AR28 Ciclo de Vida Posse Escravos

download AR28 Ciclo de Vida Posse Escravos

of 6

Transcript of AR28 Ciclo de Vida Posse Escravos

  • 7/29/2019 AR28 Ciclo de Vida Posse Escravos

    1/6

    NOTA SOBRE CICLO DE VIDA E POSSE DE ESCRAVOS

    IRACI DEL NERO DA COSTA(*)Professor da FEA-USP

    Nesta breve nota pretendo apresentar algumas evidncias concernentes relao entreo nmero de escravos possudos e a faixa etria de seus proprietrios. (1)

    Teoricamente, pode-se esperar que o nmero de escravos varie com a idade doproprietrio. Assim, at a faixa dos sessenta-setenta anos verificar-se-ia uma correlaopositiva entre as duas variveis. Tal afirmativa parte da hiptese de que o proprietriotenderia a acumular riqueza -- neste caso representada pelo nmero de escravos

    possudos -- no correr do perodo economicamente ativo de sua vida. J para a faixacolocada aps os setenta anos -- como decorrncia de uma eventual partilha de bens emvida e/ou da no-reposio de escravos falecidos -- ocorreria uma relao inversa entreidade do proprietrio e nmero de cativos. Em termos grficos, a suposio aquiaventada apresentaria o lineamento das curvas constantes da figura 1.

    FIGURA 1RELAO HIPOTTICA ENTRE A IDADE DO PROPRIETRIO E O NMERO DE

    ESCRAVOS POSSUDOS

    Como avanado, neste artigo revelamos algumas evidncias empricas que do suportes hipteses acima explicitadas. Para tanto, servimo-nos de dados referentes alevantamentos censitrios efetuados em So Paulo e Minas Gerais no inicio do sculo

  • 7/29/2019 AR28 Ciclo de Vida Posse Escravos

    2/6

    XIX. (2) Como o conjunto de informaes refere-se a dados colhidos em um momento dotempo (cross-section), tomamos o nmero mdio de escravos possudos, segundofaixas etrias dos proprietrios. A amplitude destas ltimas foi determinada de sorte aevitar-se movimentos muito bruscos das curvas, decorrentes do fato de haver grandeconcentrao em idades terminadas em algarismos zero ou cinco. Esta concentrao sedeve atribuio imprecisa da idade efetiva das pessoas; assim, para as idades

    terminadas nos outros algarismos tm-se uma expressiva rarefao de observaes, dao excessivo nmero de pessoas com idades terminadas em zero ou cinco. (3) A ttulo deexemplo, considerei as idades dos proprietrios de Antnio Dias e Ouro Preto, dois dosdistritos de Vila Rica, os quais, escolhidos aleatoriamente, ilustram as afirmaes acimapostas (Cf. grfico 1).

    GRFICO 1FREQNCIA DAS IDADES DE PROPRIETRIOS DE ESCRAVOS

    (Vila Rica: Distritos de Antnio Dias e Ouro Preto - 1804)

    Outra observao prende-se ao tratamento empregado com respeito aos dadosreferentes s localidades paulistas. Em So Paulo havia significativo nmero desenhores de engenho que detinham, em termos comparativos, lotes numerosos deescravos. Assim, enquanto a mdia de cativos possudos pelos proprietrios deengenhos alava-se a 21,8, para os demais senhores paulistas o mesmo indicadorchegava a apenas 4,8 escravos. Em face deste fato, segmentamos os proprietrios de

    So Paulo em dois grandes grupos: no primeiro, reunimos os senhores de engenho; nosegundo agrupamos os demais. Quanto a Minas Gerais no se imps tratamento similarporque, como sabido, em 1804 a atividade exploratria j havia sido superada e ospoucos mineradores remanescentes no se distinguiam pela posse de grande nmerode cativos.

    Colocadas estas qualificaes preliminares, passemos considerao dos resultadosverificados.

  • 7/29/2019 AR28 Ciclo de Vida Posse Escravos

    3/6

    Conforme se observa no grfico 2, no que diz respeito aos senhores de engenhopaulistas, no se revelou a relao esperada. A curva apresenta oscilaes at a faixados 60 aos 69 anos para, depois, mostrar-se francamente crescente. possvel que ocomportamento desta curva esteja afetado pelo pequeno nmero de observaes e porestarmos a trabalhar com dados em cross-section. No obstante, em outro estudo,tivemos oportunidade de evidenciar a relativa homogeneidade da massa escrava

    pertencente aos distintos senhores de engenho; (4) tal fato explicaria a inexpressivavariao do nmero mdio de escravos segundo as diversas faixas etrias dosproprietrios e estaria a indicar a prevalncia de um dimensionamento timo da plantados engenhos paulistas existentes poca. De outra parte, deve-se ter presente que omontante relativamente avultado de recursos necessrios ao estabelecimento de umengenho provavelmente era obtido com base em processo de acumulao distintodaquele para o qual dirigimos nossa ateno nesta nota.

    GRFICO 2NMERO MDIO DE ESCRAVOS, SEGUNDO A FAIXA ETRIA DOS PROPRIETRIOS

    (TODOS ELES SENHORES DE ENGENHO)

    (7 LOCALIDADES PAULISTAS - 1804)

    J as curvas concernentes aos demais proprietrios paulistas e aos senhores deescravos mineiros, revelam comportamento muito prximo daquele teoricamente

  • 7/29/2019 AR28 Ciclo de Vida Posse Escravos

    4/6

    proposto. Assim, para Minas, observa-se o persistente incremento do nmero mdio deescravos que, de 1,1 relativo faixa dos 10 aos 19 anos, ala-se a 8,4 para a faixa dos 80e mais anos de idade.

    Para So Paulo, excetuada a faixa dos 60 aos 69 anos, verificou-se sistemticoacrscimo at o intervalo dos 70 aos 79 anos. Para idades superiores (80 e mais anos)

    observou-se o decremento sugerido hipoteticamente na abertura deste trabalho (cf.grfico 3).

    GRFICO 3NMERO MDIO DE ESCRAVOS, SEGUNDO A FAIXA ETRIA DOS PROPRIETRIOS

    (EXCLUDOS OS SENHORES DE ENGENHO)(10 localidades paulistas e 8 mineiras - 1804)

    Cumpre afirmar, por fim, que, a nosso ver, as evidncias acima reportadas corroborarama postulao terica que inspirou a elaborao desta nota. No parece restar dvidas,pois, quanto relao entre ciclo de vida e posse de escravos.

  • 7/29/2019 AR28 Ciclo de Vida Posse Escravos

    5/6

    APNDICE ESTATSTICO

    TABELA A-1NMERO MDIO DE ESCRAVOS, SEGUNDO A FAIXA ETRIA DOS PROPRIETRIOS

    (Minas Gerais: 1804 - oito localidades)

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Faixas etrias Nmero de Nmero de Nmeromdiodos proprietrios escravos proprietrios de escravos-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------0-9 19 8 2,4

    10-19 9 8 1,120-29 184 76 2,430-39 798 256 3,140-49 1.056 297 3,650-59 1.162 247 4,760-69 1.011 206 4,970-79 645 102 6,3

    80 e mais 402 48 8,4

    Observaes (total) 5.286 1.248 ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Obs.: Computados apenas os escravos possudos pelos proprietrios para os quaisindicou-se a idade. As localidades consideradas foram: Vila Rica, Abre Campo, Capelado Barreto, N. Sa. dos Remdios, Mariana (um dos distritos), Passagem, Furquim e SoCaetano.

    TABELA A-2NMERO MDIO DE ESCRAVOS, SEGUNDO A FAIXA ETRIA DOS PROPRIETRIOS

    (So Paulo: 1804 - dez localidades)-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Faixas etrias Senhores de Engenho Demais Proprietrios .dos proprietrios N. de N. de N.mdio de N. de N. de N.mdio de

    escrav. propriet. escravos escrav. propriet. escravos-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------10-19 -- -- -- 48 18 2,720-29 209 10 20,9 899 315 2,930-39 745 37 20,1 2.238 560 4,040-49 1.422 66 21,5 2.741 593 4,650-59 1.096 53 20,7 2.917 511 5,760-69 441 21 21,0 1.788 345 5,2

    70-79 514 20 25,7 1.104 169 6,580 e mais 104 33 34,7 280 70 4,0

    Observaes (total) 4.531 210 --- 12.015 2.581 --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Obs.: Computados apenas os escravos possudos pelos proprietrios para os quaisindicou-se a idade. As localidades consideradas foram: Lorena, Iguape, Guaratinguet,Sorocaba, Itu, Curitiba, So Sebastio, Jacare, Campinas e Moji dos Cruzes.

  • 7/29/2019 AR28 Ciclo de Vida Posse Escravos

    6/6

    NOTAS

    (*) O autor agradece ao IPE-USP e FINEP o apoio financeiro que permitiu a realizaodeste estudo.

    (1) J estava a redigir este trabalho quando tomei conhecimento de estudo similar,

    quela altura ainda em elaborao, desenvolvido por Carlos A. P. Bacellar, soborientao da Profa. Maria Luza Marclio. Carlos Bacellar considerou os dados em "sriede tempo", maneira mais precisa de verificar a relao em epgrafe.

    (2) Com respeito a So Paulo, utilizamos cdices do Departamento do Arquivo doArquivo do Estado de So Paulo (DAESP), "Maos de Populao". Relativamente a MinasGerais consideramos duas fontes: para Vila Rica servimo-nos dos dados revelados porHerculano Gomes Mathias e publicados em seu livro intitulado Um recenseamento nacapitania de Minas Gerais (Vila Rica - 1804), Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1969, 209p.; para as demais localidades mineiras foram usados cdices existentes no ArquivoNacional, material este integrante do acervo de documentos manuscritos de Ouro Pretotransferidos, em 1913, para o Rio de Janeiro e identificados sob o titulo "Coleo da

    Casa dos Contos de Ouro Preto".

    (3) Sobre esta questo, altamente revelador o documento, de 1781, intitulado"Advertncia", revelado por Stuart B. Schwartz e que se encontra na Biblioteca Nacionaldo Rio de Janeiro. Nesta "Advertncia", dirigida aos responsveis pelos levantamentospopulacionais da poca, l-se: "3.o - Declarar as idades de cada um ser branco alis decada um, e a no se poderem dizer certas (como a dos pretos da Costa e Angola) semprese ponham segundo mostrarem provavelmente ter. De sorte que por estas idades sepossam distinguir as determinadas classes de infantes, meninos, moos, adultos evelhos de ambos os sexos, em suas respectivas qualidades".

    (4) Cf. COSTA, Iraci del Nero da & LUNA, Francisco Vidal. Posse de escravos em So

    Paulo no incio do sculo XIX. Revista Estudos Econmicos, So Paulo, IPE-USP 13(1),1983, p. 219 a 221.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    1. ARQUIVO NACIONAL. Coleo da Casa dos Contos de Ouro Preto. Rio de Janeiro,1804.

    2. BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO.Advertncia. Rio de Janeiro, 1781.

    3. COSTA, Iraci del Nero da & LUNA, Francisco Vidal. Posse de escravos em So Paulo

    no incio do sculo XIX. Revista Estudos Econmicos. So Paulo, IPE-USP, 13(1): 211-221, 1983.

    4. MATHIAS, Herculano Gomes. Um recenseamento na capitania de Minas Gerais (VilaRica - 1804). Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1969, 209 p.

    5. SO PAULO. Departamento do Arquivo do Estado de So Paulo (DAESP). Maos depopulao. So Paulo. Cdices concernentes a vrias localidades e a 1804.