APTE HRO EMPREENDIMENTOS E AGROPECUÁRIA LTDA · mesma conduta que teria em coito natural com uma...

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C\U I* TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 29 a Câmara APELAÇÃO C/ REVISÃO N° 932365- 0/0 SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO Comarca de SÃO PAULO Processo 2530/96 12.V.CÍVEL APTE HRO EMPREENDIMENTOS E AGROPECUÁRIA LTDA APDO CIA AGRÍCOLA LUIZ ZILLO E SOBRINHOS ACÓRDÃO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA REGISTRADO(A) SOB N° *02227716* Vistos, relatados e discutidos estes autos, os desembargadores desta turma julgadora da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça, de conformidade com o relatório e o voto do relator, que ficam fazendo parte integrante deste julgado, nesta data, deram provimento parcial ao recurso, por votação unânime. Turma Julgadora da RELATOR REVISOR 3 o JUIZ Juiz Presidente Data do julgamento 29 a Câmara DES. S. OSCAR FELTRIN DES. FRANCISCO THOMAZ DES. FERRAZ FELISARDO DES. FRANCISCO THOMAZ 04/03/09 DES.^ÜS. OSCAR FELTRIN Relator

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C\U

I *

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

29a Câmara

APELAÇÃO C/ REVISÃO N° 932365- 0/0

SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO

Comarca de SÃO PAULO Processo 2530/96

12.V.CÍVEL

APTE HRO EMPREENDIMENTOS E AGROPECUÁRIA LTDA

APDO CIA AGRÍCOLA LUIZ ZILLO E SOBRINHOS

A C Ó R D Ã O

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA

REGISTRADO(A) SOB N°

*02227716*

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os desembargadores desta turma julgadora da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça, de conformidade com o relatório e o voto do relator, que ficam fazendo parte integrante deste julgado, nesta data, deram provimento parcial ao recurso, por votação unânime.

Turma Julgadora da RELATOR REVISOR 3o JUIZ Juiz Presidente

Data do julgamento

29a Câmara DES. S. OSCAR FELTRIN DES. FRANCISCO THOMAZ DES. FERRAZ FELISARDO DES. FRANCISCO THOMAZ

04/03/09

DES.^ÜS. OSCAR FELTRIN Relator

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE SÃO PAULO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Seção de Direito Privado

APELAÇÃO COM REVISÃO N" 932.365-0/0 29a Câmara

Comarca: São Paulo

Apte: HRO Empreendimentos e Agropecuária Limitada

Apda: Companhia Agrícola Zillo e Sobrinhos

Voto n° 11.542

Comprovado que o vício ostentado pelo touro reprodutor, oculto e insanável, consistente na impotência coeundi, frustrou a finalidade para a qual foi adquirido, procede a ação redibitória ajuizada pelo adquirente com o propósito de compelir a alienante a receber o animal em devolução, restituindo o preço pago devidamente corrigido.

Da r. sentença de fls. 1014/1018 que julgou

improcedente a presente ação redibitória c.c. perdas e danos, apela a

autora.

Sustenta, inicialmente, que a sentença

reconhece o fato balizador da ação, ou seja, a existência do vício

oculto, o que de resto foi confirmado pela perícia oficial

complementar, além do assistente técnico da apelante. Também é

fato incontroverso que nunca existiu o exame andrológico, nada

obstante tenha a ré tentado caracterizar como tal os documentos de

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fls.189/190, tudo a demonstrar sua má fé em prestar informações

inverídicas.

Insiste, a seguir, na aplicação do Código de

Defesa do Consumidor, enquadrando-se a apelante nos seus artigos

17 e 29, dada as características do caso sub judice (período de tempo

necessário para efetiva constatação do vício). E não sendo este o

entendimento, destaca que a apelante, acreditando na maciça

propaganda, adquiriu de boa fé o touro Xenugu, portador de defeito

oculto que o tornou imprestável para sua finalidade de reprodutor. E

depois da constatação do vício insanável do animal, notificou a ré e

tentou composição amigável, considerada essa notificação como

causa interruptiva da prescrição. Invocando também os artigos 51,1

do CDC e 1.106 do Código Civil, sustenta que as cláusulas

contratuais 5.5 e 5.2 não têm o condão de afastar a responsabilidade

da ré porquanto não se trata de hasta pública forçada. E quanto à

cláusula 5.2 a sentença forçou entendimento não condizente com o

sentido do dispositivo, isto é, o "desaparecimento patrimonial" diz

respeito à ocorrência da perda do animal por furto, roubo ou fuga e,

no outro caso, por morte. Ademais, trata esta cláusula do período do

pagamento das parcelas, o que não é o caso discutido nestes autos.

Portanto, continua a apelante, as cláusulas 5.5 e 5.2 não têm força

para excluir a responsabilidade da apelada no caso, qual seja, o vício

redibitório comprovado.

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Na seqüência, afirma que a sentença se

equivoca nas considerações que faz relativamente à reprodução

denominada "por monta" e a coleta artificial do sêmen, bem assim

quanto aos resultados da produção de sêmen, contrariando as provas

constantes dos autos. Diz que o vício do qual padece o Xenugu-

impotência coeundi_ acaba por afetar também a produção na coleta

de sêmen por meio da vagina de manequim, já que requer do animal a

mesma conduta que teria em coito natural com uma vaca. Invoca, a

seguir, os laudos periciais, todos confirmando a existência da

incapacidade do Xenugu, daí porque equivoca-se também a sentença

ao considerar que a impotência coeundi constatada não afete também

a coleta de sêmen por meio de vagina artificial. Reportando-se aos

laudos periciais, assinala que desde 30.06.1997 o Xenugu está ocioso,

acarretando-lhe inúmeros prejuízos, uma vez que possibilitou a

comercialização de apenas 1.650 doses de sêmen.

Pede, a final, o provimento do apelo para

julgar o feito inteiramente procedente, condenando a ré a receber em

devolução o Touro Xenugu como também na restituição da quantia

paga de R$ 324.000,00, devidamente atualizada, cumulada com

indenização por perdas e danos, nas espécies emergentes e cessantes,

tendo como paradigma a planilha de fls. 143/156, reembolso das

despesas com a sua manutenção até a efetiva devolução, e danos a

imagem que requer sejam apuradas por meio de liquidação por

arbitramento (art. 606 e 607 do Código de Processo Civil) na fase

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executória da sentença, sem prejuízo do pagamento das despesas

processuais e honorários advocatícios (20%) e acréscimos legais,

condenando-se a ré nas penas por litigância de má-fé relativa à

questão do exame andrológico.

Recurso bem processado, preparado e

respondido pela ré que pugnou pela manutenção da sentença de

improcedência.

A apelante fez juntar parecer subscrito pelo

professor e advogado Álvaro Villaça Azevedo (fls. 1073/1107),

seguindo-se manifestação da apelada.

Anotado o agravo retido de fls.235/239.

É o relatório.

1. Por falta de reiteração, deixo de apreciar o

agravo retido interposto pela ré.

2. É incontroverso, nestes autos, que o

contrato de compra e venda com reserva de domínio do touro

Xenugu, pelo elevado valor de R$ 300.000,00, foi celebrado por

empresas comerciais de grande porte, bem informadas e

provavelmente assistidas por advogados especializados. Nada sugere,

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portanto, a existência de uma relação de consumo e menos ainda sua

vulnerabilidade e hipossuficiência, de modo a enquadrá-las no

Código de Defesa do Consumidor, cuja inaplicabilidade à espécie

discutida nestes autos foi bem reconhecida pela r. sentença recomda.

3. O vício que tornou imprestável o animal

adquirido, como se verá mais adiante, era oculto e até então

desconhecido da autora. A sentença recomda de um lado chegou até a

admitir sua existência e de outro observou que as cláusulas 5.5 e 5.2

do contrato de fls.49 excluíam expressamente a responsabilidade por

vício redibitório, o que data venia não se pode aceitar.

Estas cláusulas não estabelecem, com

clareza, a convenção de não indenizar, tanto que a própria ré não a

invocou em sua contestação.

E por ser oculto o vício, à autora não era

dado renunciar a qualquer indenização por um defeito escondido e até

então por ela e por todos ignorado.

Cumpre observar, já nesta oportunidade, que

a boa fé sempre norteou o comportamento da autora na aquisição do

animal, situação que por si só excluiria a pretensa cláusula de não

indenizar.

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4. No evento "Leilão Herança da Raça e

Convidados", realizado na cidade de Bauru, em 11 de março de 1995,

o touro Nelore Xenugu, segundo as testemunhas ouvidas, era o seu

astro principal (fls. 546/547, 896, 971/972).

As revistas especializadas, de um modo

geral, mostravam suas características genéticas e os seus dotes físicos,

todos favoráveis, com o sugestivo destaque da Symapi Publicidade

S/C Ltda: "Xenugu - O Futuro a Ele Pertence" (fls. 35/44, 336/341).

Após exaltadas as qualidades do Xenugu, o

leiloeiro Nilmar Ignacio Gomes ainda fez ver que se tratava de "um

animal duas vezes de elite de acordo com a Associação Brasileira dos

Criadores de Zebu" (fls. 971).

No embate das ofertas, acabou prevalecendo

aquela feita pela autora, ora apelante, H.R.O. Empreendimentos e

Agropecuária Ltda, empresa que se dedica, dentre outras atividades, à

exploração pecuária e a comercialização da produção e derivados,

alcançando a cifra recorde de R$ 300.000,00 pagos em dez prestações

de R$ 30.000,00.

Óbvio que o touro Xenugu, com

classificação elite por desenvolvimento ponderai - ABCZ, não foi

adquirido para outros fins que não sua utilização como reprodutor,

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como, aliás, vem afirmado na inicial, seja por monta natural ou por

extração de sêmem, para venda nacional e internacional.

E nem poderia ser diferente, pois, um animal

nas condições descritas e pelo preço pago de trezentos mil reais, nos

idos de 1995, só poderia destinar-se à reprodução comercial com

propósito de lucro.

Tal, porém, não se concretizou.

O touro Xenugu, segundo a exuberante

prova colhida, desde os primeiros dias após a compra não conseguiu

expor o pênis, impossibilitando a consumação da cópula, gerando, em

conseqüência, sua incapacidade reprodutiva pela monta natural e

também pela coleta de sêmen por meio da vagina artificial.

O touro foi submetido a perícia nos dias 13 e

14 de agosto de 1997, na cidade de Uberaba/MG, na Central de

Tecnologia de Sêmem da Pec-Plan - ABS, onde se encontrava.

O laudo do perito oficial é categórico a esse

respeito na resposta ao quesito de n. 11 (fls.358): "O touro Xenugu

apresenta retração cicatricial na região do umbigo mas que interfere na

região do prepúcio, causando modificações anatômicas, com possíveis

lesões a nível da musculatura regional. Quanto ao direcionamento do

pênis, ocorreu um desvio dorsal, não deixando intervalo suficiente entre a

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borda livre e a parede abdominal, principalmente durante a ereção,

diminuindo sua capacidade de monta natural".

Daí porque, ainda segundo o mesmo laudo,

comparativamente com outros reprodutores de sua raça e idade, tem o

Xenugu desempenho muito inferior, qual seja, 6.102 doses de sêmen

de 15.5.95 até 15.7.97, sendo que a média é de 20.000 doses de

sêmen por ano (fls. 359).

Indagado, ainda, ao perito se a incapacidade

de monta natural depende da exposição do pênis ou das alterações

provocadas nos músculos suspensores, explicou: "A monta natural é

composta por fases, são elas: excitação, ereção e emissão do pênis, salto

ou monta e abraço, procura ou busca do vestíbulo da parceira, introdução

do pênis na vagina, propulsão e ejaculação, descida, relaxamento do pênis.

Visto a seqüência, a exposição do pênis é fundamental para que a cópula

aconteça. Já as lesões nos músculos suspensores poderão causar

alterações no direcionamento do pênis, não atingindo ou impedindo a

introdução do mesmo na vagina, não ocorrendo a cópula" (quesito n. 13,

fls.359).

Mais adiante confirma o perito que a

impotência coeundi é decorrente de defeito orgânico, enquanto que o

stress não afeta permanentemente o desempenho sexual de um

reprodutor de elite e assinala no quesito n. 15: A incapacidade do

touro Xenugu está comprometida, uma vez que não consegue expor o

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pênis e com isso impossibilita a monta natural e também a coleta de

sêmen através da vagina artificial (fls.360).

Por fim e após responder a todos os quesitos

formulados pelas partes, concluiu a perícia (fls.365):

. O animal se encontra em bom estado geral,

pesando 997 quilos.

. O problema de impotência coeundi é fato. O

touro foi colocado junto com duas fêmeas (manequins) e em 30

minutos efetuou 4 saltos (mostrando uma ótima libido), porém sem

exposição do pênis, dificultando a coleta do ejaculado.

. No exame clínico é evidente a retração

cicatricial na região do umbigo, causando alterações na musculatura

prepucial, provocando desvio do trajeto e impedindo a exteriorização

do pênis, dificultando a monta natural e coleta artificial do ejaculado.

. Apresenta um problema nos aprumos

posteriores conhecido como "pernas de frango" (ausência de

angulação), onde os cascos têm de ser reparados rotineiramente, para

não agravar os saltos para coleta e/ou monta natural.

No mesmo dia foi acompanhada a coleta de

ejaculado do touro Zefec Abdala - Nelore, nascido em 19.8.87, RGD

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F 9902, alojado na mesma Central, monorquídico (apresenta um só

testículo na bolsa escrotal, por problema de tumoração), evidenciando

todas as fases da cópula.

Quanto a reversão do quadro, deve-se consultar

as Universidades - no caso os Departamentos de Cirurgia de

Ruminantes das Faculdades de Medicina Veterinária, para consultar a

possibilidade de uma intervenção cirúrgica para correção do quadro

encontrado no animal, visto que existe trabalho publicado a respeito

de problema semelhante .

Às fls. 507/508 o perito prestou

esclarecimentos, confirmando todas as suas conclusões, em tudo

coincidente, aliás, com os primeiros resultados apresentados nos

exames mandados fazer pela autora, estando a vendedora ciente,

desde então, que havia vendido um animal imprestável para a

finalidade desejada.

É exato que a ré, em petição apresentada às

fls.430 e fundado no laudo de seu assistente técnico (fls.433/441),

denunciou a existência de problemas nos aprumos dos membros

posteriores do Xenugu. Afirmou, a seguir, que o animal não se

encontrava em condições de monta por ocasião da perícia oficial

realizada, daí porque requereu a "produção de perícia técnica, no

sentido de se aquilatar se o problema apresentado pelo animal sob exame

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guarda relação com a pretensa incapacidade coeundi ou se existem outras

causas que poderiam determinar a impossibilidade de monta, tais como

maus tratos, quedas acidentais, etc...".

Essa perícia complementar foi deferida no AI

769.291-9 (apenso) e conforme se depreende do acórdão proferido no

agravo referido, objetivou constatar se os problemas vinculados aos

músculos suspensores relacionados aos membros posteriores do

animal poderiam causar alterações na realização da cópula, assim que

impeditivos do direcionamento do pênis.

Juntado o laudo às fls. 684/695, o perito

nomeado pelo d. magistrado concluiu, dentre outras considerações

que "Atualmente a impotência coeundi comprovada no touro Xenugu é

oriunda de duas afecções distintas: uma no prepúcio e outra, de maior

gravidade no sistema locomotor. A capacidade de exposição peniana foi

comprovada nas perícias anteriores, sendo o direcionamento peniano

considerado anormal, o que dificulta a introdução peniana na vagina"

(quesito 4 - fls. 690).

Sopesados, então, ambos os laudos, ressalta

evidente que o touro Xenugu, era, ao tempo da compra, portador de

alteração morfológica de seu prepúcio que lhe impedia de realizar a

monta de forma adequada, o que também prejudicou a coleta do

sêmen por meio da vagina artificial, confirmando a perícia que nesta

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modalidade de coleta o ejaculado foi desprezado por apresentar baixa

motilidade(fls.361).

Essa alteração morfológica, conforme

reconheceu a própria sentença recorrida, "tornou-se visível ou aparente

à medida em que foi ficando mais velho, de modo que por ocasião do

leilão, quando tinha por volta de 20 meses, não se pode reconhecer já

fosse de fácil constatação ou constatável, razão pela qual referido vício era

oculto e desconhecido do criador, a ré" (fls. 1016).

E quanto ao sistema locomotor, concluiu a

perícia complementar ser ela ainda mais severa "caracterizada por uma

incapacidade de sustentação de seu peso no membro posterior direito,

devido a lesões articulares degenerativas adquiridas, condicionando

negativamente o animal ao salto".

Não foram constatadas, ainda conforme esta

última perícia, outras causas que poderiam determinar a

impossibilidade de monta, tais como maus tratos ou quedas

acidentais, indicando a prova, ao contrário, que o animal foi sempre

bem tratado e cuidado.

Comprovado, assim e segundo palavras do

próprio perito subscritor do laudo complementar, que a impotência

coeundi do touro Xenugu era oriunda de duas afeçÕes distintas, "uma

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no prepúcio e outra, de maior gravidade, no sistema locomotor", a razão

está com a autora quando reclama o acolhimento da demanda.

O vício era oculto e insanável, não cuidando

a ré, como propôs, de demonstrar que estes males poderiam ser

corrigidos e portanto sanáveis cirurgicamente, devolvendo ao touro

sua plena capacidade de reprodução, finalidade para a qual se

destinava.

Importa lembrar que o exame andrológico,

processo pelo qual é avaliada a aptidão reprodutiva dos animais

(fls.358), em nenhum momento foi juntado a estes autos, embora

teime a ré, desde o início, em afirmar que realizou esse exame e o

entregou à autora por ocasião do leilão.

E se era, mesmo, verdade que assim

procedeu, bastava exibir uma cópia e quem sabe esta demanda sequer

existiria.

Nesse contexto e sempre respeitada a

convicção do d. magistrado de primeiro grau, era de rigor a

procedência da ação.

5. Quer parecer que não houve propaganda

enganosa, como assinalado na inicial.

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As apregoadas e reiteradamente exaltadas

boas condições do animal existiam no momento da compra.

A incapacidade de exposição do pênis devido

às modificações morfológicas do prepúcio e as alterações articulares

nos membros posteriores, que impediam a realização da monta

natural, somente foram constatadas depois, quando efetivamente

testada sua capacidade de reprodução.

E isso, sem nenhuma dúvida, constitui o vício

redibitório de que trata o artigo 1.101 do Código Civil Bevilácqua,

hoje 443 do Código/2002: a coisa recebida em virtude de contrato

comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a

tornem imprópria ao uso a que é destinada ou lhe diminuam o valor.

Importa lembrar que não se cuida de venda

forçada, mas decorrente de oferta em leilão particular, de natureza

contratual, não impedindo, por isso, o ajuizamento da ação

redibitória, o que desde logo afasta a vedação de que trata o art. 1.106

do Código Civil.

Daí também resulta que o alienante deve

garantir ao adquirente o usufruto da coisa conforme sua natureza e

desti nação.

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Os comentaristas, de um modo geral,

incluindo-se Caio Mário da Silva Pereira, conceituam vício

redibitório como o "defeito oculto de que portadora a coisa objeto de

contrato comutativo, que a torna imprópria ao uso a que se destina, ou lhe

prejudica sensivelmente o valor".

O defeito, como se extrai do dispositivo

citado, deve ser oculto e grave e de difícil verificação.

Silvio de Salvo Venosa, em sua preciosa

obra "Direito Civil", 3a edição, Ed. Atlas, pg 545, ensina que "A

garantia refere-se a vícios ocultos na coisa, ao tempo da transmissão.

Presume-se que o negócio não teria sido realizado, ou teria sido realizado

de outra forma, se o adquirente soubesse da existência do defeito na coisa.

A lealdade contratual manda que o transmitente alerte o adquirente da

existência do vicio. No entanto, ainda que o vício seja desconhecido do

próprio titular, os efeitos da teoria aplicam-se como conseqüência do

principio do equilíbrio das relações negociais (art. 443, antigo, art. 1.103).

Evidente que, como em toda situação em que existe culpa, esta acarreta a

indenização por perdas e danos, afora o desfazimento do negócio ou o

abatimento do preço. A má fé é elemento secundário do instituto não se

confundindo com o erro, onde o adquirente recebe uma coisa por outra" ,

ressaltando mais adiante que " o vício redibitório decorre da própria

coisa, que é a verdadeiramente desejada pela parte, e o adquirente não

toma conhecimento do defeito, porque está oculto" .

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Lembra ainda o mesmo autor logo a seguir

que "não é qualquer vicio que se traduz em redibitório, senão aquele que

torna a coisa imprópria para o uso colimado no contrato, ou diminua-lhe

o valor. Quem compra um cavalo de corridas portador de uma moléstia

respiratória, que o impede de correr, recebe o semovente com vício oculto

que o torna impróprio para o uso pretendido. Quem compra um animal

para abate, por outro lado, não pode ver nessa moléstia um vício

redibitório. Este deve ser grave, de acordo com o caso concreto, oculto e

existente ao tempo da transmissão".

O exemplo do cavalo citado por Venosa,

encaixa-se perfeitamente ao caso presente: quem compra um touro

reprodutor, portador de um defeito em seu aparelho genital, que o

impede de realizar a monta natural ou a colheita do sêmen

artificialmente, recebe-o com vício oculto que o torna impróprio para

o uso pretendido.

6. Aprecio, então, a extensão do

pedido.

O touro foi levado a leilão com destaque de

seu pedigree e de um potencial genético invejável.

Por ele a autora pagou um preço recorde na

época.

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O defeito, já existente à época da compra, foi

constatado somente depois.

Até então passava despercebido de tantos

quantos o examinassem.

Nada indica, ao menos nestes autos, que a

alienante Cia Agrícola Luiz Zillo e Sobrinhos soubesse do vício e

sobre ele manteve silêncio no momento da venda.

Logo, não se há de falar em culpa ou dolo da

alienante, mas demonstrada a existência do vício oculto que tornou o

touro imprestável para a reprodução comercial, tenho que procede o

pedido de devolução do animal à vendedora, restituindo esta o preço

pago de R$ 324.000,00, devidamente corrigido, sem as perdas e

danos, nas espécies emergentes e cessantes, além daquelas por danos

à imagem, tal como inicialmente reclamadas.

Esta solução, que se propõe razoável e justa,

é mais uma vez extraída da lição do citado autor Silvio de Salvo

Venosa ao lembrar que "Há uma aplicação específica da teoria do dolo

em sede de vícios redibitórios. Se o alienante sabia da existência do vício e

não alertou seu contratante, responderá por perdas e danos, além da

restituição. Se não houve culpa, restituirá o valor singelamente, com as

despesas do contrato (com correção monetária até o efetivo pagamento, é

evidente" (grifos não constantes do original - p. 549), ensinamento que

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se ajusta à espécie destes autos e da qual se extraem os elementos que

propiciam o acolhimento desta demanda redibitória.

Comprovado, em suma, o vício redibitório

questionado, então desconhecido da ré no momento da alienação,

deverá ela receber de volta o animal vendido e restituir à autora o

valor recebido de R$ 300.0000,00, mais R$ 24.000,00 gasto com o

leiloeiro, com correção monetária desde a data dos respectivos

pagamentos das parcelas, utilizando-se os índices da Tabela Prática

do Tribunal de Justiça, mais juros de mora contados da citação, à

razão de 0,5% ao mês até 11 de janeiro de 2003, data da vigência do

novo Código Civil e daí para a frente, 1% conforme dispõe o seu art.

406.

Tendo a autora decaído de parte dos pedidos

articulados, os últimos ilíquidos em volume considerável, tenho que a

hipótese recomenda a aplicação do art. 21 do CPC, distribuindo-se e

compensando-se igualmente entre as partes os encargos da

sucumbência, fixados os honorários advocatícios em 15% sobre o

montante da condenação.

7. Isto posto e para os fins especificados, dou

provimento parcial ao recurso.

X f ^ l fi ^Qigitri Des. S.SsCARFELTRIN

Relator

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