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ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE COMO ESPAÇOS ECOLÓGICOS PROTEGIDOS PELO ORDENAMENTO JURÍDICO Rochelle Jelinek 1 1. A proteção do meio ambiente na Constituição Federal Nenhum tema no âmbito jurídico pode ser analisado isoladamente, já que a exegese de uma norma pressupõe interpretar o sistema jurídico em sua totalidade. 2 O ordenamento jurídico é composto por um conglomerado de normas que se interligam hierarquicamente, tal qual uma pirâmide. A Constituição Federal se localiza no topo da pirâmide hierárquica das normas jurídicas, irradiando sua supremacia de modo a sujeitar as normas infraconstitucionais – anteriores e posteriores – aos seus princípios e comandos, sejam elas de ordem civil, urbanística, administrativa, ambiental, penal, de natureza pública ou privada 3 . Uma vez estando no sistema jurídico vigente, as normas relativas a todos os ramos jurídicos não podem ser aplicadas sem levar em conta as normas ambientais impregnadas pela ideologia constitucional 4 . 1 Promotora de Justiça/RS-Ministério Público do Rio Grande do Sul, Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS, Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do RS-PUCRS. 2 “Interpretar o direito é realizar uma sistematização daquilo que aparece como fragmentário e isolado. (...) Qualquer norma apenas se esclarece na totalidade das regras, dos valores e, sobretudo, dos princípios jurídicos. Isolada, por mais clareza que aparente ter seu enunciado, torna-se obscura e ininteligível. Neste quadro, o intérprete deve descobrir o sentido do sistema (...) Ou a interpretação jurídica é sistemática ou não é interpretação”. FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. São Paulo: Malheiros, 2004, p.19- 23. 3 “O Direito privado e o Direito público (...) precisam encontrar os seus fundamentos mais profundos no bojo da Constituição, uma vez que, a rigor, implícita ou explicitamente, qualquer seara deve ser vista como campo nobre de incidência e de concretização das regras e princípios constitucionais. Dito de outro modo, todo e qualquer ramo do Direito mostra-se (...) um campo de incidência da Constituição e, bem por isso, restou afirmado que, em determinado aspecto, toda interpretação sistemática é também interpretação constitucional”. FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. São Paulo: Malheiros, 2004, p.227. Ver também: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Limitada, 1994. 4 Paulo José Leite Farias refere que a ideologia adotada na Constituição Federal de 1988 permite que se fale em Estado de Direito Ambiental, o que impregna todas as normas que se relacionam com o vasto leque do domínio normativo da expressão “ambiente”. FARIAS, Paulo José Leite. Competência federativa e proteção ambiental. Porto Alegre: Fabris, 1999, p.226. Além da consagração da necessidade de preservação ambiental no texto constitucional, com advento da Lei n.° 10.257/01 (Estatuto da Cidade), que regulamentou os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, a temática ambiental tornou-se obrigatória na fixação das exigências fundamentais de ordenação da cidade. A título exemplificativo, tomem-se as seguintes diretrizes gerais mencionadas no estatuto: suas normas, de ordem pública e interesse social, regulam o uso da propriedade urbana em prol do equilíbrio ambiental (art. 1 o , par. único); a política urbana deve garantir o direito a cidades sustentáveis, que pressupõe o saneamento ambiental (art. 2 o , inc. I); o planejamento urbano deve evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente (art. 2 o , inc.IV); a política urbana deve promover a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, inclusive o cultural (art. 2 o , inc. XII); a política urbana deve ouvir a população nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com

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ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE COMO ESPAÇOS ECOLÓGICOS PROTEGIDOS

PELO ORDENAMENTO JURÍDICO

Rochelle Jelinek1

1. A proteção do meio ambiente na Constituição Federal

Nenhum tema no âmbito jurídico pode ser analisado isoladamente, já que a

exegese de uma norma pressupõe interpretar o sistema jurídico em sua totalidade.2

O ordenamento jurídico é composto por um conglomerado de normas que se

interligam hierarquicamente, tal qual uma pirâmide. A Constituição Federal se localiza no topo da pirâmide hierárquica das normas jurídicas, irradiando sua supremacia de modo a sujeitar as normas infraconstitucionais – anteriores e posteriores – aos seus princípios e comandos, sejam elas de ordem civil, urbanística, administrativa, ambiental, penal, de natureza pública ou privada3. Uma vez estando no sistema jurídico vigente, as normas relativas a todos os ramos jurídicos não podem ser aplicadas sem levar em conta as normas ambientais impregnadas pela ideologia constitucional4.

1 Promotora de Justiça/RS-Ministério Público do Rio Grande do Sul, Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS, Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do RS-PUCRS. 2 “Interpretar o direito é realizar uma sistematização daquilo que aparece como fragmentário e isolado. (...) Qualquer norma apenas se esclarece na totalidade das regras, dos valores e, sobretudo, dos princípios jurídicos. Isolada, por mais clareza que aparente ter seu enunciado, torna-se obscura e ininteligível. Neste quadro, o intérprete deve descobrir o sentido do sistema (...) Ou a interpretação jurídica é sistemática ou não é interpretação”. FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. São Paulo: Malheiros, 2004, p.19-23. 3 “O Direito privado e o Direito público (...) precisam encontrar os seus fundamentos mais profundos no bojo da Constituição, uma vez que, a rigor, implícita ou explicitamente, qualquer seara deve ser vista como campo nobre de incidência e de concretização das regras e princípios constitucionais. Dito de outro modo, todo e qualquer ramo do Direito mostra-se (...) um campo de incidência da Constituição e, bem por isso, restou afirmado que, em determinado aspecto, toda interpretação sistemática é também interpretação constitucional”. FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. São Paulo: Malheiros, 2004, p.227. Ver também: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Limitada, 1994. 4 Paulo José Leite Farias refere que a ideologia adotada na Constituição Federal de 1988 permite que se fale em Estado de Direito Ambiental, o que impregna todas as normas que se relacionam com o vasto leque do domínio normativo da expressão “ambiente”. FARIAS, Paulo José Leite. Competência federativa e proteção ambiental. Porto Alegre: Fabris, 1999, p.226. Além da consagração da necessidade de preservação ambiental no texto constitucional, com advento da Lei n.° 10.257/01 (Estatuto da Cidade), que regulamentou os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, a temática ambiental tornou-se obrigatória na fixação das exigências fundamentais de ordenação da cidade. A título exemplificativo, tomem-se as seguintes diretrizes gerais mencionadas no estatuto: suas normas, de ordem pública e interesse social, regulam o uso da propriedade urbana em prol do equilíbrio ambiental (art. 1o, par. único); a política urbana deve garantir o direito a cidades sustentáveis, que pressupõe o saneamento ambiental (art. 2o, inc. I); o planejamento urbano deve evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente (art. 2o, inc.IV); a política urbana deve promover a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, inclusive o cultural (art. 2o, inc. XII); a política urbana deve ouvir a população nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com

A ordem constitucional consubstanciada na Carta Magna de 1988 consagrou a

proteção ambiental em dispositivos esparsos5 e em capítulo específico intitulado Do Meio Ambiente6.

Do estudo sistemático das normas constitucionais extraem-se os princípios

relativos ao meio ambiente natural e urbano – que, por estarem inseridos na Constituição Federal, servirão de diretrizes a todo o ordenamento jurídico: os princípios da supremacia do interesse público na proteção do ambiente em face dos interesses privados, do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, da obrigatoriedade da intervenção estatal para preservação e recuperação do ambiente, da prevenção, da precaução, da responsabilização pelo dano ambiental, do desenvolvimento sustentável.Os princípios constitucionais são verdadeiros vetores reguladores da legislação, o que faz ressaltar que a violação de um princípio acarreta a quebra de todo o ordenamento jurídico vigente7.

1.1. Princípios constitucionais ambientais A Constituição Federal de 1988 elevou o direito ao meio ambiente equilibrado à

categoria de direito fundamental8, ao caracterizar o equilíbrio ecológico como bem essencial à sadia qualidade de vida. Ingo Sarlet aduz que esse direito não está elencado no rol dos direitos fundamentais individuais do art. 5° da CF, e sim no art. 2259, por tratar-se de um direito fundamental definido como típico direito

efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído (art. 2o, inc. XIII); na regularização fundiária e urbanização de favelas, a política urbana deverá considerar as normas ambientais (art. 2o, inc. XIV); a ordenação do solo das cidades deve coibir o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana, e evitar a poluição e a degradação ambiental (art. 2o, inc. VI, ‘c’ e ‘g’). Diante das diretrizes para a política urbana estabelecidas no Estatuto da Cidade, não se pode vislumbrar uma aplicação estrita das leis de parcelamento do solo urbano, sem estarem em consonância com a legislação de tutela ao meio ambiente. 5 Arts. 5°, LXXIII, 170, VI, 173, §5°, da CF. 6 Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 7 “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer.[...] É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade conforme o escalão do princípios atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumália irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.” MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 546. 8 O termo direito fundamental se aplica àqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional. 9 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

difuso, inobstante também tenha por objetivo o resguardo de uma existência digna do ser humano, na sua dimensão individual e social. Este direito integra a terceira geração de direitos fundamentais, cuja nota distintiva reside basicamente na sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável e na necessidade de solidariedade para sua efetivação10.

Como norma de caráter teleológico, o art. 225 da Constituição Federal impõe

uma orientação de todo o ordenamento infraconstitucional, ficando patenteado o reconhecimento do direito-dever ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a obrigação dos Poderes Públicos e da coletividade de defendê-lo e preservá-lo e a previsão de sanções para as condutas ou atividades lesivas. A preservação do ambiente passa a ser, portanto, a base em que se assenta a política econômica e social do país.

Nesse contexto, o desenvolvimento das cidades e o adensamento demográfico

não podem descuidar da necessidade de preservação ambiental (aqui compreendida toda a extensão do conceito de meio ambiente), para garantir sadia qualidade de vida à população.

O princípio do desenvolvimento sustentável também está agasalhado pelo art.

225, caput, da Constituição Federal, donde se extrai que o desenvolvimento pode e deve se dar, desde que haja uma gestão racional dos recursos naturais de modo a não comprometê-los, preservando-os para as gerações presentes e futuras11.

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. § 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. §4° (...) §5° (...) §6° (...) 10 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 31, 51 e 123. Também no sentido de que o art. 225 da CF acolhe um direito fundamental: BENJAMIN, Antônio Hermann. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v.9, p.12, jan./mar 1998. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996, p. 22. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997, p.36. 11 O desenvolvimento sustentável foi divulgado primeiramente como um princípio para o planejamento do desenvolvimento econômico pela WCED (World Commission on Environment and Development), em documento sobre estratégias mundiais do desenvolvimento para conservação do ambiente, tendo três grandes objetivos: a manutenção dos processos ecológicos e dos sistemas vitais para a humanidade, a preservação da biodiversidade e a garantia do uso sustentável das espécies e dos ecossistemas. No relatório Nosso Futuro Comum, que ficou conhecido como Relatório ou Informe Brundtland – um estudo de alternativas para o desenvolvimento e o meio ambiente, elaborado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, presidida pela ex-primeira ministra da Noruega (cujo nome foi adotado como título do relatório) –, encontra-se a seguinte definição: “o desenvolvimento sustentável pretende satisfazer as necessidades do

De acordo com a diretriz imposta pela Constituição Federal, o Estado, a

sociedade, o particular – empresa ou indivíduo –, só podem construir, empreender ou exercer atividade de modo que sejam evitados impactos ambientais que prejudiquem o ecossistema e a biodiversidade e, por conseqüência, a qualidade de vida da população12.

O desenvolvimento econômico do Estado Brasileiro subentende um

aquecimento da atividade econômica dentro de uma política de uso sustentável dos recursos naturais, objetivando um aumento de qualidade de vida que não se reduz somente a um aumento do poder de consumo. Desenvolvimento econômico é garantia de condições de vida mais saudáveis. O grau de desenvolvimento de um país é aferido sobretudo pelas condições de que dispõe uma população para o seu bem-estar, o que pressupõe um meio ambiente saudável e equilibrado13.

No dizer de Édis Milaré, é falso o dilema desenvolvimento x meio ambiente, na

medida em que, sendo um fonte de recursos para o outro, devem harmonizar-se e

presente sem comprometer os recursos equivalentes de que farão uso no futuro outras gerações”. COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991. Os criadores da expressão desenvolvimento sustentável partem da constatação de que os recursos naturais são esgotáveis, mas que o crescimento constante da economia é necessário para expandir-se o bem-estar pelo mundo. As raízes da expressão desenvolvimento sustentável estão na constatação da impossibilidade de continuidade do desenvolvimento econômico nos moldes até então apreendidos, por causarem um acelerado e, muitas vezes, irreversível declínio dos recursos naturais. Considerando que sustentabilidade é condição necessária para o desenvolvimento econômico, o capital natural deve, no mínimo, ser mantido constante enquanto a economia possa cumprir os objetivos da satisfação social. Desenvolvimento sustentável implica, então, no ideal de um desenvolvimento harmônico da economia e ecologia que devem ser ajustados numa correlação de valores onde o máximo econômico reflita igualmente um máximo ecológico. Na tentativa de conciliar a limitação dos recursos naturais com o limitado crescimento econômico, são condicionadas à consecução do desenvolvimento sustentável mudanças no estado da técnica e na organização social. Durante os anos 70, frações do pensamento ecológico defendiam a adoção de uma austeridade voluntária nos níveis de consumo, como forma de conter a insaciabilidade das necessidades individuais nas sociedades modernas. A idéia de se consumir menos e melhor não obteve ressonância, mesmo referenciada ou complementada por um significativo conjunto de estudos críticos sobre o consumo. A proposta de auto-limitação soa como uma penúria forçada ou uma privação das liberdades individuais. Não parece haver hoje disposição para uma vida mais moderada. Contribui também para esse insucesso o fato de que, nas sociedades modernas, as pessoas já não definem livremente suas necessidades, havendo interferências ou pressões de várias ordens, como a propaganda, a vigência de certos padrões de consumo e comportamento, etc. A expansão de um modelo de desenvolvimento mundial reforça a pressão sobre os recursos naturais. Estamos muito longe de nos preocuparmos apenas com o comer, o vestir e o ter onde morar, embora milhões de indivíduos nem isso tenham assegurado. Nesse contexto social, a idéia de desenvolvimento sustentável procura ajustar a prática econômica mundial de desenvolvimento econômico com o uso equilibrado dos recursos naturais. 12 RIBEIRO, Ana Cândida de Paula; CAMPOS, Arruda. O desenvolvimento sustentável como diretriz da atividade econômica. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v.26, p.81, abr./jun. 2002. 13 Roberto Giansanti esclarece a diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento econômico: “O crescimento econômico remete ao aumento da capacidade produtiva de economia, portanto da produção de bens e serviços de um determinado país ou setor.Vincula-se fundamentalmente ao campo econômico. Já o desenvolvimento econômico leva em conta os fatores de crescimento econômico acompanhados pela melhoria dos padrões de vida de uma população. Nessa expectativa, consideram-se também as repercussões sociais desse processo, como urbanização, saneamento, alfabetização e meio ambiente sadio”. GIANSANTI, Roberto. O desafio do desenvolvimento sustentável. São Paulo: Atual, 1998.

complementar-se14. Nessa linha, uma política de gestão urbana e ambiental pode permitir o desenvolvimento ecologicamente correto, ou, pelo menos, sem comprometer os recursos naturais necessários para esta e para as próximas gerações.

As discussões mundiais acerca do desenvolvimento sustentável fizeram

desencadear a discussão das atividades e empreendimentos que causam impacto ambiental e precisavam ser avaliadas, controladas, mitigadas, compensadas e monitoradas, a fim de que a qualidade de vida no meio ambiente urbano possa melhorar. Assim é que passaram a ter maior relevância as ocupações desordenadas do solo e os problemas urbanos passaram a ser vistos como problemas ambientais15. Inseridos nesta discussão estão as ocupações irregulares do solo urbano, em especial nas áreas de preservação permanente, porquanto o desenvolvimento urbano sustentável das cidades deve, necessariamente, respeitar os limites ecológicos do meio.

A ordem econômica brasileira adota o modelo capitalista e dentre os princípios

que a informam, arrolados no art. 170 da Constituição Federal, figuram o da defesa do meio ambiente (inc. VI), da propriedade privada (inc. II), da função social da propriedade (inc. III) e da livre concorrência (inc. IV), reforçados pelo princípio da livre exploração econômica, inserido no parágrafo único do mencionado artigo. Estando no mesmo plano os princípios do meio ambiente ecologicamente equilibrado, do desenvolvimento sustentável e os princípios da ordem econômica, devem ser integrados num horizonte plural, porque, como adverte Eros Roberto Grau, “não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços”16. O ordenamento jurídico deve ser sempre compreendido em seu conjunto e não por cada norma ou preceito isoladamente. É nessa esteira que se nota o inter-relacionamento do art. 225 (que trata do meio ambiente) com o art. 170 (que trata da ordem econômica) e o art. 193 (referente à ordem social), em conformidade com os princípios fundamentais inscritos nos arts. 1o e 3o, todos da Constituição Federal17.

14 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.36. 15 PRESTES, Vanêsca Buzelato. A necessidade de compatibilização das licenças ambiental e urbanística no processo da municipalização do licenciamento ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 34, p.91, abr./jun. 2004. 16 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1998. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 189-190. 17 Art. 1o – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Art. 3o – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdade sociais e regionais; IV – - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Cristiane Derani18 preleciona que a disposição constitucional sobre o meio

ambiente, que trata de sua proteção e limites de sua apropriação, tem objetivo que não difere, fundamentalmente, daquele previsto no art. 170, pois o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, é um dos elementos que compõe a dignidade da existência, princípio-essência apresentado no art.170.

Uma vez que o desenvolvimento econômico previsto pela norma constitucional

deve incluir o uso sustentável dos recursos naturais (corolário do princípio da defesa do meio ambiente, art. 170, VI; bem como dedutível da norma expressa do art. 225, IV), é impossível propugnar-se por uma política unicamente monetarista e desenvolvimentista sem que isso venha a colidir com os princípios constitucionais que regem a ordem econômica e os que dispõem sobre a defesa do meio ambiente.

O uso sustentável de recursos naturais renováveis e o tratamento adequado de

recursos naturais não renováveis voltados à efetiva melhoria de vida da população são exemplos de indicadores que contribuem à aferição do desenvolvimento propugnado pela ordem econômica constitucionalmente assegurada. Ivan Lira de Carvalho diz, com propriedade, que “comprometida com a existência digna das pessoas, não pode a ordem constitucional conduzir a atividade produtiva para caminhos que impliquem diminuição da qualidade de vida da população, por meio de práticas poluidoras ou agressoras do meio ambiente”19.

No processo de apropriação de recursos naturais, a atividade econômica só

será protegida pelo direito se seu conteúdo frutificar o preenchimento do direito fundamental da coletividade ao meio ambiente equilibrado, respondendo, assim, essa apropriação, à função sócio-ambiental da propriedade.

Cuida a ordem econômica constitucional da manutenção do equilíbrio global da

economia. Havendo perturbação nesse equilíbrio, deve intervir o Estado –

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII- busca do pleno emprego; Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. 18 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 252. 19 CARVALHO, Ivan Lira de. A empresa e o meio ambiente. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v.13, jan./mar. 1999.

impondo as correções necessárias – dentro de um direcionamento global, mesmo que para isso os princípios da livre iniciativa e concorrência acabem sendo relativizados.

Em seus comentários acerca da intervenção do estado no domínio econômico,

assinala Hely Lopes Meirelles20 que os Estados sociais-liberais, como o nosso, conquanto reconheçam e assegurem a propriedade privada, a liberdade e a livre iniciativa, condicionam o uso destas e o exercício da atividade econômica ao bem-estar social. Para o uso e gozo de bens particulares, o Poder Público impõe normas e limites, e, quando o interesse público o exige, intervém na propriedade privada e na ordem econômica, através de atos de império tendentes a satisfazer as exigências coletivas e a reprimir a conduta anti-social da iniciativa particular. Na ordem econômica, o Estado intervém para coibir excessos da iniciativa privada e evitar que desatenda às suas finalidades, ou para realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social. Essa intervenção, contudo, não se faz arbitrariamente; é instituída por normas gerais na Constituição e regulada por leis federais que disciplinam as medidas interventivas e estabelecem o modo e a forma e sua execução, sempre condicionada ao atendimento do interesse público e ao respeito aos direitos garantidos pela Constituição. Esse condicionamento da liberdade e da propriedade dos administrados aos interesses públicos e sociais é alcançado via poder de polícia estatal. A intervenção estatal, portanto, não destrói a liberdade da exploração econômica, mas proíbe ou regulamenta os usos e abusos que a deturpam, de modo a assegurar os demais direitos constitucionalmente protegidos.

O conteúdo dos princípios da ordem econômica inscritos no art. 170 da CF e a

sua verificação, na realidade, revelam-se basilares para a consecução do valor máximo da ordem econômica: assegurar a todos a existência digna – princípio fundamental do Estado Brasileiro. É de se destacar que os princípios-base da propriedade privada, da função sócio-ambiental da propriedade e da livre iniciativa, desdobram-se também como direitos fundamentais, do mesmo modo que o princípio da defesa do meio ambiente está inserido no direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tais princípios só se podem realizar dentro da conformidade com os preceitos fundamentais da CF se estiverem dentro de uma perspectiva de realização do princípio da dignidade humana.21

20 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 494, 555 e 596. 21 Jacques Alfonsin aduz que a dignidade da pessoa humana é um valor que tem sido afastado de cogitação na interpretação da função social da propriedade, porque ela transpira valores éticos e psicológicos, entre os quais a solidariedade, para a qual o direito de propriedade privada nunca mostrou afinidade. A cultura ocidental acentua e reclama mais a defesa da propriedade privada, a pretexto de que ela é a verdadeira garantia da liberdade (liberdade de iniciativa identificada com liberdade econômica de mercado), do que o acesso de todos a bens indispensáveis à vida como é o caso da terra para moradia. No viés patrimonialista (segurança e liberdade de mercado), cercado de valores histórico-culturais de interpretação do direito de propriedade, predomina a idéia privatista, associando-se a impossibilidade de questionamento do tamanho, da intensidade, do modo de exercício desse poder do proprietário ao fato de ele ter pago pelo direito. O direito de propriedade privada urbano, na forma anti-social como ele é exercido sobre grandes extensões de áreas situadas nas cidades (como se poder de compra equivalesse ao estabelecimento de um poder absoluto), é o principal responsável pela falta de espaço físico para o exercício de direitos humanos fundamentais de não-proprietários, como o da moradia, e é justamente o cumprimento da função social desse direito que tem de ser cobrado. O contingente dos muitos sujeitos da violação da função social da propriedade, por sua condição de

O art. 170 da CF impõe a quem procede à exploração de atividade econômica

o dever de exercer o seu direito de liberdade, livre iniciativa e livre concorrência em conformidade com os interesses sociais; se não o fizer, o seu direito será ilegítimo. Para que se proceda à exploração de atividade ou empreendimento, deve-se respeitar as normas constitucionais e infraconstitucionais. É livre a iniciativa, mas, para isto, deve-se cumprir com as obrigações e restrições administrativas pertinentes à área de atuação. O não-atendimento das normas e princípios pelo explorador da atividade ou empreendimento afasta o pretendido direito líquido e certo de continuá-los sem as providências que forem determinadas pelas autoridades responsáveis.

Na hipótese, por exemplo, de a implementação de um loteamento causar

degradação ambiental ao destruir área de preservação permanente, devem os órgãos competentes exigir a correção dessas externalidades negativas. Não haveria, destarte, violação dos princípios da liberdade, da propriedade, da livre iniciativa ou da livre concorrência, mas sim uma imposição de correção de externalidade negativa visando a assegurar os princípios da dignidade humana e do bem comum, compatibilizando os princípios fundamentais previstos nos arts. 1o, 3o, 5o, 170 e 225 da CF e permitindo a continuação do empreendimento dentro da perspectiva de sustentabilidade do desenvolvimento.

O desenvolvimento econômico, fundado na liberdade e na livre iniciativa, deve

ocorrer tendo como fundamentos a sustentabilidade das cidades, a proteção do meio ambiente, o bem comum e a dignidade humana, respeitando as normas e princípios constitucionais e infraconstitucionais. O Estado, por seu turno, como agente regulador e normatizador de todo o sistema econômico, deve atuar na defesa dos interesses coletivos para promover a dignidade humana e o bem estar social, podendo, para tanto, condicionar e regulamentar o exercício de atividades e empreendimentos particulares que afetem a comunidade, corrigindo as externalidades negativas.

Inspirada nos princípios constitucionais ambientais, a concepção solidária da

propriedade, que se opõe à propriedade individualista, foi incorporada no texto do Novo Código Civil, cujo art. 1228, §1°, determina que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio

pobreza ou miséria, somente consegue garantir o seu direito de morar nas cidades fora dos lugares tido como “legais”. Nesse contexto, a função social do direito de propriedade somente alcança alguma chance de eficácia se a capacidade de gozo (capacidade para ser sujeito de direitos e obrigações) não tiver poder de inviabilizar, com a capacidade de exercício, qualquer possibilidade de espaço para quem não titule propriedade imobiliária. Se o direito adquirido sobre o espaço urbano for “confundido apenas com a fria matrícula do registro de imóveis, nem a Constituição Federal, nem o Estatuto da Cidade e nem o novo Código Civil alcançarão qualquer efeito concreto e prático em favor da diminuição das injustiças sociais que marcam o solo das cidades. Enquanto não se interpretar o direito adquirido como não necessariamente sinônimo de direito conservado, vai-se continuar remando do mesmo e gasto lado do barco, sem sair do lugar. [...] o direito de propriedade privada urbana que descumpre sua função social pode ser questionado não só no plano da sua validade e eficácia, como no próprio plano da sua própria existência”. ALFONSIN, A função social., p.27-36.

ecológico, o patrimônio ecológico, histórico ou artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas, de acordo com o estabelecido em lei especial.

A concretização dessa nova visão sobre a propriedade é sempre dificultada

pelas constantes controvérsias entre o anseio pelo uso (tantas vezes nocivo ou abusivo) da propriedade e a proteção ambiental e concretizá-la efetivamente é, ainda, tarefa em construção.

1.2. Competências constitucionais em matérias urbanística e ambiental Os entes político-federativos possuem um âmbito de competências legislativa e

material em matérias ambiental e de ordenamento urbanístico delineado no texto da Constituição Federal.

Examina-se, primeiro, a competência legislativa. O art. 21 da CF, nos inc. IX e XX, fixa a competência da União para elaborar e

executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico social e para instituir diretrizes22 para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos.

O art. 24, inc. I, por seu turno, fixa a competência da União e dos Estados para

legislarem concorrentemente sobre direito urbanístico (inc. I), conservação da natureza, defesa do solo e recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (inc. VI), proteção do patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (inc. VII), responsabilidade por danos ao meio ambiente (inc. VIII). Nestes casos, a União Federal limitar-se-á ao estabelecimento de normas gerais23 (§1°), cabendo aos Estados exercerem competência suplementar (§2°). Na falta de legislação federal, os Estados têm competência legislativa plena (§3°).

O art. 30 diz que compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse

local (inc. I), suplementar a legislação federal e estadual no que couber (inc. II), promover, também no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (inc. VIII). No art. 182, parágrafos 1° e 2°, ao tratar da política urbana, o texto constitucional impôs aos Municípios com mais de vinte mil habitantes a criação de um plano diretor, com o fim de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos cidadãos.24

22 Essa competência da União foi exercida quando da criação do Estatuto da Cidade (Lei Federal n.° 10.257/01), que delineou as diretrizes a serem adotadas na política urbana, sobretudo nas esferas municipais e estaduais. 23 A respeito do que sejam “normas gerais”, a doutrina tenta identificar-lhe um conteúdo, cujo vetor aponta a seleção de medidas jurídicas que não afetem a autonomia dos demais entes políticos. Em relação às normas gerais urbanísticas, o campo destas seria o delineamento para o desenvolvimento interurbano e intra-urbano. 24 Sobre a questão: FARIAS, Competência federativa... SILVA, Direito urbanístico..., p.56-60. COSTA, Licenças urbanísticas, p. 50-53.

Dessas regras de competência, combinadas, ainda, com o art. 225 da CF, conclui-se que os Municípios somente podem legislar em matéria ambiental e urbanística sobre assuntos de interesse local, atendendo às diretrizes gerais estabelecidas na legislação federal e estadual, podendo estabelecer regras específicas mais rígidas, mas nunca mais liberais que as normas federais e estaduais25. Assim, o respeito aos limites e princípios estabelecidos na Carta Magna e na legislação federal deve ser interpretado como a impossibilidade legal de que os Municípios tornem mais flexíveis os parâmetros estabelecidos no ordenamento federal26. Os Municípios podem e devem legislar em matéria de zoneamento urbano-ambiental, mas jamais para reduzir a proteção já alcançada pela lei federal ou estadual.

Na lição de Paulo José Leite Farias, na dúvida sobre a norma a ser aplicada,

na hipótese de mais de um ente, de diferente hierarquia, legislar sobre o mesmo tema, deve entrar em cena o princípio do in dubio pro ambiente, segundo o qual deve prevalecer a norma que mais proteja o meio ambiente27.

As competências materiais dizem com o poder de polícia dos entes federados

sobre o domínio privado, defluente do princípio da função sócio-ambiental da propriedade. Em sentido amplo, poder de polícia é a atividade do Poder Público (União, Estados e Municípios) consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. Em sentido estrito, abrange os atos normativos do Poder Executivo, as operações materiais de fiscalização e controle, as autorizações, as licenças, as sanções, os embargos ou demolições de obras irregulares ou clandestinas.28

O art. 23 da CF estabelece que a competência material para exercer a polícia

urbanística e ambiental é concorrente entre os três entes da federação – União,

25 Assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Atribuindo a Constituição Federal a competência comum à União, aos Estados e aos Municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, cabe aos Municípios legislar supletivamente sobre proteção ambiental, na esfera do interesse estritamente local. A legislação local, contudo, deve se restringir a atender às características próprias do território em que as questões ambientais, por suas particularidades, não contém com o disciplinamento consignado na lei federal ou estadual. A legislação supletiva, como é cediço, não pode ineficacizar os efeitos da lei que pretende suplementar”. Resp 29.299-6/RS (92.0029188-0). 1a Turma do STJ, Rel. Min. Demócrito Reinaldo. j. 28.09.1994. Também: “Mandado de segurança. Legislação ambiental. Tratando-se de legislação de proteção ao meio ambiente, não pode a lei municipal abrandar exigências da lei federal. Interpretação do art. 2o, da Lei n.° 4.771/65. Recurso improvido”. Ap. n.° 078.471.5/2-00. TJ/SP. Rel. Des. Lineu Peinado. j. 08.06.99. 26 ANTUNES, Direito ambiental, p.254. No mesmo sentido: AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Apontamentos acerca da aplicação do Código Florestal em áreas urbanas e seu reflexo no parcelamento do solo. In: FREITAS, José Carlos de (Coord.). Temas de direito urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2000, p. 287. Também: FREITAS, Vladimir Passos de. Matas ciliares. Disponível em: <http://www.jurinforma.com.br>. Acesso em 14 ago. 2004. Na lição de Paulo José Leite Farias, na dúvida sobre a norma a ser aplicada, na hipótese de mais de um ente, de diferente hierarquia, legislar sobre o mesmo tema, deve entrar em cena o princípio do in dubio pro ambiente, segundo o qual deve prevalecer a norma que mais proteja o meio ambiente. FARIAS, Competência federativa..., p. 430. 27 FARIAS, op. cit., p. 430. 28 Sobre o tema, ver: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Poder de polícia em matéria urbanística. In: FREITAS, José Carlos de (Coord.). Temas de direito urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 1999, v. 1, p.23-40.

Estados-membros e Municípios, cabendo-lhes proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (inc. VI), preservar as florestas, a fauna e a flora (inc. VII), promover a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (inc. IX). Estabelece, ainda, que incumbe aos Municípios promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (inc. VIII).

Existe, assim, um sistema complexo de tutela do meio ambiente – natural e

urbano construído29 –, em que cada Poder Público atua de forma autônoma com vistas à proteção dos interesses que lhe são atribuídos.

2. Da tutela jurídica das Áreas de Preservação Permanente 2.1. A proteção das APPs na Constituição Federal As áreas de preservação permanente estão tuteladas pelo texto constitucional

no art. 225, §1°, que incumbiu ao Poder Público, para assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e promover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas” (inc. I), “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção” (inc. III) e “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (inc. VII).

A Constituição outorgou permissão ao legislador para que definisse o que são

espaços protegidos em todo o território nacional, vedada a utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. A fauna e a flora existente nas áreas de preservação permanente e os processos ecológicos desenvolvidos nesses espaços também estão resguardados pelos inc. I e VII. Com esse amplo espectro de proteção, a Constituição deu carta branca ao legislador para a definição de áreas e espaços territoriais a serem protegidos, do que decorre o entendimento de que o Código Florestal Federal foi recepcionado na sua integralidade pela Carta Magna. E mais: demonstrado fica que referido Código já estava à frente dela, quando elegia algumas áreas como de especial proteção: as áreas de preservação permanente.

2.2. A proteção das APPs no Código Florestal (Lei Federal n.º 4.771/65) 2.2.1. Conceito de APP O conceito de área de preservação permanente está inserido no Código

Florestal Federal em seu art. 1º, § 2º, inciso II, com a redação dada pela MP n.º 29 Compreendidos nesta expressão estão meio ambiente artificial, constituído do espaço urbano construído, o meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turísticos, e o meio ambiente natural, constituído pelo solo, a água, o ar atmosférico, a flora.

2166-67/01: “área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas”.

As funções ecológicas das áreas de preservação permanente, elencadas no

dispositivo mencionado, se projetam nos seguintes benefícios: contenção de enchentes, principalmente em áreas de solos propícios ao processo de erosão; aumento da umidade relativa do ar; amenização da temperatura em climas tropicais e equatoriais; dispersão de poluentes e absorção de ruídos urbanos; funciona como elemento paisagístico na orientação urbana e rural; pode bloquear o vento indesejável em áreas urbanas; barreiras verdes também podem direcionar o vento para locais desejados e, ainda, ajuda na preservação de espécies de pássaros.30

Para ser considerada de preservação permanente, a área não tem que

necessariamente estar em pleno desenvolvimento das funções ambientais previstas no conceito de APP. Todas as áreas localizadas nas margens de cursos d’água, de nascentes, de acumulações naturais ou artificiais de água, no topo de morros e montanhas, encostas, chapadas, tabuleiros, dunas, restingas, etc., por si só, pelo simples efeito de estarem tuteladas por lei federal, são tidas como de preservação permanente, estejam ou não executando suas funções ecológicas, pois estão sujeitas a ações antrópicas momentâneas a serem sanadas.

A localização de tais áreas é o fator determinante para a sua caracterização

como área protegida e não sua atual situação de desestabilidade funcional ocasionada pela intervenção do homem, devendo essas, necessariamente, de acordo com previsão constitucional que envolve a manutenção da função social da propriedade, serem devidamente restauradas.

2.2.2. Espécies de APPs As APPs estão definidas no artigo 2º do Código Florestal Federal, e existem

pelo só efeito desta: “Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: 1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura; 2 - de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros de largura; 3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

30 PINHO, Paulo Maurício. Aspectos ambientais da implantação de ‘vias marginais’ em áreas urbanas de fundos de vale. São Carlos, 1999, 133 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil). Universidade Federal de São Carlos, apud MUSETTI, Rodrigo Andreotti. Da proteção jurídico-ambiental dos recursos hídricos brasileiros. Leme: LED, 2.001, p. 163.

4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; 5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais; c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura; d) no topo de morros, montes, montanhas e serras; e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive; f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação.” As APPs podem, ainda, ser criadas por ato do Poder Público, nos termos do

art. 3º do Código Florestal Federal, quando as florestas e demais formas de vegetação destinarem-se a: a) atenuar a erosão das terras; b) fixar as dunas; c) formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; d) auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares; e) proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico; f) asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção; g) manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas; e, h) assegurar condições de bem-estar público.

2.2.3. As funções ecológicas das APPs definidas no art.2° do Código

Florestal 2.2.3.1. Vegetação ciliar A vegetação ciliar, também conhecida como mata ripária, ou de galeria, está

contemplada nas alíneas “a”, “b” e “c” do art. 2º do Código Florestal31. Chama-se ciliar porque, tal e qual os cílios que protegem os olhos, essa mata resguarda as águas, depurando-as, filtrando-as. Essas matas funcionam como controladoras de uma bacia hidrográfica, regulando os fluxos de água superficiais e subterrâneas, a umidade do solo e a existência de nutrientes. Além de auxiliarem, durante o seu

31 Em paradigmático aresto, o STJ reconheceu a importância da mata ciliar e da reserva legal, caracterizando como propter rem a obrigação do adquirente de área desmatada de revegetá-la. In verbis: RECURSO ESPECIAL. FAIXA CILIAR. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESERVA LEGAL. TERRENO ADQUIRIDO PELO RECORRENTE JÁ DESMATADO.IMPOSSIBILIDADE DE EXPLORAÇÃO ECONÔMICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.OBRIGAÇÃO PROPTER REM. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA. (...)Tanto a faixa ciliar quanto a reserva legal, em qualquer propriedade, incluída a da recorrente, não podem ser objeto de exploração econômica, de maneira que, ainda que se não dê o reflorestamento imediato, referidas zonas não podem servir como pastagens. Não há cogitar, pois, de ausência de nexo causal, visto que aquele que perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por outrem está, ele mesmo, praticando o ilícito. A obrigação de conservação é automaticamente transferida do alienante ao adquirente, independentemente deste último ter responsabilidade pelo dano ambiental. Recurso especial não conhecido (RESP 343741/PR).

crescimento, na absorção e fixação de carbono, os principais objetivos dessas matas são: a)reduzir as perdas do solo e os processos de erosão e, por via reflexa, evitar o assoreamento (arrastamento de partículas do solo) das margens dos corpos hídricos32; b)garantir o aumento da fauna silvestre e aquática, proporcionando refúgio e alimento para esses animais33; c)manter a perenidade das nascentes e fontes; d)evitar o transporte de defensivos agrícolas para os cursos d’água; e)possibilitar o aumento de água e dos lençóis freáticos, para dessedentação humana e animal e para o uso nas diversas atividades de subsistência e econômicas; f)garantir o repovoamento da fauna e maior reprodução da flora; g)controlar a temperatura, propiciando um clima mais ameno; h)valorização da propriedade rural34; i) formar barreiras naturais contra a disseminação de pragas e doenças na agricultura.

Além de funcionar como filtro, protegendo o corpo d’água de fontes poluidoras

localizadas no ambiente terrestre lindeiro, a vegetação marginal é responsável pela criação de micro-ambientes que são essenciais para a manutenção de muitas espécies animais. Diversos grupos de invertebrados e mesmo vertebrados, como os anfíbios, possuem hábitos terrestres quando adultos, mas apresentam formas jovens que dependem de ambientes aquáticos. Uma margem nua, desprovida de vegetação, via de regra não oferece condições adequadas para a manutenção desses animais. Além disso, é sabido que as áreas de margem funcionam como berçários de muitas espécies aquáticas, que encontram

32 GUASSELLI e VERDUN abordam o tema vinculado à função da mata de preservação permanente, afetando o desenvolvimento do setor primário, qual seja, a desertificação pela formação de areais: “a formação dos areais, interpretada a partir de estudos geomorfológicos, associada à dinâmica hídrica e eólica, indica que os areais resultam inicialmente de processos hídricos. Estes, relacionados com uma topografia favorável, permitem, numa primeira fase, a formação de ravinas e voçorocas. Na continuidade do processo, desenvolvem-se por erosão lateral e regressiva, conseqüentemente, alargando suas bordas. Por outro lado, à jusante dessas ravinas e voçorocas, em decorrência de processos de transporte de sedimentos pela água durante episódios de chuvas torrenciais, formam-se depósitos arenosos em forma de leque”. GUASSELLI, Dirce M. Suzete Garaym Laurindo A. VERDUN, Roberto. Atlas da arenização no sudoeste do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Secretaria de Estado da Coordenação e Planejamento, 2001, p. 10. 33 Essas matas formam corredores que contribuem para conservar a biodiversidade (www.sma.sp.gov.br). Rodrigues e Leitão Filho, citando Barrela et al, indicam funções hidrológicas, ecológicas e limnológicas atribuídas às áreas ripárias. No primeiro grupo, estão a de contenção de ribanceiras, a diminuição e filtragem do escoamento superficial, o impedimento e a criação de barreiras para o carreamento de sedimentos para o sistema, a interceptação e absorção da radiação solar (mantendo a estabilidade térmica) e o controle do fluxo e vazão do rio; no segundo, estão a formação de microclima, a constituição de hábitats, áreas de abrigo e de reprodução, a formação de corredores de migração da fauna terrestre e a entrada de suprimento orgânico. No último grupo, destacam a influência nas concentrações dos elementos químicos e do material em suspensão. RODRIGUES, R.R.; LEITÃO FILHO, H.F. Matas Ciliares: Conservação e Recuperação. São Paulo: EDUSP/FAPESP, 2000. p. 196. 34 SOUZA, José Fernando Vidal de. Mata Ciliar. Manual Prático da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente. 2ª edição. São Paulo: IMESP, 1999, p. 173.

nos pequenos nichos localizados entre a vegetação ribeirinha a proteção que necessitam nas primeiras fases da vida.35

2.2.3.2. Vegetação anti-erosiva Nas alíneas “d” a “h”, o artigo 2º do Código Florestal elenca hipóteses de

proteção à flora que recobre espécies de relevo, destinada ao combate da erosão. Conquanto esse Código silencie sobre as faixas de proteção das encostas e elevações, com exceção das altitudes superiores a 1.800 metros, a Resolução do CONAMA n.° 04/85 as define na alínea “b”, inc. IV, VI, X e XI.

Essas coberturas vegetais, especialmente as previstas nas alíneas “d” e “e”,

são por demais importantes na preservação dos morros que aparecem em áreas urbanas. A corroborar tal afirmação basta que se assista aos principais telejornais a cada período de precipitações nas principais cidades brasileiras. Destruição de moradias, lesões patrimoniais e corporais e até mesmo mortes são comuns devido à erosão de morros causadas pelo solapamento da vegetação que os revestia36.

Além disso, a deterioração dessas áreas resulta em danos paisagísticos,

associados à alteração da morfologia das encostas afetadas, e prejuízos ao desenvolvimento do turismo, especialmente do ecoturismo, hoje tão explorado em cidades dotadas de morros recobertos por vegetação.

No meio rural, não são menos importantes as funções dessa vegetação, assim

como não é menos intensa a sua degradação para propiciar a prática da agricultura e da pecuária sobre os topos dos morros e nas encostas. A exploração econômica dessas áreas pode até render dividendos para os seus responsáveis num momento inicial. Mas, considerando os efeitos sinérgicos e de longo prazo verificáveis no meio ambiente, sem a cobertura vegetal, a chuva leva os sedimentos do solo descoberto, acentuando a erosão e o assoreamento de rios, arroios e lagoas. Ademais, essa vegetação também é responsável pela manutenção do microclima de sua área de influência, regulando a vazão dos cursos d’água e garantindo a captação de água para as populações que vivem nessas regiões.

2.2.3.3. Recursos hídricos Impossível desvincular a temática da proteção às áreas de preservação

permanente por definição legal da questão da água e sua importância para o homem e a vida em sociedade. Os sistemas de água, que constituem uma porção 35 Sobre as matas ciliares, ver: FREITAS, Vladimir Passos de. Matas ciliares. Disponível em: <http://www.jurinforma.com.br>. Acesso em: 14 ago. 2004. 36 No Município da baixada Fluminense, Duque de Caxias, há um distrito, denominado Xerém, que a cada chuvarada é tomado de assalto pelo pesadelo dos desmoronamentos das encostas devido à supressão da vegetação que reveste os seus morros. Em matéria de capa, o periódico “Folha de Xerém” insinua que a garoa aumenta o risco de deslizamentos, mas não pode ser classificada como a maior responsável pelos desmoronamentos de morros apresentados em Xerém nos últimos meses. Ao longo da matéria, fica claro que a causa principal é justamente a ocupação desordenada dos morros com a conseqüente retirada da vegetação. (www.guiaxerém.com.br/fx52.pdf).

reduzida no volume total de água do Planeta, já estão sendo colocados em risco37, o que requer uma atuação e uma postura mais amiga do meio ambiente por parte dos governos, empresários e de todos os indivíduos.

As águas que servem ao consumo humano e se destinam a suas atividades

sócio-econômicas são captadas nos rios, lagos, represas e reservas subterrâneas. Além disso, têm importância vital para o equilíbrio dos ecossistemas.

É sabido que das águas existentes em nosso Planeta, 97,5% formam os

oceanos e mares, sendo impróprias ao consumo direto. Os restantes 2,5% são águas doces. Todavia, 68,9% desse volume forma as calotas polares, geleiras e neves permanentes que revestem os cumes das mais altas montanhas do Planeta. Essa água é de difícil e onerosa utilização, considerando os processos tecnológicos e os custos de transporte que seriam necessários para que fosse apropriada pelo ser humano. Os 29,9% restantes constituem as águas subterrâneas. A pequena parcela restante (1,2%) se compõe das águas dos pântanos, umidade dos solos e das águas dos rios e lagos38.Desse levantamento é possível inferir que menos de 1% da água disponível é doce39, portanto, acessível ao consumo humano40.

Conquanto a quantidade de água existente no planeta venha se mantendo

estável, os usos desse bem vêm aumentando, seja pelo aumento da população, seja pela indústria, seja pela irrigação. De acordo com a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO), há probabilidade de que a atividade industrial consuma duas vezes mais água até o ano 2025, se continuarmos no ritmo atual do desenvolvimento econômico (in)sustentável41.

37 Segundo Barlow e Clarke, durante as últimas décadas, pelo menos 35% das espécies de peixes de água doce foram extintas ou estão ameaçadas, assim como sistemas de fauna de água doce desapareceram inteiros. Na América do Norte, por exemplo, os animais de água doce têm cinco vezes mais chance de extinção do que animais que vivem preponderantemente no meio terrestre. BARLOW, Maude; CLARKE, Tony. Ouro Azul. São Paulo: M. Books do Brasil Ltda.,2003, p.32. 38 Idem, p. 7. 39 A Resolução CONAMA n.° 20/86 classifica as águas do território brasileiro, tendo em conta o grau de salinidade, em água doce (salinidade inferior ou igual a 0,5%), salobra (salinidade entre 0,5% e 30%) e salina (salinidade superior a 30%). 40 Conforme destaca Dieter Warchow, no prefácio à obra Ouro Azul, o Brasil possui uma das maiores redes hidrográficas do mundo, além de extensas reservas de águas subterrâneas. A bacia Amazônica, com mais de 7 milhões de quilômetros quadrados, é a maior do planeta, sendo que 3,9 milhões de sua extensão passam pelo território brasileiro. As águas que formam os aqüíferos têm reservas estimadas em 112 bilhões de metros cúbicos. Dessas merece destaque o Aqüífero Guarani, principal reserva de água doce da América do Sul, ocupa uma área de cerca de 1,2 milhão de quilômetros quadrados (área equivalente aos territórios da Espanha, França e Inglaterra juntos). Estimativas apontam que esse aqüífero possa fornecer até 43 bilhões de metros cúbicos de água por ano, o que é suficiente para abastecer uma população de 500 milhões de habitantes. Conclui o autor: Diante deste cenário de números, é possível imaginar que o acesso à água não seja um problema para os brasileiros. Entretanto, esta é uma conclusão precipitada. Antes disso, é preciso levar em conta uma série de outros fatores geográficos, políticos e sociais. BARLOW, Maude; CLARKE, Tony. Ouro Azul, p.XV. 41 BARLOW, Maude. CLARKE, Tony. Ouro Azul, p. 35.

Esse quadro de escassez leva à conclusão de que a água é um recurso natural dotado de valor econômico42.

Embora limitado, o recurso natural água é renovável. Possui um ciclo que

necessita ser mantido de forma racional e equilibrada. Esse ciclo é influenciado por diversos fatores, dentre eles pela vegetação.

A eliminação da vegetação ciliar, das florestas e das áreas alagadas são

importantes causas na piora da qualidade das águas planetárias . Em capítulo denominado Planeta Ameaçado, Barlow e Clarke destacam os

seguintes fatores associados à questão da água e que conduzem a uma situação de crise ambiental de caráter global: resíduos tóxicos, esgotos, produtos químicos, perda de terras úmidas, desmatamento, aquecimento global, espécies invasoras (poluição biológica), superirrigação e agricultura não-sustentável e construção de represas e reservatórios43.

As terras úmidas, nas quais estão abrigadas muitas das nascentes dos rios e

que são consideradas áreas de preservação permanente pela alínea “c” do art. 2º do Código Florestal44, agem como barreiras de controle à erosão, servem de berçários para peixes e anfíbios, além de serem áreas de repouso para aves em rotas migratórias45. Os banhados são ecossistemas de extrema importância, os quais se definem como “áreas alagadas permanente ou temporariamente, conhecidos na maior parte do país como brejos, são também denominados de pântanos, pantanal, charcos, varjões e alagados, entre outros”46.

Na atualidade, já é possível demonstrar cientificamente que um rio que mantém

em suas margens uma boa cobertura vegetal perde menos quantidade de água. A manutenção de uma boa quantidade de água, associada à referida vegetação, evita a formação de sulcos na terra, que crescem e podem formar erosões.

Essas considerações demonstram a imponência do tema que estabelece

estreita comunicação entre as questões da proteção à flora e da proteção aos recursos hídricos.

Nesse sentido, a regra deve ser a preservação. A exceção, a destruição,

somente acatável nos casos de interesse público manifesto e sempre mediante compensações, ouvido o órgão ambiental.

42 Art. 1º da Lei n. 9.433/97 (Lei da Política Nacional dos Recursos Hídricos). 43 BARLOW, Maude; CLARKE, Tony. Ouro Azul, p. 31-60. 44 A título de curiosidade, é importante destacar que o Código Estadual de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, no seu artigo 155, inc. VI, considera os banhados como áreas de preservação permanente. Em que pese a louvável preocupação do legislador, a situação dos banhados no Estado não é diferente do panorama mundial, vale dizer, de áreas de preservação converteram-se em terrenos de degradação. 45 Na América do Norte, por exemplo, as terras úmidas constituem parte essencial do hábitat de 95% de todo o pescado comercialmente obtido no continente e um santuários para mais da metade de suas espécies de pássaro em extinção. De acordo com a Sociedade Audubon, elas são comparáveis às florestas tropicais em biodiversidade. BARLOW, Maude. CLARKE, Tony. Ouro Azul, p. 45. 46 www.bdt.fat.org.br/workshop/costa/banhado.

Ao adquirir uma área contendo mananciais, o investidor fica ciente de sua responsabilidade social, pois ainda que o curso d’água já esteja poluído, até mesmo a montante, sempre há a perspectiva de recuperá-lo. Endutá-lo é condená-lo à morte, suprimindo a perspectiva de gerações presentes e futuras desfrutarem daquela reserva de água doce.

O cenário descrito bem denota a relevância da proteção das áreas de

preservação permanente em um contexto de escassez e de riscos globais. 2.2.4. A proteção legal das APPs abrange somente a cobertura vegetal ou

também as áreas em que estão fixadas? O Código Florestal Federal de 1934 conferia proteção às florestas que por sua

localização, dentre outras funções, conservassem o regime hídrico, evitassem a erosão do solo e protegessem sítios que por sua beleza natural merecessem ser conservados (art. 4º). A proteção era conferida às florestas, porém, indiretamente, pretendia proteger também as áreas onde tais florestas brotavam.

Nas alterações sofridas pelo referido diploma legal, a proteção continuou sendo

conferida, porém, além das florestas, as demais formas de vegetação também foram contempladas expressamente, pelo fato de que nem todos os ecossistemas têm florestas como sua composição principal e sim outras formas de vegetação, como por exemplo, os campos sulinos.

Embora não se falasse expressamente em “áreas” de preservação

permanente, falava-se em florestas e demais formas de vegetação de preservação permanente localizadas nas margens de quaisquer cursos d’água, já objetivando, na verdade, a proteção da própria área.

Com a alteração do Código Florestal Federal pela Medida Provisória n.º 2.166-

67/200147, finalmente a proteção, como deveria ter sido expressada desde o princípio, veio a atingir a área onde se localizam as florestas e demais formas de vegetação, para o que utilizou a expressão “área de preservação permanente”, definindo-a no art. 1º, §2º, inciso II: “área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas.”

O caput do art. 1º do Código Florestal estabelece que “as florestas existentes

no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem”.

47 Esta medida provisória está em vigor por força da Emenda Constitucional n.° 32/2001, que dispôs que as MPs editadas em data anterior à da publicação da emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.

Da proteção contida no diploma legal em questão, nota-se que não são apenas as florestas merecedoras de proteção. São também protegidas as demais formas de vegetação úteis às terras que revestem, bem como as terras propriamente ditas.

As florestas protegem a área em que estão fixadas e que, por sua vez, é

indispensável para a manutenção da vitalidade do curso d’água, ou seja, uma está intimamente ligada à outra. As áreas nuas, com solo exposto, se esvaem tanto pelos efeitos nefastos da erosão, quanto pelo desgaste do solo, pois incapazes de realizar a fixação de água e de sombra, dentre vários outros fatores malévolos incidentes. Por isso é equivocada a interpretação de que a área desprovida de floresta ou de outras formas de vegetação deve ser desconsiderada para fins de preservação. A proteção é conferida à vegetação para proteger, indiretamente, a área sob a qual essa debruça-se e o seu entorno.

2.2.5. Aplicabilidade do Código Florestal às zonas urbanas

A Constituição Federal, em seu art. 225, assegura a todos o direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, não fazendo, para tanto, qualquer distinção entre meio ambiente rural ou urbano (no que se refere à sua localização geográfica), ou entre meio ambiente natural, artificial ou cultural (no que se refere ao seu conteúdo).48

O Código Florestal Federal, por seu turno, dispõe que “as florestas existentes

no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem”, não fazendo qualquer distinção quanto à localização das mencionadas formações vegetais, restando claro, por isso, que as disposições contidas no Código Florestal aplicam-se, via de regra, a todo o território nacional, incluindo zonas rurais e urbanas, indistintamente.49

A discussão quanto à aplicabilidade do Código Florestal às zonas urbanas

centra-se no parágrafo único do art. 2º, que estabelece: “No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.”

50

48 Sobre essa classificação de meio ambiente, vide SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1981, p. 435. 49 Nesse sentido: FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Márcio Silva. Vegetação de preservação permanente e área urbana: uma interpretação do parágrafo único do art. 2° do Código Florestal. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n.2, p.77-90, abr./jun 1996. Também: FREITAS, Matas ciliares. Em sentido contrário, entendendo que o Código Florestal só se aplica às zonas rurais, e que a faixa não edificável de 15 metros prevista na Lei n.° 6.766/79 se aplica às áreas urbanas: AMADEI; AMADEI, Como lotear uma gleba..., p. 403. 50 A pressão política para que se afastem os limites impostos pelo Código Florestal nas áreas urbanas tem sido grande e o argumento mais usado recai sobre o déficit habitacional brasileiro (atualmente em torno de 6,6 milhões, segundo dados do IBGE. O mesmo instituto divulga outro dado que deve ser contraposto:

Não há qualquer dificuldade em reconhecer-se a aplicabilidade do Código

Florestal para as áreas de preservação permanente no topo dos morros, montes, montanhas e serras; nas encostas com declividade superior a 45%; nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; nas bordas dos tabuleiros ou chapadas; em altitude superior a 1800metros; cobertas ou não por vegetação nativa, cuja imodificabilidade deverá ser respeitada. A Resolução do CONAMA n.° 303/2002, no seu art. 3°, regulamentou o art. 2o do Código Florestal no que tange às faixas de proteção dessas encostas, não havendo qualquer conflito aparente com outra norma.

A controvérsia existe em relação aos limites mínimos para a largura das faixas

marginais ao longo dos rios e cursos d’água – que o Código Florestal prevê em 30m a menor delas, para cursos d’água com menos de 10m de largura –, em face das disposições dos arts. 3o, par. único, inc.V, e 4o, inc.III, da Lei n.° 6.766/79 51.

A Lei n.° 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, é de

natureza urbanística: visa à organização (uso e ocupação) do solo. Ao tratar de faixas non aedificandi no art. 4o, inc. III, não pretendeu promover a proteção da biodiversidade, e sim a segurança da população, o que fica evidenciado pelo próprio teor do dispositivo, que também trata das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias. Qualquer construção que fosse autorizada dentro da faixa de 15 metros das margens dos rios, rodovias ou ferrovias, traria risco de vida à população que a utilizasse, daí porque, com propriedade, o legislador estabeleceu tais requisitos urbanísticos para loteamentos52.

existem no Brasil cerca de 4,6 milhões de imóveis vagos, o que evidencia a face injusta da questão habitacional e leva-nos a afirmar que a solução do problema não está na ocupação das áreas de preservação permanente. Edésio Fernandes, tratando da compatibilização entre as agendas Verde e Marrom, enfatiza que tanto o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado quanto o direito à moradia são elementos do direito à vida. FERNANDES, Edésio. Estatuto da Cidade: promovendo o encontro das agendas “verde” e “marrom”. In: LEITE; José Rubens Morato; FERREIRA, Heline Sivini (Org.). Estado de direito ambiental: tendências. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p.317. Em que pese os esforços existentes para arredar o conflito entre o direito à moradia e o direito à preservação ambiental, na prática esse é um dos dilemas que assolam os administradores e demais operadores que lidam com a questão da ocupação da terra urbana. Problema de difícil solução, traduz a macroconflituosidade interna típica dos interesses difusos, dos quais o direito ao ambiente desponta como uma das expressões mais típicas. 51Art. 3° - [...] Parágrafo único – Não será permitido o parcelamento do solo: V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção. Art. 4o – Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos: III – ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínios público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica. A Lei n.° 10.932, de 03/08/2004, deu nova redação ao inc. III do art. 4° da lei n.° 6.766/79, suprimindo a obrigatoriedade das faixas não edificáveis de 15m para cada lado ao longo de dutovias, remetendo a avaliação dessa necessidade ao licenciamento ambiental. 52 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. A propriedade no direito ambiental. Rio de Janeiro: ADCOAS, 2004, p.229.

Já o Código Florestal tem natureza nitidamente de proteção ecológica e, no art. 2o, ‘a’, teve em mira a função ambiental das matas ciliares, a preservação dos recursos hídricos, a estabilidade geológica, o fluxo gênico, com o objetivo maior de assegurar o bem estar das populações presentes e futuras.

Com o advento da Lei n.° 10.257/01 (Estatuto da Cidade), editada pela União

no exercício de sua competência constitucional legislativa, que regulamentou o capítulo da Constituição Federal sobre a política urbana53, a temática ambiental tornou-se obrigatória na fixação das exigências fundamentais de ordenação da cidade.54 Diante das diretrizes para a política urbana estabelecidas no Estatuto da Cidade, não se pode vislumbrar uma aplicação estrita da Lei n.° 6.766/79, sem estar em consonância com a legislação de tutela ao meio ambiente. O parcelamento do solo urbano deve observância não só à Lei n.° 6.766/79, mas também a toda legislação federal e estadual.

José Afonso da Silva, tratando das áreas verdes urbanas, afirma que a política

dos espaços verdes revela-se na proteção da natureza, a serviço da urbanização, com o objetivo de ordenar a coroa florestal em torno das grandes aglomerações, manter os espaços verdes existentes no centro das cidades, criar áreas verdes abertas ao público, preservar áreas verdes entre as habitações – tudo visando a contribuir para o equilíbrio do meio em que vive e trabalha o homem. E conclui que a política dos espaços verdes há de ser estabelecida pelo planos diretores e leis de uso do solo dos Municípios ou regiões metropolitanas, mas no que se refere às áreas de preservação permanente ali existentes, terão que observar os princípios e limites previstos no art. 2o do Código Florestal (leia-se metragens para as áreas de preservação permanente), conforme determinação de seu par. único, acrescentado pela Lei n.° 7.803/8955. Da mesma posição comunga Paulo Affonso Leme Machado56, que, ao discorrer sobre a questão em tela, esposa que o legislador, ao introduzir o parágrafo único do art. 2° do Código Florestal, quis deixar claro que os planos e leis de uso do solo do Município têm que estar em consonância com as normas do mencionado art. 2º, porque a autonomia municipal deve estar entrosada com as normas federais e estaduais protetoras do meio ambiente.57

53 O art. 182 da CF trata das políticas de desenvolvimento urbano e o art. 183 do usucapião especial constitucional. 54 A título exemplificativo, tomem-se as seguintes diretrizes gerais mencionadas no estatuto: suas normas, de ordem pública e interesse social, regulam o uso da propriedade urbana em prol do equilíbrio ambiental (art. 1o, par. único); a política urbana deve garantir o direito a cidades sustentáveis54, que pressupõe o saneamento ambiental (art. 2o, inc. I); o planejamento urbano deve evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente (art. 2o, inc.IV); a política urbana deve promover a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, inclusive o cultural (art. 2o, inc. XII); a política urbana deve ouvir a população nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído (art. 2o, inc. XIII); na regularização fundiária e urbanização de favelas, a política urbana deverá considerar as normas ambientais (art. 2o, inc. XIV); a ordenação do solo das cidades deve coibir o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana, e evitar a poluição e a degradação ambiental (art. 2o, inc. VI, ‘c’ e ‘g’). 55 SILVA, Direito ambiental..., p. 75. 56 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 385-386. 57 Em que pese o Município possuir autonomia para promover o adequado ordenamento territorial (art. 30, inciso VIII, da CF), também incumbe a ele “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer

Ao manifestar-se sobre o tema, Antônio Hermann Benjamin comenta que a

aplicabilidade do Código Florestal em áreas urbanas, na prática, é um dos problemas mais atuais, complexos e relevantes, justificando, que “os municípios, em particular aqueles com elevada pressão imobiliária, turística, industrial, madeireira e agrícola, buscam, a todo custo, afastar os ‘índices’ do Código Florestal para as APPs do art. 2º, substituindo-os por outros, mais flexíveis, estabelecidos em legislação municipal, não raro casuisticamente modificada, ao sabor deste ou daquele empreendimento específico”.58 Outro ponto que muito interessa aos Municípios, segundo Benjamin, é o de excluir do licenciamento ambiental, a presença do Estado e da União, sob o pretexto de que a matéria é de interesse local59.

Considerando as diferentes funções das áreas de preservação permanente no

ambiente urbano60, tem-se que o conceito de desenvolvimento sustentável veio mostrar que só se pode progredir, com qualidade de vida, se preservar-se o meio ambiente para a nossa e para as futuras gerações. Progredir retirando da natureza o desnecessário ou além de sua capacidade não significa que estamos nos desenvolvendo. É por este motivo que o Código Florestal determina que os planos diretores e as leis de uso do solo devem respeitar os princípios e limites referentes às áreas de preservação permanente e do ambiente geral, pois a função primordial da cidade é garantir aos seus integrantes uma vida com

de suas formas” (art. 24, inciso VI), “preservar as florestas, a fauna e a flora” (art. 24, inciso VII, da CF), ‘preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas” (art. 225, §1º, inciso I) e “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (art. 225, §1º, inciso VII). 58 BENJAMIN, Antônio Herman. Código Florestal: a reforma proposta pelo CONAMA e a nova MP n.º 1.956-50. In: 4º Congresso Internacional de Direito Ambiental – Agricultura e Meio Ambiente. São Paulo: IMESP, 2000, p. 405. 59 BENJAMIN, Antônio Herman. Código Florestal: a reforma proposta pelo CONAMA e a nova MP n.º 1.956-50, p. 405. 60 A vegetação no entorno dos cursos d’água – as matas ciliares – exerce importante papel no controle hidrológico, no ciclo e na qualidade da água. Essa vegetação segura a água proveniente da chuva, outra parte escoa sobre o caule e ingressa no solo atingindo as raízes da vegetação, criando no solo canais que permitem que boa parte da água do solo seja absorvida, perenizando rios e nascentes, formando os aqüíferos freáticos e profundos, essenciais para a manutenção dos corpos hídricos. Também funcionam como filtro para as águas da chuva que não foram absorvidas pelo solo, agindo como um filtro de escoamento superficial, impedindo ou dificultando a ação dos agentes poluentes como defensivos agrícolas, sedimentos e resíduos. Impedem erosões das margens, coíbem inundações e enchentes, evitam o assoreamento dos corpos hídricos (com isso garantindo a constância do volume de água que abastece as populações, viabiliza a navegação e a geração de energia e irrigação). A mata ciliar também garante o povoamento da fauna silvestre e aquática, a maior reprodução da flora e o controle da temperatura, proporcionando um clima mais ameno. Sobre a questão: FINK; PEREIRA, Vegetação de preservação..., p.77-90. ARFELLI, Amauri. Áreas verdes e de lazer: considerações para sua compreensão e definição na atividade urbanística de parcelamento do solo. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 33, p. 42-44, jan./mar. 2004. FREITAS, Matas ciliares. BRAGA, Rodrigo Bernardes. Parcelamento do solo urbano: doutrina, legislação e jurisprudência de acordo com o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2004, p. 55. Se considerar-se que a degradação das matas ciliares e a impermeabilização das áreas de várzea constituem talvez os principais geradores de enchentes e inundações nas cidades, chegar-se-á à conclusão de que o descumprimento do disposto no art. 2o, par. único, do Código Florestal, nas áreas urbanas, acarreta um custo social elevadíssimo para os cofres públicos e sacrifícios incomensuráveis para a população atingida. FIGUEIREDO, A propriedade..., 221.

qualidade, e isto só é possível preservando-se o meio ambiente61. Destarte, as políticas de ordenação do solo urbano não podem descuidar da legislação ambiental.

Face ao argumento sustentado por alguns estudiosos no sentido de que o

legislador federal teria remetido às legislações municipais a livre definição das áreas de preservação permanente quando situadas em área urbana62, a nosso ver desprovido de fundamentação, por desconsiderar o regime de repartição de competências constitucionais em matéria ambiental e o relevante papel ecológico desempenhado por tais áreas protegidas, necessário trazer a lume, mais uma vez, a questão das competências constitucionais. O art. 21, inc. XX, da CF, fixa a competência da União para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos. O art. 24, inc. I, por seu turno, fixa a competência da União e dos Estados para legislar concorrentemente sobre direito urbanístico. Já o art. 30 diz que compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local (inc. I), suplementar a legislação federal (inc. II), promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (inc. VIII). Das regras constitucionais de competência, combinadas, ainda, com o art. 225 da CF, conclui-se que os Municípios somente podem legislar em matéria ambiental sobre assuntos de interesse local, atendendo às diretrizes gerais estabelecidas na legislação federal e estadual, podendo estabelecer regras específicas mais rígidas, mas nunca mais liberais que as normas federais e estaduais. Assim, o respeito aos limites e princípios estabelecidos pelo Código Florestal deve ser interpretado como a impossibilidade legal de que os Municípios tornem mais flexíveis os parâmetros estabelecidos na lei federal63. Os Municípios podem e devem legislar em matéria de zoneamento urbano-ambiental, mas jamais para reduzir a proteção já alcançada pela lei federal ou estadual. Se, no exercício da sua competência concorrente e suplementar, resolverem enfrentar o tema das áreas de preservação permanente em meio urbano, não poderão trabalhar com limites e definições menos protetivos que os já eleitos pela Lei Federal n.° 4.771/65, assim como não poderão autorizar empreendimentos que causem danos às áreas de preservação permanente, salvo as hipóteses legais.

Além das diretrizes já expendidas, acrescenta-se que a Lei n.° 7.803/89, que

alterou o Código Florestal e manteve os 30 metros de faixa marginal (instituídos pela Lei n.° 7.511/86), é posterior à Lei n.° 6.766/79, de modo que, observando os preceitos reguladores do direito intertemporal, a doutrina majoritariamente sustenta ter sido derrogado o art. 4o, inc. III, da Lei n.° 6.766/79, no tocante às 61 Nessa linha: MUSETTI, Rodrigo Andreotti. Da proteção jurídico-ambiental dos recursos hídricos. São Paulo: LED, 2001, p. 183-184. 62 Essa a conclusão de MAGRI, Ronald Vitor Romero; BORGES, Ana Lúcia Moreira. Vegetação de preservação permanente e área urbana: uma interpretação do parágrafo único do art. 2° do Código Florestal. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 2, abr./jun. 1996. 63 ANTUNES, Direito ambiental, p.254. No mesmo sentido: AKAOUI, Apontamentos acerca..., p. 287. Também: FREITAS, Matas ciliares. Na lição de Paulo José Leite Farias, na dúvida sobre a norma a ser aplicada, na hipótese de mais de um ente, de diferente hierarquia, legislar sobre o mesmo tema, deve entrar em cena o princípio do in dubio pro ambiente, segundo o qual deve prevalecer a norma que mais proteja o meio ambiente. FARIAS, Competência federativa..., p. 430.

áreas de preservação permanente no entorno dos corpos hídricos, permanecendo a restrição de 15 metros para o entorno das faixas de domínio público estabelecida pela lei do parcelamento do solo64.

Conclui-se, pois, que os planos diretores, as leis de uso do solo e os atos

administrativos (declarações de condição de ocupação do solo, licenças, aprovações de projetos) que autorizem qualquer uso ou ocupação do solo urbano devem adequar-se às restrições impostas pelas normas ambientais, devendo respeitar a metragem de mínima de 30 metros (que pode ser maior, conforme a largura do corpo hídrico) de preservação das áreas situadas ao longo ou ao redor dos corpos hídricos correntes e dormentes (rios, lagos, lagoas, arroios, etc.), aplicando-se, in casu, o Código Florestal (art. 2o, ‘a’ e ‘b’- este regulamentado pela Resolução n.° 303/02 do CONAMA, art. 3o, inc. III). A metragem de 15 metros estabelecida na Lei n.° 6.766/79 servirá para balizar somente a reserva mínima de área non aedificandi ao longo das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias.

Essa conclusão pela incidência das restrições ambientais se dá, acima de tudo,

porque as normas urbanísticas – que visam à organização dos espaços urbanos – não são suficientes para assegurar a sadia qualidade de vida aos moradores das zonas urbanas. A expansão das cidades tem atingido as proximidades das áreas de preservação que são de vital importância para a manutenção do equilíbrio ecológico do meio onde vive a população. Fernando Reverendo Vidal Akaoui assevera que os maiores problemas enfrentados com o parcelamento do solo urbano dizem respeito à intervenção nas margens de curso d’água, uma vez que as cidades passaram a se aproximar de tal forma dos rios, e os loteamentos a abranger estas áreas, que o desrespeito passou a ser uma realidade cotidiana das cidades brasileiras65. Nesse ponto, importante destacar que o grande problema do futuro próximo será a escassez de água, em face da degradação das condições dos corpos hídricos, que, comprometidos em razão da remoção das matas ciliares, do lançamento de poluentes domésticos, industriais e rural-agrícolas, não se prestarão à captação de água para tratamento e consumo humano. Portanto, a restrição consistente na manutenção da faixa non aedificandi de preservação permanente, ao longo de qualquer corpo d’água, que recairá sobre o parcelamento do solo para fins urbanos, é necessária para a preservação do meio ambiente natural e para a qualidade de vida das populações. Assim, o desenvolvimento urbano sustentável das cidades deve, necessariamente, respeitar os limites ecológicos.

O entendimento que prevalece é o de que, em se tratando de APPs do art. 2º

do Código Florestal – matas ciliares, encostas acima de 45 graus, terrenos com altitude superior a 1.800 metros, dentre outros – o regime jurídico municipal é aplicável quando for mais rigoroso que aquele previsto na lei florestal federal. Ou, por outras palavras, os parâmetros do art. 2º do Código Florestal não são simples

64 Nesse sentido: BRAGA, Parcelamento..., p. 54-55. Também: FIGUEIREDO, A propriedade..., p. 218-235. 65 AKAOUI, Fernando reverendo Vidal. Apontamentos acerca da aplicação do Código Florestal em áreas urbanas e seu reflexo no parcelamento do solo. In: FREITAS, José Carlos de (Coord.). Temas de direito urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2000, v.2., p. 286.

referência flexível, singela indicação, mas caracterizam-se como ‘piso mandamental’, aquém do qual nem os Estados, nem os Municípios podem descer.

Ademais, não haveria lógica em se preservar as matas ciliares de rio somente

quando este cruza zona rural. O rio não termina ao ultrapassar os limites da zona rural e chegar à cidade, requerendo a preservação de suas margens em sua totalidade, e não somente quando atravessar zonas rurais, pois o meio ambiente não conhece os limites geográficos inventados pelo homem.

2.2.6. Possibilidade de alteração e/ou supressão de vegetação em APP A proteção em relação às áreas de preservação permanente consiste na sua

imodificabilidade66, existindo restrição ao direito de construir67, não meramente por interesse urbanístico, mas por razões ambientais e de equilíbrio ecológico, como já dito alhures.

A intangibilidade das áreas de preservação permanente não é absoluta,

porquanto o art. 4° do Código Florestal, com a redação dada pela Medida Provisória n.° 2.166-67/2001, prevê que a excepcional possibilidade de supressão de vegetação em áreas de preservação permanente, quando necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social, dizendo que “somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse sócio-econômico, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.”

Há de se salientar que mesmo as áreas de preservação permanente que

estiverem desprovidas de sua cobertura vegetal original devem ser objeto de avaliação pelo órgão ambiental competente quando verificada a intenção de instalação de quaisquer obras, planos, atividades ou projetos nesses espaços, pois, como já dito anteriormente, a legislação protege não só a cobertura vegetal, mas a área em que está (ou estava) assentada, já que a localização é o fator determinante da proteção legal da área, e não o estado de eventual desestabilidade ecológica em que se encontra.

A primeira condição imposta pelo Código Florestal para o licenciamento de

qualquer intervenção pretendida nas APPs é o enquadramento em um dos casos de utilidade pública ou de interesse social.

66 A Resolução CONAMA n.° 369/2006, nos considerandos, diz que as áreas de preservação permanente são caracterizadas pela “intocabilidade e vedação de uso econômico direto”. 67 O art. 1o do Código Florestal dispõe que todas as formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do país, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação estabelece. Assim, o direito de usar e fruir a propriedade pública ou particular – que difere do direito de construir – deve observar as restrições legais quanto à supressão de vegetação e às edificações, estando o direito limitado pela função sócio-ambiental da propriedade e pelo bem estar da coletividade.

As expressões ‘utilidade pública’ e ‘interesse social’ são conceitos indeterminados68 ou vagos, que dependem de interpretação pela Administração Pública, balizada pela finalidade pública e pelo princípio da legalidade. Mas, para os fins de supressão de vegetação nas áreas de preservação permanente, o próprio Código Florestal já define quais as situações de fato que se enquadram em tais conceitos, no art. 1o, §2o, inc. IV e V:

“Art. 1º §2º- Para os efeitos deste Código, entende-se por:(...) IV- Utilidade Pública: a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia; c) demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA. V- Interesse Social: a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA; b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área; e c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA.” A Resolução do CONAMA n.° 369, de 28 de março de 2006, regulamentando o

art. 4° do Código Florestal, dispõe sobre os casos excepcionais que possibilitam ao órgão ambiental competente autorizar a intervenção ou supressão de vegetação em APP para implantação de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social ou para a realização de ações consideradas eventuais e de baixo impacto ambiental:

Art. 2° - (...) I - utilidade pública: a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia; c) as atividades de pesquisa e extração de substâncias minerais, outorgadas pela autoridade competente69, exceto areia, argila, saibro e cascalho; d) a implantação de área verde pública em área urbana70; e) pesquisa arqueológica;

68 Nem todos os conceitos indeterminados estão abrangidos pela discricionariedade, pois nesta estão abrangidos apenas aqueles cuja indeterminação não possa ser determinável, ficando à mercê da determinação subjetiva do administrador. In: RIBEIRO, Lúcio Ronaldo Pereira. Controle dos atos administrativos baseados em conceitos vagos. Disponível em: <http://www.infojus.com.br/area5/lucioronaldo.html>. Acesso em: 17 de agosto de 2004. 69 As exigências para a autorização de intervenção em APP nesta hipótese estão no art. 7°da resolução. 70 Estão definidos no art. 8° os requisitos e condições para a intervenção em APP para implantação de área verde.

f) obras públicas para implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados; e g) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados para projetos privados de aqüicultura, obedecidos os critérios e requisitos previstos nos §§ 1 o e 2 o do art. 11, desta Resolução. II - interesse social: a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, de acordo com o estabelecido pelo órgão ambiental competente; b) o manejo agroflorestal, ambientalmente sustentável, praticado na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterize a cobertura vegetal nativa, ou impeça sua recuperação, e não prejudique a função ecológica da área; c) a regularização fundiária sustentável de área urbana71; d) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente; III - intervenção ou supressão de vegetação eventual e de baixo impacto ambiental, observados os parâmetros desta Resolução. Art. 11. Considera-se intervenção ou supressão de vegetação, eventual e de baixo impacto ambiental, em APP: I - abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pontes e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso de água, ou à retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável praticado na pequena propriedade ou posse rural familiar; II - implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando couber; III - implantação de corredor de acesso de pessoas e animais para obtenção de água; IV - implantação de trilhas para desenvolvimento de ecoturismo; V - construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro; VI - construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em áreas rurais da região amazônica ou do Pantanal, onde o abastecimento de água se de pelo esforço próprio dos moradores; VII - construção e manutenção de cercas de divisa de propriedades; VIII - pesquisa científica, desde que não interfira com as condições ecológicas da área, nem enseje qualquer tipo de exploração econômica direta, respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável; IX - coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, desde que eventual e respeitada a legislação específica a respeito do acesso a recursos genéticos;

71 O art. 9° estabelece os requisitos e condições para a autorização de intervenção ou supressão de vegetação em APP para a regularização fundiária.

X - plantio de espécies nativas produtoras de frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais em áreas alteradas, plantados junto ou de modo misto; XI - outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventual e de baixo impacto ambiental pelo conselho estadual de meio ambiente. Não há livre poder discricionário – baseado em juízo de conveniência e

oportunidade – da Administração Pública para reconhecer as hipóteses de utilidade pública ou interesse social que autorizem a alteração de área de preservação permanente. Há, in casu, o que a doutrina chama de ‘discricionariedade técnica imprópria’, em que a lei usa termos que dependem da manifestação dos órgãos técnicos, cabendo ao administrador, face aos critério técnicos, a adoção de uma única solução juridicamente válida para o caso concreto. A discricionariedade da interpretação da adequação do caso concreto aos conceitos indeterminados está limitada pelos estudos técnicos e pelo princípio da legalidade, que vincula o administrador aos dispositivos legais. Assim, o ato administrativo que declara a utilidade pública ou o interesse social do empreendimento fica sujeito ao controle judicial.

Caracterizada alguma das hipóteses acima, a mesma deverá ser explicitada e

motivada em procedimento administrativo próprio, quando – e aí vem a segunda condição – inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. Assim sendo, devem-se somar os dois fatores: caracterização de caso de utilidade pública ou interesse sócio-econômico e inexistência de alternativa técnica e locacional, sem o que não é possível a supressão.

O § 2º, do art. 4º, do Código Florestal, estabelece, ainda, que “a supressão de

vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico”.

A crítica ao referido dispositivo fica por conta de Antonio Hermann Benjamin72,

ao referir-se à exigência de conselho municipal de meio ambiente com caráter deliberativo, plano diretor e prévia anuência do órgão ambiental estadual: “Esses pressupostos não bastam para abrir as portas do exercício constitucional do licenciamento ambiental ao município, nos passos da moda iniciada pela Resolução CONAMA n.º 237/97, posto que vários tipos de APPs são materialmente federais (margens de rios federais, p. ex.), enquanto que, noutros casos, o impacto de eventual supressão não é, de modo exclusivo, local, e só isso já seria mais que suficiente para, com base nos arts. 23, inciso VII, e 30, incisos I, II e VIII (“no que couber”), da Constituição Federal, impugnar-se a fórmula adotada pelo Substitutivo.”73

72 BENJAMIN, Antônio Hermann. Código Florestal: a Reforma proposta pelo CONAMA e a nova MP n.º 1956-50. Livro de Teses do 4º Congresso Internacional de Direito Ambiental. São Paulo, jun-2000. 73 O Substitutivo a que se refere o autor é o Substitutivo sugerido pelo CONAMA, que é o acolhido atualmente pela Medida Provisória 1956-54, em vigor.

2.2.7. Redução da extensão das APPs nas áreas urbanas ocupadas

Nas áreas urbanas não ocupadas, as áreas de preservação permanente no entorno dos corpos hídricos têm metragem mínima de 30m, não sendo admissível a aceitação da redução deste limite, sequer mediante compensação, para fins de expansão da utilização da área.

Nas áreas urbanas em que houve supressão de vegetação e ocupação da

APP, o questionamento que se faz é acerca da possibilidade de aceitação da redução da metragem da área de preservação permanente, mediante compensação, para fins de regularização fundiária da ocupação existente naquele perímetro.

A Resolução do CONAMA n.° 369/2006 estabelece os requisitos e condições

necessários para que a intervenção ou supressão de vegetação em APP para regularização fundiária em área urbana possa ser autorizada pelo órgão ambiental competente:

Art. 9° - (...) I - ocupações de baixa renda predominantemente residenciais; II - ocupações localizadas em área urbana declarada como Zona Especial de Interesse Social-ZEIS no Plano Diretor ou outra legislação municipal; III - ocupação inserida em área urbana que atenda aos seguintes critérios: a) possuir no mínimo três dos seguintes itens de infra-estrutura urbana implantada: malha viária, captação de águas pluviais, esgotamento sanitário, coleta de resíduos sólidos, rede de abastecimento de água, rede de distribuição de energia; b) apresentar densidade demográfica superior a cinqüenta habitantes por hectare; IV - localização exclusivamente nas seguintes faixas de APP: a) nas margens de cursos de água, e entorno de lagos, lagoas e reservatórios artificiais, conforme incisos I e III, alínea "a", do art. 3° da Resolução CONAMA n.° 303, de 2002, e no inciso I do art. 3° da Resolução CONAMA n.°302, de 2002, devendo ser respeitada faixas mínimas de 15 metros para cursos de água de até 50 metros de largura e faixas mínimas de 50 metros para os demais; b) em topo de morro e montanhas conforme inciso V, do art. 3°, da Resolução CONAMA n.° 303, de 2002, desde que respeitadas as áreas de recarga de aqüíferos, devidamente identificadas como tal por ato do poder público; c) em restingas, conforme alínea "a" do IX, do art. 3° da Resolução CONAMA n° 303, de 2002, respeitada uma faixa de 150 metros a partir da linha de preamar máxima; V - ocupações consolidadas, até 10 de julho de 2001, conforme definido na Lei n.° 10.257, de 10 de julho de 2001, e Medida Provisória n.º 2.220, de 4 de setembro de 2001; VI - apresentação pelo poder público municipal de Plano de Regularização Fundiária Sustentável que contemple, entre outros:

a) levantamento da sub-bacia em que estiver inserida a APP, identificando passivos e fragilidades ambientais, restrições e potencialidades, unidades de conservação, áreas de proteção de mananciais, sejam águas superficiais ou subterrâneas; b) caracterização físico-ambiental, social, cultural, econômica e avaliação dos recursos e riscos ambientais, bem como da ocupação consolidada existente na área; c) especificação dos sistemas de infra-estrutura urbana, saneamento básico, coleta e destinação de resíduos sólidos, outros serviços e equipamentos públicos, áreas verdes com espaços livres e vegetados com espécies nativas, que favoreçam a infiltração de água de chuva e contribuam para a recarga dos aqüíferos; d) indicação das faixas ou áreas que, em função dos condicionantes físicos ambientais, devam resguardar as características típicas da APP, respeitadas as faixas mínimas definidas nas alíneas "a" e "c" do inciso I deste artigo; e) identificação das áreas consideradas de risco de inundações e de movimentos de massa rochosa, tais como, deslizamento, queda e rolamento de blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco; f) medidas necessárias para a preservação, a conservação e a recuperação da APP não passível de regularização nos termos desta Resolução; g) comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental e de habitabilidade dos moradores; h) garantia de acesso livre e gratuito pela população às praias e aos corpos de água; e i) realização de audiência pública. § 1º - O órgão ambiental competente, em decisão motivada, excepcionalmente poderá reduzir as restrições dispostas na alínea "a", do inciso I, deste artigo, em função das características da ocupação, de acordo com normas definidas pelo conselho ambiental competente, estabelecendo critérios específicos, observadas as necessidades de melhorias ambientais para o Plano de Regularização Fundiária Sustentável. § 2º - É vedada a regularização de ocupações que, no Plano de Regularização Fundiária Sustentável, sejam identificadas como localizadas em áreas consideradas de risco de inundações, corrida de lama e de movimentos de massa rochosa e outras definidas como de risco. § 3º - As áreas objeto do Plano de Regularizacão Fundiária Sustentável devem estar previstas na legislação municipal que disciplina o uso e a ocupação do solo como Zonas Especiais de Interesse Social, tendo regime urbanístico específico para habitação popular, nos termos do disposto na Lei n o 10.257, de 2001. § 4º - O Plano de Regularização Fundiária Sustentável deve garantir a implantação de instrumentos de gestão democrática e demais instrumentos para o controle e monitoramento ambiental. § 5º - No Plano de Regularização Fundiária Sustentável deve ser assegurada a não ocupação de APP remanescentes. Essa regulamentação editada pelo CONAMA não significa que, sempre que

preenchidos tais requisitos e condições, deva ser autorizada a regularização fundiária de ocupação em APP.

O exame primeiro das características do ato do órgão ambiental revela que

este tem natureza de autorização administrativa, porque depende de critério de avaliação a ser adotado pelo órgão ambiental competente para sua outorga, podendo ser negado o pedido formulado. Goza de caráter de estabilidade, mas está sujeito a revisão e suspensão em caso de interesse público superveniente e quando houver descumprimento dos requisitos e condições estabelecidos. A natureza jurídica desse ato administrativo do órgão ambiental competente, denominado na Resolução n.° 369/2006 de ‘autorização para intervenção ou supressão de vegetação em APP’ está permeada, assim, entre licença administrativa e autorização administrativa74.

Todos os institutos de Direito Ambiental, entre eles a autorização e o

licenciamento, têm peculiaridades e um caráter sui generis que não permitem enquadrá-los em um instituto exato do Direito Administrativo, do Direito Civil, do Direito Registral, etc. Nessa esteira, impossível reduzir essa autorização de intervenção em APP ao conceito de licença administrativa ou autorização administrativa.75

Quando recebe um pedido de autorização ou licenciamento ambiental, o órgão

competente está vinculado às normas constitucionais de desenvolvimento econômico em compatibilidade com a preservação do ambiente e sua manifestação sobre o pedido não implica discricionariedade administrativa no sentido de conveniência e oportunidade para o Governo, mas sim discricionariedade técnica através de parâmetros técnicos e científicos objetivos. Não há uma atuação livre da Administração, mas o poder de tomar a decisão mais adequada ao fim público que a lei impõe76.

74 Para esclarecer a questão, cumpre diferenciar os atos administrativos de autorização e licença, que pertencem à categoria de atos administrativos negociais. A licença (ex: habite-se) é ato administrativo vinculado, de caráter regulamentativo e definitivo, envolve ‘direitos subjetivos’; uma vez satisfeitos os requisitos legais, não pode a concessão do direito via licença ser negada; uma vez concedida a licença, traz a presunção de definitividade; sua invalidação só pode ocorrer por ilegalidade ou abusividade do ato administrativo. Configura uma anuência da autoridade, quando reconhecido o direito do interessado, depois de verificado que o empreendimento, a atividade ou obra atendeu às condicionantes para sua localização, instalação e operação. Já a autorização (ex: alvará de localização e funcionamento) é ato discricionário e precário, que envolve ‘interesses’ e não gera direitos ao requerente; o Poder Público decide discricionariamente sobre a concessão do pleito do interessado e, por isso, não há direito subjetivo à obtenção ou à continuidade da autorização. Sobre o tema: MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1995, p.160-174. 75 Nesse sentido a lição de Annelise Steigleder, quando trata de licenciamento ambiental: Aspectos controvertidos do licenciamento ambiental. Disponível em: </pesquisas_doutrinas_detalhe.asp?idDocumento=7>. Acesso em: 19 set. 2004. 76 A discricionariedade técnica é um juízo efetuado de acordo com cânones científicos e técnicos, enquanto a discricionariedade administrativa se revela na liberdade de escolha. Na discricionariedade técnica, a decisão do Poder Público é feita com base em pressupostos, estudos ou critérios extraídos de normas técnicas. O interesse primário a prosseguir coloca particulares vínculos e limites também à atividade discricionária da Administração Pública que, perdendo o caráter arbitral, se deve determinar de modo a conseguir a melhor realização do interesse público. No procedimento de licenciamento ambiental, a discricionariedade técnica refere-se a um momento cognitivo e implica juízos e não escolhas, com a particularidade desta operação se desenrolar à luz do interesse público primário (o ambiente) e não de qualquer interesse secundário ou dos particulares. ANTUNES, O procedimento..., p. 234. Sobre a discricionariedade administrativa ambiental, ver mais em: KRELL, Andreas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos

Nessa esteira, nos casos de ocupação de APP urbana devem ser adotados os

critérios da razoabilidade e proporcionalidade, para analisar, caso a caso, com base em estudos técnicos, se é possível e indicada a reversão ao status original da área de preservação permanente, com a restauração de suas funções ecológicas, eventualmente com a necessidade de deslocamento/remoção de edificações do local. O espaço construído não prepondera sobre o ambiente natural, porém são partes integrantes do mesmo contexto do ‘meio ambiente urbano’ e as decisões de caráter urbano-ambientais a serem tomadas precisam avaliar esta universalidade.

Sem olvidar-se que a proteção legal incide não somente sobre a cobertura

vegetal, mas sobre a área propriamente dita, nos casos em que a APP já está densamente construída e ocupada, com todas as interações decorrentes (esgoto, produção de resíduos sólidos, impermeabilização do solo, etc.), há que se analisar se é possível a restauração das funções ecológicas, para então concluir-se pela indicação da desocupação e recuperação da APP ou pela regularização das ocupações, com as necessárias medidas compensatórias, obras de urbanificação e implantação dos equipamentos urbanos faltantes (para evitar novos danos ambientais) e medidas inibitórias de novas ocupações.

Há que se considerar que existem hipóteses em que a realização de obras

para remoção das construções poderia acarretar significativo impacto ambiental, pior que o ocorrido com a ocupação da área. Estas situações devem ser analisadas individualmente, em procedimento administrativo próprio, com laudo técnico que avalie se a ocupação da área urbana é irreversível, se a revitalização da área de preservação é factível, se existe possibilidade de urbanificação da área – sem causar mais impactos – para minimizar a degradação já ocorrida.

Em o laudo técnico indicando que a revitalização da área de preservação

permanente traria benefícios para o equilíbrio ecológico e para a coletividade, a exigência de sua desocupação e recuperação será pertinente. Referido laudo técnico deverá indicar a extensão/metragem (não inferior a 15 metros para cursos de água de até 50 metros de largura e não inferior a 50 metros para os demais corpos hídricos, nos termos do art. 9°, inc. IV, “a”, da Resolução n.° 369/2006) em que será necessária a remoção de edificações para posterior realização das obras para revitalização da APP, de modo que esta tenha restauradas as suas funções ecológicas no meio ambiente. Considerando que se trata de recuperação de área já degradada e que a solução ideal nem sempre é faticamente possível, relevante é que o laudo técnico indique a extensão da área a ser recuperada, de modo que seja o suficiente para que a APP recupere suas funções ecológicas.

A contrario sensu, se o laudo técnico indicar a impertinência da alteração –

considerando especialmente que, inobstante a remoção de edificações, não seria possível a revitalização da área de preservação permanente e a retomada das suas funções no ecossistema –, resta somente a via da compensação ecológica,

conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais: um estudo comparativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

com a troca da área irrecuperavelmente degradada por outra revestida de vegetação do mesmo ecossistema, além de investimentos em urbanificação na própria área degradada (tratamento de esgoto, medidas para conter a impermeabilização, controle de edificações, vedação de expansão da área ocupada, desassoreamento dos cursos d’água, recolhimento e destinação dos resíduos sólidos, etc.), para minimizar os impactos decorrentes da ocupação.

A regularização de áreas irregularmente ocupadas, que não respeitam leis nem

limites físicos, territoriais nem ecológicos, é verdadeiro passivo ambiental que precisa ser enfrentado rompendo-se paradigmas, superando alguns conceitos legais, sem afastar-se, contudo, da sustentabilidade das cidades.

3. Conclusões articuladas

a) As áreas de preservação permanente constituem uma das espécies de espaços protegidos pela Constituição Federal; b) O Código Florestal Brasileiro considera como bens de interesse comum as florestas e demais formas de vegetação úteis às terras que revestem, de modo que a utilização e a exploração irregular dessas áreas configuram uso nocivo da propriedade; c) O Código Florestal é aplicável tanto ao meio rural quanto ao urbano, por força de seu artigo 1º, que não faz distinções, afirmando apenas que as florestas e demais formas de vegetação natural são bens de interesse comum a todos os habitantes do País; d) O respeito às regras constitucionais de competência e aos limites e princípios estabelecidos pelo Código Florestal deve ser interpretado como a impossibilidade legal de que os Estados e Municípios tornem mais flexíveis, em suas leis e políticas de uso do solo, os parâmetros estabelecidos na lei federal para as áreas de preservação permanente; e) As florestas e demais formas de vegetação, assim como as áreas propriamente ditas, quando situadas nos locais apontadas pelo art. 2º do Código Florestal, são consideradas de preservação permanente, pela sua localização estratégica e funções de proteção inclusive do seu entorno; f) As áreas de preservação permanente desprovidas de sua cobertura vegetal característica, seja por evento natural ou por antropização, devem ser devidamente restauradas em atendimento aos princípios constitucionais ambientais e normas infraconstitucionais ambientais de responsabilidade civil e administrativa; g) É equivocado considerar que, para ser tratada como de preservação permanente, a área deva estar em pleno desenvolvimento das funções ambientais previstas no conceito de APP, pois todas as áreas localizadas nas

margens de cursos d’água, de nascentes, de acumulações naturais ou artificiais de água, no topo de morros e montanhas, encostas, chapadas, tabuleiros, dunas, restingas, etc., por definição da Lei Federal, são de preservação permanente, estejam ou não executando aquelas funções ecológicas; h) A localização é o fator determinante para a caracterização como área protegida, e não sua eventual situação de desestabilidade funcional ocasionada pela intervenção do homem; i) O regime jurídico das áreas de preservação permanente é de intangibilidade e imodificabilidade, sendo vedada a realização de quaisquer obras, planos, atividades ou projetos que não aqueles previstos como de utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto ambiental; j) A localização em área urbana não afasta a incidência da proteção jurídica das áreas de preservação permanente, ocorrendo apenas em alguns casos a aceitação da redução da delimitação para fins de regularização fundiária, sem prejuízo da compensação ambiental e da necessária urbanificação, com implantação de equipamentos para ordenamento territorial ambientalmente sustentável, a fim de minimizar os impactos decorrentes da ocupação, evitar novos danos ambientais e obstruir novas ocupações.

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