Apostila_D2 - U4 - Final

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  CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM VIGILÂNCIA EM SAÚDE AMBIENTAL Disci pl ina II – Saúde e Am biente  Unidade 4 – Saúde humana e pro cessos de con taminação ambiental

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Saúde Ambiental

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  • CURSO DE ESPECIALIZAO EM

    VIGILNCIA EM SADE AMBIENTAL

    Disciplina II Sade e Ambiente

    Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

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    Disciplina II Sade e Ambiente

    Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    Nelson Gouveia

    Herling Alonzo

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

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    Objetivos da unidade

    Esta unidade se prope a demonstrar o reconhecimento da influncia do meio

    ambiente no processo sade-doena e identificar os problemas de contaminao

    ambiental e seus possveis impactos na sade e na qualidade de vida.

    Sumrio

    1. Introduo ........................................................................................................... 4 2. Processo sade-doena relacionado poluio do ar. .................................. 8

    2.1. Foras motrizes e presses ......................................................................... 12 2.2. Os principais contaminantes atmosfricos ................................................ 13 2.3. Os Impactos na sade .................................................................................. 16

    3. Processo sade-doena relacionado contaminao do solo .................... 21 3.1. Foras motrizes e presses ......................................................................... 22 3.2. Contaminao qumica do solo e impactos sobre a sade ....................... 24

    4. Processo sade-doena relacionado contaminao da gua ................... 29 4.1. Qualidade da gua ........................................................................................ 34

    5. Concluso ......................................................................................................... 41 6. Resumo da unidade .......................................................................................... 43 7. Bibliogrfia ........................................................................................................ 45

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    1. Introduo

    Embora o reconhecimento da influncia do meio ambiente na sade da

    populao possa ser identificado desde os primrdios da cincia mdica, ao longo

    da histria a importncia atribuda exposio aos fatores ambientais na gnese

    das doenas variou muito, sendo em alguns perodos enfatizada, enquanto que em

    outros, sua participao foi praticamente negada.

    Por exemplo, durante os sculos XVI e XVII entendia-se que as condies

    ambientais exerciam algum tipo de influncia na sade. Nesse perodo predominava

    a Teoria dos Miasmas1, que concebia a transmisso das doenas pelo ar e pelos odores ftidos provenientes de matria orgnica em putrefao nos solos e guas

    contaminadas. Naquela poca, praticamente inexistiam servios de saneamento

    bsico, ou seja, no havia sistemas de coleta de esgotos e os dejetos eram

    despejados diretamente na rua. Por conta dessa situao sanitria e da alta

    densidade populacional que j se observava em algumas cidades, eram frequentes

    as grandes epidemias que dizimavam populaes, como a da peste e da clera

    (GOUVEIA, 1999).

    Posteriormente, a crescente urbanizao da Europa acompanhada pela

    Revoluo Industrial (iniciada em meados do sculo XVIII, expandiu-se pelo mundo

    a partir do sculo XIX), que consolidou o sistema de produo fabril e mecanizado,

    levaram a mudanas econmicas, polticas e culturais que culminaram com o

    declnio da sociedade feudal e o estabelecimento do modo de produo capitalista.

    O xodo rural, o crescimento desordenado das cidades e as pssimas condies de

    trabalho do proletariado, classe que se formava, constituram as bases da

    Revoluo Francesa (entre 1789 e 1799) que impulsionou movimentos que

    atribuam s condies de vida e trabalho das populaes papel importante no

    1 Teoria dos Miasmas: teoria que considerava que a doena era causada por certos odores venenosos, gases ou resduos nocivos (do grego miasma, mancha) que se originavam na atmosfera ou a partir do solo. Essas substncias seriam posteriormente arrastadas pelo vento at a um possvel indivduo, que acabaria por adoecer.

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    aparecimento de doenas, sendo que o meio ambiente passa, ento, a adquirir um

    carter mais amplo, incluindo tambm o aspecto social (BARATA, 1990).

    Alguns anos mais tarde, porm, o advento da Era Microbiana ou

    Bacteriolgica na metade do sculo XIX, a partir da identificao da cadeia de

    transmisso da clera por John Snow e o posterior isolamento e identificao dos

    agentes infecciosos causadores desta e de outras enfermidades por Pasteur e Koch,

    colocaria definitivamente em segundo plano a teoria miasmtica da doena, e com

    ela, a importncia do meio ambiente fsico assim como o social. Vence, neste

    momento, a nfase na concepo biolgica da doena. A relevncia dos fatores

    sociais e o papel desempenhado pelo meio ambiente na gnese e na evoluo dos

    problemas de sade ficam secundarizados e relegados a outras cincias (GOUVEIA,

    1999). Nesta perspectiva, a noo de meio ambiente, quando presente no

    entendimento do processo sade-doena, passou a ter um carter eminentemente

    mecanicista, sendo simplesmente o local de interao entre os agentes da doena e

    o hospedeiro humano susceptvel. Embora includo no modelo sugerido, o meio

    ambiente era apenas apontado como o fiel da balana entre o agente e o hospedeiro

    (LEAVELL E CLARK, 1965), ou seja, o meio era considerado apenas como o local

    onde aconteciam essas interaes que ora resultavam na manifestao patolgica

    do agente, ora na resistncia do hospedeiro doena.

    Saiba mais: Leitura complementar sobre a concepo biolgica da doena,

    disponvel na Biblioteca Virtual do AVA.

    A partir da segunda metade do sculo 20, logo aps a Segunda Guerra

    Mundial, com o declnio da morbimortalidade por doenas infectocontagiosas, as

    doenas crnicas degenerativas passam a ganhar destaque, e com elas um modelo

    de investigao mais reducionista que privilegia fatores de risco individuais,

    conferindo pouca ou nenhuma importncia ao ambiente do qual esses fatores se

    originaram (SUSSER, 1996). Porm, gradativamente a exposio ambiental a

    agentes fsicos e qumicos cresce em importncia, uma vez que a urbanizao

    desordenada, a industrializao e os avanos tecnolgicos fizeram aumentar

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    exponencialmente a quantidade e a variedade de contaminantes qumicos

    eliminados no meio ambiente.

    Essa urbanizao acelerada, principalmente nos pases menos

    desenvolvidos, ultrapassou a capacidade financeira e administrativa dos governos

    em prover infraestrutura e servios essenciais como gua, saneamento, coleta e

    destinao adequada de lixo, servios de sade, alm de empregos e moradia, e

    assegurar segurana e controle do meio ambiente para toda a populao. Assim,

    populaes inteiras, em geral as mais pobres que residem na periferia dos grandes

    centros urbanos e em outras reas menos privilegiadas das cidades, passaram a

    viver em condies inadequadas de moradia, sem acesso a servios bsicos, e

    ainda expostas a diversos contaminantes ambientais tpicos do desenvolvimento,

    como a poluio por produtos qumicos e a poluio atmosfrica. Estes so

    conhecidos como os que enfrentam o pior dos dois mundos: os problemas

    ambientais associados ao desenvolvimento econmico e os ainda no resolvidos

    problemas sanitrios tpicos do subdesenvolvimento (HARPHAM et. al., 1998).

    Paralelamente, as reas rurais dos pases menos desenvolvidos

    experimentaram tambm um aumento da degradao ambiental, decorrente do

    avano das fronteiras agrcolas e da disseminao de prticas baseadas no uso

    intensivo de insumos industriais como agrotxicos e fertilizantes. Pode-se deduzir

    que a Revoluo Verde, baseada na modernizao agrcola e idealizada para

    aumentar a produo de alimentos em todo o mundo durante as dcadas de 1960 e

    1970, contribuiu tambm para aumentar a contaminao ambiental por substncias

    qumicas (Albergoni e Pelaez, 2007).

    Desta maneira, enquanto de um lado as concepes dominantes do processo

    sade-doena se distanciavam cada vez mais do conceito de meio ambiente, a

    degradao crescente deste meio, principalmente nas reas urbanas, fez multiplicar

    os movimentos de carter ambientalista, que passaram a ter um escopo mais

    abrangente, mas quase nunca tendo a sade como prioridade. Apenas mais

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    recentemente, com o agravamento da degradao ambiental e a observao de

    suas consequncias diretas na sade, que essas duas reas voltaram a convergir.

    Pouco a pouco a exposio a fatores ambientais passa a ocupar lugar de

    destaque na Sade Pblica e a ser considerada na epidemiologia de muitas

    doenas. Nos pases mais ricos, j a partir da dcada de 1960, as questes

    ambientais deixam de ser de interesse apenas das cincias naturais como a

    ecologia, e passam gradativamente a integrar o rol de preocupaes cotidianas da

    populao (OZONOFF, 1995). Um marco histrico desse perodo a 1 Conferncia

    das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972, em Estocolmo, por

    ter sido o primeiro grande debate mundial sobre temas ambientais. Nota-se

    atualmente que governos e cidados se preocupam cada vez mais com possveis

    efeitos adversos sade causados por exposies ambientais das mais diversas

    naturezas.

    Nesse contexto, o ambiente deve ser entendido como um espao geogrfico,

    territrio ou lugar de distintas escalas, dinamizado pelos movimentos geofsicos,

    biolgicos, econmicos, sociais, culturais e polticos que interagem em um processo

    histrico evolutivo. Os processos produtivos e os padres de consumo tpicos da

    lgica capitalista so os geradores de presso sobre esse ambiente, e podem ser

    tidos como fruto ou como produtores de desigualdades e de iniquidades na

    distribuio dos riscos. Os problemas ambientais decorrentes da urbanizao

    predatria sobre o ecossistema revelam tambm a fragilidade das polticas de sade

    que contemplam a relao com o ambiente.

    Assim, de grande importncia que o profissional da sade e reas afins

    tenha conhecimento das relaes entre sade e meio ambiente, buscando

    investigar, sempre que pertinente, a presena de exposio a fatores ambientais na

    populao. O no reconhecimento da influncia do meio ambiente no processo

    sade-doena prejudicial sade de indivduos e coletividades, pois no identifica

    a condio sanitria em que os mesmos vivem, o que pode retardar, ou mesmo impossibilitar as aes de promoo, preveno, vigilncia, ou mesmo o tratamento

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    apropriado j que, em muitas situaes, a resposta mais adequada situao

    relatada seria interromper a exposio. Assim, h prejuzo tambm para a sade

    pblica, uma vez que negligenciar a influncia do meio ambiente retarda a ao de

    mitigao ou remediao da condio inadequada do meio, com a consequente

    persistncia da situao de risco.

    A Organizao Mundial da Sade (OMS) define o campo da Sade

    Ambiental como aquele que compreende os aspectos da sade humana, incluindo a

    qualidade de vida, que so determinados pelos fatores ambientais fsicos, qumicos,

    biolgicos, sociais e psicossociais. Tambm se refere teoria e prtica de

    avaliao, correo, ao controle e preveno dos fatores ambientais que podem

    afetar de forma adversa a sade da presente e futuras geraes (OMS, 1993).

    Estima-se que 30% dos danos sade esto relacionados aos fatores ambientais

    decorrentes de inadequao do saneamento bsico (gua, lixo, esgoto), poluio

    atmosfrica, exposio a substncias qumicas e fsicas, desastres naturais, fatores

    biolgicos (vetores, hospedeiros e reservatrios) entre outros (Prss-stn e

    Corvaln, 2006).

    Dessa forma, a OMS mantm em sua agenda permanente o desenvolvimento

    de aes para a compreenso e melhoria das condies de sade ambiental no

    planeta. No Brasil, o Ministrio da Sade vem propondo e desenvolvendo polticas e

    aes relativas identificao, avaliao e gesto dos riscos ambientais

    relacionados a ar, gua e solo, e que interferem na sade da populao (BRASIL,

    2002).

    2. Processo sade-doena relacionado poluio do ar

    Um dos principais marcos da histria da humanidade foi o domnio da

    produo do fogo. Foi tambm naquele exato momento que o homem comeou a

    poluir o ar. Desde ento, mesmo durante o perodo pr-industrial, atividades como

    cozinhar e gerar aquecimento davam origem poluio atmosfrica. No entanto, at

    o sculo XIX essa poluio no era um problema generalizado porque a atmosfera

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    era capaz de dilu-la facilmente no havendo acmulos em reas densamente

    povoadas. Foi o advento da Revoluo Industrial no mundo ocidental que fez

    aumentar rapidamente a quantidade de contaminantes qumicos lanados na

    atmosfera, e com isso o progressivo esgotamento da capacidade ecossistmica de

    assimilar essa poluio.

    A industrializao em conjunto com o processo de urbanizao trouxe o

    desejado progresso, porm, custa de elevado consumo de energia para abastecer

    a maquinaria industrial, os sistemas de transportes e os produtos eletrnicos

    domsticos. Ao mesmo tempo em que se elevou a qualidade de vida da populao,

    inclusive com aumento na expectativa de vida, houve a introduo concomitante de

    novos riscos sade. As atividades humanas resultaram na produo e liberao de

    uma variedade de contaminantes do ar e, assim, tornaram-se as principais causas

    das mudanas ambientais que hoje atingem propores globais.

    A poluio atmosfrica tem se tornado um importante problema de sade

    pblica em praticamente todo o mundo. Existem inmeras evidncias cientficas

    indicando que a exposio poluio atmosfrica pode afetar a sade em graus

    variados que vo desde leves alteraes bioqumicas e fisiolgicas, at o

    adoecimento e a morte.

    A preocupao com relao poluio do ar no um fato recente. Os

    efeitos nocivos desta vm sendo mais claramente vivenciados desde a primeira

    metade do sculo passado, durante episdios com concentraes extremamente

    elevada de poluentes, que levaram a um aumento expressivo na mortalidade e na

    morbidade, como os observados no Vale Meuse na Blgica em 1930, em Donora na

    Pensilvania em 1948, e em Londres, Inglaterra, no inverno de 1952 e 1953

    (GOUVEIA E MAISONET, 2006).

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    Saiba Mais

    Em dezembro de 1930, no Vale do Rio Meuse, uma regio da Blgica, onde havia

    uma grande concentrao de indstrias que utilizavam fornos de carvo e

    gasognio, em um perodo de cinco dias sob condies climticas desfavorveis

    para a disperso dos poluentes atmosfricos, uma espessa nvoa cobriu essa zona

    industrial e a populao foi acometida por sintomas como tosse, dores no peito,

    dificuldade de respirar, irritao na mucosa nasal e nos olhos. O aumento de

    enfermidades e mortes por doenas respiratrias se situaram num patamar dez

    vezes maior em relao ao dos anos anteriores.

    Em outubro de 1948, em Donora, uma cidade da Pensilvnia, EUA, uma pequena

    cidade com grande nmero de siderrgicas e fbricas de produtos qumicos, uma

    inverso trmica conjugada com a ausncia de ventos, propiciou sobre a cidade a

    formao de uma nvoa escura com alta concentrao de poluentes. Nesse perodo

    foram registradas 20 mortes e quase seis mil internaes entre os 14 mil habitantes

    da cidade.

    No famoso episdio ocorrido em Londres, as concentraes de dixido de

    enxofre (SO2) e de fumaa aumentaram a nveis muito acima de 500 g/m3. Foi observado um excesso de mortalidade principalmente devido a doenas

    respiratrias e cardiovasculares, de cerca de 3.000 bitos acima do que seria

    esperado (MINISTRY OF HEALTH, 1954). No mesmo perodo foi possvel detectar

    tambm um aumento expressivo no nmero de internaes hospitalares. Estudos

    realizados sobre este importante episdio mostram que a maior parte dos indivduos

    afetados era dos grupos etrios acima de 45 e abaixo de 5 anos de idade e,

    especialmente, para as doenas respiratrias e cardiovasculares (ABERCROMBIE,

    1953).

    Estes e outros episdios menos famosos de grande contaminao

    atmosfrica foram suficientes para que fossem institudas medidas visando a

    controlar os nveis ambientais de poluio do ar em diversos centros urbanos,

    principalmente em pases da Amrica do Norte e Europa. Assim, foram criados e

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    adotados padres de qualidade do ar para proteger a populao dos poluentes mais

    comuns e prejudiciais sade, especialmente aqueles derivados da queima de

    combustveis fsseis como o petrleo e o carvo. Dessa forma, episdios de

    poluio de propores semelhantes a estes que ocorreram no sculo passado j

    no acontecem com frequncia e, por um longo perodo, no se observaram novos

    registros sobre os efeitos da poluio do ar na sade. Entretanto, o aumento das

    tecnologias de avaliao dos poluentes atmosfricos e o desenvolvimento de

    tcnicas estatsticas mais sofisticadas tm permitido detectar a ocorrncia de efeitos

    sobre a sade associados a nveis de contaminao atmosfrica bem mais baixos

    do que aqueles anteriormente considerados seguros.

    Assim, apesar dos avanos obtidos em direo a um ambiente com ar mais

    limpo, os nveis de poluio atmosfrica experimentados pela maior parte da

    populao continuam a se mostrar danosos sade. A exposio humana e

    ambiental poluio do ar um grande desafio e uma questo de interesse global

    para a sade pblica. Estimativas da Organizao Mundial de Sade indicam que

    mais de dois milhes de mortes prematuras a cada ano so atribudas aos efeitos da

    poluio atmosfrica urbana e da intradomiciliar (causada principalmente pela

    queima de combustveis slidos para aquecimento e preparao de alimentos)

    (WHO 2002; WHO 2006). Mais da metade dessa carga de doena acontece nos pases em desenvolvimento (WHO, 2006).

    Em muitos dos grandes centros urbanos do pas as concentraes de

    poluentes ainda so altas (Marclio e Gouveia, 2007). No entanto, os nveis de

    poluentes esto diminuindo, geralmente devido a maior controle sobre as fontes de

    emisso, mudanas nos padres de utilizao de combustveis e o encerramento de

    Carga de doena: conceito epidemiolgico de mensurao da morbidade na populao. Seu objetivo descrever de modo mais preciso o impacto que determinada

    doena ou transtorno provoca na vida das pessoas, quando as acomete.

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    instalaes industriais obsoletas, no obstante o aumento constante da frota de

    veculos (Cetesb, 2012).

    2.1. Foras motrizes e presses

    A composio da atmosfera afetada por praticamente todas as atividades

    humanas. O aumento populacional, o desenvolvimento econmico e o aumento na

    demanda por energia e por transportes, so as principais foras motrizes das emisses de substncias para a atmosfera.

    Alm do crescimento, a populao vem se urbanizando cada vez mais,

    urbanizao esta que vem ocorrendo de maneira muito rpida e desorganizada.

    Atualmente mais da metade da populao mundial vive em reas urbanas. No

    Brasil, 84% da populao vivem em reas urbanas e 55% em cidades com mais de

    100 mil habitantes (IBGE, 2011). E se por um lado tem havido um controle

    razoavelmente eficiente das agncias ambientais, como a CETESB em So Paulo

    (CETESB, 2012), sobre as emisses de poluentes atmosfricos de origem industrial,

    por outro tem havido um aumento acentuado na frota de veculos que passaram a

    ser a principal fonte de poluio atmosfrica nas reas urbanas. Alm disso, no

    cenrio brasileiro atual de crescimento e desenvolvimento, tem sido muito comum a

    utilizao das queimadas em reas florestais ou plantadas (por exemplo, com cana

    de acar), gerando grande quantidade de poluio que atinge no apenas as reas

    rurais, mas tambm as cidades.

    Foras motrizes conceito: Fora que move, que produz movimento, mas em sentido figurado significa aquele ou aquilo o que faz as coisas

    acontecerem. Este conceito ser aprofundado na Unidade 1 da Disciplina 4.

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    Assim, a queima de biomassa (ex.: bagao ou palha de cana, carvo vegetal

    etc.) e de combustveis fsseis (carvo mineral e derivados do petrleo) para

    gerao de energia em veculos automotores, em processos industriais, para

    aquecimento domstico, nas queimadas agrcolas e no descarte de resduos slidos

    por incinerao so geralmente as principais fontes de emisses de poluio do ar

    para a atmosfera.

    2.2. Os principais contaminantes atmosfricos

    Os poluentes atmosfricos existem sob a forma de gases e partculas. So

    denominados contaminantes primrios o monxido de carbono (CO), o dixido de

    enxofre (SO2), os xidos de nitrognio (NO e NO2, coletivamente denominados NOx)

    e os hidrocarbonetos. Na atmosfera estes contaminantes se dispersam e sofrem

    transformaes fotoqumicas, produzindo outros contaminantes, denominados de

    secundrios como o cido sulfrico (H2SO4), o cido ntrico (HNO3), diversos nitratos

    e o oznio (O3).

    As partculas (poeiras) so classificadas de acordo com seu tamanho em

    Partculas Totais em Suspenso (PTS), de dimetro at 100 m, o material particulado inalvel ou MP10 com dimetro 10m, e as partculas finas (PM2,5) de dimetro

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    a) Monxido de Carbono (CO): o CO um gs txico, sem odor, sem cor e fruto da combusto de diversos processos industriais, do escapamento de veculos

    automotores e do fumo do cigarro. A intoxicao aguda pode ser fatal. A sua

    toxicidade se deve em parte a sua propriedade relacionada afinidade pela heme

    da hemoglobina e da mioglobina. O CO quando absorvido pelo sangue forma a

    carboxihemoglobina, o qual produz uma diminuio da oxihemoglobina e uma

    reduo do transporte de oxignio at os tecidos. O CO possui uma afinidade 300

    vezes maior com a hemoglobina do que o oxignio, o que favorece a hipoxemia

    (baixa concentrao de oxignio no sangue) em pessoas expostas.

    b) xidos de Nitrognio (NO e NO2): no grupo genrico dos xidos de nitrognio (NOx) se inclui o dixido de nitrognio (NO2), monxido de nitrognio

    (NO), cido ntrico (HNO3) e nitratos. So formados por reaes de oxidao do

    Nitrognio (N) atmosfrico durante a combusto. As principais fontes antropognicas

    vo desde combusto de automveis, processos industriais, usinas trmicas,

    incinerao, at a oxidao de fertilizantes a base de nitrognio. Como fontes

    naturais merecem destaque certas bactrias que liberam grande quantidade de

    xido ntrico (NO), e que ento transformado no real poluente dixido de nitrognio

    (NO2). A principal fonte de produo de NO e NO2 a emisso de veculos

    automotores.

    Uma vez na atmosfera, o NO2 leva formao de compostos orgnicos txicos

    irritantes e genotxicos como o cido ntrico, nitratos, O3 e outros. Pelo carter

    lipoflico do NO2, quando inalado ele atinge pores perifricas dos pulmes. Seus

    efeitos vo desde irritao das vias areas at enfisema pulmonar.

    c) Dixido de Enxofre (SO2): o SO2 um gs amarelado, com odor caracterstico de enxofre e muito irritante quando em contato com superfcies

    midas, pois se transforma em cido sulfrico. O SO2 um contaminante produzido

    por queima de combustveis fsseis, como carvo e petrleo, escapamento de

    veculos automotores e subproduto de processos industriais. Logo, as principais

    fontes antropognicas so automveis, usinas termoeltricas, fundies e produo

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    de papel. J as fontes naturais incluem as erupes vulcnicas e oxidaes de

    gases de enxofre consequentes da decomposio de plantas.

    A intoxicao pelo SO2 pode causar irritao da mucosa respiratria desde

    nasofaringe, orofaringe at alvolos, levando a inflamao, hemorragia e necrose

    (morte de tecidos). A resposta fisiolgica primria a inalao do SO2 uma

    broncoconstrico (contrao da parede dos brnquios pulmonares com diminuio

    de seu calibre) reflexa e reversvel. Pode tambm causar hemorragias e necrose

    pulmonar. Quando em atividade fsica, um indivduo aumenta a penetrao desses

    toxicantes, pois aumenta a ventilao alveolar, assim esses xenobiticos podem

    alcanar pores distais do pulmo (Casarett & Doulls, 2001; Oga, 2008).

    d) Material Particulado (MP): o ar atmosfrico contm partculas em

    suspenso que variam de 0.1 a 10 m de dimetro. Partculas maiores que 10 m so efetivamente filtradas pelo nariz e nasofaringe, onde essas grandes partculas

    ficam depositadas e que podem ser vistas em expectoraes e/ou saliva. Partculas

    menores que 10 m de dimetro (MP10), ficam retidas nas vias areas superiores e podem ser depositadas na rvore traqueobrnquica. As partculas menores que 2,5

    m de dimetro (MP2,5) depositam-se no brnquio terminal, e, nos alvolos. Concentraes de MP2,5 representam, em geral, em torno de 45 a 65% da

    concentrao de MP10. A indstria e o transporte so as principais fontes poluidoras

    de material particulado (MP).

    e) Oznio (O3): o oznio (O3) se forma na atmosfera a partir da reao do oxignio molecular (O2) com o oxignio atmico (O-). O NO2, a partir de uma reao

    fotoqumica, produz o oxignio atmico. Portanto, a combinao com o O2 produz

    O3. A formao de O3 tpica de reas urbanas. um poluente que apresenta

    concentrao maior em ambientes externos do que nos ambientes internos e em

    altas concentraes pode trazer prejuzo irreversvel ao trato respiratrio e aos

    pulmes. A baixa solubilidade do oznio facilita sua chegada aos alvolos

    produzindo mudanas irreversveis na estrutura do pulmo, resultando em doenas

    crnicas como enfisema e bronquite. Este poluente afeta a populao por meio de

    irritao ocular e do sistema respiratrio, o que leva a perda da funo pulmonar

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    tornando-o mais suscetvel a infeces e agravando doenas preexistentes como a

    asma. Alm disso, o oznio causa prejuzos ao sistema imunolgico, reduo da

    camada de gordura, aumento de infeces e envelhecimento precoce da pele devido

    sua degenerao elstica.

    As fontes de emisso dos precursores do O3 so os veculos automotores e

    as fontes industriais. Os nveis de O3 iniciam sua elevao no perodo da manh e

    tem seu pico durante tarde, decaindo a partir do incio da noite.

    Diversas cidades brasileiras contam com redes de monitoramento da

    qualidade do ar, geralmente de responsabilidade dos rgos ambientais ou algumas

    vezes do setor privado (grandes siderrgicas, por exemplo). As informaes geradas

    por essas redes de monitores devem estar disponveis para a populao e devem

    ser utilizadas pelos servios de sade para caracterizar a qualidade do ar de

    determinada regio e fazer seu acompanhamento.

    2.3. Os impactos na sade

    A exposio aos poluentes atmosfricos est associada a diversas doenas.

    Uma vez que o aparelho respiratrio diretamente afetado pela inalao do ar

    poludo, as doenas respiratrias so as mais relacionadas exposio poluio

    atmosfrica, no entanto, doenas cardiovasculares, restrio do crescimento

    intrauterino, distrbios da fertilidade, prematuridade, malformaes congnitas e

    mesmo o cncer tm sido relatados como associados aos nveis elevados de

    poluentes atmosfricos urbanos (GOUVEIA E MAISONET, 2005; 2006).

    Diversos estudos realizados em cidades brasileiras tm encontrado

    associaes entre os nveis urbanos de poluio do ar e diferentes aspectos de

    sade (GOUVEIA E MAISONET, 2005). O Quadro 1 apresenta uma relao dos

    principais desfechos de sade identificados como associados exposio poluio

    atmosfrica em estudos brasileiros.

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    17

    Quadro 1 Principais desfechos de sade relacionados poluio do ar

    Mortalidade geral Mortalidade em idosos Mortalidade infantil ou em menores

    de 5 anos

    Mortalidade neonatal Mortalidade intrauterina Mortalidade por doenas

    respiratrias ou cardiovasculares

    Hospitalizaes por doenas respiratrias ou cardiovasculares

    Hospitalizaes em crianas causas respiratrias

    Comparecimento a servios de emergncia por estas mesmas causas

    Baixo peso ao nascer Aumentos em sintomas respiratrios

    em crianas

    Alterao na funo pulmonar Aumento nos episdios de doena

    respiratria aumento na prevalncia de doenas respiratrias

    Fonte: Gouveia e Maisonet, 2005

    Os efeitos adversos da poluio do ar no sistema respiratrio so variados

    indo desde sintomas sutis e inespecficos como dor de garganta e aumento da tosse

    e chiado, ao aumento das taxas de ataques de asma, reduo da capacidade

    pulmonar, aumento nas consultas mdicas e nas admisses hospitalares, at

    finalmente a morte (ATS, 2000). Essas ltimas, no somente por causas

    respiratrias totais, mas tambm por causas especficas, como a pneumonia em

    crianas ou doena pulmonar obstrutiva crnica (DPOC) em idosos.

    Alm disso, atendimentos de emergncia e visitas ambulatoriais por doenas

    respiratrias totais ou mais especificamente para infeces respiratrias e asma em

    crianas e DPOC em adultos tambm tm sido relatados (Farhat 2005; Tenias et al,

    2002). Na verdade, ainda pouco claro se a poluio do ar contribui para o

    desenvolvimento de asma, mas as evidncias indicam que a poluio pode atuar

    como um gatilho, iniciando episdios de ataque de asma (Boutin-Forzano, 2005).

    A magnitude dos efeitos encontrados tem variado bastante. Por exemplo,

    encontraram-se aumentos da ordem de 1% a 6% na mortalidade geral relacionada a

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    18

    um incremento de 10g/m3 nos nveis de MP10, em estudos realizados em pases da

    Amrica Latina (Gouveia e Maisonet, 2005). Valores semelhantes tm sido

    reportados em estudos conduzidos nos EUA e Europa, e esta variabilidade no

    tamanho do efeito , em parte, decorrente da utilizao de tcnicas de anlise

    diferentes nos vrios estudos.

    No Brasil, estima-se que cerca de 5% do total de bitos por causas

    respiratrias entre idosos e crianas podem ser atribudos ao nvel mdio de

    poluio atmosfrica das cidades brasileiras (Marclio e Gouveia, 2007).

    importante destacar que a frequncia de ocorrncia de efeitos na sade

    inversamente proporcional a sua gravidade (Figura 1). Ou seja, a proporo da

    populao afetada de maneira mais leve, muitas vezes subclnica, muito maior que

    aquela que desenvolve efeitos mais graves levando, por exemplo, a internao

    hospitalar ou morte e, portanto, quase no aparecendo nas estatsticas de sade.

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    19

    Figura 1: Pirmide com efeitos da poluio do ar na sade

    mortalidade precoce

    hospitalizaes

    visitas ao Pronto Socorro

    visitas ao mdico/ambulatrio

    restrio de atividades

    reduo da performance

    uso de medicamentos

    exacerbao de sintomas

    alteraes fisiolgicas no sistema cardiovascular

    prejuzos na funo pulmonar

    efeitos subclnicos

    proporo da populao afetada

    Fonte: Adaptado de Gouveia e Maisonet, 2006

    Os subgrupos populacionais de maior suscetibilidade (disposio especial

    para sofrer influncias e contrair enfermidades) aos efeitos da poluio do ar incluem

    crianas e idosos, alm daqueles com doenas cardacas e respiratrias pr-

    existentes. Alguns estudos indicam que portadores de doenas crnicas como o

    diabetes tambm so mais suscetveis aos efeitos adversos da poluio do ar

    (Gouveia e Maisonet, 2006).

    Indivduos com doena respiratria ou cardiovascular crnica devem ser

    alertados para os efeitos adversos da exposio a poluio do ar. importante

    informar que a atividade fsica em ambientes externos durante perodos em que o ar

    se encontra mais poludo (perodos de inverno em que as inverses trmicas so

    gravidade do efeito

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    20

    mais frequentes, em dias de baixa umidade ou no horrio de pico da radiao solar,

    quando os nveis de oznio atingem suas maiores concentraes) aumenta o risco

    de efeitos adversos.

    preciso, ainda, levar em considerao possveis fontes de contaminao do

    ar dentro dos domiclios. A utilizao de fornos a lenha e lareiras pode levar a nveis

    extremamente altos de material particulado no ambiente intradomiciliar. Os produtos

    utilizados para a limpeza e higiene dentro dos domiclios (domissanitarios) incluindo

    os produtos a base de solventes, os inseticidas e as tintas utilizadas nas paredes

    so fontes de compostos orgnicos volteis (VOC) que tambm podem exacerbar

    doenas respiratrias pr-existentes. Uma boa ventilao no domiclio, o cuidado ou

    mesmo a no utilizao de inseticidas domsticos, a utilizao de combustveis mais

    limpos como o gs liquefeito de petrleo (GLP) e a utilizao de foges a lenha com

    ventilao adequada podem diminuir esse tipo de poluio.

    A realizao de estudos que identificam os efeitos da poluio atmosfrica na

    sade tem sido possvel porque existem hoje no Brasil numerosos sistemas de

    informao desenvolvidos e mantidos pelo poder pblico, para finalidades diversas.

    Esses sistemas incluem informaes variadas em sade como mortalidade,

    hospitalizaes, informaes sobre nascimentos etc. Embora ainda persistam

    grandes diferenas entre os diversos sistemas de informao, j possvel hoje

    compatibiliz-los a partir de bases territoriais e grupos populacionais especficos. Os

    principais sistemas de informao de importncia para a Vigilncia em Sade

    Ambiental no pas, bem como suas potencialidades e limitaes sero apresentados

    na Disciplina 4 deste curso.

    De todo modo, a evidncia trazida por estes estudos, de efeitos adversos

    sade ocasionados pelos atuais nveis de poluio atmosfrica, tem subsidiado o

    setor sade no Brasil no desenvolvimento de aes de vigilncia da poluio do ar.

    Isto vem se dando, por exemplo, por meio da criao de indicadores que

    dimensionam o impacto da poluio do ar na sade. Estes indicadores vm sendo

    utilizados tanto para sensibilizar gestores e a prpria populao dos malefcios

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    21

    causados pela exposio aos altos nveis de contaminao do ar, quanto para

    permitir quantificar provveis benefcios das aes de controle da poluio e a

    comparao com os custos para sua implementao.

    Desse modo, tem sido possvel compreender melhor e quantificar os

    potenciais danos sade relacionados contaminao do ar e essas informaes

    tm contribudo na construo de um sistema de vigilncia desses efeitos. Como

    exemplo, podemos citar o programa de Vigilncia em Sade de Populaes

    Expostas Poluio do Ar VIGIAR, do Ministrio da Sade, j visto na Disciplina 1

    Unidade 3 Vigilncia em Sade Ambiental no SUS. Mais informaes sobre a

    Vigilncia de poluentes atmosfricos sero discutidas na Unidade Informao no

    Subsistema Nacional de VSA Disciplina 4.

    3. Processo sade-doena relacionado contaminao do solo

    Em 1987 a Comisso Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento (Comisso

    Brundtland) alertou no seu relatrio final, Nosso Futuro Comum: Se as

    necessidades humanas tem que ser supridas, os recursos naturais do planeta tem

    que ser conservados e aprimorados. O uso da terra para agricultura e silvicultura

    tem que ser baseado em avaliaes cientficas da capacidade da terra e a depleo

    anual do solo (UN, 1987). Embora experincias locais tenham acontecido, as

    diretrizes e os princpios estabelecidos na Conferncia das Naes Unidas sobre o

    Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a ECO-92, devem ser convertidos em

    ferramentas e polticas globais efetivas (DENT et. al., 2007).

    Nos ltimos 20 anos, o aumento da populao, o crescimento econmico e a

    emergncia de mercados globais levaram a mudanas sem precedentes no uso do

    solo e, se mantidas essas tendncias, aumentaro a explorao dos recursos ao

    longo dos prximos 50 anos. As mudanas mais dinmicas tm sido na cobertura

    florestal, composio, expanso e intensificao das reas de cultura e o

    crescimento das reas urbanas. O uso no sustentado do solo leva a degradao

    por contaminao e poluio, eroso e depleo dos nutrientes do solo. Em algumas

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    22

    reas, o excesso de nutrientes causam eutrofizaoe pode haver escassez de gua

    e salinizao. Em decorrncia da degradao do solo acontecem distrbios de ciclos

    biolgicos dos quais depende a vida, bem como impactos sociais e interferncias no

    desenvolvimento econmico (DENT et.al., 2007).

    3.1. Foras motrizes e presses

    Entre os fatores desencadeantes das mudanas no uso do solo esto o

    grande aumento e a densidade populacional, o aumento na produtividade, os

    elevados padres de consumo e as mudanas tecnolgicas, polticas e climticas.

    As decises pessoais sobre o uso do solo so motivadas pela memria coletiva e

    histria individual, valores, crenas e percepes. Os fatores desencadeantes e

    presses podem ser de dois tipos: lentos (ex.: crescimento natural da populao, corrupo e m distribuio da terra) que resultam em impactos em dcadas; e

    rpidos (ex.: migrao, guerras, desvalorizao, epidemias/doenas) cujos impactos so observados em um ano.

    Os fatores desencadeantes das mudanas do uso do solo se modificam ao

    longo do tempo. Por exemplo, nos sculos XIX e XX a Amaznia foi explorada para

    atender ao mercado mundial de borracha; na segunda metade do sculo XX foi

    voltada para economia nacional com o desmatamento de grandes reas para a

    pecuria; atualmente atende ao mercado nacional e internacional resultando em

    intensificao do uso do solo e contnua converso da floresta, principalmente em

    fazendas, incluindo pastos e monoculturas, e reas de minerao (DENT et. al.,

    2007; ARAUJO, 2008).

    As mudanas no uso do solo esto influenciadas pelas necessidades locais,

    demandas urbanas no entorno e necessidades econmicas regionais e globais. Em

    nvel global, sries histricas de dados confiveis so escassas, mas as informaes

    disponveis mostram que as maiores alteraes nos ltimos 20 anos ocorreram nas

    florestas, principalmente pela converso em reas de cultura, pastos e extrao de

    madeira e tambm replantio de novas florestas. Desde 1987, as maiores converses

    ocorreram na bacia amaznica, sudeste asitico e no centro e sul da frica. As

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    23

    reas de floresta aumentaram na Eursia Boreal e partes da sia, Amrica do Norte,

    Amrica Latina e Caribe, principalmente por replantio de novas florestas (FAO,

    2006). A degradao das florestas por causas naturais e humanas generalizada

    (DENT et. al., 2007).

    A intensidade do uso do solo aumentou dramaticamente desde 1987,

    resultando em maior produo por hectare. A produtividade dos cereais teve um

    incremento de 17% na Amrica do Norte, 25% na sia, 37% no oeste asitico e 40%

    na Amrica Latina e Caribe. Unicamente na frica permaneceu estvel. No entanto,

    a produo mundial de cereais per capita alcanou o mximo nos anos 80, mas

    desde ento vem diminuindo apesar do aumento da mdia das safras.

    No Brasil, segundo as Projees do Agronegcio de 2010/11 a 2020/21 do

    Ministrio da Agricultura Pecuria e Abastecimento os produtos que indicam maior

    potencial de crescimento da produo e das exportaes nos prximos anos

    devero ser o algodo, soja, carne bovina, carne de frango, acar, papel e

    celulose. Em relao produo atual, o aumento ser: algodo em pluma, 47,8%,

    soja gro, 25,9%, carne de frango, 30%, cana de acar, 24,6%, papel, 24,7% e

    celulose, 34%. Nesse perodo, em volume, a produo de gros (soja, milho, trigo,

    arroz e feijo) dever passar de 142,9 para 175,8 milhes de toneladas, acrscimo

    de 33,0 milhes de toneladas; a produo de carnes (bovina, suna e aves) dever

    aumentar em 6,5 milhes de toneladas, um acrscimo de 26,5% em relao

    produo de carnes de 2010/2011 (BRASIL, 2011).

    As cidades esto se expandindo rapidamente e mesmo s ocupando uma

    pequena porcentagem da superfcie terrestre elas demandam alimentos, gua,

    matrias-primas e locais para destinao de resduos (DENT et. al., 2007). No Brasil,

    a urbanizao passou de 31%, em 1940, para 81,2%, em 2000, e segundo o censo

    de 2010, atualmente 84,4% da populao brasileira (190.755.799) vive nas cidades.

    A regio Sudeste continua sendo a mais urbanizada, com 92,9%, seguida pelas

    regies Centro-Oeste (88,8%) e Sul (84,9%), enquanto as regies Norte (73,5%) e

    Nordeste (73,1%) tm mais de 1/4 dos seus habitantes vivendo em reas rurais. Rio

    de Janeiro (96,7%), Distrito Federal (96,6%) e So Paulo (95,9%) so as unidades

    da federao com maiores graus de urbanizao. Os estados que possuem os

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    24

    menores percentuais de populao vivendo em reas urbanas esto concentrados

    nas regies Norte e Nordeste, sendo que Maranho (63,1%), Piau (65,8%) e Par

    (68,5%) apresentam os ndices abaixo de 70% (IBGE, 2011).

    3.2. Contaminao qumica do solo e impactos sobre a sade

    As mudanas no uso do solo resultaram tanto em efeitos negativos como

    positivos no bem-estar humano, e na proviso de servios. O grande aumento na

    produo de bens agrcolas e florestais trouxe maiores riquezas e melhores

    condies de vida para bilhes de pessoas, porm, custa da degradao do solo

    (contaminao, eroso, esgotamento dos nutrientes e salinizao), desertificao,

    perda da biodiversidade e desregulao de ciclos biofsicos, tais como o ciclo da

    gua e dos nutrientes (DENT et.al., 2007). Estas mudanas no uso do solo tm

    impactos negativos na sade da populao e devem ser objeto das aes de

    Vigilncia em Sade Ambiental. Nesta unidade sero tratados os impactos

    relacionados contaminao qumica.

    Os produtos qumicos so usados em todos os aspectos da vida, isto inclui os

    processos industriais, energia, transporte, agricultura, medicamentos, limpeza e

    refrigerao. A maioria dos produtos consumidos derivada da produo qumica,

    desde higiene pessoal e produtos eletrnicos at detergentes e consumveis

    artesanais. No dia a dia estamos em contato com plsticos e outros materiais

    sintticos, fibras txteis e materiais de construo (OECD, 2011). A Organizao de

    Cooperao para o Desenvolvimento Econmico (OECD) estimou que para 2020

    cerca de um tero da produo qumica mundial ocorrer em pases no membros

    da OECD e a produo ser 85% maior que em 1995. Esta mudana da produo

    para os pases mais pobres aumentar os riscos para sade e o ambiente (OECD

    2001).

    A produo e o uso de produtos qumicos nem sempre so acompanhados

    das medidas de segurana adequadas. Existe contaminao ambiental decorrente

    das emisses, resduos e degradao dos produtos qumicos industriais, indstria

    farmacutica e outras commodities, produo e uso de agrotxicos. Tambm esto

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    25

    aumentando as evidencias cientficas sobre a persistncia destas substncias

    qumicas nos ecossistemas e seus efeitos deletrios na sade humana e animal

    (DENT et. al., 2007).

    O solo alvo de um amplo leque de fontes de contaminantes e resduos

    qumicos, tais como resduos slidos urbanos, processos industriais, agricultura e

    minerao. Os contaminantes qumicos txicos podem ser gerados a partir de fontes

    pontuais como os estoques de resduos perigosos, fontes de gerao de energia,

    incinerao e processos industriais curtumes, usinas de papel. Tambm so

    emitidos de fontes difusas como as emisses veiculares, aplicao agrcola de

    agrotxicos e fertilizantes, bem como os esgotos contendo resduos de processos

    qumicos, produtos de consumo e da indstria (DENT et al., 2007).

    Existe um legado de reas industriais e urbanas contaminadas nos

    tradicionais polos industriais, principalmente nos Estados Unidos, Europa e na

    extinta Unio Sovitica. Na Europa, estima-se que existam mais de dois milhes de

    reas contaminadas com metais pesados, cianeto, leo mineral e hidrocarbonetos

    policclicos aromticos. Desse total, em torno de 100 mil necessitam remediao

    (EEA, 2005).

    As reas (potencialmente) contaminadas por resduos so uma consequncia

    do processo produtivo que interfere nas condies ambientais locais e na qualidade

    de vida das populaes. Constituem um problema complexo com inmeros aspectos

    a serem considerados, tais como: (i) um amplo leque de atores sociais; (ii) incertezas

    relacionadas, por exemplo, definio do grau, extenso de contaminao e efeitos

    dos qumicos sobre o meio ambiente e a sade das populaes atingidas; (iii) a

    definio de quais seriam as medidas pertinentes que deveriam ser tomadas e qual

    a conduo adequada na busca de solues para os problemas (FERNANDES,

    2008).

    No Brasil, em 2004, o Ministrio da Sade em conjunto com os estados e

    municpios iniciou o registro das reas contaminadas. Este registro vem sendo feito

    continuamente, com atualizao dos dados e divulgao das informaes. O

    Sistema de Informao de Vigilncia em Sade de Populaes Expostas a Solo

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    26

    Contaminado (SISSOLO) armazena as informaes das fichas de campo e est

    implantado em todos os estados brasileiros. No perodo de 2004 a 2012 foram

    cadastradas 8.123 reas, com estimativa de 17.590.000 pessoas potencialmente

    expostas. As tabelas X e XX mostram a distribuio das reas por regio e a origem

    da contaminao (SISSOLO, 2012).

    Tabela 1. Distribuio das reas contaminadas com populaes (potencialmente) expostas segundo regio, Brasil, 2004-12.

    Regio Frequncia %

    Nordeste 3.057 37,6

    Sudeste 1.738 21,4

    Sul 1.210 15,0

    Centro-Oeste 1.075 13,2

    Norte 1.043 12,8

    Total 8.123 100

    Fonte: MS/SVS/SISSOLO, 2012.

    Tabela 2. Distribuio das reas contaminadas com populaes (potencialmente) expostas segundo fonte da contaminao, Brasil, 2004-12.

    Fonte Frequncia %

    - Unidades de Postos de

    Abastecimento e Servios 3.026 37,3- Disposio Final de Resduos

    Urbanos 1.925 23,7- reas Industriais 1.097 13,5- Contaminao Natural 742 9,1- reas Desativadas 505 6,2- Depsitos de Agrotxicos 329 4,1- reas Agrcolas 262 3,2- reas de Disposio de

    Resduos Industriais 153 1,9- reas de Minerao 52 0,6- reas Contaminadas por

    Acidentes com Produtos

    Perigosos 32 0,4Total 8.123 100 Fonte: MS/SVS/SISSOLO, 2012

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    27

    Nos ltimos 25 anos aumentaram as evidncias em relao s graves

    consequncias dos resduos e produtos qumicos no ambiente e bem-estar humano

    (WHO, 2003). Os riscos sade associados ao solo contaminado ocorrem pela

    exposio ocupacional, quando o trabalhador realiza suas atividades na rea

    contaminada; exposio da populao geral, quando h propagao da

    contaminao para o entorno; e reutilizao da rea contaminada para nova

    finalidade, quando o novo usurio no tem conhecimento dessa contaminao

    (BESEN, 2010).

    Os agravos (agudos, subcrnicos e crnicos) decorrentes da exposio

    humana a contaminantes qumicos nas reas contaminadas, as doenas crnico

    degenerativas e o cncer, que se manifestam aps longo tempo de exposio,

    evidenciam o novo perfil de morbidade nos grupos de populao exposta (BUENO,

    2008; CMARA, 2002). No caso de populaes vulnerabilizadas por precrias

    condies econmicas e sociais, a contaminao implica em um agravamento das

    suas condies de sade, conduzindo a um quadro de diferenas epidemiolgicas e

    de consumo de servios entre a populao (BUENO, 2008; FAHEL, 2007).

    A relao entre a exposio aos contaminantes qumicos e seus possveis

    agravos (cncer e no cncer - subclnicos e clnicos) na populao um desafio

    para os profissionais de sade das diversas reas, principalmente toxicologia clnica,

    epidemiologia etc., pela multicausalidade. Em geral, os efeitos no so agudos e na

    maioria das vezes os efeitos crnicos so inespecficos e de difcil deteco,

    especialmente, quando no existe uma linha de cuidado na rotina dos servios de

    sade para o acompanhamento sade dos expostos.

    A Organizao Mundial da Sade (OMS) estima que, a cada ano, ocorram

    355 mil bitos no mundo por intoxicao no intencional (WHO, 2003). Nos pases

    em desenvolvimento onde ocorrem dois teros dos bitos as intoxicaes esto

    fortemente associadas com a exposio excessiva e uso inadequado dos produtos

    qumicos (WORLD BANK, 2002). Alm disso, tambm a OMS estima que a cada

    ano, trs milhes de pessoas tm intoxicao grave por agrotxicos no mundo,

    sendo 20 mil bitos no intencionais (WHO, 1992).

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    28

    No Brasil, os dados das intoxicaes tambm mostram o problema. O

    Sistema de Informaes Txico-Farmacolgicas (Sinitox) em 2009 registrou 101.086

    casos de intoxicaes, dessas 409 resultaram em bito. Dados do Sistema de

    Informao de Agravos de Notificao (SINAN) mostram que as intoxicaes agudas

    por agrotxicos ocupam o segundo lugar, s superados pelos medicamentos, e com

    tendncia de aumento, sendo que em 2007 foram registrados 2.071 casos e 3.466

    em 2011, um aumento de 67,3% (Malaspina et al., 2011). Em relao aos bitos,

    nos dados do Sistema de Informao de Mortalidade de 2000 a 2008, foram

    encontrados 1.669 bitos por intoxicao por agrotxico (Santana et al., 2012).

    Em relao aos tipos de contaminantes, na anlise de 1.435 reas

    cadastradas no Sissolo, entre 2004 e 2008, foram descritos 4.058 diferentes

    contaminantes potenciais ou confirmados (elementos, substncias, compostos e/ou

    misturas qumicas). De acordo com a Tabela 3, possvel verificar que os grupos de

    contaminantes qumicos mais frequentes foram os hidrocarbonetos com 38,4%

    (1.557) das ocorrncias, seguidos dos resduos com 29,5% (1.185), os agrotxicos

    com 16,8% (675) e os metais com 9,3% (236) (BUENO, 2008).

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    29

    Tabela 3 Distribuio das reas contaminadas com populaes (potencialmente) expostas segundo grupos de contaminantes, Brasil, 2004 08.

    Grupo de contaminantes Frequncia % Grupo % Total HIDROCARBONETOS

    Aromticos Sem especificao

    Subtotal

    340

    1.217 1.557

    25,8 74,2 100

    8,4

    30,0 38,4

    RESDUOS Servios de sade Urbanos Orgnicos Industriais Inorgnicos Petrleo Radioativos Sem especificao

    Subtotal

    282 281 227 129 116 45 5

    100 1.185

    23,8 23,7 19,2 10,9 9,8 3,8 0,4 8,4 100

    7,0 6,9 5,6 3,3 2,9 1,2 0,1 2,5

    29,5 AGROTXICOS

    Organofosforados Piretroides Organoclorados Fungicidas Sem especificao

    Subtotal

    253 186 93 38

    105 675

    37,5 27,5 13,8 5,6

    15,6 100

    6,3 4,6 2,3 0,9 2,7

    16,8 METAIS

    Pesados No Pesados

    Subtotal

    225 152 377

    59,7 40,3 100

    5,6 3,7 9,3

    OUTROS 236 100 6,0 Total 4058 100 Fonte: BUENO, 2008.

    Saiba mais: Na biblioteca do AVA voc encontrar a leitura complementar

    Contaminantes Ambientais, que traz alguns dos principais poluentes ambientais e

    sua relao com a sade humana.

    4. Processo sade-doena relacionado contaminao da gua

    Assim como para a contaminao do solo, o relatrio Nosso Futuro Comum

    tambm alertou para a contaminao e o uso exaustivo dos reservatrios hdricos do

    planeta em vrias partes do mundo (UN, 1987).

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    30

    A energia solar absorvida pela superfcie da terra, principalmente pelos

    oceanos, determina a circulao da gua do planeta. A maior transferncia de gua

    entre o oceano e a atmosfera ocorre por evaporao e precipitao. Portanto, os

    oceanos so a fonte principal das precipitaes (chuvas e neve), mas a gua para

    consumo humano na grande maioria obtida das precipitaes no solo e uma

    pequena quantidade, embora crescente, por dessalinizao (ARTHURTON et al.,

    2007).

    A figura 2 mostra as propores dos tipos de gua que existem no planeta.

    Entretanto, a gua disponvel para utilizao vem dos 11% da gua doce superficial

    e da gua subterrnea que pode ser aproveitada para irrigao, uso urbano e

    industrial, e para reservatrios de gua potvel (DENT et. al., 2007).

    Figura 2. Distribuio por tipos de gua disponvel no planeta.

    Fonte: Modificado de ARTHURTON et al., 2007.

    97,5

    2,50

    102030405060708090100

    Oceanos guaDoce

    %guaTotal68,5

    30,1

    0,8 0,4

    %guaDoce

    67,4

    12,2 9,5 8,51,6 0,8

    %guasuperficialeatmosfrica

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    31

    SAIBA MAIS

    guas subterrneas: guas que ocorrem natural ou artificialmente no subsolo (Resoluo Conama n 396 de 2008). Preenchem os poros ou vazios

    intergranulares das rochas sedimentares, ou as fraturas, falhas e fissuras das

    rochas compactas, e que sendo submetida a duas foras (de adeso e de

    gravidade) desempenham um papel essencial na manuteno da umidade do

    solo, do fluxo dos rios, lagos e brejos.

    guas Superficiais: parcela de gua armazenada ou fluindo sobre a superfcie, que est continuamente interagindo com a atmosfera e com o solo;

    so as guas que escoam ou acumulam na superfcie do solo, como os rios,

    riachos, lagos, lagoas, pntanos.

    guas doces: guas com salinidade igual ou inferior a 0,5 (Resoluo Conama N 357, 2005).

    guas salobras: guas com salinidade superior a 0,5 e inferior a 30 (Resoluo Conama N 357, 2005).

    guas salinas: guas com salinidade igual ou superior a 30 (Resoluo Conama N 357, 2005).

    guas Residuais: so guas cuja composio resulta de diversas atividades ou ocorrncias ligadas vida do homem e das comunidades humanas, as

    quais podem ter origem na necessidade de transportar resduos domsticos,

    comerciais, industriais, agrcolas ou agropecurias, para longe dos locais de

    produo; na utilizao da gua para fins higinicos, recreativos e outros; ou seja guas que foram utilizadas em atividades domsticas, industriais ou

    agrcolas e que contm uma grande variedade de resduos.

    Segundo o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC, 2007) o

    aquecimento climtico evidente e est aquecendo e acidificando os oceanos. O

    aumento da temperatura dos oceanos e do nvel do mar diminui a quantidade de

    gua superficial e para consumo humano disponvel e aumenta a contaminao

    vinda do solo pela acidificao que aumenta a solubilidade de agentes txicos (ex.:

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    32

    alumnio e mangans) e diminui a populao de micro-organismos envolvidos na

    decomposio da matria orgnica.

    Diminui tambm a gua disponvel para irrigao e aumenta a salinizao,

    portanto, aumenta a demanda por gua subterrnea. Alm disso, sobem os custos

    da gua e diminui a vida til dos poos.

    O aquecimento global influencia, tambm, a temperatura da superfcie

    terrestre, interfere na frequncia, na quantidade e na intensidade das precipitaes,

    incluindo tempestades e secas. No solo, estas mudanas afetam a disponibilidade e

    qualidade de gua doce, escoamento de gua superficial e recarga dos aquferos

    subterrneos, e disseminao dos vetores de doenas de veiculao hdrica.

    (Arthurton et al., 2007). As doenas gastrintestinais e a malria so problema de

    sade pblica em muitos pases em desenvolvimento e preocupa a possibilidade

    que piora decorrente das mudanas climticas. O aquecimento continuo poder

    causar alteraes geogrficas (latitude e altitude) e sazonalidade de algumas

    doenas infecciosas, incluindo malria e dengue e de veiculao hdrica e alimentar,

    cuja maior frequncia ocorre em perodos mais quentes (Kuylenstierna et al., 2007).

    A gua subterrnea, alm de ser um bem econmico, considerada

    mundialmente uma fonte imprescindvel de abastecimento para consumo humano,

    para as populaes que no tm acesso rede pblica de abastecimento ou para

    aqueles que, tendo acesso a uma rede de abastecimento, tm o fornecimento com

    frequncia irregular (Freitas, et. al., 2001). Praticamente todos os pases do mundo

    fazem uso da gua subterrnea, que abastece cerca de 1,5 bilho de pessoas

    (FLORES, 2000). No Brasil, o abastecimento vem tanto de guas superficiais como

    subterrneas. Do total de municpios 47% so abastecidos exclusivamente por

    guas superficiais, 39% por guas subterrneas e 14% pelos dois tipos de

    mananciais (ANA, 2010).

    Nos ltimos 25 anos foi observada uma tendncia mundial de aumento do uso

    dgua para atender demanda do crescimento da populao e melhorar suas

    condies de vida. As demandas se concentram em cinco setores: alimentos e

    agricultura, energia, indstria, assentamentos humanos, e ecossistemas (UNESCO,

    2012). estimado que at 2025 o consumo de gua aumente em 50% nos pases

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    33

    em desenvolvimento e 18% nos pases desenvolvidos (UNESCO, 2012). Uma vez

    que todas as atividades industriais e de manufatura precisam de gua, esta situao

    comprometer o desenvolvimento socioeconmico e aumentar a demanda nos

    ecossistemas de gua doce (Arthurton et al., 2007).

    A alterao dos sistemas hdricos, especialmente pelo represamento, um

    fenmeno global de propores alarmantes. Dos 227 maiores rios do mundo, 60%

    esto moderada ou fortemente fragmentados por barragens, desvios e canais. As

    grandes mudanas nos sistemas de drenagem resultaro da transferncia artificial

    de gua entre bacias hidrogrficas em andamento na Amrica do Sul (construo de

    hidreltricas e transposio de rios), sul da frica, China e ndia. A reduo na

    descarga de gua doce e os picos sazonais decorrentes do represamento e

    captao esto diminuindo jusante a produtividade agrcola e pesqueira, e

    causando salinizao dos esturios. Nas ltimas duas dcadas a construo de

    reservatrios, principalmente na frica, por exemplo, tem exacerbado as doenas de

    veiculao hdrica, incluindo malria, febre amarela, filariose e esquistossomose na

    bacia do Rio Senegal (ARTHURTON et. al., 2007).

    A reduo grave das guas subterrneas, muitas vezes associada ao setor de

    combustveis - principalmente postos de combustveis -, acontece em aquferos e

    bacias em todas as regies. A excessiva retirada de gua subterrnea e a

    decorrente diminuio dos nveis de gua e descarga podem trazer srios impactos

    para os humanos e os ecossistemas que devem ser levados em conta no lugar dos

    ganhos econmicos. A crescente concorrncia pelas guas subterrneas pode

    agravar as desigualdades sociais de forma que perfuraes mais profundas e com

    maior capacidade diminuem os nveis de gua regionais, aumentam os custos e

    limitam o acesso a gua das pessoas que tm poos rasos (Arthurton et al., 2007).

    Estima-se que em 2025 cerca de 1.8 bilho de pessoas vivero em pases ou

    regies com escassez absoluta de gua, e dois teros da populao mundial em

    condies de racionamento dgua no limite para suprir as demandas de gua

    para agricultura, indstria, uso domstico, gerao de energia e ambiente (FAO,

    2007).

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    34

    4.1. Qualidade da gua

    O mundo est enfrentando uma crise global da qualidade da gua. O

    aumento contnuo da populao e da urbanizao, a rpida industrializao, a

    expanso e intensificao da produo de alimentos demandam recursos hdricos e

    aumentam a emisso de guas contaminadas nos pases e alm das fronteiras. Isto

    representa uma ameaa global sade e ao bem-estar humano, exigindo medidas

    imediatas e de longo prazo para diminuir a pobreza garantindo a integridade e

    sustentabilidade de um de nossos ecossistemas mais produtivos (CORCORAN et

    al., 2010).

    As alteraes na qualidade da gua resultam principalmente das atividades

    humanas no solo que geram contaminantes e interferem na disponibilidade de gua.

    As evidncias mostram que a mudana climtica global altera o padro das

    precipitaes que afetam as atividades humanas no solo e facilita o escoamento de

    gua com resduos. Isto sugere que o aquecimento global pode causar e/ou

    contribuir com a degradao da qualidade dgua. A gua de melhor qualidade

    encontrada montante e alm-mar, enquanto que a mais degradada se encontra

    jusante e nas reas costeiras e estuarinas. Da mesma forma que os oceanos

    absorvem grandes quantidade de gases atmosfricos regulando o clima do planeta,

    o grande volume dos oceanos tambm funciona como estabilizador porque favorece

    a degradao de grande nmero dos contaminantes da gua (ARTHURTON et. al.,

    2007).

    As atividades humanas nas bacias hidrogrficas aumentam a poluio

    proveniente de fontes pontuais ou fixas (efluentes domsticos, efluentes industriais,

    resduos slidos domsticos, resduos slidos industriais, entre outras) e difusas

    (ausncias de esgotamento sanitrio - lanamentos diretos em drenagens ou solo,

    fossas negras, fossas secas e spticas - e atividades agrcolas) impactando os

    ecossistemas aquticos terrestres e litorneos (ARTHURTON et. al., 2007).

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    35

    Em muitos pases, inclusive o Brasil, a principal fonte de contaminao da

    gua vem do escoamento das reas agrcolas contendo fertilizantes e agrotxicos

    (ARTHURTON et al., 2007; FERNANDES e SARCINELLI, 2009; MARCHESAN, et.

    al.; 2009; RHEINHEIMER, et. al., 2010). A forma atual de produo de alimentos usa

    70-90% da gua doce disponvel e muita desta gua retorna aos corpos de gua

    contendo nutrientes e contaminantes qumicos (CORCORAN et. al., 2010). Alm

    disso, os efluentes domsticos e industriais esto entre as fontes principais que, sem

    tratamento adequado, so despejados diretamente nos corpos dgua. Em geral,

    todas as atividades industriais geram poluentes aquticos, da mesma forma que a

    silvicultura no sustentvel (desmatamento, incndios florestais e eroso), a

    minerao (pelos minrios e a lixvia), a disposio de resduos (aterros, lixes,

    lixvia, descarte terrestre e martimo de lixo), aquicultura, maricultura e carcinicultura

    (micrbios, eutrofizao e antibiticos), e produo e utilizao de hidrocarbonetos

    (explorao de petrleo) (ARTHURTON et. al., 2007).

    No Brasil, as bacias hidrogrficas so afetadas pela ao antrpica em reas

    rurais por meio de aes como: cultivo em reas inapropriadas ou de preservao,

    uso de agrotxicos, substituio da mata nativa por espcie extica, adubao

    fosfatada e ausncia de tratamento de dejetos que alteram os parmetros de

    potabilidade das guas, conferindo atividade agrcola um grande potencial poluidor

    (RHEINHEIMER et. al., 2010).

    A degradao dos recursos naturais e a contaminao da gua por

    fertilizantes e outros qumicos vm crescendo e trazendo graves consequncias

    para o ambiente e para a sade humana. O crescimento da atividade agropecuria,

    que implica em desmatamento e pastagens seguidos de colheita deixando o solo

    sem a cobertura superficial, que favorece o escoamento superficial e resulta no

    acmulo de sedimentos afetando a qualidade das guas superficiais no apenas no

    local de origem da contaminao, mas tambm em outros pontos de interferncia

    dos recursos hdricos. O risco de contaminao particularmente importante em

    exploraes agropecurias jusante das bacias hidrogrficas, pois as

    concentraes de fsforo e nitrognio geralmente excedem nveis detectados em

    reas no agrcolas, sendo a eutrofizao um dos maiores problemas na qualidade

    da gua. De acordo com PIONKE et. al.; (2000), apud MARCHESAN et. al. (2009),

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    36

    aproximadamente 33% das reas agrcolas so responsveis por 58% do fsforo

    que chega aos mananciais hdricos. Em gua doce, reaes do N-nitrato podem

    causar depleo de oxignio, afetando os organismos aquticos aerbicos. A N-

    amnia altamente txica e, mesmo em concentraes baixas, pode afetar a

    sobrevivncia de peixes (SUNDARAY et. al., 2005; MARCHESAN, et. al., 2009).

    Tambm, entre as principais fontes de contaminao das guas subterrneas

    podem-se citar os vazamentos em dutos e tanques de armazenamento subterrneo

    de combustvel, atividades de minerao e uso de agrotxicos. Outras importantes

    fontes de contaminao so os esgotos domsticos e industriais que, nas cidades e

    nas regies agrcolas, so lanados no solo em grande quantidade, poluindo rios,

    lagos e lenol fretico. Entre os principais contaminantes das guas subterrneas

    encontramos os compostos aromticos (benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos

    (orto, meta e para), so denominados de BTEX), os hidrocarbonetos oxigenados, os

    ons metlicos (alumnio, ferro e mangans), os micro-organismos e os compostos

    nitrogenados (ALABURDA e NISHIHARA, 1998; SILVA, et. al.; 2002). Alm disso, os

    constituintes qumicos das guas subterrneas podem ser influenciados por fatores

    que modificam as caractersticas qualitativas e quantitativas dos mananciais

    subterrneos, entre os quais esto: a deposio atmosfrica, processos qumicos de

    dissoluo e/ou hidrlise no aqufero e mistura com esgoto e/ou guas salinas por

    intruso - introduo de gua salgada no aqufero - (FREITAS, et. al., 2001).

    A sade humana a questo mais importante relacionada com a qualidade

    da gua. Os poluentes de interesse incluem a contaminao microbiana e a carga

    excessiva de nutrientes oriundos de fontes pontuais e/ou difusas. As fontes pontuais

    so aquelas em que os poluentes so lanados em pontos especficos dos corpos

    dgua e de forma individualizada, as emisses ocorrem de forma controlada,

    podendo-se identificar um padro mdio de lanamento. Geralmente a quantidade e

    a composio dos lanamentos no sofrem grandes variaes ao longo do tempo

    (Pereira, 2004). Exemplos de fontes pontuais de poluio so as indstrias e

    estaes de tratamento de esgotos. Os poluentes das fontes pontuais incluem os

    micrbios patgenos, nutrientes, materiais que consomem oxignio (matria

    orgnica), metais pesados e poluentes orgnicos persistentes (ARTHURTON et. al.,

    2007).

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    37

    A poluio difusa ocorre quando os poluentes atingem os corpos dgua de

    modo aleatrio, no havendo possibilidade de estabelecer qualquer padro de

    lanamento, quantidade, frequncia ou composio (Pereira, 2004). Exemplos de

    poluio difusa so os lanamentos das drenagens urbanas, escoamento de gua

    de chuva sobre campos agrcolas e acidentes com produtos qumicos ou

    combustveis. Entre os poluentes das fontes difusas esto os sedimentos em

    suspenso, nutrientes, agrotxicos e materiais que consomem oxignio. As fontes

    mistas so aquelas que englobam caractersticas de cada uma das fontes

    anteriormente descritas (ARTHURTON et. al., 2007).

    A gua contaminada decorrente do manejo inadequado dos efluentes lquidos

    representa um dos maiores desafios para a sade resultando na restrio do

    desenvolvimento e aumentando a pobreza pelos custos da ateno sade e perda

    da produtividade laboral. No mundo, cerca de 900 milhes de pessoas no tm

    acesso gua potvel e 2,6 bilhes no tm acesso a saneamento (CORCORAN et.

    al., 2010).

    A contaminao microbiolgica por instalaes sanitrias inadequadas,

    disposio imprpria de efluentes lquidos e resduos de animais est entre as

    principais causas de morbimortalidade da populao. Alm disso, os resduos sem

    tratamento impactam tambm os ecossistemas e sua biodiversidade. Em alguns

    pases em desenvolvimento apenas 10% do esgoto domstico so coletados para

    tratamento e reciclagem e cerca de 10% das estaes de tratamento funcionam

    adequadamente. O nmero de pessoas sem ou cobertas por sistemas de tratamento

    de esgoto domstico ineficiente deve aumentar se no forem feitos investimentos

    relevantes para o gerenciamento do esgoto domstico (WHO & UNICEF, 2012).

    Em torno de 1,8 milho de crianas menores de 5 anos morrem a cada ano

    por doenas relacionadas gua, representando 17% dos bitos nessa faixa etria.

    Tambm, 2,2 milhes de pessoas morrem por ano de doena diarreica; sendo que

    88% dos casos de diarreia so causados pela higiene insuficiente e gua de m

    qualidade (CORCORAN et. al., 2010). A prevalncia de hepatite A (1,5 milho),

    parasitose (133 milhes) e esquistossomose (200 milhes) est relacionada com

    saneamento inadequado. Areias e guas costeiras contaminadas por guas

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    38

    residuais contendo micro-organismos infecciosos de origem fecal resultam, a cada

    ano, em mais de 120 milhes de problemas gastrintestinais e 50 milhes de doenas

    respiratrias por nadar, tomar banho e consumir frutos do mar cultivados ou colhidos

    nessas reas. Estima-se que ocorram 3-5 milhes de casos e entre 100 a 120 mil

    bitos pela clera a cada ano (a OMS estima que apenas 5% a 10% so

    registrados) (SHUVAL, 2003; UNESCO, 2012). A previso de que o aquecimento

    global provoque mudanas nos habitats, logo, favorecendo a disseminao dos

    vetores das doenas de veiculao hdrica, significa risco para sade humana,

    portanto uma questo que exige ateno.

    O problema de qualidade da gua mais disseminado a alta concentrao de

    nutrientes (fsforo e nitrognio) que causa eutrofizao e compromete seu consumo.

    O fsforo e nitrognio nas guas superficiais e subterrneas vm do escoamento de

    reas agrcolas, esgoto domstico, efluentes industriais, e da atmosfera (queima de

    combustveis fsseis, queimadas e poeiras). Afeta os sistemas aquticos

    continentais e a jusante (incluindo esturios) em todo o mundo. O aumento estimado

    pelo uso de fertilizantes na produo de alimentos e resduos lquidos nas prximas

    trs dcadas sugere que haver um aumento global de 10% a 20% de nitrognio

    nos rios desaguando nos ecossistemas costeiros, mantendo a tendncia de

    aumento de 29% observada entre 1970 a 1995 (ARTHURTON et. al., 2007).

    A poluio por nutrientes originada das estaes de tratamento de resduos,

    agricultura e fontes difusas urbanas persiste como problema global e com vrios

    impactos na sade humana. Nos ltimos 20 anos, a florao de algas danosas

    sade, em parte devida a sobrecarga de nutrientes, tem aumentado nos sistemas de

    gua doce e costeiros (ARTHURTON et. al., 2007). As toxinas das algas so

    concentradas por bivalves filtradores, peixes e outros organismos marinhos e podem

    causar envenenamento (paralisia) nos peixes e mariscos. Nos humanos as toxinas

    das cianobactrias (cianotoxinas) causam intoxicao aguda, irritao cutnea e

    gastrintestinal, efeitos neurotxicos, hepatotxicos e imunotxicos (KUJBIDA, et. al.,

    2008). O aquecimento global pode estar agravando este problema, tendo em vista a

    vantagem competitiva das cianobactrias sobre as algas verdes nas altas

    temperaturas (ARTHURTON et. al., 2007).

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    39

    A matria orgnica proveniente da florao de algas e descargas diretas das

    plantas de tratamento de esgoto e indstrias de processamento de alimentos nos

    corpos de gua decomposta por micro-organismos que consomem oxignio. Esta

    poluio medida como demanda biolgica de oxignio (DBO). Altos nveis de DBO

    esgotam o oxignio que compromete a sobrevivncia dos peixes e outras espcies

    aquticas (ARTHURTON et. al., 2007).

    Entre os principais contaminantes das guas subterrneas encontramos os

    compostos aromticos ou BTEX, presentes na gasolina, so depressores do sistema

    nervoso central, apresentando toxicidade crnica, mesmo em pequenas

    concentraes. O benzeno reconhecidamente o mais txico de todos os BTEX,

    trata-se de uma substncia comprovadamente carcinognica (podendo causar

    leucemia, ou seja, cncer nas clulas do sangue), mesmo em baixas concentraes

    durante perodos no muito longos de tempo. Uma exposio aguda (altas

    concentraes em curtos perodos) por inalao ou ingesto pode causar desde

    euforia at convulses, coma e morte (ATSDR, 2007b).

    Em contato com a gua, os compostos BTEX se dissolvero parcialmente,

    sendo os primeiros contaminantes a atingir o lenol fretico. Para a biodegradao

    dos hidrocarbonetos essencial uma reao redox, em que o hidrocarboneto

    oxidado (doador de eltron) e um aceptor de eltron reduzido. Existem diferentes

    compostos que podem agir como aceptores de eltron, entre eles o oxignio (O2), o

    nitrato (NO3-), os xidos de Fe(III), o sulfato (SO4=), entre outros. O oxignio o

    aceptor preferencial, pois os micro-organismos ganham mais energia nas reaes

    aerbicas. Dentre os aceptores de eltron das reaes anaerbicas, o nitrato um

    dos ons mais encontrados em guas naturais, ocorrendo geralmente em baixos

    teores nas guas superficiais, mas podendo atingir altas concentraes em guas

    subterrneas (BORDEN et al., 1995).

    O nitrato, cada vez mais encontrado em gua subterrnea, outro composto

    importante para a sade humana. Este on geralmente ocorre em baixos teores nas

    guas superficiais, mas pode atingir altas concentraes em guas profundas. A

    ingesto de nitrato por meio das guas de abastecimento est associada a dois

    efeitos adversos sade: a induo metemoglobinemia, especialmente em

  • Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental

    40

    crianas, e a formao potencial de nitrosaminas e nitrosamidas carcinognicas

    (BOUCHARD et. al., 1992, apud FREITAS, 2001; SMITH, 1996). O desenvolvimento

    da metemoglobinemia causada pelo nitrato presente nas guas potveis depende da

    sua converso bacteriana a nitrito durante a digesto que ocorre no trato

    gastrintestinal. As crianas, principalmente as menores de trs meses de idade, so

    bastante suscetveis ao desenvolvimento dessa doena por causa das condies

    mais alcalinas do seu sistema gastrintestinal, fato tambm observado em pessoas

    adultas que apresentam gastrenterites, anemia, pores do estmago

    cirurgicamente removidas e mulheres grvidas (BOUCHARD et. al., 992, apud

    FREITAS, 2001; LEPERA, 2008).

    Os poluentes orgnicos persistentes (POPs) so compostos qumicos

    sintticos que tem amplo leque de impactos nos humanos e no ambiente. Entre

    esses compostos temos alguns agrotxicos, que podem contaminar a gua de

    consumo a partir de seu manuseio na agricultura (j abordados na leitura

    complementar Contaminantes Qumicos). Existe preocupao tambm, com os

    produtos de higiene pessoal e medicamentos, principalmente resduos de hormnios

    (plula), analgsicos e antibiticos. Embora alguns sejam desreguladores

    endcrinos, existe pouca informao sobre os efeitos em longo prazo na sade

    humana e nos ecossistemas (ARTHURTON et. al., 2007).

    Alguns metais pesados na gua e em sedimentos se acumulam nos tecidos

    humanos e outros organismos (alguns j abordados no tpico sobre solo). O

    arsnico, mercrio e chumbo consumidos por seres humanos na gua, peixes, e

    alimentos vegetais esto associados a um aumento de doenas crnicas. Embora

    ocorrendo em algumas cidades do interior, como o Alto Amazonas, a poluio por

    petrleo continua a ser, principalmente, um problema no mar, com grandes impactos

    sobre as aves e outras espcies marinhas, e na paisagem. Da carga total de

    petrleo derramado nos oceanos: 3% so acidentes em plataformas e 13% durante

    o transporte (ARTHURTON et. al., 2007).

    Em suma, gua de m qualidade aumenta a ocorrncia de doenas de

    veiculao hdrica, a contaminao de peixes e mariscos, contaminao dgua com

    nitratos, doenas neurolgicas e gastrintestinais decorrente das cianotoxinas,

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    contaminao da produo pecuria, infeces e agravos agudos e crnicos. A

    estes impactos esto associados a diminuio da produo pecuria, alimentos para

    humanos, o valor comercial do pescado e pesca.

    No Brasil, a qualidade da gua para consumo humano regulamentada pela

    Portaria No 2.914 de 11 dezembro de 2011 do Ministrio da Sade, que estabelece

    que toda gua destinada ao consumo humano, distribuda coletivamente por meio

    de sistema ou soluo alternativa coletiva, soluo alternativa individual de

    abastecimento de gua - independentemente da forma de acesso da populao -,

    deve ser objeto de controle e vigilncia da qualidade da gua. Para tanto, dispe

    sobre os procedimentos necessrios e seu padro de potabilidade. A gua potvel

    deve estar em conformidade com seguintes padres: microbiolgico, substncias

    qumicas (inorgnicos, orgnicos, agrotxicos, desinfetantes e produtos secundrios

    da desinfeco), cianotoxinas, radioatividade e organoltico.

    5. CONCLUSO

    O desenvolvimento econmico e a urbanizao tiveram importncia crucial na

    elevao do padro de vida da populao colaborando, por exemplo, para um

    aumento marcante na expectativa de vida. Porm, atualmente este quadro vem se

    revertendo com a deteriorao do meio ambiente urbano, o aumento da pobreza, a

    introduo de novas ameaas sade e o ressurgimento (ou recrudescimento) de

    males antigos considerados sob controle (Barreto, 1998; Waldman et al., 1995).

    Desse modo, a sociedade em geral, sobretudo as populaes mais carentes,

    vem enfrentando o convvio dirio com as aflies tpicas de pases desenvolvidos:

    problemas psicossociais (drogas, crime, doena mental, alcoolismo etc.), alta

    incidncia de doenas crnico degenerativas, alm dos problemas decorrentes da

    saturao do meio ambiente para absorver o impacto de transformaes

    tecnolgicas, como o aumento da poluio qumica, fsica e biolgica da gua, ar e

    solo, decorrente da industrializao, transporte e produo de energia. Mas ao

    mesmo tempo ainda no conseguiu se livrar por completo de inmeros males

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    caractersticos de pases pobres como as doenas infectocontagiosas e aquelas

    decorrentes da proviso insuficiente de servios.

    A poluio, ao mesmo tempo sinnimo de desenvolvimento industrial e

    poderio econmico, hoje est cada vez mais associada com a pobreza e o

    subdesenvolvimento. Enquanto os benefcios das inovaes tecnolgicas ficam

    delimitados a uma parcela da populao que a eles tm acesso, a maior parte dos

    efeitos negativos gerados por esta inovao dividida por todos, sendo que muitas

    vezes a parcela maior desses efeitos negativos termina ficando com os mais pobres,

    ou politicamente mais fracos.

    No Brasil, o resultado desse modelo de desenvolvimento so as crescentes

    disparidades intra-regionais e intra-urbanas, com desigualdades cada vez maiores

    entre pobres e ricos na relao com o meio ambiente menos poludo e no acesso a

    esse mesmo meio.

    importante frisar que a condio socioeconmica que determina na

    maioria das vezes a qualidade e a quantidade da exposio ambiental, uma vez que

    grande parte da populao vivencia ou experimenta o meio ambiente na condio da

    pobreza. Ou seja, fatores econmicos e sociais so importantes determinantes da

    sade devido a sua influncia direta no meio ambiente.

    As inter-relaes, a complexidade e o aspecto multicausal dos problemas de

    sade relacionados poluio ambiental requerem estratgias inovadoras, tanto

    para identificao quanto para a reduo da exposio a fatores de risco tpicos do

    meio ambiente urbano. Assim, a combinao de riscos socioeconmicos e

    ambientais elevados experimentados por esses grupos pressupem abordagens que

    tenham nfase na equidade.

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    6. Resumo

    Sade e meio ambiente sempre estiveram intimamente relacionados, embora a

    influncia do meio ambiente no processo sade-doena no tenha sido valorizada

    em muitos momentos da histria. O crescimento populacional, a industrializao, os

    avanos tecnolgicos, em conjunto com o processo de urbanizao, por um lado

    agravaram os tradicionais riscos ambientais, mais relacionados pobreza, como a

    insuficincia dos servios bsicos de saneamento, coleta e destinao adequada do

    lixo, e por outro introduziram novos riscos sade, aqueles resultantes da produo

    e eliminao de uma variedade de poluentes no meio ambiente que contaminam o

    ar, o solo e as guas. Assim, observa-se que os atuais nveis de poluio

    atmosfrica das cidades brasileiras causam impactos variados sade da

    populao.

    A queima de biomassa e de combustveis fsseis para gerao de energia, em

    veculos automotores, em processos industriais, para aquecimento domstico, nas

    queimadas agrcolas e no descarte de resduos slidos por incinerao so

    geralmente as principais fontes de emisses de poluio do ar para a atmosfera. Os

    efeitos adversos incluem problemas respiratrio e cardiovasculares, variando desde

    sintomas sutis e inespecficos, ao aumento nas consultas mdicas e nas admisses

    hospitalares, at finalmente a morte. O aumento da populao, o crescimento

    econmico, a demanda por maior produtividade, e os elevados padres de consumo

    vem levando a mudanas no uso do solo, com consequente degradao por

    contaminao e poluio, eroso e depleo de seus nutrientes. Os riscos sade

    associados ao solo contaminado ocorrem pela exposio ocupacional, quando o

    trabalhador realiza suas atividades na rea contaminada; exposio da populao

    geral, quando h propagao da contaminao para o entorno; e reutilizao da

    rea contaminada para nova finalidade, quando o novo usurio no tem

    conhecimento dessa contaminao. As principais fontes de contaminao das guas

    subterrneas incluem as atividades de minerao e o escoamento das reas

    agrcolas contendo fertilizantes e agrotxicos nas reas rurais, os esgotos

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    domsticos e industriais e os vazamentos em dutos e tanques de armazenamento

    subterrneo de combustvel nas reas urbanas.

    Estima-se que em torno de 1,8 milho de crianas menores de cinco anos morre

    a cada ano por doenas relacionadas gua. Portanto, de grande importncia que

    o profissional da sade tenha conhecimento das relaes entre sade e meio

    ambiente, buscando investigar, sempre que pertinente, a presena de exposio a

    fatores ambientais na populao. A Sade Ambiental compreende os aspectos da

    sade humana, incluindo a qualidade de vida, que so determinados pelos fatores

    ambientais fsicos, qumicos, biolgicos, sociais e psicossociaisque podem afetar de forma adversa a sade da presente e futuras geraes. Ela engloba a avaliao,

    correo, controle e preveno desses fatores. No Brasil, o Ministrio da Sade vem

    propondo e desenvolvendo polticas e aes relativas identificao, avaliao e

    gesto dos riscos ambientais relacionados ao ar, gua e solo, com o

    desenvolvimento de aes para a compreenso e melhoria das condies de sade

    ambiental.

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    7. BIBLIOGRAFIA Abercrombie GF. December fog in London and the Emergency Bed Service. Lancet

    1953; 234-235.

    Agncia Internacional de Pesquisa em Cncer (IARC). 2012. Agents Classified by

    the IARC Monographs, Volumes 1105. Disponvel em:

    http://www.monographs.iarc.fr/ENG/Classification/ClassificationsAlphaOrder.pdf

    Acesso em: 06/07/2012

    Agncia Nacional de guas (ANA),