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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURS CURSO DE DIREITO APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA: UMA ILICITUDE PENAL TRIBUTÁRIA VINÍCIUS KNEBEL Itajaí (SC), novembro de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURS CURSO DE DIREITO

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA: UMA ILICITUDE PENAL TRIBUTÁRIA

VINÍCIUS KNEBEL

Itajaí (SC), novembro de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURS CURSO DE DIREITO

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA: UMA ILICITUDE PENAL TRIBUTÁRIA

VINÍCIUS KNEBEL

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Direito. Orientador: Prof. MSc. Alexandre Macedo Tavares

Itajaí (SC), novembro de 2008

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AGRADECIMENTO

Agradeço ao meu Orientador Professor

Alexandre Macedo Tavares, pelo incentivo,

simpatia e presteza no auxílio às atividades e

discussões sobre toda elaboração, o

andamento e a normatização desta

Monografia de Conclusão de Curso.

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DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia ao meu pai, Luis

Gustavo, pelos valores e ensinamentos

transmitidos.

À minha mãe, Sônia Maria, por ser o pilar da

minha educação.

À minha irmã, Taciana, pelo carinho e apoio

recebido.

Aos meus amigos pelo estímulo de todas as

horas.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a

Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade

acerca do mesmo.

Itajaí (SC), novembro de 2008.

Vinícius Knebel Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade

do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Vinícius Knebel,

sob o título apropriação indébita previdenciária: uma ilicitude penal

tributária, foi submetida em 17/11/2008 à banca examinadora composta

pelos seguintes professores: Alexandre Macedo Tavares e João Thiago

Fillus, e aprovada com a nota 8,5 (oito pontos e cinco décimos).

Itajaí, 17 de novembro de 2008

Prof. MSc. Alexandre Macedo Tavares Orientador e Presidente da Banca

Prof. MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE CATEGORIAS

Apropriação Indébita

“Na terminologia jurídica, a expressão indica o ato de conversão de coisa

alheia por parte de quem a tinha sob guarda, em confiança ou

consignada sob qualquer título, com a obrigação de a restituir ou aplica-

la somente ao uso determinado. Esse uso indevido pode ser em proveito

próprio ou de terceiro, desde que se evidencie o ânimo deliberado de

transformar-se de mero detentor da coisa em seu proprietário.”1

Apropriação Indébita Previdenciária

“Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos

contribuintes, no prazo é forma legal ou convencional”2.

Contribuições Previdenciárias

“São tributos que podem revestir a natureza de imposto (quando se trata

de contribuição previdenciária) ou de taxa se serviço (sob a ótica do

empregado que paga sua parte na contribuição previdenciária)”.3

Contribuição Social

“É uma espécie de tributo com finalidade constitucionalmente definida, a

saber, intervenção no domínio econômico, interesse de categorias

profissionais ou econômicas e seguridade social”4.

1 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2001, p. 72. 2 Art. 168-A, caput, do Código Penal. 3 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 22º ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2006, p. 374.

4 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 14º ed. revista, atualizada e ampliada. Florianópolis, Malheiros Editores, 1998, p. 313.

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Direito Tributário

“É o ramo do Direito que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas

sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de

tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder”5.

Ilícito Penal Tributário

“É o crime ou a contravenção penal, consistente na prática de uma

conduta penalmente tipificada pelo Direito Penal Tributário, que resultará,

em tese, na aplicação de uma sanção com finalidade

retributiva/preventiva, de caráter pessoal”6.

Tributo

“Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo

valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito,

instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente

vinculada”7.

5 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 313. 6 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 21.

7 Art. 3º, Código Tributário Nacional.

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SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................. X

INTRODUÇÃO .................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ........................................................................................ 4

CLASSIFICAÇÃO DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS .................................. 4 1.1 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO TRIBUTO..............................................4 1.2 NATUREZA JURÍDICA ESPECÍFICA DO TRIBUTO ..............................................7 1.2.1 IRRELEVÂNCIA DO NOMEN JURIS ...........................................................................8 1.2.2 IRRELEVÂNCIA DA DESTINAÇÃO LEGAL DO PRODUTO DA ARRECADAÇÃO ....................9 1.3 CLASSIFICAÇÃO DAS ESPÉCIES......................................................................9 1.3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...................................................................................9 1.3.2 IMPOSTO.........................................................................................................10 1.3.3 TAXAS ............................................................................................................13 1.3.4 CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA ............................................................................17 1.3.5 EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO...............................................................................19 1.3.6 CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS...................................................................................21 1.3.6.1 Contribuições sociais gerais..................................................................22 1.3.6.2 Contribuições de intervenção no domínio econômico.....................22 1.3.6.3 Contribuições de interesse de categoria profissional ou econômica..............................................................................................................................23 1.3.6.4 Contribuição ao custeio da iluminação pública ................................25 1.3.6.5 Contribuições ao custeio da seguridade social (previdenciárias)...26

CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 29

TEORIA GERAL DA OBRIGAÇÃO E INFRAÇÃO TRIBUTÁRIA........... 29 2.1 NOÇÃO DE OBRIGAÇÃO .............................................................................29 2.2 OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ..............................................................................30 2.2.1 ESPÉCIES DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA...................................................................32 2.2.2 NASCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ...........................................................34 2.2.3 SUJEITO ATIVO E PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ...........................................36 2.2.4 OBJETO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PRINCIPAL E ACESSÓRIA..................................38 2.2.5 OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA X CRÉDITO TRIBUTÁRIO ....................................................39 2.3 INFRAÇÃO TRIBUTÁRIA..................................................................................41 2.3.1 CLASSIFICAÇÃO DAS INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS ......................................................43 2.3.2 PRINCÍPIOS INFORMADORES DAS INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS .......................................45 2.3.2.1 Princípio da legalidade..........................................................................45 2.3.2.2 Princípio do contraditório e ampla defesa ..........................................46

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2.3.2.3 Princípio da retroatividade benigna.....................................................47 2.3.2.4 Princípio da interpretação benevolente ..............................................49

CAPÍTULO 3 ..................................................................................... 51

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA................................... 51 3.1 DIREITO TRIBUTÁRIO PENAL E DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO...........................51 3.2 CARACTERES DO ILÍCITO PENAL TRIBUTÁRIO...............................................52 3.3 APROPRIAÇÃO INDÉBITA ..............................................................................53 3.3.1 HISTÓRICO ......................................................................................................53 3.4 ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DO TIPO DESCRITO NO ART. 168 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO ...............................................................................54 3.5 A OMISSÃO DE RECOLHIMENTO DE TRIBUTOS INDIRETOS OU DEVIDOS POR AGENTES DE RETENÇÃO ......................................................................................58 3.5.1 ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DO TIPO DESCRITO NO ART. 2º, INCISO II, DA LEI Nº

8.137/90 ...............................................................................................................60 3.6 APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA ................................................62 3.6.1 HISTÓRICO ......................................................................................................62 3.6.2 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO DESCRITO NO ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL

BRASILEIRO ..............................................................................................................64 3.6.2.1 O caput....................................................................................................65 3.6.2.2 O § 1º, inciso I..........................................................................................67 3.6.2.3 O § 1º, inciso II;........................................................................................70 3.6.2.4 O § 1º, inciso III........................................................................................71 3.6.3 OBJETIVIDADE JURÍDICA ....................................................................................72 3.6.4 CONDUTA DO AGENTE ......................................................................................74 3.6.5 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO DESCRITO NO ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL

BRASILEIRO ..............................................................................................................77

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 82

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ................................................ 86

ANEXOS ........................................................................................... 89

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RESUMO

Atrelado ao contexto das obrigações fiscais, cresce o

delito de Apropriação Indébita Previdenciária, capitulado no art. 168-A do

Código Penal, que tem por finalidade disciplinar o responsável tributário,

devendo este repassar, ou até recolher, as contribuições devidas dentro

do prazo legal. Mediante a utilização do método indutivo objetivou-se

analisar os pressupostos de admissibilidade, o sentido e o alcance do

crime de Apropriação Indébita Previdenciária no Direito Penal Tributário.

Através da pesquisa, obtiveram-se os seguintes entendimentos: a) se

considera apropriação indébita previdenciária o simples fato de não

repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes

dentro do prazo legal; b) poderá ainda não ser punido se

espontaneamente se declarar e efetuar o pagamento, antes do início da

ação penal; c) não será punida a forma culposa em nenhum caso; d) a

apropriação indébita previdenciária é crime específico em relação ao art.

2º da Lei 8137/90; e) se o agente de retenção possuir bons antecedentes e

for primário, é faculdade do juiz aplicar a pena ou somente aplicar multa.

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INTRODUÇÃO

O núcleo da presente monografia é a investigação dos

aspectos fundamentais para caracterização do crime de Apropriação

Indébita Previdenciária, assim como seu alcance e efeitos jurídicos, à luz

do Código Penal Brasileiro, do Código Tributário Nacional, da doutrina

nacional e da jurisprudência.

O estudo desse tema é de extrema significância na

ordem tributária atual, justificando uma pesquisa aprofundada, não

somente pela sua importância prática, mas pela falta de consenso entre a

doutrina e jurisprudência, no que se refere ao seu alcance e pressupostos

de admissibilidade.

Esta pesquisa tem como objetivos: institucional, produzir

monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, pela

Universidade do Vale do Itajaí – Univali; geral, investigar as notas peculiares

da apropriação indébita previdenciária, nos moldes como retratada pelo

art. 168-A do Código Penal; específicos, 1) Identificar a diferença de

direito penal tributário e direito tributário penal 2) analisar algumas das

mais relevantes sanções tributárias e quais os caracteres do ilícito tributário

3) Investigar os elementos subjetivos e objetivos da apropriação indébita

previdenciária, bem como a objetividade jurídica.

Para a investigação do objeto e alcance dos objetivos

propostos, adotou-se o método indutivo8, operacionalizado com as

técnicas9 do referente10, da categoria11, dos conceitos operacionais12 e

8 O método indutivo consiste em ‘pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e

colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral’. [Pasold, 2001, p. 87].

9 “Técnica é um conjunto diferenciado de informações reunidas e acionadas em forma

instrumental para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o comando de uma ou

mais bases lógicas investigatórias”. [Pasold, 2001, p. 88].

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da pesquisa bibliográfica, em conjunto com as técnicas propostas por

Colzani13, dividindo-se o relatório final em três capítulos.

A pesquisa foi desenvolvida tendo como base os

seguintes problemas:

1ª O agente responsável pela arrecadação das

contribuições destinadas à previdência social poderá ser punido pela

modalidade culposa?

2ª Na apropriação indébita previdenciária, a perda de

prazo para repassar as contribuições recolhidas, caracteriza-se como

crime?

3ª O caput do art. 168-A, do Código Penal, visa punir a

conduta de qual agente?

Diretamente relacionadas a cada problema

formulado, foram levantadas as seguintes hipóteses:

a) inexiste a modalidade culposa na apropriação

indébita previdenciária, bem como na omissão de recolhimento do art. 2º,

inc. II da Lei n.º 8.137/90 e na apropriação do art. 168 do Código Penal.

b) a perda do prazo, desde que o contribuinte saiba

de sua responsabilidade de repassar as contribuições retidas, será punida

10 Referente “é a explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o

seu alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especial-mente

para uma pesquisa”. [Pasold, 2001, p. 63].

11 Categoria “é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma

idéia”. [Pasold, 2001, p. 37].

12 Conceito Operacional é a “definição para uma palavra e/ou expressão, com o desejo

de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. [Pasold, 2001, p.

51].

13 COLZANI, Valdir Francisco. Guia para elaboração do trabalho científico.

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como crime de apropriação indébita previdenciária.

c) o caput do art.168-A do CP tem o fim de punir todo

e qualquer responsável por recolher tributos dos contribuintes.

Para uma melhor abordagem das questões que

norteiam a apropriação indébita previdenciária, o trabalho foi dividido em

três capítulos.

No primeiro capítulo tratar-se-á a respeito dos tributos,

da irrelevância da destinação legal do produto da arrecadação, com

ênfase as espécies de tributo: imposto, taxa, contribuições de melhoria,

empréstimos compulsórios, contribuições sociais (e as demais

contribuições).

No segundo capítulo, discorrer-se-á acerca das

Obrigações e Infrações Tributárias, abordando suas diferenciações e

classificações, bem como os princípios que as regem.

No terceiro e último capítulo, investigar-se-á os

aspectos estruturantes da apropriação indébita previdenciária, bem

como da apropriação indébita e do art. 2º, inc. II, da Lei 8137/90,

notadamente a questão dos seus pressupôs de histórico, elementos

objetivos e subjetivos, objetividade jurídica e a conduta do agente.

O presente relatório da pesquisa se encerra com as

considerações finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, estabelecendo-se breve síntese de cada capítulo e

demonstração sobre as hipóteses básicas da pesquisa, verificando se as

mesmas restaram ou não confirmadas.

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CAPÍTULO 1

CLASSIFICAÇÃO DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS

1.1 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO TRIBUTO

O Código Tributário Nacional (Lei nº. 5.172/66) define

em seu artigo 3º que tributo é uma obrigação compulsória (coercitiva),

uma prestação pecuniária (em dinheiro), cobrado mediante ato

plenamente vinculado (não possui discricionariedade).

Art. 3º CTN. Tributo é toda prestação pecuniária

compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa

exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída

em lei e cobrada mediante atividade administrativa

plenamente vinculada.

Tributo é uma obrigação “ex lege”, ou seja, independe

da vontade do sujeito passivo, se quer ou não obrigar-se a pagar o tributo,

“o vínculo obrigacional tributário abstrai a vontade e até o conhecimento

do obrigado”14. É, pois, uma obrigação legal, não sendo decorrente de

ato ilícito e também não é uma sanção. Não é decorrente de ato ilícito

por não se tratar de uma sanção, uma penalidade pelo descumprimento

da lei, mas, se a atividade ilícita gerar renda, haverá tributo sobre esta

renda.

Luciano Amaro evidenciou os principais elementos

caracterizadores do tributo:

a) o caráter pecuniário da prestação tributária (como

prestação em moeda); b) a compulsoriedade dessa

14 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 13º ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 2006, p. 246.

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prestação, idéia com o qual o Código Tributário Nacional

buscou evidenciar que o dever jurídico de prestar o tributo é

imposto pela lei, abstraída a vontade das partes que vão

ocupar os pólos ativo e passivo a obrigação tributária,

opondo-se, dessa forma, a compulsoriedade do tributo à

voluntariedade de outras prestações pecuniárias; c) a

natureza não sancionatória de ilicitude, o que afasta da

noção de tributo certas prestações também criadas por lei,

como multas por infração de disposições legais, que têm a

natureza de sanção de ilícitos, e não de tributos; d) a

origem legal do tributo (como prestação "instituída em lei’),

repetindo o Código a idéia de que o tributo é determinado

pela lei e não pela vontade das partes que irão figurar

como credor e devedor da obrigação tributária; e) a

natureza vinculada (ou não discricionária) da atividade

administrativa mediante a qual se cobra o tributo.15

Como se percebe, o primeiro elemento do tributo

reside na prestação pecuniária. Uma prestação pecuniária dá-se em

moeda, o que o mesmo artigo repete logo em seguida, reafirmando que

deve ser pago em moeda. Ou seja, o indivíduo tem a obrigação, o dever

de dar dinheiro ao Estado, e deve ser feito em moeda nacional.16

Como segundo elemento caracterizador de tributo

tem-se seu caráter compulsório. É realmente compulsório, pois não nasce

com a vontade das partes, mas da vontade da lei (obrigação “ex lege”).

A diferença de certas obrigações que prescindem da manifestação de

vontade da parte que se obriga, é que aqui a obrigação nasce

independentemente da vontade ou até do conhecimento do indivíduo

que será obrigado ao pagamento de tributo.

Como define Alexandre Macedo Tavares:

15 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 18.

16 Código Tributário Nacional, art. 143. Salvo disposição de lei em contrário, quando o valor tributário esteja expresso em moeda estrangeira, no lançamento far-se-á sua conversão em moeda nacional ao câmbio do dia da ocorrência do fato gerador da obrigação.

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Ser compulsório, para fins do art. 3º do CTN, não quer dizer

simplesmente ‘ser obrigatório’, até mesmo porque, em

princípio, toda prestação jurídica é obrigatória. A

compulsoriedade a que se reporta o dispositivo legal em

mira, há de ser vista no momento do nascimento da

obrigação, e não na etapa subseqüente voltada ao

cumprimento desse dever jurídico. Configura-se, pois, no

elemento de diferenciação fundamental entre as receitas

públicas originárias e derivadas.17

Fica assim que o nascimento da obrigação tributária

não depende da vontade das partes, bastando a ocorrência do fato

previamente descrito em lei para que surja a obrigação.

Quando está definindo que tributo é instituído em lei,

Luciano Amaro refere-se ao Princípio da Estrita Legalidade, no sentido de

que cabe à lei instituí-lo, definindo seu fato gerador, o devedor e os

elementos necessários para quantificar a prestação. E, de forma

esclarecedora, Alexandre Macedo Tavares explica que:

[…] por força dos proclamas do princípio da estrita

legalidade tributária (CRFB/88, art. 150, I), o processo de

criação ou majoração de tributos exterioriza-se,

instrumentalmente, em leis de caráter meramente ordinário.

É a lei ordinária, por excelência, o veículo natural da

imposição tributária, diferentemente de lei complementar

que configura fonte excepcional não presumível, isto é, na

hipótese do silêncio da Constituição, a presunção é de que

basta simples lei ordinária para que se tenha por respeitada

a garantia do autoconsentimento da tributação, marca

finalística do postulado da legalidade.18

17 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário. 3º ed. rev. e atual. Florianópolis, Ed. Momento Atual, 2006, p. 55.

18 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 18.

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E o próximo elemento caracterizador de tributo deixa

claro que tributo não é uma penalidade, vez que não constitui sanção de

ato ilícito. Portanto, tributo não é um castigo ou multa.

Neste sentido já definiu Luciano Amaro que “tributo é a

prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e

devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse

público.”19

1.2 NATUREZA JURÍDICA ESPECÍFICA DO TRIBUTO

A natureza específica do tributo é definida pelos

elementos dispersos no art. 4º do CTN:

Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é

determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação,

sendo irrelevantes para qualificá-la:

I - a denominação e demais características formais

adotadas pela lei;

II - a destinação legal do produto da sua arrecadação.

Analisado de forma isolada o caput do artigo 4º do

CTN, não será possível ter conhecimento do tipo tributário. Para se

diferenciar um imposto do outro é necessário examinar a base de cálculo.

Portanto, conforme a Constituição de 1988, o tipo tributário no Brasil “é

definido pelo binômio hipótese de incidência (fato gerador in abstracto) +

base de cálculo.”20

Este entendimento surge ao se analisar o artigo 145, §2º

da CRFB/88, que regula que taxas e impostos não poderão ter a mesma

base de cálculo, conjuntamente com o artigo 154, inciso I, do mesmo 19 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 25.

20 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 62.

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diploma legal, que dispõe que “a União poderá instituir, mediante lei

complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam

não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios

dos discriminados nesta Constituição”.

Portanto, a base de cálculo juntamente com a

hipótese de incidência de um tributo é que vão identificar a natureza

jurídica do tributo.

1.2.1 Irrelevância do nomen juris

Como visto anteriormente, tributo constitui obrigação

ex lege, não havendo tributo sem uma lei que o decrete e que defina seu

fato gerador. Assim sendo, o que caracteriza o tributo é sua hipótese de

incidência, não importando o nome empregado pelo legislador.

Neste sentido, dispõe Alexandre Macedo Tavares que:

(…) sempre que o intérprete pretender penetrar na

intimidade de um tributo, objetivando sacar sua

especificidade e o regime jurídico específico a que deve

obediência, há de tomar a cautela de não se deixar

impressionar pelo nomen juris adotado pelo legislador.21

O CTN, em seu art. 4º, inciso I , dispõe que a

denominação e demais características formais adotadas pela lei é

irrelevante para qualificar a natureza jurídica especifica do tributo. Resta

claro, portanto, que o nomen juris não tem poder de conferir entidade a

um tributo.

21 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 65.

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1.2.2 Irrelevância da destinação legal do produto da arrecadação

O art. 4º, inciso II, do CTN, dispõe que “a destinação

legal do produto da arrecadação” não serve como elemento qualificador

da natureza jurídica específica de um tributo.

Neste ponto deve se ter um pouco de cuidado. Tudo

bem não questionar a irrelevância da destinação final do produto de

arrecadação nas espécies imposto, taxa e contribuição de melhoria, pois

estas espécies se diferenciam e se qualificam através, apenas, de seu fato

gerador e sua base de cálculo, sem ter uma destinação específica do

produto arrecadado. Ocorre que a Constituição de 1988 concebeu duas

outras espécies de tributo, os empréstimos compulsórios e as contribuições

especiais, e estas, diferente das demais, têm como marca característica o

fato de serem vinculadas a uma despesa ou vantagem diretamente

referida ao contribuinte.

Portanto, empréstimos compulsórios e contribuições

especiais devem ter o seu produto de arrecadação vinculado. Ainda, se o

seu produto de arrecadação não for aplicado às despesas previstas na lei

que o criou, estas passarão a ser inconstitucionais.

1.3 CLASSIFICAÇÃO DAS ESPÉCIES

1.3.1 Considerações iniciais

Em relação às espécies tributárias, deve ser ressaltado

que não há classificações certas ou erradas, mas classificações mais úteis

ou menos úteis, pois “quatro são as correntes doutrinárias existentes

(teorias bipartida, tripartida, quadripartida e qüinqüipartida)”.22

Conforme ensina Roque Antonio Carrazza:

22 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 67.

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Em suma, as classificações (tanto quanto as definições)

importam não por seu valor lógico, mas por seu valor

operativo. Noutras palavras, não consta sejam ‘verdadeiras’

ou ‘exatas’, mas, ‘úteis’ e ‘oportunas’ para entender os

temas em estudo.23

Para fins do presente trabalho adotar-se-á a teoria

qüinqüipartida, reverenciada pela CRFB/88: 1º) impostos (art.145, inciso I);

2º) taxas (art. 145,inciso II); 3º) contribuições de melhoria (art.145, inciso III);

4º) empréstimos compulsórios (art.148); 5º) contribuições sociais, também

conhecidas como contribuições especiais ou parafiscais (art.149).

E o artigo 146, III, a, da CRFB/88 diz caber a lei

complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação

tributária sobre a definição de tributos e de suas espécies.

Para o CTN, conforme seu art. 5º, tributos são impostos,

taxas e contribuições de melhoria.

1.3.2 Imposto

O imposto é o único tributo não vinculado a uma

contraprestação estatal específica, ou seja, quem paga imposto não

pode exigir nada em troca (diferente de taxa e contribuição de melhoria,

por exemplo). Seu fato gerador é uma situação independente de

qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte. Neste

sentido dispõe o artigo 16 do CTN:

Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato

gerador uma situação independente de qualquer atividade

estatal específica, relativa ao contribuinte.

23 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p.494.

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Os impostos não têm uma destinação específica a esta

ou aquela atuação do Estado, e esta característica o diferencia das

outras espécies tributárias. É o que ensina Alexandre Macedo Tavares:

(…) imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador

uma situação independente de qualquer atividade estatal

específica, relativa ao contribuinte (CTN, art.16), ou melhor,

ressaltando-se o caráter que lhe confere a tônica no

sistema, é o imposto, pois, a única espécie de tributo não-

vinculado existente em nosso ordenamento jurídico.24

O imposto é marcado e diferenciado por não ser

vinculado, mas não se pode confundir a não vinculação do fato gerador

com a vinculabilidade de sua cobrança, tal como disposto no art. 3º do

CTN: tributo é toda prestação pecuniária compulsória cobrada mediante

atividade administrativa plenamente vinculada, pois o que quer dizer é

que a cobrança de um tributo é sempre vinculada à lei, sendo impossível

o discricionarismo.

O imposto tem, então, como principais características:

a) Compulsoriedade – pois é de pagamento obrigatório; b)

Pecuniariedade – deve ser pago em dinheiro; c) Receita derivada –

obtida do contribuinte pelo emprego da soberania do Estado; d) Tributo

não-vinculado – não há uma contraprestação do Estado pelo pagamento

do imposto.

A compulsoriedade e a pecuniariedade nem sempre

foram características de imposto, pois, inicialmente, o imposto era um

pagamento voluntário, podendo ainda ser pago em espécie (in natura)

ou trabalho (in labore).

Imposto é, então, uma espécie tributária que tem

como hipótese de incidência (fato gerador) um fato qualquer, também

24 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 69.

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chamado de tributo não-vinculado, por não ter nenhuma relação de

troca com o Estado. “É nesse sentido que muitos juristas chamam o

imposto de tributo sem causa. Sem causa não porque ele não tenha fato

imponível, mas porque não há necessidade de a entidade tributante

oferecer qualquer contraprestação direta a quem paga.”25

Deve-se consignar que o imposto é tributo de

competência comum:

Art.145 CF. A União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I – impostos;

Ainda no que diz respeito à competência para instituir

impostos, tem-se o art. 147 da CRFB/88:

Art. 147. Competem à União, em Território Federal, os

impostos estaduais e, se o Território não for dividido em

Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao

Distrito Federal cabem os impostos municipais.

Por fim, faz-se referência à outra subespécie do

imposto, os chamados impostos extraordinários, ou impostos de guerra,

prescrito no art. 154, II, da CRFB/88:

Art. 154. A União poderá instituir:

II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos

extraordinários, compreendidos ou não em sua

competência tributária, os quais serão suprimidos,

gradativamente, cessadas as causas de sua criação.

25 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p.497.

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Este tipo de imposto dá-se em razão de guerra ou de

sua iminência, e sem a presença deste motivo não pode ser validamente

concebido.

1.3.3 Taxas

De um modo geral, como pontifica Alexandre Macedo

Tavares, a taxa configura uma obrigação legal “cuja hipótese de

incidência (o meio pelo qual o legislador institui um tributo) encontra-se

vinculada a uma atividade estatal imediata e diretamente vinculada ao

contribuinte. Essa atuação, consoante reza a regra-matriz das taxas

(CRFB/88, art. 145, II), pode constituir num serviço público ou num ato de

polícia.”26

Dispõe o art. 145, II, da CRFB/88:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela

utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos

específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a

sua disposição.

As taxas têm como fato gerador (hipótese de

incidência) uma atuação estatal específica e divisível, voltada ao

contribuinte ou o exercício regular do poder de polícia. Ou seja, o Estado

deve exercer alguma atividade em favor da pessoa que pretende cobrar,

de forma que ela aproveite aquela atividade. Então, dessa troca de

utilidade, prestado o serviço e fruído o serviço, nasce a obrigação

tributária (princípio da correspectividade).

O Código Tributário Nacional, no artigo 77, define o

fato gerador das taxas: 26 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 70 e 71.

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Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo

Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas

respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício

regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou

potencial, de serviço público específico e divisível, prestado

ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Ainda no artigo 78 dispõe sobre o poder de polícia:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da

administração pública que, limitando ou disciplinando

direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a

abstenção de fato, em razão de interesse público

concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos

costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao

exercício de atividades econômicas dependentes de

concessão ou autorização do Poder Público, à

tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos

direitos individuais ou coletivos.

A subespécie taxa de polícia exige ato estatal

concreto (ex.: alvará) para a validade de sua exigência. Assim, é certo

que alguns direitos disponíveis devem andar junto ao interesse público, e

então deve o Estado policiar os atos do indivíduo. O simples exercício do

poder de polícia não motiva a cobrança de taxa de polícia, pois, deve

haver um ato “concreto e específico da Administração, praticado com

base em lei, que levanta uma abstenção ou que mantém ou fiscaliza uma

exceção já existente.”27 Exemplos são as taxas de vistoria, as taxas de

licença e funcionamento de estabelecimentos, taxas de anúncio público

etc.

Ainda, “a polícia administrativa é dividida em geral e

especial. Polícia geral é a de segurança e de costumes. A polícia de

segurança visa à prevenção da criminalidade. A de costumes diz respeito

27 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 507.

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a jogos, alcoolismo, entorpecentes etc. Exemplo de polícia especial é a

polícia rodoviária.”28

E, para que seja legítima a cobrança de taxa de

polícia, é necessário que o poder de polícia seja efetivamente exercido

pelo Poder Público.

Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo 77

consideram-se:

I - utilizados pelo contribuinte:

a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer

título;

b) potencialmente, quando, sendo de utilização

compulsória, sejam postos à sua disposição mediante

atividade administrativa em efetivo funcionamento;

II - específicos, quando possam ser destacados em unidades

autônomas de intervenção, de unidade, ou de

necessidades públicas;

III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização,

separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.

Já a taxa de serviço “é o tipo de tributo que tem por

hipótese de incidência uma prestação de serviço público diretamente

referida a alguém.”29

Os serviços públicos prestados ao cidadão devem,

portanto, ser uti singuli, ou seja, específicos e divisíveis. O Código Tributário

Nacional prescreve que os serviços divisíveis são os fruídos isoladamente

por cada cidadão (a taxa de iluminação pública seria uma taxa 28 MARTINS, Sergio Pinto. Manual de direito tributário. 4º ed. São Paulo, Ed. Atlas, 2005, p. 111.

29 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 504.

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inconstitucional, por ser uti universi). É possível, então, a cobrança de taxas

de serviço, porque utilização individual é mensurável, já que com a

divisibilidade, tem-se a possibilidade de avaliar a real utilização de cada

cidadão.

“Dispõe o inciso II, do art. 79 do CTN, que são

considerados específicos os serviços ‘quando possam ser destacados em

unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade

pública’.”30

Dispõe o §2º do art. 145 da CRFB/88, que as taxas não

podem ter base de cálculo própria (idêntica) dos impostos.

Por fim, cita-se o artigo 150, IV, da CRFB/88, que

indiretamente impõe uma equivalência entre o serviço prestado e a

quantia cobrada na taxa. As taxas, ao contrário do imposto, não têm

finalidade fiscal (arrecadatória), mas tão somente neutralizar o custo, no

mínimo aproximado, do serviço prestado.

Ainda é valido ressaltar que taxa não deve ser

confundida com tarifa (preço público). No que concerne a estas

diferenças, Alexandre Macedo Tavares prescreve:

Enquanto as taxas devem subserviência ao regime jurídico

de direito público, constituindo receita derivada decorrente

de uma obrigação ex lege e compulsória, exigida com base

no poder fiscal e como fruto do exercício de uma atividade

pública (CF, art. 175), as tarifas, por sua vez, seguem a sorte

do regime jurídico de direito privado, constituindo típica

receita originária decorrente de uma obrigação ex

contractu, logo, marcada pela liberalidade.31

30 MARTINS, Sergio Pinto. Manual de direito tributário, p. 112.

31 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 73.

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1.3.4 Contribuição de melhoria

A contribuição de melhoria é uma espécie do gênero

tributo vinculado a uma atuação estatal, qual seja, a realização de obra

pública que acarrete valorização imobiliária ao patrimônio do particular.

Desta forma, é um tributo decorrente de obra pública que gera

valorização em bens imóveis do sujeito passivo. Seu fato gerador é,

portanto, uma atuação estatal indiretamente referida ao contribuinte, que

pagará a contribuição (base de cálculo) de acordo com a valorização

proporcional de seu imóvel (princípio da proporcionalidade).

É o entendimento de Andreas Eisele:

A contribuição de melhoria é um tributo cobrado de

proprietário de bem imóvel, e tem como fato imponível a

realização de obra pública que acarrete valorização

daquele bem.32

Dispõe o artigo 81 do Código Tributário Nacional:

Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União,

pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no

âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para

fazer face ao custo de obras públicas de que decorra

valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa

realizada e como limite individual o acréscimo de valor que

da obra resultar para cada imóvel beneficiado.

Quanto à competência para instituir a contribuição de

melhoria dispõe o art. 145, inc. III da CRFB/88:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

32 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 120.

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Assim, se o Poder Público (União, Estados, Distrito

Federal e Municípios) promove a pavimentação de vias, acarretando esta

obra a valorização dos imóveis circunscritos, ao Estado é permitida a

cobrança de uma contribuição de melhoria pelas obras públicas que

geraram a valorização nestes imóveis. E, por outro lado, se a obra pública

não trouxer nenhuma valorização ao imóvel do contribuinte, não é

permitida a cobrança de contribuição de melhoria.

Neste sentido, pondera Roque Antonio Carrazza:

(…) a contribuição de melhoria, embora decorra da obra

pública, depende, para nascer, de um fato intermediário: a

valorização do imóvel do contribuinte, em razão desta

atuação estatal. É por isso que é considerada um tributo

indiretamente vinculado a uma atuação estatal, que, no

caso, é a obra pública.33

Diferenciando-a do IPTU (Imposto Predial e Territorial

Urbano) e ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural), esclarece

Roque Antonio Carrazza:

A hipótese de incidência da contribuição de melhoria não

é ser proprietário de imóvel urbano ou rural, mas a

realização de obra pública que valoriza o imóvel urbano ou

rural. Sua base de cálculo, longe de ser o valor do imóvel

(urbano ou rural), é o quantum da valorização

experimentada pelo imóvel em decorrência da obra

pública a ele adjacente. Ou, se preferirmos, é o incremento

valorativo que a obra pública propicia ao imóvel do

contribuinte.34

De acordo com o art. 2º do Decreto-lei nº. 195 de 1967,

só poderá ser cobrada contribuição de melhoria se esta resultar de uma

das seguintes obras: (I) abertura, alargamento, pavimentação,

33 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 528.

34 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 530.

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iluminação, arborização, esgotos pluviais e outros melhoramentos de

praças e vias públicas; (II) construção e ampliação de parques, campos

de desportos, pontes, túneis e viadutos; (III) construção ou ampliação de

sistemas de trânsito rápido inclusive tôdas as obras e edificações

necessárias ao funcionamento do sistema; (IV) serviços e obras de

abastecimento de água potável, esgotos, instalações de redes elétricas,

telefônicas, transportes e comunicações em geral ou de suprimento de

gás, funiculares, ascensores e instalações de comodidade pública; (V)

proteção contra sêcas, inundações, erosão, ressacas, e de saneamento

de drenagem em geral, diques, cais, desobstrução de barras, portos e

canais, retificação e regularização de cursos d’água e irrigação; (VI)

construção de estradas de ferro e construção, pavimentação e

melhoramento de estradas de rodagem; (VII) construção de aeródromos

e aeroportos e seus acessos; (VIII) aterros e realizações de embelezamento

em geral, inclusive desapropriações em desenvolvimento de plano de

aspecto paisagístico.

É importante frisar que a contribuição de melhoria

ocorre a cada obra pública em que se tenha valorização do imóvel, e

que ela apenas se dá ao final de tal obra, quando realmente a

valorização ocorre.

1.3.5 Empréstimo compulsório

“O empréstimo compulsório é um ingresso de recursos

temporários nos cofres do Estado, pois a arrecadação acarreta para o

Estado a obrigação de restituir a importância que foi emprestada.”35

Assim, o empréstimo compulsório é um tributo

restituível, mas ainda um tributo, que deve obedecer ao regime jurídico

tributário, com suas normas e princípios.

35 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 50.

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O empréstimo compulsório, que na doutrina é

denominado também de empréstimo forçado, não é fruto da vontade

dos sujeitos da relação jurídica, mas é determinado pela lei. Esta a maior

divergência doutrinária sobre o assunto, já que um empréstimo não

poderia ser compulsório, e se é compulsório não deveria ser empréstimo.

De qualquer modo, ainda que deixando de lado esta questão, a

restituição é obrigatória sob pena do empréstimo compulsório se tornar

inconstitucional, por força do artigo 150, inciso IV, da Constituição de 1988,

por ensejar confisco.

A Constituição de 1988 prevê a instituição de

empréstimos compulsórios pela União em duas situações: a) despesas

extraordinárias, decorrentes de calamidade pública e de guerra externa

efetiva ou iminente (art. 148, I); b) investimento público de caráter urgente

e de relevante interesse nacional (art. 148, II).

Desta forma os empréstimos compulsórios só

obedecem o princípio da anterioridade tributária em sua segunda

espécie, e, ainda, sua arrecadação é vinculada ao atendimento da

necessidade que fundamentou tal empréstimo.

“O instrumento para a instituição dos empréstimos

compulsórios é a lei complementar (art. 148, caput)”.36 Assim, pode-se

entender que apenas a União poderá criar ou aumentar os empréstimos

compulsórios, mediante lei complementar.

Caberá à lei complementar definir o fato gerador

deste empréstimo, pois a calamidade, a guerra e o investimento nas

circunstâncias previstas não são fatos geradores, mas apenas as situações

em que o empréstimo poderá ocorrer.

36 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 51.

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1.3.6 Contribuições sociais

Diferentemente do imposto, que tem a finalidade de

custear as funções gerais e indivisíveis do Estado, e das taxas e

contribuições de melhoria, que se baseiam na utilidade divisível produzida

pelo Estado e fruível pelo indivíduo, como característica das contribuições

sociais tem-se sua destinação a determinada atividade, exercitável por

entidade estatal ou paraestatal, ou por entidade não estatal reconhecida

pelo Estado como necessária ou útil à realização de uma função de

interesse público.

É o que ensina Roque Antonio Carrazza:

(…) ‘contribuições’ são verdadeiros tributos (embora

qualificados pela finalidade que devem alcançar).

Conforme as hipóteses de incidência e bases de cálculo

que tiverem, podem revestir a natureza jurídica de imposto

ou de taxa.37

A regra matriz de qualquer contribuição é o artigo 149

da CRFB/88:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir

contribuições sociais, de intervenção no domínio

econômico e de interesse das categorias profissionais ou

econômicas, como instrumento de sua atuação nas

respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e

150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º,

relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Importante assinalar que a destinação das

contribuições deve ser dada pela própria lei instituidora, sendo

inconstitucional se não o fizer.

37 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 556.

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1.3.6.1 Contribuições sociais gerais

São denominadas contribuições sociais gerais aquelas

contribuições sociais, de competência da União, que não se destinam a

custear a Seguridade Social. Como espécie de contribuição especial,

tem-se a contribuição ao Salário-Educação (art. 212, § 5.°).

Alexandre Macedo Tavares assim define:

São aquelas voltadas aos custeios dos direitos sociais e/ou

das metas fixadas na Ordem Social, Título VIII, da Lei

Suprema, isto é, ‘são tributos qualificados pela finalidade

que buscam alcançar’, não sendo objeto de qualquer

exceção, sujeitando-se – assim como acontece com as

contribuições corporativas e de intervenção no domínio

econômico – de forma integral ao regime jurídico-

constitucional tributário, principalmente ao princípio da

anterioridade genérica (CF, art. 150, III, b). Como

exemplares dessa modalidade temos o FGTS e o salário-

educação (CF, art. 212, § 5º).38

Quanto às contribuições que se destinam a seguridade

social, estas estão conceituadas pelo art. 194, caput, da Constituição

Federal.

1.3.6.2 Contribuições de intervenção no domínio econômico

“Representadas pela sigla CIDE, são tributos que só

atingem, à obviedade, setores delimitados da atividade econômica (v.g.,

o dos exportadores de café, dos que se dedicam à exploração de

recursos minerais e assim por diante), visando assegurar a livre

concorrência, a preservação do meio ambiente, a defesa do

consumidor.”39

38 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 83.

39 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 83.

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Quanto à especificidade da sujeição passiva, ressalta

Roque Antonio Carrazza:

Apenas quem explora, sob regime de direito privado, a

atividade econômica objeto de regulação estatal pode ser

compelido a pagar a específica ‘contribuição de

intervenção no domínio econômico’.40

As contribuições de intervenção no domínio

econômico revestem a natureza de imposto ou de taxa, e é por meio

destes que a União se utiliza para direcionar os contribuintes a certos

comportamentos, úteis ao interesse coletivo. Como já foi dito, a

intervenção no domínio econômico serve para assegurar a livre

concorrência, defender o consumidor, preservar o meio ambiente, etc., e

para atender estas finalidades cria as contribuições de intervenção no

meio econômico, que tem destinação específica (impostos ou taxas).

Assim tais contribuições só podem atingir delimitada atividade

econômica, como os exportadores de café, os que se dedicam à

exploração de recursos minerais, etc.

Portanto, “a finalidade da intervenção no domínio

econômico caracteriza essa espécie de contribuição social como tributo

de função nitidamente extrafiscal.”41

1.3.6.3 Contribuições de interesse de categoria profissional ou econômica

Destinam-se a custear entidades que tem por objetivo

e finalidade fiscalizar e regular o exercício de determinadas atividades

profissionais ou econômicas, bem como representar, coletiva ou

individualmente, categorias profissionais. Enquadram-se nesta categoria as

contribuições pagas por advogados e estagiários à Ordem dos

40 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 563.

41 MACHADO, Hugo de Brito. Temas de direito tributário – II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 54.

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Advogados do Brasil, e as contribuições que os médicos pagam ao

Conselho Regional de Medicina, etc.

“O quantum da ‘contribuição de interesse da

categoria profissional’ deverá, na hipótese, corresponder ao custo, ainda

que aproximado, dos atos fiscalizatórios.”42

Luciano Amaro assim define contribuições de interesse

de categoria profissional ou econômica:

São tributos destinados ao custeio das atividades das

instituições fiscalizadoras e representativas de categorias

econômicas e profissionais, que exercem funções

legalmente reputadas como de interesse público.43

É elemento essencial, nesta espécie de contribuição,

identificar a existência de um grupo profissional ou econômico em relação

ao qual a finalidade constitucional autorizadora da instituição da

contribuição se relaciona. Se não há um grupo profissional ou econômico

ao qual a finalidade se refira, faltará um elemento do modelo

constitucional das contribuições. O sujeito passivo deve participar

efetivamente de uma categoria profissional ou grupo econômico para o

qual a contribuição especial é destinada. A contribuição é exigida porque

o contribuinte é parte de algum grupo, de alguma classe ou de alguma

categoria identificada a partir de certa finalidade qualificada

constitucionalmente.

“Logo, somente as pessoas (físicas e jurídicas) que

estiverem diretamente relacionadas com a atividade profissional ou

econômica que se pretende disciplinar é que podem figurar no campo da

42 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 571.

43 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 55.

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sujeição passiva dessa exação. É o caso das contribuições pagas à OAB,

CREA, CRM, SESC, SENAC, SESI, SENAI, SENAR, etc.”44

O que a União faz é disciplinar, por lei, a atuação

dessas entidades/grupo, concedendo capacidade de arrecadar

contribuições legalmente instituídas.

1.3.6.4 Contribuição ao custeio da iluminação pública

Representado pela sigla COSIP, esta contribuição foi

acrescentada ao quadro das contribuições pela Emenda Constitucional

n. 39 de 19 de dezembro de 2002, sendo adicionada à competência dos

Municípios e do Distrito Federal (CRFB/88, art. 149-A):

Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir

contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio

do serviço de iluminação pública, observado o disposto no

art. 150, I e III. Parágrafo único. É facultada a cobrança da

contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo

de energia elétrica.

Anterior à Emenda Constitucional n.º 39, os Municípios

utilizavam do artifício de aumentar as alíquotas de outros tributos para

cobrir as despesas, ou instituíam a taxa de iluminação pública (TIP), mas

este caso feria o disposto no art. 145, II, da CRFB/88 e artigos 77 e 79 do

CTN, portanto, inconstitucionais. É que para que este tributo se encaixasse

na tipificação jurídica de taxa haveria que respeitar o requisito da

especificidade e divisibilidade, inaplicáveis à espécie.

Portanto, hoje, os Municípios encontram base e

fundamentação jurídica para a instituição da Contribuição para Custeio

do Serviço de Iluminação Pública - COSIP, no artigo 149-A da Constituição

de 1988.

44 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 83.

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26

Discute ainda a doutrina se tal exação guardaria a

conformação jurídica de genuína contribuição ou se, ao revés, de

autêntica taxa de serviço.

1.3.6.5 Contribuições ao custeio da seguridade social (previdenciárias)

Esta contribuição obedece ao artigo 195, incisos I, II, III,

IV, da CRFB/88 que dispõe:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a

sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei,

mediante recursos provenientes dos orçamentos da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das

seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela

equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho

pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que

lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência

social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e

pensão concedidas pelo regime geral de previdência social

de que trata o art. 201;

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de

quem a lei a ele equiparar.

As contribuições ao custeio da seguridade social,

segundo Alexandre Macedo Tavares:

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27

[…] são aquelas voltadas a custear o tripé de seguridade

social: saúde, previdência e assistência social (CF, art. 194).

Portanto, escampam-lhe, do ponto de vista formal e

objetivo, o custeio de finalidade que não lhe são peculiares,

tais como auxiliar o direito à educação, à habitação e

outros que compõe o complexo da ordem social e que são

alvo das contribuições sociais gerais.45

Devido a estar definida apenas no art. 195 da CRFB/88,

em um capítulo que trata da seguridade social, e não estar no capítulo

reservado ao sistema tributário nacional, existe uma divergência quanto à

classificação das contribuições, relativas à seguridade social, como

espécie de tributo.

Nesse sentido, assim pontificou José Soares de Melo:

Também as contribuições dispostas no art. 195 da CF

revestem natureza tributária, a despeito de não se

compreenderem no específico capítulo do ‘sistema

tributário’.46

Entende-se que ditas contribuições sociais só podem

ser exigidas dos trabalhadores e dos empregadores (incidindo sobre a

folha de pagamento, faturamento e lucros), ficando de fora as empresas

que não revestem a condição de empregador e também sendo indevida

a incidência deste tributo sobre o rendimento que estiver fora da folha de

pagamentos.

Vale dizer que a União “poderá instituir outras fontes

destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social,

obedecido o disposto no art. 154, I.”(art. 195, §4º da CRFB/88).

45 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 83 e 84.

46 MELO, José Eduardo Soares de. Contribuições sociais no sistema tributário. 2º ed, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 70.

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“Portanto, só os empregadores e os empregados –

nunca terceiros estranhos a este contexto – é que poderão ser obrigados

a suportar tais contribuições.”47

“É certo que tais tributos obedecem a uma

anterioridade especial, já que as leis que os instituíram ou aumentarem só

podem ter eficácia 90 dias após publicadas (art. 195, §6º, da CRFB/88).”48

Tal contribuição social é exceção a regra do princípio da anterioridade

(art. 150, inc. III, b, da CRFB/88).

Por fim, Alexandre Macedo Tavares assim define:

Constitui subespécie de contribuições sociais cujo regime

jurídico tem suas bases mais bem definidas na vigente

Constituição. As bases do particular regime jurídico a que

mencionamos encontram-se definidas pelos artigos 195, I, II,

III, e seu § 6º, e ainda os artigos 165, § 5º e 194, inciso VII. Tais

contribuições caracterizam-se, portanto, pelo fato de

ingressarem a um orçamento que não se confunde com o

orçamento do Tesouro Nacional, bem como por estarem

submetidas a uma regra especial de eficácia normativa,

assenta não no exercício financeiro, mas num prazo de

noventa dias a contar da data da publicação da lei que o

instituiu ou majorou (denominado de princípio da

anterioridade nonagesimal, especial, mitigada).49

No próximo capítulo, analisar-se-á alguns elementos

norteadores da teoria geral da obrigação e infração tributária.

47 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 577.

48 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 289.

49 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 84.

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CAPÍTULO 2

TEORIA GERAL DA OBRIGAÇÃO E INFRAÇÃO TRIBUTÁRIA

2.1 NOÇÃO DE OBRIGAÇÃO

O termo obrigação possui significados diversos, como

imposição moral, legal, etc. que impele alguém a uma ação, ainda é

definido como dever, encargo, serviço, tarefa de que se está

encarregado, ou, ainda, como escrita pela qual alguém se obriga ao

pagamento de uma dívida, ao cumprimento de um contrato. A palavra

obrigação pode ter muitos significados, mas nota-se que em Direito ela

“aparece como um elo entre duas ou mais pessoas.”50

Numa relação jurídica, utiliza-se do vocábulo

obrigação para definir quem é o devedor e quem será o credor, sendo

que o “devedor tem obrigação (dever) a cumprir perante o credor”51,

uma obrigação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa, que o credor

poderá então exigir do devedor.

Assim, se o devedor não cumprir com sua obrigação

perante o credor, este poderá entrar em juízo com uma ação contra o

devedor, afim de receber o que lhe é devido.

E, para concluir, Maria Helena Diniz conceitua uma

obrigação como sendo "correspondente ao vínculo que liga um sujeito ao

50 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 97.

51 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 229.

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cumprimento de dever imposto por normas morais, religiosas, sociais ou

jurídicas."52

2.2 OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

No Direito Tributário a obrigação terá sempre um

objeto de natureza tributária, ou seja, o dar, fazer ou não fazer estarão

sempre relacionados ao tributo. Assim, a obrigação tributária é o poder

que o Estado tem, com base exclusivamente na legislação tributária, de

exigir/cobrar de alguém uma prestação, seja ela positiva ou negativa.

Segundo Luciano Amaro:

Ao tratarmos da obrigação tributária, interessa-nos a

acepção da obrigação como relação jurídica, designando

o vínculo que adstringe o devedor a uma prestação em

proveito do credor, que, por sua vez, tem o direito de exigir

essa prestação a que o devedor está adstrito. A obrigação

tributária, de acordo com a natureza da prestação que

tenha por objeto, pode assumir as formas que referimos

(dar, fazer ou não fazer).53

Portanto,o vínculo existente entre o Estado e os

contribuintes não é uma relação de poder, mas sim uma relação jurídica

de natureza obrigacional, no qual se constitui no objeto fundamental do

Direito Tributário. Este vínculo nasce da ocorrência de um fato típico e

jurídico previsto em lei, o fato gerador. Surge, assim, uma obrigação.

Segundo a definição de Washington de Barros

Monteiro, a obrigação em seu sentido jurídico geral é:

[…] a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecido

entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa

52 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito Civil. 2º Vol., 9º ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 1995, p. 27.

53 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 231.

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prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devido

pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento

através de seu patrimônio.54

Ainda, Arnold Wald diz que:

[…] a palavra obrigação é utilizada tanto para englobar

toda a relação jurídica obrigacional, como para indicar o

seu aspecto ativo, ou crédito (obrigação ativa) ou ao

passivo, ou débito (obrigação passiva), sendo mais

generalizada a identificação da obrigação com o aspecto

passivo.55

A obrigação tributária é o poder que o Estado tem de

exigir de um particular uma prestação, seja ela positiva ou negativa, nas

condições que a lei tributária define, ou seja, a causa da obrigação.

Assim, se praticada a situação defina em lei (causa da

obrigação), tem-se o nascimento da obrigação tributária, e o indivíduo

(sujeito passivo) tem a obrigação de pagar o crédito tributário ao sujeito

ativo, não podendo ser alegado o desconhecimento da lei, como bem

definiu Alexandre Macedo Tavares:

A ignorantia juris não é oponível à aplicação da sanção

tributária correspondente, posto tratar-se de um princípio

geral do Direito Positivo, cuja aplicabilidade não se restringe

às hipóteses de relação jurídica firmadas sob a égide do

Direito Privado.56

54 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Vol. 1, 7º ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 1971, p. 8.

55 WALD, Arnold. Curso de direito civil brasileiro. Vol. 2, 10º ed., São Paulo, Ed. RT, 1992, p. 18.

56 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 98.

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Cabe ainda ressaltar que o não cumprimento de uma

obrigação tributária pode dar surgimento a um ilícito administrativo

tributário ou ainda, em alguns casos, um ilícito penal tributário.

2.2.1 Espécies de obrigação tributária

São duas as espécies de obrigação tributária, de

acordo com o Código Tributário Nacional: principal e acessória.

A obrigação “principal no dizer do CTN, tem por objeto

o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (art. 113, § 1º). Tem

sempre conteúdo patrimonial. Prestação é a entrega de dinheiro ao

Estado.”57

Assim dispõe o art. 113, § 1º do Código Tributário

Nacional:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato

gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou

penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o

crédito dela decorrente.

A obrigação tributária principal é a entrega de dinheiro

ao Estado.

Tem-se como ponto importante a destacar, quando

afirma o referido artigo que o objeto da obrigação tributária principal é o

pagamento de penalidade pecuniária, que revela uma contradição ao

artigo 3º do CTN, pois o mesmo prescreve que tributo não será decorrente

de sanção de ato ilícito. Nesse sentido, pondera Alexandre Macedo

Tavares: “Não andou bem o legislador, em contrapartida, quando dispôs

57Disponível em http://www.aldemioogliari.com/paginas/tributario/Tributario6.htm acessado em 06 de julho de 2008.

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que a obrigação tributária principal também teria ‘por objeto o

pagamento de penalidade pecuniária’.”58

Seguindo, tem-se que as obrigações tributárias

acessórias, segundo o CTN, decorrem da legislação tributária e tem por

objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da

arrecadação ou da fiscalização dos tributos (art. 113, § 2º). Tais

prestações, a que alude o código, compreendem um fazer, um não fazer

ou tolerar. São, pois, as obrigações tributárias acessórias, deveres

instrumentais exigidos pelo sujeito ativo com o intuito de assegurar o

interesse da arrecadação dos tributos e também para facilitar a atividade

de fiscalização no sujeito passivo.

Da mesma forma cita-se o §2º do art. 113 do CTN:

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária

e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela

previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização

dos tributos.

A obrigação acessória resume-se então a um fazer ou

não fazer, também sendo tudo aquilo que não for obrigação principal.

Conforme o §3º do art. 113 do CTN, quando se deixar de cumprir uma

obrigação acessória, esta se converte em principal.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua

inobservância, converte-se em obrigação principal

relativamente à penalidade pecuniária.

Sobre o §3º, Alexandre Macedo Tavares pondera que:

[...] não sendo o tributo uma sanção de ato ilícito (CTN, art.

3º), o pagamento de penalidade pecuniária não pode ser

encarada como uma verdadeira obrigação tributária

58 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 101.

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principal e, via de conseqüência lógico-natural, a ela não

pode se converter.59

No que se refere à denominação obrigação tributária

acessória, alguns doutrinadores defendem que o termo acessória está mal

empregado, vez que “nem sempre são verdadeiramente acessórias”60 e

também porque prestações positivas e negativas não são verdadeiras

obrigações.

2.2.2 Nascimento da obrigação tributária

A obrigação tributária tem natureza ex lege, pois não

nasce da vontade do sujeito passivo, e sim da vontade da lei. Assim,

“basta a ocorrência do fato previamente descrito em lei para que surja a

obrigação.”61

Nesse sentido, leciona Hugo de Brito Machado:

A obrigação tributária é uma obrigação legal por

excelência. Decorre diretamente da lei, sem que a vontade

interfira com o seu nascimento. A lei cria o tributo e

descreve a hipótese em que o mesmo é devido. Basta que

essa hipótese aconteça, tornando-se concreta, para que

surja a obrigação tributária, sendo absolutamente

irrelevante a vontade das pessoas envolvidas.62

A obrigação tributária nasce, portanto, de forma

automática, não dependendo da manifestação de vontade de nenhuma

parte, seja passiva ou ativa. Aliás, o sujeito ativo nem precisa estar

sabendo do fato que deu origem à obrigação.

59 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 103.

60 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 102.

61 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 233.

62 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 92.

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“No Direito Tributário sabe-se que a obrigação

tributária nasce quando ocorre o fato gerador (CTN, art. 113).”63

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou

acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato

gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou

penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o

crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorrente da legislação

tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou

negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou

da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua

inobservância, converte-se em obrigação principal

relativamente à penalidade pecuniária.

Voltando o foco então ao CTN, obrigação tributária

surge com a ocorrência do fato gerador da seguinte forma:

Para o a obrigação tributária principal, cita-se o art.

114 do CTN:

Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação

definida em lei como necessária e suficiente à sua

ocorrência.

E, para a obrigação tributária acessória, cita-se, o art.

115 do CTN:

63 GOMES, Luis Flávio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade documental, estelionato, a questão do prévio exaurimento da via administrativa. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 100.

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Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer

situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a

prática ou a abstenção de ato que não configure

obrigação principal.

Portanto, havendo determinado fato ou

comportamento com ocorrência no mundo real, em conformidade com o

fato descrito na norma jurídica tributária, surge a relação jurídica e a

obrigação tributária.

2.2.3 Sujeito ativo e passivo da obrigação tributária

De acordo com o art. 119 do CTN, sujeito ativo da

obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência

para exigir seu cumprimento.

Percebe-se que tal dispositivo legal reduz a

competência para editar leis apenas à pessoa jurídica de direito público,

em vista que a competência é, por sua natureza, indelegável. Mas se

deve lembrar que a capacidade tributária ativa é totalmente diferente,

podendo esta ser delegada a outras pessoas, seja pública ou privada,

pois se refere à atribuição de arrecadar ou fiscalizar determinado tributo.

Ainda se pode perceber o alcance do verbo exigir ao

fim do artigo 119 do CTN, e desta forma afirmar que tal verbo está

“conectado com o campo da capacidade tributária ativa, e não com o

da competência tributária.”64 Assim, deve-se reconhecer que o art. 119 é

letra morta no sistema do direito positivo brasileiro, ou então, “reconhecer

a ilegalidade da cobrança de toda contribuição ‘exigida’ com base no

arcabouço jurídico relativo à parafiscalidade.”65

64 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 106.

65 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, ps. 106 e 107.

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“O sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa –

física ou jurídica – legalmente obrigada ao seu cumprimento.”66

Nos artigos 121 e 122 do Código Tributário Nacional

encontra-se a distinção entre os sujeitos passivos da obrigação tributária

principal e acessória.

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa

obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade

pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal

diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com

a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de

contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa

de lei.

Art. 122. Sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa

obrigada às prestações que constituam o seu objeto.

Nesse sentido, como aponta Alexandre Macedo

Tavares:

O sujeito passivo da obrigação tributária principal é sempre

a pessoa – física ou jurídica – que, por força da lei, possui o

dever jurídico de entregar dinheiro aos cofres públicos, seja

a título de tributo, seja a título de penalidade pecuniária

(multa).67

[…] o sujeito passivo da obrigação acessória é toda pessoa

legalmente obrigada a satisfazer deveres outros que não o

66 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 107.

67 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 108.

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de pagar tributo ou penalidade pecuniária, quer figure

como contribuinte, quer como responsável.68

Portanto, o sujeito passivo da obrigação principal é o

responsável por entregar dinheiro ao Estado, enquanto o sujeito passivo

da obrigação acessória é o responsável por satisfazer deveres que não

figurem como obrigação principal, ou seja, de entregar dinheiro aos cofres

públicos, são os deveres de fazer ou não fazer.

2.2.4 Objeto da obrigação tributária principal e acessória

Para diferenciar a obrigação tributária principal da

acessória, é necessário analisar o seu objeto.

Nesse sentido, Luciano Amaro preceitua que:

O Código utiliza como critério de discriminação entre as

obrigações tributárias principais e acessórias a circunstância

de o seu objeto ser ou não de conteúdo pecuniário, ou seja,

será principal a obrigação que tiver como objeto uma

prestação de dar dinheiro (a título de tributo ou de

penalidade pecuniária).69

Essa conceituação é alvo de muitas críticas, por incluir

em uma obrigação tributária algo que nem tributo é, mas sim uma sanção

administrativa.

Quanto ao objeto das obrigações, estes podem ser de

dar e de fazer (positivo ou negativo).

Hugo de Brito Machado assim descreveu:

A obrigação tributária principal corresponde a uma

obrigação de dar. Seu objeto é o pagamento do tributo, ou

da penalidade pecuniária. Já as obrigações acessórias

68 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 110.

69 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 234.

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correspondem a obrigações de fazer (emitir uma nota fiscal

por exemplo), de não fazer (não receber mercadoria sem a

documentação legalmente exigida), de tolerar (admitir a

fiscalização de livros e documentos).70

Quanto ao objeto da obrigação jurídica principal, este

“vem a ser o dever jurídico do sujeito passivo de entregar dinheiro ao

Estado, a título de tributo”71.

2.2.5 Obrigação tributária x crédito tributário

De acordo com o Código Tributário Nacional,

obrigação tributária e crédito tributário são “coisas distintas.” 72 O CTN, em

seu art. 139, define que o crédito tributário decorre da obrigação principal

e tem a mesma natureza desta.

Nesse sentido, aponta Paulo de Barros Carvalho:

O crédito é elemento integrante da estrutura lógica da

obrigação, de tal sorte que ostenta a relação de parte para

com o todo. A natureza de ambas as entidades é, portanto,

rigorosamente a mesma.73

Na mesma linha segue Hugo de Brito Machado:

Ainda que, em essência, crédito e obrigação sejam a

mesma relação jurídica, o crédito é um momento distinto. É

um terceiro estágio na dinâmica da relação obrigacional

tributária. E o lançamento é precisamente o procedimento

administrativo de determinação do crédito tributário. Antes

70 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 91.

71 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 100.

72 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 120.

73 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17º ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 2005, p. 368.

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do lançamento existe a obrigação. A partir do lançamento

surge o crédito.74

Para que surja a obrigação tributária, é necessário, em

primeiro lugar, que uma lei descreva a hipótese em que o tributo será

devido, e depois, que uma pessoa realize a hipótese, surgindo assim a

obrigação tributária. Depois de tudo ocorrido, existe a obrigação

tributária, mas o tributo ainda não poderá ser cobrado. Ainda é preciso a

formalização do crédito, que ocorrerá com o lançamento, para que, aí

sim, possa ser exigido o pagamento. Portanto, a obrigação tributária

antecede o crédito tributário.

Hugo de Brito Machado assim define crédito tributário:

O crédito tributário, portanto, é o vínculo jurídico, de

natureza obrigacional, por força da qual o Estado (sujeito

ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou

responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou da

penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional).75

Vale citar o art. 140 do CTN, que dispõe que “as

circunstâncias que modificam o crédito tributário, sua extensão ou seus

efeitos, ou as garantias ou os privilégios a ele atribuídos, ou que excluem

sua exigibilidade não afetam a obrigação tributária que lhe deu origem.”

Ainda o Código Tributário Nacional dispõe, em seu art.

141, que, uma vez constituído, o crédito tributário somente se modifica, ou

se extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos

previstos em lei, fora dos quais não pode a autoridade administrativa

dispensar o seu pagamento, nem as suas garantias, sob pena de

responsabilidade funcional.

74 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 123.

75 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 121.

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Dito artigo é de grande relevância, pois pode ocorrer

de um lançamento ser feito sem que tenha ocorrido o fato gerador do

tributo, e neste caso, o crédito tributário vai existir, mas sem validade, por

estar em desacordo com a norma legal.

2.3 INFRAÇÃO TRIBUTÁRIA

O termo infração, por si, tem o significado de violar, de

desrespeitar, e, no âmbito do direito, como infração tributária, é um

comportamento que implica a inobservância da norma tributária, o

inadimplemento de uma obrigação tributária.

Neste sentido, dispõe Alexandre Macedo Tavares que:

O comportamento que implica inobservância do dever

jurídico, insculpido em uma lei fiscal, pode revestir o caráter

de mera infração tributária, também denominado de ilícito

administrativo tributário, bem como tipificar um ilícito penal

tributário (crimes fiscais).76

O Código Tributário Nacional assim dispõe:

Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a

responsabilidade por infrações da legislação tributária

independe da intenção do agente ou do responsável e da

efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.

Como em qualquer conduta, uma pessoa (sujeito

passivo) pode, por vários motivos, desde o desconhecimento até o

esquecimento, deixar de cumprir com sua obrigação (principal ou

acessória), e agir de modo diverso à ordem jurídica. Assim, pela simples

conduta contrária ao direito, surge a noção de infração.

76 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 151.

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42

Tal infração permite “a aplicação de remédios legais,

que ora buscam repor a situação querida pelo direito (mediante

execução coercitiva da obrigação descumprida), ora reparar o dano

causado ao direito alheio, através de prestação indenizatória, ora punir o

comportamento ilícito, infligindo-se um castigo ao infrator.”77

A infração, no Direito Tributário, pode acarretar

diferentes conseqüências, dependendo se o objeto da obrigação

tributária é principal ou acessória, podendo “incorporar duplo conteúdo:

de cunho patrimonial ou não patrimonial.”78

Assim define Luciano Amaro:

Se ela implica falta de pagamento de tributo, o sujeito ativo

(credor) geralmente tem, a par do direito de exigir

coercitivamente o pagamento do valor devido, o direito de

impor uma sanção (que há de ser prevista em lei, por força

do princípio da legalidade), geralmente traduzida num valor

monetário proporcional ao montante do tributo que deixou

de ser recolhido. Se se trata de mero descumprimento de

obrigação formal (‘obrigação acessória’, na linguagem do

CTN), a conseqüência é, em geral, a aplicação de uma

sanção ao infrator (também em regra configurada por uma

prestação em pecúnia). Trata-se das multas ou penalidades

pecuniárias, encontradiças não apenas em direito tributário,

mas no direito administrativo em geral, e também no direito

privado.79

Em alguns casos, a infração tributária também

caracteriza um ilícito penal, o que sujeitará o infrator a uma sanção

criminal.

77 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 406.

78 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 152.

79 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 406.

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43

2.3.1 Classificação das infrações tributárias

São as infrações tributárias um desrespeito aos deveres

jurídico-tributários. Esses comportamentos, de inobservância da norma,

podem ser classificados de três formas: quanto à sua natureza, quanto à

sua exeqüibilidade e quanto ao animus do agente.

Quanto à sua natureza, Alexandre Macedo Tavares

assim pontifica:

No que toca (I) à sua natureza, cujo fator de discrímen

encontra-se intimamente ligado à inobservância do objeto

da obrigação tributária principal (CTN, art. 113, § 1º) e/ou

dos deveres tributários instrumentais (CTN, art. 113, §2º), as

infrações tributárias são de duas espécies: a) de caráter

substancial ou material, quando resultante da falta de

pagamento de tributo; e b) de caráter formal, quando

resultante do não-cumprimento de prestações – positivas ou

negativas – previstas na legislação tributária e de interesse

do Fisco, obviamente despidas de conteúdo patrimonial

(v.g., escriturar livros, prestar informações, expedir notas

fiscais, etc.).80

Na classificação quanto à sua natureza, as infrações

estão diretamente ligadas ao cumprimento de uma obrigação principal

ou acessória. O descumprimento de uma obrigação principal classifica a

infração quanto à sua natureza como sendo de caráter material, e o não-

cumprimento de uma obrigação acessória classifica a infração como

sendo de caráter formal.

Quanto à exeqüibilidade, pondera o mesmo autor

que:

[…] a concreta realização de uma infração tributária pode

se dar pela via comissiva ou omissiva. A primeira consiste na

80 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 153.

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prática de uma conduta diametricalmente oposta àquela

legalmente prescrita, ao passo que a segunda é derivada

da inércia comportamental, ou seja, da simples

inobservância de comportamento nos termos como

legalmente reclamados.81

As infrações podem ocorrer de comissiva ou omissiva,

sendo sua classificação quanto à exeqüibilidade dada então por uma

ação ou omissão. A ação seria uma conduta diretamente oposta a

prevista em lei, e a omissão seria o não fazer o que a lei determinou que

fizesse.

Quanto ao animus do agente, por fim, ensina

Alexandre Macedo Tavares que:

[…] consoante haja ou não referência da vontade do

sujeito passivo na prática do comportamento não

condizente com seu dever jurídico tributário, as infrações

tributarias podem ser classificadas em objetivas e subjetivas.

Diz-se subjetiva, sempre que, para sua regular configuração,

a conduta do autor do ilícito rime com uma atuação dolosa

ou culposa (v.g., caso do contribuinte que,

intencionalmente, para fins de recolher quantia menor de

imposto de renda, omite em sua declaração de

rendimentos a percepção de algumas receitas). Por seu

turno, as infrações objetivas são aquelas em que a

concorrência da vontade do infrator é insignificante à

atribuição da respectiva responsabilidade tributária, ou seja,

o ilícito se configura com a simples ocorrência da situação

definida em lei como suficiente e necessária à sua

ocorrência, qualquer que seja a participação volitiva do

infrator (v.g., não pagamento de um imposto no prazo

legalmente previsto). 82

81 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 153.

82 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 153.

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As infrações, quanto ao animus do agente, que pode

ser classificada como uma conduta objetiva ou subjetiva. Nas condutas

objetivas a vontade de cometer a infração não interessa, a simples

ocorrência do fato caracteriza o crime. Enquanto na conduta subjetiva

deverá ser analisado se o agente agiu com dolo ou culpa.

2.3.2 Princípios informadores das infrações tributárias

2.3.2.1 Princípio da legalidade

No Direito Constitucional, o princípio da legalidade é o

princípio pelo qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer

alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, inciso II da CRFB/88). No

Direito Tributário, este princípio, que pode ser então chamado de princípio

da legalidade tributária, significa que nenhum tributo pode ser criado,

aumentado, reduzido ou extinto sem que o seja por lei (art. 150, inciso I da

CRFB/88 e art. 97 do CTN), assim como nenhuma sanção pela prática de

uma infração tributária poderá ser imposta sem lei que a defina.

A Constituição de 1988 ressaltou que o tributo só pode

ser aumentado ou reduzido por lei, mas não era necessário, já que

aumentar, ou até diminuir um tributo, seria modificá-lo, e uma lei somente

poderá ser modificada por outra lei.

Para Roque Antonio Carrazza:

Bastaria este dispositivo constitucional para que

tranqüilamente pudéssemos afirmar que, no Brasil, ninguém

pode ser obrigado a pagar um tributo ou a cumprir um

dever instrumental tributário que não tenham sido criados

por meio de lei, da pessoa política competente, é obvio.

Dito de outro modo, do princípio expresso da legalidade

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46

poderíamos extratar o princípio implícito da legalidade

tributária.83

Portanto, a lei deverá prescrever rigorosamente todos

os elementos fundamentais do tributo e ter força vinculante, ou então se

mostrará incompleta, e não poderá o tributo ou a sanção fiscal ser

exigido.

2.3.2.2 Princípio do contraditório e ampla defesa

Os princípios do contraditório e ampla defesa

encontram-se esculpido e assegurado no art. 5º, inciso LV, da CRFB/88:

“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em

geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e

recursos a ela inerentes.”

No meio processual, especificamente na esfera do

direito probatório, ele se manifesta na oportunidade que os litigantes têm

de requerer a produção de provas e de participarem de sua realização,

assim como também de se pronunciarem a respeito de seu resultado.

Quanto à ampla defesa, é a garantia e a efetividade

de participação da defesa em todos os momentos do processo. Divide-se

ela em auto-defesa e ampla defesa, sendo a primeira disponível e

realizada pelo próprio agente, quando de seu interrogatório e

participação nas audiências realizadas em seu processo. Já a segunda,

indisponível, é a realizada por profissional devidamente habilitado nos

quadros da Ordem do Advogados do Brasil. Salienta-se que a primeira,

disponível como dito acima, deve ser garantida ao réu, embora possa ela

se negar a realizar. Faltando uma ou outra, tem-se como violado o

princípio constitucional da ampla defesa.

83 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 243.

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No que se refere ao processo administrativo (lato

sensu), com o contraditório e a ampla defesa amplia-se a transparência

administrativa, surgindo o princípio de justiça, havendo equilíbrio entre as

partes, sem conotações pessoais, tornando as defesas iguais, com

decisões objetivas e concisas, conforme foi estabelecido pela vontade do

legislador na elaboração da lei.

No entanto, tal princípio não se aplica em “toda e

qualquer hipótese de aplicação de penalidade pecuniária, a contrario

sensu, restringe-se aos casos da aplicação de multa ex officio lavrada pela

autoridade administrativa mediante formalização de um auto de

infração.”84

2.3.2.3 Princípio da retroatividade benigna

Também conhecido como o princípio da

irretroatividade maléfica das leis, este é um princípio indiscutível, com

reflexo em todos os quadrantes do Direito. Sabendo que o ordenamento

jurídico cria regras para prevenir acontecimentos futuros e incertos,

ninguém contesta que se uma lei torna mais grave sua pena, esta só será

aplicada a um acontecimento posterior a sua existência, e não em casos

ocorridos anteriormente.

Já em casos de uma lei favorável ao sujeito passivo,

em acontecimentos ainda não julgados (art. 5º, inciso XXXVI da CRFB/88 e

art. 106, inciso II do CTN), esta poderá retroagir e beneficiar o sujeito

passivo.

De acordo com a Constituição de 1988, o princípio da

irretroatividade não comporta ressalvas, pois de acordo com o art. 150,

sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à

União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III - cobrar tributos:

84 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 158.

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a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da

lei que os houver instituído ou aumentado.

Assim, a Constituição de 1988 proibiu os entes

federativos de cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos

antes do início da vigência da lei que houver criado ou majorado o

tributo, não existindo nenhuma exceção a essa regra. Entretanto, a

Constituição de 1988 não proibiu as duas modalidades de retroatividades

previstas no art. 106 do CTN.

Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I - em qualquer caso, quando seja expressamente

interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à

infração dos dispositivos interpretados;

II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:

a) quando deixe de defini-lo como infração;

b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer

exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido

fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento

de tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a

prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.

No momento, é o inciso II que interessa, por tratar da

retroatividade benigna. Observa-se, ainda, que apenas se aplica às

infrações e suas penalidades.

É importante deixar claro que, enquanto no direito

penal a retroatividade benigna é a regra, no direito tributário a lei nova

somente retroagirá para beneficiar o contribuinte em casos muito

específicos.

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Neste sentido, dispõe Alexandre Macedo Tavares que:

No mais, a identidade é plena, ou seja, realizada uma

conduta tipificada como um ilícito administrativo tributário

ou ilícito penal tributário, o infrator sujeitar-se-á às sanções

cominadas na legislação vigente, porém, se lei

superveniente vier a atenuá-las ou a eliminá-las, caso

pendente de julgamento na esfera administrativa ou

judicial, sua aplicação retroativa é de superior sabedoria.85

Por fim, resta dizer que a retroatividade benigna ainda

possui duas exceções: que as infrações não tenham sido fraudulentas e

que delas não tenha resultado a falta de pagamento de tributo.

2.3.2.4 Princípio da interpretação benevolente

Em virtude da natureza das relações de que se ocupa,

a parte do Direito Tributário que cuida das infrações e respectivas

penalidades recebe muita influência do Direito Penal, e isto se percebe

claramente no art. 112 do CTN, que versa sobre o princípio da

interpretação benevolente.

Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina

penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao

acusado, em caso de dúvida quanto:

I - à capitulação legal do fato;

II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à

natureza ou extensão dos seus efeitos;

III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;

IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua

graduação.

85 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 160.

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Portanto, segundo tal princípio, no caso de dúvida há

de ser adotada a interpretação benigna como regra (in dubio pro reo).

No que se refere a dúvida, esta poderá se dar quanto

ao direito aplicável, quanto à natureza do fato ou a extensão deste, ou

mesmo quanto à autoria da infração.

Nesse sentido é que preceitua Alexandre Macedo

Tavares:

Como corolário da estrita legalidade e tipicidade cerrada,

ocorrendo uma das hipóteses arroladas numerus clausus nos

incisos que acompanham o art. 112 do CTN, qualquer

dúvida, relativamente à aplicação da lei que regula os

crimes contra a ordem tributária ou lhes comina

penalidades, há de ser resolvida da maneira menos onerosa

ao acusado.86

Este artigo encerra, então, consagrando a

interpretação, no caso de dúvida ou falta de lei específica, em favor do

“acusado”.

Tecidas algumas notas fundamentais da obrigação e

infração tributária, é chegado o momento de se efetuar uma análise

acerca do crime de apropriação indébita previdenciária, objeto do 3º

capítulo.

86TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 161 e 162.

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CAPÍTULO 3

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

3.1 DIREITO TRIBUTÁRIO PENAL E DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO

A nomenclatura “Direito Tributário Penal” e “Direito

Penal Tributário” já identifica qual será seu conteúdo, sua estrutura.

Nesse sentido evidencia Andreas Eisele:

A estrutura da designação ‘Direito Penal Tributário’ é

formada pela indicação da ciência em um primeiro plano,

seu ramo em segundo lugar, e o complemento predicante

a especificar qual a matéria tratada dentro do ramo

identificado.87

Quando se fala em Direito Penal Tributário, delimita-se

que seu objeto faz parte deste ramo. A matéria tratada é do Direito Penal,

tendo como objeto jurídico o tributo.

Da mesma forma o Direito Tributário Penal tem como

matéria o Direito Tributário, mas está delimitado a trabalhar com os atos

ilícitos de natureza tributária, que ensejam uma sanção administrativa.

Assim, “o instituto central do Direito Penal Tributário é o

crime (ilícito penal), e o do Direito Tributário Penal é o ilícito tributário”.88

Vale dizer que tais classificações não são unânimes,

pois existe muita divergência para a denominação, bem como muitos não

diferenciam tais expressões.

87 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 20.

88 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 21.

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3.2 CARACTERES DO ILÍCITO PENAL TRIBUTÁRIO

O ilícito penal tributário “é o crime ou a contravenção

penal, consistente na prática de uma conduta penalmente tipificada pelo

Direito Penal Tributário, que resultará, em tese, na aplicação de uma

sanção com finalidade retributiva/preventiva, de caráter pessoal.”89

Andreas Eisele ainda afirma que “o ilícito penal

tributário é objeto central do Direito Penal Tributário, espécie esta que faz

parte do gênero Direito Penal Econômico.”90

Assim, é possível afirmar que todo crime fiscal (ilícito

penal tributário) prevê a prática de um ilícito administrativo tributário,

formal ou material, embora o contrário não seja necessariamente

verdade. Desta forma o Direito Penal apenas poderá sancionar uma ação

ou omissão que o Direito Tributário autoriza, ou seja, apenas será punido

na forma penal uma conduta prevista pelo Direito Tributário.

Portanto, dois elementos são necessários para

caracterizar a conduta delituosa. A existência de tributo a pagar, cuja

supressão ou redução é o fim colimado pelo agente, e a prática dolosa

de atos ou omissões específicos, fraudulentos e desonestos, que sirvam

como instrumento à evasão parcial ou total do tributo devido.

Para atribuir a responsabilidade por um delito fiscal a

um contribuinte ou responsável, não basta que se apresente o fim

desejado, se tal não se encontra alcançado mediante conduta omissiva

ou comissiva consciente, praticada pelo agente.

89 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 21.

90 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 22.

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3.3 APROPRIAÇÃO INDÉBITA

3.3.1 Histórico

Em 1446, próximo à época do descobrimento do Brasil,

a figura da apropriação indébita sequer aparecia na figura do furto. O

mais próximo que se encontrava era no furto de aves de terceiros.

Com a promulgação das Ordenações Manuelinas, em

1521, a conduta de apropriação foi tipificada sob a marca do furto. Em

1830, no Código Criminal do Império, ainda era possível encontrar a

apropriação indébita junto a denominação de furto (furto impróprio).

Nesta época a apropriação indébita era uma espécie do gênero furto, já

que não havia independência entre os crimes contra o patrimônio, todos

denominados como sendo contra a propriedade.

Assim explica Andreas Eisele:

“Apenas no século XVIII, na França, o instituto passou a ser

tratado de forma autônoma. Porém, a legislação gaulesa

não foi suficiente para influenciar a legislação brasileira

contemporânea.

O Código Penal da República, em 11 de outubro de 1890,

modificado em parte pela Consolidação das Leis Penais

levada a efeito por Vicente Piragibe e adotada pelo

Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932, em seu art.

331 dispunha:

‘É crime de furto, sujeito às penas e guardadas as distinções

do artigo precedente: […] 2º Apropriar-se de coisa alheia

que lhe houver sido confiada, ou consignada por qualquer

título, com obrigação de a restituir, ou fazer dela uso

determinado.’

Continuava, portanto, a apropriação indébita sendo

tratada como modalidade de furto, embora já

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possuísse todos os elementos objetivos e subjetivos que

a distinguem.”91

Como já possuía todos os elementos perfeitamente

definidos, a doutrina passou a fazer tal distinção. Até que o art. 168 do

Código Penal, em 1940, pela primeira vez no Brasil, passou a tratar a

apropriação indébita com designação específica, na seguinte forma:

Art. 168. “Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a

posse ou a detenção…”92

Desta maneira o instituto alcançou sua independência,

podendo receber estudos específicos.

Nesse sentido é que dispõe Ives Granda Martins:

A conquista do Código Penal Brasileiro, portanto, foi dupla,

já que, não só pela separação como pela inclusão nos

crimes contra o patrimônio, aproximou-se mais da fórmula

escrita mais adequada à natureza do crime.93

O crime de apropriação indébita, agora com

autonomia delituosa, passou a fazer parte dos crimes contra o patrimônio,

não mais contra a propriedade (Capítulo V do Título II do Código Penal).

3.4 ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DO TIPO DESCRITO NO ART. 168 DO

CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

Assim dispõe o art. 168 do Código Penal, que define o

crime de apropriação indébita:

91 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 71.

92 MARTINS Ives Granda da Silva. A apropriação indébita no direito tributário brasileiro. São Paulo, Editor Bushatsky, 1975, p. 42.

93 MARTINS Ives Granda da Silva. A apropriação indébita no direito tributário brasileiro, p. 43.

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Art. 168. Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a

posse ou a detenção:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

O elemento objetivo o art. 168 do Código Penal é o

seu verbo nuclear apropriar-se, que significa apossar-se, tomar para si

coisa que pertence à outra pessoa, mas que esteja sob sua posse ou

detenção. Portanto, “a característica fundamental desse crime é o abuso

de confiança.”94 Tem como intenção a proteção da posse, bem como da

propriedade.

No Código Civil, em seu art. 1228, tem-se que ao

proprietário é assegurado o direito de usar, gozar e dispor da coisa, ainda

com o direito de reaver o poder de quem quer que injustamente possua

ou detenha sua propriedade.

Deve ser levado em consideração à intenção do

agente. O agente (sujeito ativo) que tenha tomado à propriedade deve

ter a intenção de inverter a posse de coisa que detenha, tornando-se

proprietário. Sujeito ativo é, portanto, quem tem a posse ou a detenção

da coisa.

Nesse sentido é o entendimento de Damásio de Jesus:

O sujeito ativo, tendo a posse ou a detenção da coisa

alheia móvel, a ele confiada pelo ofendido, em

determinado instante passa a comportar-se como se fosse

dono, ou se negando a devolvê-la ou realizando ato de

disposição.95

94 JESUS, Damásio E. de. Direito penal, volume 2: parte especial: crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio. 27º ed. rev. e atual. São Paulo, Ed. Saraiva, 2005, p. 415.

95 JESUS, Damásio E. de. Direito penal, volume 2: parte especial: crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio, p. 415.

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É também o entendimento de Luiz Flávio Gomes:

Apropriar-se, em sentido clássico, significa fazer sua uma

coisa alheia, algo que não lhe pertence. Em outras palavras,

atuar como dono sobre algo que não lhe pertence. No

delito de apropriação, de qualquer modo, a característica

fundamental é que a apropriação sucede à posse ou

detenção da coisa.96

Encontra-se ainda a expressão coisa alheia (objeto

material) no texto do art. 168 do Código Penal. Coisa, apesar de amplo,

dá o entendimento de ser objeto de direito real, ou ao menos que possa

ser. Alheia refere-se ao fato de o agente não ser o proprietário o objeto,

ou coisa, do qual pretende apropriar-se, até porque não haveria

possibilidade de apropriação se a coisa já sua fosse. Portanto, “para existir

apropriação indébita é necessário que a coisa móvel seja ‘alheia’.”97

A única cautela necessária é quanto à coisa fungível

(substituível por outra da mesma espécie, qualidade e quantidade), uma

vez que não existe apropriação quando for dada em empréstimo ou

depósito, pois neste caso ocorre uma transferência de domínio, e a coisa

deixa de ser alheia. Como exemplo caberia o empréstimo de dinheiro, ou

então apenas o fato de confiar dinheiro para que alguém o guarde. Não

havendo o pedido de devolução deste dinheiro, este poderá ser gasto,

mas no dia que ocorrer o pedido, então o que deverá ser restituído é

apenas a quantia emprestada ou confiada, e não as mesmas notas. A

partir deste momento, se a quantia não for restituída, poderá se falar em

apropriação indébita.

96 GOMES, Luis Flavio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade documental, estelionato, a questão do prévio exaurimento da via administrativa, p. 31.

97 JESUS, Damásio E. de. Direito penal, volume 2: parte especial: crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio, p. 419.

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Logo, “a posse ou detenção é, para fins do tipo em

análise, o estado de fato que gera um direito do sujeito sobre o objeto,

considerada de forma genérica, sem adentrar nas discussões que

envolvem a natureza controvertida do instituto.”98

O elemento subjetivo do crime de apropriação

indébita é o dolo, não existindo a forma culposa neste caso.

Assim, existe a necessidade de o agente ter a intenção

de se apropriar de um objeto ou bem que não é seu (sendo seu não há

apropriação), não cabendo a forma de equívoco (pegar por engano) ou

então pegar com a intenção de devolver ao proprietário. É este, então,

um dolo específico.

Segundo Damásio de Jesus:

O crime só é punível a título de dolo, vontade livre e

consciente de o sujeito se apropriar de coisa alheia móvel,

de que tem a posse ou a detenção. O dolo deve ser

contemporâneo com a conduta da apropriação. Se o

sujeito já recebe a coisa a título de posse ou detenção, com

finalidade de apropriar-se dela, responde por estelionato. É

o denominado dolo ab initio.99

Portanto, ab initio, não existe o animus delinquendi, se

o agente recebe a coisa sem a intenção de apropriar-se.

A apropriação deve ter como finalidade, como

vontade específica, a intenção de tornar a coisa como sua, não podendo

então ter a intenção de restituir ao proprietário (animus rem sibi habendi).

O dolo deve incidir sobre o verbo nuclear (apropriar-

se), sendo sempre um dolo atual, ou seja, ocorre apenas no momento da 98 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 74.

99 JESUS, Damásio E. de. Direito penal, volume 2: parte especial: crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio, p. 419.

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conduta de se apropriar. Sendo assim, não há crime de apropriação

quando, por exemplo, uma jóia é emprestada para que alguém guarde e

use enquanto o proprietário não a utiliza, somente ocorrendo à

apropriação no momento em que o dono pede a jóia de volta, e esta

não lhe é devolvida (o possuidor dela se apropria).

Consuma-se o crime, então, na negativa de

restituição, mas não se pode esquecer da definição de Damásio de Jesus,

citada anteriormente, que afirmou se consumar a apropriação indébita

com atos de disposição, ou seja, o sujeito vender a coisa alheia que tinha

a posse ou detenção. Neste caso ainda é admissível a tentativa, ou seja, o

sujeito ser surpreendido no ato de vender a coisa que tinha a posse ou

detenção (na negativa de restituição não existe tal possibilidade, ou

devolve, e não há crime, ou não devolve).

Por fim, é indispensável lembrar o disposto no art. 170

do Código Penal, que diz ser aplicável o disposto no art. 155 § 2º, do CP, à

apropriação indébita. Isto significa que, se o criminoso for primário e é de

pequeno valor a coisa apropriada, o juiz deve (não é faculdade a

aplicação de tal privilégio) substituir a pena de reclusão para de

detenção, diminuí-la de um a dois terços ou aplicar somente a pena de

multa.

3.5 A OMISSÃO DE RECOLHIMENTO DE TRIBUTOS INDIRETOS OU DEVIDOS POR

AGENTES DE RETENÇÃO

Os agentes de retenção são os responsáveis por

descontar diretamente o montante respectivo do contribuinte,

caracterizando-se como sujeito passivo. De acordo com a Lei nº. 8137/90,

o agente que deixar de recolher a contribuição no prazo legal pratica

crime contra a ordem tributária.

Art. 2°. Constitui crime da mesma natureza:

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II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de

contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade

de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos

cofres públicos;

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

No crime de omissão de recolhimento de tributos o

sujeito passivo deixa de ser o contribuinte e passa a ser o responsável por

descontar diretamente do montante que o contribuinte receberia para

depois repassar a previdência social (INSS).

Esta responsabilidade passada ao agente de retenção

é uma forma da administração tributária atingir a todos os contribuintes, e

dessa forma não perder sua renda. Para, de certa forma, forçar o agente

de retenção a realmente recolher o valor do tributo, é que foi imposta

uma sanção que atingirá sua liberdade e seus bens.

A lei claramente firmou que o crime ocorrerá se deixar

de recolher no prazo legal. Este prazo legal estipulado foi para que, no

caso de “banco que realiza empréstimos, onde em cada operação deve

reter o valor do imposto e recolhê-lo aos cofres da Fazenda”100, possa

então dentro de um certo prazo reunir todos os valores que deve repassar.

É o tipo previsto um crime que se perpetra mediante

uma conduta mista. Na fase inicial tem-se uma conduta comissiva,

conduta que consiste em descontar, em recolher o valor de tributo

(obrigação tributária acessória). Mas a conduta que de fato resulta no

crime apresenta-se na forma omissiva, que consiste no deixar de recolher

aos cofres públicos o valor descontado ou cobrado (obrigação tributária

principal).

100 CORRÊA, Antônio. Dos crimes contra a ordem tributária: comentários à lei n. 8.137, de 27-12-1990. São Paulo. Ed. Saraiva, 2º ed., 1996, p. 176.

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3.5.1 Elementos objetivos e subjetivos do tipo descrito no art. 2º, inciso II, da

Lei nº 8.137/90

O elemento objetivo do tipo descrito no art. 2º, inc. II,

da Lei 8.137/90 é a conduta omissiva deixar de recolher. O sujeito passivo,

ou seja, o agente responsável, deve reter antes de efetuar o pagamento

devido ao empregado, valor de tributo ou contribuição social que deverá

repassar aos cofres públicos.

No que se refere ao seu verbo nuclear “deixar de

recolher”, assim define Guilherme de Souza Nucci: “deixar de recolher

significa não arrecadar ou não entregar à previdência social o que lhe é

devido”.101

No mesmo sentido é o entendimento de Paulo José da

Costa Junior:

Recolher é depositar a quantia recebida (descontada ou

cobrada). Não recolher é a forma negativa da conduta,

vale dizer, é a ausência de depósito, é a retenção indevida

da quantia descontada ou cobrada do contribuinte.102

Repare que se trata de lei penal em branco, já que faz

alusão ao valor de tributo e contribuição social, sendo necessário observar

o disposto no art. 3º do CTN para se obter a definição de tributo, enquanto

a contribuição social, por sua vez, não possui um conceito legal, devendo

ser analisado o sentido no qual foi utilizado.

Não se trata de tributo, mas de valor que representa o

tributo. Nesse sentido é o entendimento de Andreas Eisele:

101 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 8º ed. rev., atual e ampl. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2008, p. 762.

102 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Comentários ao código penal. 4º ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 1996, p. 106.

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[…] o que o responsável tributário desconta do contribuinte

quando atua na qualidade de agente de retenção, não é

o tributo ou a contribuição social, mas sim, o valor que

constitui o aspecto econômico/dimensional daqueles.103

Já o elemento subjetivo do tipo é o dolo, não sendo

prevista modalidade culposa, ou seja, o agente deve ter a intenção de

atingir o resultado descrito no tipo (dolo direto).

No caso, nem o dolo indireto (assumir o risco) é aceito,

já que a conduta necessita na vontade, ou opção consciente, de não

recolher o valor de tributo ou contribuição social.

Portanto, não importa a intenção do agente com tal

omissão, o resultado irá ocorrer. Ou seja, não será analisado o motivo ou a

finalidade da conduta.

Nesse sentido é o entendimento de Andreas Eisele:

Ou seja, o dolo restringe-se à vontade (intenção/opção

consciente) de não cumprir a prestação da obrigação

tributária no termo legal.104

Em relação ao dolo, há divergências doutrinárias. Para

Eisele basta o dolo genérico, ou seja, a prática da conduta, não

analisando o ânimo de apropriação, enquanto “Carrazza entende ser

indispensável para a caracterização do delito, o elemento subjetivo que

denomina dolo específico, consistente na intenção de apropriação do

objeto.”105

103 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 83.

104 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 109.

105 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 111.

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3.6 APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

3.6.1 Histórico

No dia 17 de julho de 2000, foi publicada no Diário

Oficial da União, a Lei Federal n° 9.983 (entrando em vigor noventa dias

após a data da publicação), a qual promoveu algumas alterações no

Código Penal. Entre tais alterações, incluiu como crime a chamada

apropriação indébita previdenciária (art. 168-A do Código Penal).

O art. 168-A do Código Penal veio para suceder o art.

95, d, da Lei 8.212/91 (foi o § 1º, inc. I, do art. 168-A do CP que realmente

sucedeu), que havia revogado o art. 2º, inc. II, da Lei n.º 8137/90, que

regulamentava a evasão (simulação, dissimulação, fraude) das

contribuições sociais. Em seu art. 3º, a Lei 9.983/00 expressamente revogou

o art.95, d, da Lei 8.212/91.

“Havia muita polêmica (na doutrina e na

jurisprudência) sobre a verdadeira natureza jurídica do delito

contemplado no art. 95, d, da Lei 8.212/91.”106

Art. 95. Constitui crime:

d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou

outra importância a seguridade social e arrecadada dos

segurados ou do público;

Pena – reclusão, de 02 a 06 anos, e multa.

Além da dúvida quanto à natureza jurídica, ainda a

pena acima citada estava apenas prevista no § 1º, que fazia remissão à

pena cominada no art. 5º da Lei 7.492/86, dos crimes contra o sistema

106 GOMES, Luis Flavio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade documental, estelionato, a questão do prévio exaurimento da via

administrativa, p. 25.

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financeiro nacional, que era de 02 a 06 anos. Portanto, realmente não era

de boa técnica tal artigo, já que não cominava sanção ao preceito ora

definido.

O art. 168-A do Código Penal Brasileiro dentre as

pequenas mudanças, adotou uma forma mais técnica, fazendo

referência à previdência social, não mais a seguridade social, como

tínhamos. A seguridade social como é sabido, abrange previdência,

assistência social e saúde (CF/88 art. 194), sendo certo que as ações e

serviços referentes à assistência social e saúde, independem de

contribuição (CF, art. 196 e art. 203).

Ainda a nova pena prevista no §1º, inc. I, do art. 168-A

do CP, que é o delito específico, é menor que a anterior, ou seja, “trata-se

de lei nova mais benéfica e retroativa.”107

O art. 2º, II, da Lei n.º 8.137/90 continua em vigor,

porém, levado em consideração o princípio da especialidade, quando se

trata de apropriação indevida das contribuições ou outras importâncias

destinadas à previdência social, rege a norma especial do Código Penal,

no caso o art. 168-A, ficando o art. 2º, II, da Lei 8137/90 como regra geral.

Por fim, é valido saber que a figura tipificada no

ordenamento jurídico era a da omissão de recolhimento de contribuições

sociais, e seu primeiro diploma legal, no âmbito penal, foi o Decreto-lei nº.

65, de 1937, que em seu art. 5º assim estabelecia:

Art. 5º. O empregador que retiver as contribuições

recolhidas de seus empregados e não as recolher na época

própria incorrerá nas penas do art. 331, n. 2, da

Consolidação das Leis Penais.

107 GOMES, Luis Flavio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade documental, estelionato, a questão do prévio exaurimento da via

administrativa, p. 37.

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Este então seria o primeiro diploma a equiparar a

omissão de recolhimento de contribuições ao crime de apropriação

indébita. Para melhorar o que estabelecia tal lei, surgiu a Lei nº. 3.807/60,

que assim estabelecia em seu art. 86:

Art. 86. Será punido com as penas do crime de apropriação

indébita a falta de recolhimento na época própria, das

contribuições ou outras quaisquer importâncias devidas às

instituições e arrecadadoras dos segurados ou do público.

Posteriormente surgiram novos diplomas para modificar

tal crime, entre eles o Decreto nº. 48.959-A/60, o Decreto-lei nº. 66/66, o

Decreto nº. 60.501/67, o Decreto nº. 72.771/73, o Decreto nº. 77.077/76, até

chegarmos ao art. 95 da Lei nº. 8212/91, hoje revogado pela Lei nº.

9.983/00 que incluiu o art. 168-A ao Código Penal.

3.6.2 Elementos objetivos do tipo descrito no art. 168-A do Código Penal

Brasileiro

No art. 168-A do Código Penal encontra-se definido o

crime de apropriação indébita previdenciária:

Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as

contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo é forma

legal ou convencional:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra

importância destinada à previdência social que tenha sido

descontada de pagamento efetuado a segurados, a

terceiros ou arrecadada do público;

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II - recolher contribuições devidas à previdência social que

tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à

venda de produtos ou à prestação de serviços;

III - pagar beneficio devido a segurado, quando as

respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à

empresa pela previdência social.

Claramente se percebe que no caput tem-se um tipo

de conduta, e, logo em seguida, no § 1º, novas condutas tipificadas,

sendo todos “delitos omissivos de conduta mista”108. Ou seja, o art. 168-A

do Código Penal veicula 4 (quatro) figuras delituosas diferentes, quatro

formas típicas de realização do delito de apropriação indébita

previdenciária, ou do não recolhimento de contribuições sociais.

Assim, para melhor compreensão, cada situação será

analisada de forma particular, mas desde já fica registrado que os quatro

tipos previstos se enquadram como apropriação indébita previdenciária.

3.6.2.1 O caput

Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as

contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo é forma

legal ou convencional:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

O elemento objetivo descrito no caput do art. 168-A do

Código Penal é seu verbo nuclear “deixar de repassar” (esta é a figura-

padrão da apropriação indébita previdenciária). Esta conduta omissiva

não deve ser confundida com a conduta omissiva tipificada no inc. II do

art. 2º da Lei nº. 8137/90, em que o verbo é “deixar de recolher”. Contudo,

não se pode esquecer que existe também uma conduta positiva, uma

108 GOMES, Luis Flavio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade documental, estelionato, a questão do prévio exaurimento da via

administrativa, p. 32.

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ação na fase inicial, já que para deixar de repassar, deve antes ter sido

retido o valor da contribuição previdenciária.

Nesse sentido pontifica Luiz Flávio Gomes:

Na apropriação indébita previdenciária em primeiro lugar

temos um comportamento ativo (comissivo), atípico

(porque realizado sem dolo), que consiste em ‘recolher as

contribuições dos contribuintes’ ou ‘descontar a

contribuição de pagamento efetuado’ ou ‘inseri-la nas

despesas contábeis ou custos’ ou ‘receber o reembolso da

previdência social’. Depois advém um comportamento

omissivo: deixar de repassar ou deixar de recolher ou deixar

de pagar.109

Quanto à análise do núcleo do tipo, assim define

Guilherme de Souza Nucci: “deixar de repassar significa não transferir

quantia à unidade administrativa cabível.”110

O agente tem a obrigação de recolher. Com o

recolhimento, vem à obrigação de repassar, de transferir a contribuição, a

quantia recolhida para previdência social no prazo e forma legal ou

convencional. Para alguns doutrinadores, caso de Andreas Eisele, o

simples atraso no repasse já configura crime de apropriação indébita

previdenciária, mas este assunto será abordado quando se tratar do

elemento subjetivo.

Apesar da conduta omissiva contemplada no art. 168-

A do Código Penal, Luiz Flávio Gomes entende não se tratar de crime

omissivo, “porque o que se protege não é o mero cumprimento do dever

109GOMES, Luis Flavio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade documental, estelionato, a questão do prévio exaurimento da via administrativa, p. 33.

110 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 758.

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fiscal ou tributário (ou convencional) de repassar o que se arrecada em

nome do INSS no prazo e na forma legal ou convencional.”111

Portanto, se a conduta objetiva de deixar de repassar

é o requisito para se configurar o crime, é obvio o entendimento de que se

o agente previamente não tiver recebido, ou então, recolhido as

contribuições, nunca poderá cometer crime de apropriação indébita

previdenciária.

No que se refere ao prazo, é o entendimento de Luiz

Flávio Gomes: “O requisito normativo ‘prazo legal’ vem contemplado na

legislação previdenciária (Lei 8.212/91, art. 30, e Decreto 3.048/99).”112

Ainda no toca ao prazo legal, posiciona-se Guilherme

de Souza Nucci: “é norma penal em branco, necessitando de

complemento. Ver art. 30 da Lei 8.212/91, com alterações proporcionadas

pelas Leis 11.324/2006 e 11.488/2006”.113

Quanto à aplicação, o caput refere-se a empresa

contratante de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra,

inclusive em regime de trabalho temporário (art. 31 da Lei 8.212/91).

3.6.2.2 O § 1º, inciso I

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra

importância destinada à previdência social que tenha sido

descontada de pagamento efetuado a segurados, a

terceiros ou arrecadada do público; 111 GOMES, Luis Flávio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade documental, estelionato, a questão do prévio exaurimento da via administrativa, p. 35.

112 GOMES, Luis Flávio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade documental, estelionato, a questão do prévio exaurimento da via administrativa, p. 37.

113 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 762.

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Em grande parte o inc. I, do § 1º, do art. 168-A, do

Código Penal, repetiu o fato tipificado pelo caput. Apesar de seu verbo

nuclear ser diferente, “deixar de recolher”, referem-se ao mesmo fato.

Porém, possuem diferenças, entre elas está o não

recolhimento de “outra importância”, que quer dizer “qualquer valor

devido à seguridade social, que não possua natureza jurídica de

contribuição social.”114 Esta outra importância faz alusão ao art. 195, § 4º,

da CRFB/88, que estipula:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a

sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei,

mediante recursos provenientes dos orçamentos da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das

seguintes contribuições sociais:

§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir

a manutenção ou expansão da seguridade social,

obedecido o disposto no art. 154, I.

Também se diferencia do caput pela figura que tem

por finalidade punir, como definiu apresentou Guilherme de Souza Nucci:

A figura do caput tem por fim punir o substituto tributário

que deve recolher o que arrecadou do contribuinte à

previdência social e não o faz. (…) A outra figura típica (…)

volta-se diretamente ao contribuinte-empresário que deve

recolher a contribuição arrecadada dos seus funcionários.115

Ainda, para configuração do tipo previsto no inc. I, do

§ 1º, do art. 168-A, do Código Penal, existe a necessidade de um

antecedente indispensável, ser descontada de pagamento efetuado a

segurados, a terceiros ou arrecadada do público.

114 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 125.

115 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 761 e 762.

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Esta conduta pode ocorrer através de duas hipóteses.

A primeira está no art. 91 da Lei nº. 8212/91:

Art. 91. Mediante requisição da Seguridade Social, a

empresa é obrigada a descontar, da remuneração paga

aos segurados a seu serviço, a importância proveniente de

dívida ou responsabilidade por eles contraída junto à

Seguridade Social, relativa a benefícios pagos

indevidamente.

“Tratando-se de benefício pagos indevidamente, os

valores configuram-se ‘outra importância’, distinta da contribuição

social.”116

Detalhe importante é que “não se incriminou o não

pagamento da parte que é devida pelo empresário ou responsável

fiscal/previdenciário.”117

E, referente à segunda hipótese, assim define Andreas

Eisele:

A outra hipótese é a referente à arrecadação (do público)

de receitas dos concursos de prognósticos (concursos de

sorteios de números, loterias, apostas, inclusive as realizadas

em reuniões hípicas).

O art. 26 da Lei nº 8.212/91 estabelece que a receita líquida

dos concursos de prognósticos constitui receita da

seguridade social, de modo que seu não recolhimento

configura o fato típico em tela.118

116 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 126.

117 GOMES, Luis Flávio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade documental, estelionato, a questão do prévio exaurimento da via administrativa, p. 37.

118 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 126.

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Portanto, o crime aqui previsto visa punir o contribuinte-

empresário que deve recolher aos cofres públicos as contribuições que

anteriormente recolheu de seus funcionários (contribuintes).

3.6.2.3 O § 1º, inciso II;

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

II - recolher contribuições devidas à previdência social que

tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à

venda de produtos ou à prestação de serviços;

O texto transcrito no § 1º, inc II, do art. 168-A do Código

Penal, tem correspondência ao texto do art. 95, e, da Lei 8.212/91. O que

ocorreu foi um melhoramento na redação, sendo empregado o verbo

vender para produto e o termo prestação para serviço.

Art. 95. Constitui crime:

e) deixar de recolher contribuições devidas à Seguridade

Social que tenham integrado custos ou despesas contábeis

relativos a produtos ou serviços vendidos.

Seguindo a linha do inciso anterior e do caput, o texto

faz agora referência às contribuições devidas a previdência social, não

mais a seguridade social, ficando fora, logicamente, saúde e assistência

social, já que não dependem de contribuição.

O inciso II, assim como os outros incisos do § 1º, prevê

uma situação específica, apesar de ampla. Se não fosse assim seria inútil o

caput.

A inadimplência aqui prevista atinge todos os custos

de produção ou despesas contábeis da atividade empresarial, “desta

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forma, os reflexos de tais custos incidirão sobre a atividade, ainda que

assim não o queira o empresário.”119

Quanto ao sentido do inc. II, do § 1º, do art. 168-A, do

Código Penal, pondera Luiz Flávio Gomes:

A ratio legis é a seguinte: no preço final do produto ou do

serviço já está embutido (ou poderia estar) o valor das

contribuições devidas. Sendo assim, se são contabilizadas e

depois não são repassadas para o INSS, há a apropriação

desse custo.120

Partindo de tal entendimento, é possível afirmar que se

o contribuinte não mantiver contabilidade regular, não poderá cometer

tal crime. Claro, então, que não poderia ser enquadrado pelo inc. II do art.

168-A, mas nesse caso configuraria o crime de sonegação de

contribuição previdenciária, delito previsto no art. 337-A do Código Penal.

3.6.2.4 O § 1º, inciso III

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

III - pagar benefício devido a segurado, quando as

respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à

empresa pela previdência social.

O delito previsto no inc. III, do § 1º, do art. 168-A, do

Código Penal, “aplica-se àqueles casos em que empresas ou sindicatos

mantêm convênio com a Previdência Social para pagamento dos

benefícios a seus empregados e não os repassam aos segurados após

recebê-los do INSS.”121

119 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 126.

120 GOMES, Luis Flávio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade documental, estelionato, a questão do prévio exaurimento da via administrativa, p. 38.

121 MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes contra a previdência social. 2º ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 2003, p. 32.

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O texto descrito no referido inciso faz alusão ao crime

já previsto no art. 95, f, da Lei nº 8.212/91, que seria: “deixar de pagar

salário família, salário maternidade, auxílio natalidade ou outro benefício

devido a segurado, quando as respectivas quotas e valores já tiverem sido

reembolsados à empresa”.

Basicamente existem duas formas de pagamento de

benefício ao segurado: INSS paga diretamente ou a empresa. Neste caso,

somente será cometido pela empresa, que se omitirá no pagamento do

benefício cujo valor ou quota lhe fora reembolsada.

Nesse sentido é o entendimento de Damásio de Jesus:

Os benefícios, em regra, são pagos diretamente ao

segurado pelo INSS por meio da rede bancária. Em certos

casos, para proporcionar alguma comodidade aos

beneficiários, a empresa responsabiliza-se pela operação,

sendo ressarcida desse pagamento nas posteriores

contribuições.122

O revogado art. 95, f, da Lei nº 8.212/91, trazia que

deixar de pagar salário maternidade, bem como salário família, era

responsabilidade da empresa, mas por força da redação do art. 93 do

Decreto n. 3.048, de 1999, estes vêm sendo pagos diretamente pela

Previdência Social. Ainda assim existe a possibilidade, através de

convênios, que a empresa pague tais benefícios e depois seja ressarcida

pela Previdência Social.

3.6.3 Objetividade jurídica

Para o Direito Penal, a objetividade jurídica refere-se

ao bem jurídico que a norma busca proteger. O art. 168-A, em questão,

encontra-se no Título II da Parte Especial do Código Penal, Dos Crimes

contra o Patrimônio.

122 JESUS, Damásio E. de. Direito penal, volume 2: parte especial: crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio, p. 427.

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O patrimônio protegido, neste caso, é o patrimônio de

todos os cidadãos que fazem parte do sistema previdenciário.

Sobre este tema, assim posicionou-se Antonio Lopes

Monteiro:

Ademais, embora se fale em crime contra a Previdência

Social, no fundo é a Seguridade Social tal como descrita no

art. 194 da Constituição da República que está sendo

tutelada.123

Segue também Andreas Eisele:

A figura típica visa proteger os recursos indispensáveis à

manutenção da seguridade, cuja responsabilidade pelo

custeio é incumbida à sociedade.124

Andreas Eisele ainda segue para afirmar que a

objetividade jurídica do tipo penal em questão pode ser compreendido

sob dois prismas:

Um enfoque imediato considera a receita do órgão

arrecadador (INSS) como o interesse diretamente protegido.

Outra concepção, de caráter mediato, inclui no âmbito do

bem jurídico tutelado as ações cuja obrigação tal órgão

possui para com a coletividade, consistentes na prestação

de serviços de previdência social, cuja implementação

resta prejudicada pela evasão dos recursos destinados a

seu custeio.125

Assim sendo, a norma busca proteger os recursos

necessários para manter a seguridade social, para que o agente

123 MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes contra a previdência social, p. 31. 124 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 127.

125 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 128.

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responsável por seu recolhimento dele não se aproprie, podendo então

serem prestados serviços em favor dos segurados.

3.6.4 Conduta do agente

A Constituição de 1988, em seu art. 195, dispõe que

uma das modalidades de financiamento das ações destinadas a

assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social,

serão as contribuições sociais devidas pelos trabalhadores à seguridade

social.

“Para disciplinar o instituto, foi editada a Lei nº 8.212, de

24 de julho de 1991, que dispôs sobre a organização da seguridade social

e instituiu seu plano de custeio.”126

A Lei disciplinou que seria a “empresa”, a responsável

pela forma de arrecadação e recolhimento dos devidos valores dos

contribuintes, descontando diretamente de suas remunerações. Ainda

determinou que é a empresa a responsável pelo recolhimento aos cofres

públicos.

No art. 168-A do Código Penal, tem-se como crime o

fato de o responsável, o agente de retenção, deixar de recolher

(repassar) à Previdência Social (seguridade social) o valor recolhido

(arrecadado) do contribuinte (segurado).

Nesse sentido é o entendimento de Andreas Eisele:

Na arrecadação (denominada pela lei penal como

‘recolhimento’), o responsável atua como agente de

retenção porque deve reter a remuneração paga ao

126 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 128.

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contribuinte a parcela referente ao valor correspondente à

contribuição, para entregá-lo ao Fisco.127

Andreas Eisele ainda conclui:

Assim, o conteúdo semântico da elementar ‘recolhida’

contida no art. 168-A do Código Penal, é idêntica à

‘arrecadada’ do art. 95, ‘d’, da Lei nº 8212/91, a qual

também é idêntica à ‘descontado’ do art. 2º, II, da Lei nº

8137/90.128

O responsável deverá descontar do valor bruto a ser

pago ao contribuinte, o valor da contribuição, pagando para este,

apenas o valor líquido.

Isto posto, pode-se afirmar que “o responsável

tributário é devedor de duas prestações”129, ou seja, o salário líquido do

contribuinte e a contribuição social devida ao Fisco.

Ainda é possível afirmar que o sujeito passivo (agente

de retenção) é proprietário do bem até que haja o adimplemento

(cumprimento) da obrigação, não se configurando, pois, coisa alheia,

característica fundamental da apropriação indébita. Tal afirmação

decorre da obrigação imposta pelo art. 32 da Lei nº. 8212/91, em que o

responsável tributário deverá informar ao sujeito ativo da obrigação

tributária a ocorrência dos fatos imponíveis, bem como o cálculo do valor

recolhido.

A respeito dessa obrigação de declarar à Previdência

Social a ocorrência dos fatos imponíveis, é o entendimento de Andreas

Eisele:

127 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 129.

128 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 129.

129 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 130.

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Essa declaração eqüivale a uma confissão de dívida por

parte do sujeito passivo da relação obrigacional tributária,

do que ocorre a conclusão de que, se esse possui o dever

de entregar uma prestação ao sujeito ativo, até que se

verifique a tradição com a qual ocorrerá o pagamento, o

objeto dessa pertence ao sujeito passivo.130

No que tange a impossibilidade de se configurar como

apropriação indébita, Andreas Eisele assim pontificou:

Assim, do mesmo modo que ocorre em face da omissão de

recolhimento de IRRF e ISSRF, no caso da contribuição

previdenciária (valor respectivo) formalmente recolhida

(arrecadada ou descontada) de segurado (contribuinte), se

o agente estiver em poder do numerário correspondente,

não possuirá coisa ‘alheia’ e, portanto, não poderá se

‘apropriar’ de objeto, diferenciando a conduta em análise

da prevista no art. 168 do Código Penal.131

Tal discussão sobre o nomen juris do crime irá se

apresentar a seguir, pois a presença do dolo na conduta do agente é

fator indispensável à realização do crime previsto no art. 168-A do Código

Penal. Sobre a conduta ser uma conduta de apropriação ou não, ver-se-á

o posicionamento de alguns doutrinadores e da jurisprudência.

Certo é, portanto, que o agente terá uma conduta

mista na realização do crime de apropriação indébita previdenciária.

Num primeiro momento tem-se uma conduta comissiva que consiste em

recolher/reter as contribuições dos contribuintes, e depois advém um

comportamento omissivo, deixar de repassar ao Fisco.

Válido saber que a realização do pagamento,

espontaneamente, antes do início da ação fiscal, é causa extintiva de

punibilidade, nos moldes do § 2º, do art. 168-A do Código Penal.

130 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 130.

131 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 131.

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3.6.5 Elemento subjetivo do tipo descrito no art. 168-A do Código Penal

Brasileiro

O elemento subjetivo da apropriação indébita

previdenciária é o dolo. Assim como na apropriação indébita do art. 168,

e na omissão de recolhimento do art. 2º, inc. II da Lei nº. 8137/90, inexiste a

forma culposa para prática do crime descrito no art. 168-A do Código

Penal.

No que se refere ao elemento subjetivo, Antonio Lopes

Monteiro pondera “que o tipo subjetivo é a carga psicológica que o

agente dá à conduta, ou seja, dito de forma mais simplificada, o dolo.”132

Existe no dolo uma controvérsia, em que alguns

acreditam ser necessário o dolo específico, a vontade de fraudar a

previdência. A respeito desse assunto, aponta Guilherme de Souza Nucci:

É controversa essa posição. O STF tem-se posicionado pela

exigência somente do dolo genérico, assim como o TRF das

3.ª e 4ª Regiões, enquanto o STJ e o TRF da 5.ª Região têm

demandado o dolo específico.133

O entendimento pela necessidade de existir elemento

subjetivo do tipo específico, ou seja, o dolo específico, é que para estes,

devem estar ligados intimamente a vontade do agente de fraudar a

previdência, com o apossamento indevido da quantia que não lhe

pertence.

O problema está que nem o caput, nem o § 1º do art.

168-A, do Código Penal, trazem o verbo apropriação, como no caso do

art. 168 do CP, mas, porém, deve-se levar em consideração o título que

132 MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes contra a previdência social, p. 37.

133 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p.759.

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abrange este artigo, que define todos os crimes previstos como

apropriação indébita previdenciária.

Com a abrangência do título (nomen juris), todas as

figuras previstas no referido artigo devem obedecer, necessariamente, à

conduta de apropriar-se, ou seja, à vontade, a intenção do agente em

tornar seu o que não lhe pertence.

É este o posicionamento de Luis Flávio Gomes: “Quem

contabiliza um desconto da previdência e depois não repassa, sabendo

disso e podendo fazer isso, se apropria do que deveria ter recolhido.”134

Contrária a este pensamento é a opinião de Andreas

Eisele:

o fato de a lei determinar o tipo como ‘apropriação

indébita previdenciária’, não é suficiente para tornar

idênticas as condutas nos arts. 168 e 168-A do Código

Penal.135

“A discussão quanto à conceituação da apropriação

indébita comum (art. 168 do CP) e da apropriação indébita

previdenciária (art. 168-A do CP), na verdade principiou pela

jurisprudência, quando, ainda na apreciação das revogadas alíneas d, e

e f do art. 95 da Lei n. 8.212, de 24-7-1991, inclinou-se por entender que o

fato se adequava à apropriação indébita, exigindo, para sua

configuração, a presença do animus de ter para si os valores não

recolhidos (animus rem sibi habendi).”136

134 GOMES, Luis Flávio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade documental, estelionato, a questão do prévio exaurimento da via administrativa, p. 32.

135 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 131.

136 JESUS, Damásio E. de. Direito penal, volume 2: parte especial: crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio, p. 428.

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Em favor do dolo genérico, posiciona-se Andreas Eisele:

O crime também se perpetra mediante conduta dolosa na

modalidade direta e genérica, não sendo elementar ou

característica dessa o ânimo de apropriação do objeto (eis

que não descrito no tipo), pois, como obrigação tributária

acessória (dever instrumental), o agente está obrigado a

informar ao órgão sujeito ativo da obrigação tributária o

montante da contribuição social a ser recolhida.137

Ao contrário da apropriação indébita do art. 168 do

CP, que só ocorre com o animus rem sibi habendi, não seria necessário

nenhum elemento subjetivo do tipo ulterior ao dolo.

Portanto, para os adeptos do dolo específico, o simples

atraso no recolhimento das contribuições descontadas, sem que haja a

intenção de não as restituir, não se configura como delito. Já para quem

exige apenas o dolo genérico, o simples fato de não repassar as

contribuições recolhidas já enseja crime de apropriação indébita

previdenciária.

Em favor do dolo genérico, é o entendimento do STF:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO

PENAL. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA.

ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE

DOLO ESPECÍFICO (ANIMUS REM SIBI HABENDI).

IMPROCEDÊNCIA DAS ALEGAÇÕES. AÇÃO PENAL COM

TRÂNSITO EM JULGADO. PREJUÍZO. 1. A discussão sobre

ausência de dolo não pode ser revista na via acanhada do

habeas corpus, eis que envolve reexame de matéria fática

controvertida. Precedentes. 2. Relativamente à tipificação,

o Supremo Tribunal Federal decidiu que "o artigo 3º da Lei n.

9.983/2000 apenas transmudou a base legal da imputação

do crime da alínea 'd' do artigo 95 da Lei n. 8.212/1991 para

o artigo 168-A do Código Penal, sem alterar o elemento

137 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 132.

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subjetivo do tipo, que é o dolo genérico. Daí a

improcedência da alegação de abolitio criminis ao

argumento de que a lei mencionada teria alterado o

elemento subjetivo, passando a exigir o animus rem sibi

habendi". Precedentes. 3. O objeto da ação era o

trancamento da ação penal, cuja decisão transitou em

julgado. 4. Habeas corpus prejudicado.138

Contudo, é inadmissível a tentativa, pois a

consumação só se dá no momento que findar o prazo de repasse ou

recolhimento das contribuições devidas.

Nesse sentido afirma Antonio Lopes Monteiro: “Ora,

nesses delitos, além de ser impossível a tentativa, o momento consumativo

passa a ser aquele em que, vencido o prazo do recolhimento, não é ele

repassado.”139

Por fim, deve-se saber que possível, nos termos do § 3º,

do art. 168-A, do Código Penal, o perdão judicial ou a imposição exclusiva

da pena de multa.

§ 3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar

somente a de multa se o agente for primário e de bons

antecedentes, desde que:

I - tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de

oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social

previdenciária, inclusive acessórios; ou

II - o valor da contribuição devidas, inclusive acessórios, seja

igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência

social, administrativamente, como sendo o mínimo para o

ajuizamento de suas execuções fiscais.

138 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Habeas Corpus n. 86478 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Rel(a). Min. Cármen Lúcia, 21.11.2006.

139 MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes contra a previdência social, p. 39.

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Sobre o tema, assim escreve Luiz Flávio Gomes:

Débitos de até R$ 5.000,00, portanto, dão ensejo ao perdão

judicial ou aplicação unicamente da multa. Porém, não

todos. Se o valor dos débitos não excedem a R$ 1.000,00, é

o caso de se aplicar o princípio da insignificância, como

veremos em seguida. Atualmente, aliás, o valor se alterou

para R$ 2.500,00, consoante a MP 1.973-63, de 29.06.2000.140

Em face do inc. II, pode-se, portanto, vislumbrar o

princípio da insignificância, em que sendo ínfimo o valor das contribuições

devidas (até R$ 2.500,00), a conduta torna-se atípica, ou seja, não será

punível.

140 GOMES, Luis Flavio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade documental, estelionato, a questão do prévio exaurimento da via

administrativa, p. 32.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo investigar, à

luz da legislação, da doutrina e da jurisprudência, a apropriação indébita

previdenciária.

O interesse pelo tema deu-se em razão de sua

diversidade, amplitude e importância, notadamente pelo fato de ser

concebido não somente para informar o responsável pela retenção de

contribuições, mas também para favorecer a Fazenda Pública, pois, ao

prever penalidades, estimula o cumprimento das obrigações tributárias e,

por conseqüência, o aumento da arrecadação e possibilidade de

garantir a seguridade social.

Para seu desenvolvimento lógico o trabalho foi dividido

em três capítulos. No primeiro, pesquisou-se acerca dos elementos

caracterizadores de um tributo e quanto à natureza jurídica específica do

tributo. Será este sempre criado por lei, ou seja, seu nascimento dá-se de

forma compulsório, e deve ser pago em moeda nacional, cobrado de

forma vinculada a realização de seu fato gerador.

No mais, identificou-se cada espécie de tributo, a luz

da Constituição de 1988 e do Código Tributário Nacional. De acordo com

o CTN, os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.

Enquanto a CRFB/88 acrescenta a estes o empréstimo compulsório e as

contribuições sociais (Contribuições sociais gerais; Contribuições

de intervenção no domínio econômico; Contribuições de interesse de

categoria profissional; Contribuições de interesse de categoria

econômica; Contribuição ao custeio da iluminação pública;

Contribuições ao custeio da seguridade social [previdenciárias]).

No segundo capítulo, viu-se que a obrigação tributária

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(principal ou acessória), nasce com a ocorrência do fato gerador descrito

em lei, tendo como sujeito ativo a pessoa jurídica (de direito público ou

privado) dotada do direito de exigir o cumprimento da obrigação, e o

sujeito passivo (contribuinte ou responsável), obrigado a satisfazer o

respectivo dever jurídico.

Verificou-se, ainda, que infração tributária material

decorre do não cumprimento da obrigação tributária principal, isto é,

quando do não pagamento do tributo pelo contribuinte, e que a infração

tributária formal é uma decorrência da inobservância, pelo contribuinte,

de uma obrigação tributária acessória.

No terceiro e último capítulo, intensificou-se a pesquisa

sobre o bem delineado contorno jurídico da Apropriação Indébita

Previdenciária, partindo da interpretação de sua regra estruturante,

centrada no art. 168-A do Código Penal Brasileiro.

Como principais resultados da pesquisa, pode-se

ressaltar que a Apropriação Indébita Previdenciária, no presente cenário

jurídico nacional, configura uma infração do responsável pelo

recolhimento (ou agente de retenção), de natureza subjetiva, já que

pode ser realizado sem a vontade real do agente de fraudar o Fisco.

Para a configuração da Apropriação Indébita

Previdenciária existe divergência doutrinária quanto a necessidade de

dolo genérico ou específico, mas parece ser entendimento majoritário

não depender do animus rem sibi habendi, de forma específica para sua

realização, deve o agente ter a vontade de não repassar/recolher o valor

de contribuição que descontou.

O Supremo Tribunal Federal, atualmente, vem se

posicionando no sentido da configuração de apropriação indébita

previdenciária sem a necessidade do dolo específico.

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No mais, retomam-se as hipóteses levantadas e que

impulsionaram a presente pesquisa:

a) inexiste a modalidade culposa na apropriação

indébita previdenciária, bem como na omissão de recolhimento do art. 2º,

inc. II da Lei 8.137/90 e na apropriação do art. 168 do Código Penal.

b) a perda do prazo, desde que o contribuinte saiba

de sua responsabilidade de repassar as contribuições recolhidas, será

punida como crime de apropriação indébita previdenciária.

c) o caput do art.168-A do CP tem o fim de punir todo

e qualquer responsável por recolher tributos dos contribuintes.

No que toca a primeira hipótese, restou confirmada,

pois a infração do art. 168-A do CP não veicula a possibilidade de um

contribuinte realizá-la na modalidade culposa, sendo o entendimento de

que o deixar de repassar as contribuições recolhidas dentro do prazo legal

configura-se como dolo.

A segunda hipótese também restou confirmada, pois,

de acordo com a literalidade da regra expressa no art. 168-A, caput, do

CP, não repassar as contribuições recolhidas dentro do prazo ou na forma

legal é crime de apropriação indébita previdenciária.

Quanto a última hipótese, registra-se que não restou

confirmada, pois como afirma Guilherme de Souza Nucci, o caput do

art.168-A do CP tem o fim de punir o substituto tributário que deve recolher

o que arrecadou do contribuinte à previdência social e não o faz. Está sua

afirmação refere-se à empresa contratante de serviços executados

mediante cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho

temporário (art. 31 da Lei 8.212/91). Ficando o inc. I, do § 1º, do art. 168-A,

do CP, diretamente ao contribuinte-empresário que deve recolher a

contribuição arrecadada dos seus funcionários.

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Por fim, fica o registro de que o presente trabalho não

tem caráter exaustivo, isto é, com o mesmo não se teve a pretensão de

tratar de todas as questões que norteiam a apropriação indébita

previdenciária, razão pela qual deve servir apenas de ponto de partida

para o necessário e contínuo acompanhamento da evolução de

entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca desta tão relevante

matéria do Direito Tributário e Penal.

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CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 22º

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NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 15º ed. atual. São

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NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 8º ed. rev., atual e

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ao pesquisador do direito. 6º ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2001.

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário. 3º ed. rev.

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ANEXOS

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 8.137, DE 27 DE DEZEMBRO DE 1990.

Vide Lei 9.249, de 1995

Mensagem de veto

Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

CAPÍTULO I

Dos Crimes Contra a Ordem Tributária

Seção I

Dos crimes praticados por particulares

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação

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de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Seção II Dos crimes praticados por funcionários públicos

Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI, Capítulo I):

I - extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a guarda em razão da função; sonegá-lo, ou inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social;

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II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

III - patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público. Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

CAPÍTULO II

Dos crimes Contra a Economia e as Relações de Consumo

Art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica:

I - abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante:

a) ajuste ou acordo de empresas;

b) aquisição de acervos de empresas ou cotas, ações, títulos ou direitos;

c) coalizão, incorporação, fusão ou integração de empresas;

d) concentração de ações, títulos, cotas, ou direitos em poder de empresa, empresas coligadas ou controladas, ou pessoas físicas;

e) cessação parcial ou total das atividades da empresa;

f) impedimento à constituição, funcionamento ou desenvolvimento de empresa concorrente.

II - formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando:

a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas;

b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas;

c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores.

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III - discriminar preços de bens ou de prestação de serviços por ajustes ou acordo de grupo econômico, com o fim de estabelecer monopólio, ou de eliminar, total ou parcialmente, a concorrência;

IV - açambarcar, sonegar, destruir ou inutilizar bens de produção ou de consumo, com o fim de estabelecer monopólio ou de eliminar, total ou parcialmente, a concorrência;

V - provocar oscilação de preços em detrimento de empresa concorrente ou vendedor de matéria-prima, mediante ajuste ou acordo, ou por outro meio fraudulento;

VI - vender mercadorias abaixo do preço de custo, com o fim de impedir a concorrência;

VII - elevar, sem justa causa, os preços de bens ou serviços, valendo-se de monopólio natural ou de fato.

VII - elevar sem justa causa o preço de bem ou serviço, valendo-se de posição dominante no mercado. (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.

Art. 5° Constitui crime da mesma natureza:

I - exigir exclusividade de propaganda, transmissão ou difusão de publicidade, em detrimento de concorrência;

II - subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço;

III - sujeitar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de quantidade arbitrariamente determinada;

IV - recusar-se, sem justa causa, o diretor, administrador, ou gerente de empresa a prestar à autoridade competente ou prestá-la de modo inexato, informando sobre o custo de produção ou preço de venda.

Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso IV.

Art. 6° Constitui crime da mesma natureza:

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I - vender ou oferecer à venda mercadoria, ou contratar ou oferecer serviço, por preço superior ao oficialmente tabelado, ao regime legal de controle;

II - aplicar fórmula de reajustamento de preços ou indexação de contrato proibida, ou diversa daquela que for legalmente estabelecida, ou fixada por autoridade competente;

III - exigir, cobrar ou receber qualquer vantagem ou importância adicional de preço tabelado, congelado, administrado, fixado ou controlado pelo Poder Público, inclusive por meio da adoção ou de aumento de taxa ou outro percentual, incidente sobre qualquer contratação. Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, ou multa.

Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo:

I - favorecer ou preferir, sem justa causa, comprador ou freguês, ressalvados os sistemas de entrega ao consumo por intermédio de distribuidores ou revendedores;

II - vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial;

III - misturar gêneros e mercadorias de espécies diferentes, para vendê-los ou expô-los à venda como puros; misturar gêneros e mercadorias de qualidades desiguais para vendê-los ou expô-los à venda por preço estabelecido para os demais mais alto custo;

IV - fraudar preços por meio de:

a) alteração, sem modificação essencial ou de qualidade, de elementos tais como denominação, sinal externo, marca, embalagem, especificação técnica, descrição, volume, peso, pintura ou acabamento de bem ou serviço;

b) divisão em partes de bem ou serviço, habitualmente oferecido à venda em conjunto;

c) junção de bens ou serviços, comumente oferecidos à venda em separado;

d) aviso de inclusão de insumo não empregado na produção do bem ou na prestação dos serviços;

V - elevar o valor cobrado nas vendas a prazo de bens ou serviços, mediante a exigência de comissão ou de taxa de juros ilegais;

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VI - sonegar insumos ou bens, recusando-se a vendê-los a quem pretenda comprá-los nas condições publicamente ofertadas, ou retê-los para o fim de especulação;

VII - induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária;

VIII - destruir, inutilizar ou danificar matéria-prima ou mercadoria, com o fim de provocar alta de preço, em proveito próprio ou de terceiros;

IX - vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo;

Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II, III e IX pune-se a modalidade culposa, reduzindo-se a pena e a detenção de 1/3 (um terço) ou a de multa à quinta parte.

CAPÍTULO III Das Multas

Art. 8° Nos crimes definidos nos arts. 1° a 3° desta lei, a pena de multa será fixada entre 10 (dez) e 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Parágrafo único. O dia-multa será fixado pelo juiz em valor não inferior a 14 (quatorze) nem superior a 200 (duzentos) Bônus do Tesouro Nacional BTN.

Art. 9° A pena de detenção ou reclusão poderá ser convertida em multa de valor equivalente a:

I - 200.000 (duzentos mil) até 5.000.000 (cinco milhões) de BTN, nos crimes definidos no art. 4°;

II - 5.000 (cinco mil) até 200.000 (duzentos mil) BTN, nos crimes definidos nos arts. 5° e 6°;

III - 50.000 (cinqüenta mil) até 1.000.000 (um milhão de BTN), nos crimes definidos no art. 7°.

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Art. 10. Caso o juiz, considerado o ganho ilícito e a situação econômica do réu, verifique a insuficiência ou excessiva onerosidade das penas pecuniárias previstas nesta lei, poderá diminuí-las até a décima parte ou elevá-las ao décuplo.

CAPÍTULO IV Das Disposições Gerais

Art. 11. Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade.

Parágrafo único. Quando a venda ao consumidor for efetuada por sistema de entrega ao consumo ou por intermédio de outro em que o preço ao consumidor é estabelecido ou sugerido pelo fabricante ou concedente, o ato por este praticado não alcança o distribuidor ou revendedor.

Art. 12. São circunstâncias que podem agravar de 1/3 (um terço) até a metade as penas previstas nos arts. 1°, 2° e 4° a 7°:

I - ocasionar grave dano à coletividade;

II - ser o crime cometido por servidor público no exercício de suas funções;

III - ser o crime praticado em relação à prestação de serviços ou ao comércio de bens essenciais à vida ou à saúde.

Art. 13. (Vetado).

Art. 14. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos nos arts. 1° a 3° quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia. (Artigo revogado pela Lei nº 8.383, de 30.12.1991)

Art. 15. Os crimes previstos nesta lei são de ação penal pública, aplicando-se-lhes o disposto no art. 100 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.

Art. 16. Qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nesta lei, fornecendo-lhe por escrito informações sobre o fato e a autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a

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trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.080, de 19.7.1995)

Art. 17. Compete ao Departamento Nacional de Abastecimento e Preços, quando e se necessário, providenciar a desapropriação de estoques, a fim de evitar crise no mercado ou colapso no abastecimento.

Art. 18. Fica acrescentado ao Capítulo III do Título II do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, um artigo com parágrafo único, após o art. 162, renumerando-se os subseqüentes, com a seguinte redação: "Art. 163. Produzir ou explorar bens definidos como pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena aquele que adquirir, transportar, industrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima, obtidos na forma prevista no caput. (Artigo revogado pela Lei nº 8.176, de 8.2.1991)

Art. 19. O caput do art. 172 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a ter a seguinte redação:

"Art. 172. Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado.

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa".

Art. 20. O § 1° do art. 316 do Decreto-Lei n° 2 848, de 7 de dezembro de 1940 Código Penal, passa a ter a seguinte redação:

"Art. 316. ............................................................

§ 1° Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza;

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa".

Art. 21. O art. 318 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Código Penal, quanto à fixação da pena, passa a ter a seguinte redação:

"Art. 318. ............................................................

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa".

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Art. 22. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 23. Revogam-se as disposições em contrário e, em especial, o art. 279 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.

Brasília, 27 de dezembro de 1990; 169° da Independência e 102° da República.

FERNANDO COLLOR Jarbas Passarinho Zélia M. Cardoso de Mello

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 28.12.1990

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Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI No 9.983, DE 14 DE JULHO DE 2000.

Mensagem de Veto Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o São acrescidos à Parte Especial do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, os seguintes dispositivos:

"Apropriação indébita previdenciária" (AC)*

"Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:" (AC)

"Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa." (AC)

"§ 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de:" (AC)

"I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;" (AC)

"II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;" (AC)

"III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social." (AC)

"§ 2o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal." (AC)

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"§ 3o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:" (AC)

"I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou" (AC)

"II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais." (AC)

"Inserção de dados falsos em sistema de informações" (AC)

"Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano:" (AC)

"Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa." (AC)

"Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações" (AC)

"Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente:" (AC)

"Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa." (AC)

"Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado." (AC)

"Sonegação de contribuição previdenciária" (AC)

"Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:" (AC)

"I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços;" (AC)

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"II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;" (AC)

"III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias:" (AC)

"Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa." (AC)

"§ 1o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e confessa as contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal." (AC)

"§ 2o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:" (AC)

"I – (VETADO)"

"II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais." (AC)

"§ 3o Se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não ultrapassa R$ 1.510,00 (um mil, quinhentos e dez reais), o juiz poderá reduzir a pena de um terço até a metade ou aplicar apenas a de multa." (AC)

"§ 4o O valor a que se refere o parágrafo anterior será reajustado nas mesmas datas e nos mesmos índices do reajuste dos benefícios da previdência social." (AC)

Art. 2o Os arts. 153, 296, 297, 325 e 327 do Decreto-Lei no 2.848, de 1940, passam a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 153. ................................................................."

"§ 1o-A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública:" (AC)

"Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa." (AC)

"§ 1o (parágrafo único original)........................................."

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"§ 2o Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será incondicionada." (AC)

"Art. 296. ......................................................................."

"§ 1o ............................................................................

......................................................................................."

"III – quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública." (AC)

"........................................................................................"

"Art. 297. ...........................................................................

........................................................................................"

"§ 3o Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir:" (AC)

"I – na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;" (AC)

"II – na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;" (AC)

"III – em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado." (AC)

"§ 4o Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3o, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços." (AC)

"Art. 325. ....................................................................."

"§ 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem:" (AC)

"I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública;" (AC)

"II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito." (AC)

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"§ 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem:" (AC)

"Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa." (AC)

"Art. 327. ......................................................................"

"§ 1o Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública." (NR)

"................................................................................."

Art. 3o O art. 95 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 95. Caput. Revogado."

"a) revogada;"

"b) revogada;"

"c) revogada;"

"d) revogada;"

"e) revogada;"

"f) revogada;"

"g) revogada;"

"h) revogada;"

"i) revogada;"

"j) revogada."

"§ 1o Revogado."

"§ 2o ............................................................................"

"a) ................................................................................"

"b) ................................................................................"

"c) ................................................................................"

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"d) ................................................................................"

"e)................................................................................."

"f)................................................................................."

"§ 3o Revogado."

"§ 4o Revogado."

"§ 5o Revogado."

Art. 4o Esta Lei entra em vigor noventa dias após a data de sua publicação.

Brasília, 14 de julho de 2000; 179o da Independência e 112o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

José Gregori

Waldeck Ornelas

Este texto não substitui o publicado no D.O.U de 17.7.2000