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PRÁTICAS DE LEITURAS E ELEMENTOS PARA ATUACAO DOCENTE

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    merson de Pietri

    PRTICAS DE LEITURA E ELEMENTOSPARA A ATUAO DOCENTE

    2a edio

    Ediouro

  • c."opyrig11t @2007 bymerson de Pietri

    Todos os direilos reservados e prokgidos.Proibida a duplicailo ou reproduo desta obra nu parles da mesma,

    sol> quaisquer meios, sem autorizao expressa dos edilorcs.

    EDIOURO PUIIUCAOfA~ LTIJ!I.

    Rua Nova Jerusalm, 345 - BOllSucesso - 21 042.235Rio de janeiro - RJ - BrasilTe1.: (2i) 3882-8200

    Texto revisto pelo novo Acordo Ortogrfico

    SUMRIO

    Introduzindo o tema 11

    ;

    I D468p2.ed.

    C1P.Hrasil. Catalogao na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RI

    De Pietri, Emerson

    Prticas de leitura e elementos para a atuao docente I merson dePietri. - 2.ed .. Rio de Janeiro; Ediouro, 2009.96p. : 21cm - (Tpicos em linguagem; 2)

    Inclui Bibliografia

    ISBN 978-85.00.02523-5

    1. Leitura. 2. Leitura - Estudo e ensino. 3. Livros e leitura. 4. Professoresde lnguas - Formao. I. Titulo.

    CDD: 372.4CDU: 372.41

    Reviso: Claudia Ajuz

    Diagramao: Victoria Rabello

    Capa: Rossana Henriques

    CAPiTULO '1Dois modos de considerar a relao leitor-texto 17

    1. Conhecimento prvio e estratgias de leitura 1R2. A produo do texto e a distribuio social da leitura 23

    CAPTULO 2Os materiais didticos e as prticas de leitura na escola 33

    1. A apropriao do texto pelo livro didtico 352. A apropriao do texto pelo livro paradidtico 423. A mediao editorial e a didatizao da leitura 46

    cAPnl1 0:-As prticas de leitura em contexto de ensino:as aes do professor 59

    1. Estratgiasde leitura em textos jornalsticos 602. Estratgiasde leitura. conhecimento textual

    e gneros de discurso 653. A leitura do texto literrio 72

    Consideraes finais 83

    Desdobramentos do tema 87

  • Lendo mais sobre o tema 89

    Referncias 91

    ndice rem issivo 93

    Apresentao

    leitura: perspectivas para a atuao docente

    Maria Augusta ReinaldoAngela Paiva Dionisio

    Concepes e prticas pedaggicas de leilura constituem umbinmio, dentro do qual se movimentam os captulos deste livro.Em cada um desses dois campos de estudo movem-se as calego-rias com as quais merson de Pietri observa a relao leitor-texto.

    O tema das concepes de leitura constitui o tema do primei-ro captulo. Duas concepes se distinguem. segundo o foco daobservao seja o leitor ou o texto. A primeira concepo, de ins-pirao cognitiva. focaliza o leitor e sua rdao com trs tipos deconhecimentos necessrios para a compreenso do texto: o co-nhecimento do sistema lingustico e seu funcionamento, o co-nhecimento textual e o conhecimento de mundo. Esta concep-o considera o ato de ler como um ato de solucionar problemasque vo sendo apresentados ao leitor pelo texto, e a proficinciado leitor est associada previso dos obstculos e busca de suasuperao no prprio texto ou em outras fontes, outros textos.

    ~1ARLAAlJGtJSTA Go~ALVES nF. MACEDO REINAlDO, doutora em Lctras, professora delngua portuguesa da Universidade Federal de Campina Grande. Tem experinciana rea de Lingustica, com nfase em Lingustica Aplicada, com atuao princi-palmente nos seguintes temas: Interao verbal*tcxto-explicao.ANC;FI.A PArvA DIONISIO. doutora em Letras, professora de lngua portuguesa daUniversidade Federal de Pernambuco, com interesse em investigaes nos se-guintes temas: ensino de lngua materna, gneros textuais, formao de profes-sor e variao lingustica.

  • PRflCAS DE LEITURA [ fl[MENIOS PARA A AIUAO DOCENTE MERSON DE PIETRI 9

    A segunda concepo, de inspirao sucio

  • 10 PRTICAS DF I FlTllRA r UEMENIOS PARA A AIUAAO uOCENH:

    du~no pr~vistospor IlCnhl1l11adas duas perspectivas. Nesse sen-tido, so apresentadas contribuies para as aes do professor,enfocando a leitura de textos jornalsticos e literrios.

    Pietri prope a prtica de leitura segundo a perspectiv" in-tertextual, em que se estabelece um texto principal de referncia.Trata-se de uma alternativa para solucionar a questo da frag-ll1entao lanto na leitur.l no texto literrio quanto na leiturado texto no literrio. Nessa alternativa, a escolha do texto a sertrabalhado em sala de aula no se realiza em funo de umaimagem empobrecida do leitor, mas segundo as contribuiesque o fragmento escolhido pode oferecer para o desenvolvimen-to de estratgias de leitura.

    Nessa viso, a fragmentao dos textos revisitada, em funodas condies escolares que compem as aulas de leitura. Propeo autor melhor aproveitamento do tempo em sala de aula, (0111 aexplorao de recursos que aluno leitor possa utilizar em suas pr-ticas de leitura fora da sala de aula. Aposta o autor que o trabalhocom a fragmentao dos textos, quando no marcado pelas estra-tgias de facilitao, pode constituir um instrumento eficaz paraensinar ao leitor em formao como construir estratgias que fa-am parte das prticas de leitura valorizadas socialmente.

    Nesse contexto, merson reconhece ser a mediao do profes-sor fundamental para a formao de leitor proficiente, puis ele"ocupa o mesmo lugar do editor em seu trabalho histrico de for-mao de objetos e de prticas de leitura" (p. 54). Nessa tica, obOln texto para Ieitul'l C:111sala de aula aquele que exige a presen-a de outros textos ou outras fontes que auxiliem na soluo dosproblemas apresentados para sua leitura. Para isso a mediao seinicia antes da entrada do texto na sala de aula, quando o profes-sor deve envolver-se na busca de oferta de outros textos que semostrem necessrios durante a atividade de leitura.

    A tese subjacente ao livro PrtiClls de leitura e elementos para aatuaclo docente a de que o ensino nesse contexto deve conside-rar as relaes com a produo c distribuio social dos materiaisescritos, os nveis de lctramento e os conhecimentos necessriosdo leitor para lidar com esses materiais. Tem-se, com efeito, deuma obra quc oferece subsdios importantes para a atuao doprofessor no ensino fundamental c mdio.

    Introduzindo o tema

    A leitura uma prtica social escolarizada, isto , numa so-ciedade como a nossa, as pessoas consideram que un1a das fun-es da instituio escolar ensinar a ler. Porm, a leitura no uma prtica escolar: uma pessoa pode aprender a ler sem ter ido escola, ou, 111esmOquem tenha aprendido a ler na escola, podedesenvolver habilidades de leitura diferentes daq;lelas que a es-cola lhe apresentou, e ler textos pertencentes a gneros com osquais no teve contato em contexto escolar.

    Para pessoas que convivem en1 comunidades letradas (comu-nidades en1 que as pessoas realizam, eIn seu cotidiano, prticascom base no uso de materiais escritos), o contato com atividadesde leitura pode acontecer muito antes de sua vivncia no perodode escolarizao. A leitura de um texto, em voz alta, para uma pes-soa (criana ou no) que no sabe ler, um exemplo de contatocom a leitura que pode acontecer fora do ambiente escolar.

    Por sua vez, em comunidades no letradas (aquelas em queas relaes sociais se fundamentam em usos orais de linguagem),a relao com a escrita pode ser garantida, muitas vezes, apenasatravs da escola. Se, de modo geral, a escola a principal agn-cia de letramento numa sociedade complexa como a nossa, mui-tas vezes, ctn nossa mesma sociedade, ela representa a nica agn-cia de letramento, a nica possibilidade para determinadascomunidades de terem acesso aos bens sociais c culturais maisvalorizados socialmente numa sociedade letrada, aqueles cujaproduo se fundamenta na escrita. A noo de letramento (deque se pode obter mais informaes com a leitura dos textos deKleiman (1995) e Soares (2001)) , portanto, fundamental paraa discusso de questes relacionadas ao ensino da leitura.

  • 12 PK1ICAS DE LrITURA I:. I:.U:.MENTOS PARA A ATUAO DOC(N1l.~MERSON DF PIElRl

    Pensar no ensino da leitura na escola, ento, significa pensarnas relaes sociais envolvidas com a possibilidade de acesso escrita, que se mostra muito ITlais complexa quando pensarllosque nossa sociedade no se divide em comunidades letradas ecomunidades no letradas, mas se constitui de grupos sociaiscom diversos nveis de letramcnto, em razo da quantidade c dascaracteristicas do material escrito disponivel, e das funes que aescrita possui nas prticas cotidianas. Desse modo, no possi-vcl pensar em escola e leiturlI no singular, mas enl escolas c emleituras, pois necessrio considerar as diferentes relaes entre ainstituio escolar c a conlnidade em que ela se encontra, c,tarnhnl, as diferentes relaes que cada comunidade, e os gru-pos sociais que as constituem, estabelece com a escrita.

    Pensar no ensino da leitura na escola, portanto, significa pen-sar na distribuio social do escrito, isto , considerar que os nli.l-teriais escritos circulam na sociedade de modo desigual; conside-rar que, da mesma maneira como acontece COln a circulaosocial de delerminados produtos, a que nem todos na sociedadetm acesso, apenas uma minoria tem acesso aos produtos escri-tos mais valorizados socialmente.

    As prticas de leitura realizadas na escola podem responder demodos diferentes a essa realidade: podem contribuir para a desi-gualdade, em funo do valor dos materiais escritos disponibili-zados, ou dos tnodos como esses materiais sao oferecidos aos alu-nos; ou podem contribuir para diminuir essa desigualdade, aooferecer aos alunos a possibilidade de terem acesso aos materiaisescritos valorizados socialmente, e desenvolverem, com base nes-ses materiais, as prticas sociais consideradas legtimas em uma

    sociedade letrada.Mas o acesso ao escrito e s pr,ticas de leitura valorizadas so-

    cialmente no se constri apenas com uma melhor distribuiodos produtos escritos. Se assim fosse, os problemas com o ensinoda leitura em contexto escolar poderiam ser solucionados ape-nas com a soluo dos problenlas econmicos. O acesso ao mate-

    rial escrito necessrio, nlas no suficiente, para a formao deleitores na escola.

    Fez-se referncia anterionnenlc questo dos diversos nveisde letramento encontrados socialmente em flln~~;}oria complexi-dade de uma sociedade como a nossa, e das desigualdades econ'micas que essa sociedade apresenta. O nivel de letramento deter-minante para o sucesso ou no da relao do aluno COHl () texto naescola. necessrio considerar que alunos vindos de grupos com altonvel de letramento j chegam escola sabendo manusear o mate-rial escrto com que c:scllvulvcro :sua:,:alividi:lde.s em .sala de aula.

    Para alunos vindos de comunidades no letradas, cujas prti-cas sociais se baseiam na oralidade, o contato com o l11aterial es-crito algo que precisa ser construdo em contexto escolar: aesj naturalizadas para os que viven1 em comunidades altaulenlcletradas, como saber manusear unllivro ou um jornal, por exem-plo, conhecer as organizaes internas desses materiais (como sa-ber qual a funo do ndice em um livro), e as funes que possuem(em que consiste um editorial?), podem ser obstculos intranspo-nveis para alunos de comunidades no letradas, caso se parta doprincpio, na escola, de que o aluno j chega aos bancos escolaresconhecendo esses materiais e as prticas que envolvem.

    A situao se complica quando nos lembramos dos diversosniveis de letramento existentes socialmente. A entrada do texto naescola e as atividades de leitura que sero desenvolvidas com eleem sala de aula pedem que o processo de escolarizao desse texto- sua escolha para ser usado como material de ensino de leitura-,seja feito levando-se em conta as possibilidades de leitura do alu-no. A escolha do texto exige, portanto, que o professor conheaquem o aluno que se encontra ali, a sua frente, na sala de aula. Aescolha dos textos a serem lidos numa aula de leitura no pode serfeita antes de se saber quais so os conhecimentos que o aluno trazpara o interior da escola. um contras senso, desse modo, esta-belecer antes du incio ou ano letivo os textos a serem lidos nas

    aulas de leitura.

  • 14 PRTICAS O[ LEIIURA [ fi rMrNTOS PAr~AA ATUAO DOCENTE. MERSON DE PI[lRI 15

    Coloca-se eIll questo, portanto, os nlodos como os textosso apropriados didaticamente, as atuaes realizadas sobre ostextos no processo de elaborao dos materiais didticos.

    Se necessrio conhecer os alunos para que sejam escolhidosos textos a serenllidos em sala de aula) uma primeira relao a serdiscutida aquela que se estabelece entre o professor e o livro di-dtico. Esse material apresenta ao professor uma coletnea de tex-tos preestabelecida, elaborada por algum que no conhece osalunos a quem os textos escolhidos se destinam. Nesse contexto,que usos podem ser feitos dos textos assim disponibilizados, paraminimizar os problemas decorrentes de seu modo de produo?Como realizar prticas de leitura interessantes com base nos re-cursos oferecidos pelo livro didtico?

    Essas questes se relacionam ao papel desempenhado peloprofessor em seu trabalho em sala de aula. O livro didtico sedu-tor, nas condies em que o ensino se encontra atualmente, pelofato de que disponibiliza o material escrito, e apresenta atividadescom base nesse material de modo a organizar o tempo da sala deaula. Se essa organizao, metodologicamente, f.1cilitadora, tam-bm ela quem retira do professor a autoridade sobre seu prpriotrabalho: a autoria sobre as aes realizadas em sala de aula per-tence principalmente ao autor do livro didtico. Questionar o pa-pel desempenhado pelo professor em seu trabalho significa ques-tionar a responsabilidade que de assume nas decises sobre queprticas realizar em sala de aula. Em relao ao ensino da leitura,essa responsabilidade diz respeito aos modos como o professorpromove a mediao entre leitor e texto.

    Nesse sentido, o objetivo deste livro no oferecer receitas so-bre como desenvolver aulas de leitura na escola, mas o de pr emdiscusso aspectos que envolvem as prticas de leitura em socie-dades letradas como a nossa, e as maneiras c.omo essas prticas serelacionam com aquelas desenvolvidas na escola. Espera-se queas discusses realizadas contribuam para o desenvolvimento doensino da leitura em contexto escolar.

    As pnlit:a~ue leitura sero considerau(ls IIcste trabalho se-gundo duas perspectivas tericas distintas. Pretende-se, com aaproxirnao dcssas duas perspectivas, evidenciar aspectos queuma e outra) sozinhas, talvez no eviucllciassenl. O objetivo oferecer mais instrumentos para o trabalho com a leitura enlsala de aula.

  • CAPTULO 1

    Dois modos de considerar arelao leitor-texto

    Nas consideraes fcitas na Apresentao, tratou--se do ensi-no da leitura na escola em funo de suas relaes com a produ-o e distribuio social do material escrito e com os nveis deletramento e os conhecimentos que o leitor telll Oll precisa terpara lidar adequadamente com esse material. A abordagem darelao leitor-texto se fez, desse modo, considerando-se os doistermos que constituem essa relao, segundo concepes de lei-tura distintas.

    Quando a relao leitor-texto foi observada enfatizando-se seuprimeiro lenno, istu , U leitor,

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    informaes recebidas, o leitor pode elaborar um quadro doque est sendo descrito. Nomes (substantivos e adjetivos) po-dem exercer papel central na construo desse tpo de texto.

    Nos ltimos anos, noo de tipo de texto veo se sobrepor anoo de gmros de disClIrso,que leva em considerao os usos delinguagem em relao aos contextos sociais em que so produzi-dos e, em funo das caractersticas do contexto, as estruturaesparticulares que assumem. So as caractersticas particulares des-sas estruturaes que possibilitam reconhecer determinado gne-ro como senrln 11m di~lneo, Ilm::l C::lrt::l, 11m::! nntc:i::l, 11m

  • 22 Pr~IICAS DE LElTU1{A l LlI:.MENTOS PARA A ATUAO DOCENTE EMfRSON Df PlfTRI 23

    trabalho com a elaborao de hipteses e a interal"o dos conhe-cimentos lingusticos, textuais c de mundo, para a construo dosenlido do texto, uma atividade que percorre todo o processo deleitura. Essa interao de conhecimentos possibilita que o alode ler no se realize como um processo de decodificao palavra apalavra, letra a letra: durante a leitura, os olhos no percorremlinear e continuamente as marcas no papel, mas realizam sacadasque recobrem partes maiores das marcas no papel. 1\ possibilida-de de uma leitura gil garantida pela interao entre os conheci-mentos prvios e, com base neles, por aquilo que o leitor antecipa,durante a leitura, sobre o que ser informado a seguir. Caso con-trrio, ler seria uma atividade ITIuito demorada c cansativa.

    Notamos mais nitidanlente esse processo quando, num dc-tenninado 111umenlo da leitura, lemos de parar e voltar paraverificar se o que estamos compreendendo est de acordo com oque foi lido: interrompemos e retomamos a leitura j realizada,porque uma das hipteses que elaboramos durante o processoda leitura no se confirnl0u e colocou em risco a compreensodo sentido do texto. Precisamos ento testar novamente a hip-tese que haviamos estabelecido e permanecer com ela, caso ela seconfirme, ou) se ela se mostrar equivocada, elaborar outra) quepermita compreender coerentemente o sentido do texto lido.

    A elaborao e testagem de hipteses n"o se fazem, portanto,de modo aleatrio. A relao entre as informaes contidas notexto e os conhecimentos prvios pertencentes ao leitor no podese fazer de modo desordenado, pois o objetivo da leitura cons-truir um significado coerente para o texto. Para que a relao lei-tor-texto se estabelea de modo satisfatrio preciso que o textoapresente uma boa organizao interna - que nu apresente pro-blemas de coeso e coerncia, por exemplo - e que o leitor estabe-lea objetivos para sua leitura a fim de, com base neles, construiras estratgias que permitiro elaborar e testar adequadamente ashipteses.

    Esses procedinlentos caracterizam unlleitor proficiente, que aquele que consegue estabelecer objetivos de leitura e construir

    estratgias para a elaborao e testagon ne hipteses. Percebe-se,portanto, que ler no se caracteriza como llll1a atitude passiva;ao contnrio: ler solucionar continuanlcnte um conjunto deproblemas que vo senc!o "I're,enlac!os pelo texto. O leitor pro-ficiente aquele que consegue prever quais os obstculos que otexlo lhe apresentar, para super-los com mais facilidade; oleitor proficiente tambm aquele que, diante de um obst,ClJlono transposto, procura no prprio texto, ou em outras fontesde informao - que podem ser outros textos -, auxilio paracompreender a pass~gem que apresentou problemas de Iuais di-fcil soluo para a leitura.

    Essa colJcepo de leitura desfaz a imagem do alo de ler comoum processo passivo, de decodificao de informaes, que tantomais bem-realizado quanto lllellOS problemas de compreenso oleitor tiver em rdao ao texto. A imagem de que o bom leitor aquele que l o texto de uma s vez, sem hesitaes ou interrupes,e rapidamente, sem dificuldades, uma falsa imagem, que pode le-var a inadequaes nas atividades de ensino de leitura. A atividadede leitura exige muito trabalho, e o prazer da leitura se origina daspossibilidades de realizar esse trabalho. Essas possibilidades soconstnldas - no nascemos com elas, mas as adquirinl0s e desen-volvemos - e podem ser aperfeioadas continuamente.

    2. A produo do texto e a distribuio social da leitura

    Um dos conhecimentos prvios necessrios realizao sa-tisfatria da atividade de leitura se refere s diferentes caracters-ticas materiais dos textos que encontramos na sociedade. Porexemplo: a llunlerao de pginas; a existncia de um ndice quese fundamenta nesta numerao; a disposio de notas ao finalda pgina ou de partes maiores do texto, como o captulo, sorecursos que podem ou no ser utilizados em funo do tipo desuporte em que se encontra o texto (um livro; um jornal; a telado computador etc.). Mesmo a noo de captulo, ou a noo depargrafo, organizadoras do texto, so caractersticas produzi-

  • PRrlCAS D[ lEITUI{A lo.ElfM(NTOS PARA A ATUAO DOC!:.NTE MmSON Df PIEml 25

    das n pnrtir do desenvolvimento de novos recursos de impresso,ou seja, esto relacionados s possibilidades materiais deproduo dos textos.

    As caractersticas nlateriais, enl nossa tradio ocidentaL mui-tas vezes ficam relegadas a segundo plano, em favor dos aspectosrelativos ao sentido do texto e inteno do autor. Esquecemosque, para compreender satisfatoriamente Ull1 texto, precisamos nosreportar ao seu suporte, isto , base material do texto impresso.

    A leitura de um texto de jornal, por exemplo, um tipo dekiturd que pode remeter a caractersticas prprias a esse suportepara que o sentido do texto seja construdo satisfatoriamente:quando lemos numa notcia a informao sobre"um acidente ocor-rido ontem de manh", ll11litas vezes apenas podenl0s saber a quedata faz referncia a palavra ontem" se observarmos, no alto dapgina do jornal, a data ali impressa.

    O conhecimento da~(araclerblicas m.ateriais da produo dotexto algo construdo historicamente e, por isso) no natural, um conhecimento aprendido. A escola muitas vezes se esquece destefato e considera que o aluno que sabe ler - que alfabetizado - jsabe ler qualquer texto e sabe manusear qualquer suporte.

    A no ser que o aluno aprenda em sua casa como se manuseiaum suporte como o do jornal escrito, por exemplo, ele chegar escola sem saber como fazer uso desse material, e cabe escolatransmitir para esse aluno um conhecimento desse tipo. Comoreferido anteriormente, a escola recebe alunos com diferentes n-veis de letramento e, para no ser excludente, ela no pode des-considerar essas diferenas sob pena de esperar os mesmos conhe-cimentos prvios de alunos provindos de grupos sociais altamenteletrados e de alunos provindos de comunidades tipicamente orais.

    Como aponta Chartier (2002) - em que se fundamentaro asconsideraes realizadas a seguir -, a relao do texto com seu su-porte se constri historicamente e responsvel pelos modos comoconcebemos a produo escrita, sua edio, publicao e os agen-tes envolvidos nesse processo: principalmente o autor, o editor e oleitor. Na cultura impressa, se estabeleceram relaes prprias

    entre tipos de objetos, categorias de textos e formas de leituras.Essas relaes provm de trs inovaes fundamentais: a inven-o do cdex - texto manuscrito enl um tipo de suporte sen1e-Ih"nte ao livro moderno - nos sculos 11e I V (suporte que subs-titui um outro, o rolo); o surgimento do livro unitrio (livro deum nico autor, escrito em lngua vulgar (sculos XIV e XV; ea inveno da imprensa (sculo XV).

    Antes da inveno da imprensa, a produo e reproduo dotexto escrito estavam submetidas s vicissitudes do manuscrito c precariedade dos materiais utilizados paril sua realizao. A repro-duo dos textos e mesmo sua permanncia dependiam do traba-lho dos copistas, que garantiam que o texto continmsse existindoen1 sua luta contra a deteriorao do suporte. (Na bra O nome darosa, de Umberto Eco, encontra-se uma representao do trabalhorealizado pelos copistas na Idade Mdia)

    Se as coneJies de produo do escritu eram ~reGrias,as (uu-dies de sua reproduo tambm colocavam inmeros obstcu-los para a permanncia do texto. Muitos fatores influenciavam notrabalho de reproduo do texto escrito: desde as condies deiluminao em que o trabalho do copista se realizava; as condi-es em que se encontrava o texto a partir do qual a cpia seriafeita; os conhecimentos de escrita que o copista possua; at ascrenas do copista e o que ele julgava de acordo com os parme-tros morais de sua poca ou de sua religio.

    Desse modo, um grande nmero de fatores atuava sobre a pro-duo e a reproduo do texto escrito, o que impossibilitava atri-buir os sentidos do texto a um determinado sujeito que o teriaproduzido originalmente. No havia, ento, a figura do autor comons a conhecemos hoje: aquele a quem se atribui a produo dotexto e os sentidos que orientaram sua elaborao; aquele que con-lere uma imagem de unidade, que permite atribuir caractersticasa uma determinada obra; aquele que, dados esses fatores, quemtem direitos e responsabilidades pelas ideias contidas no textoque se apresenta como de sua autoria. A inveno da imprensapossibilitou a existncia das condies necessrias para a consti-tuio da noo de autoria.

  • 26 PRTICAS UI:: U:IIURA E ElEMENTOS PARA A AIUAAO OOGNH Mf:.RSON DE PIETRI 27

    A inveno da imprensa e o processode mediao editorial

    A inveno da imprensa no sculo XV tornou vivel a pro-duo do livro em quantidades desconhecidas at ento. A pos-sibilidade de reproduzir um mesmo texto inmeras vezes, demodo l11:uilO mais npido. conferiu unidade textual uma esta-bilidade diferente daquela que possua na poca do manuscrito.Porm, a noo de unidade de uma obra e sua atribuio figurade um autor ainda no estavam consolidados nos primeiros teol-pos da imprensa.

    No incio, o editor possua papel decisivo em relao ao for-mato final do texto, realizando alteraes na sua organizao deacordo com o que acreditava ser a melhor escrita, tanto em rela-o a aspectos formais quanto em relao aos sentidos do texto.Suas intervenes eraITI feitas com base eOl suas concepes uuque seria a boa linguagem; na imagem que tinha do leitor (suascompetncias de leitura); e com base nos recursos tcnicos quepossua e nos custos das obras a serem produzidas. Nessas condi-es, o produtor do texto - o escritor - no tinha controle sobre aforma como seu texto seria publicado.

    A viabilidade econmica do trabalho dos editores exigia delesa elaborao de produtos acessveis a pblicos mais amplos. Issosignificava editar e publicar livros no apenas para os que pos-suam recursos financeiros e formao suficiente para adquirirobras mais sofisticadas do ponto de vista material e intelectual,mas tanlbm para os que no possuam esses recursos. Um exem-plo de publicao que procurava atender pblicos com menos re-cursos, na Frana, entre os sculos XVI e XVII, foi a chamada Bi-blioteca Azul, que ganhou esse nome devido capa dos livrosserem feitas em papel azul. O que caracterizava essa Bibliotecaera a baixa qualidade do material utilizado em sua fabricao, oque garantia um preo menor ao produto final, tornando-o aces-svel a um pblico mais amplo.

    Alm da ljualidade do material c seu baixo custo, caracteri-zam essas publicaes tambm os modos como eram escolhidosos textos que compunham seus exemplares. Os textos que com-punham a Biblioteca Azul eram retirados do repertrio de tex-tos j publicados e eram escolhidos em funo do que os editoresimaginavam ser as competncias c expectativas da clientela quepretendiam atingir.

    O critrio para a escolha dos textos se fundamentava no agru-pamento segundo determinado gnero (novelas de cavalaria, porexemplo), determinadas prticas (coleo de receitas; cartilhasetc), ou ainda segundo determinadas temticas. Esse procedimentogarantia ao leitor uma orientao de leitura.

    Os editores no tinham a preocupao de c;llir ao textopublicado uma unitlade ou unI acabamento formal mais cuida-doso. Ao contrrio) eram livros feitos rapidamente, o que muitasvezes comprometia a coerncia dos textos que os compunham.Com o objetivo de tornar a leitura mais fcil, as intervenes edi-toriais aUI11entavam o nmero de captulos Cde par:.grafos exis-tentes no texto original; encurtavam os textos, eliminando partesconsideradas inteis; alteravaOl passagens consideradas sinlatica-mente muito complexas.

    A figura do editor assume, portanto, papel fundamental naconstituio de comunidades de leitores e prticas de leituras. Omanuseio de um objeto como o livro exige conhecimentos e habi-lidades que se constituram historicamente. O editor foi em gran-de parte o responsvel pela construo desses conhecimentos ehabilidades, uma vez que precisou formar o pblico que compra-ria seus produtos e, ao mesmo tempo, fornecer-lhe produtos aces-siveis. , portanto, um processo complexo, lento e gradual.

    Resultado desse processo histrico, o livro, como o conhece-mos hoje, possibilita prticas impensveis antes da inveno daimprensa c de sua evoluo tcnica. A leitura do texto no rolo, ouno pergaminho, exigia que as duas mos estivessem ocupadas emsegurar o suporte do texto durante a leitura. Eram impraticveisrecursos de leitura comuns atualnlent~ como fazer anotaes nas

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    28 PRnCAS DE UIIUHA E HEMENIOS PARA A ATUAAO DOCENTEtMERSON DE PIETRI 29

    margens da pgina; indicar destaques ao longo do texto (comoos sublinhados); deixar dobras de indicao no canLo das folhas.No existiam recursos de localizao, como nmeros de pginase ndice; no havia textos de apresentao e direcionamento daleitura na contracapa ou nas orelhas dos livros etc.

    Resultado desse processo histrico tambm a constituioda noo de autoria. Quando as bases ,,,"[criai, de produo dotexto impresso se estabilizam, quando o objeto livro tem seus for-matos estabelecidos, diminui o poder do editor em intervir sobre" fUIlII" fi""l dos textos. A responsabilidade pelas ideas presen-tes numa determinada obra passa a ser ento daquele que o es-creveu: seu autor.

    A inveno do texto eletrnico e as rupturasna ordem do impresso

    Se a inveno da imprensa, no sculo XV, possihilitou urnarevoluo em relao aos modos corno nos relacionamos com ostextos escritos} outra revoluo nas prticas de leitura teria acon-tecido, no sculo XX, com a inveno do texto eletrnico, lido numnovo suporte: a tela do computador. O texto eletrnico introdu-ziu mudanas c rupturas nos modos como produzimos e lemostextos na cultura impressa.

    A produo e a leitura do texto eletrnico se caracterizam pelapossibilidade da no linediidilde e pela fragrncnrariedade, ouseja, pelas possibilidades que o texto eletrnico oferece para oleitor de, com um simples clique num determinado lugar da p-gina que est sendo observada na tela do computador, ou doprprio texto que est sendo lido na tela, acessar uma outra p-gina} Ul11outro texto, sem que a leitura do prinleiro texto tivcsscsido realizada na ntegra. Essa mudana nas relaes entre textoe leitor promove algumas rupturas nas maneiras corno compre-endemos a relao com os textos na cultura impressa.

    A produo de sentidos pode se fazer, na textualidade eletr-nica, de modo diverso ao que se faz na cultura impressa. A busca

    pelo sentido do texto, pela inteno do alltor de determinadaobra, pode no ser o objetivo principal que esteja a direcionar aleitura do texto eletrnico. O leitor pode construir sentidos emseu trabalho de leitura acessando os mais diversos textos, de acor-do com o interesse que possui em determinado momento da lei-tura, e em funo das possibilidades de acesso a outros textosoferecidos pelo texto que est sendo lido.

    Isso possvel, pois o texto eletrnico se caracteriza pelo papelcentral que nele ocupa a /zipertextualidade, isto : o leitor do textoeletrnico trabalha com a expectativa de que haver links paraoutros textos, e sabe que esses links lhe oferecem possibilidades deescolhas durante a leitura. O leitor do texto eletrnico sabe queno precisa seguir um padro de leitura linear, preestabelecido,como se espera geralmente da leitura do texto impresso.

    A leitura do texto eletrnico se caracteriza pelas diversas or-dens possveis de acesso aos textos e, desse modo, pelo dcsccntra-menta e pela impossibilidade de prever quais os sentidos constru-dos pelo leitor durante a leitura: no possvel prever quais links oleitor acessar durante sua leitura, nem mesmo se ele retornar,aps acessar um novo texto, leitura do texto que lia antes deacessar o /ziperlink. Assim, dois leitores podem realizar percursosdistintos de leitura, ainda que tenham partido de um mesmo texto.

    Alm disso, a textualidade eletrnica tambm se caracteri-za pela abundncia da oferta textual. Essa enorme disponibili-zao de textos apresenta desafios para a garantia da identifica-o das obras com base em sua estabilidade, singularidade eoriginalidade e para a manuteno do regime de propriedadeque protege os direitos dos autores e editures. Pur exemplu, htextos disponibilizados em meio digital que no apresentamreferncias sobre suas fontes: no h referncias aos nomes dosautorCSj s edies a partir das quais foram reproduzidos; aoano de publicao. muito difcil, nesses casos, confiar na legi-tim idade do texto lido. Em casos mais extremos, h textosdisponibilizados e111meio digital aos quais se atribui falsa auto-ria. preciso, ento, que o leitor esteja atento em relao fidedignidade dos textos ofertados eletronicamente .

  • 30 PRATlC"~ Dr LEitURA E ELEMt:NrOS PAtM A ATUAO voei NT[EMERSON DE PlfTRI 31

    W'?:'b- _

    Nesse sentido, as novas possibilidades oferecidas pela textua-lidade eletrnica apresentam desafios em relao aos modos comose organizam o mundo dos livros c l produo da escrita nacultura inlpressa.

    Muitos desses desafios tm sido vencidos com a elaborao denovos recursos para a proteo dos direitos dos autores sobre seustextos e dos editores sobre suas publicaes, bem como para ga-rantir a legitimidade daquilo que publicado. Revistas cientficaspublicam artigos em sites da internet aps esses artigos terem sidoaprovados por seu corpo editorial e seus pareceristas. Uma revistaeletrnica, ou um jornal, que publiquem informaes em seus sitesna internet, por exemplo, podem restringir o acesso dos leitores asuas publicaes - apenas assinantes podem acessar determinadasreas, mediante a comprovao de suas identidades por interm-dio de senhas.

    Mesmo recursos existentes para a leitura de textos nprcssosl

    como a possibilidade de marcar passagens do texto, ou evidenciaralteraes realizadas em sua escrita, j so possveis com recursosdisponibilizados pelos recentes programas de edio de texto. Ouseja: as prticas de leitura produzidas na cultura impressa conti-nuam fundamentando nossas relaes com o texto mesmo aps arevoluo digital.

    Essa nova situao, porm, evidencia e permite que se colo-que em questo o processo pelo qual os diferentes agentes envol-vidos com a publicao do sf'ntido ;:I.OS textos que transmitem,imprimem e leem. Permite que se coloque em evidncia a impor-tncia do suporte para a construo do significado dos textos.

    Apresenta-se, ento, a possibilidade de se colocar contraria-mente desmaterializao dos textos, desmaterializao resultan-te da dissociao, no Ocidente, entre condies - tcnicas e 1113-tcriais - de produ\~o dos suportes c os textos que transmitem.

    Como aponta Chartier (1996), a inveno da imprensa, umagrande revoluo tcnica que alterou as possibilidades materiaisde produo da escrita, paradoxalnlcnte aumentou a fora) na cul-tura ocidental, da Oposio entre a pureza da ideia e sua corrup-

    o pela matria. A reproduo indefinida de um mesmo texto,viabilizada pelas tcnicas de impresso, tornou invisvel o traba-lho realizado por diversos agentes para sua produo. A forma fi-nal, editada e publicada, apaga o trabalho do prprio autor, suasescritas c reescritas, suas hesitaes e reelaboracs, at que consi-dere ler um texto publicvel.

    Essa estabilidade que o texto impresso aparenta ter contribuiupara construir a imagcm de que o texto, senlprc idntico a si mes-mu, seja qual for seu suporte, seria a forma pronta e acahada dasideias de um determinado autor. Alm disso, possibilitou a in-veno do copyrigltt, que estabelece a propriedade do autor so-bre scu texto, o que Icvou a se apreciar as obras em relao ao seucontedo, desconsiderando-se as formas particulares e sucessi-vas que tiveranl at atingirem sua verso impressa e publicada.

    Essa "desmaterializao textual'; que se produziu nu Ocidentecom o advento da imprensa, regula tradicionalmente o trabalhocom o texto enl sala de aula. A leitura de textos na escola tem comoohjetivo, nessa tradio, a busca de um sentido nico, aquele queteria sido determinado pelo autor, e a tentativa de controle dessesentido. A atuao sohre o texto se faz, assim, de modo a no atin-gi-Ia em sua concretude, em sua materialidade, o que confere leitura escolar um princpio de superficializao.

    Considerar a materialidade dos textos pede que se encontremquais foram as diferentes decises e intervenes que lhes deramsuas diferentes formas materiais. Determinada condio materialem que um texto dado a ler pode produzir sentidos que noseriam produzidos em outras condies, pois a atuao sobre amaterialidade textual pode, por exemplo, recortar de diferentesmaneiras um determinado texto; ou pode promover Sua aproxi-mao de determinados textos e no eleoutros. Em consequncia,diferentes relaes intertextuais podem ser produzidas. ( im-portante lembrar que a leitura de um texto sempre modificadapela leitura de outros textos)

    Os modos como o ensino da leitura se faz nas atividades apre-sentadas no livro didtico, por exemplo, mostram que as inter-

    1

  • 32 PRTICAS DF LEITURA [H[MENtoS PARA A AIUAO DOCENTE

    venes sobre a materialidade textual exercem um papel n.1l1da-mental na didatiza"o da leitura em contexto de ensino.

    O questionamento da dissociao entre a ideia e os meios desua realizao material, e das mediaes a que o texto submetidoem sua produo e circulao, oferece novas possibilidades paraas consideraes sobre a entrada do texto na sala de aula e para otrabalho de ensino/aprendizagem de leitura na escola.

    CAPTULO 2

    Os materiais didticos e as prticasde leitura na escola

    No captulo anterior foram discutidas algumas questes re-ferentes ao ensino de leitura na escola e apresentadas duas dife-rentes concepes de leitura. O objetivo neste momento obser-var, lendo COI110 fundamentao essas duas concepes, como otexto entra na escola para compor materiais didticos.

    Como discutido, a leitura no uma prtica escolar, mas umaprtica escolarizada. As prticas de leitura podem se desenvolverindependentemente da escola, ainda que a escola seja, numa so-ciedade como a nossa, a principal instituio responsvel pelo seuensino.

    A mesn1a relao entre prticas escolares e prticas escolariza-das alua sobre o material de leitura. Os textos que entram na salade aula, em sua grande maioria, no so textos produzidos paraserem lidos na escola, para fundamentarem atividades de ensinode leitura. Machado de Assis no escreveu Mem6rias P6stumas delinls Cubas para que fosse lido no Ensino Mdio a fim de atenJela questes de vestibular. Os textos, literrios ou no, ao entraremem sala de aula, passam por um processo de apropriao didtica.Isso significa que eles so lidos na escola de modos diferentes decomo so lidos fora da escola.

    Essa diferena resultante dos objetivos especficos da leituraque so estabelecidos em contexto escolar, mas tambm em funodas condies em que a leitura do texto se realiza na instituioescolar tal como esta se organiza em nossa sociedade: o currcu-lo; as disciplinas; os programas; o nmero de aulas e de alunosem sala de aula; e a diviso do trabalho em funo desses fatores e

  • 34 PRTICAS DI:. U:t1UIV\ E FlME.NIOS PARA A ATlJA(O DOCi:.NTEMERSON DE PIETRI 35

    das condies sociais c econmicas do contexto em que a unida-

    de escolar se encontra.A entrada do texto na escula fcita, portanto, de acordo com

    essa organizao e COI11 os objetivos escolares de leitura e em fun-o das condies de ensino c de vida das pessoas envolvidas nessecontexto: as condies materiais en1 que vivem alunos e professo-res; a formao do professor; o nvel de letramento do aluno, doprofessor e dos grupos sociais a que pertencem etc.

    Todos esses fatores esto envolvirlos C0l11 a concepo de lei-tura que se encontra na escola e com a imagem das pessoas queparticipam das atividades relacionadas ao ensino da leitura, prin-cipahncnte a iInagcm do professor e do aluno. As instnci.ls ofi-ciais e os elaboradores de material didtico assumem papel funda-mentai na construo dessas imagens) no desenvolvimento dasrelaes que se estabelecem em sala de aula entre professor e alu-nos, c nas decises sobre o qu, quando, C01110 e por qu ensinar.

    Os documentos oficiais atuam mais diretamente no estabele-cimento dos contedos e dos objetivos do ensinu (o qu e por quensinar), ao passo que os elaboradores de material didtico atuammais diretamente sobre a organizao dos contedos ao longo doano letivo, e sobre os modos de realizar as atividades para o ensinode determinado contedo (quando e como ensinar). Os materiaisdidticos realizam, portanto, a mediao entre o que estabeleci-do oficialmente como contedo programtico para determinadadisciplina, e as atividades a serem realizadas em sala de aula.

    Viemos tratando da elaborao de materiais didticos sem es-pecificar quem so os responsveis por sua realizao. Entre osresponsveis, esto, principaln1ente, o professor) o autor e o editorde )TI

  • observar que intervenes sno realizadas nos textos para que pas-sem a compor um novo objeto, o livro didtico.

    A apropriao do texto pelo livro didtico feita em funotias caractersticas desse suporte; de seus objetivos; de seus leitores(nesse caso, principalmente o professor e o aluno). O autor dolivro didtico se orienta por esses fatores para produzir esse mate-rial. A escolha dos textos precisa se pautar nas capacidades de lei-tura que se suponha ter o aluno e nas capacidades que se pretendaque ele venha a tcr. Alm disso, essa escolha e as atividades a seremrealizadas em sala de aula com base no texto escolhido precisamser didaticamente satisfatrias. o que significa no apenas levar oaluno aprendizagem, mas tambm organizar as atividades deacordo com o espao e o tempo da sala de aula.

    Como o professor quem escolhe o livro didtico a ser usadocom suas turmas durante determinado perodo letivo, o livro pre-cisa atender s necessidades desse profissional e se adequar a suaformao, a suas concepes de el1Sino/aprendizagem, expecta-tiva que possui em relao a seus alunos e s condies de seutrabalho.

    Alm disso, preciso que o livro didtico seja economicamen-te vivel, isto . que se apresente como um produto satisfatriopara os interesses de seu pblico-leitor, a um custo acessvel a essepblico. As editoras no se arriscariam a colocar um livro didticono mercado caso no fossem satisfeitos esses requisitos.

    Ou seja: a mediao editorial fator decisivo para a elabora-o do livro didtico, e interfere dirctamente no trabalho do autorJe:-;~e lllalerial, que precisa agradar no apenas ao professor, que qucm escolhe o livro didtico, mas tambm ao editor, que noquer ter prejuzo.

    no interior dessa relaao de mediao exercida na elabora-o do livro didtico que sero observadas as estratgias de apro-priao dos textos que entranl para compor esse nlateriat beJllcomo as atuaes sobre a forma desses textos e as atividades deleitura propostas a partir deles.

    Uma organiza\~o comUTll aos livros didticos a diviso etnunidades temticas. As unidades geralmente se iniciam com a apre-sentao de unl texto para lcilura e, com base nesse texto, outrasatividades so propostas, tais como atividades de discusso sobrea temtica apresentada; o trabalho com a produo escrita; a apre-sentao de conceitos gramaticais a serem ensinados naquelemomento etc.

    l\1uitas vezes, no so dados a ler, ne~~e~materi

  • I'38 Pf{TICAS Df lEtlURA r ElEMENTOS PARA fi ATUAO DOCfNTE MERSON DE. PIElRI 39

    pouco proficiente. O textu, lal ConlO apresentado no livro did-ti~o, exige geralmente o trabalho com esquemas, segundo o sig-llIficaclo que se atnbmu a esse termo no captulo 1) isto : n (0-nhc~i:nento estruturauo soore determinados eventos de quepartICipamos numa sociedade.

    Passagen.s que faam referncia a questes histricas, porexcmpl.o, eXlgenl uma leitura nlais elaborada do texto, pois oconhecllllento dos fatos histricos referidos precisa ser ativadoou adquirido, para que a leitura se realize satisfatoriamente. Iss~pode_ exig,ir UIll Lrabalho de pesquisa, caso essas informaes ain-da nao sejam conhecidas pelos leitores do texto. Em situa\.iio desala de aula, ou o professor ou os alunos precisariam ter ou hus-car as informaes necessrias a fim de que a compreenso dotexto se realizasse satisfatoriamente.

    Desse modo, possivel afirmar que a escolha e/ou o recortedos tex~os que compem livros didticos se fazem, em geral, com~ obJetIVOde facilitar o trabalho de leitura, o que superficializa aII1terpretao dos textos.

    Considerando-se as atuaes que se realizam sobre o texto, noprocesso de apropriao did,tica, pode-se afirmar que o texto aser lido em sala de aula um novo texto, muito distante do textoque lhe deu origem. Esse distanciamento pode acontecer pelad:scontextuallzao por que passa o texto em relao s condi-oes de sua produo, o que inclui o distanciamento em relao aO,raa que pertence; ou pela apresentao de um recorte que su-pnme caracteristicas que o autor conferiu ao texto que produziu.

    controverso, nesse sentido, afirmar que o fragmento lido emum livro didtico seja o texto produzido por um d~terminado au-tor. ? texto original muito diferente do fragmento que aparecena pagma d~ hvro didtico, ainda que este seja produzido a partirdaquelc, pOIS, dentre outros fatores, ronlpe-se com a forma origi-nai que o autor conferiu totalidade de seu texto.. Nessas condies, necessrio questionar quc concepo de

    le'tur~ fu~d~,~,enta o tratamento conferido ao texto em sua apro-pnaao d,datICa e que formao ter o aluno, enquanto leitor, a

    ;

    partir da leitura de Ull1 texto com as caractersticas que assumeem sua impresso no livro didtico.

    Como referido, a atuao sobre os te..xtos, em sua apropriaodidtica, com objetivos de facilitao da leitura, muitas vezes rea-lizada com a supresso de passagens que exigem a ativao de umconhecimento prvio especfico, em favor do trabalho com conhe-ciInentos prvios organizados ctn esquemas. Com isso, evita-se otrabalho com a intertextualidade, uma vez que suprimida deter-minada passagem do texto que poderia levar procura de infor-macs CD1 outros textos. Devido a trahalhar com cSqUCttW5 deconhecimento comum, a leitura do texto pode se fazer ininter-ruptanlente, sem questionamentos ou pausas para reflexo oudvidas, () 'Iue, se supostamente facilita o trabalho de compreen-so, prejudica o trabalho de interpretao.

    A facilitao da leitura, tal como a proporcionada pelos frag-mentos de textos, em nada contribui para ttue o aluno, leitor eUlformao, se constitua em leitor proficiente. Um leitor proficientesabe que, ao se deparar com uma dificuldade imposta pela leitura,no deve deixar o texto considerando-se incapaz de realizar suaatividade de leitor. Ao contrrio, o leitor proficiente sabe que ler solucionar um conjunto de problemas '-Iue o texto oferece parasua compreenso e interpretao. E sabe tambm que o prpriotexto pode contribuir para solucionar os problemas que lhe soapresentados, o que significa que a continuidade da leitura podeajudar a elaborar hipteses que ajudam na compreensao daquiloque ainda no conhecido.

    O leitor proficiente procura em outras fontes as informaesque no possui e que o texto lhe exige. lJeixar o texto de lado, semt-lo lido na ntegra, e procurar outro texto que ajudar na conti-nuao da leitura daquele primeiro texto, uma prtica letrada,necessria para o processo de leitura. e a escola em geral no leva oaluno a se apropriar dessa prtica, no o leva a saber que elaexiste e necessria: constitutiva do ato de ler.

    A escola, na maioria das vezes, no ensina ao aluno C0l110 esta-belecer objetivos par" slla leitura de determinado texto, o que

  • -~,,-----------~,40

    P~ATlCAS OE lEITURA ~ nMENIOS PARA A ATUAO UOCENJ[MERSON DE PIETRJ 41

    impossibilita que se construa uma referncia para a elaborao everificao de hipteses, processo necessrio para a construo desentidos. A leitura geralmente concebida C0l110um processode decodificao, em que o leitor OCupaullllugar passivo frente aotexto. Porm, a fi.m

  • 2. A apropriao do texto pelo livro paradidtico

    Um material que precisa ser considerado quando so discuti-das questes relativas ao ensino da leitura na escola so os deno-minados livros paradidticos. O objetivo dessas publicaes o delevar o aluno a ter contato com determinados gneros (comopoesia, crnica, contos, ou nlesmo rOlllanccs), ou com a obra deUlll determinado autor.

    Como vimos no captulo anterior, essa unla caracterstica dacultura ocidental, caracterstica que se tornou possvel com ainveno da imprensa e com a ideia de estabilidade que se origi-nou da reproduo dos textos sempre iguais a si IllCSrnos.

    Paradoxalmente, se essa prtica de fragmentao se fundamen-ta na noo de que o texto representa as ideias de um determina-do autor, o recorte dos textos coloca em questo a prpria figurado autor, uma vez que este se caracteriza pela unidade de suaobra c pela responsabilidade que possui em relao a ela. Aorecortar o texto de UO} determinado autor, o livro didtico ron1-pe com a unidade da obra desse autor c, ao mesmo tempo, retiradele a responsabilidade por seu texto, uma vez que o texto repro-duzido no livro didtico sofreu alteraes que modificaram asformas c os sentidos que seu autor desejou produzir.

    O livro didtico, ao desconstruir a noo de autoria, rompecom a ordem em que nos encontramos como produtores c leito-res de textos em nossa sociedade. Se um dos objetivos da escola levar o aluno a se tornar um leitor proficiente e possibilitar queesse aluno faa parte das prticas de leitura valorizadas socialmente,apenas a leitura dos textos tais como se apresentam nos livros di-dticos pode impedir que o aluno entre ne."a ordem que rege aproduo da escrita e da leitura em nossa sociedade.

    Isso exige que o professor utilize outros materiais para prepa-far suas aulas: as alivicbrJes de enc:ino no podem ficar restritas ssugeridas pelo livro didtico.

    Dadas suas caractersticas, parece que os livros paradidti-cos - ao menos aCJueJe~ que so produzidos como coletneas detextos de autores consagrados - no se caracterizam, a princ-pio, pcla fragmentao c pela superficialidade tais como podemser encontradas em livros didticos.

    O livro paradidtico, tal como o livro didtico, tambm produzido segundo uma determinada imagem de leitor - o alu-no enl formao - e de acordo com as caractersticas do suportedo texto. Nesse caso, o objetivo levar ao aluno textos que sejamadequados a sua faixa etria, ou a sua capacidade enquanto lei-tor, c, ao mesmo tempo, garantir que a leitura dos textos, em seusuporte, seja realizada satisfatoriamente.

    Uma das estratgias para levar o alUDO a reconlecer a organi-zao de mTI suporte como o livro separar os te:x.1osque o com-pem segundo deternlinadas temticas. Elas, agrupadas, ajudamno apenas a organizar o interesse de leitura, aproximando textosque fazem referncias a assuntos em comum, mas tambm a orga-nizar as aes que o prprio suporte requer ao ser manuseado, oque exige saber que ele dividido em partes; que cada uma dessaspartes ocupa uma localizao determinada no suporte; que essalocalizao indicada pelos nmeros das pginas; que o ndice orecurso para encontrar a localizao do texto no suporte etc.

    Alm disso, um dos objetivos dos livros paradidticos acaracterizao da figura do autor, seja atravs da escolha e apre-sentao de seus textos em paralelo aos textos de outros autores,o que uma temtica em comum ajuda a evidenciar; sejaoferecendo informaes sobre o autor com base em dadosbiogrficos, trechos de entrevistas, caracteristicas das obras etc.

    Acompanham esses livros os suplementos de leitura, isto ,encartes que tm o objetivo de auxiliar o leitor em seu traba-lho. Esses suplementos revelam muitos dos objetivos que pos-sui esse tipo de publicao e as concepes de leitura em que sefunclan1enta.

    A observao das questes que compem esses suplementosde leitura mostra a preocupao em levar o leitor a perceber

    43M:RSON D~ PJE1Rr

    I!

    PRnCAS D[ lEITURA E ElEMfNTOS PARA A ATUAO DOCENTE42IIii

  • 44 PRTICAS f)r lEITURA l HlMI:NfOS PARA !I. ATUAO OOCrNTE MERSON DE PIETRI 4S

    como o prprio livro se organiza. pedido, por exemplo, que oaluno aponte quais so as temticas c qunS 0$ nomes dos autoresque compem o livro que acabou de ler.

    Para responder a eS~asquestes, suficicllte que o aluno ub-sCI~vea capa e as primeiras pginas do livro. Em geraL j na pr-pna capa ele encontra os nomes do(s) autor(es), e, a seguir, nasprimeiJas pginas, informaes sobre c1e(s). A prxima parte dolivro o ndice, em que o leHor se depara com os modos como seorganiza a publicao.

    Ou >eja:em geral, as questoes iniciais dos suplementos pedemdo leitor conhecimentos sobre o suporte. Mais do que isso: diri-gem a leitura de modo que o leitor perceba qual o percurso ne-cessrio para lidar adequadamente com um suporte como o livro.11 tarefa de quem responde s questes propostas simplesmentebuscar no local adequado as informaes que o suplemento pede.Mesmo as questes de compreenso, em que so requeridas infor-maes presentes nos textos lidos, exigem do leitor apenas a tarefade localizar essas informaes, caso no as tenba de memria emd_ete~minadas passagens dos textos. Muitas vezes, as prprias q~es-toes mfonnam para o leitor a pgina do livro em que se encontraa resposta pedida. Para responder a essas questes, portanto, bastasaber manusear o suporte, tarefa que o prprio suplemento ensi-na a real izar.. .o mesmo princpio encontrado em colees de livros para-

    dldatlcos, que, dadas "las caractersticas materiais, so dirigidaspara leitores que j possuam certas habilidades de leitura. Nessecaso, o objetivo parece no ser o de tornar o aluno unlieitor capazde manusear um tipo especfico de suporte, mas o de aperfeioaras babilidades de leitura que esse aluno j possui em relao aouso dos recursos que o suporte pode oferecer. O que caracterizacolees como essas o fato de que elas exigem determinadas ha-bilidades de manuseio do suporte, e levam o leitor a construirhabilidades mais sofisticadas.

    Assim, os volumes dessas colees se destinam geralmente aapresentar a obra de apenas nm autor - o que parece mostrar

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    IiI!

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    que essas edies partem do princpio de que o leitor j conhecea noo de autoria e sabe o que ela significa. Essas edies apre.sentam textos que sejam representativos da obra) c, ao mesmotempo, adequados s habilidades de leitura do leilor.

    Essas publicaes se caracterizam por apresentar informa-es explicativas consistentes sobre referncias de diversos tipos- histricas, geogrficas, culturais etc. -, de apoio leitura dostextos, ou mesmo interpretaes para os textos que compem acoletnea, fazendo para isso uso de e1ell1entos verbais e no ver-bais (como foto.:., figuras, l11apus etc.L alrn do uso de elemento,>hipertextuais, como as notas dispostas ao final de partes do livroou no rodap, ou as referncias que pedem ao leitor a leitura deoutros textos, por exemplo.

    Quando observamos questes apresentadas pelos suplemen-tos de leitura, nessas publicaes voltadas a phlicos com certaproficincia, notamos que a procura pelas respostas s questespropostas exige dos leitores habilidades com relao ao suporte(como, por exemplo, a de saber se orientar por indicaes hiper-textuais). O percurso a ser realizado pelo leitor para responder squestes consiste em que ele se dirija at o texto a que a questofaz referncia (e as questes do suplemento muitas vezes j infor-mam para o leitor a pgina do livro em

  • 46 PRl\TICAS llE lEllURA E: E:LEMI:NTOS PARA A ATUAO DOCENTEMl:RSON DI'. P'ETRI 47

    textualidade eletrnica, no refere algo que tenha se iniciadocom as possibilidades oferecidas pelo meio digital; as relaeshipertex(uais se constituranl na cultura inlprcssa e as notas derodap ou as referncias que remetem o leitor a outros textos soexemplos de sua existncia no meio impresso. Mais informaessobre o tema podem ser obtidas em Marcuschi & Xavier (2004).

    3. A mediao editorial e a didatizao da leitura

    Tanto em relao ao livro didtico) qUCllllu eIll rdaao aolivro paradidtico, percebe-se a relevncia que possui o suportepara a organizao das atividades de leitura, o que se refere tan-to escolha dos textos que cornpem esses materiais) quanto satuaes realizadas sobre esses textos. As atuaes so realizadasde modo a adequar os textos s imagens de leitor com que traba-lham os envolvidos na produo do material didtico, e para aconstruo do prprio leitor como algum que precisa ter deter-minadas habilidades de leitura para pod'lidar com um produtoespecfico da indstria editorial que o livro.

    Talvez a publicao de livros paradidticos, com as caracteris-ticas que foram apontadas acima, seja um indcio da necessidade,percebida pelos prprios produtores de materiais didticos, deoutros instrumentos para formar, na escola, determinadas habili-dades de leitura que no so construdas, na prpria escola, se otrabalho se restringe ao uso do livro didtico, com as caractersti-cas de fragmentao e superficializao que possui; ou fora da es-cola, se os alunos provm de comunidades com baixo nvel de !c-tramento.

    O que as observaes sobre os livros didticos e paradidticosmostranl que esses produtos guardam car~!Ctersticasdo proces-so de construo histrica do iivro em sua materialidade, e das[unes - COll10a funo do aUlor, por exen1plo -, que a impren-sa tornou possveis e que regulao1 nossas prti

  • -----,nado gnero textual; ou de determinada escola literria; Oll, maisraralnentc) de um determinado lema.

    Em funo dessas condies. os textos so escolhidos paraconstituir o material didtico segundo estratgias que envolvemrecortes e fragmentao, estratgias que nllJitas vezes levam descaracte-rizao do texto original, alterando seus sentidos. e,assim, desfazendo a noo de autoria que confere unidade obraa que pertence esse texto.

    Se essas caractersticas lembram muito a mediao editorialtal como realizada h quatro ou cinco sculos atrs, de algum modoelas tambm se aproximam bastante das mudanas que a comuni-cao eletrnica trouxe para os modos como produzimos e lemostextos nessa nova ordenl.

    Um dos efeitos produzidos pela cOJ11tlnicao eletrnica seriaa descontinuidade. A descontinuidade tornaria mais difcil a per-cepo da obra como obra: a leitura descontnua e fragmentadadiante da tela produziria a falta da percepo da identidade e dacoerncia da totalidade textual - principalmente em funo dascaractersticas relacionadas fragmentariedade produzida pelohipertexto com a disponibilizao de lil/ks.

    Alm disso, no mais seria possvel diferenciar os textos a par-tir de sua base material, como seu suporte, por exemplo, uma vezque os textos, de quaisquer tipos (narrao; descrio; relato ete.),de quaisquer gneros (romances; reportagens; notcias; poemasetc.), apareceriam sobre um mesmo suporte, a tela do computa-dor, e segundo as caractersticas prprias a esse suporte: se umromance) um conto ou lima reportagenl, se diferenciaol, na cultu-ra impressa. entre outros fatores, tambm em funo de seus su-portes, essas diferenas se desfazem na leitura realizada na tela docomputador, em que utilizamos. para a leitura desses trs gneros,recursos prprios a um nico suporte. Desse modo, desaparece-rianl critrios imediatos, visveis, materiais, que permitem ao lei-tor distinguir, classificar e hierarquizar os textos.

    Outra mudana que a textualidade eletrnica teria produzi-do seria referente atribuio de responsabilidade por determi-

    ~9tMI::RSON DE: PIETRr

    nado texto, isto , seria referente figura do autor. Na comuni-cao eletrnica, h a disponibilizao de textos sem que sejamreferidas suas fontes. A possibilidade de oferta dos textos de for-ma fragmentada impossibilita a construo de U111a ideia de con-junto, de totalidade. necessria para a constituio da noo deautoria. Estaria em risco, desse modo. a prpria identificaodas obras segundo os critrios que conhecemos na cultura im-pressa, com base na est

  • so PRTICAS Df lEITU/(A E l EMENTas PA/(A A ATUAO DOCENTE MERSON DE PIORI S1

    seguido, elou pela facilidade que oferece para se adequar ao es-pao a ele dcstinado na pgina impressa.

    As prticas de leitura dcsenvolvidas com basc no livro did-lico no se diferenciam de gnero para gencro. Leenl-sc o puen13e a notcia nluitas vezes cotn o rnesnlO objetivo, isto , responders questes de compreenso de texto. Essa leitura no mostra asespecificidades prprias ao jornal enquanto suporte, ou mesmoos modos de ler poemas em um livro de poen13S, com as caracte-rsticas prprias a esse suporte (l-se os poemas na sequncia queaparecem IJU livro?; abre-se o livro nUlll ponto qualquer paraencontrar ao acaso o poema que se d a ler?; procura-se no ndiceo pocma que se deseja ler naquele momento?; o poema pode ouHo possuir um ttulo - ento, como encontr-lo no livro?).

    A apropriao dos textos pelo livro didtico desfaz essas dife-renas materiais que nos permitem classific-los.

    Como possvel, a um aluno que tenha acesso apenas ao livrodidtico como material de leitura, lendo apenas os fragmentos quelhe so ai apresentados, diferenciar um romance de um conto, porexemplo? Nos fragmentos apresentados de um e de outro, no possvel reconhecer as caractersticas que de fato diferenciam es-ses gneros: as estratgias de leitura a serem realizadas no momentoem que esses textos so lidos no livro didtico sero muito seme-lhantes. Ou seja: a leitura realizada nessas condies no leva oleitor em formao a desenvolver estratgias de leitura prprias adeterminado gncro.

    Mesmo que a distino entre os gneros aparea indicada nasreferncias sobre a origem do fragmento reproduzido no livro di-dtico, apenas um leitor que j chegue escola conhecendo adistino entre os gneros em questo pode reconhec-la. Para isso,esse aluno teve accsso, fora da escola, aos diversos produtos dacul.tura in1pressa, aos livros en1 que os textos se encontram, para)aSSIl11,reconhecer suas diferenas e as diferentes prticas de leitu-ra que cada urn desses gneros requer.

    . Se a escola trabalha com a expectativa de que o leitor j chegaa sala de aula conhecendo a ordem prpria cultura impressa, ela

    pode estar formando adequadamente apenas os alunos provin-dos de comunidades com nveis altos de letramento.

    Os modos de apresentao dos textos em livros didticos nolevam formao de um leitor que saiba produzir e ler textos es-critos, de acordo com os modos que a produo e a leitura de tex-tos escritos se organizam em comunidades con1 nveis mais altosde letramento. Saber manusear o livro didtico no mplica sa-ber manusear outros suportes. A leitura realizada em livros di-dticos apenas mais uma entre inn1eras prticas de leitura de-senvolvidas na sociedade. Quem conhece outras prticas de leiturapode se apropriar com facilidade das prticas de leitura realiza-das com base no livro didMico; quem conhece apenas as prticasde leitura baseadas no livro didtico no necessarilllente se apro-priar de oulras prticas com base somente nos subsdios queesse material oferece.

    A mediao escolar e a leitura do texto em sala de aula

    A fragmentao dos textos e o apagamento de suas caracte-rsticas prprias em funo do novo suporte em que aparecem,isto , o livro didtico, tambm oferecem riscos quando se consi-deram o cstauelecimento de objetivos de leitura e as estratgiasconstrudas para cumprir esses objetivos.

    Como vimos, a fragmentao dos textos impede a percepoda unidade de urna derenninada ohra c, t'JI1 LUllsc:quncia, suaatribuio a um determinado autor. Essa situao apresenta obs-tculos construo de sentidos para o texto, devido a dois mo-tivos que se complementam: apenas com base no fragmento lidose torna difcil saber quais so os valores e opinies daquele queescreve, isto , torna-se difcil reconhecer um interlocutor, poisno possvel construir uma imagem satisfatria do autor dotexto; em funo de no se conhecer quem escreve) e seus objeti-vos, no possvel tambm estabelecer objetivos de leitura, edesenvolver estratgias para realiZi-la, isto , elaborar e testarhipteses adequadas.

  • Se no forem reconhecidos os motivos que levaram o autor aproduzir determinado texto, nu possvel tambm estabelecerobjetivos para ler esse determinado texto. Uma leitura sem ubjeti-vos no se realiza satisfatorianlcnte.

    Se a funo da escula formar leitores proficientes, isto , aque-les capazes de estabelecer seus prprios objetivus de leitura, pre-ciso realizar. na escola, leituras de textos Com referncia s condi-es em que foram pruduzidos e aos envolvidos em Sua produo.E necessrio conhecer quandu foram produzidos os textus, onde,pur quem, para quem, com que ubjetivos.

    A leitura, para se realizar satisfatoriamente, precisa se funda-mentar nessas informaes, que so encontradas enllugares dife-rentes em funo das caractersticas dos diferentes gnerus: pos-svel responder a questes sobre quandu e onde foi publicada umanotcia observando-se o n0111C e a data de publicau na parte su-perior da folha do jornal; em relao a um conto, preciso bu.'caras referncias de sua publicao em outras partes: ou do suporte(na introduo, por exemplo, uu nas referncias biogrficas e bi-bliogrficas du autor, nu incio ou no final do livro); ou em outrasobras, quando as informaes procuradas no se encontram naedio que est sendo lida.

    Apenas a leitura de textos COmbase em suas referncias, emsuas condies de produo, pode ser realizada de mudo a produ-zir sentidos de furma satisfatria. Cumo as condies de produoe as condies de leitura do texto se alteram com o tempo, no possivel estabelecer um sentido nico para o texto- o que no querdizer, em contrapartida, que qualquer interpretao seja vlido.Paraa ohteno de mais informaes sobre esse teml, sugere-se a leiturado texto de Possenti (1999), relacionado na bibliografia.

    COD10 visto, uma das caractersticas da cultura ocidental apsa inveno da imprensa a busca de um sentido nico para otexto, de sua interpretao correta, das intenes 'lue o autor pre-tendeu comunicar por intermdio de sua obra. A crena na exis-tncia desse sentido nico fundamento as concepes de leituratambm na escola (o que nu poderia ser diferente, afinal, a escola

    (Ompl)e a cultura eJll que se encontra). A diferena, porm. .que,na escola, a busca de UIll sentido nico do texto, a bUSGl da leituracorreta, muitas vezes se faz em condies diversas da ordem quecOlIsliluiu a LuiLura inlprcssa no Ocidente, principalmente em re-lao " figura do autor e " ideia de unidade de uma determinadaobra. Na escola, como vimos, h vrias rupturas nessa ordem.

    Desse modo, mesmo au se fazer de forma descontextualizada,e com base em fragmentos de textos - ou seja, mesmu realizadaem condies 'lue dificultam u estabelecimento de objetivos -, aleitura de textos na eseula, paradoxalmente, exige do aluno a cons-truo de um sentido nico, predeterminado, para o texto quelhe dado a ler. () denominado livro do professor um exemplodessa inode'luau: ele se caracteriza por trazer prontas as ques-tes c as respostas de compreenso e interpretao dos textos, (onl0se elas fossem as nicas corretas e possveis.

    Desse modo, so apresentados textos para leitura sem quol-quer relao com suas condies de produo, sem qualquer refe-rncia "s prticas de leitura em que esses textus tumam parte nasociedade. Ainda assim, exige-se que u aluno se relaCIone com osmateriais de leitura que lhe so apresentados na sola de aula se-gundo as maneiras como essa relao se efetua fora da escola, emprticas suciais que se caracterizam pelo alto nivel de letramento.Se o aluno no tem contatu com essas prticas fora da escola, tor-na-se difcil que elas se desenvolvam em sala de aula quando nestah rupturas em relou " urdem estabelecida na cultora Impressa.

    A mediao do professor fundamental, portanto, para for-mar o leitor proficiente. Isso significa que) para ~ leitor ainda, enlformao, preciso que os objetivos de leitura sejam estabelecidospelo professor, o que implico, em primeiro lugar, a escolha ad_e-quada dos textos a serem lidus em sala de aula. Se essa escolha nao feita pelo livro didtico, mas pelo professor, este passa a ocuparento o papel principal na mediau entre o leItor e o text~.

    A vantagem de o mediao entre o aluno e u texto ser feita peloprofessor que este tem a possibilidade de conhecer prevlam~l!t~ oaluno e escolher textos adequados aos interesses e competencIas

    II

    52 PRTICAS Df: (fITlIRA E [lEMENTOS PAIM A ATUAAO OOCt:NI!:

    I

    IIII

    MFI

  • PRATICAS Dl: lI:nURA r flEMENTOS fiARA A ATUAO DC)(TNTE MERSON DE PIETRI 55

    que esse leitor eln formao possui. A escolha du~ textos a seremlido< s pode ser feita depois de realizada uma primeira sondagems~b~eas relaes entre o leitor en1 formao e o texto escrito, n quesignIfica que no possvel estabelecer no lJrugrama de curso, ela-borado no incio do ano, os textos e objetivos das atividades aserem realizadas durante todo o perodo letivo. Essa prtica, comovinlos, leva fragnlenta)o c superficia!izao, pois trabalhacom uma imagem de leitor bastante empobrecida, uma vez que, afim de no correr o rsco de lev'lr textos difceis demais para oaluno quc se cOl1ht:Lt~r em sala de aula, s~o escolhidos textos comum grau mnimo de dificuldade. Corre-se o risco, ento, de noformar leitores proficientes, pois a escolha dos textos a serem lidosse pauta em estratgas de faciltaao.

    Outro problema de se estabelecer previamente todos os tex-tos a serem lidos durante o ano promover prticas que caracte-rizam a leitura como um trabalho imediato, de decodificao, ase_rrealizado ininterruptamente - o bom leitor seria aquele quenao encontrasse nenhum obstculo compreenso do texto du-:ante sua leitura. Essa concepo de leitura apaga a naturezamtertextual constitutiva de qualquer texto, isto , o fato de queum texto se constri a partir de outros textos, e que a leitura deum mesmo texto se modilica em funo da leitura, prvia ouposterior, de outros textos. Nesse sentido, reler um texto nunca ler o mesmo texto.

    O trabalho de mediao do professor consiste, portanto, emn.o apenas escolher os textos em funo dos interesses, compe-tenclas e necessidades de seus alunos, mas tambm em funo deoutros textos em relao aos quais a leitura ser realizada.

    Esses textos so escolhidos entre textos j publicados, e a esco-lha. feita com base na imagem do aluno-leitor, dos objetivos deenSInO, e dos recursos materiais/econmicos disponveis. Nessesentido, o professor se encontra no mesmo lugar do editor em seutrabalho histrico de formao de objetos e de prticas de leitura.

    Numa situao de baixo nvel de letramento, em que h poucaou nenhunla circulao de materiais irnpressos, ou em que a Crcu-

    .,........",~------------------

    f

    Ilao de materiais impressos, ainda que exista) no possui grandevariedade, a escola o principal lugar social em que essa quantida-de e essa variedade podem ser oferecidas para os alunos que a ela sedirigem. Essa oferta pode ser feita segundo os princpios das edi-es populares publicadas nas fases iniciais da imprensa, isto ,recortando, de textos j publicados, as passagens que se julgueestar de acordo com os leitores a quem elas se destinam. O risco,nesse caso, no oferecer ao aluno a possibilidade de manusearsuportes e desenvolver prticas de leitura valorizadas socialmentecaso o trabalho com a leitura se restrinja a essas prticas.

    H hoje recursos de cpia e impresso, alm dos recursosdisponibilizados pelo meio digital, que permitem tornar menoscustosa a reproduo de textos. Isso possibilita planejar a elabo-rao de lnateriais didticos de forma que sejam acessveis, tantoem sua forma, quanto em seus custos, aos alunos.

    lI assim a possibilidade de mudana de perspectiva: um bomtexto para ser lido em sala de aula no aquele que no oferecedificuldades de leitura, aquele que no precisa de outros textos ououtras fontes de infonnao para ser lidai ao contrrio: o bomtexto para ser lido em sala de aula justamente aquele que pede apresena de outros textos que auxiliem na soluo dos problemasapresentados para sua leitura. O professor, enquanto mediador,precisa antever as necessidades que o texto a ser lido apresentar,o que somente possvel de ser feito se o professor conhecer ashabilidades de leitura de seus alunos.

    Alm disso, se a mediao acontece previamente entradado texto na sala de aula, ela no se limita a esse momento: oprofessor tem que estar pronto para procurar e ofertar outrostextos que se mostrem necessrios durante a atividade de leitura.Desse modo, a escolha de um texto para leitura em sala de aulaimplica sempre a escolha de mais de um texto, de outros textos,para leitura. Facilitar de fato a leitura do texto para o alunoimplica planejar atividades com base na maior oferta text ualpossivel. A mediao do professor se faz, assim, no momento deprever que outras leituras sero necessrias para fundamentar aleitura do(s) texto(s) lido(s) em sala de aula .

  • 56 PRTICAS DE lElTUI
  • CAPTULO 3

    As prticas de leitura em contextode ensino: as aes do professor

    Nas consideraes realizadas anteriormente, a abordagem darelao leitor-texto foi feita observando-se os dois termos que cons-tituem essa relao, segundo concepes de leitura distintas. Quan-do o primeiro termo da relao leitor-texto foi enfiiizado, foramconsiderados os recursos que o leitor precisa ter, isto , seus conhe-cimentos prvios, para compreender satisfatoriamente um deter-minado texto. Foram considerados, assim, os aspectos cognitivosenvolvidos no processo de leitura e compreenso de textos.

    Ao ser enfatizado o segundo termo da relao leitor-texto,foram considerados os aspectos materiais envolvidos com as pr-ticas de leitura, e, com base nesses aspectos, foram observadas asdiferentes atuaes realizadas socialmente para a produo, a dis-tribuio e a apropriao dos textos. Foram enfatizados o papelsocial que desempenham o autor, o editor e as diversas institui-es sociais, na elaborao, fabricao e disponibilizao do ma-terial escrito para seu consumo social, e as prticas de leitura pro-duzidas pelas caractersticas materiais do escrito e pelas mediaespromovidas na relao leitor-texto.

    a objetivo neste momento considerar as possibilidades parao trahalho com a leitura em sala de aula oferecidas pelas duas abor-dagens de leitura apresentadas. No se pretende apresentar as van-tagens ou desvantagens de uma e de outra, mas ohservar as possi-bilidades que surgem quando ambas as concepes soaproximadas para o tratamento didtico do texto a ser lido, isto ,para a elaborao de atividades de ensino de leitura que conside-rem os dois termos do par leitor-texto. Essa aproximao parece

  • 60 PRTICAS OE UlTlJRA l:. ELEMENTOS I'ARA A ATUAO OOCE:Nrr MERSON DE PIETRI61

    -....

    no oferecer conlO resultal10 apenas a somatria dos recursos delima e ~e otltr~ concepo para o ensino da leitura, mas pareceproduzir lambem resultados no previstos por ncnhU111a das duasperspectivas. A apresentao das contribuies de ambas as pe,,-pcctJvas para o ensino da leitura ser realizada com base em textosjornalsticos e litedrios.

    1. Estratgias de 'eitura em textos jornalsticos

    Uma possibilidade de tratanlcnto uil1tico do texto numa aulade leitura apresentada por Kleiman & Moraes (2003) em seulivro Leitura e interdiscip/inaridade: tecendo redes nos projetos daescoh A atividade proposta pelas autoras se fundamenta em pers-pectiva cogmtlvlsta - Isto , a que leva em considerao os recur-sos de que o leitor precisa dispor para compreender satisfatoria-mente um texto. Essa atividade, que prev o trabalho ldico com otexto, num jogo de adivinhao - isto : elaborao e verificaode hipteses -, foi planejada para o trabalho com o texto jornals-tico infornlativo.

    A atividade de leitura apresentada a seguir se baseia na pro-posta das autoras, mas apresenta algumas variaes em funo dasconSIderaes rdati vas ao suporte do texto. O texto escolhido paraleItura u~la n~tcia publicada em jornal. As referncias comple-tas da pubhcaao dessa notcia sero dadas a seguir, em funo dodcscnvolvlIlleulo da proposta de atividade.

    Na proposta em questo, o trabalho com o texto em sala deaula consiste em lTIOstrarseletivamente as partes que o constitueme, com bas: nesse j.ogo de esconder e revelar, realizar a elaboraoe venficaao de hIpteses. O objetivo ativar gradativamente oconhecimento pr~vio de modo que o aluno perceba as estratgiasque reahza para ISSO,e perceba tambm que essas estratgias sefundalnentam nos recursos que o suporte oferece e !las caracters-ticas que o texto lido possui. As hipteses elaboradas so escritasna lousa." mantidas ou descartadas aps sua verificao com oprosseglllmento da leitura.

    o texto a ser lido no deve ser entregue, de incio, aos alunos,uma vez que a atividade consiste em jogar com as adivi nhaes,isto , com a elaborao e teslagem de hipteses. O objetivo reve-Jar as estapas que preeisam ser cumpridas para a leitura adequadado texto, e as estratgias que precisam ser elaboradas para solucio-nar os problemas que o lexto oferece para o leitor.

    Para o trabalho de apresentao das partes do texto, o profes-sor precisa basicamente do quadro-negro e de cpias dos textospara os aJunos. Se houver condies, pode usar o retroprojetor, ououtros recursos de projeo ((01110 O dHtu~./lUlV, t:11I t:'~Lula~4Ut:'

    ofeream essas condies).O desenvolvimento da atividade consiste em mostrar seletiva-

    mente para o aluno, qUt: aill

  • 62 PHlICAS DE l rnURA E ELEMENTOS PARA A ATUAO DOCENTE M~RSON DE PIETRI 63

    do; que incidente seria esse; de que local se trata; onde se encon-tra esse local; quem so os envolvidos no evento. Dentre as hip-teses que podem ser formuladas, ternos:

    en1 relao data do incidente: no possvel estauelecerainda hipteses muito fortes, mas, por se tratar de jornal, possvel dizer que o fato aconteceu no dia anterior publica-o ua eui,o que est sendo lida; esta uma formulao quedepende do conhecimento das caractersticas do suporte, etalvez o professor precise apresentar para o aluno essas ca-raLterLs tica~.em relao ao tipo de incidente: se h vitimas, e h a palavra"desabamento': pode-se trabalhar com a hiptese de que umaencosta se deslocou, causando desabamentos; pode-se aindapensar em desabamento de uma construo ou de parte dela(o teto, por exemplo) etc.em relaao ao local do incidente: talvez seja um local pblico,como um prdio ou outra construo qualquer; ou, ainda,pode-se pensar em moradias construdas em alguma encostaou outro lugar de risco, o que a referncia ao tato de a prefei-tura intervir parece tornar uma hiptese forte; entretanto, ape-sar da interveno da prefeitura, possvel que o local em quehouve o ncidente seja uma propriedade particular, e no ne-cessariamente um espao pblico;em relao localizao geogrfica em que houve o inciden-te: por se tratar de desabamento, e por haver referncia prefeitura, pode-se construir a hiptese de que o incidenteaconteceu em uma rea 111ais pobre de uma determinadacidade - esta hiptese se aproxima da que se refere questodas moradias em local de risco, por exemplo; porm, comono h nenhum outro indicativo da situao social queenvolve o incidente, possivel formular hipteses contrrias:que ele teria ocorrido na rea central da cidade, ou em regiovalorizada; para cada uma dessas hipteses possvel sugerirlugares diferentes em que o fato teria ocorrido; no h aindacomo determinar a cidade em que o fato ocorreu, mas o (0-

    nhecimento das caractersticas do suporte pode fomecer al-guns indicativos j, como o fato de que provavelmente o inci-dente ocorreu na cidade em que o jornal foi publicado.em relao aos envolvidos no evento: CIll funao de cada umadas hipteses elaboradas anteriormente, possvel pensar emdiversas pessoas envolvidas, desde moradores em locais de ris-co; frequentadores de determinado espao privado ou pbli-co; at as pessoas que para o local se dirigiram em funo doocorrido: quem da prefeitura compareceu ao lugar? que ou-tros rgos pblicos - bombeiros, policia, defesa civil- com-pareceram? quem, dos responsveis pelo local, estava l e oque fez? que pessoas tiveram suas consideraes sobre o fatopublicados no jornal?; cada uma dessas hipteses est rela-cionada a hipteses anteriores; por exemplo: se o fato ocor-reu em rea nobre da cidade, quem da prefeitura compare-ceu?; se o fato ocorreu na periferia, que representante a

    prefeitura enviou ao local?

    Como visto, uma nica passagem do texto da notcia possibilitaelaborar inluneras hipteses, que se relacionam com as caractersti-cas do suporte e com conhecimentos prvios lingusticos, textuais ede mundo, dentre estes ltimos, os relativos a questes e valoressociais e politicos. Ou seja, ainda que privilegiados os aspectoscognitivos no mOlnento da elaborao da ativiuatlt: Ploposta, ou-tras questes, relacionadas a prticas sociais mais amplas, dentreelas, prticas de leitura determinadas pelas caractersticas do supor-te, entram em jogo no momento da atividade de leitura. Os doistermos da relao leitor-texto so considerados.

    Voltando leitura da notcia: a prxima etapa consiste emrevelar outra passagem do texto e confirmar ou descartar hipte-ses elaboradas, e/ou, ainda, elaborar novas hipteses. Acima dolead encontra-se a data e o caderno em que foi publicada a notcia:

    "So Paulo, domingo, 09 de outuhro de 2005- Folha Colidiano"

  • 64 PRTICAS Df I EnURA [ fi EMENTOS PARA A ATUAO DO([NH EMl:J~SOND[ PI(TRI 65

    -

    Com base nessas informaes, possf"cl elaborar hipteseslnas consistentes sobre onde e quando aconteceu o incidente: porse tratar de texto jornalistico informativo, publicado em jornal- euma das caractersticas desse tipo de texto e desse suporte ser a deapresentar notcias recentes -I provavelmente o falo ocorreu nodia anlerior ao da publicao do jornal, islo , no dia 08 de outu-bro de 2005, um sbado. Por eslar no caderno Cotidiano, no jornalFolha de So Palllo, possvel trabalhar com a hiptese de que ofato ocorreu na cidade de So Paulo ou em sua regio metropoli-tana, pois o jornal produzido na cidade referida, e o caderno emquesto apresenta nformaes do dia a dia - o que aumenta aschances de elas se referirem regio em que o jornal publicado.Essas novas hipteses ainda esperam por confirmao com a se-quncia da leitura do texto.

    O professor precisa estar atento para apresentar essas caracte-rslicas do suporte, o jornal, caso os alunos ainda no as conhe-am. Uma das funes da atividade proposla, inclusive, apresent-las (ou explicit-las, para quem j se utiliza delas em suas prticasde leitura).

    Aps o lead, encontra-se a ttulo da notcia e a atribuio desua autoria:

    "Teto de churrascaria cai e deixa 16 fcridosDA REPORTAGEM LOCA I:'

    Com essas informaes j possvel descartar inmeras hip-teses e confirmar v;hias outras, principaln1entc as que se rcfcren1ao local do incidente (uma churrascaria), e cidade em que ocor-reu (pois se informa que o texto foi produzido pelos respons:veis,no jornal, pela reportagem local, isto , relativa a So Paulo). Nose sabe ainda em que regio da cidade se encontra a churrascaria equem da prefeitura esteve no local, o que envolve questes de va-lor social, poltico e econlllicu. Tanlbm no se sabe exatamentea data do acontecimento. o que informa a sequncia do texto:

    "Aqueda do teto de uma churrascaria no distrito do Morumbi, reanobre da zona oeste de So Paulo, deixou 16 pessoas levemente feri-das no incio da tarde de ontem. As causas do desabamento aindaso desconhecidas.O prefeito Jos Serra (PSDR) esteve no local, que foi interditado, edisse duvidar que o estabelecimento esteja regular nos rgos daprefeitura que fiscalizam a segurnna de construes, o que foi con.testado pela advogada do local. A prefeitura c os responsveis pelachurrascaria Morumbi Grill. que aluga o imvel, no entanto, noapresentaram nenhuma documentao."

    A continuao da leitura da notcia permite considerar as hi-pteses ainda no verificadas e a elaborao e verificao de novashipteses.

    2. Estratgias de leitura, conhecimento textuale gneros de discurso

    As atividades de leitura precisam tambm destacar questesrelativas a conhecimento textual e sua relao com determinadosgneros de discurso. Um dos recursos que podem ser utilizadospara evidenciar essa relao o trabalho com o suporte do lexto.

    Para isso, pode-se partir do tipo de texto que predomina numdeterminado gnero de discurso e, com base nas caractersticasdesse tipo de texto, realizar atividades de leitura que evidenciempara o aluno a organizao textual prpria a determinado gnero,alm das caracterslicas prprias ao texto que esl sendo lido.

    preciso, para tanto, haver uma ampliao dos modos comose compreende, em geral, o que lipo de texto, e considerar ofato de que os textos se organizam de modo mais complexo doque geralmente se apresenta em conlexto escolar.

    At que a noo de gneros de discurso se tomasse mais divulgadae fundamentasse propostas de ensino de lngua portub'llcsa, ao setratar de narrao, em contexto de ensino, a referncia era apenas anarrao escolar, esse gnero produzido na escola em situaes tipi-cas desse contexto: a partir da determinao ou no de um terna, o

  • r,66 PRTICAS DE LEITURA E ELEMENTOS PARA A ATUAO DOCENTE MERSON DE PIETRI 67

    aluno deve produzir um texto, em que seja apresentada umasequl1cia de fatos. As dimenses do texto podem ser predetermina-das, f, por vezes, h instrues para constnlir os personagens, ou ocenrio. A situao caricaturai dessa pdtica escolar a solicitaode uma narrao com o tenla "minhas frias':

    O mesmo princpio pode ser considerado para a descrio e adissertao. A narrao, a descrio e a dissertao, tais como seconfiguranl tradicionalmente em objeto de ensino, se caracteri-zam por serenl gneros de discurso escolares, isto , caracterizam--se por serem produzidos apenas em situao escolar, no sendovalorizados, enquanto texto, fora da escola. Consideraes inte-ressantes soure a caracterizao da redao escolar como um g-nero de discurso especfico podem ser encontracias no texto deBarros (I999).

    A expectativa em relao produo desses gneros na esco-la a de que eles se constituem de apenas um tipo de texto: quan-do se prope a produo de uma narrao na escola, a expecta-tiva que o texto produzido apresente apenas caractersticasprprias ao tipo de te.xto narrativo; o mesmo para a descrio epara a dissertao.

    Com base na noo de gneros de discurso, e nas possibilida-des que essa noo oferece para que textos de diversos gnerospassem a compor atividades em sala de aula, evidenciou-se o car-ter complexo que possui a estruturao textual, carter que pre-ciJ:lser considerado para o trabalho (UIII U texto eUI sala de aula.

    Assim, preciso considerar, por exemplo, que os tipos detexto (narrativos, descritivos, argumentativos, injuntivos ete.)no aparecem sozinhos na composio de um determinado tex-to: mais de um deles pode compor a estruturao textual.

    Se considerarmos UITI conto literrio, podenl0s observar quenele predomina o tipo de texto narrativo (com verbos no pretri-to perfeito e imperfeito, por exemplo); mas h passagens no textoem que pode prevalecer o tipo cie texto descritivo, ou, ainda, pas-sagens t:m que pode prcdon1nar o tipo de texto arguffientativo.

    Quando consideramos outros gneros, como a notcia ou oeditorial, o mesmo princpio pode ser esperado: como muitobem aponta Silva (1999), mais de um tipo pode compor os tex-tos que pertencem a determinados gneros,

    A partir do momentu eIn que uma maiur v;.uiedade de gne-ros de discurso pode fazer parte das aulas de lngua portuguesa,evidenciam-se tambm as relaes entre texto e suporte e a parti-cipao deste lia estruturao textual. Sabendo disso, possvel aoprofessor atuar sobre o texto, em seus modos de apresentao nosuporte, de modo a evidenciar aspectos da estruturao textualque no seriam facilIllente percebidos pelo leitor eUl fOlluatru.

    Essa atuao se torna mais flcil quando so conhecidas as ca-ractersticas de determinado gnero de discurso, ainda que, ao fi-nal, as particularidades do texto dirijanl as atuaes possveis deserenl fcitas, sobre esse texto, no momento de se elaborar uma ati-vidade de leitura.

    Uln exerllplo de C0l110essa atuao sobre a materialidade tex-tual pode ser realizada apresentado a seguir. Encontram-se, abai-xo, dois fragmentos de texto.

    Fragmento 1:

    - Sabe-se que, no amuiente selvagem, os chimpanzs caamjuntos, particularmente quando as condies no permitemque um caador solitrio tenha sucesso.- Mas isto no prova que a espcie de primata mais prximados humanos entenda a cooperao da mesma maneira quens: tais caadas em grupo podem simplesmente ser o produ-to de aes independentes e simultneas de muitos indivduos,com pouca compreenso da necessidade de ao coordenadapara assegurar o sucesso.- Um estudo novo, porm, mostra pela primeira vez que oschiInpanzs entendem quando a cooperao necessria ecomo assegurar sua eficcia. E outro estudo mostra que elespodem at estar dispostos a cooperar sem esperana de re-compensa.

  • Em cada um dos fragmentos apresentados acima, predomi-nam determinados tipos de texto. No primeiro caso, predomina otipo argumentativo, num texto que se organiza como dilogo, emforma de discurso direto. IH duas vozes que se contrapem emrelao a um dcternlinado tema. Observa-se, nessa contraposio,o uso de 0pcr::Idorcs argumcntativo:s, como o mas e o porm. Almdisso, os tenlpOS verbais se encontram no presente, e h o uso deverbos na terceira pessoa do singular, fatores que carilcterizam otexto dissertativo-argUlJlcntativo.

    No segundo caso, relata-se um experinlento cientfico. H aocorrncia de verbos no pretrito e a apresentao dos fatos se-gundo uma sequncia temporal determinada, o que prprioao texto narrativo. H tanlbnl a construo do cenrio em queos fatos narrados aconteceram: nessas passagens o texto descriti-vo prevalece.

    Esses dois fragmentos

  • 70 PRTICAS DE LEITURA E ELEMFNTOS