Exceção é a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que não nasce por movimento dos educadores, mas que tem, contudo, um capitulo sobre o direito a educação. Collor concebe projetos de grande visibilidade, como a construção de Ciacs, que unem educação e saúde. São projetos que não apresente uma proposta coerente com o novo papel da educação desejada no contexto neoliberal. Para Mello & Silva, citado por Vieira, o governo Collor seria marcado

por ausência de centralidade da educação na agenda governamental – inteiramente tomada pela administração da economia de curto prazo; falta de um projeto educacional e por conseqüência organizada das ações e programas de governo; centralização de recursos, decisões associadas a um discurso cuja tônica, era contraditoriamente, a da descentralização e falta de prioridades claramente definidas

O governo Itamar Franco introduzirá no cenário político Fernando Henrique Cardoso, responsável pela

adoção do Plano Real, caracterizado pela contenção dos gastos públicos, aceleração da privatização que terá efeitos imediatos no campo do financiamento da educação. No Ministério da Educação, assume Murilo Hingel, que acreditava na universidade pública e preocupava-se com o professor e a educação das crianças. Grandes mobilizações surgem com os debates para a elaboração do Plano Decenal de Educação para todos(1993), que se desdobrará em planos educacionais de estados e municípios, e a realização da Conferencia Nacional de Educação para Todos, (1994). Abre-se o governo para ouvir a sociedade, somente. O resto continua a velha estrutura tradicional de planejamento governamental.

A grande novidade é que o MEC passa a prestar contas de suas ações. Seus relatórios apontam que o

foco principal é o ensino fundamental, principalmente com o Programa nacional de Atenção Integral a criança e adolescente (PRONAICA), que junto com as ações de assistência ao estudante, que junto com a Fundação de Assistência ao Estudante, será central na nova estratégia. O governo afirma-se com compromissos com o Plano Decenal, a questão do magistério. Plano Decenal, menina dos olhos do governo Itamar, enfrentou os mesmos problemas de descontinuidade administrativa dos governos anteriores. Para Vieira

Nos tempos de transição, a política educacional coloca todas as suas energias sobre o ensino fundamental. Trata-se de uma opção dura que a médio e longo prazos compromete o ingresso do país na direção da sociedade do conhecimento"Ou pelo menos, restringe esse ingresso aos loucos eleitos favoritos da fortuna

Page 40: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

40

UNIDADE V 1. PAPEL DO ESTADO E A EDUCAÇÃO COMO DIREITO - Por Jorge Barcellos

A existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, implica sempre a existência de um sistema normativo, onde por ”existência” deve entender-se tanto o mero fator exterior de um direito histórico ou vigente quanto o reconhecimento de um conjunto de normas como guia da própria ação. A figura do direito tem como correlato a figura da obrigação. Norberto Bobbio

1.1 Direitos Humanos: uma idéia que nasceu há 300 anos Segundo Renato Janine Ribeiro, não havia direitos humanos na Grécia. Isso pode soar estranho, até

porque Atenas ainda hoje aparece como um momento alto, insuperado, do regime político democrático. Mas o fato é que a democracia, pelo menos entre os Antigos, não incluía o que chamamos direitos humanos - e que são uma invenção moderna.

A Inglaterra, hoje sinônima de calma resolução dos conflitos, já se viu tomada por guerras civis; e foi por

ocasião de uma delas, entre 1640 e 1660, que se tornou comum à alusão aos direitos do 'freeborn Englishman', o inglês nascido livre ou livre por nascença. Haveria uma série de direitos que todo inglês teria, só por nascer.

Insistamos na questão do nascimento: é o que explica o termo 'direitos naturais'. Natural é o que temos por

nascença. Direitos naturais são os que temos antes de qualquer decisão governamental ou política - sem precisarmos da boa vontade do Estado ou de quem quer que seja.

Os direitos humanos surgem, na modernidade, como direitos naturais. Basta o inglês nascer, para tê-los.

Essa é uma das grandes inovações dos revolucionários ingleses de 1640. Entre tais direitos estava o de não ser obrigado a acusar a si próprio, o de não pagar impostos que não fossem votados por seus deputados, o de ter voz na política.

O arremate da revolução inglesa iniciada em 1640 se dá em 1688, quando é deposto o rei Jaime II.

Guilherme e Maria, que sucedem a ele, aceitam o 'Bill of Rights', que é o nome inglês do que conhecemos, nas línguas latinas, como 'declaração de direitos'.

'Bill', em inglês, é mais ou menos o que chamamos um projeto de lei - antes, portanto, de ser sancionado

pelo poder executivo. No caso, recebe esse nome por ser um texto legal plenamente válido, mas cuja validade não deriva da assinatura do rei. Isso quer dizer que os direitos existem e vigoram, não porque um rei (ou mesmo uma assembléia) assim o quis, mas porque naturalmente todos os humanos têm tais direitos. A assembléia seja ela à francesa de 1789 ou a da ONU de 1948, apenas declara os direitos, ela não os cria.

A Constituição brasileira de 1988, tão difamada pelos autoritários, segue essa (boa) lição: pela primeira vez

em nossa história, os direitos humanos precedem o funcionamento dos poderes de Estado. Ela ensina que o Estado está a serviço dos cidadãos, que nas Cartas anteriores apareciam depois dos três poderes, como um acréscimo, detalhe ou mesmo estorvo. E também por isso a Constituição deu caráter pétreo aos artigos sobre os direitos: se a Constituinte apenas os declarou, se não os criou (porque estão acima da vontade humana), isto implica que eles não podem ser abolidos.

Mas voltemos à história. Em 1689, a Inglaterra promulga seu 'Bill of Rights'. Vai passar um século antes de

surgirem dois outros. Em 1789, a Assembléia que acaba de se declarar Constituinte, na França, vota a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão - não mais, porém, de um único povo, mas agora da humanidade inteira.

Page 41: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

41

1.2 Direitos passam a universais Esta, aliás, é a grande característica da Revolução Francesa de 1789, nisso mais audaz que a Inglesa de

1688 ou mesmo a Americana de 1776: nenhum direito é invocado pelos franceses como sendo apenas nacional. Todos os direitos são do cidadão e do homem como universais. Valem para qualquer povo. E mesmo que a própria França demore em estendê-los, por exemplo, aos negros escravos, uma dinâmica se instaura que terminará suscitando suas revoltas (por exemplo, no Haiti) e sua liberdade.

Em 1791, os Estados Unidos aprovam sua declaração. Os constituintes de 1787, liderados pelos

federalistas, deram maior importância à mecânica dos três poderes que aos direitos humanos. Mas Thomas Jefferson, mais democrático que eles, propôs que a adesão à Carta viesse junto com uma série de emendas reconhecendo direitos aos indivíduos. São as dez primeiras emendas à Constituição americana, conhecidas como Bill of Rights.

Quando estudamos os direitos humanos, são estes os três textos-chave iniciais, aos quais se soma, em

1948, a Declaração da Assembléia Geral da ONU. Vemos que eles se foram expandindo, a partir porém de uma idéia inicial e decisiva. Esta era (e é) que os direitos humanos estão acima de qualquer poder de Estado. Por isso, é uma idéia antipositivista.

Positivismo, em direito, não significa a mesma coisa que nas ciências. Chama-se de 'positivismo jurídico' a

tese de que uma lei vale porque foi decretada (ou posta, ou afirmada) pela autoridade legítima. Só haveria direitos ou obrigações com base num poder. Mas a tese dos direitos humanos supõe, justamente, que acima de qualquer poder existente já vigem direitos inegáveis, irredutíveis.

Este é o cerne da idéia de direitos humanos, e vê-se qual a sua conclusão lógica: que os governos não

podem violar tais direitos impunemente, e - se o fizerem - devem pagar por isso. Cedo ou tarde, precisaremos assim ter uma jurisdição supranacional que julgue e puna criminosos que só têm em seu favor, como Pinochet ou Saddam Hussein, o fato de terem cometido crimes em tão larga escala que escapam - por um tempo - ao castigo merecido.

As declarações clássicas são, porém, acusadas freqüentemente de dar força demais aos direitos do

indivíduo - e do proprietário - e de desprezar os grupos de trabalhadores sem propriedade. É verdade. Nelas, a ênfase está na defesa, contra o poder estatal, da propriedade, numa definição de direitos civis e políticos que nem sempre pretende abranger toda a humanidade. A declaração inglesa exclui dos direitos os estrangeiros, a americana os escravos, à francesa (a mais universalizante) encontra seu limite na recusa, em 1791, de uma declaração dos direitos das mulheres: Olympe de Gouges, sua proponente, foi guilhotinada em 1793.

Mas o importante não é as limitações dessas declarações - e sim suas potencialidades. Nos últimos três

séculos, uma consciência de direitos aumentou, limitando o Poder. Os direitos se ampliaram, incluindo os direitos sociais, que se distinguem da 'primeira geração' de direitos por beneficiar grupos e não indivíduos, trabalhadores e não proprietários. Recentemente, surgiram os direitos difusos, dos quais o grande exemplo são os relativos ao meio-ambiente, que não têm titulares precisos, perfeitamente definidos, mas beneficiam a todos. Isso é irônico, porque o direito ao ar puro protege até os próprios poluidores, porque eles precisam, para viver, da mesma atmosfera que estão degradando.

Talvez o grande salto por se dar seja para os direitos dos animais ou da natureza em geral. Esta questão é

curiosa. A tradição jurídica ocidental moderna entende que direitos pertencem a seres humanos. Se assim for, a razão de se preservar a Mata Atlântica ou o mico-leão dourado estaria no interesse (ou direito) dos homens a um meio-ambiente equilibrado, biodiversificado etc. Mas basta isso? Quando defendo uma espécie em extinção, a base de minha ação estará em meus interesses - ou no direito dessa própria espécie a viver? Cada vez mais filósofos, juristas - e praticamente todos os ecologistas - entendem dessa última forma.

E assim pode ser que o arremate dos direitos humanos seja, para além do homem, uma declaração de

direitos dos animais e até da natureza. Haverá melhor sinal de que essa idéia, 300 anos depois de irromper, continua fecunda

Page 42: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

42

1.3 O direito à educação como uma obrigação do Estado No capítulo 3 de Educação, Estado e Poder (Brasiliense, 1987), Fábio Konder Comparato refere-se a

importância de retornarmos as origens do pensamento político para compreendermos o lugar das leis em educação. Comparato retoma o argumento de Montesquieu, para quem havia basicamente três tipos de regimes políticos: o republicano, o monárquico e o despótico. No primeiro, a soberania, poder político supremo, pertence ao povo; no monárquico, a quem governa, com base em leis fixas e estáveis, e no ultimo, apenas um governo, sem leis, seguindo apenas a sua vontade.

Para Montesquieu, o elemento chave do regime republicano é a virtude, qualidade política que significa

amor à igualdade. É o amor a igualdade de todos, universal, completa. Logo após a exposição sobre os regimes políticos, Montesquieu trata das leis da educação, fundamentais em qualquer regime político “as leis da educação são as que recebemos em primeiro lugar. E como elas nos preparam para a condição de cidadãos, cada família em particular deve ser governada em consonância com a grande família que engloba todas. Se o povo em geral tem um principio, as partes que o compõem, ou seja, as família tê-la-ão também. As leis da educação serão pois diferentes em cada expedia de governo” E acrescenta: “É no governo republicano que há necessidade de toda força da educação”. A educação, para Montesquieu é visada, pois ela deve inspirar o cidadão o amor às leis. Ela é compreendida como uma instituição política, um elemento de organização do Estado. Herda a concepção de Platão, presente no livro 4 da República, onde atribui grande importância a educação na organização do Estado: os guardiões do estado precisavam ser formados, e isto era tarefa da educação. “Se nos não construirmos nossas sociedade ideal com base na função educacional, tudo estará perdido”, diz Sócrates.

Em Montesquieu, a relação Estado e Educação se aprofundam: não é possível organizar a republica sem

educação republicana. Não é possível desenvolver uma educação igualitária num regime que não seja igualitário. As leis da educa’’cão são as que recebemos em primeiro lugar e nos preparam para a condição de educação, diferente de instrução, mera transmissão de conhecimento. A educação forma para a cidadania

1.4 O Conteúdo político da educação nacional Elias de Oliveira Motta, em Direito Educacional e Educação no século XXI, assinala que desde a

constituição de 1988, determinados valores foram inscritos para inspirarem toda e qualquer análise sobre legislação brasileira. Na verdade, constituem o campo de fundamento da Republica Federativa do Brasil e seus objetivos fundamentais. Conforme aparecem no seu preâmbulo, são os seguintes “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos”.

Longe de uma concepção neutra da educação, nesse processo ela tem um conteúdo político, determinado

pelos direitos fundamentais que deve reencarnar. Ela tem caráter político por que, nos termos do artigo 1o, expressa a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. A educação é política por que permite a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional, e tem como objetivo colaborar na erradicação da pobreza e na redução das desigualdades sociais. São princípios válidos para todas as áreas, definidos na Constituição, e que devem ser aplicados na Educação.

1.5 A educação como direito social A Constituição de 1988 estabelece, em seu artigo 6o a Educação como um direito social. É uma herança

das modificações introduzidas nos dispositivos constitucionais dos Estados liberais ao longo do tempo, que sofreram a influência da divulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Sofrendo pressões populares, os políticos de cada pais começaram a incluir dispositivos voltados para a questão social, buscando garantir a igualdade de todos perante a lei. A educação é valorizada no campo dos direitos sociais, decorrência direta dos direitos de igualdade e de liberdade, prestações do Estado proporcionada para os cidadãos com o objetivo de diminuir as desigualdades sociais.

Page 43: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

43

No Brasil, a instrução pública foi objeto de garantia individual desde a Constituição do Império (1824), que previa gratuidade no nível primário para todos só cidadãos, o que veio a se manter nas diversas constituições brasileiras até a Constituição de 1988. Ao assegurarem a educação como um direito de todos, os Constituintes geraram um dever correspondente ao Estado de prove-la, sem descartar contudo a família e a colaboração da sociedade. O Estado toma a si o direito de legislar sobre matéria educacional, e os pais de escolher o tipo de educação que desejam para seus filhos.

1.6 Competências para legislar em Educação Como o Brasil é uma federação de Estado, somente a União cabe fazer leis gerais para a Educação. Isso

permite estabelecer uma hierarquia entre as leis, definidas pelo Congresso Nacional e pelo Ministério da Educação. Aos estados e municípios cabe legislar de forma complementar, derivada e supletiva, desde que respeitadas as leis nacionais.

É obrigação de todos às esferas de organização do Estado (federal, estadual e municipal) proporcionar os

meios de acesso à educação, como assegura o Art. 23. Competência comum, dividida entre os poderes da seguinte forma: a federação organiza o sistema federal de ensino superior e colabora técnica e financeiramente com os demais sistemas, o estados administram o ensino médio e fundamental e os municípios o ensino fundamental e a educação infantil. Leis estaduais não poderão contrariar leis federais na organização do ensino, podendo a federação intervir (como expresso no artigo 34da Constituição) nos diversos estados que não satisfazerem esta prerrogativa. É claro que a possibilidade de intervenção foi introduzida pela Constituição de 1969, mas agora, seu objetivo é garantir que o percentual mínimo exigido pela Constitui’’cão de receita de cada município seja gasto com educação. Como a Constituição não previa intervenção nos estados, a Emenda 14, de 1996, resolveu o problema.

Estabelecer e manter programas de educação infantil e ensino fundamental é a missão primordial das

municipalidades brasileiras, segundo a Constituição. Instituições educacionais não podem sofrer com a imposição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços, quando sem fins lucrativos desde a Constituição de 1934. O objetivo é incentivar a iniciativa privada a prestar serviços na área educacional ainda que varias instituições usem essa estratégia ara aumentar os ganhos de seus mantenedores. O que falta é uma rígida fiscalização por parte do Estado.

O apoio da lei ao investimento em pesquisa, criação de tecnologia é uma das novidades da atual

constituição, ainda que não tenha melhorado o investimento geral em termos percentuais, que corresponde a apenas 0,7 % do PIB brasileiro, enquanto que outros países desenvolvidos investem cerca de 3,0%.

Nesse aspecto, considerando que uma das metas do Ministério da Educação é colocar um aparelho de

televisão, com antena especial videocassete, mais um computador ligado em rede em cada escola com mais de cem alunos, percebe-se que a necessidade de investimento em tecnologia por parte do estado. A esse respeito, na própria constituição refere-se a importância de que redes de televisão, que envolvem alta tecnologia, dedicarem-se a tarefas e finalidades educativas.

Desde a Emenda Constitucional numero 1, de 1969, a educação’ é conceituada como direito de todos e

dever do estado e da família. Reconhecida sua importância na constituição do Estado Brasileiro, revelou o reconhecimento já consolidado nas Constituições de países mais adiantados do mundo. De certa forma, também corresponderão atendimento das sugestões da Organização das Nações Unidas, relativas a Declaração dos Direitos do Homem, de 1948. Este era o projeto de Anísio Teixeira, reafirmar os princípios escolanovistas que conceituam a educação como atributo fundamental na formação da pessoa humana. É portanto, aceitação da tendência mundial de valorização do ensino regular e da educação permanente, transformada em serviço publica essencial sob a responsabilidade do Estado.

O direito a educação evoluiu nas Constituições brasileiras, mas os diversos governos brasileiros foram

ineficientes para sua eficiente execução. Evoluiu por que já em termos internacionais, constava da Declaração de 1948, ratificada na Conferencia Mundial de Educação para todos, de 1990. Em 1994, na Declaração de Salamanca, novamente foi reafirmado esse direito. NO Brasil, como dever do estado e da família, deve ser dada no lar e na escola. NO lar não cabe intromissão do Estado, exceto nos termos previstos no Estatuto da Criança e do

Page 44: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

44

Adolescente ou na legislação posterior de proteção a criança. A idéia da importância dos pais na educação dos filhos é também reforçada pelo Código Civil. Segundo Alceu Amoroso Lima “A educação da prole é dever primordial da família e seu direito natural. A vida social, porém, pela suas dificuldades, exige que a família seja auxiliada em sua tarefa formadora das novas gerações. Daí nasce a escola como instituição necessária, que tem a sua importância como grupo autônomo, assegurada pelas exigências da vida em comum. A escola é o grupo natural, por acidente, podemos dizer, pois nasce não naturalmente, como a família ou o Estado,mas como instituição voluntária especializada, se bem que exigida, pela finalidade natural da família. A escola, portanto, completa a família e é a segunda célula social, pois via a propagação natural dela. Tudo o que separa,portanto, essas duas instituições e nocivo ao bem comum. E tudo o que tornar cada vez mais solidária as suas atividades, distintas mas nunca separadas, é benéfico e necessário ao bem comum “

O papel do estado na ação educativa inicia-se com sua obrigação de construir, organizar e manter escolas,

proporcionando a democratização e a gratuidade do ensino, especialmente no nível constitucional da obrigatoriedade, bem como zelar pelo respeito as leis do ensino, pela avaliação das instituições e pelo desenvolvimento do nível de qualidade do ensino. A colaboração da sociedade é prevista para suprir as deficiências do estado. A livre iniciativa tem importância pra garantir vagas e oferecer alternativas as famílias para escola das escolas.

O principio maior que norteia a constituição é a crença no homem e nas suas possibilidades de

desenvolvimento. Seu sentido é humanista, visa a formação integral da pessoa, pois não há pleno desenvolvimento sem desenvolvimento político, preparação para o exercício da cidadania. Ela deverá ser evidenciada em todos os conteúdos programáticos de cada matéria, disciplina ou atividade do currículo escolar, visando a conscientizar o aluno em relação a suas responsabilidades de cidadão, aos seus direitos civis e políticos para atingir sua maturidade. Como afirma José Cretela Jr, em Comentários a Constituição Brasileira de 1988: ”Cidadania é a capacidade política, idoneidade, possibilidade ou aptidão para o exercício dos direitos ativos (eleger) e passivos (ser eleito, ou , pelo menos, ser candidato as eleições), participante, pois do sufrágio e da vida democrática. (...) Em sentido estrito, cidadania é o status de nacional, acrescido dos direitos políticos, em sentido estrito, isto é, o poder de participar do processo eleitoral, antes de tudo pelo voto”. Em conseqüência, cidadania é status vinculado a regime político, em vigor, em dado momento histórico.

O pressuposto político educacional presente no projeto nacional é de que a escola deve desenvolver o

espírito critoc, combatendo preconceitos e cultivando a tolerância e o amor a liberdade. Não apenas voltada para o mundo político, mas também para o mundo do trabalho, desde a década de 80a preparação para o trabalho tem sido um dos objetos da política educacional. Voltada para o desenvolvimento de planos que envolvam aspectos psicológicos, filosóficos, antropológicos e sociais, o trabalho também é visado por que envolve o desenvolvimento integral do homem.

A constituição, especialmente nos artigos 205 e 206, estabelece finalidades e princípios para a

educação que constituem a base das políticas educacionais de Estado em nosso pais. São sete princípios:

1) o direito de aprender mediante o acesso e permanência na escola em igualdade de condições, é regido pelo principio maior da igualdade, presente no artigo 5o. da Constituição. Ninguém pode sofrer discriminação de qualquer espécie, em sofrer nada que posa prejudicar sua permanência nos estudos. Permanência significa, segundo Pinto Pereira, em Curso de Direito Constitucional, que “ninguém será excluído da escola, a não ser por motivo grave, apurado em sindicância ou processo administrativo, com ampla defesa. Aos portadores de deficiências também não se vedará o acesso, nem se interrompera a permanência”.A exceção desta regra é somente para os portadores de moléstias transmissíveis, para os quais se impõe isolamento, para preservar a saúde dos demais. Aids, no entanto, não é motivo de isolamento. 2)a liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, como princípios a uma continuidade e complementação dos direitos humanos, são conseqüência do direito a liberdade. Liberdade de ensinar, autonomia da escola, liberdade de categoria e livre atuação para empresas privadas respeitam, totalmente, o principio inalienável da liberdade.

Page 45: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

45

3) O pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, defendido pela Constituição engloba o pluralismo de instituições e sua liberdade de ensinar. O espírito democrático, que possibilita, apesar de suas contradições a existência de ensino publico e privado, só o faz para garantir liberdade de escolha em relação a educação, seja na qualidade ou na metodologia, ou custos. 4)a exigência da gratuidade nos estabelecimentos de Estado, visam garantir a educação como direito de todos. A gratuidade deve ser progressiva, o que avança em relação as prerrogativas estabelecidas nas Constituições anteriores, que só determinavam para o nível primário ou dos sete aos quatorze anos. Para José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito Constitucional, significa que “onde o ensino oficial, em qualquer nível, já é gratuito não poderá passar a ser pago. Onde é pago, se for fundamental, deverá passar imediatamente a ser oferecido gratuitamente, e se for médio, a entidade pública mantenedora deverá tomar providencias no sentido de que, progressivamente, se transforme em gratuito”.Há uma enorme polêmica neste campo entre os defensores do ensino publico gratuito e os que defendem a gratuidade apenas para os que não podem comprovadamente pagar. 5) a valorização dos profissionais de ensino, principalmente os professores, com planos de carreira e piso salarial profissional, bem como regime jurídico único dos estabelecimentos mantidos pela união é outra característica atual . Reforça que o ingresso no magistério ‘público só é possível mediante concursos de provas e títulos 6) a gestão democrática exclusivamente nas escolas publicas, consolida na lei algumas experiências de gestão democrática já existente em muitos municípios brasileiros, cujas secretarias municipais de educação já possuíam, quer conselhos consultivos, quer conselhos deliberativos, para avaliar e discutir questões referentes a qualidade de ensino. Na década de 70 tornaram-se conhecidas as experiências de Maranguape (CE), Piracicaba(SP) e Lages (SC). 7) Ainda que o padrão de qualidade seja uma garantia e principio constitucional, pouco se fez em vários municípios para efetivá-lo, em virtude do corte de verbas e arrochos salariais. A qualidade de ensino depende diretamente de bons salários e treinamento. 1.7 O dever do estado com a educação No artigo 208, são garantidas uma série de responsabilidades do estado com a educação que resumem os

serviços que devem ser prestados a sociedade e que o cidadão tem o direito de exigir do poder publico. Como deveres do Estado, possibilitam maior eficácia aos direitos publico subjetivo. Uma formula encontrada, por exemplo, para assegurar a efetiva obrigação do Estado para com o ensino fundamental foi assegurar”inclusive, sua oferta gratuita para os que a ele não tiverem acesso na própria idade”. Para os demais níveis, especialmente o superior, a lei estabelece “progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade”, principalmente, no caso de nível superior, aqueles que comprovarem capacidade, pela aprovação em processos seletivos, tais como vestibulares.

A questão do ensino pago x ensino gratuito vem desde o império, ainda que a primeira constituição

republica tenha-se omitido nessa matéria, ela retorna na Constituição de 1934, 37, e 46 como “o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á (gratuito) para quantos provarem a falta ou insuficiência de recursos”. Esse conflito aparentemente recebeu uma nova ênfase na Constituição de 1988, pró-ensino gratuito. Luiz Alberto David Araújo, em A proteção constitucional das pessoas portadoras de Deficiência, assinalou que “a educação é direito de todos, portadores ou não de eficiência. As pessoas portadoras de deficiência tem direito a educação, a cultura, como forma de aprimoramento intelectual, por se tratar de um bem derivado do direito a vida” E continua:”O dever do Estado de prestar educação, portanto, passa, obrigatoriamente, pelo fornecimento de educação especial as pessoas portadoras de deficiência”.

A renovação também se deu no campo da educação infantil, por que o que era até o momento era previsto

no campo da assistência médica e alimentar, e somente com a Constituição de 1988, juntamente com o Estatuto da Criança e do Adolescente, deu condições de cidadania a criança neste pais, portanto, um principio norteador para as novas políticas educacionais. Entretanto, Para Sônia Kramer, em Políticas de atendimento a criança de 0 a 6 anos no Brasil, “embora sejamos a oitava economia do mundo ocidental, nossa taxa de mortalidade de menores de

Page 46: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

46

5 anos é mais alta do que a da Mongólia e do Paraguai, e mais do que o dobro da Argentina, Guiana ou Panamá. No que diz respeito a educação, sabemos que mais de 7 milhões e crianças de 5 a 17anos nunca freqüentam a escola, e que de cada cinco crianças que entram na primeira série, apenas uma chega ao final do primeiro grau, porcentagem igual a de Blangadesh”.

Portanto, estamos diante de um projeto democrático de educação que não foi acompanhado de políticas de

financiamento na área de educação infantil, nem de recursos humanos especializados para atuar na área. Partindo-sedo pressuposto que o direito constitucional, há a possibilidade de exigir-se, de maneira garantido,aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio, o não oferecimento do ensino obrigatório e gratuidade, importa a responsabilidade da autoridade competente,nas esferas de poder competentes. O próprio Código Penal Brasileiro, no seu artigo 246, estabelece pena de detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, a quem “deixar, sem justa causa, de prover a instrução primaria de filho em idade escolar”. Para isso, diversos promotores de justiça já sugeriram a importância de efetuar recenseamento sobre alunos evadidos para o Ministério publico, para que possam serem instaurados inquéritos policiais.

1.8 A fragilidade do direito a educação: 1 milhão de crianças está fora da escola Cerca de 130 milhões de crianças em idade escolar (21% do total) estão sem estudar hoje em todo o

mundo. No Brasil, elas chegam a 1,12 milhão, cerca de 5% das crianças entre 7 anos e 14 anos.Esses dados fazem parte do relatório "Situação Mundial da Infância 1999", que será divulgado hoje pelo UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

O relatório de 1999 dá ênfase à educação e faz uma avaliação de como os países vêm cumprindo as seis

metas traçadas durante a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em março de 90, na Tailândia.Segundo o UNICEF, a meta em que o Brasil se saiu melhor foi a de universalizar o acesso ao ensino. O fortalecimento das parcerias entre governo e sociedade civil para aperfeiçoar a educação no país também foi elogiado pelo UNICEF.

Mas o relatório alerta para a necessidade de o Brasil ainda ter de melhorar muito a qualidade do ensino nas

escolas públicas. Dados do censo escolar de 98 apontam que 96,5% das crianças brasileiras entre 7 anos e 14 anos estão matriculadas regularmente. Essa meta só precisaria ser alcançada em 2003.De 94 a 98, o total de crianças matriculadas no ensino fundamental cresceu 11,8%, atingindo 35,8 milhões de alunos neste ano.

A redução no número de crianças entre 7 anos e 14 anos que estavam fora da escola no Brasil ocorreu

sobretudo a partir de 1996. Naquele ano, ainda havia 3,5 milhões de crianças fora da escola.O crescimento das matrículas no ensino médio foi ainda maior do que no fundamental. Nos últimos quatro anos, houve um aumento de 37,3%. De acordo com o UNICEF, o desafio de aumentar o número de crianças matriculadas em escolas -até chegar a 100% do total- vai ficar mais difícil para o Brasil a partir de agora.

Isso porque as crianças e adolescentes que continuam sem estudar fazem parte de grupos mais difíceis de

serem trabalhados. São crianças portadoras de deficiências, que vivem nas ruas, que trabalham ou que estão detidas em instituições por terem cometido infrações.Para que voltem à escola é preciso que o governo desenvolva ações voltadas especificamente para esses grupos -programas de erradicação do trabalho infantil, por exemplo.

Dos cerca de 6 milhões de brasileiros até 19 anos que são portadores de deficiência, apenas 5% (334,5

mil) estão matriculados em escolas que oferecem atendimento especializado. Os demais estão sem estudar ou freqüentando escolas que não atendem a suas necessidades.

1.9 Os excluídos da educação: repetência, interrupção, e atraso escolar Para Daniela Falcão, da Sucursal de Brasília do Jornal Folha de dos 35,8 milhões de alunos matriculados

no ensino fundamental do Brasil este ano, 16,7 milhões (46,6%) já repetiram o ano pelo menos uma vez, segundo dados do MEC (Ministério da Educação) obtidos pela Folha. Os números incluem as rede de ensino público e privado.

Page 47: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

47

Desse total de repetentes, 8,5 milhões já deveriam estar no ensino médio (antigo 2º grau) porque completaram 14 anos -idade com que, em tese, deve-se concluir a 8ª série.Esses alunos, chamados de "fora da idade", não estão nas séries que deveriam por três motivos: reprovações sucessivas, interrupção nos estudos e demora em entrar na escola.

As altas taxas de reprovação no ensino fundamental têm o efeito de uma bomba-relógio, fazendo com que

o número de alunos fora da idade estoure no 2º grau.Em 98, mais da metade (53,6%) dos 6,9 milhões de alunos matriculados nas escolas do ensino médio haviam completado 18 anos. Ou seja, já deveriam ter concluído a educação básica e estar matriculados em universidades, cursos de aperfeiçoamento profissional ou trabalhando.

Os Estados do Norte e, sobretudo, do Nordeste são os que concentram maior número de alunos atrasados.

A taxa de defasagem entre aluno e série nos nove Estados nordestinos é de 64,2%, bastante acima da média nacional, de 46,7%.O Rio Grande do Sul é o Estado com menor número de alunos fora da idade, com uma taxa de defasagem de 22,6%. Em seguida, aparecem São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Distrito Federal.

O grande número de alunos fora da idade é apontado pelo MEC como o principal obstáculo a ser vencido

por Estados e municípios nos próximos quatro anos."O primeiro desafio foi matricular todas as crianças na escola. Agora que já estamos quase lá, temos de nos preocupar em corrigir o fluxo para que não haja mais alunos atrasados. Essa deve ser a prioridade tanto dos Estados quanto dos municípios", diz Iara Prado, secretária de Educação Fundamental do MEC.

Por enquanto, só há uma receita para reduzir a defasagem entre a idade do aluno e a série que cursa: a

implantação das classes de aceleração, em que alunos atrasados aprendem os conteúdos de várias séries em apenas um ano. Para que isso aconteça, em vez de trabalhar todo o conteúdo de uma série regular, os alunos das classes de aceleração aprendem apenas o essencial. Além disso, as turmas são menores (com no máximo 25 alunos) para que o professor possa dar atendimento individualizado.

As primeiras classes de aceleração foram implantadas no Maranhão em 1996, antes mesmo da aprovação

da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), que tornou legal a possibilidade de aceleração de estudos para alunos atrasados.Hoje, o número de alunos do ensino fundamental matriculados em classes de aceleração no país já ultrapassa 1,18 milhão, e só o Rio Grande do Sul não implantou mecanismos que permitem aos alunos atrasados recuperar o tempo perdido.

Os gaúchos ficaram de fora porque têm a menor taxa de defasagem entre a idade e a série dos alunos no

país. Os mineiros são os campeões: 39% dos 1,18 milhão de estudantes matriculados em classe de aceleração neste ano são de Minas Gerais.Além dos Estados, a Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação assinou convênios para a implantação das classes de aceleração em 787 municípios, gastando R$ 40 milhões de seu orçamento.A verba repassada pelo ministério serve para treinar os professores que vão dar aulas nas classes de aceleração e para confeccionar material didático próprio.

Page 48: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

48

UNIDADE VI 1. AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO NO BRASIL 1.1 Aspectos Históricos da Implantação do Plano Nacional de Educação – No Brasil Desde a chegada do primeiro governador-geral, em 1549, trazendo os primeiros jesuítas, até a expulsão

deles pelo marquês de Pombal, em 1759, a Companhia de Jesus dominou o cenário educacional brasileiro. Com suas escolas de primeiras letras, seus colégios e seminários, os jesuítas exerceram amplo trabalho de catequese dos nativos e de educação dos brancos que aqui aportaram ou nasceram, principalmente, mas não exclusivamente, aqueles de classes mais abastadas.

Fica fora do objetivo desta notícia descrever e avaliar o trabalho e a importância da educação jesuítica no

tempo do Brasil colonial. O que interessa aqui é apenas registrar que, nesse período, a educação não foi um problema que emergisse como um assunto nacional, não obstante tenha sido um dos ingredientes das tensões permanentes entre a Ordem e a Coroa Portuguesa e cuja solução levou à expulsão dos jesuítas em 1759.

A expulsão dos jesuítas criou um vazio escolar. Conforme mostra Maria de Lourdes Mariotto Haidar, a

insuficiência de recursos e a escassez de mestres que substituíssem os jesuítas desarticularam o trabalho educativo no País, com repercussões que se estenderam por décadas, alcançando o período imperial. Nessas condições, os efeitos da reforma que Pombal realizou na educação portuguesa foram, no Brasil, sobretudo negativos.

Com a vinda da Família Real, já no início do século XIX, a educação brasileira recebeu um grande impulso

no que diz respeito ao ensino superior necessário para a formação de quadros, mas a educação popular permaneceu relegada a um segundo plano. Conforme Mariotto:

“O quadro geral da instrução pública no Império, enriquecido com a criação dos cursos superiores, não se

alterou significativamente, entretanto, quanto aos estudos primários e médios, algumas escolas de primeiras letras e um punhado de aulas avulsas no velho estilo das aulas régias constituíram todo o saldo positivo do período que sucedeu à Independência e que precedeu à reforma constitucional de 1834.

Essa reforma (Ato Adicional de 1834) descentralizou as responsabilidades da educação popular, deixando-

as às províncias e reservando à Corte a competência sobre os ensinos médio e superior. Mas as províncias, pouco aquinhoadas na arrecadação de impostos, quase nada puderam fazer em matéria de educação popular; e durante a segunda fase do Império, o que permaneceu foi um completo descaso nessa área: ainda que tenham havido algumas iniciativas interessantes, como a da criação das escolas normais, elas acabaram perecendo.

Nesse período, o quadro geral foi sempre o mesmo: escassez de escolas e de mestres no ensino primário.

Com relação ao ensino médio, exclusivamente propedêutico ao ensino superior, prevaleceram as aulas avulsas apenas acessíveis às classes abastadas. É verdade que houve tentativas notáveis de estruturação de cursos regulares com propósitos amplamente formativos e não apenas preparatórios. O Colégio Pedro II, os liceus da Bahia e de Pernambuco e algumas outras poucas escolas são exemplo desse esforço, mas isso não foi suficiente para alteração do quadro geral. Mais para o final do Império, até mesmo as escolas acabaram afetadas pela mentalidade vigente, que via nos estudos de grau médio apenas uma preparação para o ensino superior. Não faltaram, contudo, principalmente na segunda metade do século, tentativas de reforma, mas a tendência de multiplicação das aulas avulsas e dos exames parcelados prevaleceu e apenas nas vésperas da República houve esforços no sentido de modificação desse quadro.

É preciso evitar, porém, que essa sumaríssima descrição induza a idéia de que, durante o Império, não

tenham havido alguns homens notáveis capazes de perceber e denunciar a situação de penúria e descaminho dos ensinos primário e secundário. Entretanto, essa efervescência do pensamento educacional muito pouco ultrapassou o terreno das idéias e dos debates parlamentares.

Page 49: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

49

A Proclamação da República, embora tenha alterado, em alguns pontos, substantivamente a ordenação legal da educação brasileira, pouco modificou o quadro vigente. Conforme disse Fernando de Azevedo: “À parte do laicismo, a infiltração das idéias positivistas e o movimento renovador de São Paulo, limitado ao ensino primário e normal e sob a influência das técnicas pedagógicas americanas, todos os outros fatos relativos à educação e à cultura acusavam, no último decênio do século XIX, a sobrevivência das tradições do regime imperial.

O positivismo de Benjamin Constant, embora radical nas reformulações propostas, teve pouca duração em

seus efeitos. Nem mesmo a ampla autonomia concedida aos estados em matéria de ensino secundário e superior alterou o quadro existente no final do Império.

É verdade que a República, nos seus inícios, foi pródiga em reformas – Benjamin Constant (1890), Epitácio

Pessoa (1901), Rivadávia Correia (1911), Carlos Maximiliano (1915) –, mas foi preciso esperar até a década de 20 para que, realmente, o debate educacional ganhasse um espaço so-cial mais amplo. Foi nesse período que a questão educacional deixou de ser apenas tema de reflexões isoladas e de discussões parlamentares para ser percebida como problema nacional, isto é, como problema afeto ao próprio destino da nacionalidade. Foi o que disse J. Nagle quando escreveu: “O que distingue a última década da Primeira República das que a antecederam foi justamente isso: a preocupação bastante rigorosa em pensar e modificar os padrões de ensino e cultura das instituições escolares, nas diferentes modalidades e nos diferentes níveis.

Os quadros social, político e econômico dessa década, com a continuidade significativa das correntes

imigratórias, a urbanização, as insatisfações políticas represadas desde a Proclamação da República e a intensificação da tensões entre a industrialização nascente e as crises do comércio cafeeiro foram altamente propícios para que a questão educacional se impusesse como de interesse coletivo e de salvação nacional. Aliás, foi nesses termos que os diversos movimentos sociais que então apareceram – ligados ou não aos partidos políticos – passaram a se preocupar com a escola popular, a sua reforma e a sua disseminação. Várias tentativas reformistas ocorreram em diferentes estados; foi nesse período que se iniciou uma efetiva profissionalização do magistério e que novos métodos e modelos pedagógicos começaram a ser mais amplamente discutidos e introduzidos nas escolas. Essa efervescência dos assuntos educacionais, esse “entusiasmo pela educação”, conforme a expressão usada por J. Nagle, gerou uma “atitude que se desenvolveu nas correntes de idéias e movimentos político-sociais e que consistia em atribuir importância cada vez maior ao tema da instrução, nos seus diversos níveis e tipos”.

1.2 A Idéia de um Plano de Educação Segundo Celso Lafer, a primeira experiência de planejamento governamental no Brasil foi a executada pelo

governo Kubitschek com o seu Plano de Metas (1956/61). Antes disso, os chamados planos que se sucederam desde 1940 foram, segundo Lafer, “antes propostas, diagnósticos e tentativas de racionalização do orçamento”.

O mesmo autor sugere que na análise do processo de planejamento convém distinguir “três fases: a

decisão de planejar, o plano em si e a implantação do plano: A primeira e a última são essencialmente políticas. Apenas a segunda é um assunto estritamente técnico”.

No caso do planejamento educacional, essa distinção é interessante, porque, como veremos, a idéia de um

plano nacional de educação antecedeu, em muito, as primeiras tentativas de formulação de um plano. Foi preciso um longo período de maturação para que se formulasse explicitamente a necessidade nacional de uma política de educação e de um plano para implementá-la. Como vimos, brevemente, na década de 1920 a questão educacional amadureceu e chegou à percepção coletiva da educação como um problema nacional.

1.2.1 Manifesto dos Pioneiros A Revolução de 1930 foi o desfecho “natural” das crises políticas e econômicas que agitaram com

intensidade crescente a década de 1920. Compôs-se, então, o quadro histórico propício à transformação da educação no Brasil em um efetivo problema nacional. Além da profunda crise internacional que afetara também o Brasil, a urbanização crescente foi um elemento decisivo para a percepção coletiva da educação como meio importante para uma ascensão social cada vez mais difícil. Em 1932, um grupo de educadores e homens de cultura

Page 50: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

50

conseguiu captar na sua inteireza esse anseio coletivo e lançou um manifesto ao povo e ao governo que ficou conhecido como “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, com redação de Fernando de Azevedo e a assinatura de 25 homens e mulheres da elite intelectual brasileira. Trata-se de um documento que extravasa o “entusiasmo pela educação” e o “otimismo pedagógico” que J. Nagle detectara na década de 1920.

A importância do “Manifesto” tem sido, algumas vezes, minimizada pela arrogância dos patrulheiros

ideológicos, mas é fora de dúvida que se trata de um documento que constitui marco histórico na educação brasileira, por várias razões. Dentre elas, sobreleva o fato de que se trata da mais nítida e expressiva tomada de consciência da educação como um problema nacional. Além disso, o “Manifesto” continha um diagnóstico e era um indicador de rumos. É claro que, pelos seus próprios propósitos, o diagnóstico e o traçado de rumos foram expressos em uma linguagem genérica. Mas não caberia outra forma num documento político cujo objetivo era provocar sentimentos e atitudes e mobilizar para a ação. Levando em conta a importância desse documento, convém transcrever alguns dos seus trechos:

“Na hierarchia dos problemas nacionaes, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação.

Nem mesmo os de caracter economico lhe pódem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. (...) todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda crear um systema de organização escolar, á altura das necessidades do paiz. Tudo fragmentário e desarticulado.

‘Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do que de

desorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins da educação (aspecto philosophico e social) e da applicação (aspecto technico) dos methodos scientificos aos problemas da educação. (...) Os trabalhos scientificos no ramo da educação já nos faziam sentir, em toda a sua força reconstrutora, o axioma de que se pode ser tão scientifico no estudo e na resolução dos problemas educativos, como nos da engenharia e das finanças. (...) Em lugar dessas reformas parciais, que se sucederam, na sua quase totalidade, na estreyteza chronica de tentativas empíricas, o nosso programa concretiza uma nova política educacional, que nos preparará, por etapas a grande reforma...

‘Assentado o princípio do direito biológico de cada indivíduo à sua educação integral, cabe evidentemente

ao Estado a organização dos meios de o tornar efetivo, por um plano geral de educação... ’ ‘A estructura do plano educacional corresponde, na hierarchia de suas instituições escolares (...) aos quatro

grandes períodos que apresenta o desenvolvimento natural do ser humano. É uma reforma integral da organização e dos methodos de toda educação nacional (...)’

‘Não alimentamos, de certo, ilusões sobre as dificuldades de toda a ordem que apresenta um plano de

reconstrução educacional de tão grande alcance e de tão vastas proporções. (...) O próprio espirito que o informa de uma nova política educacional, com sentido unitário e de bases scientificas (...) tornará esse plano suspeito aos olhos dos que, sob o pretexto e em nome do nacionalismo, persistem em manter a educação, no terreno de uma política empírica, à margem das correntes renovadoras de seu tempo".

Esses trechos mostram claramente que o “Manifesto” era ao mesmo tempo uma denúncia, a formulação de

uma política educacional e a exigência de um “plano científico” para executá-la, livrando a ação educativa do empirismo e da descontinuidade. O documento teve grande repercussão e motivou uma campanha que repercutiu na Assembléia Constituinte de 1934, que “... acolheu a idéia de um plano nacional de educação, a ser fixado pela União, atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal a competência para organizar e manter sistemas educativos nos territórios respectivos, respeitadas as diretrizes estabelecidas pela União, estabeleceu os montantes mínimos de recursos a serem aplicados pelo governo federal, pelos Estados e pelos municípios na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos e (...) atribuiu ao Conselho Nacional de Educação a tarefa de elaborar o plano nacional de educação e ordenou aos Estados e ao Distrito Federal que estabelecessem conselhos de educação e departamentos autônomos de administração do ensino".

Como se pode notar, os propósitos do “Manifesto” foram alcançados no que diz respeito à incorporação ao

texto constitucional de 34 de suas mais importantes reivindicações. Aliás, como veremos, todas as constituições posteriores, com exceção da Carta de 37, incorporaram, implícita ou explicitamente, a idéia de um Plano Nacional de Educação.

Page 51: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

51

1.2.2 A Primeira Tentativa de Plano Nacional de Educação De acordo com a Constituição de 34, o Conselho Nacional de Educação elaborou e enviou, em maio de 37,

à Presidência da República, um anteprojeto do Plano de Educação Nacional. Com a sobrevinda do Estado Novo, o anteprojeto nem chegou a ser discutido. Na verdade, não merecia melhor destino.

Ainda que a idéia de plano nacional de educação fosse fruto das posições do “Manifesto” e das campanhas

que se seguiram, o Plano de 1937 era a mais completa negação das teses defendidas pelos educadores ligados àqueles movimentos. Excessivamente centralizador, o anteprojeto pretendia ordenar em minúcias irrealistas toda a educação nacional. Tudo ficava regulamentado no Plano, desde o ensino pré-primário ao ensino superior, passando pelo ensino de adultos e de profissional em todas as modalidades e níveis. Os currículos todos eram estabelecidos e até mesmo o número de provas, os critérios de avaliação, etc.

Contudo, para os objetivos deste trabalho, é importante chamar a atenção para os dois primeiros artigos

dos 504 que compuseram o Plano de 1937:

• Art. 1o – O Plano Nacional de Educação, código da educação nacional, é o conjunto de princípios e normas adotados por esta lei para servirem de base à organização e funcionamento das instituições educativas, escolares e extra-escolares, mantidas no território nacional pelos poderes públicos ou por particulares.

• Art. 2o – Este Plano só poderá ser revisto após vigência de dez anos. 11 Nesses artigos, há três pontos que convém destacar porque eles revelam uma concepção de plano que

persistiu, pelo menos em parte, em iniciativas e leis posteriores:

a. O Plano de educação identifica-se com as diretrizes da educação nacional. b. O Plano deve ser fixado por lei. c. O Plano só pode ser revisto após uma vigência prolongada.

O primeiro ponto foi abandonado pela Constituição de 1946, que nem mesmo se referiu ao plano de

educação, mas estabeleceu a necessidade de fixação de diretrizes e bases da educação nacional. Essa fixação, em 1961, pela Lei no 4.024, incumbiu o Conselho Federal de Educação de elaborar o Plano de Educação para os recursos dos ensinos primário, médio e superior agrupados nos respectivos fundos nacionais. Houve aí uma importante modificação na idéia do Plano de 1937: diretrizes não são planos e, nessas condições, plano vem a ser simples esquema distributivo de recursos. Esse entendimento de plano prevaleceu em todos os planos nacionais posteriores.

A idéia de que o plano devia ser fixado por lei prosperou de certo modo e nunca mais foi inteiramente

abandonada. O seu primeiro retorno ocorreu em 1967, quando o Ministério da Educação promoveu os Encontros Nacionais de Planejamento da Educação, cujo objetivo era discutir um anteprojeto de lei fixando o Plano Nacional de Educação.

Houve outras resistências, além da de São Paulo, e a iniciativa não teve seguimento. Porém, a Constituição

Federal de 1988 retomou a idéia de que o Plano de Educação deve ser estabelecido por lei (art. 214) e a de São Paulo (1989) seguiu-lhe os passos (art. 241).

1.3 Diretrizes e Bases da Educação Nacional Após o anteprojeto de plano de 1937, a idéia de um Plano Nacional de Educação permaneceu sem efeito

até 1962, quando foi elaborado e efetivamente instituído o primeiro plano nacional governamental. Embora Lafer entenda que o governo Kubitschek empreendeu, pela primeira vez, um planejamento global de governo, com relação à educação não houve nada, nesse período, que correspondesse aos reclamos anteriores de um Plano Nacional de Educação. No Plano de Metas, a educação era a meta número 30 e, segundo R. Moreira, pode-se dizer “...que o setor de educação entrou no conjunto do Plano de Metas pressionado pela compreensão de que a falta de

Page 52: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

52

recursos humanos qualificados poderia ser um dos pontos de estrangulamento do desenvolvimento industrial previsto".

Mesmo que a Constituição de 1946 não tivesse feito referência expressa à formulação de um Plano

Nacional de Educação, essa exigência acabou surgindo na Lei no 4.024 de 1961 (Diretrizes e Bases da Educação Nacional). A propósito desta lei, é interessante notar que o anteprojeto original, preparado por uma comissão especial, que teve como relator o professor Almeida Jr., um dos signatários do “Manifesto” de 1932, não fez menção a planos de educação. Mais ainda, na sua resposta ao Parecer Capanema, Almeida Jr. fez referência elogiosa ao fato de que na Constituinte de 46 tivesse sido abandonada a idéia de um plano nacional. Mas, embora não constasse do anteprojeto original, a exigência de um plano foi incluída no terceiro substitutivo da Comissão de Educação e Cultura, que afinal transformou-se na Lei no 4.024/61. Nesse ponto, convém observar que, com relação a vários aspectos, o substitutivo transformado em lei era muito menos interessante do que o anteprojeto original.

Atente-se, por exemplo, para a própria concepção do que deveria ser uma Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional. Segundo o Relatório Geral da Comissão que elaborou o anteprojeto: “Diretriz” é linha de orientação, norma de conduta, “Base” é a superfície de apoio, fundamento. Aquela indica a direção geral a seguir, não as minudências do caminho. Esta significa o alicerce do edifício, não o próprio edifício que sobre o alicerce está construído. Assim entendidos os termos, a Lei de Diretrizes e Bases conterá tão-só os preceitos genéricos e fundamentais".

Se essa concepção tivesse prevalecido, a LDB seria somente uma fixação de princípios gerais de

educação brasileira. E, por serem gerais, esses princípios permitiriam a elaboração, em níveis estaduais, de políticas de educação também de “rumos gerais” e, por isso mesmo, capazes de se afeiçoarem às características de cada estado sem deixar de integrar-se numa política nacional. Aliás, a obediência ao princípio federativo era o propósito da comissão relatora do anteprojeto, quando disse que “... o que fica claro é que a função de organizar o respectivo sistema de ensino cabe privativamente a cada Estado, e que a lei federal de Diretrizes e Bases, se interferir nessa matéria, violará a Constituição".

No quadro dessa concepção, que lamentavelmente não prevaleceu, as relações entre os conceitos de

política educacional e de plano de educação seriam conciliáveis não apenas de um ponto de vista lógico, como também numa perspectiva de integração da ação governamental na área da educação.

Porém, se a LDB afinal aprovada (Lei no 4.024/61) distanciou-se muito da clareza e da sensatez do

anteprojeto original, a lei que a sucedeu e substituiu em parte (Lei no 5.692/71) agravou sobremodo a situa-ção eliminando qualquer possibilidade de instituição de políticas e planos de educação como instrumentos efetivos de um desenvolvimento desejável da educação brasileira. A Lei no 5.692 aproximou-se muito, nas suas minudências regimentais, do natimorto Plano de Educação Nacional de 1937. Nada tem a ver com uma Lei de Diretrizes e Bases concebida em termos de princípios gerais e consagrou novamente a idéia de plano como distribuição de recursos.

1.4 Plano Nacional de Educação de 1962 e suas Revisões Como já vimos, a exigência de um plano foi afinal incluída no texto da Lei no 4.024, mas, na fórmula

aprovada, suprimiu-se o termo “nacional” porque ele “não se coadunaria, certamente, com as teses de descentralização e liberdade do ensino que acabaram por se impor, em larga medida, na referida lei". Contudo, o primeiro plano feito na sua vigência estabeleceu o adjetivo. Esse foi, de fato, o primeiro Plano Nacional de Educação, porque o de 1937 não ultrapassou a fase de anteprojeto. A comparação entre os dois é interessante porque exibe uma alteração conceitual importante. O Plano de 1937 pretendia ser uma ordenação legal da educação brasileira e não apenas uma operação distributiva dos recursos a serem aplicados à educação. Aliás, nele a distribuição de recursos ficava fora do que se chamou Plano de Educação Nacional e era atribuição do órgão que seria o Conselho Nacional de Educação.

O Plano de 1962, elaborado já na vigência da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

tinha outro caráter. Era basicamente um conjunto de metas quantitativas e qualitativas a serem alcançadas num prazo de oito anos. É claro que elas representavam opções políticas para os rumos da educação pública brasileira em todos os níveis, mas opções cujas coordenadas já estavam estabelecidas na LDB. No fundo, entre os Planos de

Page 53: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

53

1937 e 1962, a diferença básica estava na própria concepção de plano, que, no primeiro, se traduzia numa ordenação até nos pormenores da educação brasileira, enquanto o segundo apenas estabelecia determinados critérios para os esforços articulados da União, dos estados e dos municípios na aplicação dos recursos destinados à educação.

O Plano de 1962 sofreu uma revisão em 1965. Esta revisão – a primeira feita após a Revolução de 1964 –

teve um caráter fortemente descentralizador e incluiu normas tendentes a estimular a elaboração dos planos estaduais. Uma razão importante para a revisão de 1965 foi também a instituição em 1964 (Lei nº 4.440) do salário-educação, que aumentou substancialmente os recursos destinados ao Fundo Nacional do Ensino Primário. Em 1966, houve ainda uma nova revisão, que se chamou Plano Complementar de Educação, que introduziu importantes alterações na distribuição dos recursos federais, indicativas de uma mudança de rumos na política nacional: o restabelecimento de vultosos recursos para a educação de analfabetos com mais de 10 anos e a instituição de ginásios orientados para o trabalho.

1.5 Planos de Educação Posteriores

Após a iniciativa pioneira de 1962 e suas revisões, sucedem-se, em trinta anos, cerca de dez planos. Num

exaustivo estudo do que foi feito nessa área até 1989, Roberto Moreira conclui que essa sucessão de planos elaborados, parcialmente executados, revistos e abandonados reflete não apenas os males gerais da administração pública brasileira, como também o fato de que na educação, pela razão de ela nunca ter sido realmente prioritária para os governos, as coordenadas da ação governamental no setor ficavam bloqueadas ou dificultadas pela falta de uma integração ministerial.

Em conseqüência disso e de outras razões, sobretudo políticas, o panorama da experiência brasileira de

planejamento educacional é, na opinião de Moreira e de outros autores, um quadro claro de descontinuidade administrativa, que, no fundo, fez dessa experiência um conjunto fragmentário e algumas vezes incoerente de iniciativas governamentais que nunca foram mais do que esquemas distributivos de recursos. É claro que distribuição de recursos pressupõe opções e, portanto, de certo modo, uma política de educação. Mas não no sentido das aspirações do “Manifesto dos Pioneiros”, isto é, de estabelecimento claro de princípios e rumos da educação nacional.

1.6 A Crença numa “Ciência” do Planejamento Essa crença se funda na idéia de que o desenvolvimento da ciência é um simples resultado da aplicação

na investigação de métodos adequados. Todavia, hoje, historiadores e filósofos da ciência vêem com extrema cautela e até desconfiança a afirmação de que o desenvolvimento da ciência seja simples efeito da aplicação de métodos gerais identificáveis, codificáveis e por isso mesmo transmissíveis. É claro que há muitos métodos para fazer muitas coisas em ciência, mas os avanços significativos da ciência ocorreram, sobretudo pela produção de novas teorias e seu livre exame pelas comunidades científicas. Não há, porém, métodos para inventar teorias interessantes: o caldo de cultura onde elas surgem é antes o saber substantivo disponível num certo momento e a permanente discussão deste saber do que o emprego mecânico de rotinas metodológicas. Histórica e filosoficamente, é falsa a idéia de que há um conjunto de procedimentos de aplicação universal (método científico) e que o desenvolvimento da ciência é fruto da sua aplicação sistemática.

O significado do termo “planejamento” é muito ambíguo, mas no seu uso trivial ele compreende a idéia de

que, sem um mínimo de conhecimento das condições existentes numa determinada situação e sem um esforço de previsão das alterações possíveis dessa situação, nenhuma ação de mudança será eficaz e eficiente ainda que haja clareza a respeito dos objetivos dessa ação. Nesse sentido trivial, qualquer indivíduo razoavelmente equilibrado é um planejador. Mas, quando pressupomos que haja uma “ciência do planejamento”, então, de certo modo, os reparos que fizemos à idéia que se tem de uma metodologia científica de aplicação universal, valem também para o campo do planejamento. Não há uma ciência do planejamento e nem mesmo métodos de planejamento gerais e abstratos que possam ser aplicados à variedade de situações sociais independentemente de considerações de natureza política, histórica, cultural, econômica, etc. É claro que para situações específicas, há uma ampla variedade de técnicas de planejamento que podem ser eficazes e eficientes, do mesmo modo que há tecnologias

Page 54: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

54

científicas para algumas parcelas do trabalho científico. Mas entre isso e a admissão de que há um saber geral sobre planejamento e que o domínio desse saber torna indivíduos aptos a “planejar em geral” há uma grande distância.

1.7 A Autonomia do Conceito de Plano de Educação Ao longo desta exposição, ainda não fizemos uma tentativa maior de clarificação dos significados de

termos como política de educação e plano de educação. Mas nas rápidas descrições já feitas, percebe-se que houve uma variação conceitual deles desde o “Manifesto”. Neste preconizava-se uma política de educação para os diversos níveis de ensino e um planejamento científico que conduzisse a educação brasileira nos rumos assinalados.

No Plano de 1937, essa concepção se alterou e a idéia de plano compreendeu uma política de educação

que se traduzia numa ordenação legal de toda a educação brasileira. A comissão que preparou o anteprojeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases nem mesmo se referiu a

planos e a preocupação foi a indicação de rumos para a educação, isto é, a fixação de uma política geral de educação. Na discussão do anteprojeto, a idéia de plano se introduziu, mas a própria lei não tratou maiormente do assunto e deixou a sua elaboração para o Conselho Federal de Educação.

O primeiro plano – o de 1962 – e suas revisões foram planos de metas distributivas de recursos coerentes

com os rumos estabelecidos na Lei no 4.024. Nos demais planos que se sucederam permaneceu essa característica do plano como esforço distributivo de recursos e, vez por outra, este esforço vinculou-se a estímulos para uma alteração de rumos em alguns aspectos da política educacional de certo modo implicada pelos dispositivos da LDB vigente.

Com a promulgação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases em 1971, houve alterações radicais na política

educacional. As mais profundas foram a fusão dos antigos ensinos primário e ginasial num curso único de oito anos e a reorganização de todo o ensino de 2º grau (antigo colegial) para dar-lhe feição terminal profissionalizante. Não é aqui oportuno avaliar essas mudanças de rumo da política educacional, mas apenas assinalar que os planos de educação subseqüentes se ajustaram em maior ou menor grau a essas mudanças.

O ponto a que queremos chegar é o seguinte: em todas as experiências brasileiras de planejamento, os

planos, bem ou mal, ligavam-se à política de educação expressa ou pressuposta nos textos das Leis de Diretrizes e Bases. Nas atuais Constituições federal e estadual, a obrigatoriedade do plano – a ser instituído por lei – ganha uma autonomia que sugere uma nova alteração conceitual do termo. A Constituição federal faz referência a alguns rumos gerais da ação pública em educação e a estadual diz que na elaboração do plano devem ser “considerados diagnósticos e necessidades apontados nos Planos Municipais de Educação”.

Contudo, essas vagas referências não chegam a se constituir numa indicação clara da política de

educação a que esses planos devem servir. A propósito, convém lembrar que, já em 1968, dizíamos que “O estabelecimento de um plano de educação implica, preliminarmente, a definição de uma política educacional (...) Nesses termos, um plano de educação se define como um conjunto de medidas de natureza técnica, administrativa e financeira – a serem executadas num certo prazo – e selecionadas e escalonadas a partir de uma política educacional. Esse conceito de plano tem a sua principal vantagem no fato de pôr em relevo o que é realmente imprescindível: a definição de uma política educacional.".

Essa manifestação foi feita a propósito do esforço que estava sendo desenvolvido, à época, pelo Ministério

da Educação para fixar, por lei, um novo plano de educação. Iniciativas nesse sentido pressupõem a autonomia da idéia de plano com relação à idéia de política educacional. Tal pressuposição é falsa e essa falsidade é expressão da crença de que há uma ciência do planejamento e que por isso a boa condução dos negócios públicos deve se fundar na sua aplicação.

Page 55: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

55

Nessas condições, a maneira pela qual o assunto foi tratado nas Constituições federal e estadual sugere uma aceitação ingênua de autonomia do conceito de plano que pode gerar confusões antes do que favorecer uma racionalização de esforços, que é o propósito básico de todo o planejamento.

1.8 A Eliminação de Obstáculos ao Planejamento Como já vimos, a descontinuidade administrativa tem sido apontada como a causa principal do malogro

parcial ou total de planos de educação no Brasil. Já o “Manifesto” denunciava o caráter fragmentário da ação governamental, atribuindo-o à inexistência de planos. Mas é claro que a simples existência de planos, por si só, não assegura a continuidade da ação governamental, que fica na dependência de condições de estabilidade política e administrativa. Ora, às vezes, nem no âmbito de um mesmo governo é possível reunir essas condições de estabilidade.

Em 1962, em trabalho apresentado numa Conferência Internacional das Nações Unidas, na Suíça, Jayme

Abreu, numa comunicação sobre os obstáculos ao planejamento educacional, apontou, dentre outros, os seguintes: “... dificuldades resultantes de instabilidade política” e “... dificuldades da parte dos staffs administrativos tradicionais e da opinião pública".

É interessante observar que, nesse trabalho, as afirmações de Abreu não se fundavam na experiência

brasileira de planejamento educacional (o primeiro plano estava sendo proposto), mas deviam refletir alegações que vinham sendo repetidas em encontros internacionais de especialistas em planejamento. Numa outra reunião internacional, Gabriel Betancur Mejia disse que “... uma das causas que mais influem na lentidão do avanço educativo é a instabilidade pessoal, dos planos e dos programas".

De outra parte, não devemos simplificar excessivamente as coisas e considerar, invariavelmente, a

descontinuidade administrativa como um mal a ser eliminado. Eventualmente, o prejuízo maior poderia estar na continuidade. Além disso, é necessário lembrar que o anseio de racionalidade, que motiva as tentativas de supressão da descontinuidade e de outros obstáculos ao planejamento, pode ter o seu preço no estabelecimento de restrições a mecanismos ou condições essenciais da própria vida democrática. A instabilidade da hegemonia dos agrupamentos políticos é uma dessas condições essenciais e a descontinuidade da ação administrativa pode ser, muitas vezes, simples decorrência inevitável das vicissitudes da prática da democracia. Nessas condições, a eliminação da descontinuidade pode ser não-desejável, porque implicaria restrições políticas indesejáveis.

Aliás, F. Hayeck, já em 1944, fazia uma advertência nesse sentido, quando disse que “cresce a convicção

de que, para se realizar um planejamento eficaz, a gestão econômica deve ser afastada da área política e confiada a especalistas – funcionários permanentes ou organismos autônomos e independentes".

Ao fazer essa advertência, Hayeck tinha diante dos olhos a ascensão nazifascista como também opiniões

de pensadores políticos de esquerda, como Harold Laski, que, alguns anos antes, dissera, a respeito da situação inglesa: “É sabido que o atual mecanismo parlamentar é bastante inadequado à aprovação de um volumoso corpo de leis complexas. O Governo, na verdade, basicamente admitiu isto ao implementar suas medidas econômicas e tarifárias, não por meio de um debate pormenorizado na Câmara dos Comuns, mas por um sistema de delegação de função legislativa".

Chegamos assim a uma questão delicada, isto é, as crescentes exigências de um planejamento eficaz e

eficiente podem ter um preço insuportável para uma vida social e política ordenada segundo valores mais altos. 1.9 Planos Gerais de Educação e Autonomia das Escolas Como vimos no subitem anterior, eventualmente o êxito do planejamento pode ter como contrapartida

alguma forma de restrição às condições da vida política democrática. Essa situação pode, num determinado momento, apresentar-se como um verdadeiro dilema, porque ou corremos riscos com relação ao sucesso do planejamento ou restringimos as discussões e decisões sobre o plano que se quer. Ora, um dilema, num sentido estritamente retórico, delineia-se quando a escolha de qualquer das alternativas tem efeitos desagradáveis.

Page 56: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

56

É indiscutível que em muitas situações de planejamento, a eficácia e a eficiência de um plano são quase incompatíveis com uma ampla discussão e deliberação sobre o próprio. Também é indiscutível que para problemas desse tipo, quando eles surgem na esfera governamental, não há nenhuma solução geral.

Nessas condições, convém evitar que o problema apareça no campo da Administração Pública do Ensino.

Talvez isso seja possível se houver uma clara distinção entre os diferentes níveis de atuação que são inerentes à administração de uma rede pública de escolas. Um plano de educação pública deverá levar em conta esse fato e ajustar-se a ele, distinguindo os níveis que devem permanecer vinculados a decisões centrais daqueles outros, de caráter propriamente pedagógico, que dizem respeito à própria vida da escola. Para este último caso, uma política de educação realmente democrática apenas poderá fixar diretrizes gerais, deixando tudo o mais, que é a vida das escolas, ser decidido por elas próprias, respeitada a orientação contida nas diretrizes. Quando o problema é posto nesses termos evita-se o dilema antes referido.

A autonomia das escolas tem seu fundamento na exigência ética de que a ação educativa não se reduza

ao mero cumprimento de horários e de execução de tarefas determinadas por órgãos exteriores à instituição. A ação educativa, tanto na sua dimensão individual como coletiva, requer uma consciência clara dos objetivos educacionais e dos valores a eles ligados. Sem essa consciência não é possível definir responsabilidades num sentido ético e social. Analogias entre escolas e empresas poderão obscurecer esse aspecto fundamental da educação.

Eventualmente, escolas às quais se permita a autonomia de decisão e de ação poderão encontrar

dificuldades para atingir níveis de desempenho exteriormente fixados. Isso não tem maior importância. Hipotéticos níveis de eficiência que seriam alcançáveis se houvesse uma orientação rígida e centralizada não podem justificar, da parte de órgãos centrais, tentativas de intervenção e de correção. Já dizia Bacon que a verdade brotará mais facilmente do erro do que da confusão. É preciso deixar que as escolas corrijam os seus próprios erros, quando for o caso, mas não convém que aqueles que educam fiquem confundidos e inseguros a respeito de suas intransferíveis responsabilidades na ação educativa.

Pode ser que a autonomia da escola seja – como disse R. King Hall – apenas uma “... ficção desejável,

mas também é um objetivo da democracia – extremamente útil, altamente desejável e possivelmente essencial.”

Page 57: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

57

UNIDADE VII 1. A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA O que é Legislação Educacional? Legislação da educação é a mesma coisa de legislação de ensino? A

legislação educacional é disciplina da Pedagogia ou do Direito? Qual o lugar da Legislação Educacional no âmbito das Ciências jurídicas?

Estas são questões que exigem mais do que respostas pontuais e prontas, mas um exercício de

desvelamento conceptual de legislação e educação. As palavras legislação e educação nos fazem remontar à Roma Clássica, especialmente ao Direito Romano. Derivada do latim legislatio, a palavra legislação quer dizer, literalmente, ato de legislar, isto é, o direito de fazer, preceituar ou decretar leis. A legislação é, pois, o ato de estabelecer leis através do poder legislativo.

Também derivada do latim, a palavra educação vem de educare, e com esta raiz, quer dizer, ato de

amamentar. Também há que diga que educação teria origem também na raiz latina educere, que pode ser traduzida

como ato de conduzir, de levar adiante o educando. Atualmente, as tendências pedagógicas acolhem esta segunda etimologia.

Assim, quando digo legislação da educação, posso estar me referindo à instrução ou aos processos de

formação que se dão não apenas nos estabelecimentos de ensino como também em outras ambiências culturais como a família, a igreja, o sindicato, entre outros.

A atual compreensão de legislação da educação, no âmbito da LDB, considerada como a lei magna da

educação, é a de educação escolar mas não restrita à concepção de instrução, voltada somente à transmissão de conhecimento nos estabelecimentos de ensino.

Na LDB, a educação é concebida como processo de formação abrangente, inclusive o de formação de

cidadania e o trabalho como principio educativo, portanto, não restrita às instituições de ensino. Aqui, reside a possibilidade de se contemplar a legislação educacional como a legislação que recolhe todas os atos e fatos jurídicos que tratam da educação como direito social do cidadão e direito público subjetivo dos educandos do ensino fundamental.

Já nas suas raízes conceituais, etimológicas e históricas as palavras legislação e educação não tinham

sentido unívoco, isto é, já traziam na sua formação histórica o caráter da polissemia. Em Roma, legislação tanto podia significar o conjunto de leis específicas de uma matéria ou negócio como

a lei no seu sentido mais abrangente. Hoje, a situação não mudou muito: quando nos referimos à legislação tanto no sentido estreito como no sentido largo, por extensão.

Assim, a expressão legislação educacional me revela um conjunto de normas legais sobre a matéria

educacional. Se falo legislação educacional brasileira, refiro-me às leis que de modo geral formam o ordenamento cultural do país

Com a palavra educação, teremos situação semelhante. Ora a palavra educação refere-se aos processos

de formação escolar, dentro e fora dos estabelecimentos de ensino, ora tem conceito restrito à educação escolar que se dá unicamente nos estabelecimentos de ensino. Daí, falar-se, em outros tempos, em legislação de ensino e em legislação da educação.

Então, entendamos o seguinte: a legislação da educação pode ser considerada como o corpo ou conjunto

de leis referentes à educação, seja ela estritamente voltada ao ensino ou às questões à matéria educacional, como, por exemplo, a profissão de professor, a democratização de ensino ou as mensalidades escolares.

Page 58: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

58

Ainda assim, a partir do nova ordem geral da educação nacional, decorrente da Lei 9.394/96, poderíamos de alguma forma cogitar o uso das expressões legislação educacional e legislação de ensino.

Quanto utilizarmos a expressão legislação educacional ou legislação da educação estaremos nos referindo

à legislação que trata da educação escolar, nos níveis de educação (básica e superior). Quando dizemos legislação educacional estamos nos referindo, portanto, de forma geral, à educação

básica(educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e à educação superior. Daí, posso referir-me apenas à legislação da educação básica ou à legislação da educação superior.

Se desejo referir-me aos níveis de ensino fundamental e ensino médio, que formam à educação básica,

posso utilizar a expressão legislação do ensino fundamental ou legislação do ensino médio. Certo é que a legislação educacional pode ser, pois, tomada como corpo ou conjunto de leis referentes à

educação. É um complexo de leis cujo destinatário é o homem trabalhador ou o homem consumidor. É este o sentido de legislação como legis data. A legislação se revela, sobretudo, em regulamentos ditos

orgânicos ou ordenados, expedidos pelos magistrados em face da outorga popular. A legislação educacional, como nos parece sugerir, é uma disciplina de imediato interesse do Direito ou

mais precisamente do Direito Educacional. Mas um olhar interdisciplinar dirá que ela é central na Pedagogia quando no estudo da organização escolar.

Por não termos alcançado, ainda, uma fase de pleno gozo de eqüidade, diríamos que a legislação

educacional é até final do século XX a única forma de Direito Educacional que conhecemos e vivenciamos na estrutura e funcionamento da educação brasileira.

Desta forma, a legislação educacional pode ser entendida como a soma de regras instituídas regular e

historicamente a respeito da educação. Todas as normas educacionais, legais e infralegais, leis e regulamentos, com instrução jurídica, relativas ao

setor educacional, na contemporaneidade e no passado, são de interesse da legislação educacional. Vemos, deste modo, que a legislação educacional pode ter uma acepção ampla, isto é, pode significar as

leis da educação, que brotam das constituições nacionais, como a Constituição Federal, considerada a Lei Maior do ordenamento jurídico do país, às leis aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo Presidente da República.

Pode, também, a legislação abranger os decretos presidenciais, as portarias ministeriais e interministeriais,

as resoluções e pareceres dos órgãos ministeriais ou da administração superior da educação brasileira. Para este trabalho, vai nos interessar o sentido da Legislação Educacional como ação do Estado sobre a

educação, vista, pelo Estado-gestor, como política social. A legislação educacional é, portanto, base da sustentação da estrutura político-jurídica da educação.

1.1 As Duas Faces da Legislação Educacional A legislação Educacional possui duas naturezas: uma reguladora e uma regulamentadora. A partir de seu caráter, podemos derivar sua tipologia. Dizemos que a legislação é reguladora, quando se

manifesta através de leis, sejam federais, estaduais ou municipais. As normas constitucionais que tratam da educação são as fontes primárias da regulação e organização da

educação nacional, pois, por elas, definem-se as competências constitucionais e atribuições administrativas da

Page 59: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

59

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Abaixo das normas constitucionais, temos as leis federais, ordinárias ou complementares, que regulam o sistema nacional de educação.

A legislação reguladora estabelece, pois, a regra geral, a norma jurídica fundamental. Daí, o processo

regulatório voltar-se sempre aos princípios gerais e à disposição da educação como direito, seja social ou público subjetivo.

O principal traço da regulação é sua força de regular, isto é, poder, regularmente, ou que pode traduzido

também pela democraticamente, estabelecer regras gerais de Direito ou normas gerais criadores de Direito. Quando dizemos que a educação é direito social ou que o acesso ao ensino fundamental é direito público

subjetivo, a imperatividade normativa reside na origem da fonte de direito, a Constituição, seja Federal, Estadual ou Municipal. Por isso, uma vez aprovadas, as leis devem ser respeitadas e cumpridas.

A legislação regulamentadora, ao contrário da legislação reguladora não é descritiva, mas prescritiva, volta-

se à própria práxis da educação. Os decretos presidenciais, as portarias ministeriais e interministeriais, as resoluções e pareceres dos

órgãos do Ministério da Educação, como o Conselho Nacional da Educação ou o Fundo de Desenvolvimento da Educação como serão executadas as regras jurídicas ou das disposições legais contidas no processo de regulação da educação nacional.

A regulamentação não cria direito porque limita-se a instituir normas sobre a execução da lei, tomando as

providências indispensáveis para o funcionamento dos serviços educacionais. Diríamos, em substância, que a estrutura político-jurídica da educação contida na Constituição Federal e

nas Leis Federais regulam a estrutura político-jurídica da educação enquanto os decretos, as portarias, as resoluções, os pareceres, as instruções, enfim, prescrevem a forma de funcionamento do serviço educacional.

1.2 O Direito Educacional no Brasil O Direito Educacional, no Brasil, ainda está na sua fase de Legislação do Ensino. Não alcançamos, ainda,

uma fase propriamente dita do Direito, isto é, a de ter o Direito Educacional como corpo doutrinário, com análise e objeto bem definidos.

Esta pequeno comentário à LDB é uma contribuição teórica à sistematização do Direito Educacional, na

fase de Legislação, para tentarmos chegar a uma reflexão mais doutrinária e com perspectiva de se definir o lugar do Direito Educacional no âmbito das Ciências. Afinal, o Direito da Educação deve estar no elenco das disciplinas das Ciências Jurídicas ou das Ciências da Educação.

Na sua fase de Legislação, o Direito Educacional avançou de um lado, estruturou e fez funcionar o sistema

educacional, mas, do outro, do ponto de vista teórico, passou a ter um caráter reducionista, apropriou-se do discurso ou teoria educacional e não avançou na construção jurídica e doutrinária da Educação.

Não foi por falta de produção legislativa. Pelo contrário, a tradição legisferante da Educação, inaugurada

por Pombal, na Colônia e expressivamente produzida após a Constituição de 1824 não apenas confirmou a tradição ibérica do direito escrito, descritivo e receptivo, mas assinalou o grau de dependência das normas educacionais à sociedade política.

Mas, na medida em que o constitucionalismo moderno foi ampliando as dimensões normativas da

Constituição, isto é, introduzindo, no seu texto, a matéria educacional, alargou, materialmente, o conteúdo da Lei Fundamental do Estado, a ponto de não termos dúvida de que, se de um lado não saímos da fase de Legislação, no plano do Direito Educacional, alcançamos plenamente um Direito Constitucional da Educação, com definição e repartição equilibrada das competências constitucionais relativas à Educação.

Page 60: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

60

Acreditamos, que no século XXI, chagaremos a um modelo de sistematização das normas educacionais para em outro momento vislumbramos um estágio de Direito da Educação em que movimentos sociais em favor do Direito à Educação estejam sob a égide da doutrina e da jurisprudência na Educação.

O Direito Educacional é, ainda, um “órfão acadêmico”, isto é, quem está desenvolvendo reflexão na Pós-

Graduação em Direito puxa a reflexão para o jurídico e os que estão, do outro lado, o da Educação, puxam o Direito Educação para a teoria educacional.

Confesso que me vem dúvida com relação o lugar do Direito Educacional(o da Educação Escolar) no

campo das ciências: aproxima-se mais das Ciências Jurídicas ou das Ciências da Educação? A meu ver, deve ser disciplina na Educação.Portanto, devemos desenvolver uma reflexão com a intervenção da abordagem jurídica.

1.3 A LDB à Luz do Direito Constitucional Positivo Com este comentário à LDB, com fundamento teórico no Direito Constitucional Positivo, sistematizamos as

normas legais da Lei 9.394/96, através de cinco categorias estruturantes das constituições escritas, modelo apresentado pelo constitucionalista José Afonso da Silva(1995).

Com este procedimento, não apenas localizamos as normas legais, mas as qualifico juridicamente, através

de uma intercessão interdisciplinar que considero inovadora, relevante não apenas para a Histórica da Educação bem como a definição do objeto do Direito Educacional, no Brasil.

Minha inclinação, como educador, por uma abordagem jurídica frente às normas educacionais, vem do

reconhecimento que não se conhece uma lei ordinária sem uma base jurídica. No meu entender, as fontes legais citadas em boa parte das referências da historiografia educacional ou

ensaios de legislação de ensino, na maioria das vezes, estão destituídas de uma exegese jurídica, o que torna a leitura da Educação no plano do ordenamento jurídico do país bastante restrita. A análise de conteúdo é, assim, limitada.

Não quero defender intransigentemente a abordagem jurídica no estudo das normas educacional, mas

julgo ser um procedimento metodológico bastante completo e capaz de oferecer suficientemente, para o estágio em que se encontra o Direito Educacional, uma visão de totalidade dos fatos jurídicos de uma época ou regime político.

O entendimento da LDB passa necessariamente pelo compreensão do texto constitucional de 1988, sua

matriz, e da evolução constitucional no Brasil. Estou certo de que a estrutura é, efetivamente, “uma ordenação reveladora do modo de ser dos elementos

que a integram”(HORTA: 1995, p. 219). Na medida que, por exemplo, estruturo a educação como norma constitucional, este conhecimento permite fixar as características, as formas e as modalidades com que a norma se apresenta no ordenamento jurídico do País.

A Constituição de 1824, por exemplo, não se registrou nenhuma norma educacional na categoria

Elementos Sócio-Ideológicos, concluímos que a estrutura normativa reflete o modelo de constitucionalismo predominante no Século XIX.

Sabemos que o Constitucionalismo Clássico, dos séculos XVIII e XIX, a matéria constitucional se exauria

na organização dos Poderes do Estado e na Declaração dos Direitos e Garantias Individuais. Assim, a sociedade política imperial não vai identificar a matéria educacional nem ordená-la em um conjunto de regras constitucionais reguladoras da atividade educacional.

No entanto, a Constituição para a construção do Direito Constitucional da Educação é de suma

importância: no texto constitucional já recolhemos fragmentos de normas educacionais que, mais tarde, passarão a integrar o conjunto sistemático da ordem educacional no âmbito das Constituições Nacionais.

Page 61: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

61

As normas jurídicas relativas à Educação contidas na Constituição de 1824 são regras antecipadoras do direito à educação e das normas de princípio educacional (a gratuidade do ensino).

Foi a partir da estrutura das normas educacionais, no âmbito das Constituições brasileiras, que vimos a

validade de se aplicar uma teoria de estruturação normativa caracterizar a matéria educacional como fato jurídico gerador de eficácia jurídica, isto é, de práxis social.

A investigação leva-nos a crer que somente com uma abordagem jurídica temos condições de ver o grau

de expansividade ou incidência da matéria educacional no ordenamento constitucional do País, na proporção em que as cinco categorias de elementos constitucionais(orgânicos, limitativos, Sócio-Ideológicos, estabilização constitucional e formais de aplicabilidade) vão se integrando nas Constituições Nacionais, no decorrer de sua evolução histórica, e à medida em que o Estado Federal, entendido como criação jurídico-positivo, torna-se mais intervencionista e social e assume novas finalidades no campo da política social.

1.4 Aspectos Jurídicos da LDB Em se tratando se sistematização normativa, o que pode ser aplicado à Constituição Federal pode-se,

também, aplicar à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), promulgada em 1996. Para ilustrar, poderia usar do mesmo expediente para descrever as normas educacionais na LDB,

conforme tabela abaixo:

a. Normas orgânicas - A Lei 9.394/96, a LDB na linguagem dos educadores, contém normas que regulam a organização e funcionamento do Estado. Estas normas concentram-se, predominante nos Títulos IV - (Da Organização da Educação Nacional, do art. 8o a 16), VI - (Dos Profissionais da Educação, Art. 61 a 67) e VII - Dos Recursos Financeiros (Art. 68 a Art. 77);

b. Normas limitativas - A LDB traz normas que consubstanciam o elenco dos direitos e garantias fundamentais, limitando a ação dos poderes estatais e dão a tônica do Estado de Direito. É norma limitativa o Art. 7o, do Título III - Do Direito à Educação e do Dever de Educar;

c. Normas sócio - ideológicas - A LDB consubstancia normas que revelam o caráter de compromisso liberal/neo-liberal do Estado com a sociedade. Estão estas normas inscritas no Título III - Do Direito à Educação e do Dever de Educar (Art. 4o, 6o e 7o) e Título II - Dos Princípios e Fins da Educação nacional (Art. 2o e Art. 3o) e Título V - Dos Níveis e das modalidades de educação e ensino (Art. 21 a art. 60);

d. Normas de estabilização da lei - A LDB traz artigos que asseguram, juridicamente, o acesso ao ensino fundamental (Art. 5o ), a defesa da aplicação dos recursos financeiros (Art. 69, §6o) e o ingresso de docente exclusivamente por concurso público de provas e títulos nas instituições de ensino, premunindo os meios e técnicas contra sua infringência, a não ser nos termos nela própria estatuídos. São os seguintes remédios constitucionais previstos: direito de petição, Ação popular contra crime de responsabilidade, Mandato de segurança individual;

e. Normas formais de aplicabilidade imediata - A LDB estatui regras de aplicação imediata da Lei. Estão presentes predominantemente nas disposições transitórias (Art. 867 a 92) e no Art. 1o, preâmbulo da Lei. 1.5 A LDB e a Organização Escolar LDB, Direito Educacional e organização escolar caminham juntos, lado a lado. Com a nova a LDB, a

educação é vista como um processo, que se dá em várias ambiências, manifesto em níveis, etapas e modalidades. A LDB bifurca a educação escolar assim:

a. educação básica e

Page 62: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

62

b. educação superior. A educação básica é divida, por sua vez, em etapas (e não em subníveis) desta forma:

1. Educação Infantil, Primeira etapa; 2. Ensino Fundamental, Segunda etapa e 3. Ensino Médio, terceira etapa ou etapa final.

Entre as modalidades, podemos citar:

a. educação especial (destaque-se que esta é a única modalidade de ensino que perpassa todos os níveis e etapas da educação Básica);

b. educação profissional e educação de jovens e adultos, mas poderíamos lembrar, ainda, c. educação indígena e d. educação a distância.

A educação superior, por seu turno, dividida em cursos seqüenciais, graduação, extensão e pós-

graduação. Como disse, anteriormente, no Brasil, o Direito Educacional ainda está na sua fase de Legislação do

Ensino e, a rigor, não chegou a fase de direito, isto é, sob a égide da Jurisprudência e da Doutrina. Pode-se constatar a assertiva pelo próprio registro da legislação no âmbito da História da Educação Brasileira.

Tomemos, por exemplo, obras como historiográficas como as Otaíza romanelli, Maria Luisa Ribeiro,

Chiridalli, que ao relatarem sobre os fatos históricos da educação brasileira, apresentam a legislação apenas como reflexo das correlações de força política que dominam, em determinado momento da história nacional, a estrutura de poder.

As normas ou determinantes jurídicos são atuantes no sistema escolar brasileiro e respondem pela maior

parte da organização e funcionamento do sistema escolar brasileiro. O êxito ou fracasso da organização escolar está condicionado aos determinantes jurídicos da sociedade. Se isso é verdade, as incursões dos educadores e historiógrafos da educação brasileira pelo campo do Direito Educacional são uma necessidade premente.

No tocante ao Direito Constitucional, a maior contribuição das obras de História da Educação Brasileira

está na indexação das fontes legais e do registro de mudanças ocorridas na estrutura do sistema educativo decorrentes das constituições, leis constitucionais e da legislação do ensino, especialmente decretos, portarias e pareceres.

No entanto, não se constrói o Direito Educacional, dentro de uma perspectiva mais doutrinária, apenas com

uma indexação legislação, de caráter alfabético ou cronológico, mas com a doutrina ou construção jurídica das fontes legais, isto é, qualificando juridicamente as normas legais para alcance prática efetivamente eficaz

Em substância, as leis não devem ser apenas registradas como fatos políticos, mas interpretados à luz da

técnica jurídica capaz de revelar a virtualidade da regulação da sociedade. Entre as obras que organizam a legislação do ensino na medida em que as mudanças vão corrente na

estrutura do sistema educativo, estão História da Educação no Brasil, de Otaíza de Oliveira Romaneli, que, inclusive, oferece, na bibliografia de seu trabalho, um índex de documentos legislativos seguindo um critério cronológico(1983, p. 265-267). A legislação, no decorrer da obra historiográfica, é apontada pela autora como fator atuante na evolução do sistema educacional brasileiro, mas imposto pelas facções políticas à organização do ensino (ROMANELLI: 1983, P.127).

Na História da Educação, de Paulo Ghiraldelli Jr. a legislação do ensino estaria num plano a que chama de

políticas educacionais, que, segundo o autor, envolve a relação entre Estado, educação e sociedade.

Page 63: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

63

Entende-se o plano de políticas educacionais como o plano que diz respeito aos projetos educacionais das diversas classes sociais, com destaque para os projetos das classes dominantes de diversas classes sociais, uma vez controladoras do estado, implementam tais projetos na medida em que ditam as leis e as normas educacionais e, na medida em que negociam tais normas e leis com as classes não dominantes.

Cremos que o principal referencial teórico para os estudos de direto educacional está no âmbito do Direito

Constitucional Positivo, especialmente nas formulações teóricas de constitucionalizas como José Afonso da Silva e Raul Machado Horta, especialmente o primeiro, por haver construído uma teorização de estruturação das normas constitucionais cujas categorias permitem, uma vez aplicadas à legislação do ensino, a análise e a sistematização das normas educacionais.

No Brasil, somente a partir dos anos 90 é que legislação educacional passa ter mais eficácia e eficiência na

administração pública. Acredito mesmo que não houve, a rigor, no Brasil, até meados dos anos 90, uma sistematização mais rigorosa das normas educacionais, a menos que se entenda por sistematização apenas uma indexação da legislação do ensino.

A sistematização vai além da classificação normativa, implica em sinalizar princípios que regem o

ordenamento educacional do País, sem os quais não há como ultrapassar a fase de legislação do ensino e alcançar a fase do direito educacional propriamente dita que, por sua vez, implica em um corpo doutrinário.

A teorização de José Afonso da Silva traz a perspectiva de não apenas mapear as normas educacionais no

âmbito das Constituições, das Leis Constitucionais, Leis Complementares e Ordinárias, seja a nível da União ou dos Estados, mas de mostrar como elas, no arcabouço jurídico, estão coordenadas entre si. Em substância, a sistematização da normas educacionais com fins de construção jurídica do Direito Educacional tem como maior exigência uma qualificação jurídica das normas.

Um dado importante e central na relação Estado e Educação, certamente é a definição de competências e

incumbências dos entes federativos, inclusive, para fazer valer o reordenamento do Estado Federal brasileiro que reconhece a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal como entes federativos.

Ora, quanto mais qualificamos juridicamente as normas legais relativas à Educação, mas determinamos o

grau de responsabilidade social das entidades intergovernamentais e sua capacidade de produção ou criação legislativa. Daí, a sistematização, sob a ótica do Direito Constitucional, contribuir para a definição das competências constitucionais da Educação na medida em que vai definindo os atores-agentes ou coadjuvantes nos processos educativos previstos na legislação do ensino.

A legislação da educação pode ser considerada como o corpo ou conjunto de leis referentes à educação,

seja ela estritamente voltada ao ensino ou às questões à matéria educacional, como, por exemplo, a profissão de professor, a democratização de ensino ou as mensalidades escolares.

Ainda assim, a partir do nova ordem geral da educação nacional, decorrente da Lei 9.394/96, poderíamos

de alguma forma cogitar o uso das expressões legislação educacional e legislação de ensino. Quanto utilizarmos a expressão legislação educacional ou legislação da educação estaremos nos referindo

à legislação que trata da educação escolar, nos níveis de educação (básica e superior). Quando dizemos legislação educacional estamos nos referindo, portanto, de forma geral, à educação

básica(educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e à educação superior. Daí, posso referir-me apenas à legislação da educação básica ou à legislação da educação superior.

Se desejo referir-me aos níveis de ensino fundamental e ensino médio, que formam à educação básica,

posso utilizar a expressão legislação do ensino fundamental ou legislação do ensino médio. Certo é que a legislação educacional pode ser, pois, tomada como corpo ou conjunto de leis referentes à

educação. É um complexo de leis cujo destinatário é o homem trabalhador ou o homem consumidor.

Page 64: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

64

É este o sentido de legislação como legis data. A legislação se revela, sobretudo, em regulamentos ditos orgânicos ou ordenados, expedidos pelos magistrados em face da outorga popular.

A legislação educacional, como nos parece sugerir, é uma disciplina de imediato interesse do Direito ou

mais precisamente do Direito Educacional. Mas um olhar interdisciplinar dirá que ela é central na Pedagogia quando no estudo da organização escolar.

Por não termos alcançado, ainda, uma fase de pleno gozo de eqüidade, diríamos que a legislação

educacional é até final do século XX a única forma de Direito Educacional que conhecemos e vivenciamos na estrutura e funcionamento da educação brasileira.

Desta forma, a legislação educacional pode ser entendida como a soma de regras instituídas regular e

historicamente a respeito da educação. Todas as normas educacionais, legais e infralegais, leis e regulamentos, com instrução jurídica, relativas ao

setor educacional, na contemporaneidade e no passado, são de interesse da legislação educacional. Vemos, deste modo, que a legislação educacional pode ter uma acepção ampla, isto é, pode significar as

leis da educação, que brotam das constituições nacionais, como a Constituição Federal, considerada a Lei Maior do ordenamento jurídico do país, às leis aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo Presidente da República.

Pode, também, a legislação abranger os decretos presidenciais, as portarias ministeriais e interministeriais, as resoluções e pareceres dos órgãos ministeriais ou da administração superior da educação brasileira.

Para este comentário à LDB, vai nos interessar o sentido da Legislação Educacional como ação do Estado

sobre a educação, vista, pelo Estado-gestor, como política social. A legislação educacional é, portanto, base da sustentação da estrutura político-jurídica da educação.

Page 65: Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf

65