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APRENDIZAGENS DA DOCÊNCIA EM CONTEXTOS DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO E DO PIBID DE MATEMÁTICA O professor não nasce professor, ele aprende a ser. Ensinar é uma atividade que constitui-se historicamente e, como tantas outras atividades humanas, precisa ser aprendida. Considerando essa premissa, esse painel articula trabalhos que têm como temática comum a formação inicial de professores de matemática. Especificamente, os textos são orientados pelo objetivo geral de discutir a aprendizagem do futuro professor de matemática em interações com a escola de Educação Básica, com enfoque no Estágio Curricular Supervisionado e em ações do Pibid (Programa Institucional de bolsas de iniciação à docência). As pesquisas apresentam proximidades em termos metodológicos por vinculações com a abordagem qualitativa de investigação e por privilegiar dados a partir de narrativas produzidas por licenciandos. Esses estudos discutem aprendizagens da docência de licenciandos de instituições de ensino superior de Estados diferentes, sendo que dois artigos exploram dados de atividades de estágio curricular supervisionado e um aborda aprendizagens docentes referentes a ações do Pibid. Os aportes teóricos de análise dos trabalhos se alinham a perspectiva da formação de professores e produzem reflexões que evidenciam que a aprendizagem da docência é de natureza complexa. Nesse sentido, privilegiam dados que demonstram aprendizagens de conhecimentos da docência a partir da interação com professores e alunos da escola básica, por meio de observações do trabalho educativo desenvolvido em unidades públicas de ensino ou por ações em que licenciandos, na condição de futuros docentes, assumem de forma protagonista o objeto de sua atividade, ou seja, o ensino. Nesse processo vivenciam situações tensas e intensas que provocam reflexões e apropriações de conhecimentos fundamentais ao ser professor. Palavras-chave: Formação Inicial de Professore. Matemática, Aprendizagem da Docência XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 546 ISSN 2177-336X

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APRENDIZAGENS DA DOCÊNCIA EM CONTEXTOS DE ESTÁGIO

SUPERVISIONADO E DO PIBID DE MATEMÁTICA

O professor não nasce professor, ele aprende a ser. Ensinar é uma atividade que

constitui-se historicamente e, como tantas outras atividades humanas, precisa ser

aprendida. Considerando essa premissa, esse painel articula trabalhos que têm como

temática comum a formação inicial de professores de matemática. Especificamente, os

textos são orientados pelo objetivo geral de discutir a aprendizagem do futuro professor

de matemática em interações com a escola de Educação Básica, com enfoque no Estágio

Curricular Supervisionado e em ações do Pibid (Programa Institucional de bolsas de

iniciação à docência). As pesquisas apresentam proximidades em termos metodológicos

por vinculações com a abordagem qualitativa de investigação e por privilegiar dados a

partir de narrativas produzidas por licenciandos. Esses estudos discutem aprendizagens

da docência de licenciandos de instituições de ensino superior de Estados diferentes,

sendo que dois artigos exploram dados de atividades de estágio curricular

supervisionado e um aborda aprendizagens docentes referentes a ações do Pibid. Os

aportes teóricos de análise dos trabalhos se alinham a perspectiva da formação de

professores e produzem reflexões que evidenciam que a aprendizagem da docência é de

natureza complexa. Nesse sentido, privilegiam dados que demonstram aprendizagens de

conhecimentos da docência a partir da interação com professores e alunos da escola

básica, por meio de observações do trabalho educativo desenvolvido em unidades

públicas de ensino ou por ações em que licenciandos, na condição de futuros docentes,

assumem de forma protagonista o objeto de sua atividade, ou seja, o ensino. Nesse

processo vivenciam situações tensas e intensas que provocam reflexões e apropriações

de conhecimentos fundamentais ao ser professor.

Palavras-chave: Formação Inicial de Professore. Matemática, Aprendizagem da

Docência

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

546ISSN 2177-336X

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ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO E CONHECIMENTOS DA

DOCÊNCIA EM MATEMÁTICA

Dilza Côco

Instituto Federal do Espírito Santo/Campus Vitória

Resumo

O artigo tem como tema a formação inicial de professores, mais especificamente

focaliza discussões sobre estágio curricular supervisionado e aprendizagens de

conhecimentos da docência. Origina-se de pesquisa ampla, contínua, desenvolvida

desde o ano de 2012, no contexto do curso de licenciatura em Matemática, do Instituto

Federal do Espírito Santo (Ifes), campus Vitória. Em termos metodológicos, vincula-se

a abordagem qualitativa de investigação, com aproximações com fundamentos da

pesquisa colaborativa defendida por Ibiapina. Tem por objetivo analisar como diálogos

propiciados em atividades de estágio supervisionado na escola de ensino fundamental,

contribuem para (re)construção de conhecimentos da docência em matemática. Para

isso, apresenta recorte de dados, privilegiando onze relatórios escritos, elaborados por

licenciandos, a partir de atividades de estágio, realizadas em três escolas públicas da

cidade de Vitória/ES, no ano de 2015. As análises dos enunciados que compõem esses

relatórios são tecidas à luz da perspectiva discursiva de linguagem, defendida por

Mikhail Bakhtin, e de proposições de Lee Shulman, sobre diferentes conhecimentos que

envolvem o trabalho docente. Essas análises apontam para a complexidade da

aprendizagem de conhecimentos da docência e evidencia a necessidade de diálogo

intenso com os sujeitos que habitam o espaço tempo da escola. Desse modo, os dados

mostram que é na interação com o outro (aluno e professor), que os licenciandos

pesquisados são provocados a refletirem sobre demandas e desafios da docência, e

passam a ter condições de elaborarem reflexões que admitem a insuficiência do domínio

do conteúdo disciplinar para as exigências do ensino. As diferentes atividades de estágio

(observação, coparticipação, regência) colaboram para a revisão dessa perspectiva,

contribuindo para a produção de enunciados que explicitam aprendizagens sobre

diferentes tipos de conhecimentos envolvidos no trabalho docente, dentre eles o

conhecimento dos alunos, do contexto educativo, do currículo e do conhecimento

didático do conteúdo.

Palavras-chaves: Estágio supervisionado; Conhecimentos da docência; Matemática.

Introdução

O tema formação de professores tem revelado campo fértil para estudos e

pesquisas no Brasil. Passa por constantes revisões e problematizações, especialmente

por ser considerado elemento importante para a melhoria da qualidade da educação.

Nesse cenário profícuo de discussões, encontramos diferentes abordagens e enfoques

para o tema, como estudos que exploram questões ligadas a formação inicial; a

formação continuada e a constituição da identidade e profissionalização docente.

Também é possível verificar pesquisas sobre políticas educacionais de formação de

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professores; sobre história da formação de professores no Brasil, e sobre saberes

docentes e aprendizagem profissional e outros.

Dentre essas várias possibilidades de abordagem, esse artigo se insere no grupo de

estudos que focam a formação inicial, e mais especificamente desenvolve discussões

sobre ações formativas em atividades de estágio curricular supervisionado. Tem como

objetivo geral analisar como diálogos propiciados em atividades de estágio

supervisionado na escola de ensino fundamental contribuem para (re)construção de

conhecimentos da docência em matemática. Partimos do pressuposto, que o estágio

garante espaço privilegiado para licenciandos se aproximarem de demandas e desafios

do trabalho docente, de forma intensa e tensa.

Esta produção integra uma pesquisa mais ampla, em desenvolvimento desde o

ano de 2012, de forma contínua, no âmbito do curso de licenciatura em matemática do

Ifes, campus Vitória. Trata-se de uma investigação qualitativa (BOGDAN, BIKLEN,

1994) com alguns fundamentos da pesquisa colaborativa (IBIAPINA, 2008).

Destacamos que neste texto apresentamos um recorte de dados e selecionamos

dados apenas de 2015, produzidos por onze sujeitos que realizam atividades de estágio

de matemática, em três escolas públicas de ensino fundamental, em Vitória/ES. Para

desenvolver as discussões estruturamos esse texto em quatro partes, incluindo essa

introdução e as considerações gerais. Na segunda parte situamos o funcionamento e a

organização das atividades de estágio desenvolvidas no Ifes, campus Vitória, e

detalhamos ações sistematizadas no ano de 2015. Na terceira explicitamos os

fundamentos teóricos e apresentamos dados a partir das diferentes atividades, como da

fase de observação, coparticipação e regência, buscando evidenciar elementos

discursivos que evidenciam aprendizagens de conhecimentos da docência.

Estágio curricular supervisionado da licenciatura em matemática do Ifes

As disciplinas do curso de licenciatura em matemática investigado, são

distribuídas em quatro eixos de conhecimentos, dentre eles o eixo do estágio curricular

supervisionado, com 450 horas. As disciplinas que integram esse eixo iniciam a partir

do quinto período do curso e são denominadas de estágio I e II (ensino fundamental),

estágio III (ensino médio) e estágio IV, esse último focaliza atividades na modalidade

de educação profissional, educação de jovens e adultos e na educação especial.

A escolha por discussões que exploram atividades de estágio realizadas no ensino

fundamental é devido à condição da autora deste artigo atuar como docente dessas

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disciplinas (estágio I e II), o que permite planejar, propor e acompanhar ações dos

sujeitos da pesquisa no contexto das escolas parceiras. Denominamos escolas parceiras,

as unidades de ensino que recebem licenciandos para atividades de estágio.

É importante considerar que esse componente curricular pode assumir diferentes

modos de organização (RODRIGUES, 2014), pois sempre é necessário alinhar as ações

formativas do estágio com a dinâmica de funcionamento e disponibilidade das escolas

parceiras. Essa característica de flexibilidade implica em adequações constantes no

roteiro das atividades, visando um melhor aproveitamento pelos licenciandos das

experiências e do tempo destinado ao estágio, seja em atividades de observação,

coparticipação ou regência. Nesse sentido, ações realizadas em 2015, no curso

investigado, inauguraram possibilidades promissoras para o estágio, pois

integramos/articulamos o espaço do laboratório de ensino de matemática (LEM) do

Ifes/Campus Vitória, como lugar importante para o ensaio da docência, além das salas

de aula das escolas. No quadro 1 a seguir, sintetizamos informações que evidenciam

essa integração/articulação com o laboratório de ensino:

Quadro 1 – Dados do estágio em matemática do ano de 2015

Escola

parceira

Licenciandos em

atividade de

estágio

Local da

regência de

estágio

Turma Tema da regência

Escola PA Soraia

Karla e Roberto

Kauã

Dina

Maristela e Stael

LEM

Sala de aula

LEM

LEM

LEM

8º série

6º ano

9º ano

6ª série

6º ano

Razões trigonométricas do triângulo retângulo

Ângulos

Razões trigonométricas do triângulo retângulo

Operação com números inteiros

Fatoração e Mínimo Múltiplo Comum

Escola SC Vicente e Wander Sala de aula 6º ano Classificação de sólidos geométricos

Escola ASO Ravena e Aldo Sala de aula Turma

de EJA

Correção de prova do processo seletivo

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração da autora.

Esclarecemos que os nomes atribuídos aos licenciandos (QUADRO 1) são

fictícios para preservar a identidade dos sujeitos, conforme estabelece os preceitos

éticos de pesquisa com seres humanos. Todos esses sujeitos aceitaram participar da

pesquisa por meio da assinatura de termo livre e esclarecido. Em relação às unidades de

ensino, tomamos o mesmo critério para realizar a identificação das três escolas parceiras

por siglas, a partir das letras iniciais da denominação original. Essas escolas municipais

se localizam na periferia da cidade e atendem crianças, jovens e adultos da classe

popular. Os dados das duas primeiras referem-se ao ensino regular e a terceira da

modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA).

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Considerando essas características, os licenciandos (2) da escola ASO realizaram

estágio no período noturno, e os demais nos turnos matutino (3) e vespertino (6). Outro

detalhe diferencial é que a escola ASO tinha uma organização singular, pois suas salas

de aula eram localizadas em diferentes pontos/bairros da cidade para atender demandas

das comunidades. Essas salas funcionam em espaços governamentais ou alternativos

como igrejas, associações de catadores de material reciclável, canteiros de obras dentre

outras possibilidades que a demanda educativa da população exigir. Além dessa

especificidade dos espaços físicos da escola ASO, a proposta pedagógica assume o

princípio do trabalho de ensino interdisciplinar. Nesse sentido, dois professores de áreas

distintas, a cada trimestre atuam nessas turmas em parceria. No ano de 2015 os dois

licenciandos inseridos nessa escola acompanharam aulas que articulavam

conhecimentos de matemática e educação física.

Nos dados do quadro 1 ainda verificamos que quatro turmas de alunos foram

atendidas no espaço do laboratório de ensino de matemática do Ifes em momentos de

regência. Contudo, antes do acontecimento desses eventos, os licenciandos realizaram

atividades de observação e coparticipação no contexto das escolas, sendo que em alguns

momentos desenvolveram atividades com a utilização de materiais manipulativos que

compõem o acervo desse laboratório. Todas essas ações colaboraram para relações mais

próximas da instituição formadora com as escolas parceiras, além de criar novas

condições para situações didáticas entre licenciandos e alunos. Destacamos que o acervo

de materiais do referido laboratório também foi utilizado para subsidiar atividades de

regência desenvolvidas na escola SC.

Os registros dessas ações e aprendizagens oportunizadas pelo estágio foram

sistematizados por meio de textos orais e escritos, elaborados por licenciandos em

diferentes momentos. A valorização da produção de textos como fonte de dados da

pesquisa, é devido à compreensão de que pesquisar aprendizagens docentes exige

considerar a presença de muitas vozes no processo de construção de conhecimentos.

Acreditamos que essas vozes podem ser apreendidas a partir de vivências dialógicas

(BAKHTIN, 2003) de licenciandos com os sujeitos da escola/sala de aula. Essas

vivências podem ser visualizadas/analisadas a partir da noção de enunciados,

desenvolvida por Bakhtin (2003).

Para o autor, é por meio de enunciados plenos que manifestamos nosso processo

de compreensão, ou seja, colocamos a vista, publicamos nossas ideias/conhecimentos.

No contexto do estágio esses enunciados elaborados por licenciandos são encontrados

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especialmente em relatórios escritos, bem como em outros textos. Relatórios que

abarcam a articulação de vários gêneros textuais (narrativas, fotografia, planos de aula,

atividades didáticas, entrevistas), e que devido a essa característica pode ser chamado de

gênero híbrido. Essa natureza híbrida permite contemplar a presença de muitas vozes

que atuam na formação desses licenciandos e que provocam aprendizagens da docência.

Desse modo, analisar a presença dessas várias vozes que integram a aprendizagem

da docência permite compreender a importância dos sujeitos que habitam a escola/sala

de aula no processo de aprendizagem das várias dimensões de conhecimentos da

docência, e, assim, entendemos também a importância do estágio supervisionado nos

cursos de formação de professores.

Estágio curricular supervisionado em diferentes espaços educativos: desafios e

possibilidades

Neste tópico apresentamos enunciados de sujeitos da pesquisa produzidos a partir

de atividades de observação, coparticipação e regência, com o objetivo de analisar

(re)construção de conhecimentos da docência em matemática. Para isso, tomamos como

referência teórica proposições de Shulman (1986). Segundo o autor, os conhecimentos

que são utilizados no processo de ensino e aprendizagem são complexos. Shulman

(1986) categorizou os diferentes tipos de conhecimentos docentes em conhecimentos:

da disciplina (subject knowledge matter), pedagógico do conteúdo (pedagogical

knowledge matter) e o curricular (curricular knowledge). Outros conhecimentos

também são apontados por Shulman (2005): conhecimentos do conteúdo, conhecimento

pedagógico geral, do currículo, pedagógico do conteúdo, dos alunos e suas

características, do contexto educativo e o conhecimento relacionado aos objetivos,

finalidades e valores educacionais. A necessidade desta ampliação se deu ao fato do

trabalho do professor não está relacionado apenas à sua disciplina e ao ensino do

conteúdo, mas na identificação de que existem outros fatores que interferem nesse

processo. Percebemos que a aprendizagem docente a partir de conhecimentos a ser

(re)construída pelo licenciando é complexa e envolve diferentes elementos para além do

domínio do conteúdo específico. Para explorar tal afirmação, iniciamos a exposição de

dados privilegiando extratos de enunciados produzidos em atividades de observação do

estágio. Ressaltamos que todos os extratos contemplados em nossas análises não

sofreram revisão gramatical, buscando garantir a forma de apresentação das fontes.

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O professor sempre respondeu com tranquilidade (dúvidas dos alunos). Acho que essa habilidade só será

adquirida com o tempo de experiência. Na verdade, olhando tudo parece mais fácil do que realmente é.

Senti isso na pele com a regência. [...] O problema não é o aluno fazer uma pergunta. Muitas vezes até se

sabe a resposta mas não se sabe como explicar. [...] Eu não vi o professor engasgar nenhuma vez. No

máximo pensar por alguns segundos. Mas sempre tinha a resposta para o aluno. Quando se conhece o

nível de conhecimento da turma, o professor acaba selecionando o assunto de maneira a não trazer um

conteúdo muito fora do alcance deles. [...] Isso é bom, uma das características do professor é saber lidar

com o improviso. O professor permite que a aula aconteça por si só. Há uma programação mas, se a aula

tomar outros rumos, ele não poda muito. Deixa fluxo correr sem perder o rumo. (RAVENA, 2015).

No início pensava como seria tedioso ficar observando crianças e o ensino de matemática ali no ensino

fundamental, ver matérias como equações, operações aritméticas, matérias que já tinha conhecimento.

Porém, quando se tem contato com pessoas, tudo isso muda, todo o meu pensamento de tédio foi embora

no primeiro dia. [...] Os alunos copiam todo o conteúdo em seus cadernos de maneira organizada, pois o

professor tem um quadro muito organizado, utilizando diversos pinceis coloridos e dividindo o quadro.

Acredito que com uma organização do quadro, você chama a atenção dos alunos para escreverem

organizadamente como o professor, essa motivação realmente acontece. [...] Observei que introduz o

ensino da matemática de uma forma investigativa (ele indaga bastante seus alunos) e serena. Ele dedica

uma aula sobre conceitos básicos, explicitando o conteúdo pela raiz, dando exemplos lúdicos e profundos,

porém, lentamente, como forma de todos os alunos acompanharem tal raciocínio. Isso me chamou

atenção, pois no meu primeiro contato com o ensino fundamental (como docente) numa escola, achava

pelos meus conhecimentos matemáticos que um aluno poderia abstrair toda uma matéria em uma só aula

(esse comentário refere-se a uma experiência do licenciando quando ministrou uma aula na qual explicou

todo o conteúdo de frações de uma só vez). [...] Ficou notório que com uma aula apenas, explicando todo

o conteúdo de maneira completa, não é satisfatório para o aluno. Vendo a postura do professor do estágio,

construindo o conteúdo matemático lentamente e com parceria dos próprios alunos e com uma didática

diferenciada, percebi ali que não basta somente dar matemática para ensinar, principalmente no ensino

fundamental. (ROBERTO, 2015).

As aulas na turma do nono ano são transcritas de um livro antigo que o professor possui para o quadro.

Muitas vezes observei que havia maneira mais simples ou até mais apropriada de trabalhar certo conteúdo

do que as que o vi passar. (KAUÃ, 2015).

Nesses extratos licenciandos narram observações sobre o modo de gestão das

aulas pelos regentes e como interagem com os alunos e conduzem o ensino de

matemática. Ravena e Roberto indicam em seus relatos aprendizagens a partir de

observações de práticas positivas, onde aprendem com a forma como os professores

regentes consideravam os conhecimentos dos alunos e como isso implicava no trabalho

docente e na abordagem do conteúdo matemático. A questão do tempo e da forma para

explicação de conteúdos e também a estratégia de organização dos registros no quadro

são aspectos relevantes destacados nas observações, indicando que esses licenciandos

reconhecem que conhecimentos da docência vão além do domínio do conteúdo

matemático. Numa perspectiva contrária, Kauã também indica que a observação,

mesmo que de aspectos negativos em sua percepção, colabora para aprendizagens de

conhecimentos da docência, pois ao verificar que o professor tinha como fonte principal

das aulas um livro didático específico e antigo, reflete sobre outras maneiras mais

apropriadas para abordar um conteúdo. Assim, pensamos que a observação de práticas

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diferenciadas pode contribuir para uma compreensão dos vários elementos que integram

conhecimentos da docência, conforme propõe Shulman (1986, 2005).

Narrativas sobre experiências realizadas na fase de coparticipação também

pontuam reflexões importantes desses licenciandos quanto à utilização de materiais

manipulativos. Para visualizar esse tipo de reflexão, apresentamos enunciados de três

sujeitos que realizaram estágio em uma mesma turma e trabalharam colaborativamente

com a professora regente.

Fizemos o planejamento (estagiárias) com a professora e resolvemos levar metodologias diversificadas

para melhorar o nível de aprendizagem. A docente começou a explicar o conteúdo de sólidos geométricos

no quadro dando os conceitos e atividades do livro didático. Em outras aulas, trabalhou com materiais

manipuláveis dos sólidos geométricos levados do LEM do Ifes/ Campus Vitória, onde os alunos tiveram

oportunidade de ver com clareza o que são arestas, faces e vértices. A sala foi dividida em grupos

compostos de cinco alunos e, posteriormente a docente acompanhada com as estagiárias abordou os

conteúdos e interagiram com os alunos a todo instante. Os alunos ficaram motivados e até pediram que

fosse aplicado mais atividades com materiais manipuláveis. Outro ponto que chamou atenção foi o

comportamento dos alunos, pois, a sala que é considerada na escola a mais agitada, apresentou um ótimo

comportamento. Observei que em todas as aulas que são utilizados materiais manipuláveis os alunos

participam da aula e aprendem a matéria com mais facilidade. Acredito que isso acontece, pois, os alunos

estão cansados das aulas que utilizam apenas o quadro e os livros. (MARISTELA, 2015).

Primeiramente, seguindo orientação da professora (do curso de licenciatura), daríamos um tempo para os

alunos manusearem o material, para que se familiarizassem e percebessem características que seriam úteis

no momento da atividade. Em seguida, explicaríamos como se daria o desenvolvimento da atividade e,

após sua aplicação, em que participaríamos monitorando e auxiliando os alunos, não dando as respostas,

mas os fazendo refletir e pensar acerca do conteúdo, haveria momento para discussão do estudado. Em

reflexão posterior acerca das atividades desenvolvidas, percebi o quanto o planejamento foi fundamental

para a organização das ideias e consolidação dos temas por meio de sua abordagem durante a aula e

discussão, entendendo que pensar em uma sequência é essencial. (STAEL, 2015).

No geral, nós não participamos do planejamento das aulas. Houve somente duas vezes, nos dias

19/06/2015 e 26/06/2015, que a professora solicitou nossa ajuda para o planejamento das aulas que

envolveriam Sólidos Geométricos, Geoplano e Frações. [...] Deste modo, nossa meta principal era a de

preparar uma aula que envolvesse todos os alunos e que os mesmos compreendessem as atividades

propostas. No fim, a preparação da aula foi extremamente tranquila, com a professora mostrando suas

ideias e aceitando nossas sugestões de bom grado. Pensando de forma crítica e autoavaliativa, minha

participação acabou sendo melhor do que imaginei, já que estava receosa acerca de minha aceitação

por parte dos alunos. Consegui interagir bem com os alunos, conversei, compreendi e pude ajudar

em suas dificuldades. [...] A principal dificuldade que enfrentei nesta experiência foi encarar os

problemas pelo olhar de um aluno de ensino fundamental. Imaginar que o básico do básico, aquilo

que já dominamos é motivo de preocupação para outro é complicado. Por diversas vezes tive que

respirar e pensar duas vezes em como responderia determinada questão ou dúvida, afinal, não

poderia dar a solução “de graça”, nem confundir ainda mais com uma resposta técnica. (DINA,

2015)

Esses enunciados mostram a importância dos licenciandos terem oportunidade no

estágio para assumirem atitudes protagonistas. Ao serem solicitadas pela regente para

organizarem uma proposta de atividade no contexto de um determinado conteúdo,

retomaram conhecimentos e experiências didáticas vividas no contexto do curso de

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licenciatura, mais especificamente na disciplina de geometria. Essa disciplina promove

diferentes atividades com materiais manipulativos para explorar conceitos matemáticos.

O modo como as licenciandas conduziram a sequência das atividades com os alunos,

concedendo um tempo para eles explorarem o material de forma livre, depois

formulando questões orientadoras para abordar as características e por fim as relações

que podem ser estabelecidas com os conceitos matemáticos indicam uma apropriação e

experimentação de conhecimentos denominados por Shulman (1986), de conhecimento

pedagógico do conteúdo. Nesse caso, as licenciandas envolvidas evidenciam a

importância de dominar a organização de procedimentos didáticos numa sequência

intencional, quando afirmam que os alunos participaram com interesse e que o

planejamento foi essencial para esse resultado. Nessas experiências iniciais, as

licenciandas também destacam a necessidade de analisar as questões apresentadas pelos

alunos para poderem retornar com intervenções apropriadas, observando a linguagem

utilizada sem oferecerem respostas prontas, mas interagindo de forma que os alunos

pudessem compreender o assunto e elaborar conhecimentos de forma autônoma. Esses

enunciados podem ser relacionados a conhecimentos do aluno (SHULMAN, 1986).

Na fase da regência, as narrativas pontuam desafios maiores, especialmente

quando assumem o trabalho de planejarem e desenvolverem uma aula completa. Nesse

momento os sujeitos da pesquisa relatam vários elementos que indiciam a

(re)construção de conhecimentos da docência.

Planejar a regência foi um pouco complicado para mim, pois primeiramente pensei em uma atividade que

não “cabia” em um primeiro contato com poliedros, como era o caso. A atividade que eu havia pensado

envolvia a investigação por parte dos alunos de algumas relações entre a base do poliedro, seu número de

faces, arestas e vértices. Gosto tanto de investigar matematicamente e resolver problemas que quase

sempre elaboro atividades ou penso na abordagem de determinados conteúdos sobre-estimando o

conhecimento dos alunos, esta para mim é a maior dificuldade ao planejar uma aula. (WANDER, 2015).

Durante o estágio vi o quanto é importante planejar as aulas, pois o planejamento nos leva a estudar os

conteúdos, a aprimorar nossos conhecimentos e nos ajuda a verificar e atingir nossos objetivos para um

melhor ensino. (SORAIA, 2015)

Planejar a aula de regência foi extremamente difícil. Foi necessária muita ajuda da professora orientadora

do estágio para esboçar alguma coisa. Não sabia nem distinguir objetivos gerais e objetivos específicos.

Apesar de conseguir apresentar uma melhora no planejamento, ainda foi muito difícil seguir o “plano

perfeito” elaborado em minha cabeça e alcançar os objetivos da regência. (KAUÃ, 2015)

Não houve um planejamento, devido não termos acesso a prova do processo seletivo do Ifes com

antecedência ao momento da correção, o que dificultou em muito a nossa regência. Porém vejo um lado

positivo nisso tudo, tivemos oportunidade de não só saber, mas de sentir na pele o quanto o planejamento

da aula é importante ainda que pareça simples os conteúdos abordados. (ALDO, 2015).

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Nesses dados notamos desafios enfrentados por sujeitos da pesquisa desde a fase

do planejamento, pois indicam várias questões envolvidas no trabalho docente. No

relato de Wander ele inicialmente pontua que desconsiderou características do público

alvo, fazendo uma proposta inadequada ao nível de conhecimentos dos alunos e Soraia

afirma que o planejamento é um momento importante de estudo do conteúdo. Dessa

forma, os licenciandos pontuam aspectos relacionados ao que Shulman (1986, 2005)

denomina de conhecimentos dos alunos e do conteúdo. No caso de Kauã, este afirma

que foi extremamente difícil, pois como planejar se não sabia formular os objetivos de

sua intervenção didática. Desse modo, ele indica que no trabalho docente está envolvido

o conhecimento sobre as finalidades do ensino (SHULMAN, 2005). Embora esse

momento do planejamento seja repleto de buscas, tensões e aprendizagens, a ausência

dele é extremamente comprometedora para atuação docente, como verificamos nos

enunciados de Aldo, quando afirma que até para conteúdos simples é necessário

planejar. Essa proposição decorre da experiência vivida em sala de aula, em parceria

com a licencianda Ravena, quando assumem a responsabilidade de realizar a correção

de itens de uma prova que os alunos da EJA haviam realizado em um processo seletivo

numa unidade federal de ensino. Nesse dia, os alunos da turma estavam ansiosos para

saber quantas questões haviam acertado.

Foi uma experiência impar e quase traumática. Antes do início da regência estava ansiosa, mas

confiante. No final estava pensativa e cansada física e mentalmente. [...] A prova começava com um

texto retirado do jornal do nosso Estado [...] e abordava uma previsão climática para dois finais de

semanas consecutivos para a região de Domingos Martins e São Mateus. Na sala ninguém acertou a

questão. O cálculo correto para a questão era 1,2m x 3,4m = 4,08m² x2 = 8,16l ou 8l e 160ml (como

estava na prova) - o que dificultava ainda mais porque a resposta não estava direta. Eu que expliquei esta

questão no quadro. Minha fala foi rápida e as contas foram feitas quase que de cabeça. Não fiz

pausadamente esperando a resposta dos alunos em cada operação. Era como se eu tivesse fazendo

para mim mesma as contas. [...] Eu fiquei abatida e muito pensativa. Foi uma avalanche de

informação e emoção. Outro ponto importante é conhecer o seu aluno. Saber de que forma o aluno

visualiza melhor, qual a linguagem que melhor alcança o aluno. Saber como chegar até o

entendimento do aluno. Saber o conhecimento prévio que ele possui tudo isso certamente são

pontes de comunicação. A comunicação só por números não é suficiente. [...] Outra coisa que

percebi é que sou confusa/afobada para explicar, isso ficou bem evidente na regência. Tenho que

melhorar isso. É preciso organizar a explicação na minha cabeça antes de começar a falar. Só tenho que

arrumar um jeito de fazer isso de maneira rápida nos improvisos e sem me apavorar. Mas é certo que é

melhor dedicar tempo organizando as ideias/aula do que começar a falar desordenadamente. Eu faria tudo

diferente, mas não mudaria esse dia (da regência). Planejar as aulas é fundamental. É o tempo que

temos para rever o assunto, buscar conexões com outros assuntos, pensar numa abordagem mais

simples e alcançável para o aluno, o caminho a percorrer até o objetivo,...etc. Mas na sala de aula

nem tudo pode ser previsto, então é necessário saber lidar com o inesperado e perceber que mesmo com

toda orientação que recebemos ainda assim vamos errar. Não há receita. [...] Ter uma sequência gradual

de conhecimento é necessário e importante na evolução dos conteúdos. Principalmente quando a

explicação é para um grupo. [...] O planejamento das aulas, principalmente para iniciantes é fundamental.

É certo que não iremos saber de tudo que os alunos perguntarem, mas é preciso transmitir confiança

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para os alunos. A postura do professor na sala de aula faz total diferença na conduta da turma e na

relação ensino aprendizagem. (RAVENA, 2015).

A narrativa de Ravena apresenta reflexões que indicam que ao ocupar esse novo

lugar, o da docência, percebe alguns desafios da sua mediação pedagógica. As dúvidas e

questionamentos dos alunos a leva perceber que a forma como conduziu a aula não

produziu o efeito desejado, uma vez que não considerou conhecimentos prévios dos

alunos e nem organizou pausadamente a forma de apresentação das explicações. Essas

reflexões de Ravena se relacionam com o que Bakhtin (2003) conceitua como

“excedente de visão”, ou seja, a percepção e avaliação do outro, no caso, os alunos,

permite a licencianda tomar ciência das fragilidades de sua atuação.

Mesmo considerando que a regência foi uma experiência traumática e cansativa,

também reconhece que não mudaria nada nesse momento, pois para ela foi um

momento ímpar e de muitas aprendizagens, como identificar a necessidade de planejar,

de buscar uma ordem e uma linguagem para a abordagem do conteúdo, além de

perceber que é importante transmitir confiança aos alunos. Desse modo, reafirma as

palavras de Fiorentini e Castro (2003) quando defendem que nesse tipo de atividade

“[...] ocorre de maneira mais efetiva a transição ou a passagem de aluno a professor.

Essa inversão de papéis não é tranquila, pois envolve tensões e conflitos entre o que se

sabe ou idealiza e aquilo que efetivamente pode ser realizado na prática” (p. 122).

Nessa linha de pensamento, outros licenciandos também apontam desafios e

aprendizagens a partir da regência, conforme podemos verificar nos estratos a seguir:

[...] percebi diversas falhas em minha aula, como por exemplo, a falta de planejamento do tempo da aula.

Em todos os três dias ministrados não deu tempo suficiente para falar tudo aquilo que planejei. Acredito

que isso se deve ao envolvimento com a turma. Quando estou à frente da sala de aula, costumo me

“soltar” em relação ao tempo, as explanações e as conversas com os alunos me deixam tão empolgado

que esqueço que aquilo tem um tempo para acabar. (ROBERTO, 2015).

Os alunos foram bem participativos, compreenderam bem as atividades propostas e se empenharam na

classificação e na construção dos esqueletos dos sólidos (geométricos). Durante a classificação notei que

os alunos estavam, muitas vezes, classificando pela existência de bases iguais, por exemplo, o prisma de

base hexagonal junto com pirâmide de base hexagonal, o cilindro junto com o cone, o cubo com a

pirâmide de base quadrada, etc. Depois do ocorrido percebi que esta classificação que os alunos

elaboraram poderia ser mais explorada de alguma forma no momento da aula ao invés de ser apenas

anotada no quadro e refutada depois, como aconteceu. (WANDER, 2015)

Iniciamos a oficina no LEM. [...] Perguntei se eles conheciam o transferidor e se já sabia como usá-los.

Alguns disseram que sim, mas na atividade mostraram que não sabiam. [...] peguei um triângulo de

cartolina e [...] mostrei aos alunos como se media um ângulo utilizando o transferidor. Alguns entenderam

e outros mostraram na atividade que não haviam entendido. [...] Isso chamou bastante minha atenção,

pois a régua é um instrumento de medida muito utilizado desde os anos inicias, [...] O que parecia ser

trivial e obvio, mostrou-se um grande dificultador. [...] Fui ao quadro e fiz um triângulo retângulo e

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identifiquei os ângulos e os lados. Ao fazer o triângulo, na ânsia de desenhar e explicar, não notei que

havia feito um triângulo retângulo, diferente do que os alunos possuíam, pois os ângulos internos do meu

desenho, no quadro, eram de 90, 30 e 60 graus, e os triângulos que eles possuíam eram de 90, 45 e 45

graus. [...] isso levou alguns alunos a não entenderem o que estavam fazendo, devido ao desenho ser

diferente do triângulo que eles possuíam. Devo prestar mais atenção no que desenho no quadro, pois

induzo meus alunos a errarem e depois não consigo perceber o motivo do que os levou a cometerem o

erro. A atividade continuou e encontramos outra dificuldade, que foi trabalhar razões, eles não sabiam o

que era uma razão, expliquei no quadro o que era e fiz um exemplo. Outra observação é que tenho que ter

mais cuidado na organização do quadro, notei isso depois que escrevi as razões e fui tirar uma dúvida de

uma aluna, que estava sentada no final do laboratório. [Depois observei que] havia colocado informações

fora de ordem, isso pode levar o aluno a cometer erros, confundindo-os. (SORAIA, 2015)

Esses vários enunciados pontuam reflexões importantes sobre conhecimentos

necessários à docência, percebidos em atividades de regência. Sinalizam para a

necessidade de melhor domínio da gestão do tempo da aula, bem como atenção para

explorar conceitos de forma mais aprofundada, aproveitando compreensões dos

estudantes, conforme indica Wander. Soraia também explicita em seu relato a

importância do regente apresentar registros bem organizados no quadro, quando

interage e expõe para a turma. Realça o papel do professor como observador para

entender os registros dos alunos e compreender as dúvidas sobre o conteúdo. Essa

observação atenciosa alimenta o trabalho docente com pistas para uma melhor interação

e compreensão do conteúdo.

Essas narrativas indicam que no estágio supervisionado, especialmente, na fase da

regência, licenciandos vivem intensamente demandas e desafios do trabalho educativo.

“Fica evidente o movimento de apropriação do significado da aprendizagem da

docência do futuro professor na atividade de ensino quando ele toma consciência do

papel que assume, o de aprendiz de professor, de uma forma peculiar: ensinando”.

(MOURA, 2009, p.10). Assim, passam a compreender complexidades da atividade de

ensinar e reconhecem várias dimensões de conhecimentos envolvidas, conforme propõe

Shulman (1986, 2005).

Considerações gerais

O conjunto de dados apresentados ao longo do artigo possibilita compreender que

a aprendizagem de conhecimentos da docência é complexa e exige diálogo intenso com

os sujeitos que habitam o espaço tempo da escola. Assim, é na interação com o outro

(aluno e professor) que os licenciandos pesquisados são provocados a refletirem sobre

demandas e desafios da docência, e passam a ter condições de elaborarem reflexões que

admitem a insuficiência do domínio do conteúdo disciplinar, no caso desse texto, de

matemática, para as exigências do ensino. As diferentes atividades oportunizadas pelas

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experiências de estágio (observação, coparticipação, regência) colaboram para a revisão

dessa perspectiva, contribuindo para a produção de enunciados que pontuam

aprendizagens sobre diferentes tipos de conhecimentos envolvidos no trabalho docente,

dentre eles o conhecimento dos alunos, do contexto educativo, do currículo, didático do

conteúdo, dentre outros. Concluímos esse texto, entendendo que a fase da regência, é o

momento do estágio onde os licenciandos experimentam o ensaio da docência de forma

responsiva (BAKHTIN, 2003), pois são demandados a atuarem de forma protagonista

nas etapas do planejamento, do desenvolvimento e da avaliação da aula. Nessas

situações vivenciam experiências tensas, intensas e de muitas aprendizagens.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria

e aos métodos. Porto, Portugal: Porto Editora, 1994.

FIORENTINI, D. ; CASTRO, F. C. de. Tornando-se professor de matemática: o caso de Allan

em prática de ensino e estágio supervisionado. In: FIORENTINI, D. (Org.). Formação de

professores de matemática: novos caminhos com outros olhares. Campinas/SP: Mercado das

Letras, 2003.

IBIAPINA, I. M. L. M. Pesquisa colaborativa: investigação, formação e produção de

conhecimento. Brasília: Liber livro editora, 2008.

MOURA, M. O. de. Apresentação. In: LOPES, A. R. L. V. Aprendizagem da docência em

Matemática: o clube de matemática como espaço de formação inicial de professores. Passo

Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2009.

RODRIGUES, Priscila A. M. Entre experiências de estágio supervisionado e modelos para

formação de docentes: reconhecendo o lugar da escola e das parcerias na preparação dos

professores. Revista Teias, 14 (36), 2014, p. 200-217.

SHULMAN, L. S. Those who understand: Knowledge growth in teaching. Educational

Researcher, v.15, n.2, 1986.

______. Conocimiento y enseñanza: fundamentos de la nueva reforma. Revista de

currículum y formación del profesorado, n. 9, v. 2, 2005.

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SURPRESAS E FRUSTRAÇÕES: CONTRIBUIÇÕES PARA A

APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA DE ESTAGIÁRIOS DA LICENCIATURA

EM MATEMÁTICA

Susimeire Vivien Rosotti de Andrade

UNIOESTE/Foz do Iguaçu

Anemari Roesler Luersen Vieira Lopes

UFSM/Santa Maria

Patrícia Sandalo Pereira

UFMS/Campo Grande

Resumo

O professor não nasce professor, ele aprender a ser. Ensinar é uma atividade que

constitui-se historicamente e, como tantas outras atividades humanas, precisa ser

aprendida. Em se tratando dos cursos de formação inicial, nos últimos tempos, tanto

pesquisadores quanto políticas públicas de formação de professores, vêm dando

destaque à importância da inserção do futuro professor na escola de Educação Básica

desde o início de seu curso, como forma de aprender a partir do seu contexto

profissional. É possível perceber avanços nesta direção, como no caso de programas

como o PIBID ou o exposto nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Formação de Professores de Educação Básica em nível superior. Paralelo a isto,

destacamos que o estágio curricular supervisionado ainda é um momento impactante e

singular na formação do licenciando, pois é quando ele se torna o responsável por todos

os encaminhamentos da sala de aula. Neste sentido, nosso texto tem como objetivo

discutir sobre surpresas e frustrações que os futuros professores de matemática se

deparam ao desenvolver seu estágio curricular supervisionado, entendendo-as como

importantes para a aprendizagem da docência. Para isto nos pautamos em uma pesquisa

desenvolvida com estudantes dos cursos de Licenciatura em Matemática de duas

instituições, a partir dos dados coletados durante sessões reflexivas desencadeadas ao

final do desenvolvimento das ações de regência em escolas públicas de Educação

Básica. Tomando por base a fala dos estagiários, entendemos que inesperados com os

quais eles se depararam referentes ao currículo oculto, a realidade do contexto escolar e

a satisfação de ser professor, podem ser considerados como elementos relevantes para a

aprendizagem da docência na medida em que permitirem ao futuro professor se

apropriar da compreensão do objeto da atividade de ensino, ou seja, a aprendizagem por

parte dos alunos.

Palavras-chave: Formação inicial de professores; Aprendizagem da docência; Estágio

curricular supervisionado em matemática.

Introdução

O professor não nasce professor, ele aprender a sê-lo. Ensinar é uma atividade

que constitui-se historicamente e, como tantas outras atividades humanas, precisa ser

aprendida. Atividade, aqui entendida na perspectiva de Leontiev (1978), diz respeito aos

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processos que são psicologicamente caracterizados por aquilo a que se dirigem (seu

objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executá-la, isto é, o

motivo. Em se tratando de um professor de matemática, o objeto de sua atividade de

ensino é proporcionar a aprendizagem de conteúdos tipicamente matemáticos.

(MOURA, 2000). Mas quais caminhos nos permitem oportunizar a futuros professores a

aprendizagem do ser professor? O que nos possibilita compreender se nossas ações,

enquanto formadores de professores, permitem ao licenciando apropriar-se do seu

objeto?

Nos últimos tempos, tanto pesquisadores quanto políticas públicas de formação

de professores, vêm dando destaque à importância da inserção do futuro professor na

escola de Educação Básica desde o início de seu curso, como forma de conhecer seu

contexto profissional. É possível perceber avanços nesta direção, como no caso de

programas como o PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência) ou

ainda o exposto nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de

Professores de Educação Básica em nível superior. Paralelo a isto, destacamos que o

estágio curricular supervisionado ainda é um momento impactante e singular na

formação do licenciando na medida em que é quando ele se torna o responsável por

todos os encaminhamentos da sala de aula. Neste sentido, o nosso texto tem como

objetivo discutir sobre surpresas e frustrações que os futuros professores de matemática

se deparam ao desenvolver seu estágio curricular supervisionado, entendendo-as como

importantes para a aprendizagem da docência.

Para isto, trazemos inicialmente alguns apontamentos teóricos sobre o estágio

curricular supervisionado. Posteriormente discutimos sobre os inesperados surgidos

durante o estágio supervisionado no contexto de nossa pesquisa e, finalizando, trazemos

algumas considerações sobre oque foi exposto.

Alguns apontamentos sobre Estágio Curricular Supervisionado

Esclarecemos que, neste texto, ao utilizarmos o termo estágio ou estágio

supervisionado estaremos nos referindo ao estágio curricular supervisionado. O mesmo

é regulamentado pelo Conselho Nacional de Educação, por meio das Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Formação de Professores de Educação Básica em nível

superior (BRASIL, 2015), que determina sua obrigatoriedade para conclusão do curso

sendo a carga horária de, no mínimo, quatrocentas horas.

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Portanto, enquanto componente curricular e obrigatório nos cursos de

licenciatura, deve ser concebido como oportunidade de contribuição para a formação

inicial dos futuros professores.

O fato de o professor iniciante encontrar, muitas vezes, uma

realidade escolar diferente daquela idealizada em teorias em

suas aulas, ainda na universidade, pode leva-lo a negar a teoria

como importante fonte de referência para ação pedagógica. É

preciso, pois, durante a formação do futuro professor, colocá-lo

diante de situações em que a combinação teoria-prática possa ser

vivenciada, de forma a desenvolver, neste professor, a

construção de modos de ação que lhes permitam desenvolver o

gosto pelo conhecimento que possa iluminar a sua prática.

(MOURA, 1999, p.08-09)

Se considerarmos a análise do autor é imprescindível compreender o estágio

curricular como um campo de conhecimento pedagógico no qual são trabalhados

aspectos indispensáveis ao trabalho docente como: “a construção da identidade, dos

saberes e das posturas específicas ao exercício profissional docente” (PIMENTA;

LIMA, 2011, p. 61).

O estágio é o “[...] lócus onde a identidade profissional do aluno é gerada,

construída e referida; volta-se para o desenvolvimento de uma ação vivenciada,

reflexiva e crítica e, por isso, deve ser planejado gradativo e sistematicamente com essa

finalidade [...]” (BURIOLLA, 2009, p.13).

Na visão de Piconez (1998), o estágio supervisionado deve ser pensado como

uma disciplina que pertence ao currículo do curso de formação de professores e vai

além, quando afirma que:

[...] O preparo para o exercício do magistério não pode

constituir-se tarefa exclusiva desta disciplina. Ela precisa estar

articulada com os demais componentes curriculares do curso.

Não pode ser isoladamente responsável pela qualificação

profissional do professor, deve, portanto, estar articulada ao

projeto pedagógico do curso. (PICONEZ, 1998, p. 30)

Lima (2006, p. 35) afirma que “o mundo atual requer um novo tipo de

profissional, cujos saberes sejam polivalentes e, sobretudo, amplos e sólidos, para

corresponder às peculiaridades e ao caráter multifacetado da prática pedagógica”.

Pimenta e Lima (2011) destacam que conceber o estágio curricular como um campo de

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conhecimento pedagógico potencializa a compreensão de que este deva ser um eixo

articulador no curso de formação de professores que envolva todas as disciplinas do

curso. Portanto, tal concepção a respeito de estágio corrobora para a importância deste

contribuir efetivamente com a formação profissional do futuro professor e, nesta

perspectiva, não pode ser concebido como um treinamento para prática, e nem como o

único responsável para solução dos problemas da formação inicial.

Fiorentini (2004) nos lembra que os professores do curso de licenciatura que

trabalham as disciplinas de conhecimento específico não percebem ou não tem

consciência que formam pedagogicamente o professor e estas concepções influenciarão

na visão dos alunos no “modo de conceber e estabelecer relação com a matemática e de

ensiná-la, aprendê-la e avaliar sua aprendizagem” (p. 5). Consequentemente, isto

influenciará nas concepções do aluno a respeito do estágio curricular supervisionado.

Outro ponto a ser ressaltado, é que em muitos casos os futuros professores ao

terem contado com a sala de aula, ficam frustrados com a realidade que se deparam,

levando-os a incerteza em relação à carreira de magistério. (RIANI, 1996).

Tentando superar tal perspectiva, atualmente deparamo-nos com propostas em

que os professores formadores tentam dar um caráter mais reflexivo e crítico ao estágio

supervisionado, de modo que os estagiários encontrem caminhos para os desafios do

processo educacional. Porém, é importante estar ciente de que não existe “um método

de formação que seja válido para todos, pois como o caminho da formação não existe,

ele é inventado e conquistado por cada um dos indivíduos ao percorrer seu próprio

caminho” (JARAMILLO, 2003, p.95).

Os inesperados do estágio curricular supervisionado

Caraça (1989), ao se referir a produção do conhecimento humano, escreve que o

observador, na impossibilidade de abraçar de uma única vez a totalidade do universo,

destaca dessa um isolado que se constitui como uma seção da realidade recortada

arbitrariamente. Este isolado em estudo, recortado com bom senso, permitirá

compreender todos os fatores dominantes, isto é, todos aqueles cuja ação de

interdependência influi sensivelmente no fenômeno a estudar. Mas, o próprio autor

chama a atenção de que isto nem sempre acontece e a própria história da Ciência tem

seus exemplos. “Quantas vezes, na observação de um certo fenômeno ou no decurso

duma dada acção surge um facto inesperado” (CARAÇA, 1989, p.112). E, no

aparecimento do inesperado, é que reside um dos motivos principais do progresso no

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conhecimento da realidade, porque, obrigando a uma melhor determinação do isolado,

exige um mais cuidadoso exame das condições iniciais.

Assim, se considerarmos que no movimento de formação de futuros professores

a possibilidade de compreender a atividade docente exige alguns isolados, como o

estágio, podemos entender que este não corresponde a totalidade da docência, mas parte

da mesma e lhe permite uma profunda relação com a profissão. Neste sentido, o

surgimento de inesperados podem levar o estagiário a uma melhor compreensão do seu

objeto, ou seja, a atividade de ensino.

Nesta perspectiva, discutimos algumas surpresas e frustrações com as quais

futuros professores de matemática se deparam ao desenvolver seu estágio, entendendo-

as como inesperados que podem contribuir para a sua aprendizagem da docência. Para

isto, apresentamos parte de uma pesquisa desenvolvida em 2014 e 2015 com trinta

licenciandos em matemática de duas instituições, com dados obtidos das gravações em

áudio das sessões reflexivas (IBIAPINA, 2008) realizadas ao final do ano letivo em que

tinham desenvolvido ações de observação, projetos de ensino e regência em escolas

públicas de Educação Básica.

Na impossibilidade de apresentar todos os dados obtidos, especificamente neste

artigo trazemos excertos de algumas das manifestações dos futuros professores

referentes ao que os havia surpreendido durante a realização do estágio, tanto no sentido

de deixa-los animados ou os decepcionarem. A partir das suas falas agrupamos o que

aqui estamos denominando de inesperados em três categorias: o currículo oculto; a

realidade do contexto escolar; e a satisfação de ser professor. Os nomes usados são

fictícios, atendendo as recomendações do Comitê de Ética em Pesquisa de preservação

de suas identidades. A similaridade das frustrações e surpresas expressas nas narrativas

dos estudantes das duas instituições nos levou a optar por não diferenciar a qual

instituição eles pertenciam.

a) O currículo oculto.

Na sessão reflexiva referente ao término do estágio, todos foram unânimes em

afirmar que haviam sido muito bem recebidos pelas escolas e professores regentes.

O entusiasmo do Colégio K em nos receber para o

desenvolvimento do projeto de ensino de estágio, foi muito bom.

(Acadêmica Debora).

A experiência com os professores do Colégio. Ainda mais que

estes foram meus professores. (Acadêmico Roberto).

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Ajuda dos professores da escola, que não saíram de sala, e me

ajudaram em todos os momentos de dificuldade. (Acadêmica

Beatriz).

Ter oportunidade de contato com as escolas, saber o que me

espera. (Acadêmica Luísa).

A recepção da escola, dos professores, e também dos alunos

participando da aula me deixou muito feliz no estágio.

(Acadêmico Bruno).

Eu sou obrigada a falar do apoio da escola. Não tenho uma

queixa da escola. A equipe diretiva da escola, eles fazem chover

com o dinheiro que vem para eles. Ela é uma escola de vila,

pequena e tem ar condicionado em todas as salas. Eu trabalhei

numa escola particular que não tinha ar condicionado

(Acadêmica Érica)

Em relação às reflexões sobre as surpresas e frustrações, coisas boas ou ruins

que tivessem chamado a atenção durante o estágio, temos a manifestação da Acadêmica

Flávia.

A escola em todo o momento apoiou muito, foi muito bom. Mas

eu fiquei decepcionada na reunião do final do ano quando foi

pedido para fecharem as notas tão cedo. Com tanta greve,

tantas paralizações que tiveram durante o ano, agora,

retomando, todo mundo tinha que sair dando prova de tudo que

é lado. Foi muito cedo, tudo atropelado, foram encaixando as

aulas, uma série de outras atividades aglomeradas para fechar

horas, eu não gostei. Fiquei decepcionado com a questão do

fechamento de notas, eu esperava dar todas as minhas aulas.

(Acadêmica Flávia)

A referência a dar as “notas tão cedo” diz respeito ao fato de que durante o ano a

escola participou de momentos de paralisação em que a Acadêmica Flávia não deu aula

e isto a angustiava muito. Quando retornaram as ações normais da escola ela esperava

desenvolver todo o seu planejamento na reposição das aulas. Contudo, a reposição não

estava acontecendo como ela esperava, ou seja, a escola estava contabilizando uma série

de outras atividades como aula, ou ainda aulas com período reduzido, o que,

efetivamente, não representaria a carga horária perdida. E a naturalidade com que isto

acontecia e era aceito por todos decepcionou a estagiária.

Outros futuros professores também se manifestaram em relação às decepções:

Eu fiquei decepcionado com o descaso dos professores com as

dificuldades dos alunos. Como eu já havia comentado durante

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os nossos encontros, casos de aprovar para eles ficarem

somente em uma disciplina em recuperação, ou seja, aprovar

por aprovar. Quer dizer, assim, as dificuldades destes alunos

nunca serão superadas porque eles vão passar sem ter a

oportunidade de aprender. Pois a recuperação seria justamente

para sanar as dificuldades que ficaram. (Acadêmico Gerson)

Em relação a esta questão de passar, o que me impressionou foi

o negócio dos alunos avançados de turma, que pularam anos.

Aquilo foi um castigo para eles. A situação dos outros alunos

que estavam na aula foi prejudicada e a deles mais ainda. O

conteúdo não foi dado a metade do que estava previsto para o

ano e mesmo assim eles não conseguem acompanhar. O que foi

visto foi muito superficial, teria que ter ensinado mais. O oitavo

ano é importante porque dá início a questão do pensamento

algébrico e eles não tiveram esta parte, por causa do atraso que

os alunos avançados acabam causando na turma.(Acadêmico

Lucas)

Além de ter que estar empurrando os alunos por causa dos

índices, uma outra coisa foi lá no começo, nas observações, e

que me deixava nervosa, apreensiva, quando a professora dizia:

estes aqui não precisam aprender polinômios, basta eles

saberem geometria, todos vão ser pedreiros. Ela não via

expectativa no crescimento dos alunos. Claro que depois,

conhecendo a realidade, infelizmente, em parte, eu fui obrigada

a entender a posição que ela tomava. Mas não vejo uma

hipótese para generalizar como ela faz. Isto me chocou muito,

me marcou bastante. (Acadêmica Érica)

É triste perceber que o colégio, olhando de um panorama geral,

não é lugar que leva em consideração as diferenças dos alunos,

diferença que quase se refere a todos níveis, desde diferença

social até cultural, isso acaba por gerar a evidente segregação.

(Acadêmico Luiz).

As quatro falas nos remetem a uma questão que não fica explícita, mas que faz

parte da realidade das escolas, que é a forma como os professores lidam com os alunos

com dificuldades e que, ao reprovarem, podem significar um problema, na medida em

que representam índices negativos e podem levar o professor a ser alvo de pressão por

parte dos órgãos superiores, solicitando para que este resolva a situação. Nessa

perspectiva, a prática de ignorar as diferenças, avançar um aluno simplesmente porque a

idade não coincide com a série que frequenta ou ainda, aprovar, para ele não ter que

fazer recuperação ou não representar um número a mais nos índices de reprovação,

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representam práticas que acabam sendo consideradas como “naturais” ou “corriqueiras”,

fazendo parte do currículo oculto da escola.

Moreira (2007, p. 18) destaca que o chamado currículo oculto “envolve,

dominantemente, atitudes e valores transmitidos, subliminarmente, pelas relações

sociais e pelas rotinas do cotidiano escolar” e questiona sobre as consequências de tais

aspectos. Muitas vezes nem refletem sobre o que estes aspectos podem provocar nos

alunos.

Ampliando tal reflexão, nos indagamos quais as consequências que os mesmos

têm na formação dos estagiários, na medida em que, na maioria das vezes, eles entram

em contato com tais práticas a partir de concepções muito diferentes, que podem vir de

sua formação inicial, relativo a questões como a importância de oportunizar sempre

diferentes formas de recuperação para aluno, o compromisso do professor para que

todos aprendam, de entender as diferenças. Ou ainda quando, ávidos por desenvolver

um planejamento meticulosamente organizado, descobrem que a escola usa de artifícios

para não fazer a reposição da carga horária.

b)A realidade do contexto escolar

Especificamente em relação ao contexto escolar, Lucas e Carlos comentam:

Em relação a escola é o barulho, que a senhora viu quando

estava lá. Toda sexta-feira, era do mesmo jeito. A escola não

tem espaço suficiente para Educação Física e aí os alunos

jogam bola ao lado da sala, em um pequeno espaço e a bola

fica batendo o tempo todo na parede. Na quinta-feira não era

tanto, mas na sexta era impossível dar aula. Era terrível, muito

complicado. Foi uma das coisas que mais me chocou, aquele

barulho direto na sala de aula, e não tem o que fazer. É bola

batendo na janela, que já quebrou em vários lugares, os alunos

gritando. E outra coisa foi à estrutura da escola. Sei que não é

culpa dos professores e direção, pois a gente sabe das

dificuldades dos recursos, mas não me parece um ambiente

propício para estudar, as paredes são extremamente pichadas,

os tacos soltos, tem buracos no piso da sala, tem que ficar

cuidando para não cair dentro da sala, as cortinas estão

rasgadas [...] como os alunos vão ter vontade de estudar num

ambiente assim. E a escola fica no centro da cidade.(

Acadêmico Lucas).

Como iria trabalhar com gráficos pensei em utilizar o

multimídia em sala, pois o laboratório de informática da escola

só tem três computadores funcionando. Mas, professor da

escola avisou que teríamos que agendar para utilizar o

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multimídia, pois tem somente um para todo o Colégio e,

dificilmente teria vaga no mês. (Acadêmico Carlos)

A fala de Lucas e Carlos faz menção a um fato referente às escolas da rede

pública dos estados onde a pesquisa foi desenvolvida e, muito provavelmente, de

outros: a precariedade da estrutura física. É possível que quando estes estagiários eram

alunos isto já estava presente, mas o olhar deles, neste momento, é outro. É o de

professor que tem como responsabilidade ensinar e procura as melhores condições para

que isto aconteça. Nesta perspectiva, o ambiente físico também é importante e os

problemas relacionados ao mesmo mostram-se como um inesperado, algo com o qual

eles não contavam.

Outro aspecto, ainda em relação ao contexto escolar, é apontado pelos

acadêmicos.

Uma vez conversando com a Diretora, ela me contou vários

casos que eu não tinha percebido, de certa forma, que era

alunos com problemas de drogas e pais que eram traficantes.

Ela dizia que era uma coisa complicada de conversar e como

dizer, por exemplo, para o aluno, que o pai não vai se orgulhar

disto, se o próprio pai é traficante. E eu fiquei bem chocado,

porque teve o caso de outra criança, com problemas graves

familiares e o que a gente via: os dois queriam muito chamar a

atenção, mas o que mais me surpreendia, não era surpresa eu

acho, mas não eram crianças que não acompanhavam ou que

tinham problemas de aprendizagem, eram uns dos mais rápidos

que tinham de resolver as questões, na turma. (Acadêmico

Sílvio)

Eu tinha um aluno que a mãe era presidiária. Eu estava dando

monitoria e ele falando com a maior naturalidade que a mãe

era presidiária (...). E a professora apoiando o aluno, dizendo

que ele tinha que se esforçar, que era um aluno inteligente.

(Acadêmica Flávia).

A diferença social entre um colégio onde o poder aquisitivo é

razoável para um colégio de periferia onde presenciei alunos

sem roupas de frio em um inverno rigoroso, e muitas vezes a

cara de fome de alguns, me fizeram pensar como vão prestar

atenção no que estou falando. (Acadêmico Paulo).

Para mim uma das maiores frustações, no estágio foi trabalhar

com alunos que trabalham o dia todo, e vão à noite para sua

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aula sem ânimo para estudar, pois estão cansados. (Acadêmico

Pedro).

Os depoimentos apontam para a constatação dos diversos problemas que

adentram a escola. De certo modo é possível que os acadêmicos, ao longo do curso,

tiveram oportunidades de discutir sobre como os problemas da sociedade estão

presentes na escola. O inesperado centrou-se no fato de constatar que a escola e,

consequentemente os professores, precisam buscar encaminhamentos para questões que

vão além do dar aula, não podem ignorar os problemas que surgem e eles terão que

aprender a fazer isto também.

Embora em outros momentos de discussões foi possível levantar possíveis

encaminhamentos para as questões levantadas por estes futuros professores, fica

evidente que tais fatos podem em determinado momentos, como aponta Riani (1996),

representarem momentos delicados que levem os acadêmicos a desistir da profissão.

b) A satisfação de ser professor

Como mencionado anteriormente, os estudantes já haviam ressaltado a

satisfação na realização do estágio e a boa acolhida da escola. Complementar a estes

aspectos positivos identificamos em alguns depoimentos elementos que se mostraram

particularmente importantes, na medida em que estes trazem indícios de que foram

momentos em que os mesmos exerciam a atividade do professor na perspectiva de que

seu objeto é o ensino, visando a aprendizagem do aluno.

Observemos os depoimentos a seguir.

Para mim, os momentos mais marcantes foram quando apliquei

dois materiais diferentes nas aulas.(...). A receptividade dos

alunos foi impressionante. Eles falaram que nunca imaginaram

brincar em uma aula de matemática. Percebo que eles têm

algumas dificuldades, mas ninguém fala passa para o outro

lado (...) eles falam: está somando, tem que subtrair, tem que

aplicar a operação inversa. Isto para mim fez valer tudo: saber

que eles aprenderam. (Acadêmica Érica)

Fiquei muito feliz com a dedicação das senhoras que eu tinha

em sala de aula (...). Pois, quando comecei as aulas lá eu

pensava estas duas vão ser meu problema. Só para entender,

são duas senhoras que tinham parado vinte e tantos anos de

estudar, enfim (...) e voltaram agora. (...) Isto foi uma satisfação

pessoal, porque eu tive certeza que alguém aprendeu alguma

coisa.(Acadêmico Gerson)

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Eu também, quando cheguei no primeiro mês, aqueles meninos

tudo lá no fundo. Hoje você chega e vê todos eles lá na frente.

E são os melhores alunos e uns eram desinteressados, estavam

perdidos (,..). e agora vão bem, fazem as coisas (...). Depois que

introduzi com os netbooks, aí eles ficaram encantados porque

eles nunca tinham usado e a professora também começou a usar

em outras turmas. Eu ajudei ela a usar nos nonos anos.(...).

Então, eu acho que eu pude ajudar, eu pude dar um impulso

para eles. (Acadêmica Flávia)

Saber que podemos fazer a diferença ao verificar que o aluno

do fundão participou da aula me incentiva a continuar na

profissão (Acadêmico Luiz).

O que me deixou feliz foi todas as vezes que saí da sala de aula,

com sentimento de dever cumprido e uma sensação maravilhosa

de estar no caminho certo. (Acadêmica Paula).

Embora é de se esperar que a apropriação do conhecimento por parte do aluno

seja o objetivo do professor, o acompanhamento deste fato e, principalmente, a

constatação de que a sua organização do ensino conduz à aprendizagem do estudante,

pode ser considerada como importante para a aprendizagem da docência por parte do

licenciando. É neste momento em os motivos que o futuro professor tinha para

desenvolver suas ações, que poderiam ser apenas compreendidos, podem passar a ser

eficazes, na perspectiva de Leontiev (1978) levando-o a compreender o significado da

atividade docente.

Algumas considerações finais

Neste artigo buscamos discutir sobre surpresas e frustrações que os futuros

professores de matemática se deparam ao desenvolver seu estágio curricular

supervisionado, entendendo-as como importantes para a aprendizagem da docência.

Tomando por base a fala dos estagiários, verificamos que os mesmos se deparam

com diversos inesperados referentes ao currículo oculto, a realidade do contexto escolar

e a satisfação de ser professor. Apesar disto, todos declararam que tinham gostado da

experiência, que a escola os havia recebido muito bem e a aproximação com o seu

futuro campo de trabalho possibilitou que questionassem e entendessem muito mais as

responsabilidades que permeiam o ato de ensinar.

Neste sentido, a partir do que nos diz Caraça (1998) que a dinâmica da produção

do conhecimento é transformada pelos inesperados, inferimos que os mesmos podem se

constituir como importantes para a apropriação de conhecimentos pelos licenciandos no

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seu movimento de aprender a ser professor. Na nossa perspectiva - que compactua com

autores como Moura (1999), Cedro (2008), Lopes (2009), entre outros – isto implica

em se apropriar de conhecimentos que permitam compreender que o objetivo da

atividade de ensino do professor é a atividade de aprendizagem do aluno.

Por decorrência, para nós formadores de professores, fica o compromisso de

promover espaços de formação que permitam aos estagiários se apropriarem de

conhecimentos a partir da discussão do surgimento e dos modos de como lidar com os

inesperados.

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TORNANDO-SE PROFESSOR NO CONTEXTO DO PIBID MATEMÁTICA

Sandra Aparecida Fraga da Silva

Maria Auxiliadora Vilela Paiva

Ifes

Resumo

Este trabalho configura-se como uma investigação junto a seis licenciandos concluintes

que participaram do Pibid em mais de dois anos num Instituto Federal de Educação.

Tem por objetivo investigar aprendizagens da docência de licenciandos concluintes e

participantes do Pibid no processo de se tornar professor de matemática. Os

licenciandos são inseridos num contexto de cinco escolas públicas, municipais ou

estaduais, no ensino fundamental e médio. Esta pesquisa qualitativa, que já se

desenvolve desde 2012, caracteriza-se pelo acompanhamento e metodologias de ação

desenvolvidas no âmbito do Pibid que contribuem para o processo reflexivo de práticas

pedagógicas e experiências diversas realizadas na inserção do contexto escolar, tanto

individuais como coletivas. Analisamos relatórios semestrais de julho e dezembro de

2015, nos quais identificamos indícios de aprendizagens docentes a partir de narrativas

e comentários reflexivos. Evidenciamos que a inserção nas salas de aula de educação

básica proporciona momentos de observações de práticas, desenvolvimento de

experiências que contribuem na reflexão de atividades de estudo do fazer docente

destacando o trabalho pedagógico como complexo e que necessita de uma visão mais

geral da prática do professor. Os licenciandos destacam diferentes aprendizagens como

a postura do professor, a relação professor-aluno, a busca e necessidade de realização de

práticas diferenciadas, a importância de conhecer o conteúdo trabalhado, as diferentes

possibilidades de abordagem de tal conteúdo e o conhecimento sobre os alunos. Alguns

deles destacam a postura de professores junto a alunos com deficiência e como essa

atuação os fez ter um novo olhar para as relações na escola e mudanças de postura.

Concluímos que o Pibid contribui para aprendizagens da docência quando realiza

práticas de reflexões sobre o trabalho docente.

Palavras-chave: Formação inicial; Aprendizagem docente; Pibid.

Introdução

O presente trabalho nasce de reflexões e pesquisas acerca de experiências

vivenciadas e compartilhadas no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à

Docência – Pibid - subprojeto Matemática de um Instituto Federal de Ensino.

Investigamos aprendizagens da docência de licenciandos concluintes e participantes do

Pibid no processo de se tornar professor de matemática inserido num contexto de escola

pública. Destacamos que o Pibid foi inserido nesta instituição no ano de 2010, dois anos

após o início do curso de licenciatura em matemática, e está sendo implementado desde

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então com modificações ao longo do processo, o que vem contribuindo para a formação

inicial dos licenciandos.

Ressaltamos que o Pibid integra o processo de formação inicial numa dimensão

mais ampla, no nosso caso preconizado no Projeto do Curso de Licenciatura em

Matemática de nossa instituição, cuja concepção e premissa básica subentendem que a

profissão docente compreende um domínio epistemológico, técnico e político, com

construção de diferentes conhecimentos (PINTO; SILVA; CADE, 2015). Deste modo,

a formação docente compõe um processo que se desenvolve à medida que o licenciando

se apropria dos fundamentos teóricos e práticos em que se estabelece o fazer docente.

A metodologia de trabalho adotada em ações desenvolvidas no subprojeto

matemática do Pibid para a formação inicial docente foi pensada num processo

reflexivo e contínuo que está sempre sendo reavaliado e envolve planejamento, ensino,

aprendizagem e avaliação (CORRÊA, 2013). Esse ciclo é efetivado a partir de processos

em torno de reflexões críticas de experiências vivenciadas no âmbito escolar a partir de

discussões em grupos e escritas individuais. Freire (2002) destaca que esses momentos

de reflexão contribuem para a formação docente e que

[...] A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o

movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O

saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea, “desarmada”,

indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito,

a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade

epistemológica do sujeito. Este não é o saber que a rigorosidade do pensar

certo procura. Por isso, é fundamental que, na prática da formação docente, o

aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente

dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais

escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que

supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão

com o professor formador (FREIRE, 2002, p.17-18).

Concordando com Freire é que desenvolvemos no Pibid esta metodologia cíclica

na qual a reflexão crítica grupal mostra a importância de superar o pensar ingênuo e

assumir o pensar certo. Destacamos que esse processo pode ajudar na aprendizagem

docente de maneira mais explícita, visto que é provocada, sendo construída

coletivamente, com outros licenciandos e com professores formadores, seja na escola

como na instituição superior.

Para Curi (2011, p. 77), “a forma com que os futuros professores irão ensinar

matemática no ensino básico é decorrente de conhecimentos que são construídos,

reformulados, transformados, no decorrer dos cursos de Graduação que eles

frequentam”. Os licenciandos, portanto, constroem conhecimentos oriundos de

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momentos diferentes de suas vidas e oriundos de várias fontes. O Pibid/matemática em

nossa instituição é um programa que tem por objetivo proporcionar aos acadêmicos

participantes a iniciação à docência e à pesquisa em educação matemática na qual os

mesmos podem compreender melhor relações teórico-práticas e aplicações de diversas

metodologias de ensino de Matemática, o que a nosso ver contribui para vivências

reflexivas de experiências e aprendizagens da docência.

Este programa que insere diretamente o licenciando no contexto escolar supera

um problema apontado por pesquisadores como Ponte (1992, p. 211) ao se referir que

“na formação inicial o principal problema é a inexistência de uma prática que

proporcione a possibilidade de formular objetivos de intervenção prática imediata e

vivências diretas de reflexão”. Desta maneira, evidenciamos a importância do Pibid

junto a inserção do licenciando no cotidiano de práticas pedagógicas, objetivando

proporcionar ao futuro professor uma maior vivência no contexto escolar e na sala de

aula. Silva, Pinto e Paiva (2015, p. 11) afirmam que “licenciandos em iniciação à

docência precisam estar em processos constantes de formação e de reflexão sobre seus

atos e estratégias utilizadas e sobre as consequências dessas ações”.

Essa iniciação à docência no contexto de escolas públicas favorece a relação

entre teoria e prática, que é uma questão crucial na formação docente segundo Gatti

(2012, p. 18). Ela chama a atenção para o fato de que precisamos modificar nossa visão

de prática, entendendo-a como “lugar de relações profissionais de ensino no qual

surgem conhecimentos vitais sobre os processos do exercício da docência com crianças

e jovens”, o momento de enfrentar desafios reais, que remete a superação e a soluções

criativas do processo de ensinar e aprender.

Ao analisarmos aprendizagens docentes decorrentes do processo de inserção no

contexto escolar pelo Pibid estamos evidenciando diferentes conhecimentos dos

licenciandos que já estão sendo construídos ao longo do tempo desde que eram alunos

da educação básica (LLINARES; KRAINER, 2006; MIZUKAMI, 2004). Sabemos

ainda que essas aprendizagens docentes estão em contínuo processo de ressignificação a

partir das experiências vividas ao longo do processo formativo.

Compactuando das ideias de Freire de que somos seres inacabados notamos que

Isaia e Bolzan (2012) apontam que esse processo contínuo precisa ser mobilizado em

espaços de reflexão conforme comentamos. Para essas autoras

A aprendizagem da docência caracteriza-se pelo processo de

profissionalização docente, a partir da compreensão de seu inacabamento, da

tomada de consciência de que, nesse processo, são ensinantes e aprendentes

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simultaneamente, bem como da ênfase na prática docente, assentada nas

reflexões e nas interações da/na aula universitária (ISAIA; BOLZAN, 2012,

p. 196). As autoras ainda relacionam todo esse processo com o que denominam de

atividade de estudo docente, que coloca o professor como centro do processo, refletindo

e estudando sobre situações vivenciadas que o levam a se constituir como docente,

desde um planejamento até a compreensão dos acontecimentos e desdobramentos na

aprendizagem do aluno. Outrossim, precisamos entender o espaço da sala de aula, as

experiências vividas no âmbito escolar como fonte importante para reflexão, como

movimentos profícuos para a aprendizagem docente e para a constituição do tornar-se

professor (ISAIA; BOLZAN, 2012). Para essas autoras o processo de se perceber e

constituir professor passa por três categorias: a aprendizagem da docência, a atividade

de estudo da docência e o trabalho pedagógico. Este último diz respeito aos processos

metodológicos para desenvolver uma aula, desde o seu planejamento até a execução e

mobilização de diferentes ações. Todas essas categorias estão respaldadas na reflexão de

experiências da prática pedagógica.

Percurso metodológico

Nesta pesquisa temos a inserção dos alunos bolsistas desse programa em salas de

aula de matemática de três escolas públicas estaduais e duas municipais da Grande

Vitória. O subprojeto Pibid matemática iniciou em 2011 com 15 bolsista de iniciação à

docência em escolas de ensino fundamental, após a aprovação em outros editais

chegamos no ano de 2015 com 32 licenciandos de matemática atuando em escolas de

ensino fundamental e médio.

Estamos vivenciando um período turbulento no âmbito nacional, com cortes de bolsas e

possibilidades de descrendenciamento de escolas parceiras. Por este motivo, escolhemos

para sujeitos desta pesquisa licenciandos que já estão em processo de conclusão da

graduação e que participaram do Pibid por mais de dois anos. Escolha esta exatamente

para analisarmos como esse licenciando pontua sua aprendizagem docente neste

processo a partir de sua inserção no programa. Isto nos ajuda a entender a dimensão

formativa do Pibid e contribui para apresentarmos resultados de pesquisa que afirmem a

necessidade de continuidade do programa. Os licenciandos concluintes já passaram por

diferentes momentos do Pibid e nos ajudam a compreender como constroem suas

aprendizagens da docência.

Este trabalho integra uma pesquisa mais ampla que ocorre de forma contínua, no

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âmbito do curso de licenciatura em matemática do Ifes, campus Vitória sobre

aprendizagens e conhecimentos de futuros professores ao se inserirem no contexto

escolar, seja no âmbito do Pibid como no estágio curricular supervisionado. Essa

pesquisa já tem se desenvolvido desde o ano de 2012. Trata-se de uma investigação

qualitativa (BOGDAN, BIKLEN, 1994) na qual as pesquisadoras acompanham os

licenciandos nessas articulações, como é o caso da primeira autora deste artigo, que é

coordenadora de área do Pibid desde 2012.

Adotamos uma metodologia de ação que envolve reuniões periódicas nas quais

os licenciandos bolsistas do PIBID apresentam coletivamente questões, dúvidas e

reflexões sobre o trabalho docente em sala de aula, sobre o comportamento dos alunos,

sobre o ensino de matemática e sobre diferentes realidades de práticas pedagógicas

vivenciadas no ambiente escolar. Além disso, cada bolsista escreve relatórios

semestrais, onde narram individualmente vivências e experiências extraídas da sala de

aula.

A metodologia formativa inicia a partir da inserção em sala de aula onde os

licenciandos atuam como observadores de práticas pedagógicas de matemática,

registrando o que mais lhes chama atenção durante essa etapa. Posteriormente, planejam

junto aos professores atividades que irão desenvolver em suas ações de sala de aula da

escola na qual atuam como pibidianos. Posteriormente, planejam junto aos professores

atividades. Como já indicamos esses licenciandos produzem relatórios descritivos

reflexivos escritos que foram nosso instrumento de produção de dados. Fizemos um

recorte nos relatórios apresentados nos dois semestres de 2015.

Escolhemos, portanto, seis licenciandos que estão concluindo a graduação em

2016 e que o ano de 2015 foi o último de atuação no Pibid. No quadro 1 apresentamos

esses sujeitos, o período que participaram do programa, o número de escolas em que

atuaram e os níveis de ensino. Destacamos que os nomes dos futuros professores

escolhidos são fictícios e que os mesmos assinaram um termo de consentimento livre e

esclarecido para participarem desta pesquisa.

Quadro – Licenciandos participantes da pesquisa

Licenciando Tempo em que atuou

no Pibid

Quantidade de escolas

acompanhadas no

período

Nível de ensino

acompanhado

Welington 2011 – 2015 4 escolas EF e EM Tatiana 2012 – 2015 2 escolas EM Walquíria 2012 – 2015 2 escolas EF e EM Vitor 2012 – 2015 2 escolas EM Jonas 2011 – 2015 3 escolas EF e EM

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Janisse 2012 - 2015 2 escolas EF Fonte: Dados da pesquisa

Além dos relatórios dos licenciandos também temos o caderno do pesquisador e

gravações em áudio de reuniões com todos os licenciandos. Porém, neste trabalho nos

reportaremos aos relatórios escritos. Para análise dos dados realizamos uma leitura

cuidadosa dos dois relatórios semestrais do ano de 2015, o parcial entregue em julho e o

final entregue em dezembro, identificando narrativas de aprendizagens docentes

evidenciadas pelos licenciandos. Assim, identificamos diferentes aprendizagens que são

apesentadas com recortes das narrativas a seguir.

Aprendizagens docentes na inserção no Pibid

Verificamos em diferentes momentos que para os bolsistas do Pibid surgia a

necessidade de compreender o fazer do professor e suas práticas pedagógicas. Já para

nós, coordenadores do Pibid e pesquisadores, urgia a necessidade de compreender qual

o significado que cada um produzia a partir desse processo identificando aprendizagens

docentes. Acreditamos que no diálogo com a teoria e ao ouvir as experiências dos

colegas esses alunos ressignificavam suas experiências narradas o que proporcionava

construção de saberes /conhecimentos docentes. O que segundo Paiva (2013) baseando

em Charlot constitui uma ação de relação com o saber o que proporciona mudanças no

modo de se ver professor.

A inserção no ambiente escolar contribui para os licenciandos perceberem a

complexidade do trabalho docente. No recorte a seguir, o licenciando Vitor percebe a

necessidade de o professor estar preparado para perceber as demandas dos alunos e

alterar seus planejamentos caso seja necessário. Ele relata o que observou em sala de

aula e em seguida pontua suas reflexões sobre o ocorrido.

Hoje a professora aplicou alguns exercícios do livro sobre operação com matrizes, nas turmas de 2º

ano. Todas as turmas conseguiram resolver uma quantidade alta de exercícios, mas alguns alunos

ainda apresentam dificuldades “básicas” em: resolução de equações do 1º e 2º graus; interpretação

de texto; e insegurança ao realizar os exercícios. Isso me fez perceber que existe um problema

anterior aos conteúdos apresentados agora e é preciso que o sistema de ensino utilizado hoje passe

por uma reformulação, mas de qualquer forma, como isso não vai acontecer agora, o professor

precisa estar preparado para ter que dar pequenas revisões, afim de que o aluno possa entender o

conteúdo do momento e não ficar mais uma vez sem entender o que está sendo trabalhado. (Vitor -

relatório parcial)

Esse mesmo licenciando destacou a prática da professora supervisora num

trabalho com alunos com algum tipo de deficiência. Ele destaca sua percepção em

relação a mudança de comportamento do aluno e características especificas dessa

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professora que tenta realizar um trabalho diferenciado com todos os alunos.

[...] gostaria de falar sobre um aluno específico. A turma do 3º ano conta com dois alunos com

dificuldades cognitivas. Um desses alunos chamou muito minha atenção, e também a da professora,

nesses últimos meses. A professora sempre trabalhou com ele de forma diferenciada, preparando

atividades que ele pudesse realizar, para que ele não fosse só um aluno sentado em uma sala de

aula, olhando para o tempo ou dormindo. Ela sempre o tratou com o mesmo empenho que para com

todos os outros e acho que isso fez a diferença. Nos últimos meses, este aluno que nunca fala nada,

não se concentra e não interage (tem um certo grau de autismo) passou a pedir para usar o mesmo

livro que os outros alunos, me cumprimentava durante as aulas, pedia para guardar os livros que

foram usados no dia. Este aluno surpreendeu com atitudes de um aluno que se sentia útil e

importante, e eu não tenho dúvidas que isso aconteceu pelo fato da professora sempre trata-lo como

um igual, sem menospreza-lo e sem “pegar leve” com ele, pois já ouvi outros professores falando que

não trabalham com este aluno pois ele está sempre dormindo e não consegue se concentrar para

realizar as atividades. Neste momento o Pibid mais uma vez me mostrou que o professor pode sim

fazer a diferença na vida de cada aluno ali na sala de aula, independente de sua dificuldade. (Vinícius relatório final 2015)

Notamos que este futuro professor está num processo reflexivo ao analisar uma

situação e a atuação da professora. Uma percepção maior desta experiência se deu pelo

fato de, segundo ele, a professora “fazer a diferença na vida deste aluno”, ao apresentar

uma atitude frente ao aluno tratando-o como “um igual”. Esse exemplo mostra o

processo construtivo deste licenciando de se tornar professor que identifica na

oportunidade ofertada pelo Pibid de acompanhamento contínuo no âmbito escolar uma

visão de professor que faz a diferença em sala de aula. Percebemos que o licenciando na

formação inicial adquire a partir de diferentes experiências “um jeito de ser pessoa,

professor, um modo de conceber e estabelecer relação com o mundo e com a

Matemática” (FIORENTINI, 2005, p.110), em especial ao se relacionar com o professor

formador. Neste caso consideramos o professor da escola básica que recebe nossos

licenciandos também como um professor formador.

Nem sempre esse processo do professor da educação básica ser formador é

tranquilo, em alguns momentos precisamos intervir. Porém, tivemos alguns professores

que se destacaram neste processo. A licencianda Tatiana pontua como a postura da

professora influencia positivamente no desenvolvimento de atividades do Pibid.

Mas destaco minha felicidade em poder ter retornado ao Colégio P. B., os alunos e os professores lá

tem vontade de trabalhar, e destacar de modo especial a abertura que a professora supervisora C.

proporciona a nós pibidianos de desenvolvermos atividades diferenciadas com os alunos. A parceria

que existe é muito boa, o grupo de bolsistas é empenhado e dedicado no desenvolvimento das

atividades dos demais colegas. Com relação a vivência em sala de aula é um caso especial a cada dia. As vezes nos surpreendemos

com o empenho de alguns alunos que nunca demonstraram muito interesse em aprender, nos

decepcionamos ao vermos alguns fracassos nas provas. Mas os alunos sempre estão muito receptivos

e dispostos a nos chamarem realmente para tentar aprender. (Tatiana – relatório parcial) Muitos deles destacam algumas dificuldades em relação aos alunos nas

diferentes escolas, indicando que ficam emocionalmente abalados a partir do retorno

destes. Isaia e Bolzan (2012) destacam que além da reflexão é importante perceber que

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as “relações interpessoais constituem o componente intrínseco ao processo de ensinar,

de aprender, de formar-se” (p. 200). Desta forma, notamos que tanto a vivência com os

professores da educação básica como com os alunos criam essas condições de

experienciar essas relações.

A licencianda Janisse participou de uma experiência diferente acompanhando

uma turma de 5º ano, que a pedido da professora teve licenciandos de pedagogia e de

matemática atuando juntos. Essa professora marcou de maneira muito particular esta

licencianda que afirma:

Ter observado e participado das aulas com a J. e o D. foi de grande valia, mas após as férias de julho,

ter começado a acompanhar a professora A. foi uma experiência inigualável. Uma professora formada em Pedagogia, com uma vontade e determinação impressionante. Trata

cada aluno como se fosse um filho, e acredita na capacidade de cada um deles. Ela participa de

grupos de estudos com o intuito de aprimorar seus conceitos e métodos. Ao trabalhar com ela, não há a possibilidade nem de sugerir métodos e atividades, pois todos os dias

ela surge com ideias novas para alcançar melhor os alunos, e as coloca em prática mesmo que

sozinha. Ela não cria dificuldades, cria soluções. Foi um exemplo de pessoa e de profissional que levarei para o resto da minha vida e do meu trabalho.

Agradeço muito a ela a oportunidade de ver tanto empenho e gosto pelo que faz. (Janisse)

Ao perceber essa ação da professora, essa licencianda percebe que a prática “é o

lugar em que a criatividade docente emerge, é o momento onde não apenas nos

defrontamos com uma reprodução estéril, mas com soluções criativas e novas

compreensões sobre a relação didática” (GATTI, 2012, p. 18).

Verificamos ainda que para alguns licenciandos o espaço da sala de aula é mais

do que um aprendizado de ações didáticas e pedagógicas, é momento de rever e estudar

conteúdos matemáticos que não foram construídos pelos licenciandos no período da

educação básica. Walquíria é um exemplo disso, ela destaca tanto seu aprendizado

quando a parte didática como a necessidade de voltar nos conteúdos. Ela narra uma

situação que mostra a necessidade de olhar o todo e não apenas momentos isolados.

O Pibid tem me ajudado na minha formação acadêmica pois, além de minhas experiências em sala de

aula, posso observar e aprender didáticas aplicadas pelos professores regentes que tenho

acompanhado desde que entrei no programa. Um bom exemplo disso foi uma apresentação que assisti

dos alunos do professor J. dos 1º anos. O J. pediu que a turma pesquisasse sobre as mulheres na

matemática, e após cada apresentação, ele fazia perguntas sobre e completava a apresentação com

informações mais específicas e detalhadas, e provocava uma análise crítica e reflexiva em cada uma

delas. Os conteúdos trabalhados nos 3º anos no mês de abril foram: média aritmética, ponderada e

mediana. Eu precisei revisar esse conteúdo porque eu não vi no meu ensino médio, logo não

domino, aliás, quanto mais eu estudo menos sei matemática!!! Corrigindo, quanto mais eu estudo, mais eu percebo o quanto a qualidade do meu ensino foi ruim!!!

Voltando ao Pibid… outra característica do J. que eu gosto muito, é que si os alunos não fizerem os

exercícios, ele não corrigi. Em outra escola, com um outro professor que eu acompanhei, ele

perguntava quem tinha feito o exercício e mesmo os alunos respondendo que não fizeram, ele ia para

o quadro e resolvia, eu ficava indignada com o método dele. O J. sabe estimular os alunos, apesar que

nenhum método é 100% eficaz, mas ele pelo menos tenta. Foi muito legal na correção desde exercício: x -2 -1 0 2 5

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y -5 1 3 -5 47 Os alunos estavam participando da correção dos exercícios, porém neste eles travaram, a sala ficou

em silêncio. J. percebendo isso… “Ah! Então vou passar pro próximo”, disse ele. “Mas... e esse? ”, o

aluno todo preocupado. “Vocês vão ter que si virar!!!” Claro que se alguém analisar essa frase fora

do contexto, pode parecer que ele não importa com os alunos, mas foi uma provocação que resultou

em um espetáculo didático para uma estudante de licenciatura. Os alunos por conhecerem J., e saber

que ele não corrigiu exercício que ninguém arriscou fazer, então eles começaram a chutar resposta

mesmo sem sentido. O professor por sua vez, começou a fazer perguntas para tentar mostrar um

caminho lógico aos alunos, e no desenrolar da aula, houve até debate dos conceitos que envolve

função entre os alunos na tentativa da descoberta da resposta. Quando começou a fazer sentido as

resposta, o J. começou a mostrar as tentativas no quadro até alguém conseguiu chegar a função f(x)=-

2x²+3. Show!! (Walquíria – relatório final 2015)

Esses licenciandos são concluintes conforme indicamos, e ao produzirem o

último relatório destacam diferentes percepções do programa e como o Pibid tem

contribuído para a formação deles. Notamos que este programa tem contribuído para a

construção de aprendizagens docentes. Vitor afirma que o Pibid foi um divisor de águas,

destaca novamente a interação com a professora e indica implicitamente a questão do se

tornar professor como algo inacabado (FREIRE, 2002; ISAIA; BOLZAN, 2012).

gostaria de deixar claro que participar deste projeto fará de mim um professor melhor do que eu

pensei em ser quando entrei para a licenciatura. Minha visão sempre foi a de fazer mais e o melhor

para os aluno, mas depois de participar do projeto, percebi que não tinha um norte de como poderia

fazer tais coisas. O Pibid foi para mim um divisor de águas, que após minha participação, pude ver

de perto como a educação acontece, como os alunos se comportam, como os professores se

preparam, como devo me preparar e o que posso e preciso fazer para mudar o mundo, pois pode

parecer pouco, mas em cada mudança percebida nos alunos, vi muito da professora que

acompanhei e ali, em sala, dentro do acontecimento em tempo real, o Pibid me deu olhos para ver o

que ainda não havia enxergado. Que educação se faz todos os dias, com muito esforço e trabalho,

com força de vontade e sem medo ou preguiça, que vou precisar trabalhar muito e que a cada ano,

todo o esforço será recompensado e comprovado por muitos alunos. (Vitor - relatório final 2015)

O processo reflexivo pode ser percebido em diferentes falas dos licenciandos.

Tatiana destaca que participar do Pibid a ajudou tanto na aprendizagem da docência

como na aprendizagem para a vida. Ela pontua sobre a postura do professor, os

planejamentos, as práticas criativas e vai além, para a percepção do outro (aluno) como

um ser em construção também. Desta maneira, destaca o que Curi (2011) pontuou ao

indicar que as experiências vividas na graduação contribuem para a atuação do futuro

professor.

E, por ser o último relatório de atividades do Pibid que estarei desenvolvendo, gostaria de destacar a

importância desse projeto na minha formação como docente. Enfrentar a educação pública,

principalmente municipal e estadual, é um desafio muito grande, pois temos que estar preparados

para lidar com n situações em sala de aula. E a vivência que o projeto nos proporciona, além de

contribuir para aprendermos sobre posturas, como realizar planejamentos, noções de tempo gastos

para ensinar um conteúdo, práticas diferentes, ideias criativas, entre outras tantas coisas

relacionadas à práticas docentes, contribuí para nossa formação como indivíduo, que muitas vezes

tem medo de encarar a sociedade, que se nega a enxergar aquele que realmente precisa, e essa

vivência vai transformando nosso olhar, fazendo com que passemos a ver nossos alunos como

alguém que precisa de nós, pois muitas vezes é na escola que eles encontram “refúgio” de toda dor

provocada pelas desigualdades que passam em suas casas/ comunidades. (Tatiana – relatório final

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2015)

Todos esses licenciandos concluintes participaram do Pibid em mais de uma

escola, o que proporcionou diferentes visões desse ambiente escolar e de atuações de

professores. Essa observação das diferenças de posturas e ações enquanto professor foi

indicada como aprendizagem. Jonas aponta que a partir dos diferentes exemplos de

professores que pode observar, alguns com experiências positivas outros não, ele pode

aprender sobre a docência.

Esses anos no PIBID me fizeram entender um pouco mais sobre ensinar, tive a oportunidade de

assistir aulas de vários professores, uns me ensinaram como dar aula, como motivar os alunos,

como me portar frente a algumas situações conflituosas porém, tive alguns professores que me

ensinaram como não dar aula. (Jonas - relatório final 2015) Destacamos que não são somente as experiências positivas que colaboram com a

aprendizagem da docência, em alguns momentos ao observarem situações em que não

concordavam ou que estava distante do que estudavam na licenciatura esses sujeitos

puderam pensar em ações que não gostariam de realizar enquanto docentes.

Após fazer um histórico de sua participação no Pibid, destacando as diferenças

entre as práticas vivenciadas nas 4 escolas em que participou do Pibid o licenciando

Welington ressalta a importância para sua escolha profissional deste programa. Esse

licenciando era muito tímido e tinha dificuldades em falar em público, por diversas

vezes pontuou no início do curso que não sabia como faria para atuar numa sala de aula.

Ele teve a oportunidade de participar do Pibid por um longo período, inclusive se

destacando junto a outros licenciandos sendo uma referência em se tratando de

desenvolver atividades diferenciadas e escrever relatos do que foi aplicado em sala de

aula. Em sua fala ele pontua a importância do Pibid para a continuidade na graduação.

Por fim, quero agradecer a oportunidade de participar desse belíssimo projeto de formação inicial de

professores e que vou sentir muitas saudades desse programa. Mas chega um momento que o

licenciando precisa se formar e começar a atuar em sala de aula para aprimorar o ensino de

educação matemática. Espero algum dia poder contribuir com esse projeto sendo um professor

colaborador ou supervisor do Pibid. Se não fosse esse programa, certamente teria desistido de ser

professor. (Welington – relatório final 2015)

Em diferentes momentos percebemos que os licenciandos apontam a dupla

postura que o Pibid proporciona. Ao se inserir na sala de aula da educação básica os

licenciandos se encontram num duplo papel de aprendiz e ensinante. Destacam que essa

experiência propiciada pela inserção no contexto escolar permite ir além da teoria

estudada na graduação. Evidenciam a importância das práticas, como a licencianda

Walquíria.

Só tenho a agradecer pela grande oportunidade de participar deste programa, pois tem me

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proporcionado experiências incríveis. Eu estou no Pibid desde 2012, e ele permite ao aluno da

licenciatura experiências em sala de aula que por mais estudos feitos em livros, as práticas são

inexplicáveis, me faz refletir como professora e como aluna. Pois vivencio a profissão na prática e

reafirmo minha vontade de concluir meu curso. (Walquíria – relatório final 2015)

A partir destes recortes confirmamos que vir a ser professor, segundo Freire

(2002), é um processo inacabado e que se constrói durante toda a vida. A licenciatura é

momento propício para um aprofundamento desse processo e quando são

proporcionadas experiências que contribuem para a relação teoria e prática a partir de

processos reflexivos como o Pibid o processo de aprendizagem da docência são

favorecidos.

Apontamentos finais

Compreendemos o Pibid como uma proposta de importância significativa para a

formação inicial do professor, tendo em vista a construção de aprendizagens da

docência quando inseridos no contexto escolar. Notamos que eles conseguem relacionar

conhecimentos adquiridos na graduação com a construção de novos conhecimentos,

mediante observações e reflexões de práticas de outros professores, de ações

pedagógicas vivenciadas e no enfrentamento de dificuldades do trabalho escolar.

Verificamos a partir de narrativas de licenciandos concluintes que a metodologia

adotada pelo Pibid/Matemática favoreceu uma prática reflexiva, indicando a relevância

desse tipo de programa para a criticidade sobre os saberes da experiência do professor

de matemática e, consequentemente, para a aprendizagem da docência. Os licenciandos

passaram a ter uma postura crítica sobre a sua prática e a do outro, no caso, os

professores da educação básica e os colegas. Ao refletirem sobre essas práticas, os

alunos bolsistas (des)construíram suas concepções e crenças sobre o professor de

matemática e sua prática em sala de aula.

Identificamos que reflexões, tanto as coletivas realizadas em reuniões como as

individuais necessárias para a produção do relato escrito, contribuíram para o estudo de

atividade docentes que favoreceram a percepção do quanto é complexa a atuação

docente e como um professor precisa de uma organização do trabalho docente. Esses

momentos de reflexão na qual vivenciaram trocas de experiências com seus pares,

contribuem, portanto, para a aprendizagem da docência. Destacamos que o Pibid ao

inserir licenciandos no contexto escolar desde os primeiros períodos do curso e

provocar reflexões sobre suas práticas e de outros favorece um contato maior com a

escola e para a constituição de se tornar professor de matemática.

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-12.

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