Argentinos Os Introduc o

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INTRODUÇÃO O mais grandgi dú mundo!” (o maior do mundo!) é a expressão que os argentinos utilizam em portunhol para referir-se, com admiração, sobre qualquer assunto relativo ao país vizinho, o Brasil. “Ah, o BNDES e a Fiesp, o mais grande do mundo”, me disse um alto empresário argentino em 2012, ao indicar inveja por ambas as instituições, sem paralelos na Argentina. A própria presidente Cristina Kirchner, em 2009, durante uma visita do presiden- te Luiz Inácio Lula da Silva, usou esse chavão local para declarar seu fascínio: “acho fantástico o orgulho dos brasileiros, que se referem assim, ‘o mais grande do mundo’! Isso mostra o orgulho que eles têm”. Os candidatos presidenciais Ricardo Alfonsín, Eduardo Duhalde e Hermes Binner também me expressaram sua admiração pelo Brasil durante a campanha de 2011. O Brasil é presença constante na mídia, nas exposições de arte nos museus e galerias portenhas; os shows de músicos brasileiros vendem todas as entradas para um público ávido de ritmos que vão do axé à bossa nova. Nos anos 1990, quando a cantora Joanna estava fora de moda entre os brasileiros, era um sucesso em Buenos Aires, lotando os teatros. Os Paralamas do Sucesso, que tiveram altos e baixos no Brasil, na Argentina nunca deixaram de lotar as casas de apresentação. Uma demonstração disso foi a decisão de fazer o primeiro show depois da recuperação do líder da banda, Herbert Vianna, em Buenos Aires. Até o começo dos anos 1990, o Brasil era encarado como o país das praias, das mulheres bonitas e do Carnaval. Desde a primeira década deste século, o Brasil passou a ser o país das praias, das garotas bonitas, do Carnaval, mas também da maior indus- trialização da América Latina, de uma economia que cresce, de uma classe média que aumenta e de um peso internacional cada vez maior. Desta forma, nos últimos anos, os elogios pronunciados sobre o Brasil na Argentina podem até ser constrangedores de tão enfáticos e adocicados. Acadêmicos brasileiros e argentinos costumam ironizar sobre as relações entre ambos os países com a seguinte frase: “os brasileiros amam detestar a Argentina... e

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INTRODUÇÃO

“O mais grandgi dú mundo!” (o maior do mundo!) é a expressão que os argentinos utilizam em portunhol para referir-se, com admiração, sobre qualquer assunto relativo ao país vizinho, o Brasil. “Ah, o Bndes e a Fiesp, o mais grande do mundo”, me disse um alto empresário argentino em 2012, ao indicar inveja por ambas as instituições, sem paralelos na Argentina.

A própria presidente Cristina Kirchner, em 2009, durante uma visita do presiden-te Luiz Inácio Lula da silva, usou esse chavão local para declarar seu fascínio: “acho fantástico o orgulho dos brasileiros, que se referem assim, ‘o mais grande do mundo’! Isso mostra o orgulho que eles têm”. Os candidatos presidenciais Ricardo Alfonsín, eduardo duhalde e Hermes Binner também me expressaram sua admiração pelo Brasil durante a campanha de 2011.

O Brasil é presença constante na mídia, nas exposições de arte nos museus e galerias portenhas; os shows de músicos brasileiros vendem todas as entradas para um público ávido de ritmos que vão do axé à bossa nova. nos anos 1990, quando a cantora Joanna estava fora de moda entre os brasileiros, era um sucesso em Buenos Aires, lotando os teatros. Os Paralamas do sucesso, que tiveram altos e baixos no Brasil, na Argentina nunca deixaram de lotar as casas de apresentação. Uma demonstração disso foi a decisão de fazer o primeiro show depois da recuperação do líder da banda, Herbert Vianna, em Buenos Aires.

Até o começo dos anos 1990, o Brasil era encarado como o país das praias, das mulheres bonitas e do Carnaval. desde a primeira década deste século, o Brasil passou a ser o país das praias, das garotas bonitas, do Carnaval, mas também da maior indus-trialização da América Latina, de uma economia que cresce, de uma classe média que aumenta e de um peso internacional cada vez maior. desta forma, nos últimos anos, os elogios pronunciados sobre o Brasil na Argentina podem até ser constrangedores de tão enfáticos e adocicados.

Acadêmicos brasileiros e argentinos costumam ironizar sobre as relações entre ambos os países com a seguinte frase: “os brasileiros amam detestar a Argentina... e

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os argentinos odeiam ter que amar tanto o Brasil”. O Brasil é o país que os argentinos mais visitam quando viajam ao exterior; é a terra onde adoram passar férias; sonham residir em suas praias (para isso, o plano típico é o de ter uma pousada ou um barzinho à beira-mar). desde 1979, em média, de 500 mil a 1 milhão de argentinos viajam anualmente ao Brasil.

Os argentinos também tentam e fazem um esforço descomunal para falar “português”: “Oi! Bocê é brasileiru! Pódgi falâ cómigo! Eu goshtu muitu dû Brássiul!”. Isso tudo, acompa-nhado de um peculiar balançar de ombros e quadris, como se nós estivéssemos em plena Marquês de sapucaí 24 horas por dia. “Bocês són um pobo muito mussical!”, acrescentam na sequência. eles nos consideram um povo amável, aberto, de bem com a vida.

Os argentinos só acumulam duas taças mundiais, das quais uma é suspeita de ter sido obtida por meios obscuros (Copa de 1978, durante a ditadura), além de a outra (México, 1986) ter tido a contribuição de um gol com a mão de Maradona. Mas, como prova de que são mais “cosmopolitas” e que a rivalidade futebolística os incomoda menos, os argentinos são capazes de ostentar, com total normalidade, uma camiseta da seleção brasileira no dia a dia, seja para ir ao supermercado, ver um show de rock ou fazer exercício na academia.

O axioma do comentarista esportivo Galvão Bueno, “ganhar é bom, mas ganhar da Argentina é melhor ainda!”, não possui um equivalente em Buenos Aires. Isso me leva a explicar algo que pode ser altamente traumatizante: nós, brasileiros, torcemos sempre contra a seleção da Argentina. seria lógico imaginar que os argentinos sempre vão torcer contra nós, e que vão considerar-nos os principais rivais. Mas não é assim. O principal rival da Argentina é a Inglaterra. Por questões geopolíticas, mais especi-ficamente a Guerra das Malvinas (1982).

nesse contexto, os argentinos, quando o Brasil enfrenta a Inglaterra, sempre torcem a favor do Brasil.

entusiasmados com o que eles denominam de “a alegria brasileira”, os argentinos batizaram de “Carnaval carioca” a parte final das festas de casamento que realizam, com marchinhas de Carnaval brasileiro. Os participantes ostentam colares de flores de papel, bonés de cartolina coloridos e apitos, e atiram serpentinas e confetes.

de quebra, gostam mais de nossos presidentes do que nós mesmos: o ex-presidente Lula era mais popular em Buenos Aires do que no próprio ABC paulista (uma pesquisa de 2005 indicou que contava com 93% da simpatia dos argentinos). O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também era mais respeitado na capital argentina do que no Brasil.

Por outro lado, a relação dos argentinos com seu próprio país é, no mínimo, bipolar, misto de amor e ódio.

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“É surpreendente. este país conta com médicos de Primeiro Mundo, tivemos cinco prêmios nobel, dos quais três da área científica; universidades de bom nível, pioneiros na região em física nuclear”, me disse em 2009 o historiador argentino José Ignácio García Hamilton. na sequência, arrematou: “mas a cultura política é totalmente hispano-americana, acostumada à hegemonia, aos caudilhos, à exaltação dos líderes militares e da pobreza, além da transgressão da lei”.

seu conterrâneo Rosendo Fraga, especialista em cenários políticos, econômicos e geopolíticos, diretor do Centro de estudos nueva Mayoría, também mostra surpresa com o próprio país: “A Argentina é o país de Jorge Luis Borges, o escritor latino-americano de cultura mais universal... mas também é a de diego Armando Maradona, o ídolo transgressor. A Argentina é ambas as coisas ao mesmo tempo!”.

na primeira metade do século xx, Buenos Aires foi chamada pelo escritor francês André Malraux de “capital de um império imaginário”. Pose não faltou à cidade ao longo de décadas. e mesmo após a sequência de graves crises econômicas que teve desde 1975 (uma – rigorosamente – a cada sete anos), a cidade mantém uma intensa vida literária e teatral e é um dos principais centros de produção cinema-tográfica da região.

e nem falemos das constantes crises políticas. desde a volta da democracia, em 1983, só três presidentes (Carlos Menem, néstor Kirchner e Cristina Kirchner) con-seguiram concluir seus mandatos no prazo previsto. entre 20 de dezembro de 2001 e 2 de janeiro de 2002 – apenas 13 dias –, a Argentina teve cinco presidentes.

Vistos geralmente através dos filtros de uma série de clichês e estereótipos, os argentinos e a Argentina costumam pegar os brasileiros de surpresa (e também o res-to do planeta), evidenciando que eles ainda são – apesar da proximidade e da maior integração propiciada pelo Mercosul desde 1991 – um grande mistério.

É a terra do suculento bife de chorizo, do tango de Carlos Gardel e dos dribles de Maradona. Mas é muito mais do que isso. É o país dos barulhentos cacerolazos (pa-nelaços), de uma ácida autoironia (essas piadas que a gente costuma contar no Brasil sobre os argentinos são de autoria, a maior parte das vezes... dos próprios argentinos!).

É também o país de uma burocracia de tal magnitude que teria feito Franz Kafka parecer um escritor sem imaginação. Um país marcado por antagonismos políticos bicentenários e leis sociais de vanguarda. Concentra a maior comunidade judaica da América Latina e também o maior número de grupos neonazistas.

Peculiar, fascinante, irritante, enigmática. essas são algumas das “Argentinas” que este Os Argentinos pretende desvendar.

* * *

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desde o século passado eu tinha um projeto de escrever um livro sobre a Argentina. Mas, faltava um empurrão para que saísse do computador e virasse papel impresso. Isto ocorreu graças ao estímulo enfático de três amigos jornalistas: o grande Alberto dines, o inestimável Bruno Lima Penido e o sempre leal e brilhante Gustavo Chacra.

no entanto, a obra só foi possível graças à colaboração e apoio de várias pessoas: a apaixonante, paciente, dedicada e extremamente trabalhadora Miriam de Paoli, minha mulher, que me apoiou com amor, conselhos imprescindíveis e com horas de sua vida nesta empreitada, o primeiro livro familiar, enquanto ela adiava a preparação do seu próprio, sobre jornalismo institucional.

em parceria produzimos – antes dos respectivos livros – a melhor obra, Victoria, nossa filha, que com seu espetacular bom humor matutino colaborou também com meu entusiasmo para escrever Os argentinos.

À distância, por telefone ou skype, meus pais – Marta e José elias – também me apoiaram para concluí-lo. Aliás, me apoiaram sempre, desde bebê. espero ser pelo menos 50% tão bom pai quanto foram comigo. Agradeço a minha querida irmã Ve-rónica, peça crucial nesta engrenagem da maquinaria familiar que nunca parou. e a meu cunhado Flávio stein, que me deu a cartografia do mundo editorial.

Agradeço também a Aldo santiago Juarez, genial arquivista, que classificou os mais delirantes assuntos para o livro.

e no quesito “apoio relax”, a companhia de Lucrecia e Carlota, minhas duas yorkshires que, deitadas em meu colo, me ajudaram a trabalhar por longas horas.

Meus gracias também estão destinados às amigas e correspondentes Carmen de Carlos (ABC de Madri) e Janaína Figueiredo (O Globo) e ao amigo e jornalista silvio santamarina pelo apoio incondicional. Também às amigas Lorena Pujó, pela colaboração na área histórica, e Maria Fernanda de Andrade, pelo entusiasta respaldo profissional durante 15 anos; ao Valtemir soares Júnior, que além da fiel amizade, nos cedeu suas fotos de Buenos Aires; ao jornal Clarín, pelas imagens da ditadura, e aos Fusco por aquelas de eva e Perón.

Agradeço à estimulante contribuição dos comentaristas de meu blog no Estadão, Os Hermanos, e aos followers no Twitter, que mantêm comigo um suculento diálogo sobre o país. e aos amigos não citados que colaboraram neste projeto.

e, the last but not the least, agradeço aos Pinsky – que pertencem àquela classe de editores com os quais sonha a maioria dos autores – que confiaram que o público brasi-leiro merecia algo mais do que um estereotipado manual do tipo “How to be a porteño”.