Aprendendo a Ser Psicoterapeutacomo gente que sente, que ama, não se colocando tão somente como um...

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14 Resumo: Este estudo investiga, na perspectiva de Jacob Levy Moreno, a concepção que alunos de Psicologia têm sobre o que é ser psicoterapeuta, quais elementos são necessários para o desenvolvimento dessa tarefa e os fatores impeditivos para realizá-la. Propõe formas de soluções para o desempenho daquela função, favorecendo a reflexão sobre a importância dessa tarefa e a responsabilidade do profissional junto ao paciente. A metodologia utilizada é a qualitativa, pois esta permite abordar dimensões da subjetividade dos sujeitos. Os resultados revelam que os alunos possuem em sua concepção os alicerces básicos, cujos indicadores são apontados por Moreno e por outros autores, percebem os requisitos básicos que constituem a essência do papel de terapeuta, evidenciam críticas realistas sobre os fatores limitadores e sugerem ações pedagógicas para minimizá-los. Palavras-Chave: Psicoterapeuta, psicoterapia e a relação terapeuta-paciente, psicodrama. Abstract: This study aims at investigating, according to Jacob Levy Moreno’s perspective, the conception of Psychology students about what a psychotherapist is, what elements, as basic requirements, are needed for the development of this task and the factors that may hinder the performance of this activity. The study proposes different solutions for the fulfillment of this task, providing reflection about its importance and the responsibility given to the psychotherapist when dealing with the patient. The methodology used is the qualitative approach as it allows working with different dimensions of the patients’ subjectivity. The results show that students have, as their own concepts, the basic foundations according to the indicators mentioned by Moreno and other authors. They also notice the basic requirements that compose the role of a psychotherapist, highlight realistic criticism about the limiting factors and suggest pedagogical actions in order to reduce them. Key Words: Psychotherapist, psychotherapy and the relationship therapist – patient, psychodrama. Aprendendo a Ser Psicoterapeuta 1 Learning to be a psychotherapist Elizabeth Amelio Faleiros Psicóloga, psicodramatista, supervisora pela Federação Brasileira de Psicodrama (FEBRAP), professora de Teoria e Técnica Fenomenológica Existêncial e supervisora na área de clínica na Universidade Católica de Pelotas, RS. Mestre em Saúde Mental pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Leonardo da Vinci PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2004, 24 (1), 14-27 Jupiterimages

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Resumo: Este estudo investiga, na perspectiva de Jacob Levy Moreno, a concepção que alunos de Psicologiatêm sobre o que é ser psicoterapeuta, quais elementos são necessários para o desenvolvimento dessa tarefae os fatores impeditivos para realizá-la. Propõe formas de soluções para o desempenho daquela função,favorecendo a reflexão sobre a importância dessa tarefa e a responsabilidade do profissional junto aopaciente. A metodologia utilizada é a qualitativa, pois esta permite abordar dimensões da subjetividade dossujeitos. Os resultados revelam que os alunos possuem em sua concepção os alicerces básicos, cujosindicadores são apontados por Moreno e por outros autores, percebem os requisitos básicos que constituema essência do papel de terapeuta, evidenciam críticas realistas sobre os fatores limitadores e sugerem açõespedagógicas para minimizá-los.Palavras-Chave: Psicoterapeuta, psicoterapia e a relação terapeuta-paciente, psicodrama.

Abstract: This study aims at investigating, according to Jacob Levy Moreno’s perspective, the conception ofPsychology students about what a psychotherapist is, what elements, as basic requirements, are neededfor the development of this task and the factors that may hinder the performance of this activity. The studyproposes different solutions for the fulfillment of this task, providing reflection about its importance and theresponsibility given to the psychotherapist when dealing with the patient. The methodology used is thequalitative approach as it allows working with different dimensions of the patients’ subjectivity. The resultsshow that students have, as their own concepts, the basic foundations according to the indicators mentionedby Moreno and other authors. They also notice the basic requirements that compose the role of apsychotherapist, highlight realistic criticism about the limiting factors and suggest pedagogical actions inorder to reduce them.Key Words: Psychotherapist, psychotherapy and the relationship therapist – patient, psychodrama.

Aprendendo a Ser Psicoterapeuta1

Learning to be a psychotherapist

ElizabethAmelio Faleiros

Psicóloga,psicodramatista,supervisora pela

Federação Brasileira dePsicodrama (FEBRAP),

professora de Teoria eTécnica

FenomenológicaExistêncial e supervisora

na área de clínica naUniversidade Católica

de Pelotas, RS. Mestreem Saúde Mental pela

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Desde Freud, criador do sistema psicanalítico comsua idéia pautada na conservação da energia dalibido, mantendo-se constante no psiquismo ecaminhando por diferentes tendências até a decunho existencial, vamos encontrar estudosrelacionados à difícil tarefa de tornar-sepsicoterapeuta, de acompanhar o crescimento deoutro ser humano, dificuldade essa independentedas mais variadas abordagens psicoterápicas.

Neste estudo, o enfoque será o de Jacob LevyMoreno, para quem a criatividade no papel depsicoterapeuta deverá estar presente,enriquecendo-o e transformando-o.

A cristalização no papel é a conserva cultural, aestagnação, a permanência no igual, na repetição.Supomos que alunos em formação, em sua maioriaem fase final de adolescência ainda afirmando suaidentidade, estariam enfrentando um processo decrescimento no papel de terapeuta, podendoexperienciá-lo com maior ou menorespontaneidade

2.

Ao constatar as naturais e esperadas dificuldadesdessa população de futuros profissionais noconvívio que vimos tendo como supervisoradaqueles, mostrou ser de relevância aprofundareste tema.

A responsabilidade e complexidade da tarefa deresponder terapeuticamente ao pedido de ajudade outro ser humano justifica a necessidade demaior consciência do futuro profissional sobre aconcepção a respeito do que é ser psicoterapeutae sua implicação de ordem prática na qualidadeda sua formação profissional.

Os objetivos foram: identificar a concepção dosestagiários de Psicologia Clínica sobre o que é serpsicoterapeuta, esclarecer fatores impeditivos noexercício desse papel e propor formas de possíveissoluções, proporcionar aos estagiáriosoportunidade de reflexão sobre a importância desua tarefa e responsabilidade junto ao paciente,investigar as categorias espontaneidade-criatividade, na concepção daqueles, sobre o queé ser psicoterapeuta enquanto papel social a serdesempenhado por eles no contexto terapêutico.

Aproximações de um Olhar Sobreum Mar de Pensamentos

“Ser psicoterapeuta é algo de profundo, demisterioso, de sagrado. Ajudar alguém a se ver, a se

Aprendendo a Ser Psicoterapeuta

conhecer, a tomar posse de si mesmo é algo quesem uma profunda humildade dificilmente poderáacontecer” Ribeiro (1986: 240).

Cresce consideravelmente o número de pessoasque busca a psicoterapia na tentativa de resolverdificuldades e alargar possibilidades de viver nomundo atual, já que há um estado permanente demudanças fazendo com que se sintam inseguras,amedrontadas e sozinhas.

É nesse palco de turbulência que se insere apsicoterapia como mais uma possibilidade capazde transformação individual, social e política.Assim, faz-se necessária uma reflexão sobre adimensão do que é ser psicoterapeuta, já que esterepresenta um forte instrumento de mudança.

Autores de renome concordam com a afirmaçãode Gomes (1995, p. 83) que diz:

“A prática psicoterapêutica é tradicionalmenteconhecida como sendo o exercício de uma arte.O terapeuta, no contexto da singularidade de umcaso, combina convicções teóricas e sensibilidadepessoal para aliviar o sofrimento psicológico dealguém”.

Independentemente do método adotado, a figurado terapeuta é sempre de grande importância, nãosó pelo papel que desempenha, mas também pelosimbolismo de que sua função se reveste. Porchat(1982,pp.124-125) faz referência a essa idéiafalando de um dos aspectos da situaçãopsicoterápica, o vínculo terapêutico.

“...o terapeuta parece ser, no início, um símbolopara o paciente; ele representa ajuda, não importao modo como espera ser ajudado.

Essa relação dual que se esboça no mundo internodo paciente desde que ele se propôs iniciar umapsicoterapia já nos conduz aos dois aspectosfundamentais presentes no fenômeno vínculoterapêutico. Por um lado essa relação estaráenraizada na realidade: o terapeuta é uma figurafísica, que se expressa, é uma pessoa real. Por outro,antes mesmo de o paciente conhecê-lo, ele ‘existe’enquanto expectativa, enquanto ansiedade,esperança, no mundo interno do paciente. Então,antes mesmo de o paciente ter um terapeutareal,ele o tem em seu mundo de fantasia, a seupróprio modo, de acordo com suas necessidadesemocionais, de acordo com suas fantasias”.

E Moreno (1974, p. 84) acrescenta:

“A esperança de um herói-terapeuta é,freqüentemente, a causa estimulante que marca oinício do tratamento do paciente. Essa esperançase origina de sua necessidade de auxílio e libertação

1 Esta pesquisa faz parte daDissertação de Mestradoapresentada em novembro de1999, como requisito paraobtenção do título de Mestre emSaúde Mental da UniversidadeCatólica de Pelotas, RS.

2 Espontaneidade: do latim“Sponte”- de livre vontade. Nosentido moreniano, é acapacidade de o indivíduoadaptar-se adequadamente anovas situações ou darrespostas novas a situações jávividas.

“Ser psicoterapeuta éalgo de profundo, demisterioso, desagrado. Ajudaralguém a se ver, a seconhecer, a tomarposse de si mesmo éalgo que sem umaprofunda humildadedificilmente poderáacontecer”

Ribeiro

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e nem sempre pode ser satisfeita pelo terapeuta. Oterapeuta não é um mágico, um curador divino,mas sim um homem”.

Assim, como condição preliminar para um bomdesempenho psicoterapeutico, é necessário quetenha consciência de seus problemas, evitandodanos ao paciente. “Tal consciência pode ajudá-lo na sua relação com o cliente, pois é mais fácilperceber situações de conflito nos outros quandose viveu situações semelhantes, desde que o perigode identificação com o cliente não seja bemacentuado e possa estar sob controle” Ribeiro(1986, p. 209).

Outra condição básica é que seja capaz de lidarcom as fantasias do próprio poder. Muitos clientespõem-nos à prova, com desafio verbal ou entregatotal à nossa ação terapêutica. Ainda segundo oreferido autor:

“É então que se é invadido pelo desejo desesperadode curar, de desafiar a enfermidade, talvez paraprovar a si mesmo a sua capacidade. É inútil dizerque tal atitude entrava a dinâmica do tratamento.Tal atitude, baseada na vaidade pessoal eprofissional, além de ser uma contra-transferênciainútil, leva a uma predeterminação de metas, auma diretividade que impede uma normal enatural eclosão da psicodinâmica das vivênciasneuróticas do cliente.

O psicoterapeuta deve estar preparado para reagirpositivamente ante as próprias frustrações, sejaquando percebe a dificuldade em que se encontraante um cliente difícil, seja quando esse cliente lherevela aspectos negativos da própriapersonalidade”(1986,p.210).

A segurança emocional deve estar presente, já quea percepção de sua instabilidade pode dificultar oprocesso psicoterapêutico. O cliente acredita queo psicoterapeuta seja equilibrado, com condiçõesde clareza, de percebê-lo sem interferênciaspessoais e, assim, ajudá-lo. Porém, é importantetambém perceber que ninguém tem condições deser absolutamente seguro emocionalmente. Emalgum momento, essas limitações dopsicoterapeuta são um fator positivo, pois ajudamo cliente a construir uma imagem mais real daspróprias exigências e, ao mesmo tempo, vislumbraro mundo de maneira não tão “perfeccionista eacabada”.

Quanto aos valores do terapeuta, a neutralidadenão deixa de ser um mito; a posturapsicoterapêutica não anula sentimentos, vontades,mas exige que o mundo interior do psicoterapeutanão influencie ou oriente o mundo do cliente.Vem daí a importância de o terapeuta ter passadopelo seu próprio processo para estar com o cliente

em uma relação fluida, espontânea, semcontaminação pela sua realidade interna.

D‘Andrea (1971) confirma essa idéia quando dizque, para ser um bom psicoterapeuta, é necessáriopassar previamente pela experiência comopaciente, como medida profilática doenvolvimento emocional.

Especificando-se um pouco mais, quanto à atitudedo psicoterapeuta, esta dependerá de seu estilopessoal, de seu modo de estar no mundo,podendo variar de pessoa para pessoa, de técnicapara técnica.

Diante das diferentes orientações de tratamento,vamos restringir-nos ao comportamento dopsicoterapeuta de base analítica, já que esta é umadas tendências desenvolvidas no currículo docurso, ao lado da orientação existencial.

Enquanto Freud propõe ao cliente associarlivremente, sugere ao analista a regra da “atençãouniformemente suspensa”, deixando a mente livrepara receber toda estimulação advinda do cliente.Freud destaca três atitudes fundamentais assumidaspelo analista no processo psicoterapêutico:

● atenção uniformemente suspensa, com oobjetivo de facilitar a compreensão doinconsciente do cliente pelo terapeuta.

● comportamento de cirurgião: o psicoterapeutanão está imune a sentimentos e afetos pelo cliente.É importante estar atento a eles para não se impedirde fazer e dizer o que for preciso.

● comportamento de espelho: assim como umafigura nebulosa ou ambivalente, permanece opsicoterapeuta analítico diante do cliente com ofim de intensificar a fantasia deste e, ao mesmotempo, penetrar nas intenções do psicoterapeuta.

Nas psicoterapias mais recentes, o psicoterapeutavai-se tornando cada vez mais pessoal; coloca-secom sentimentos de amor, de raiva, cansaço, deinteresse, debatendo com o cliente suas atitudes.

Daqui em diante, veremos qualidades e atitudesgerais esperadas do terapeuta em qualquer tipo depsicoterapia; podemos citar: moderação,originalidade, capacidade de percepção interior,flexibilidade, visão ampla e aberta do mundo,humildade e fluidez.

Quanto às qualidades específicas e reconhecidasde um psicoterapeuta, encontramos, na maioriados estudos:

● empatia, como a capacidade de pensar opensamento do outro, sentir o seu sentimento, vere sentir como o cliente vê a partir do seu referencial.

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● comunicação autêntica e calorosa, ao invés deagir “como se” estivesse sentindo amor,compreensão. É preciso perceber se é o momentode o cliente receber uma comunicação total.

● concepção positiva da pessoa humana,relacionada com a ênfase no homem, no equilíbriosaudável deste. Essa finalização para a harmonia eunidade poderá estar perturbada, mas nuncadestruída, uma vez que ela é própria da naturezahumana.

A partir desses princípios, faz-se necessário que opsicoterapeuta se apresente como pessoa real,como gente que sente, que ama, não se colocandotão somente como um foco nebuloso,ambivalente.

Sobre esse aspecto, Fiorini escreve que “o papeldo terapeuta não se exerce apenas através do quepermite ao paciente ver de seu mundo, mastambém através do papel que desempenha nessemundo” (1976: 113).

● maturidade das emoções, o que implica terconsciência da própria capacidade emocional eafetiva, perceber as limitações e poder lidarconscientemente com os próprios afetos eemoções para não ultrapassar a finalidade doslaços afetivos propostos no tratamento.

● espontânea flexibilidade. É onde se manifesta acriatividade. A espontaneidade aparece através daparticipação do terapeuta como ser, capaz de sorrir,sentir, mostrar entusiasmo ou cansaço. Aflexibilidade seria escutar, perceber, sentir etransformar tudo isso em um gestopsicoterapêutico, voltado para a necessidade docliente.

Por Via de Jacob Levy Moreno

Como já dissemos neste estudo, priorizamos aabordagem moreniana como base defundamentação e pretendemos investigar ascategorias espontaneidade-criatividade, naconcepção dos alunos, sobre o que é serpsicoterapeuta enquanto papel a ser desempenhadopor eles no contexto terapêutico. Esperamos tornarclara a relação dos mesmos com o papel de terapeuta,indagando se o fazem de maneira espontânea-criativa ou apoiados simplesmente na reproduçãode ”conservas culturais”.

Na perspectiva de Moreno, uma das dimensõesda existência humana que define o homem seriao inventário de papéis que o mesmo desempenhana sua vida. O indivíduo sente, pensa e age emfunção de uma multiplicidade de papéisfisiológicos, psicodramáticos e sociais que o

definem. Assim, o papel é tido como a menorunidade observável de conduta.

Entre algumas de suas definições, Moreno (1975)conceitua o papel como:

“Os papéis são os embriões, os precursores do eu,e esforçam-se por se agrupar e unificar. Distinguíos papéis fisiológicos ou psicossomáticos como osdo indivíduo que come, dorme e exerce atividadesexual; os papéis psicológicos ou psicodramáticos,como os de fantasmas, fadas e papéis alucinados,e, finalmente, os papéis sociais, como os de pai,policial, médico etc [...] os papéis psicossomáticos,no decurso de suas transações, ajudam a criançapequena a experimentar aquilo a que chamamoso ‘corpo’; que os papéis psicodramáticos a ajudama experimentar o que designamos por ‘psique’; eque os papéis sociais contribuem para se produziro que denominamos ‘sociedade’. Corpo, psique esociedade são, portanto, as partes intermediáriasdo eu total” (pp. 25-26).

“O papel é a forma de funcionamento que oindivíduo assume no momento específico em quereage a uma situação específica, na qual outraspessoas ou objetos estão envolvidos. O papel é aunidade de cultura; ego e papel estão em contínuainteração.

“O papel é a formade funcionamentoque o indivíduoassume no momentoespecífico em quereage a umasituação específica,na qual outraspessoas ou objetosestão envolvidos. Opapel é a unidadede cultura; ego epapel estão emcontínua interação.

Aprendendo a Ser Psicoterapeuta

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Espera-se que todo o indivíduo esteja à altura doseu papel oficial na vida, que um professor atuecomo professor, um aluno como aluno e assimpor diante” (pp. 27-29).

Tornando um pouco mais claras essas idéias, oaparecimento do eu ocorreria a partir dos papéis. Nãosão os papéis que emergem do eu, mas, ao contrário,o eu é quem surge dos papéis. Rubini afirma: “Morenoentende o papel como a primeira unidade ordenadorae estruturante do eu” (1995, p. 51).

O desenvolvimento dos papéis psicodramáticos esociais vai coincidir com o estabelecimento daseparação entre fantasia e realidade. Sendo assim,Rubini aprofunda um pouco mais esse aspecto aodestacar:

“Com a brecha entre a fantasia e a realidade, o indivíduoadquire a capacidade de iniciar processos deaquecimento

3 diferenciados, tanto para o desempenho

de um ou de outro tipo de papel. E o fator que vaigarantir essa passagem do mundo da fantasia para o darealidade e vice-versa é a espontaneidade comoprincípio da adequação da ação do indivíduo a seuspróprios papéis” (1995, p. 53).

Podemos notar, nas várias definições, que os papéispossuem algo em comum: são fenômenosobserváveis, aparecem nas ações, são atuados,representam aspectos tangíveis do eu.

Assim, o conceito de papel é extensivo a todas asdimensões da vida. É empregado para abordar asituação do nascimento, perpassando toda aexistência no que se refere à experiência individuale também à participação do indivíduo nasociedade. A teoria dos papéis situa-se no conjuntoda teoria moreniana que sempre se refere aohomem em situação, imerso no social, buscandotransformá-lo através da ação.

Ao prestarmos atenção em nosso comportamento,ou seja, no nosso encontro com as pessoas,percebemos que a fala e os gestos constituem aface externa da personalidade, compondo ospapéis utilizados no dia-a-dia de nossa vidarelacional. Assim, tudo que é feito e pode ser vistoe se relaciona com alguma coisa fora da pessoa épapel.

Nessa visão, os indivíduos têm participação narealidade social através dos papéissociopsicodramáticos os quais, por sua vez, sãodeterminados por fatores genéticos e ambientais.Pode-se dizer que o papel é a menor unidadeobservável e mensurável da expressãosociorrelacional da personalidade, aceita,proposta e estimulada pelo grupo social.Originariamente, o papel nasceu da interação mãe-filho, baseado na complementariedade dos dois;somente existe em função de seu complementar,

o contra-papel. Temos, então, que a inter-relaçãode ambos constitui os vínculos.

Viver os papéis do cotidiano não é viver um faz-de-conta, uma farsa, mas trazer a força daautenticidade e da verdade de cada um para serdigna de ser vivida e para que o indivíduo possadesenvolver sua espontaneidade e criatividade,para não correr o risco de cair na rigidez,impessoalidade, repetindo a conserva cultural quemassifica a criação.

Porém, para exercer essa espontaneidade e criarno papel, o indivíduo precisa revelar seuverdadeiro eu, que se dá na relação com o outro.Para melhor compreensão, antes de darcontinuidade a esse aspecto, traremos algunsesclarecimentos da teoria moreniana para,posteriormente, retomar a criatividade especifi-camente no papel de psicoterapeutapsicodramático.

Para Moreno, o homem nasce com recursos deespontaneidade, sensibilidade e criatividade comofatores que favorecem o adequadodesenvolvimento da vida física, psíquica erelacional. Ao nascer, apresenta, pela primeira vez,sua capacidade de responder adequadamente auma situação nova. Tal capacidade, fruto de forçashereditárias e ambientais, recebe o nome deespontaneidade e vai permitir o reconhecimentoda sensibilidade e da criatividade.

Assim, Moreno a define, operacionalmente, comouma resposta adequada a uma nova situação ouresposta nova a uma situação antiga; nopsicodrama, a espontaneidade manifesta-se nãosó na dimensão das palavras, mas também emoutras dimensões de expressão, como a atuação,a interação, a fala, a dança, o canto etc.( Blatner eBlatner, 1996).

Podemos entender o estudo da espontaneidadecomo uma entidade psicológica independente.Não surge automaticamente e tampouco pré-existentemente, mas é produzida por um ato devontade, surgindo naturalmente.

É importante deixar claro que o veículo daoperação do fator espontaneidade, na criança,desde a situação do nascimento em diante, é aporção de dispositivos físicos de arranque doprocesso de aquecimento preparatório para umato. Sendo assim, os estados espontâneos sãogerados por vários dispositivos de arranque pormeio de técnicas de aquecimento. O corpo e amente são colocados em movimento, usandoatitudes corporais e imagens mentais que levam aoalcance do aquecimento para desencadear umaação organizada.

“Com a brecha entrea fantasia e a

realidade, o indivíduoadquire a

capacidade deiniciar processos de

aquecimento3diferenciados, tanto

para o desempenhode um ou de outrotipo de papel. E o

fator que vai garantiressa passagem domundo da fantasia

para o da realidadee vice-versa é a

espontaneidadecomo princípio da

adequação daação do indivíduo aseus próprios papéis”

Rubini

Elizabeth Amelio Faleiros

3 Aquecimento: conjunto deprocedimentos utilizados napreparação de um organismopara que esteja em condiçõespropiciadoras para a ação. Napsicoterapia, com o uso detécnicas apropriadas, osindivíduos são ajudados a entrarem uma área de investigaçãopsicológica.

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Moreno é bem claro sobre as condições favoráveise desfavoráveis para o surgimento daespontaneidade:

“Um tipo de universo aberto, ou seja, um universoem que é continuamente possível um certo grau denovidade - e é esse evidentemente, o tipo de universoem que surgiu a consciência humana - é umacondição favorável para que o fator e surja e sedesenvolva. Não poderia existir num universofechado à novidade, isto é, determinado por leisabsolutas. Se a espontaneidade fosse, por acaso,colocada em tal universo, deteriorar-se-iarapidamente em virtude da impossibilidade do seudesenvolvimento e ao desuso de sua função...Quanto maior for a probabilidade de repetição decertos eventos, menor será a probabilidade de quesurja a espontaneidade...” (1975, pp. 137-138).

Na mesma linha, esclarece Rubini (1995, p. 48):“O homem é um ser que, a partir do impulso daespontaneidade, poderá desenvolver a ‘centelhadivina criadora’ que traz em si mesmo.”

Com isto, vemos que a espontaneidade écomponente essencial da criatividade. Refere-semais a uma qualidade sutil da mente do que auma categoria identificável de comportamento.

Mais especificamente, as qualidades essenciais deum ato espontâneo são: mente aberta,originalidade de abordagem, vontade de tomariniciativa e integração das realidades exteriores edas intuições interiores, das emoções e das funçõesracionais. Não é mera impulsividade oucomportamento ao acaso; é preciso haver certaintencionalidade rumo a um resultadoconstrutivo, seja ele estético, social ou prático.

É de se notar a tendência para um elemento deentrega na espontaneidade, como também deinocência, resultando em uma expansão daconsciência. Permitir-se esse momento implicaabandonar a excessiva censura no funcionamentoda mente e a abertura correspondente aosimpulsos interiores, às intuições e inspirações.No dizer de Blatner e Blatner (1996, p.76),

“Aumentar a espontaneidade e a criatividadedecorre de um relacionamento básico com oinconsciente, que é de respeito, abertura ecuriosidade prazerosa. O inconsciente deixa deser visto apenas como fonte de impulsos anti-sociais, mas sim como um manancial de insights,pistas, imagens e intuições, em suma, o reservatórioda criatividade. A grande contribuição dopsicodrama é permitir o acesso e utilização dessepotencial criativo inato. E ele o faz favorecendo ascondições que provocam a espontaneidade,criando um contexto protegido contra as falhas,

introduzindo um certo desafio e novidade paracriar uma certa ansiedade, um deflagrador deenergia para fazer com que as coisas andem emantendo uma profunda preocupação e respeitopelo problema em pauta. Com o termo‘aquecimento’, Moreno designava osprocedimentos usados para aumentar aespontaneidade dos participantes...”

Os mesmos autores levam em conta a dimensãofilosófica no pensamento de Moreno eacrescentam:

“... espontaneidade é a expressão ativa de suafilosofia existencialista. Ë ser receptivo às realidadestal como elas se apresentam no momento presente,não obscurecidas por pressuposições na medidado possível. Embora a cada momento tenhamosexpectativas e crenças, podemos mudar nossaatitude passando do dogma para aexperimentação, para uma prontidão com afinalidade de modificar e corrigir nossas teorias nosadaptando às percepções atuais. Essa modificaçãoirá catalisar nossa espontaneidade.

A maneira de nos relacionarmos com nossosenganos é elemento-chave na espontaneidade. Aidéia é continuar a improvisar como umaexperiência que prossegue e, em vez de congelar,fazer de um engano uma retomada que mantém ofoco na tarefa. O estado mental desenvolvido porum guerreiro Samurai no Japão dá uma pista: ‘nãoespere nada, esteja preparado para tudo’. A pessoaespontânea lida com a interferênciarecentralizando e reassumindo uma presença commente clara no aqui e agora”(1996, p.77).

Vemos, então, que a espontaneidade se dará namedida em que o indivíduo exercitar sua“habilidade” de abrir-se ao universo, dando-setempo e a devida “receptividade ao inconsciente”.

Tal concepção entende que o existir humano éum viver em coletividade onde o indivíduo serealiza pelo desempenho de papéis na sociedade.É assim que o ambiente afetivo-emocionalestabelecido entre a criança e o mundo, atravésda família, pode agir positivamente, ou, aocontrário, dificultar seu pleno desenvolvimento.Os fatores espontaneidade, sensibilidade ecriatividade podem ainda ser perturbados porsistemas sociais constrangedores. A propostafundamental dos psicoterapeutas psicodramatistasé a de trabalhar no sentido de favorecer arecuperação desses recursos vitais através derelações afetivas transformadoras.

A espontaneidade, a sensibilidade e a criatividadesão potencialidades indissociáveis docomportamento humano. Temos todos uma boareserva de criatividade, mas, para que esse potencial

Aprendendo a Ser Psicoterapeuta

“Aumentar aespontaneidade e acriatividade decorrede umrelacionamentobásico com oinconsciente, que éde respeito, aberturae curiosidadeprazerosa.”

Blatner e Blatner

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se manifeste e se explicite, torna-se necessário haverespaço para a espontaneidade. O que une earticula a espontaneidade e a criatividade é asensibilidade, não só como percepção feita atravésdos órgãos dos sentidos, mas também como fatorinato, de ordem afetivo-emocional. Dizendo deoutra forma, a sensibilidade é a capacidade decaptar as mensagens ocultas nos vários movimentosda vida.

À sensibilidade ou à percepção afetivo-emocionalque permeia as inter-relações humanas chamamosfator Tele.

Tele é radical grego que significa “à distância”. Éutilizado para designar as percepções que ocorremno plano afetivo-emocional entre duas pessoas,tornando-as capazes de se perceberemmutuamente. Permite intuir, com sua sensibilidade,o que ocorre na subjetividade uma da outra. É acontrapartida científica do encontro,acontecimento crucial na existência. É no encontrode duas ou mais pessoas que se dá o momentotransformador. Não é apenas reunião, é vivênciaintensa, com elementos amorosos e também hostis.

No entanto, em função de ambiente adverso, oselementos saudáveis da espontaneidade-criatividade vão sendo prejudicados e o indivíduopassa a ter comportamento escravo da rotina, darepetição monótona, com dificuldade em darrespostas adequadas às situações novas do dia-a-dia. Como diz Almeida (1990,p. 40), “As criações eaquisições vão-se tornando repetitivas, de formarígida, dominadas pela inércia conservadora erecebem o nome de ‘conserva cultural’. É o atocriativo cristalizado.”

Apesar disso, a “conserva cultural” é fato correnteno processo de civilização, dando parâmetrosnecessários para as pessoas não mergulharem nadesorganização pessoal.

Do ponto de vista de Moreno, o homem é sempreconsiderado em relação com o seu próximo:existir é coexistir, é existir com o outro, mastambém é considerado na perspectiva do tempovivido, intimamente vinculado à inter-relação e àcriação. O tempo é um momento transformador(criador) das pessoas envolvidas na relação.

Esse momento caracteriza o encontro e impulsionaa revolução criadora

4. Na interação humana,

passado e futuro podem realizar-se afetivamenteno tempo presente, como se fosse possível uma“parada” especial, com identidade própria,diferente do fluxo contínuo do tempo. As correntesafetivas: amor, saudade, raiva, inveja e o modocomo são transmitidas e captadas enriquecem avivência das pessoas no aqui e agora da experiênciarelacional. Dessa forma, estamos sempre falandoem inter-relação.

Na prática, o psicodrama propõe resgatar erecuperar o homem psicodramático que existe emnós, com sua sensibilidade, genialidade edisposição para continuar criando.

No contexto terapêutico, lança-se mão das técnicasde trabalho para realizar essa tarefa. Para isso, opsicoterapeuta, através do seu papel, tendo porbase a proposta da relação télica, intervém comsua personalidade total, já que considera que, emum sentido profundo, os valores vitais dopsicoterapeuta estão sempre presentes ou influirãono tipo de intervenção que faça, nos aspectos dacomunicação que estruture, nos sentimentos quelhe despertem as mensagens de seu paciente.Aceita a relação terapêutica em termos de um novovínculo, que terá toda a intensidade presente queambos podem criar. A correta instrumentação detodos esses elementos faz a riqueza da relaçãoterapêutica.

Isso tudo leva-nos a falar da relação terapêutica enão da relação transferencial. No primeiro termo,incluem-se todos os aspectos da relação e nãosomente aspectos das distorções que na ortodoxiapsicanalítica foram tão apregoados. Assim, narelação terapêutica, entram em jogo ambos osaspectos da tele, empatia e transferência, podendoos mesmos nela ocorrer.

No entanto, capacidade transferencial é algopotencial em todo o ser humano.O terapeuta podeperceber transferências próprias estimuladas pelarelação com seu paciente. A diferença está emque poderá instrumentalizá-las para compreender,partindo daí, os aspectos profundos de seupaciente, que seriam inacessíveis por outrosmétodos.

Assim, como ambos são capazes de transferência,são também capazes de tele (relação de percepçãocorreta e recíproca). Sobre essa estrutura é que seedifica fundamentalmente a relação terapêutica.Nessa medida, a cura vai-se dando, pois, ondedominava a transferência, vai-se aos poucos seincrementando o aspecto tele. Bustos (1978, p.11) contribui para esse aspecto ao destacar:

“É importante esclarecer que tele-transferênciasestão presentes em toda relação humana. A tele éresponsável pelas relações com êxito e podem-seatribuir à transferência os freqüentes desencontrosentre os seres humanos. É também um critério desaúde; quanto maior a tele, maior capacidade seterá de realizar vínculos positivos. Tudo o quefazemos em terapia é instrumentar tecnicamenteum processo natural.”

Elizabeth Amelio Faleiros

4 Revolução Criadora: propostamoreniana de recuperação daespontaneidade e dacriatividade a partir dorompimento com padrões decomportamento estereotipadoque levam à automatização dohomem.

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Se, para Moreno, a psicoterapia tem comoobjetivo o encontro, a espontânea e verdadeirarelação entre o eu e o tu, cabe então ao“psicoterapeuta favorecer, incrementar relaçõesverdadeiras, télicas, objetivas, entre as pessoas”Ferrari (1984, p.55).

A todo momento, vê-se presente a preocupaçãode Moreno com a interação, com o compartilhar,com o estar junto para crescer. Dessa forma, tomarpara si a postura psicodramática implicainternalizar o modelo terapêutico que objetiva atransformação de relações transferenciais emrelações télicas.

Diante do pedido de ajuda terapêutica, quandoalguém está em conflito estará com suaespontaneidade comprometida, comrelacionamentos pouco télicos;conseqüentemente, haverá um exercício de papéisempobrecido pela repetição e cristalização.

Quanto ao papel do psicoterapeuta, serpsicodramatista, antes de mais nada, é uma posturaideológica e filosófica que deve permear toda aatividade profissional. Essa situação, na prática, évivida como nova para ambos os lados que nãosabem o quê e como vai acontecer, deflagrando aquantidade de espontaneidade e a possibilidadede criatividade nos dois lados da situação.

Dessa forma, quanto mais espontâneo e criativofor o psicodramatista, expressando sua inspiraçãomomentânea com originalidade em suas ações,mais facilitará ao cliente mostrar-se emprofundidade. Espera-se, então, que crie um climapropício à situação desde o primeiro encontro,de tal maneira que ela se torne um “locusnascendi” da espontaneidade do cliente.

Enquanto interação que está ocorrendo, o fatortele estará mais ou menos presente, podendofacilitar ou dificultar a relação. No decorrer dessadinâmica, as pessoas jogarão no processoterapêutico os papéis que vêm desempenhandono decorrer de suas vidas, colorindopsicodramaticamente os papéis sociais de cliente-terapeuta que começam a se expressar.

Podemos dizer que esse jogo de papéis vai dar aopsicodramatista condições de perceber a situaçãoem que se encontra o paciente quanto aos fatorestele-transferência e espontaneidade.

Por fim, nessa visão, psicoterapeuta é um modo deser e estar no mundo, um modo de se expressardiante da vida como uma totalidade, em umarelação de encontro com a existência, sem separaro pensar do agir. O que então “legitimaria” serpsicoterapeuta é o ser do psicoterapeuta,

transformando-se este no mais importanteelemento do processo.

Sendo assim, se ao término do processo deformação o formando estiver bem consigo, com ooutro, o contato com o cliente será feito com maiorprofundidade, ou seja, será um contato-encontro.

Um Caminho MetodológicoQualitativo

Nossa opção recaiu na metodologia de pesquisa eavaliação qualitativa por abranger a amplitude eglobalidade do tema.

A intervenção, na realidade, começou pelaaproximação para o estabelecimento dosprimeiros contatos e, posteriormente, para aaplicação dos questionários do tipo semi-estruturado.

As categorias espontaneidade e criatividadetenderam a emergir da descrição elaborada pelosparticipantes sobre o que é ser psicoterapeuta.Tivemos presente, também, que outras categoriaspoderiam surgir com base na experiência daquelese de suas respostas abertas às questões.

Procedimentos de pesquisa

O movimento de investigação foi composto portrês momentos.

● contato pessoal com os sujeitos para queconhecessem o objetivo deste estudo e dessemaquiescência para participar dele;

● entrega dos questionários com questões semi-abertas para que individualmente fossemrespondidas por eles;

● encontro para a devolução dos resultados eabertura de outras possíveis categorias quepudessem ter surgido. Esse encontro permitiu

Aprendendo a Ser Psicoterapeuta

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também uma reflexão e entendimento de suaslimitações e possibilidades de realizar seu papelcom criatividade.

Para a elaboração dos questionários, baseamo-nosna pesquisa bibliográfica que fundamentou oprojeto. Após a aplicação daqueles em seispsicoterapeutas experientes, chegou-se à fórmulamais apropriada, com seis questões

5.

Na análise dos resultados, a procura das categoriasde análise puderam vir do elaborado (escrito),momento precioso em que os sujeitos recriaram opróprio trabalho no papel de psicoterapeutas. Aescrita foi o meio de captar essas evidências.

Essas categorias foram evidentemente confrontadasà luz do referencial teórico escolhido, em ummovimento que estabelece as convergências e asdivergências possíveis de acontecer.

Participantes

Responderam ao questionário dezoito alunos, comidade variando entre 23 e 42 anos, de ambos ossexos, de nível socioeconômico médio, o quecorrespondeu à totalidade de matriculados nadisciplina de Estágio em Psicologia Clínica II doCurso de Psicologia da UCPEL.

Tratamento dos dados

A análise dos resultados foi feita sob a ótica daanálise de conteúdo categorial, segundo Bardin(1977).

O conteúdo das respostas à pergunta sobre o queé ser psicoterapeuta foi lido e relido várias vezes eorganizado do geral para o particular.

Por meio da livre atenção, buscou-se estabeleceros critérios de classificação em categorias analíticasou segundo reagrupamento analógico, que seoriginaram tanto das variáveis teóricas determinadaspela pesquisadora como também de categoriasempíricas que puderam ser construídas a partir dogrupo estudado.

Para o tratamento dos resultados, foramconsiderados aspectos importantes do que seesperou encontrar, assim como diferenciados,presença ou ausência deles, os quais puderamsugerir o realçar de um sentido que se encontraem segundo plano, como valores, crenças,costumes e maneiras de atuar, entre outros.

Os dados referentes às outras questões norteadorasda pesquisa foram também considerados para otratamento dos resultados.No entanto, na tentativa de superar o formalismo

da análise de conteúdo e possivelmentecomplementar a interpretação dos dados, osmesmos puderam ser tratados segundo algunsprocedimentos da técnica hermenêutico

6-

dialética7, principalmente no que tange à análise

final, utilizada por essa metodologia.

Para Macnaughton (1996), os resultados poderãoajudar outros pesquisadores a reconhecerem-seem situações similares a essas, nas suas própriascircunstâncias.

Com este estudo, esperamos alcançar os objetivospropostos e trazer contribuições à concepção dossujeitos no sentido de chegar a uma conceituaçãomais clara acerca dessa tarefa e, possivelmente, apartir dos resultados, encaminhar ações voltadaspara a realidade acadêmica do Curso de Psicologiada UCPEL, no sentido de uma formação que váalém do informar didático-científico, atingindo opreparo de profissionais criativos nessa arte-ciênciaque é a psicoterapia.

Resultados

Ao tomarmos todo o material para a análise, emum movimento do todo para as partes e, depois,reagrupando as partes por semelhanças, voltandoa “todos” unitários, chegamos às categorias deanálise, que se vão desdobrando em subcategoriasou indicadores mais freqüentes.

O quadro geral dessas significâncias pode serorganizado por duas grandes vertentes de análise,que são:

● relatos convergentes e que reforçam aperspectiva de Moreno, bem como de outrosautores de semelhante visão.

● relatos não-convergentes.

A primeira vertente desdobrou-se em subcategoriasque emergiram com maior freqüência e vigor deexpressão escrita sobre o papel do psicoterapeuta,abrangendo:

● proporcionar momentos de reflexão e deentendimento a partir do estabelecimento de laçoscom o paciente, vislumbrando assim novoscaminhos;● ser continente para as angústias e sentimentosdaquele;● ter flexibilidade, desejo de crescimentoconstante, responsabilidade e dedicaçãoprofissional associadas ao prazer;● ter consciência de suas limitações;● é desafio constante exigindo tempo e dedicaçãono preparo profissional;● ter capacidade de relacionamento e éticaprofissional;

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5 Questionário:I-Identificação: não hánecessidade de se identificar pelonome. Idade ( ) Sexo ( )II-Descreve com tuas própriaspalavras o que é serpsicoterapeuta. (No mínimo 15linhas)III-Quais as qualidades/requisitos esperados de umpsicoterapeuta que te parecemimportantes?IV-Quais as dificuldadesencontradas por ti noatendimento junto ao paciente?V-Já tiveste, ou estás tendoexperiência de tratamentopsicoterápico como paciente? Sim ( ) Não ( )Em caso afirmativo :

Qual o período de duração?_________ Sob qualabordagem ?__________VI-O que sugeres para que possamelhorar a qualidade dotreinamento do papel dopsicoterapeuta no curso e naprática de estágio ?

6 Hermenêutica: refere-se àexplicação e interpretação de umpensamento, sendo empregadana interpretação de textos;penetra no seu tempo e, pelacompreensão, busca o sentidodo mesmo ( Minayo, 1993).

7 Dialética: refere-se à arte deraciocinar, enfatizando adiferença, o contraste e a rupturado sentido (Minayo, 1993).

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● respeitar o paciente como pessoa desejante,não apenas como doente;● envolver inter-relação, manter uma postura, tercompreensão dinâmica da situação-conflito;● aceitar o paciente com suas dificuldades semcriticá-lo ou rejeitá-lo, tentando ser continente;● descobrir dentro de cada um a grandeza do serhumano;● colocar-se no lugar do outro, ser homem queri, chora, cria, que se emociona e amarintensamente a vida;● fazer uso de técnicas de acordo com anecessidade do paciente, auxiliando no processode encontro;● entender a linguagem corporal do paciente;não idealizar o paciente conforme seu juízo de valor.

A segunda vertente desdobrou-se em outrassubcategorias não convergentes que emergiam commenor freqüência, como o papel dopsicoterapeuta, restrito à:

●aplicação de técnicas diversificadas eespecializadas ao tratamento de distúrbios mentais;

● importância do uso de técnicas que ajudarãoas pessoas a serem mais felizes.

Poderíamos dizer que aqui está a base estruturaldo fenômeno estudado ou a base do conteúdopara a concepção do que é ser psicoterapeutaque o mundo desses alunos em treinamento pôdesugerir.

Parece que essa base estrutural deva obedecer auma certa “consistência conceitual”, revelandoque os indicadores que aparecem com maiorfreqüência são apontados por Moreno e outrosautores aqui referidos.

Outros indicadores parecem revelar ainda maisevidências referidas no item Aproximações de umolhar sobre um mar de pensamentos, quando,em seu desenvolvimento, a maioria dos autoresremete-nos a temas ligados à grande importânciaatribuída pelo paciente à figura do terapeuta.

Preliminarmente, uma das condições para seubom desempenho seria ter resolvido os própriosproblemas, tendo consciência deles, a fim de nãoprovocar maior sofrimento no paciente.

Lidar com as fantasias do próprio poder também éuma das condições básicas, e não entrar no jogopara provar para si mesmo a sua capacidade decurar o paciente faz parte de não incrementar umacontra-transferência inútil que poderia ser nocivaao tratamento.

Apesar de ser importante a presença da segurançaemocional no psicoterapeuta, também énecessário o cliente perceber que ninguém temcondições de ser absolutamente seguro o tempotodo, notando que aquele poderá estar sujeito aeventuais momentos de instabilidade emocional.

Ainda, ligada às qualidades específicas ereconhecidas de um psicoterapeuta, encontramosa concepção positiva de a pessoa humana servoltada para a normalidade e o equilíbrio. Deposse dessa ênfase, o terapeuta auxiliará noreaparecimento dessas forças adormecidas nopaciente, podendo este redimensionar sua vidano sentido de retomar seu próprio poder, para opróprio equilíbrio e harmonia.

Nas palavras dos estagiários, podemos encontraralguma sintonia com o que foi acima apontado:

● dedicar-se ao paciente, sem deixar que seusconteúdos interfiram na relação transferencial;● ter os conflitos internos resovidos para terflexibilidade e manter comunicação eficiente;consciência de suas limitações;● descobrir dentro de cada um a grandeza do serhumano;● saber ouvir imparcialmente, compreender econfortar acreditando no potencial de saúde dopaciente.

Ainda, alguns dos muitos indicadores que maisconvergem para Moreno parecem estar maispróximos do item Por via de Jacob Levy Moreno.Assim, como é revelado em suas escritas, osestagiários sinalizaram:

● respeitar o paciente como pessoa desejante,não apenas como doente;

● estabelecer boa relação terapeuta-paciente, jáque a via do desenvolvimento do tratamento é oafeto, ter amor pelo que faz;

● estabelecer inter-relação, manter uma postura,ter compreensão dinâmica da situação- conflito;

● colocar-se no lugar do outro, ser homem queri, chora, cria, que se emociona e amarintensamente a vida;

● proporcionar momentos de reflexão e deentendimento a partir do estabelecimento de laçoscom o paciente, vislumbrando, assim, novoscaminhos;

● ter flexibilidade, desejo de crescimentoconstante, responsabilidade e dedicaçãoprofissional associados ao prazer;

● aperfeiçoamento técnico e sobretudo humano;fazer uso de técnicas de acordo com a necessidadedo paciente, auxiliando no processo de encontro.

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Verificamos que essas respostas refletem dimensõesde atitudes, comportamentos propostos porMoreno na relação do homem com seus papéis.A valorização desses aspectos é trazida por elequando ressalta a importância da interaçãohumana, pois, nessa visão, existir é co-existir. É existircom o outro. Moreno costuma dizer que adimensão do homem vai além do ser psicológico,bio-lógico e natural. Para ele, “o homem é um sercósmico”, e, sendo assim, é co-responsável pelocrescimento do outro, “da humanidade”.

Dessa forma, ao enfatizar a importância da relaçãointerpessoal, mostra que é justamente nessainteração de reciprocidade que o encontromoreniano poderá existir, revitalizando aidentidade das pessoas presentes. Quando Morenoafirma que o eu só existe na relação com o tu, faz-nos lembrar, antes de mais nada, da importânciado vínculo com o paciente para o desenvolvimentocriativo deste em seus vários papéis. Em outraspalavras, seria estar com o outro trazendo a forçada autenticidade e da verdade de cada um narelação, onde cada qual intui com suasensibilidade o que ocorre na subjetividade dooutro, para não cair na rigidez e impessoalidadeque levaria à “conserva cultural”, podendomassificar a criação.Assim, ao revelar o verdadeiroeu, que se dá na relação com o outro, estariaexercendo sua espontaneidade e criando nopapel, com respostas adequadas para o momento.Ainda, permitir-se momentos de espontaneidadeimplica também abandonar a excessiva censurano funcionamento da mente e promover aabertura correspondente aos impulsos interiores,às intuições e inspirações. Mais uma vez, vemosessas tendências acompanharem aquelasrevelações dos estagiários.

Vemos assim que, fundamentalmente, a propostade Moreno é trabalhar com o homem no sentidode favorecer a recuperação de seus recursos vitais(espontaneidade, sensibilidade e criatividade)através de relações afetivas transformadoras.

Mais uma vez, a marca do calor humano estásempre presente na proposta moreniana com oobjetivo de transformar relações transferenciaisem relações télicas, ou seja, relações verdadeiras,objetivas, entre as pessoas.

Os eixos que servem de apoio ao pensamento deMoreno, a espontaneidade em sua dimensãoindividual e o fator tele em sua projeção social,conjugando-se ambos no papel, são tambémrevelados de maneira implícita pelos estagiários aofalarem de suas tarefas enquanto psicoterapeutas,pontuadas em suas escritas.

De outro lado, a tendência de o indivíduo apoiar-se na “conserva cultural”, na relação do trabalhocom seu papel, também é apontada por Moreno,como as ações de forma repetitiva e cristalizadaque, em alguns momentos, podem ser úteis paradar início à organização de uma ação.

Na segunda vertente, vemos indícios da reproduçãoda”conserva cultural”, apesar de esta se manifestarem menor freqüência, quando os estagiáriosrevelam:

aplicação de técnicas diversificadas especializadasao tratamento de distúrbios mentais;

com o uso de técnicas ajudará as pessoas a seremmais felizes.

É pertinente considerar que os procedimentosmorenianos para o desempenho do papel depsicoterapeuta são, antes de tudo, uma posturaideológica e filosófica a permear toda a atividadeprofissional e que, na prática, essa situação serávivida como nova para o terapeuta e o paciente,que não sabem “a priori” o quê e como vaiacontecer, desencadeando, assim, aespontaneidade necessária e a possibilidade, emambos, de criar.

O trabalho terapêutico está sempre voltado para oprocesso, o vir-a-ser com ênfase nodesenvolvimento da criatividade, como dimensõesvalorizadas da experiência e comportamento.

A partir desta análise, consideramos que osindicadores apresentados revelam uma rede deaspectos que, entrelaçados, vão dar suporte paraque o papel de psicoterapeuta possa emergir comespontaneidade e criatividade.

Os resultados analisados até aqui referem-se àscategorias propostas neste estudo.

A seguir, serão apresentados agrupamentos deoutros resultados relevantes:

Sobre as qualidades/requisitos esperados de umpsicoterapeuta:

● Amar o ser humano sem discriminação epreconceitos.

● Ter responsabilidade e conhecimentos de outraslinhas de trabalho, além da própria.

● Ter ética profissional e discrição.Empatia e flexibilidade.

● Ter humildade, conhecimento teórico edisponibilidade.

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Manejar com próprias resistências, trabalhar dentrode um enquadre técnico

● Ter autocrítica e estudo constantes.

● Ser sigiloso, reconhecer os próprios erros,manejar com a contratransferência.

● Ter experiência de tratamento.

● Suportar frustrações, ser espontâneo, tersimplicidade, criatividade.

Esses achados parecem apontar para característicasbásicas essenciais, sugeridas pela maioria dosautores tanto de orientação ortodoxa quanto detendências mais atuais que tratam do tema.

Sobre dificuldades encontradas no atendimentojunto ao paciente:

● Não ter experiência do próprio tratamento.

● Abandono do tratamento pelos pacientes.

● Insegurança quanto a como proceder.

● Inexperiência e falta de bom preparo.

● Mobilização a partir do que ouvia do paciente.

● Grande ansiedade.

● Local inadequado do atendimento.

● Não basta querer ajudar o paciente, é precisoter e buscar conhecimentos, entendimento ecompreensão.

● Não soltar-me durante a sessão, faltandoespontaneidade.

● Tranferência erótica do paciente, entender adinâmica.

● Pouco conhecimento de técnicas, não saberfazer compreensão dinâmica.

Sobre sugestões para melhorar a qualidade dotreinamento do papel de psicoterapeuta no cursoe na prática de estágio:

● trabalhar, nas disciplinas, situações que maistarde encontraremos com o paciente.

● vinculação da teoria e prática desde o início docurso, no sentido de se trabalhar o papel dopsicólogo antes de se chegar aos estágios.

● realizar vivências em sala de aula enquantosessões fictícias.

● propiciar o curso dê possibilidade para quetodo aluno possa ter experiência psicoterápicaenquanto paciente, mediante convênios da UCPELcom clínicas de psicoterapia.

● apresentar, desde o ínicio do curso, discussãode casos clínicos, maior treinamento parapsicodiagnóstico, maior carga horária para o estágiode clínica, bem como realizar estágios em hospitalpsiquiátrico.

● apresentar a diversidade de teoriaspsicoterápicas no curriculum.

● Trabalhar situações práticas, o papel de terapeutaem disciplina como ética profissional.

De modo geral, afirmaram que é preciso umtreinamento maior para atuarem com naturalidadee eficácia.

Dos dezoito entrevistados, doze tiveramexperiência de tratamento psicoterápico, comduração que variou de seis meses a quatro anos.As abordagens de tratamento foram: psicoterapiapsicanalítica, psicodrama e Onto-psicologia.

Palavras Conclusivas

As categorias espontaneidade e criatividadereceberam através da pesquisa junto aosentrevistados confirmação significativa.

Surgiram enquanto subcategorias ou indicadoresde maior freqüência e revelaram uma baseestrutural que obedecia a certa consistênciaconceitual.

Outras ainda surgiram enquanto categoriasempíricas e não-convergentes na qualidade de“conserva cultural”, porém, manifestando-se commenor freqüência.

Quanto aos elementos que constituem a essênciado papel, foram apontados pelos entrevistadoscomo requisitos básicos e essenciais para oexercício da função de psicoterapeuta,coincidindo com as recomendações de autoresde destaque aqui citados.

Na medida em que os expressaram pela escrita,parece que já os incorporaram como principaisvalores norteadores, sugerindo que, em nívelperceptual-cognitivo, ocupam um espaço no mapade referência dos sujeitos pesquisados.

Fizeram críticas realistas, propondo açõespedagógicas para minimizar dificuldades esugeriram voltar o processo da aprendizagem para

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viver na práxis a interação terapeuta-paciente, comsituações experienciais, processuais e não tantoconceituais, passivas e de memorização, ondetomam para si um produto final dado peloprofessor.

Feitas essas considerações, pôde ser constatado queos principais alicerces norteadores que dão basepara a estruturação do papel de psicoterapeutaemergiram na escrita dos estagiários.

Vimos que os resultados apresentaram coerênciaentre suas descrições e aspectos levantados naliteratura; revelaram, também, maturidade eentendimento de suas limitações e possibilidadesde realizar o papel de psicoterapeuta na realidade,com elementos potencializadores para odesenvolvimento da espontaneidade-criatividade,já que os valores básicos para a sua realização estãopresentes. Com isso, o fato de alguns se encontraremem processo final de adolescência aparentementenão demonstrou ser um obstáculo para odesenvolvimento do papel de terapeuta.

De um modo geral,os participantes da pesquisaperceberam a necessidade de crescimento pessoale treinamento especializado contínuo como partedo processo da construção do papel de terapeuta,sugerindo ser este não um produto final, mas, sim,um processo sempre em construção.

A Aprendizagem ou Treinamentodo Papel de Terapeuta

Detectados esses aspectos da realidade e nãoesquecendo a solicitação dos estagiários,propomos, nos moldes dos princípios do métododialógico-existencial com base na relação télica, odesenvolvimento do trabalho em supervisão comopossibilidade de respostas a dificuldades, odespertar e a liberação da espontaneidade-criatividade no papel em desenvolvimento deterapeuta.

Sendo assim, o supervisionando, no ato de exerceros papéis, redescobre sua espontaneidade,tomando consciência de sua capacidade de recriaro papel.

Considerando o fazer do supervisor junto aosupervisionando, o treinamento de papel é umatécnica bastante utilizada por ser facilitadora, poisfaz com que o supervisionando desenvolva o papelde terapeuta com criatividade ao exercê-lo e treiná-lo, porém em uma situação mais protegida,podendo ser apontados pelo supervisor e/ou grupoos acertos ou falhas no seu desempenho, demaneira que essas pontuações possam contribuirpara o crescimento profissional.

Enfim, nessa abordagem, a dinâmica da supervisãobipessoal e/ou grupal tem a intenção de dar aoestagiário as oportunidades de compreender adinâmica interna de seus pacientes e a análise darelação télico-transferencial, contando com matrizacolhedora, que serve de continente e proporcionauma busca pela formação da identidadeprofissional, que reflete e deixa fluirquestionamentos e incertezas a fim de nãopermanecer na armadilha da vaidade eonipotência, pois, se não, quantas vezes nosacharíamos os donos da verdade?

Na medida em que os estagiários estivessemaprendendo em contato com o problema, iriamadquirir maior flexibilidade no ato dodesenvolvimento de descobertas para possíveissoluções. Não podemos esquecer que o mundoestá cada vez mais a pedir um profissional criativo,flexível, com capacidade de adaptar-se comrapidez às mudanças configuradas pelo novoséculo.

É claro que toda essa disponibilidade para o novodeverá ser mediada, modulada por padrões decomportamento ético, levando o profissional aautodefinir seu limite de competência.

E, assim, concluímos com Moreno, ao enaltecer opotencial da criatura humana:

“Como poderei Eu, o criador,não fazer com que cada instantefosse mais perfeitoe mais intenso do que o último?

Cada novo momento é mais perfeitodo que aqueleque Eu acabei de viverCada ser que eu crioé mais perfeitodo que aqueleque acabei de criar

E Meu momento mais perfeitoMeu momento mais intensodeve ser meu último momento!”(1992, p. 92)

Elizabeth Amelio Faleiros

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