ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO - a diáspora guineense em Portugal- Maria João Carreiro (autora) Carlos Sangreman (coordenador) Edição Fundação Portugal – África

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O projecto “Arquitectos de um espaço transnacional lusófono - a diáspora guineense em Portugal” foi executado entre 2009 e 2010

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- a diáspora guineense em Portugal-

Maria João Carreiro(autora)

Carlos Sangreman(coordenador)

Edição Fundação Portugal – África

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- a diáspora guineense em Portugal -

Autora | Maria João Carreiro

Coord. | Carlos Sangreman

ISBN:

Título: Arquitectos de um espaço transnacional lusófono - a diáspora guineense em Portugal –Autora: Maria João CarreiroCoordenador: Carlos SangremanFotografia de capa: Marta Jorge Ilha de Keré, Arquipélago dos Bijagós, Guiné-Bissau, Outubro de 2009Edição: Fundação Portugal ÁfricaOrganização da edição: Centro de Estudos sobre África e do DesenvolvimentoCriação gráfica:Depósito Legal n.º

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À Fundação Portugal África, na pessoa do Dr. Hélder de Oliveira, pelo reconhecimento da pertinência científica e política da migração afri-cana em Portugal, que se traduziu no apoio institucional e financeiro disponibilizado a esta investigação.

Ao Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento (CESA), nome-adamente ao Professor Dr. Carlos Sangreman, pela preciosa, metódica e incansável coordenação científica que orientou todas as etapas do tra-balho.

Ao Dr. Nelson Lopes e ao Dr. Miguel Barros, que assistiram e facilita-ram a componente de investigação no terreno, tanto em Portugal como na Guiné-Bissau e cujo contributo foi inestimável para garantir a quan-tidade e qualidade dos dados obtidos.

A todos os guineenses, tanto em Portugal como na Guiné-Bissau, cuja generosidade em ceder o seu tempo e em partilhar os seus percursos, sonhos e perspectivas, tornou este trabalho possível.

Às pessoas de sempre, pelo encorajamento e apoio inesgotáveis.

AGRADECIMENTOS

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ÍNDICE

PREFÁCIO

INTRODUÇÃO ……………..…………......................................................….. 9

1. ENQUADRAMENTO 1.1 Geral……………………………………………………………… 11 1.2 Especifico ………………………………………………………… 18

2. MIGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO 2.1 Uma Epistemologia Histórica das Migrações ………………….... 21 2.2 Migração e Globalização ………………………………………... 25 2.3 Origens, tipos e modos de incorporação actuais ……………….... 28 2.4 Perspectivas teóricas sobre Migração e Desenvolvimento ……..… 31

3. TRANSNACIONALISMO MIGRANTE ………………………………… 39

4. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO …………………………….. 43

5. A MIGRAÇÃO GUINEENSE ……………………………………………... 51

6. AS DINÂMICAS E OS IMPACTOS DO TRANSNACIONALISMO MIGRANTE DOS GUINEENSES RESIDENTES EM PORTUGAL 6.1 Os resultados obtidos em Portugal ……………………………….. 61 6.2 Pistas de transnacionalismo sócio-cultural ………………………. 66 6.3 Pistas de transnacionalismo económico ………………………..... 83 6.4 Pistas de transnacionalismo político ……………………………… 93 6.5 Os resultados obtidos na Guiné-Bissau ………………………… 102 6.6 Impactos do transnacionalismo sócio-cultural …………………. 105 6.7 Impactos do transnacionalismo económico ……………………. 115 6.8 Impactos do transnacionalismo político ……………………….. 130

7. OS CAMINHOS DA DIÁSPORA GUINEENSE ………………………... 137

8. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ………………………………… 149

9. BIBLIOGRAFIA ……………………………………………………………. 161

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PREFÁCIO

A Fundação Portugal - África prossegue um conjunto de objectivos que,

genericamente, têm em vista preservar a memória da presença secular

de Portugal no Continente Africano e analisar em que em que medida

a correspondente experiência, no que envolve de positivo e de negativo,

pode potenciar formas de cooperação que se traduzam em vantagens,

particularmente, para os habitantes do espaço dos Países de Língua

Portuguesa.

Considerando que a presença portuguesa no mundo não se limitou ao

Continente Africano, a Fundação tem, em várias circunstâncias, alarga-

do o espaço geográfico da sua intervenção, dominantemente de carác-

ter cultural, a outros Continentes.

Tendo em conta os objectivos estatutários que prossegue a FPA tem

levado a cabo um conjunto de projectos que resultam de iniciativas pró-

prias e, simultaneamente, entende prestar o apoio possível a iniciativas

de terceiros que se possam enquadrar naqueles objectivos.

Um dos projectos que tem norteado a acção da Fundação tem a ver

com o estudo e apoio a iniciativas que tendam a identificar a natureza

e o potencial das diásporas dos diversos países que integram o espaço

da Lusofonia.

Como se afirma na introdução ao presente trabalho é hoje reconhecido

que as dinâmicas transnacionais possuem um grande potencial para os pa-

íses de origem e de acolhimento. Para Portugal as ligações estabelecidas pe-

los migrantes africanos com os seus países de origem traduzem-se em uma

importância politica e económica estratégica, tanto no contexto da União

Europeia como no âmbito da CPLP, que interessa conhecer e valorizar.

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O presente trabalho, cuja qualidade nos apraz registar, elaborado por

investigadores do Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimen-

to, enquadra-se no projecto sobre a diáspora africana que a Fundação

está a prosseguir. Dado tratar-se de um trabalho de natureza académi-

ca, em que a liberdade dos métodos de investigação foi escrupulosa-

mente respeitada, as conclusões e as opiniões que nele são registadas

apenas responsabilizam os seus autores.

Espera-se, em breve, dar início a outros trabalhos que, enquadrados

no mesmo projecto, permitam trazer novas luzes, cientificamente fun-

damentadas, aos movimentos migratórios que ocorrem nos Países da

CPLP, em particular, no interior do espaço geográfico descontinuado

em que tais Países se integram.

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INTRODUÇÃO

A presença de Portugal no mundo é resultado de um longo percurso

histórico e traduz-se em inúmeras afinidades sócio-culturais entre por-

tugueses e povos de muitas regiões. A partilha desse património comum

tornou Portugal um destino de eleição para muitos migrantes, que des-

de a década de 60 têm escolhido o país para trabalhar e viver, sendo a

comunidade africana uma das mais substantivas e a que possui o tempo

de instalação mais antigo.

O advento das novas tecnologias e a banalização dos transportes aére-

os tem permitido a esses migrantes africanos manterem-se ligados de

uma forma regular e multiforme – em grande medida inédita – aos seus

países de origem. Essas ligações, que podem materializar-se de formas

diversas e traduzir-se em impactos sociais, culturais, políticos e econó-

micos, têm vindo a ser denominadas de transnacionalismo migrante.

É hoje reconhecido que as dinâmicas transnacionais possuem um gran-

de potencial para o desenvolvimento dos países de origem e de acolhi-

mento, bem como para o reforço das relações entre os países envolvidos.

Para Portugal, o potencial das ligações estabelecidas pelos migrantes

africanos com os seus países de origem possui uma importância política

e económica estratégica, tanto no contexto da União Europeia como no

âmbito da CPLP, que interessa ao país conhecer e valorizar.

A Fundação Portugal África, em parceria com o Centro de Estudos

sobre África e Desenvolvimento, do Instituto Superior de Economia a

Gestão da Universidade Técnica de Lisboa, pretende contribuir para

o debate político e académico nesta matéria. O projecto “Arquitectos

de um Espaço Transnacional Lusófono” investiga as relações transna-

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cionais estabelecidas pelos migrantes oriundos dos Países Africanos de

Língua Oficial Portuguesa (PALOP), propondo, a partir dos resultados

obtidos, medidas e políticas que capitalizem o potencial económico, so-

cial, cultural e político identificado. A primeira deste conjunto de inves-

tigações tratará dos migrantes guineenses em Portugal e das relações

entre estes e a Guiné-Bissau.

Pela sua ligação histórica e multidimensional, Portugal e Guiné-Bissau

configuram já um espaço transnacional consolidado, alimentado por

ligações e fluxos de bens e pessoas que constituem, inequivocamente,

um elemento fundamental do património destes países. No entanto, os

contornos deste espaço e das dinâmicas dos seus actores não se encon-

tram ainda devidamente caracterizados, e consequentemente, as suas

potencialidades nos diversos domínios permanecem aquém das múlti-

plas possibilidades de concretização.

Neste âmbito, a presente investigação tem como objectivo geral con-

tribuir para uma caracterização do espaço transnacional lusófono cria-

do pelos migrantes guineenses, orientada para a elaboração de uma

estratégia futura por parte dos Estados envolvidos, de capitalização do

potencial oferecido pelas suas dimensões culturais, sociais, intelectuais,

políticas e económicas.

São ainda objectivos específicos do projecto, (1) identificar as di-

nâmicas transnacionais, existentes ou potenciais, protagonizadas pelos

migrantes guineenses; (2) reflectir sobre o potencial de desenvolvimento

inerente a essas dinâmicas, nas suas múltiplas dimensões; (3) propor es-

tratégias concretas que permitam capitalizar o potencial identificado e

(4) divulgar, junto das diásporas e Estados envolvidos e outros actores

interessados o conhecimento e estratégias elaborados.

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1. ENQUADRAMENTO1.1 Enquadramento geral

A época em que vivemos é caracterizada por um fluxo de informação,

de bens, de serviços e naturalmente, de pessoas. É a “era das migra-

ções”, e embora os fluxos não tenham aumentado em número relativo

– mantendo-se perto dos 2,9% da população mundial, tal como no final

do séc.XIX (GCIM, 2005) - , a sua composição e orientação tem vindo

a alterar-se em função das mudanças das sociedades, tanto de origem

como de acolhimento. As formas que assume e as causas e consequên-

cias que acarreta materializam-se em grande medida de forma inédita.

Num mundo crescentemente globalizado, e à semelhança do que se ve-

rifica com outro tipo de actores sociais, as comunidades migrantes têm

procurado adaptar-se de forma consonante com as suas características

e necessidades. A natureza e especificidade dos mecanismos desenvol-

vidos pelas comunidades migrantes contemporâneas têm conduzido a

uma acesa discussão na comunidade científica a nível internacional. E,

apesar das muitas divergências, é hoje reconhecido que não é possível

compreender a migração contemporânea sem compreender a força,

influência e impacto dos laços que alguns migrantes mantêm com as

respectivas comunidades de origem (Glick Schiller et al, 2004:1002).

São migrantes que desenvolvem estratégias de vida duplamente anco-

radas. Ainda que parte integrante das suas sociedades de acolhimento,

muitos migrantes entretecem laços que os mantém “presentes, ainda que

ausentes”, nos seus países de origem. Este fenómeno recentemente identi-

ficado é vulgarmente denominado de transnacionalismo migrante.

O transnacionalismo migrante pode materializar-se de diversas formas,

dependendo tanto dos contextos de saída e de acolhimento, como das

características dos próprios migrantes. As remessas constituem a sua

expressão mais antiga – e a mais conhecida – mas o advento dos meios

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de comunicação e de transporte tem permitido o desenvolvimento de

outras modalidades de transnacionalismo que revelam que a ligação

dos migrantes com as respectivas comunidades de origem ultrapassa

largamente o aspecto financeiro das remessas.

Migrantes que desenvolvem dinâmicas empresariais suportadas pelas suas

ligações privilegiadas com os seus países de origem; migrantes que se en-

volvem em campanhas ou iniciativas políticas em prol da democratização

dos seus países ou reivindicando direitos civis para minorias religiosas ou

étnicas; migrantes que apoiam – e muitas vezes revitalizam – tradições cul-

turais ou religiosas; migrantes envolvidos em dinâmicas de migração cir-

cular, frequentemente ao nível das profissões mais qualificadas; migrantes

que apoiam projectos de desenvolvimento, iniciativas de micro-crédito ou

promovem cooperativas para grupos desfavorecidos…

Qualquer uma destas iniciativas revela que “people leave their countries be-

cause of development conditions there, yet they continue to engage with their homelands

at various levels. Such engagement stretches the idea of development beyond territorial

boundaries” (Orozco, 2003:13). A constatação do carácter transnacional

da migração contemporânea enfatizou a ligação indissociável entre a

migração e o desenvolvimento, não só dos países de acolhimento mas

também dos países de origem.

Face a esta evidência, muitos países, bem como algumas organizações

internacionais, têm vindo a ensaiar políticas e iniciativas com vista à ca-

pitalização do potencial de desenvolvimento trazido pela migração. Em

países com um historial de imigração mais antigo, já existe uma refle-

xão teórica e política bastante consolidada sobre a temática. A Holanda

foi o primeiro Estado europeu a desenvolver uma política nesta matéria,

em 1974. O programa REMPLOD (Reintegration of Emigrant Man-

power and Promotion of Local Opportunities for Development) tinha

como principal objectivo testar formas a partir das quais os migrantes

pudessem contribuir para o desenvolvimento dos seus países de origem e

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assim combater as causas da emigração. Foi implementado um programa

que apoiava financeiramente o retorno de migrantes que desenvolvessem

iniciativas empresariais, e em paralelo foram estabelecidos acordos bila-

terais com países emissores, como Marrocos, Tunísia e Jugoslávia para o

desenvolvimento de projectos nos quais os migrantes retornados ocupas-

sem lugares de destaque. O REMPLOD terminou no final da década

de 80, e avaliado como uma iniciativa pouco eficaz, na medida em que

o seu fim último – encorajar o retorno e promover o desenvolvimento na

origem para diminuir a pressão migratória no destino – não foi, de todo,

alcançado. Actualmente, a política do governo holandês centra-se no re-

forço da coerência entre as políticas de migração e as de desenvolvimento

através de diferentes estratégias. Embora continuem a existir mecanismos

de apoio ao retorno, o enfoque é agora colocado na migração circular

entendida como um processo que beneficia, simultaneamente, o país de

origem, de destino e o próprio migrante. Foi criado um órgão consultivo

onde as associações de migrantes são chamadas a opinar sobre as políticas

de migração (particularmente no que diz respeito às questões da integra-

ção), mas também de desenvolvimento. E por fim, foi ainda incentivada

a diminuição do custo de transferência de remessas e encorajada a sua

utilização de uma forma produtiva nos países de origem (De Haas, 2006).

No Reino Unido, o Department for International Development (DFID),

há muito que desenvolve estudos que procuram identificar o impacto

das dinâmicas transnacionais dos migrantes no desenvolvimento dos

seus países de origem. Esse trabalho tem influenciado as políticas bri-

tânicas que assentam sobretudo na facilitação da transferência de re-

messas, entendidas como uma estratégia privilegiada para o combate à

pobreza nos países de origem. O papel das diásporas é claramente reco-

nhecido tendo sido criada, por iniciativa governamental, uma entidade

interlocutora junto das comunidades migrantes, a Connections for De-

velopment. Paralelamente, as actividades promovidas pelas associações

de migrantes em prol do desenvolvimento das respectivas comunidades

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de origem têm recebido um apoio financeiro significativo. A tónica é co-

locada na migração temporária, particularmente facilitada no quadro

dos países da Commonwealth.

Tal como a Holanda e o Reino Unido, também a França tem já uma

longa experiência de políticas que procuram interligar as dinâmicas

transnacionais dos migrantes e o desenvolvimento dos respectivos pa-

íses de origem. As primeiras iniciativas vêm ainda da década de 70,

assentes na promoção do retorno, complementado numa segunda fase

com o apoio à reinserção no país de origem, sobretudo através do apoio

técnico e financeiro a iniciativas empresariais. Em 1997, estes progra-

mas adquiriram um sólido corpo teórico através do trabalho de Samir

Nair e a emergência do conceito de co-desenvolvimento. O co-desen-

volvimento sustenta que os migrantes têm um papel fundamental para

o desenvolvimento dos seus países de origem, que se pode traduzir no

retorno assistido, em dinâmicas de migração temporária ou circular, em

projectos de desenvolvimento de iniciativa de associações de migrantes

ou nas tradicionais remessas. A perspectiva utilitarista dos migrantes

e a subordinação das políticas de cooperação ao controlo dos fluxos

foram as principais críticas levantadas à implementação da teoria do co-

-desenvolvimento. Progressivamente, a política francesa de co-desenvol-

vimento foi redireccionada, tendo como prioridades actuais: (1) facilitar

o envio das remessas e promover o seu uso em actividades produtivas e

(2) mobilizar as elites da diáspora em prol do desenvolvimento dos seus

países de origem. Por fim, por iniciativa do Estado francês foi criada

uma Plataforma de Associações de Migrantes que entre outras activi-

dades funciona como órgão consultivo junto do Alto Conselho para a

Cooperação Internacional e da Comissão da Cooperação para o De-

senvolvimento (De Haas, 2006).

Em países com um perfil de imigração mais recente, como no caso de

Itália ou Espanha, tanto a reflexão como as práticas políticas neste cam-

po encontram-se menos desenvolvidas. No caso italiano, não existe uma

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coerência de políticas ao nível nacional, sendo que as iniciativas existen-

tes são promovidas no quadro regional. Existem algumas actividades

desenvolvidas em parceria entre as autoridades locais e as associações

de migrantes, que incluem a criação de bases de dados, apoio financei-

ro a iniciativas empresariais, a cooperativas agrícolas e a canalização

de remessas para iniciativas de micro-crédito. Em 2005, o Ministério

dos Negócios Estrangeiros italiano criou o projecto “Desenvolvimento

& Circuitos Migratórios: Pesquisa, Trabalho em Rede e Iniciativas Pú-

blicas para Capitalização de Sinergias entre a Gestão das Migrações e

a Cooperação para o Desenvolvimento”. Esta iniciativa assenta em três

estratégias, (1) parcerias transnacionais para o co-desenvolvimento; (2)

migração e bem estar transnacional e (3) gestão sustentável das migra-

ções em África, tendo como ponto de partida a investigação sobre as

dinâmicas transnacionais dos migrantes, a promoção de redes e a infor-

mação e sensibilização da sociedade italiana para a temática.

No caso de Espanha, tal como em Itália, as iniciativas e políticas exis-

tentes encontram-se descentralizadas, sendo as regiões com maior nú-

mero de imigrantes as que apresentam maior dinamismo nesta área.

Alguns projectos têm sido desenvolvidos com ONG, autoridades locais

e associações de migrantes, sobretudo na área de construção de infra-

-estruturas nos países de origem das comunidades envolvidas. Por fim,

também o governo espanhol começa a demonstrar interesse no po-

tencial das dinâmicas transnacionais protagonizadas pelos migrantes:

o mais recente “Plan Director de la Cooperación Española” enfatiza

claramente a relevância da migração circular ou temporária para a me-

lhoria das condições de vida dos países de origem.

Também ao nível das organizações internacionais se verifica uma aten-

ção crescente ao tema. O PNUD foi a organização pioneira ao criar, em

1977, o programa TOKTEN (Transfer of Knowledge through Expatria-

te Nationals), considerado o mais antigo e mais bem sucedido programa

de transferência de competências, que tem por base uma lógica de mi-

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gração circular que não implica um retorno definitivo (De Haas, 2006).

Em cerca de 30 anos, o TOKTEN já colocou mais de 5000 migrantes

em cerca de 49 Países em Vias de Desenvolvimento. Os serviços prestados

são voluntários, em regime de consultoria, não exigindo uma permanên-

cia no país de origem superior a 2 meses. Como aspecto menos positivo

refira-se que a participação dos migrantes neste programa acaba restrin-

gido aqueles cujas situações profissionais e legais lhes permitem ausentar

do país de acolhimento pelo tempo necessário, bem como a disponibili-

dade financeira necessária para trabalhar pro bono.

O percurso da OIM nesta área foi menos linear. Durante mais de 20

anos, a OIM promoveu o Programa AVR (Assisted Voluntary Return),

a partir do qual mais de 3,5 milhões de migrantes regressaram para

cerca de 160 países. Este programa assenta no retorno definitivo e tem

servido principalmente para migrantes em situação irregular. Por isso,

as principais críticas ao AVR centraram-se na sua finalidade primor-

dialmente “reguladora” da imigração ilegal em detrimento da ligação,

aliás inexistente, com as questões de desenvolvimento. Já no virar do

século, a OIM lança o Programa MIDA (Migration for Development in

Africa), que aposta na “potential synergy between the profiles of African migrants

and the demand of countries, by facilitating the transfer of vital skills and resources

of the African diaspora to their countries of origin” (OIM, 2001). Não pressu-

põe o retorno definitivo, enfatizando sobretudo estratégias de retorno

temporário, de meio-termo ou virtual, que não prejudiquem o estatuto

legal do migrante no seu país de acolhimento. Ainda que menos critica-

do, o MIDA tem sido pouco apoiado do ponto de vista financeiro, pelo

que o seu impacto é bastante reduzido.

Já no quadro da União Europeia, têm sido notórias as dificuldades em

harmonizar uma “Política Migratória Comum” relativa a Estados Tercei-

ros, embora a questão permaneça no topo da agenda política da UE há

mais de uma década. Até recentemente, a articulação das questões do de-

senvolvimento com a migração era perspectivada numa lógica de regula-

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ção dos fluxos: “closer economic cooperation, trade expansion, development assistance

and conflict prevention are all means of promoting economic prosperity in the countries

concerned and thereby reducing the underlying causes of migration flows” (Conselho

Europeu, Sevilha, 2002). O objectivo primordial seria o de controlar as

fronteiras, expulsar os migrantes em situação irregular e promover o re-

torno definitivo. Neste âmbito, e claramente inspirada na primeira versão

do co-dévellopement francês, tanto os acordos económicos como as políticas

de cooperação para o desenvolvimento constituíam instrumentos que ti-

nham como fim último a diminuição da pressão migratória. No entan-

to, em 2005, na sua comunicação “Migration and Development: some

concrete orientations”, também a Comissão reconhece a ligação indis-

sociável entre migração e desenvolvimento, ao propor um conjunto de

medidas concretas que procuram articular os dois processos: a facilitação

das remessas, o encorajamento da migração circular e da circulação de

“cérebros”, a diminuição do brain drain e o reconhecimento formal do po-

tencial das diásporas, incluindo a promoção de órgãos representativos das

comunidades migrantes quer junto dos governos dos Estados-Membros,

quer junto das instituições europeias.

Como se verifica, são diversas as reflexões, as políticas e as estratégias

encetadas pelas organizações internacionais e pelos vários Estados-Mem-

bros em matéria de migração e desenvolvimento na medida em que fo-

ram determinadas por culturas políticas, perfis migratórios, relações com

países terceiros e entendimentos do processo distintos. Apesar das diferen-

ças, é possível identificar algumas tendências comuns. A tónica transferiu-

-se progressivamente do retorno, mesmo que assistido, para a migração

circular ou temporária. Há tentativas, mais ou menos interventivas, de

baixar os custos das transferências dos migrantes e de fomentar o seu uso

em actividades produtivas. Multiplicam-se as iniciativas governamentais

para criar e encontrar interlocutores junto das associações de migrantes

para as questões da integração e do desenvolvimento. E, por fim, porque

aumenta o reconhecimento da pertinência científica e política da relação

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entre migração e desenvolvimento, enfatiza-se a necessidade de aprofun-

dar o conhecimento teórico e empírico sobre as dinâmicas transnacionais

promovidas pelos migrantes e sobre a natureza e dimensão dos seus im-

pactos no desenvolvimento dos países de origem.

1.2 Enquadramento Específico

O perfil migratório de Portugal é claramente marcado pelo seu passado

colonial, constituindo por isso um destino de eleição para os imigrantes

oriundos dos PALOP e do Brasil, ainda que esta tendência tenha sido

diversificada pelo recente incremento da migração com origem nos pa-

íses da Europa de Leste. No entanto, Portugal mantém-se ainda e pre-

dominantemente um país de saída.

Possuindo esta dupla vocação, e integrado num espaço comunitário

alargado e na CPLP, são numerosos os desafios mas também as po-

tencialidades com que o país se depara. E embora desde há muito os

migrantes, num e noutro sentido, sejam verdadeiros eixos de ligação

que aproximam Portugal do mundo, o reconhecimento do seu potencial

enquanto actores de desenvolvimento e de reforço das relações entre

Portugal e outros países é bastante recente.

Data de 2005 o reconhecimento formal por parte do Estado Português

do impacto que as dinâmicas transnacionais desenvolvidas pelos mi-

grantes podem ter nos seus países de origem. No documento “Uma

Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa” refere-se que “as

associações de imigrantes são outro actor frequentemente esquecido.

Contudo, trata-se de agentes que em muitos casos, para além de serem

fontes de recolha de dados sobre potencialidades na prossecução des-

tes objectivos, desenvolvem projectos de cooperação para o desenvolvi-

mento com os seus países de origem e que devem ser enquadrados em

estratégias de coordenação. As associações de imigrantes, em particular

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as dos PALOP, são agentes que promovem a capacitação e promoção

económica dos seus países de origem”1.

Também no quadro da CPLP esta temática começou recentemente

a ganhar protagonismo. Na Conferência dos Chefes de Estado e de

Governo dos Países de Língua Oficial Portuguesa que teve lugar em

Bissau, em Julho de 2006, foi considerado que “o papel das diásporas

no processo de desenvolvimento (...) dos países de origem está a ga-

nhar crescente importância política e económica”, e “que a migração

cria possibilidades do desenvolvimento do capital humano nos países

de origem por meio de fluxos de migração circular”, ou ainda “que a

integração nos países de acolhimento deve ser encarada nas suas várias

vertentes (...) e como factor essencial para o envolvimento das diásporas

no desenvolvimento do país de origem”, decidindo-se encorajar “os pa-

íses de origem e de acolhimento a identificar e implementar estratégias

concretas e transversais de envolvimento das suas diásporas nos seus

processos de desenvolvimento”.

Apesar do crescente interesse manifestado pela temática, carece-se de

informação substantiva e contextualizada que permita, antes de mais,

conhecer as modalidades de transnacionalismo desenvolvidas pelos

migrantes que habitam no espaço lusófono. Como refere o actual Se-

cretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação “a fa-

cilidade de comunicações e transportes, que é um dos aspectos mais

significativos da época contemporânea, produz a necessidade de uma

colaboração mais intensa entre todas as partes envolvidas, e uma forte

preocupação com a informação recolhida e a sua análise” 2 onde refere

??. Esse conhecimento deverá assim ser objecto de uma reflexão não só

teórica como também política que suporte o desenvolvimento de me-

didas concretas que permitam potenciar o capital económico e político

1 Uma Visão Estratégica para a coopEração portUgUEsa, Cooperação Portuguesa, Mi-nistério dos Negócios Estrangeiros, 2005, pp.47/48.2 Cravinho, João (2006), “A Lusophone Community, Multinational Alliances, Multiple Belongins, paper apresentado na Conferência Metropolis, Lisboa, 5 de Outubro de 2006

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que Portugal possui, tanto no quadro das relações com a CPLP, como

no contexto da União Europeia.

Um dos instrumentos que se encontra já a ser desenvolvido é um en-

quadramento para a migração circular no espaço da CPLP, que procura

flexibilizar a movimentação de trabalhadores, reconhecido que é o seu

poder de transferência de conhecimentos e capacidades. A preocupação,

por parte do actual Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e

da Cooperação, em articular as políticas de educação e formação com

a nova lei da imigração, é mais um exemplo do amadurecimento que a

questão começa a adquirir no panorama nacional.

O protagonismo da temática foi claramente confirmado ao surgir des-

tacado nas prioridades definidas pelo Governo Português para a Presi-

dência da UE, no 2º semestre de 2007, para a área do Desenvolvimen-

to. Juntamente com a questão dos Estados Frágeis, foi seleccionada a

temática “Migrações e Desenvolvimento”, centrada no “aumento da

coerência das políticas de migração e desenvolvimento”. O objectivo

era “promover uma gestão global eficaz dos fluxos migratórios, abran-

gendo a sua natureza multidimensional – internacional, regional e na-

cional – e maximizar os benefícios potenciais das migrações”. E ain-

da que “será dada particular atenção ao potencial das comunidades

imigrantes para o desenvolvimento dos seus países de origem, tendo

em consideração o papel das diásporas e a necessidade de apoiar uma

capacidade institucional dos fluxos migratórios e de refugiados Sul-Sul,

que afectam especialmente alguns países africanos.”3

Ainda assim, quando comparado com outros países europeus, constata-se que

Portugal ainda tem um longo caminho a percorrer nesta matéria. Mas o cres-

cente enfoque político aliado ao recente desenvolvimento de investigações cien-

tíficas centradas na questão “migração e desenvolvimento”, demonstram que

o país se encontra no momentum ideal para abraçar e para evoluir neste desafio.3 Programa de 18 Meses da Política de Desenvolvimento das Presidências da UE da Alemanha, Portugal e Eslovénia.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

2. MIGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

A história da migração é tão antiga como a da Humanidade. Os primei-

ros espécimes humanos deslocavam-se recorrentemente, em busca de

condições de vida mais favoráveis. O nomadismo – de maior ou menor

escala e periodicidade - foi o garante de sobrevivência da espécie por

muitos séculos. E mesmo os novos estilos de vida trazidos pela revolução

agrícola e pelo sedentarismo que esta permitiu não impediram que as

populações se continuassem a deslocar até hoje.

Milhares de anos passados e muito pouco mudou. Hoje, como dantes,

as pessoas deslocam-se em permanência. De diferentes naturezas, mo-

tivações, origens, destinos e graus de voluntarismo, as migrações são,

inquestionavelmente, companheiras de jornada no trilho da História

da Humanidade. E ainda que diferentes regiões do planeta tenham sido

afectadas de forma distinta pelos movimentos migratórios, um facto é

inquestionável: nenhuma ficou de fora.

2.1 Uma epistemologia histórica das migrações

Ainda que sempre tenham tido representatividade e impacto, as migra-

ções nas suas diferentes versões, só adquiriram protagonismo político e

“corpo” nas ciências sociais a partir de meados do séc. XIX. Essa época

é um marco fundamental para as migrações, não porque seja um mo-

mento de viragem nas dinâmicas migratórias propriamente ditas, mas

sim porque nele se inscreve um outro processo, que hoje percebemos

como estrutural para a percepção e estruturação dos fenómenos migra-

tórios desde então e até aos dias de hoje: o nascimento, institucionaliza-

ção e difusão do modelo de Estado-Nação.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

O período que medeia entre 1870 e a Iª Guerra Mundial foi, segundo

Wimmer e Glick Schiller (2003:586), “a time that was simultaneously one of

nation state building and of intense globalization”. A consolidação e difusão da

revolução industrial criaram uma prosperidade económica sem prece-

dentes, à qual a recém criada classe trabalhadora respondia segundo as

leis de mercado: deslocando-se para onde havia deficit de mão-de-obra.

A percepção dos processos migratórios nesta fase torna-se clara quando

se analisa a primeira abordagem sistemática no estudo das migrações,

realizada por Ravenstein, em 1889. O autor não distingue, para fins

analíticos, entre migrações internas e migrações internacionais. Na ver-

dade, ambas são perspectivadas como sendo o mesmo fenómeno, regi-

do pela mesma dinâmica e orientação: das regiões mais pobres para as

mais ricas; dos meios rurais para os urbanos (Ravenstein, 1889:286)1.

A génese do Estado-Nação, exactamente neste contexto, “would dramati-

cally affect migration and alter the way in which social scientists thought about migra-

tion” (Wimmer e Glick Schiller, 2003:587). É o nascimento das migrações

internacionais tal como as entendemos hoje. E com elas, finda o princípio

“cívico” de cidadania, gerado no Iluminismo e materializado nas Revo-

luções Americana, Francesa e Haitiana, em que se considerava como ci-

dadão todo aquele que partilhava os mesmos direitos e obrigações num

determinado território. O Estado-Nação traz consigo o princípio “étni-

co” e/ou “racial” da cidadania, e a pertença cidadã surge alicerçada na

partilha de uma origem, de uma história e de um território comuns.

À medida que se confirma a transição da lógica cívica para a lógica na-

cionalista da cidadania, a par e passo com a consolidação da ideia base

do Estado-Nação – um território, um povo, uma cultura – a percepção

da migração começa a ganhar novos contornos. Embora continue sem

restrições no dealbar do século XX, a migração começa a ser entendida

como um desafio à lógica de unicidade e homogeneidade que se dese-

1 Ravenstein, E.G. (1889), “The Laws of Migration”. Second Paper, JoUrnal of rE-gional statistical sociEty, 52 (2), pp.241:30

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

nhou nesse novo entendimento do mundo, dividido em múltiplos povos,

compartimentados em Estados-Nação.

A Iª Guerra Mundial pôs fim a esse período de intensa circulação de

pessoas. O mundo de 1918, devastado económica e demograficamente,

via surgir novos Estados-Nação, fechava vigorosamente as suas fron-

teiras, e afirmava de forma cada vez mais intransigente as afiliações

nacionais. O sucesso da Revolução Russa, a Grande Depressão e a as-

cendência de regimes totalitários na Europa confirmaram a plausibi-

lidade da unidade nacional, que se afirmava contra o estrangeiro, o

“outro” ameaçador. Surgem os sistemas de controlo formal de frontei-

ras, são criados os vistos de entrada e os passaportes – surgindo assim,

formalmente, a figura do imigrante irregular. Wimmer e Glick Schiller

(2003) consideram que o período iniciado na Iª Guerra Mundial e que

se arrastou até ao dealbar da Guerra Fria, confirmou o Estado-Nação

como unidade de referência central, inclusive para as ciências sociais,

e encontra o seu corolário, no que diz respeito à migração, na teoria

produzida pela Escola de Chicago: “they established a view of each territorialy

based state as having its own, stable population, contrasting them to migrants who

were portrayed as marginal men living in a liminal state, uprooted in one society and

transplanted into another” (2003:591). É também este o contexto em que se

desenvolvem as primeiras teorias assimilacionistas. A migração é agora

vista como uma ameaça à harmonia e à homogeneidade social, cultural

e política inerente à unidade naturalizada que é agora o Estado-Nação.

E, por fim, “even the fact that there had been a period of free labour migration (…)

was soon forgotten” (idem, 2003:592).

A Guerra Fria contextualiza uma terceira fase na epistemologia históri-

ca das migrações. Esta fase compreende não só a consolidação dos mo-

delos de Estado-Providência na Europa, mas também a consolidação

de blocos ideológicos, o que agudizou os controlos de fronteiras. Nesse

mundo bipolar, a migração tornou-se ainda mais problemática, pois “to

cross the Iron Curtain, one had to be a political refugee” (Wimmer e Glick Schil-

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

ler, 2003:593). Mesmo os países que necessitavam fortemente de mão-

-de-obra viravam-se para as suas antigas colónias, para outros países

europeus, ou no caso dos Estados Unidos, para os seus países limítrofes.

È criada e banalizada a figura do “trabalhador-convidado”. Esta noção,

com a inerente alienação do migrante como ser também cultural, social

e político, demonstra claramente a consolidação de uma estratégia que

permitia satisfazer “the needs of industry while minimizing the challenge to the

concept if not the practice of national closure, naturalized and normalized by social

science” (Wimmer e Glick Schiller, 2003:593).

Os movimentos sociais que puseram fim à segregação racial nos Esta-

dos Unidos marcam o fim de uma era e tiveram também ecos do outro

lado do Atlântico. Juntamente com as crises petrolíferas do início da

década de 70 indiciam o início de um novo período, caracterizado pelo

final da Guerra Fria e por uma intensa globalização, sem precedentes

na História, com os consequentes impactos nas dinâmicas migratórias.

Hoje, as migrações colocam problemas e desafios de uma complexi-

dade e amplitude sem precedentes. À medida que se afirma a retórica

do Estado-Nação – mesmo com a consolidação de instituições supra-

-nacionais, como a União Europeia ou talvez por isso mesmo – insti-

tuem-se os movimentos anti-migração, que dão respostas simplistas a

problemas que se foram tornando estruturais nas sociedades desenvolvi-

das. Assim, em paralelo com políticas de migração “zero”, com a inter-

rupção abrupta dos programas de “trabalhadores-convidados” e com o

discurso da racionalização e gestão dos fluxos, persiste a incontornável

necessidade de mão-de-obra, quer qualificada, quer indiferenciada, nos

países desenvolvidos, e, acima de tudo, acentuam-se as desigualdades

no acesso a oportunidades e na qualidade de vida – o eterno motor dos

processos de migração.

Em 2005, os processos migratórios envolviam directamente 200 milhões

de pessoas, correspondendo a 2,9% da população mundial (GCIM,

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

2005:80). Em termos percentuais, este valor não difere do que se ve-

rificava no início do séc. XX. Assim sendo, embora “the public interest in

migration in the early 1990s represented a shift in perception rather than in the real

significance of the phenomenon” (Castles, 2000:1144), o que há de novo nas

migrações contemporâneas, que levou autores como Castles e Miller

(2003) a designar o mundo contemporâneo de “era das migrações”?

Acima de tudo, mais do que uma mudança no processo, houve sobre-

tudo uma mudança de contexto. E esse novo contexto, cujos contornos

ainda se estão a definir e cujas implicações só agora se começam a tor-

nar perceptíveis, é de forma generalizada designado por globalização.

2.2. Migração e Globalização

Mesmo os defensores das teorias de Wallerstein concordarão que talvez

antes o mundo tenha sido atravessado por processos de globalização,

mas nunca de forma tão profunda e tão velozmente como agora. E nun-

ca, em épocas anteriores, foi esse processo de mudança tão transversal

como é hoje. “There is a general consensus that contemporary globalization proces-

ses seem more potent in their degree of penetration into the rhythms of daily life around

the world” (Held et al, 1999). Portanto, embora não seja novo enquanto

fenómeno, o processo de intensa globalização que o mundo atravessa

desde o início da década de 70, consubstancia um novo contexto que

resulta, mas que é simultaneamente causador, das migrações actuais.

Como nota Castles, a interconexão entre globalização e migração é

tão veemente “that it makes it vital to understand the causes and characteristics of

international migration as well as the processes of settlement and societal change that

arise from it” (2002:1144).

O conceito de globalização pode ser definido de uma forma bastante

simplista como a “proliferation of cross-border flows and transnational networks”

(Castles, 2002:1143). No entanto, como faz notar o mesmo autor “glo-

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

balization is not just an economic phenomenon: flows of capital, goods and services

cannot take place without parallel flows of ideas, cultural products and people” (Cas-

tles, 2002:1146). A migração é portanto, um elemento sistémico desta

equação, tal como sempre foi. Fases de intensa globalização decorre-

ram sempre em paralelo com grandes movimentações de populações.

E assim sendo, tal como a migração também a globalização questiona

profundamente alguns dos aspectos estruturantes do Estado-Nação,

uma vez que implica uma mudança na lógica de compreensão do mun-

do, “from a space of places to a space of flows” (Castells, 1996:Ch.6).

A forma como as migrações contemporâneas se articulam com o con-

texto de globalização actual pode ser explicada em larga medida a par-

tir dos elementos que a consubstanciam: os avanços tecnológicos nos

meios de comunicação e nos transportes, que os tornam acessíveis, rá-

pidos e/ou imediatos; a liberalização e autonomização do capital, que

agora transcende a esfera de acção do Estado-Nação e a consequente

desterritorialização dos meios de produção; a ascensão dos mass media

como “quinto poder” e a penetração de modelos de vida alternativos

nas sociedades a uma velocidade e com uma intensidade sem prece-

dentes; o desenvolvimento de organismos e de movimentos mundiais

– materializando a constatação de que num mundo tão interconectado

como este, problemas e soluções têm, uns e outros, uma dimensão pla-

netária… para referir apenas os mais imediatos.

Neste contexto, as migrações actuais:

1. Tendem a aumentar em número absoluto não só porque as dis-

paridades a nível económico e social entre países pobres e ricos

permanecem, mas também porque os fluxos de comunicações o

incentivam e porque a penetração de diferentes estilos de vida cria

novas expectativas junto das populações;

2. São também Sul - Norte, embora a maioria continue a ser Sul - Sul2

2 A este respeito ver Bakewell e de Haas (2007)

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

3. Adquirem novas lógicas, que transcendem a dicotomia do retorno

vs migração definitiva, uma vez que os desenvolvimentos nos trans-

portes incentivam migrações temporárias, circulares e repetidas

(Castles, 2002: 1146);

4. Podem ser experienciadas de uma forma inédita, sendo crescente o

número de migrantes que estrutura a sua vida em articulação com

familiares e/ou eventos em dois ou mais países (Castles, 2002:1146);

5. São impossíveis de gerir de uma forma unilateral, antes exigindo a

concertação entre os diversos actores envolvidos: Estados de origem

e de destino, mas também de trânsito; sociedades civis e governos

nuns e noutros; as próprias comunidades migrantes;

6. São influenciadas quer por acontecimentos globais (criação ou dis-

solução de blocos políticos ou regionais, crises financeiras, conflitos

e terrorismo) quer por entidades de natureza internacional, como as

grandes empresas ou as organizações internacionais (FMI, ONGD,

Banco Mundial, …);

7. Renovam os desafios às lógicas de integração, assimilação ou de

multiculturalismo, por um lado; mas também de capital humano,

gestão de remessas ou dinâmicas familiares, por outro…ou, em

suma, aos processos de Desenvolvimento;

8. Têm impacto a nível global – os processos migratórios afectam

não só sociedades de acolhimento e de destino, mas num mundo

interconectado, afectam os países limítrofes, os países em trânsito,

os países com quem existem relações; e são transversais a todos os

domínios das sociedades;

9. Influenciam outras áreas de política, determinam acordos entre Es-

tados, lógicas de Cooperação para o Desenvolvimento, estratégias

de política externa, …;

10. Interpelam as democracias ocidentais e o seu sentido Humanista,

enfatizando as responsabilidades colectivas, à semelhança de ques-

tões como o Ambiente ou o Nuclear.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Espelho e condutor das sociedades em que se inscrevem, as ciências

sociais não permaneceram indiferentes às mudanças, oportunidades e

ameaças trazidas pelo actual processo de globalização. Passada uma

vaga inicial que preconizava a globalização como o fim do Estado-

-Nação (Soysal, 1994) e que contrastava este mundo globalizado como

algo de híbrido e complexo por oposição à homogeneidade cultural do

antigamente (Wimmer e Glick Schiller, 2003), começam a cristalizar-

-se algumas ideias-chave. Estabiliza-se a ideia de que os Estados-Nação

continuam a ser actores fundamentais no mundo actual, ainda que tres-

passados por dinâmicas transfronteiriças; reconhece-se a coexistência

da multiplicidade de lealdades e de identidades pluri-referenciadas dos

migrantes que não são forçosamente, mutuamente excludentes; e reco-

nhece-se a necessidade de quadros conceptuais mais alargados para a

compreensão de fenómenos com causas e consequências crescentemen-

te mais complexas.

2.3. Origens, tipos e modos de incorporação actuais

Tal como discutido no ponto anterior, é evidente que a intensidade

e direcção dos movimentos migratórios não podem ser dissociadas do

sistema mundial económico e político que influencia a vida de todos os

indivíduos. Decisões tomadas por governos, por agências de desenvol-

vimento ou por organizações internacionais determinam a vida de pes-

soas a milhares de quilómetros de distância – quer falemos de subsídios

à agricultura, de investimentos económicos, da criação de empresas ou

da protecção de direitos humanos.

Os três tipos de migração tradicional continuam a ser esmagadora-

mente representativos: a migração económica altamente qualificada,

a migração económica indiferenciada e os movimentos de refugiados,

também denominados de migração forçada (Castles, 2002). Destes, de-

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

correm também os processos de reunificação familiar. Embora estes

sejam os tipos clássicos de migração, hoje em dia esta categorização

é sobretudo um exercício teórico, uma vez que as condições actuais

fazem com que “all forms of migration have become closely linked and interde-

pendent. Officialy encouraged flows tend to stimulate irregular movements. Permanent

and temporary migration cannot be separated and tend to stimulate each other” (Cas-

tles, 2002:1153).

Igualmente desafiantes, os modos de incorporação actuais são distin-

guíveis do ponto de vista teórico, mas bastante opacos na maior parte

dos casos, na prática. Entre as diversas tipologias possíveis, a de Castles

(2002), considera três tipos: a assimilação; a exclusão diferencial (ou in-

tegração parcial) e o multiculturalismo.

Enquanto teoria, a assimilação encontra as suas primeiras formulações

conceptuais na Escola de Chicago na década de 40, pressupondo uma

natural “diluição” dos migrantes na sociedade de acolhimento ao longo

do tempo. O grau de assimilação dos migrantes decorria da relação

de proximidade da sua raça (race) com a do país de acolhimento (Park,

1950). Hoje, “assimilation means encouraging immigrants to learn the national

language and to fully adopt the social and cultural practices of the receiving country.

This involves a transfer of allegiance from the place of birth to the new country and

the adoption of a new national identity” (Castles, 2002: 1155).

Um outro modo de incorporação é a exclusão diferencial, também deno-

minada de integração parcial. Segundo esta perspectiva, o migrante deve

integrar-se numa parte, mas não em todas as dimensões da sociedade de

acolhimento, e tendencialmente de uma forma temporária: “It means that

migrants are integrated temporarily into certain societal sub-systems such as the labour

market and limited welfare entitlements, but excluded from others such as political par-

ticipation” (Castles, 2002:1155). É o modelo subjacente aos programas de

trabalhadores convidados na Europa do pós IIª Guerra Mundial, à lógica

de gestão de fluxos migratórios através de quotas e é também a aborda-

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

gem que justifica que os migrantes não tenham acesso a determinados

direitos, como por exemplo o exercício do voto.

O terceiro modo de incorporação definido pelo autor é o de multicul-

turalismo ou pluralismo étnico. Surgiu na década de 70, na sequência

do fracasso dos esforços de assimilação e das consequências inesperadas

dos programas de trabalhadores convidados, que tendiam ao sedenta-

rismo e ao reagrupamento familiar. O multiculturalismo “implies abando-

ning the myth of homogenous and mono-cultural nation-states. It means recognizing

rights to cultural maintenance and community formation, and linking these to social

equality and protection from discrimination” (Castles, 2002:1156).

Os três modos de incorporação enunciados têm em comum a ideia de

que a migração não deverá acarretar mudanças significativas no teci-

do sociocultural das sociedades de acolhimento, tendo assim implícita

uma perspectiva unilateral da integração dos migrantes. E embora na

prática as migrações tenham impactos substanciais ao nível demográ-

fico, económico, político, social e cultural, há uma certa resistência em

reconhecer o potencial de evolução resultante. Por esta razão, mesmo

o modelo do multiculturalismo alicerça-se na coexistência pacífica das

diferenças socioculturais entre as comunidades em presença, mas não

na sua interacção ou síntese. Outros modos de incorporação mais so-

fisticados, como a interculturalidade3, estão longe de ser comuns, quer

nos discursos quer nas práticas, embora haja já algumas tendências re-

levantes nesse sentido, oriundas em particular do Conselho da Europa.

3 Propondo-se como definição de interculturalidade: “o reconhecimento das di-ferenças, promoção e integração dos diversos actores. Não se trata de uma assi-milação ou de um abandono de valores de um grupo a favor de outro, mas de uma dinâmica de confrontação e de síntese. Assim, as identificações num contexto de interculturalidade não conduzem a uma sobreposição de identidades étnicas mas à negociação de múltiplas afinidades e oposições, de proximidade e de distância, para constituírem uma nova realidade portadora de identidade”, in Dictionaire de l’alterité et des relations multiculturelles.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

2.4 Perspectivas teóricas sobre Migração e Desenvolvimento

O discurso produzido em torno do binómio migração e desenvolvimen-

to quer na academia quer na política, tem sido até à data maioritaria-

mente pautado por uma lógica economicista e centrado na perspectiva

do país de acolhimento. Assim sendo, quando se procura reflectir sobre

a ligação entre migração e desenvolvimento de uma forma integrada e

contemplando os vários actores do processo, deparamo-nos com uma

surpreendente ausência quer de dados credíveis, quer de um modelo

que relacione as várias dimensões da migração com o desenvolvimento,

como notou o DFID (2004) “it was noticeable that several experts witnesses

(...) were unable to provide an evidence based answers to what one would think were

basic questions” (DFID, 2004: 25).

Porém, se nos cingirmos à dimensão estritamente económica dos proces-

sos de desenvolvimento, é possível avançar com alguns dados estatísticos.

Por exemplo, os fluxos globais anuais de Ajuda Pública ao Desenvolvi-

mento rondam os 63 US$ biliões por ano. Segundo as estimativas das

Nações Unidas, os Objectivos do Milénio poderiam ser alcançados se este

valor atingisse os 100 US$ biliões por ano. Uma ligeira flexibilização das

normas de deslocação de pessoas, aumentando a proporção de migrantes

para os 3% nos países desenvolvidos, geraria ganhos globais na ordem

dos 150 US$ biliões. Se considerarmos ainda as remessas, os montantes

enviados pelos migrantes por canais oficiais rondam os 93 US$ por ano.

Incluindo as estimativas em torno dos canais informais, este valor ascende

aos 300 US$ biliões por ano (DFID, 2004).

O Relatório sobre o Desenvolvimento Humano do PNUD (2009) con-

firma que “o grosso dos benefícios recai sobretudo nos indivíduos que

migram, mas uma parte vai para os residentes do local de destino, assim

como para aqueles no local de origem, através de fluxos financeiros e

não só. Em pesquisas realizadas para este relatório, as estimativas apu-

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

radas com base num modelo de equilíbrio geral da economia mundial

sugeriram que os países de destino teriam cerca de um quinto dos be-

nefícios a partir de um aumento de 5% no número de migrantes nos

países desenvolvidos, ascendendo a cerca de 190 mil milhões de dólares

americanos” (p.84).

O mesmo Relatório avança com factos que questionam uma das ques-

tões mais delicadas da migração e desenvolvimento no país de destino,

nomeadamente o impacto da imigração na disponibilidade e qualidade

do emprego. Segundo Ortega and Peri (2009), num estudo que abran-

geu 14 países da OCDE, entre 1980 e 2005, “a imigração aumenta o

emprego, não havendo evidências de que haja pressões sobre a popu-

lação local”, inclusive durante tempos de crise económica (p.84). Em

momentos de estabilidade económica, a imigração contribui para criar

emprego. Os dados revelam que na sequência da chegada de 10 imi-

grantes, o mercado de trabalho expande-se para 17, ou seja, criam-se

7 postos adicionais de trabalho que podem agora ser ocupados pela

população local (Ortega e Peri, 2009: 27). Em termos de produção de

riqueza, a relação é igualmente positiva: um aumento de 1% na popu-

lação migrante leva a um aumento de 1% no PIB per capita, em tempos

de estabilidade económica. Em momentos de estagnação económica

a mesma percentagem de aumento da população migrante leva a um

aumento de 0,6% no PIB (idem:28). Na prática, a imigração aumenta

as economias dos países de acolhimento, sem que se verifique qualquer

impacto negativo nos salários ou na produtividade laboral, tanto no

curto prazo (1 ano) como a médio prazo (5 anos), (Ortega e Peri, 2009:

28). Os sistemas fiscais também beneficiam, havendo um retorno positi-

vo que advém das contribuições dos migrantes, por um lado, e por um

baixo uso dos serviços de protecção social, por outro. Por último, tam-

bém o impacto da migração na capacidade de inovação dos Estados de

acolhimento é igualmente positivo. Investigações realizadas nos Estados

Unidos, por exemplo, revelam que um aumento de 1,3% na taxa de

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33

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

licenciados migrantes correspondeu a um aumento de 15% no número

de patentes per capita (PNUD, 2009:84).

Remessas e Desenvolvimento

Os montantes das remessas atraíram desde há muito as atenções, ha-

vendo já um debate político substantivo, bem como um construto teóri-

co desenvolvido em torno do impacto das remessas no desenvolvimento

dos países de origem. Em síntese, poderão ser articuladas duas perspec-

tivas de fundo: a “escola optimista” e a “escola pessimista” (Alarcón,

2000:29). Existem diferenças significativas entre ambas as correntes,

também do ponto de vista metodológico, uma vez que a “escola pes-

simista” recorre predominantemente a métodos etnográficos e a “opti-

mista” aos métodos quantitativos.

O conjunto de dados empíricos (Alarcón, 2000) que sustentam a “escola

pessimista” aponta em três direcções. A primeira é a de que a maior

parte das remessas são gastas em bens de consumo e em diversão, não

promovendo o desenvolvimento de actividades económicas que permi-

tam romper com o ciclo de pobreza. A segunda, é que provoca dinâ-

micas de dependência, não só porque os que não migram sobrevivem

em grande medida a partir das remessas enviadas, mas também porque

tendem a não procurar formas suplementares ou substitutivas desses

rendimentos, contribuindo para anestesiar ainda mais as economias lo-

cais. Por fim, as remessas tendem a acentuar as desigualdades sociais

dentro das comunidades, porque nem todas as famílias são beneficiadas

da mesma forma, podendo mesmo ter efeitos inflacionários nas econo-

mias locais.

No outro extremo, situa-se a escola optimista. Autores como Durand,

Parrado e Massey (1996) defendem que a visão pessimista não confe-

re a importância merecida aos investimentos produtivos dos migrantes

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34

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

nem toma em consideração o efeito indirecto das remessas na promo-

ção do desenvolvimento económico, através do estímulo ao consumo.

Também Zarate-Hoyos (1999) defende que os investigadores da escola

pessimista ignoram “the potential stimulus of remittances to indigenous industries,

which in turn generate a multiplier effect on aggregate demand, employment and capi-

tal investment in excess of the original expenditure”.

Adicionalmente, estes autores fazem notar que as remessas não são

utilizadas exclusivamente para aquisição de bens de consumo, mas

também, e muito mais frequentemente, em bens básicos. Famílias que

recebem remessas têm acesso facilitado a uma educação de melhor

qualidade, a cuidados médicos e a um apoio acrescido para superar as

dificuldades, sobretudo em contextos de grande fragilidade dos serviços

públicos como é o caso da Índia, Bangladesh, Filipinas e da própria

Guiné-Bissau.

No entanto, mesmo os defensores da escola “optimista” reconhecem

que apesar dos efeitos multiplicadores das remessas, elas não eliminam

no imediato as dependências de dinheiros ganhos no estrangeiro. Para

mais, o reconhecido “sindroma da migração” demonstra que as remes-

sas geradas pela migração efectivamente melhoram as condições de

vida, mas que em contrapartida também alimentam a necessidade de

manter essa qualidade de vida, pelo que provocam mais migração.

Migration hump

O “migration hump” constitui um dos modelos que procuram articu-

lar a migração com o desenvolvimento, ainda que numa perspectiva

estritamente economicista. Embora o conceito de desenvolvimento

subjacente ao modelo do “migration hump” seja entendido como sinó-

nimo de rendimento per capita, é ainda assim útil para a compreensão

da relação entre o nível de desenvolvimento de um país e a sua taxa de

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35

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

emigração. O “migration hump” demonstra que a taxa de migração é

baixa quando o nível de desenvolvimento de um país é baixo. À medi-

da que o nível de desenvolvimento do país aumenta, aumenta também

o número de pessoas detentoras dos recursos necessários para migrar.

Todavia, existe um hiato entre o nível de desenvolvimento atingido, do

ponto de vista formal, e a sua tradução na qualidade de vida efectiva

e generalizada das populações e a consequente diminuição da pressão

migratória. Portanto, o aumento dos níveis de desenvolvimento incre-

menta, durante um período, as taxas de migração, porque torna possí-

vel que mais pessoas obtenham os recursos necessários para migrar. Só

quando o desenvolvimento estabiliza e se torna transversal à maioria

da população, é que as pressões para sair diminuem verdadeiramente.

Entre outras observações, o modelo de “migration hump” demonstra

que não são os mais pobres que migram. Migrar exige recursos. As pes-

soas pobres não têm recursos, incluindo os recursos financeiros e de ca-

pital social que são necessários para que a migração aconteça. A migra-

ção internacional só se torna uma opção para os migrantes detentores

de alguns recursos, porque “although international travel is cheaper and more

accessible than in any other time in history, the cost of a plane or a train ticket is still

beyond the reach of the majority of the world’s population” (DFID, 2004:20). Este

modelo constitui ainda um sólido argumento para questionar as abor-

dagens que defendem que a promoção do desenvolvimento económico

nos países pobres é uma panaceia para reduzir a pressão migratória.

Efectivamente, o modelo do “migration hump” revela que a migração

aumenta em paralelo com o nível de desenvolvimento económico, até

um determinado ponto. Por isso, é importante destacar, como notou o

DFID (2004), que a melhoria de outros factores como a governação, a

democracia ou a paridade de género, podem efectivamente reduzir os

factores de repulsão, “leading to a situation where migration is an informed choice

rather than a desperate option” (DFID, 2004:21).

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36

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Diásporas e Co-desenvolvimento

Segundo Castles (2000:269) “as migrações são frequentemente, o resul-

tado do desenvolvimento económico e social, (…) e podem contribuir

para o processo de desenvolvimento e melhores condições económicas

e sociais ou, alternativamente, ajudar a perpetuar a estagnação e a de-

sigualdade” (Castles, 2000:269).

Também o DFID (2004) notou que: “The benefits and costs of migration are

distributed, unevenly, between and within countries and social groups. The balance

and distribution of costs and benefits depends upon the nature of the migration in

question, and on the links that migration establishes between the places of origin and

destination”. Até há bem pouco tempo, estas ligações estabelecidas pelos

migrantes com as suas comunidades de origem eram vistas primordial-

mente sob um ponto de vista financeiro, materializado pelas remessas.

A existência e o significado de outro tipo de ligações – sociais, culturais,

políticas - só muito recentemente se tornaram alvo de interesse por par-

te das grandes organizações internacionais e da academia.

Segundo Orozco (2000:5), é no final da década de 90 que surgem os

primeiros ecos, vindos do Banco Mundial, que procuram interligar as

diásporas com os processos de desenvolvimento – em sentido alarga-

do. Dentro da estratégia do Banco Mundial, construída a partir dos

trabalhos de Amartya Sen (1999) e Nicholas H. Stern (2002), as diás-

poras surgem, simultaneamente, como agentes de desenvolvimento e

como destinatários dessa estratégia. É reconhecido o papel que podem

assumir na promoção do desenvolvimento das suas comunidades de

origem, o impacto das suas remessas e as transferências de know-how,

entre outros aspectos. As diásporas podem ser definidas como “sociopo-

litical formation, created as a result of either voluntary or forced migration, whose

members regard themselves as being of the same ethno-national origin and who per-

manently reside as minorities in one or several host countries. Members of such entities

maintain regular or occasional contacts with what they regard as their homeland and

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

with individual and groups of the same background residing in other host countries

(Sheffer 2003:10-11).

Nesta mesma linha surge o trabalho desenvolvido por Samir Nair, que

também no final da década de 90, desenvolvia em França o conceito de

co-desenvolvimento, que pressupunha “surtout à renforcer l’intégration (…)

tout en favourisant la solidarité active avec les pays d’origine, à créer les conditions

sociales pour aider les migrants potentiels à demeurer chez eux” (Nair, 1998:3). O

co-desenvolvimento perspectiva as dinâmicas migratórias numa lógica

de benefício mútuo, quer para o país de acolhimento, quer para o de

origem. Nair, tal como Stern, coloca as diásporas no lugar central na

condução dos processos de desenvolvimento, defendendo que “nulle for-

me d’aide (…) ne peut se substituer à l’action de l’immigré lui-même. Il est le coeur

et le corps vivant de l’opération” (Nair, 1998:4).

A proposta teórica de Nair foi alvo de críticas ferozes (Daum, 1998), e

a sua concretização ainda mais controvérsia gerou, precisamente junto

daqueles que seriam os seus principais actores: os migrantes e as suas

associações. Na perspectiva destes, as políticas de co-desenvolvimento

instrumentalizam a Ajuda Pública ao Desenvolvimento – e os próprios

migrantes – em prol de uma gestão controlada dos fluxos migratórios.

No entanto, apesar da polémica associada – ou até por isso mesmo -,

todo o debate em torno do conceito de co-desenvolvimento na Europa

e do papel das diásporas nos Estados Unidos teve o mérito de contribuir

para o reconhecimento da diversidade de laços que unem os migrantes

aos seus países de origem. Esta constatação alimentou a reflexão teórica

e influenciou as várias abordagens políticas que foram entretanto en-

saiadas, como referido no capítulo I.

Hoje, é possível compreender porque as migrações foram tão erronea-

mente geridas e interpretadas no passado e porque frequentemente as

políticas migratórias atingiram o contrário dos seus objectivos (Castles,

2002). Uma das razões deve-se aos princípios subjacentes à lógica do

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Estado-Nação, “because border control is at the core of notions of sovereignty,

policymakers have often seen migration as something that could be turned on and

off like a tap in response to assumed national interests” (Castles, 2000). Outra

razão é a própria compartimentação disciplinar que tem sido apanágio

do seu estudo, cuja principal consequência é a fragmentação das inves-

tigações sobre migração e o fracasso em construir um corpo sólido de

conhecimento sobre a temática (Massey et al, 1998). Por fim, o engenho

humano. As migrações são processos colectivos que resultam das neces-

sidades e estratégias de sobrevivência das pessoas, cuja criatividade e

capacidade de contornar obstáculos é praticamente ilimitada.

Efectivamente, e mais do que nunca, as migrações contemporâneas inter-

pelam a responsabilidade da academia como construtora de saberes – e

de verdades. Implicam abordagens mais integradas, para lá das dicoto-

mias simplistas, “atracção-repulsão”. “origem-destino”, “sedentarismo-

-retorno”. E exigem metodologias de investigação articuladas e comple-

mentaridades e consensos entre tradições disciplinares. Fruto da necessi-

dade de dar resposta aos desafios colocados pelos processos das migrações

contemporâneas e do reconhecimento de que algumas das dinâmicas

associadas exigem lógicas e quadros de reflexão inovadores, têm vindo a

ser desenvolvidas novas abordagens e teorias. Juntamente com a Teoria

dos Mercados Duais ou Segmentados, a Nova Economia das Migrações

Laborais (NELM) e a Teoria das Redes, surge um novo paradigma, que

pretende ser o “passo seguinte” para o estudo contemporâneo das migra-

ções: o transnacionalismo migrante.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

3. TRANSNACIONALISMO MIGRANTE

O conceito de transnacionalismo migrante surgiu em 1992, a partir do

trabalho desenvolvido por Glick-Schiller et al (1992). Estas autoras de-

fendiam que as dinâmicas da migração contemporânea eram de tal for-

ma distintas das de épocas passadas e apresentavam características tão

inovadoras que se justificava a criação de novas referências conceptuais

para a sua compreensão. O conceito de transnacionalismo migrante

surge assim definido como “o processo através do qual os migrantes

criam espaços sociais que ligam o seu país de origem com o seu país

de acolhimento” (Glick Schiller et al, 1992:1), sendo os transmigrante

definidos como “imigrantes que constroem esses espaços sociais através

da manutenção de diversos tipos de laços afectivos e instrumentais que

trespassam fronteiras” (Basch et al, 1994, pág. 27).

Este conceito, bem como os seus actores e a natureza do processo que

denomina, tornou-se quase imediatamente e durante os anos que se se-

guiram, foco de intensa discussão. Mais de uma década passada, estabi-

lizaram-se alguns dos aspectos chave do conceito, tanto ao nível da sua

utilidade heurística, quer ao nível da sua metodologia de investigação,

nomeadamente:

- O conceito de transnacionalismo identifica actividades transfrontei-

riças protagonizadas por actores de base privados ou from below, distin-

guindo-se de outras actividades transfronteiriças from above, protagoni-

zadas por Estados ou por grandes empresas, denominadas de interna-

cionais ou multinacionais (Portes, 2004:75)

- O transnacionalismo migrante não é um novo fenómeno mas sim uma

nova perspectiva de investigação para o estudo das migrações, que per-

mite “realizar um trabalho analítico novo que é o de facultar um modo

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

de ver o que antes lá estava sem ser visto” (Smith, 2003:1)

- A migração não pressupõe, necessariamente, transnacionalismo. O

transnacionalismo é um processo multidimensional e dinâmico, que só

em determinadas circunstâncias transforma populações migrantes em

agentes dinamizadores e integrantes de um espaço social transnacional.

Baubock (2003:705) distingue entre migração como “basically an interna-

tional phenomenon insofar as it involves a movement of persons between the territorial

jurisdictions of independent states” e transnacionalismo, uma vez que este

movimento “becomes transnational only when it creates overlapping memberships,

rights and practices that reflect a simultaneous belonging to two different political

communities” (Baubock, 2003:705).

- As actividades consideradas transnacionais, embora de pequena di-

mensão, quando “realizadas com regularidade por um dado conjunto

de activistas, somadas às actividades pontuais de outros imigrantes, aca-

bam por resultar num processo de significativo impacto económico e

social para as comunidades e para as próprias nações em causa” (Portes,

2004:79)

- Embora “everyday transnational practices are not neatly compartmentalized nor

are their consequences” (Guarnizo, 2003: 669), para fins analíticos, podem

ser considerados três tipos de transnacionalismo, nomeadamente:

• Económico: centrando-se particularmente nas remessas e no em-

presariado transnacional, cuja actividade depende em grande

medida de um vai-e-vem de bens e/ou serviços entre países de

destino e acolhimento;

• Político: centra-se no desenvolvimento de actividades políticas,

particularmente o voto à distância, o apoio a partidos ou campa-

nhas políticas no país de origem ou actividades de lobby e advo-

cacy no país de acolhimento em prol do país de origem;

• Sociocultural: contempla as actividades de tipo cultural, que mantêm

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

ou recriam as práticas da origem na diáspora e as actividades de tipo

filantrópico, como os projectos de desenvolvimento financiados pelos

migrantes e pelas suas associações nas comunidades de origem.

- O transnacionalismo joga-se, de forma articulada, com as dinâmicas

de integração e de pluralismo cultural, sendo um das formas de adap-

tação do migrante que “supplements the canonical concepts of assimilation and

ethnic pluralism” (Faist, 2000:29).

- O transnacionalismo implica a existência de capital social, que não

só suporta como explica a sustentabilidade e a intensidade dos laços,

nas suas diversas expressões, que ligam os migrantes aos seus locais de

origem bem como entre si na diáspora, e que alimentam “a high degree of

personal intimacy, emotional depth, moral commitment, social cohesion and continui-

ty in time” (Nisbet, 1966: 47).

- Metodologicamente, a unidade de investigação que mais se adequa

ao estudo do transnacionalismo é a de campo social transnacional que

inclui não só a comunidade migrante em si, mas também os governos

e sociedades civis, tanto dos países de origem como de acolhimento, na

sua relação dinâmica. A abordagem teórica que inspirou o título da pre-

sente investigação pode ser sintetizada da seguinte forma: “transnational

social spaces are sustained ties of persons, networks and organizations across the

borders, across multiple nation-states, ranging from little to highly institucionalized

forms” (Faist, 2000b:189). Será este exactamente o âmbito da presente

investigação, aplicada ao caso concreto dos migrantes guineenses em

Portugal.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

4. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO

Sobre campos sociais transnacionais

Do ponto de vista epistemológico, o transnacionalismo coloca um gran-

de desafio às ciências sociais porque desfoca o referencial clássico da

investigação, o chamado nacionalismo metodológico. O nacionalismo

metodológico é “the tendency to accept the nation-state and its boundaries as a

given in social analysis” (Glick Schiller e Levitt, 2004:1007). Esta natura-

lização do Estado-Nação como unidade de análise confinou o âmbito

das investigações – mesmo as que se centram em torno dos processos da

globalização - às fronteiras dos Estados ou às relações entre estes (Beck,

2000). Ora, o transnacionalismo, também denominado por alguns au-

tores na área da ciência política, de pós-nacionalismo, pressupõe mais

do que o trespasse de fronteiras ou a conexão de pessoas ou Estados-

-nação. O transnacionalismo cria uma nova unidade de investigação

nas ciências sociais. Uma unidade que é delimitada não pelas fronteiras

formais dos Estados, mas sim pelas redes que unem os elementos que

as constituem, e que alguns autores denominaram de “campos sociais

transnacionais” (Glick Schiller e Levitt, 2004), ou de “espaços sociais

transnacionais” (Faist, 2000b).

À semelhança de Faist, também Guarnizo (2003), refere que os espaços

sociais transnacionais são, naturalmente, agenciados pelos migrantes,

mas também englobam as relações estabelecidas com os não-migrantes

– indivíduos e instituições – que afectam e são afectadas pelas activida-

des da diáspora, de tal forma que aqueles que nunca migraram fazem

parte integrante desse espaço social transnacional. A generalização do

espaço social transnacional como unidade de investigação de referên-

cia conduziu a uma discussão sobre a metodologia de investigação nos

estudos sobre transnacionalismo, pois como notaram as autoras “our

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

analytical lens must necessarily broaden and deepen because migrants are often embe-

dded in multi-layered, multi-sited transnational social fields, encompassing those who

move and those who stay behind” (Glick Schiller e Levitt, 2004:1003).

Sobre a estratégia de investigação

Do ponto de vista metodológico, os desafios são substantivos, uma vez

que a maior parte das abordagens e técnicas de investigação utilizadas

derivam do nacionalismo metodológico. Estas metodologias não foram

concebidas para investigar fluxos, ligações ou identidades que extrava-

sam ou intersectam fronteiras nacionais nem os fenómenos e dinâmicas

que os acompanham. Como notam os autores, uma ontologia transna-

cional implica uma epistemologia transnacional, pois “in order to describe,

map, explain, interpret and theorize the transnational nature of reality, expectations

about how social worlds can be known and understood must also be revisited” (Kha-

gram e Levitt, 2006:28).

A reflexão sobre esta questão conduziu a algumas conclusões generaliza-

damente aceites. Uma investigação que pretende apreender dinâmicas

transnacionais deve ter uma abordagem multi-sited e multi-level. Ou seja, as

dinâmicas e processos transnacionais de uma determinada comunidade

devem ser investigados contemplando os diversos locais envolvidos no

campo social transnacional. No presente caso significa que as dinâmicas

transnacionais dos guineenses em Portugal devem implicar um estudo

não só da diáspora em Portugal e do contexto nacional, mas também dos

outros actores e contextos interligados no processo, ou seja os guineenses

“não-migrantes” e o contexto da Guiné-Bissau.

Da mesma forma, embora o transnacionalismo se refira, por definição,

às actividades transfronteiriças promovidas pelos actores de base pri-

vados, generalizadamente os migrantes, o seu estudo não pode ignorar

nem a influência nem os impactos das dimensões e actores de natureza

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

meso e macro. Estudos centrados só nas comunidades migrantes não

reflectem a complexidade do fenómeno, como notaram Barberia e Eks-

tein (2002), pois “while these studies yeld richly detailed accounts of ostensibly

local territorial and cultural spaces, they frequently miss how broader and larger

social contexts and processes influence these localities. A great deal is learned about a

particular site and a particular time but not enough about how the local is historically

situated and connected to other places, levels and scales of social interaction”. Assim,

para além das condições e actores locais, devem ser também conside-

rados os contextos socioculturais, económicos e políticos de natureza

intermédia e global, bem como os actores e dinâmicas de nível macro,

nomeadamente os Estados.

Uma outra questão é colocada relativamente à dimensão temporal da

investigação. Alguns autores fazem notar que “transnational dynamics can-

not be studied at one point in time and in only one place because they involve multiple,

interacting processes rather than single, time and space bounded events” (Khagram

and Glick Schiller, 2005:18). Frequentemente, as práticas transnacio-

nais decorrem ao longo de extensos períodos de tempo, pelo que uma

abordagem de tipo “fotográfico” deixa escapar a forma pontual como

muitos migrantes, num ou noutro ponto da sua vida, se envolveram

com os seus países de origem – nos ciclos eleitorais, questões familiares

ou catástrofes – mobilizados por um desafio específico. Uma estraté-

gia de estudo longitudinal pode revelar que mesmo aqueles que não

se identificam ou desenvolvem actividades transnacionais regularmente

podem ser mobilizados a fazê-lo (idem).

Sobre os instrumentos

O mapeamento e caracterização das práticas transnacionais dos mi-

grantes guineenses foram concretizados através de diferentes instrumen-

tos. O primeiro consistiu na aplicação de um inquérito a indivíduos da

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

comunidade guineense residentes em Portugal. Esse inquérito integrou

questões fechadas e abertas, onde foram solicitados os dados biográficos

do inquirido e informações sobre as suas práticas transnacionais. As

questões relativas às práticas transnacionais encontravam-se divididas

em 3 categorias, nomeadamente, as que se enquadram no transnacio-

nalismo de tipo sociocultural, de tipo económico e de tipo político. Estes

três tipos de transnacionalismo não são mutuamente excludentes; pelo

contrário, é frequente a sua justaposição em dois ou mesmo na totali-

dade dos domínios. No entanto, utilizou-se esta tipologia, uma vez que

permite relacionar de forma mais organizada e inteligível as diferentes

práticas, os seus actores e os seus impactos. A aplicação do inquérito foi

complementada com entrevistas abertas semi-dirigidas e com histórias

de vida, para possibilitar o aprofundamento de questões chave e para

garantir uma perspectiva longitudinal.

Tendo em conta o fim último deste estudo, o questionário inclui ainda,

para cada um dos tipos de transnacionalismo considerado, questões de

opinião que pretendem auscultar os inquiridos sobre os obstáculos e

potencialidades das suas práticas transnacionais para o desenvolvimen-

to da Guiné-Bissau. Assim, esta investigação enquadra-se no chamado

“public transnationalism”, pois assume-se que “its’ goal is to go beyond

scholarly description, analysis, and theorizing to praxis. Public transnationalism de-

velops the actionable implications of transnational studies and explicitly rejects the

false neutrality characterizing much academic work. Rather than ignoring the hard set

of ethical and practical questions that research poses, it embraces them” (Khagram

and Glick Schiller, 2005:31).

O questionário foi também aplicado na Guiné-Bissau. Embora neces-

sariamente adaptado, estruturalmente era idêntico ao questionário apli-

cado em Portugal. Este questionário pretendeu recolher dados junto de

informantes privilegiados na Guiné-Bissau, destinando-se tanto a antigos

migrantes como a não migrantes, contribuindo assim para a cabal carac-

terização do espaço social transnacional guineense, a partir da experiên-

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

cia e perspectivas destes elementos que também o constituem.

Em cada um dos países, o questionário foi aplicado pela investigadora

com o apoio de dois cientistas sociais guineenses, o que não só facilitou a

comunicação nos casos (frequentes, na Guiné-Bissau) em que o crioulo

era a língua privilegiada pelo inquirido, como também agilizou o acesso

ao objecto de estudo. Em paralelo, foi utilizado o método da “bola de

neve”. O inquérito foi complementado com a observação participante

e com a elaboração de histórias de vida. Finalmente, na Guiné-Bissau,

recorreu-se também à recolha e análise de imprensa.

Por último, foram realizadas entrevistas em instituições relevantes, tan-

to guineenses como portuguesas, nomeadamente o Instituto de Apoio

ao Imigrante e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, e recolhidas

informações junto do ACIDI, do IPAD e do SEF, respectivamente. As

entrevistas, abertas e semi-dirigidas, fornecem o enquadramento insti-

tucional e político que, complementado com a recolha e análise docu-

mental, constitui o último dos elementos a integrar na caracterização e

análise do espaço transnacional guineense.

Sobre a constituição da amostra

A constituição da amostra do universo dos inquiridos implicou uma re-

flexão tanto sobre a dimensão quantitativa como qualitativa. A diáspo-

ra guineense em Portugal compreende um total de 25 148 indivíduos,

segundo dados do SEF (2004), embora algumas estimativas apontem

para 30.000 a 35.000 indivíduos, considerando os que se encontram em

situação irregular. A investigação realizou 77 inquéritos em Portugal e

8 entrevistas. Dado o sempre limitado espaço temporal das investiga-

ções e tendo em conta as características desta população, optou-se pela

constituição de uma amostra por quotas. O método de amostragem por

quotas é actualmente, e de longe, o método mais utilizado (Ghaglione

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

e Matalon, 1992). O método de amostragem por quotas consiste em

reproduzir na amostra as distribuições de certas variáveis importantes.

Ora, os estudos já realizados sobre a diáspora guineense em Portugal

revelam que tanto a intensidade migratória como algumas práticas

transnacionais desta comunidade se encontram intimamente relacio-

nadas com a sua expressão étnica (Machado, 2002; Quintino, 2005;

Carreiro, 2007). O conceito de etnicidade, não sendo central para a

presente investigação é aqui utilizado no mesmo sentido que Machado

(2002) definiu: “o conceito de etnicidade não serve, portanto, para esta-

belecer arbitrariamente que uma determinada categoria de pessoas se

pode identificar, antes de mais, por certas características sociais e cultu-

rais” (Machado, 2002:4), mas sim para permitir a análise das dinâmicas

transnacionais em relação a esta dimensão, assumida como relevante.

A amostragem por quotas permite ainda evitar o enviesamento intro-

duzido pelo estudo de caso, que caracterizou os primeiros estudos sobre

transnacionalismo, e que tendia a concentrar-se unicamente nas comu-

nidades onde as dinâmicas transnacionais eram intensas e evidentes.

A reflexão posterior enfatizou a necessidade, tão ou mais pertinente,

de incluir nos estudos sobre transnacionalismo, os migrantes que não

desenvolvem práticas transnacionais ou que o fazem de forma muito

pouco regular, bem como a compreensão da ausência do processo. Pre-

tende-se assim, dar idêntico protagonismo aos grupos onde estas prá-

ticas se encontram menos estudadas e, simultaneamente, facultar um

reflexo “real” do conjunto da diáspora. Ou seja, por um lado, pretende-

-se identificar os migrantes transnacionais, caracterizar as suas práticas

e compreender a sua natureza e intensidade. Por outro lado, procura-se

mapear o “não-transnacionalismo” e explicitar as razões da sua ausên-

cia. Esta dupla reflexão é particularmente relevante tendo em vista o

fim último da investigação, nomeadamente, o de elaborar propostas

que permitam capitalizar o potencial que os migrantes guineenses têm

para o desenvolvimento do seu país de origem.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

A tipologia proposta por Machado (2002) é adoptada neste estudo con-

siderando-se como guineenses não só os detentores de nacionalidade

guineense mas também os detentores de nacionalidade portuguesa com

origem guineense. Esta opção é também legitimada por estudos prévios

(Portes, 2005) que confirmam que as dinâmicas transnacionais não só

se mantêm nos casos de obtenção de nova nacionalidade, ou de dupla

nacionalidade, como a sua intensidade tende a aumentar.

Na Guiné-Bissau, que conta com cerca de um milhão e meio de habi-

tantes (INE, 2008), e onde se estima que 8,6% da população seja mi-

grante (PNUD, 2009) foram realizados 22 inquéritos e 14 entrevistas

e histórias de vida a informantes privilegiados, englobando tanto ex-

-migrantes como não-migrantes. Privilegiou-se a informação de natu-

reza qualitativa, tendo em conta a fraca disponibilidade de informação

estatística nas instituições guineenses e o alto grau de informalidade das

práticas comerciais, mas sobretudo devido ao objectivo principal de

identificar os impactos das práticas transnacionais no desenvolvimento

da Guiné-Bissau. Por esta razão, não houve preocupação em delimitar

o universo dos inquiridos do ponto de vista étnico, dando-se prioridade

à visão crítica e de conjunto facultada pelos informantes privilegiados.

Porém, é importante referir que os dados obtidos em Portugal direc-

cionaram a investigação realizada na Guiné-Bissau para as cidades de

Gabú e Canchungo, para além da capital. Assim sendo, houve um en-

viesamento na amostra introduzido pela sobre-representação de entre-

vistados manjacos (em Canchungo) e fulas e mandingas (em Gabu) que

foi todavia equilibrado pelas entrevistas realizadas em Bissau, onde se

encontra representada a maioria dos grupos étnicos guineenses.

Sobre o trabalho de terreno

O acesso à comunidade guineense foi concretizado a partir de infor-

mantes privilegiados, nomeadamente, os dirigentes das principais as-

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50

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

sociações de migrantes guineenses em Portugal, referidos na “Lista da

Comissão Instaladora da Federação das Associações Guineenses em

Portugal”. Este universo inicial foi alargado a partir do método de bola

de neve, garantindo a inclusão do “guineense comum” na amostra,

bem como de tipos de migrantes relevantes, como quadros e empresá-

rios, que não estavam ligados ao movimento associativo. A maioria das

entrevistas teve lugar nas residências dos inquiridos, com algumas delas

a serem realizadas em sítios de referência para a comunidade guineense

em Lisboa, nomeadamente, Campo Grande e Restauradores.

A aplicação do inquérito na Guiné-Bissau foi iniciada a partir de con-

tactos já existentes com indivíduos residentes em Bissau e tomando

também algumas referências obtidas no contexto do trabalho realizado

em Lisboa. Por último, as entrevistas junto das instituições relevantes

foram realizadas a partir do canal de referência constituído pelo CESA-

-ISEG e pela Fundação Portugal -África, tanto em Portugal como na

Guiné-Bissau.

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51

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

5. A MIGRAÇÃO GUINEENSE

A Guiné-Bissau é um país cujo território, com 33 125 km2 (PNUD, 2001),

se situa na África Ocidental, delimitado a Norte pelo Senegal, a Sul e a

Este pela Guiné-Conacri e a Oeste pelo Oceano Atlântico. A sua popu-

lação está estimada em 1 milhão e 548 mil habitantes (3º Recenseamento

Geral da População, 2008) os quais, pela diversidade da sua composi-

ção, justificaram que a Guiné-Bissau ganhasse os epítetos de “mosaico

étnico” (Machado, 2002) ou “Babel Negra” (Pélissier, 1989). Conta com

cerca de 30 etnias diferenciáveis entre si que segundo os últimos dados

disponíveis, apresentavam a seguinte distribuição: Balantas – 27%; Fu-

las – 23%; Mandingas – 12%; Manjacos – 11%; Papéis – 10%, só para

referir os mais representativos (Machado, 2002). Uma parte da popula-

ção encontra-se islamizada (45%), enquanto outra é predominantemente

cristã. Ambas são, em maior ou menor grau, animistas. Cerca de 66% da

população guineense trabalha na agricultura, na cultura do arroz, do óleo

de palma e da castanha de caju (PNUD, 2005).

Independente unilateralmente do poder colonial português desde 24 de

Setembro de 1973, a Guiné-Bissau tem enfrentado sérias dificuldades

para evoluir económica e politicamente mantendo, recorrentemente,

um lugar cativo nos últimos lugares do Índice de Desenvolvimento Hu-

mano. Em 2009, era o quinto país mais subdesenvolvido do mundo

(PNUD, 2009). Muito à semelhança de outras nações africanas forjadas

na luta pela auto-determinação, a Guiné-Bissau viveu 18 anos de Parti-

do Único (1973-1991), três golpes de Estado (1980, 1998 e 2003), uma

Guerra Civil (1998-1999) e um sem número de incidentes político-mi-

litares de maior ou menor intensidade, mas sempre com consequências

gravíssimas para o desenvolvimento do país, sendo o recente assassinato

do Presidente da República e do Chefe de Estado Maior das Forças Ar-

madas, em Março de 2009, um dos mais recentes e trágicos exemplos.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Apesar da aparente estabilidade política que o país atravessava desde as

eleições presidenciais de 2009,um novo incidente político-militar, a 1 de

Abril de 2010, confirmou que os constrangimentos estruturais da Guiné-

-Bissau continuam largamente por resolver. As razões pelas quais a Guiné-

-Bissau desembocou na situação actual têm interpelado diversos autores,

e não sendo objecto detalhado no presente capítulo, serão invocadas na

medida em que permitam explicar os fluxos migratórios da Guiné-Bissau.

A tentativa de analisar a migração guineense tropeça em dois grandes

obstáculos, nomeadamente, a dificuldade em obter dados estatísticos

actualizados e a fluidez das fronteiras com o Senegal e com a Guiné-

-Conacri, onde perpassa um número elevado de pessoas com um míni-

mo de controlo. Alguns dados estimam em 8,6% (PNUD, 2009) a tota-

lidade de guineenses residentes no estrangeiro, o que somaria cerca de

136.000 indivíduos, (65% dos quais noutros países africanos) enquanto

o Instituto de Apoio ao Emigrante da Guiné-Bissau avança com um

valor que ronda as 92.000 pessoas. A dificuldade de quantificação dos

contingentes de migrantes guineenses, não invalida a realidade dos fe-

nómenos, e se não é fazível na origem, é por vezes mais fácil fazê-la no

acolhimento – apesar dos contingentes de indivíduos em situação irre-

gular nos países de destino, bem como o enviesamento introduzido por

aqueles que atingem a Europa via Senegal – adquirindo no processo

nacionalidade senegalesa – constituírem sérios obstáculos à exactidão

da presente análise.

A história da migração guineense é por isso difícil de estruturar, embora

existam alguns dados já desde o período colonial. Os primeiros censos

na Guiné-Bissau foram realizados na década de 50 do séc. XX, sendo

as obras de António Carreira a referência neste sentido. Já nesta fase,

como escreveu o autor “as baixas notadas nos censos populacionais têm

a sua causa principal na emigração” (Carreira, 1967:90).

Segundo Hochet (1987), as causas para a migração guineense, que nes-

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53

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

ta fase caracterizava sobretudo os manjacos, baseiam-se na pressão fun-

diária decorrente da economia de tipo rural guineense – particularmen-

te nas etnias do Norte – e da inexistência de outras alternativas para a

obtenção de fontes de rendimento, ao qual não é alheio o contexto do

país na época, que aliava um forte crescimento demográfico às pressões

fiscais impostas pelo colonizador. Os apelos das autoridades coloniais

para que a população – particularmente a manjaca – permanecesse

no território, apesar de recorrentes (Rodrigues, 1947)1, não surtiram

os efeitos esperados. Ao longo da década de 50, estimava-se em 5.000

o número de guineenses que abandonavam anualmente o território,

tendo metade destes o Senegal e a Gâmbia como destino (Carreira,

1960)2. A tendência para o Senegal, devido quer à proximidade geo-

gráfica quer à afinidade cultural, manteve-se ao longo do tempo, sendo

que em 1987, estimava-se em cerca de 87.000 o número de guineenses

residentes neste país (Galli e Jones, 1987).

Assim, comparativamente, Portugal é um destino muito mais recente

do que o Senegal, que já desde o final do século XIX se afirmava tam-

bém como uma plataforma giratória para a Europa, nomeadamente

para França. Esta realidade é confirmada por indicações de guineenses

– que tendo obtido nacionalidade senegalesa - combateram ao lado dos

franceses na II Guerra Mundial, (Kerlin, 1998:9). A tendência para o

Senegal tem-se mantido até hoje, bem como o destino francês, ainda

que comparativamente menos numeroso e num quadro de migração

de longa duração (Machado, 2002). A investigação desenvolvida por

este autor, revela que cerca de 25% dos inquiridos vivera noutro país

estrangeiro para além de Portugal. Destes, metade vivera já no vizinho

Senegal, mas mesmo assim 2/3 dos inquiridos afirmaram ter familiares

emigrados noutros países europeus. (Machado, 2002:83), dos quais a

1 Rodrigues, Sarmento (1949), no goVErno da gUiné: discUrsos E afirmaçõEs, Agência Geral das Colónias, Lisboa, citado em Crowley (1993:106).2 Carreira, António (1960), População Autóctone segundo os recenseamentos para fins fiscais, BolEtim cUltUral da gUiné-portUgUEsa, vol.I, nº4, 707-712, citado em Crowley, 1993: 106.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

França emerge como o mais significativo (com 49,7% das referências a

familiares no estrangeiro). A presente investigação confirmará, como se

verá adiante, algumas destas tendências.

Verifica-se que, embora a comunidade manjaca tenha uma reconhe-

cida tradição de migração, hoje em dia a migração guineense envolve

toda a população – ainda que com menos ênfase no Sul e no Arquipé-

lago dos Bijagós – e às causas anteriores acrescentam-se a incapacidade

de expansão do comércio agrícola, a inexistência de um fluxo de bens

de produção e de consumo, a incapacidade do Estado em assegurar o

mínimo de serviços básicos e a instabilidade política, com destaque para

o conflito de 1998, para referir apenas os mais evidentes.

Portugal é actualmente um destino privilegiado no contexto europeu,

mas este fluxo só se começou a materializar a partir da Independência.

Até então, o número de guineenses em Portugal era praticamente ine-

xistente, mas o novo contexto político em Portugal, aliado à incapaci-

dade do Estado guineense em resolver os problemas severos com que

a Guiné-Bissau se debatia, alimentaram a génese de fluxos migratórios

com destino a Portugal.

Segundo Machado (2002), a migração guineense para Portugal foi con-

cretizada em dois tempos diferenciados. O primeiro momento, situado

entre a segunda metade da década de 70 e o início de 80, compreende in-

divíduos com uma escolaridade acima da média e com uma distribuição

relativamente paritária em termos de género. O censo de 1981 identifica

cerca de 4500 referentes à Guiné-Bissau, distinguindo entre os 3356 in-

divíduos que nascidos em território guineenses obtiveram nacionalidade

portuguesa e os 1126 de nacionalidade guineense (Machado, 2002:84-

85). Este primeiro contingente, que Machado (2002), denominou de luso-

-guineenses, primava por uma certa homogeneidade em termos de estrato

sócio-cultural e de origem, predominantemente urbana, distinguindo-se

significativamente do movimento que se segue.

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55

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

O segundo tempo da migração guineense, cujo início Machado (2002)

situa no ano de 1985, surge na sequência do agudizar da crise eco-

nómica da Guiné-Bissau, e é muito mais heterogéneo e numeroso

do que o movimento anterior. Este novo contingente, que Machado

(2002) denominou de imigrantes é, em parte, constituído por populações

urbanas, educadas e assalariadas, cujas condições de vida se degrada-

ram profundamente na sequência do Plano de Ajustamento Estrutu-

ral, de 1987. Uma outra parte é constituída por imigrantes de origem

rural, igualmente afectados pelos problemas de sub-desenvolvimento

da Guiné-Bissau, mas pouco escolarizados e cuja passagem por Bis-

sau serviu sobretudo como trampolim para a migração internacional.

Naturalmente, estes dois tipos de imigrantes assumiram percursos dife-

renciados na sociedade portuguesa, sendo os primeiros integrados em

profissões tendencialmente qualificadas e os segundos maioritariamente

absorvidos pelo mercado de trabalho em crescimento na área da cons-

trução civil do Portugal da década de 80 (Machado, 2002). A motivação

predominantemente laboral é confirmada pelo perfil destes migrantes:

jovens entre os 20 e os 39 anos, do sexo masculino e sozinhos, em cerca

de 80%dos casos (Machado, 2002:92). A percentagem de guineenses

que nesta fase, entrou no território ou acabou por cair em situação ir-

regular é comprovada pelo aumento do seu número na sequência das

regularizações extraordinárias de 1992 e 1996 (Machado, 2002:88). A

mesma questão também será validada a partir dos dados obtidos nesta

investigação.

Não existe paralelo entre a relação populacional das etnias guineenses

na origem e no destino. Em Portugal, os imigrantes manjacos e manca-

nhas representam cerca de 22% dos contingentes, sendo esta a mesma

percentagem de fulas e mandingas juntos. Os manjacos e mancanhas

enquadram-se numa tradição migratória antiga para o Senegal e para a

França, como já verificado, e que explica a sua sobre-representação nos

contingentes de imigrantes em Portugal. Os papéis assumem o terceiro

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56

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

lugar nesta tabela. A expressividade de papéis na diáspora compara-

tivamente ao seu baixo número no contingente global da população

guineense é explicado pela sua concentração privilegiada na capital,

Bissau (zona papel ou pepel). A menor discrepância encontrada é entre

as etnias predominantemente muçulmanas, que têm idêntica represen-

tatividade tanto na origem como no destino, devido à sua tradição de

comerciantes (Machado, 2002).

As especificidades étnicas justificam também uma certa concentração

espacial, que aliada ao tipo de trabalho que o migrante desempenha,

bem como à situação de ilegalidade que caracterizou a primeira fase da

sua estadia, explicam os dados avançados por Machado (2002), relati-

vamente às condições de habitação. Não deixa de ser relevante notar

que a partilha de alojamento em casa de tipo abarracada é comum

entre mancanhas e manjacos e muçulmanos, e praticamente inexisten-

te entre os indivíduos para quem a pertença étnica não constitui uma

referência identitária. Novamente, as explicações avançadas (Macha-

do, 2002) revertem para as especificidades destas etnias neste domínio

de análise. Nota o autor que “manjacos e mancanhas, por um lado,

e muçulmanos, por outro, distinguem-se dos restantes migrantes por

estratégias mais evidentes de acumulação e parcimónia nos gastos, bem

como no envio mais frequente de dinheiro para o país de origem, o que

permite compreender a opção por tipos de alojamento mais baratos,

ainda que degradados” (Machado, 2002:145).

Por outro lado, a lógica de co-habitação corrobora também a impor-

tância das redes sociais no percurso dos imigrantes guineenses em Por-

tugal. Relata Machado (2002), que 90% dos inquiridos referiram ter

pessoas conhecidas em Portugal à sua chegada e cerca de 80% indi-

caram ter conhecimento de familiares ou amigos vindos depois deles.

No entanto, tal não significa que esses conhecimentos sejam sinónimo

da existência de redes de acolhimento, o que não invalida que estas

se tenham certamente desenvolvido tendo em conta o aumento signi-

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

ficativo do volume dos contingentes a partir da década de 80 e a sua

forte concentração geográfica, quer na origem (80% vinha de Bissau),

quer no destino (72% na AML). Esta compressão espaço-tempo “faci-

lita muitíssimo a formação de redes de inter-conhecimento e relacio-

namento social, as quais estão, ao fim de poucos anos, perfeitamente

aptas a fornecer aos recém-chegados o apoio de que necessitam para a

primeira inserção, nomeadamente em termos de alojamento transitório

e de encaminhamento para o trabalho na construção civil” (Macha-

do, 2002:98). Assim, mesmo quando não transpostas directamente de

Bissau para Lisboa, as redes de sociabilidade são rápida e facilmente

reconstituídas (Machado, 2002:223).

A investigação realizada por Quintino destacou também a importância

das redes sociais na migração guineense. A autora afirma a importân-

cia das estratégias de transespacialidade e transetnicidade para os gui-

neenses na construção do espaço comunitário, através das fronteiras:

“o movimento de extensionalidade deste espaço simbólico atravessa as

fronteiras nacionais, congregando os guineenses que se organizam em

comunidades noutros países da União Europeia. Neste nível, o espa-

ço simbólico constrói-se com base num sistema de trocas e num fluxo

pendular de guineenses assente na regra da hospitalidade de parentes,

amigos e vizinhos” (2004:240). A origem comum na Guiné-Bissau faz

com esta pertença constitua a “matriz aglutinadora” das comunidades

no exterior, alicerçada pela partilha de comportamentos, práticas, insti-

tuições socioculturais e símbolos (Quintino, 2004:240).

Apesar das suas especificidades, a migração guineense deve ser enten-

dida, como notou Machado (2002), num quadro mais vasto, que carac-

teriza de forma geral a migração africana contemporânea para a Eu-

ropa e que tem sido designado de “sistema migratório oeste-africano”

(Machado, 2002: 82). Como resultado das afinidades sociolinguísticas,

do agudizar das crises económicas e políticas nos países de origem e da

não menos importante necessidade dos países de acolhimento da mão-

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

-de-obra que estes migrantes providenciam, a migração tem vindo a

confirmar-se como a estratégia de sobrevivência de eleição para estas

populações e as suas famílias.

Os dados oficiais existentes nos países de destino permitem captar uma

pequena parcela – de natureza quantitativa – da realidade da migração

guineense actual. Em 2004, dados oficiais contavam perto de 26.000

guineenses residentes em Portugal (SEF, 2004). Se acrescentarmos

a este valor o número de indivíduos que nos Censos de 2001 foram

identificados como tendo nascido na Guiné-Bissau, mas que têm hoje

nacionalidade portuguesa, somamos mais 5368 pessoas3 a este contin-

gente. Obviamente que os indivíduos em situação ilegal não podem ser

contabilizados, mas certamente que erraremos por defeito ao estimar o

número total de guineenses actualmente em Portugal num valor acima

dos 40.000 indivíduos.

Menos numerosa, mas nem por isso pouco significativa, a presença de

guineenses em França fora já indicada no trabalho de Vuddalamay

(1989), embora o enviesamento introduzido pela passagem pelo Senegal

torne complexa a sua real quantificação. Em 2006, o número de sene-

galeses em França era de pouco mais de 70.000, estando o número de

guineenses no conjunto de nacionalidades cujo contingente é inferior a

4.0004. Não foi no entanto possível obter dados para os contingentes de

guineenses no Senegal, e assim sendo, o trabalho de Galli, já com 22 anos

de idade, continua a ser referência considerada para esta migração.

A presença de guineenses noutros destinos europeus como a Holanda

e a Espanha fora notada há mais de uma década atrás (Robin, 1994;

Chrissantaki e Kuiper, 1994)5. No entanto, embora as estatísticas ofi-

3 Dados constantes no Instituto nacional de Estatística de Portugal, em www.ine.pt/prodserv/quadros/quadro.asp, quadro 13 (6.08) “População Portuguesa re-sidente nascida no estrangeiro, segundo o grupo etário por países de naturalidade e sexo”.4 Institute National de la Statistique et des Études Économique (www.insee.fr)5 Citados em Machado, 2002

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

ciais contem só 305 guineenses na Holanda6 em 2005, no mesmo ano

esse valor ascendia aos 4490 em Espanha7, tornando este destino euro-

peu o segundo mais apetecido pelos guineenses, suplantando a França8

e ficando logo atrás de Portugal. Este contingente surpreendentemente

significativo no contexto espanhol confirma o que Machado referira

logo em 2002, ao notar que “alguns dos que deixam a Guiné-Bissau

terão à partida um horizonte de emigração mais amplo”. A presente

investigação contribui também para precisar a distribuição espacial dos

guineenses no mundo, como se verá no capítulo VII.

A importância de caracterizar as causas da migração guineense e de

identificar os seus principais destinos é relevante por várias razões. Des-

de logo, porque os constrangimentos que provocam a migração per-

mitem contextualizar o percurso e o perfil dos migrantes guineenses,

bem como a natureza das suas práticas transnacionais. Em segundo

lugar, porque os contextos de acolhimento são determinantes para a

capacidade e forma como os migrantes se relacionam com o seu país

de origem. Em terceiro lugar, porque os outros destinos da migração

guineense (tendo em conta a teoria das redes) são relevantes para com-

preender as potenciais dinâmicas de remigração e de migração circular

da diáspora guineense em Portugal, como os capítulos seguintes irão

demonstrar.

6 Dados constantes no Statline da Holanda (http://statline.cbs.nl/StatWeb/table.asp?PA=37325eng&D1=0&D2=65,85,86,94, 151&D3=0&D4=0&D5=0&D6=(l-11)-l&DM=SLEN&LA=en&TT=27 Dados constantes no Instituto Nacional de Estadística de Espanha (http://www.ine.es/inebase/cgi/axi)8 De notar que nos cingimos às estatísticas oficiais.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

6. AS DINÂMICAS E OS IMPACTOS DO TRANSNACIONALISMO

MIGRANTE DOS GUINEENSES RESIDENTES EM PORTUGAL

Os resultados obtidos no decurso desta investigação são apresentados

entrecruzando o tratamento estatístico dos dados quantitativos obtidos

através dos inquéritos com a informação qualitativa recolhida através

das respostas abertas, das entrevistas semi-dirigidas e das histórias de

vida. Sempre que relevante, esses resultados são contextualizados e pro-

blematizados de forma a fundamentar adequadamente as conclusões

apresentadas. Divide-se este capítulo em duas partes, os dados recolhi-

dos em Portugal e os dados recolhidos na Guiné-Bissau.

6.1. Os resultados obtidos em Portugal

Em Portugal foram realizadas 77 inquéritos e 8 entrevistas a informantes

privilegiados, nomeadamente Associações de Migrantes. Foram ainda re-

colhidos dados junto do SEF, IPAD, ACIDI e da Embaixada da Guiné-

-Bissau em Portugal. A recolha de informação teve lugar em Lisboa, San-

to António dos Cavaleiros, Loures, Sacavém e Quinta do Mocho, tendo

a recolha sido efectuada entre Abril de 2008 e Março de 2009.

Relacionando os inquiridos por género e faixa etária, a representação

gráfica obtida é a seguinte:

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62

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Gráfico 1

Percentagem de inquiridos por género e faixa etária

Mantendo-se o padrão verificado por Machado (2002), a migração gui-

neense é predominantemente masculina e jovem, confirmando-se a sua

orientação de tipo laboral fora de enquadramento familiar directo, sen-

do que apenas 38% dos inquiridos afirmaram viver com as respectivas

esposas ou maridos.

Analisando o ano de chegada relativamente à situação legal dos indiví-

duos, o resultado obtido é o seguinte:

Gráfico 2

Caracterização dos inquiridos por ano de chegada a Portugal e situação legal

Verifica-se que no universo dos inquiridos há uma tendência para o

aumento do número de chegadas ao longo do tempo (com excepção do

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63

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

período compreendido entre 1974 e 1980), com um pico repentino em

1998, como consequência da situação de conflito político-militar que

a Guiné-Bissau atravessou nessa fase. È interessante notar a inversão

da tendência de crescimento a partir do período 2001-2004, o que re-

flecte o aumento das restrições à entrada de estrangeiros no território

europeu, bem como consequência da diminuição do crescimento eco-

nómico de Portugal, que o torna um destino menos interessante quando

comparado com outros (e não uma diminuição da pressão migratória

guineense, como se verá adiante).

Importa ainda destacar a situação legal dos inquiridos, com a ausência

de indivíduos em situação irregular antes de 1998, e com um aumen-

to significativo de indivíduos em situação irregular tanto mais elevado

quanto recente è a respectiva entrada no país (que ronda os 50% para os

que entraram no território depois de 2005). Estes dados são reveladores

do impacto das campanhas de regularização extraordinária realizadas

pelo Estado português (1994, 1996 e 2001), uma vez que cerca de 38%

dos inquiridos actualmente em situação regular, entraram ou viveram

em situação irregular. Confirma também que persistem as situações de

entrada e/ou permanência irregular no território nacional, apesar das

políticas de migração crescentemente restritivas.

Quanto à caracterização dos inquiridos por expressão étnica, os resul-

tados são os seguintes:

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Gráfico 3

Caracterização dos inquiridos por expressão étnica

Verifica-se a persistência da dinâmica migratória nas etnias pepel e

manjaco, à semelhança do já verificado por Machado (2002), mas no

quadro de uma diversificação mais acentuada, em que as etnias sem

tradição migratória (como os balantas) assumem uma maior expressão.

Ainda que pouco significativos nesta amostra, é relevante destacar a

presença de Bijagós, Cristões de Geba e Saraculés. A migração como

estratégia de vida generalizada dos guineenses é confirmada pela sua

transversalidade crescente aos diferentes grupos étnicos, e não exclusi-

vamente para aqueles que possuem essa tradição (como os manjacos) ou

aqueles cujo estrato sócio-profissional mais elevado lhes dava o acesso

aos recursos e estilo de vida necessários para ambicionar por melhores

oportunidades (como os pepel ou papel).

Também os grupos étnicos islamizados que possuem uma forte tradição

na área do comércio, como os fulas e os mandingas, e que já tinham o

hábito de migrar na região devido às trocas comerciais, assumem agora

um papel preponderante no conjunto dos inquiridos, somando no seu

conjunto 14% da amostra. São todavia valores inferiores aos obtidos

por Machado (2002), o que pode significar uma diminuição da pressão

migratória por parte destes grupos, uma diversificação dos seus destinos

migratórios ou uma simples perda de representatividade num contexto

de crescente diversificação dos grupos étnicos representados.

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65

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Relativamente à ocupação socioprofissional dos inquiridos, foram obti-

dos os seguintes resultados:

Gráfico 4

Caracterização dos inquiridos nível académico e ocupação socioprofissional

Verifica-se que a maioria dos inquiridos desenvolve a sua actividade

profissional na área dos serviços (empregados de limpeza, de restau-

ração ou de caixa) e da construção civil. Frequentemente, a ocupação

profissional desempenhada em Portugal constitui um down-grade rela-

tivamente aquela previamente desempenhada na Guiné-Bissau, sendo

também significativo o número de inquiridos com habilitação superior

que não se encontra inserido no nível laboral adequado à sua escolari-

dade. Estes dados confirmam a tendência da generalidade dos migran-

tes guineenses para ocuparem postos de trabalho pouco qualificados,

mesmo quando as suas habilitações e/ou experiência profissional se-

riam adequadas para trabalhos mais especializados, o que poderá re-

flectir a persistência de mecanismos de discriminação no acesso ao mer-

cado de trabalho na sociedade portuguesa, mas também uma reflexo da

contracção generalizada da dinâmica económica, que afecta particular-

mente os jovens licenciados e as profissões menos qualificados, sendo

em tudo idêntica à vivida pela população autóctone de acolhimento.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

É interessante ainda destacar a baixa representatividade de ocupações

profissionais ligadas à iniciativa privada, que neste caso rondam os 13%

e que foram localizadas principalmente nas etnias muçulmanas. Os ní-

veis aparentemente baixos de iniciativa empresarial são explicados pela

dificuldade de acesso ao crédito das populações migrantes, a quem fre-

quentemente faltam os meios e as informações necessários, bem como

pelos procedimentos administrativos e financeiros inerentes à criação

de um negócio em Portugal. Por outro lado, as iniciativas empresariais

identificadas caracterizam-se pela sua pequena dimensão e pela sua in-

serção em circuitos comerciais informais, como se verá detalhadamente

no sub-capítulo referente às práticas transnacionais de tipo económico.

6.2. Pistas de transnacionalismo sócio-cultural

As questões reunidas dentro deste tópico pretendem identificar práti-

cas transnacionais, de maior ou menor regularidade que se enquadrem

dentro do chamado transnacionalismo sociocultural. O transnacio-

nalismo de natureza socialcultural compreende segundo Portes (et al,

1999:221) actividades “oriented towards the reinforcement of a national identity

abroad or the collective enjoyment of cultural events and goods”. Uma outra de-

finição do conceito foi proposta por Itzigsohn (2002:768) “sociocultural

transnationalism refers to those transnational linkages that involve the recreation of

a sense of community that encompasses migrants and people in the places of origin”.

Este autor considera que as actividades relativas ao transnacionalismo

sócio-cultural implicam um certo grau de institucionalização – como

fazer parte de uma associação de migrantes -, de movimento (viagens

entre cá e lá), ou de empenho para com um projecto comunitário que

ultrapassa o espectro mais imediato da família e dos amigos, como dar

dinheiro para as actividades da associação de migrantes. Como elemen-

to de diferenciação relativamente a outros tipos de prática transnacio-

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67

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

nal, o mesmo autor considera que “sociocultural transnationalism refers to

social practices that are more affective oriented and less instrumental than political or

economical transnationalism” (Itzigsohn, 2002:768).

Uma das expressões de transnacionalismo sociocultural que reflecte a

ligação do migrante com o respectivo país é a frequência dos contactos

com a família na origem. Relativamente ao conjunto dos inquiridos,

foram obtidos os seguintes resultados:

Gráfico 5

Frequência de contactos com a família no país de origem

Mais de 98% dos inquiridos afirma possuir família próxima na Guiné-

-Bissau, com os quais apenas 3% afirma não manter qualquer tipo de

contacto. Dos que mantêm, 100% fazem-no através do telefone, com

uma pequena percentagem (3%) complementando este meio de comu-

nicação com a Internet. A frequência do contacto é elevada (perto dos

70%) semanalmente, sendo menos relevante em termos mensais e quo-

tidianos. Quando questionados sobre a razão dos contactos, mais de

92% dos inquiridos referiu “acompanhamento do quotidiano”, o que

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indicia a relação de proximidade mantida pelos migrantes com as sua

famílias, mesmo quando as viagens não são frequentes como se poderá

verificar no gráfico seguinte.

Gráfico 6

Frequência das viagens à Guiné-Bissau relativamente ao ano de chegada

Não surpreendentemente, verifica-se que a frequência das viagens ao

país de origem é tanto menor quanto menor é o tempo de estada do in-

quirido em Portugal. A situação legal dos inquiridos com um tempo de

estada menor é irregular em 50% dos casos, o que naturalmente limita

a sua mobilidade, uma vez que o risco da impossibilidade de regres-

sar a Portugal é muitíssimo elevado nessas circunstâncias. No entanto,

mesmo para aqueles que já se encontram em Portugal há mais de 10

ou 20 anos, as viagens à Guiné-Bissau não são muito frequentes. Por

exemplo, entre os inquiridos que chegaram entre 1981 e 1985, cerca

de 50% visitaram o seu país apenas uma vez e os restantes nunca o fi-

zeram. Um padrão idêntico verifica-se para aqueles que chegaram nos

anos seguintes, em que 40% a 50% dos inquiridos também nunca “ti-

veram oportunidade” de realizar uma viagem à Guiné-Bissau. O custo

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elevado das viagens é o argumento mais referido para justificar a baixa

frequência das viagens, tão mais relevante tendo em conta o nível so-

cioeconómico da maioria dos inquiridos e as estratégias de parcimónia

de gastos que caracterizam uma boa parte desta comunidade, como já

referido (Machado, 2002).

A excepção verifica-se para aqueles que viajam devido a negócios ou

cujo estrato socioprofissional torna possível viagens mais frequentes.

Uma tendência recorrente mencionada por vários inquiridos é a acu-

mulação do tempo de férias anual, por exemplo ao longo de 3 ou 5

anos, sendo o investimento da viagem recompensado pelo tempo mais

prolongado da estadia na Guiné-Bissau.

Embora a frequência das visitas e de contactos seja generalizadamente

aceite como indiciadora de práticas de transnacionalismo sociocultural,

verifica-se que no caso da comunidade guineense não existe uma relação

directa entre os dois. Verificaram-se outras expressões de transnacionalis-

mo sociocultural mais sofisticadas, nomeadamente a pertença associativa,

quer a que se orienta para a reprodução das práticas socioculturais do

país de origem no de destino, quer a que se orienta para a prática de acti-

vidades culturais ou de natureza filantrópica no país de origem.

Cerca de 44% dos inquiridos afirmou pertencer a uma associação de mi-

grantes. Quando questionados sobre a última actividade promovida por

uma associação de migrantes em que tivessem participado, cerca de 42%

dos inquiridos referiu uma actividade de natureza cultural, contra 26%

que referiu uma actividade de natureza cidadã. Relativamente ao apoio

na integração, os inquiridos enfatizam a importância da reprodução dos

laços sociais, dizendo que “aqui, as pessoas perdem a noção de conjun-

to, e o associativismo dá a noção de laços familiares e sociais” (inquirido

nº1); que a associação “junta as pessoas que de outra forma não estariam

unidas” (inquirido nº24); ou ainda que “servem de elo entre os Estados,

dão voz às preocupações e são um apoio na integração” (inquirido nº47).

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Para além destes, há também os inquiridos que enfatizam o papel das

associações de migrantes no apoio ao país de origem, referindo que

“não podem substituir o Estado, mas minimizam o mal das pessoas, é

importante para a integração dos que emigram, como para o desenvol-

vimento da Guiné-Bissau” (inquirido nº 14).

Para fins analíticos, as associações de migrantes guineenses considera-

das neste estudo foram divididas em 4 grupos:

• Associações de referência socioprofissional, na qual se inclui a

AEGBL (Associação dos Estudantes da Guiné-Bissau em Lis-

boa) e onde se poderiam referir outras que não foram men-

cionadas pelos inquiridos, como a Associação dos Quadros e

Estudantes na Diáspora – Bolanha ou o Guineaspora

• Associações de âmbito nacional guineense, sendo aqui consi-

deradas as associações guineenses com uma vocação alargada,

como a Casa da Guiné, a Aguinenso, Associação Guineense

pela Paz e Democracia ou a Associação dos Filhos e Amigos da

Guiné-Bissau

• Associações “outras”: pela sua pouca expressão nos resultados

deste estudo foram aqui consideradas as associações de inspira-

ção religiosa, como a Associação dos Muçulmanos Guineenses

Residentes no Conselho de Sintra e as Associações não especi-

ficamente guineenses, como a SOS Racismo, a Solidariedade

Imigrante e a Olho Vivo

• Associações da Terra Natal (ATN), são associações que agru-

pam migrantes oriundos de uma mesma localidade na Guiné-

-Bissau, e que possuem uma vocação dupla, uma parte orien-

tada para o apoio à comunidade no país de acolhimento, outra

parte dedicada à realização de actividades filantrópicas no país

de origem.

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O gráfico seguinte permite visualizar a pertença associativa dos inquiri-

dos segundo esta tipologia relativamente à sua expressão étnica:

Gráfico 7

Pertença associativa relativamente ao grupo étnico

Verifica-se que a pertença associativa à Associação de Estudantes da

Guiné-Bissau em Lisboa (AEGBL) é transversal a todos os grupos ét-

nicos, sendo comum a todos os inquiridos na situação de estudante.

Todavia, e tal como estudos precedentes revelaram (Machado, 2002;

Carreiro, 2007), há uma relação entre a referência étnica dos inquiridos

e a pertença a um tipo específico de associação de migrantes, as ATN.

Metade dos que se auto-referenciaram como manjacos e um quarto

dos que se identificaram como mancanhas pertencem a Associações

de Terra Natal. Os restantes grupos étnicos distribuem-se pelos outros

tipos de associações, constatando-se que para aqueles que não se refe-

renciam em relação a nenhum grupo étnico (SR), não existe pertença a

Associações de Terra Natal, mas sim a associações de âmbito nacional.

A pertença global a associações de tipo “outro”, onde se incluem aque-

las mais vocacionadas para a defesa dos direitos dos migrantes, é pouco

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expressivo, o que sugere uma baixa participação cidadã da comunidade

guineense na sociedade portuguesa.

No que diz respeito a pistas de transnacionalismo sociocultural, a pertença

a Associações de Terra Natal é a que fornece elementos mais interessantes

tendo em conta o número de guineenses envolvidos neste tipo de associa-

ção e o seu impacto potencial no desenvolvimento das comunidades onde

intervêm. Por esta razão, foi realizada uma pequena caracterização deste

tipo de associações em Portugal, sendo apresentados alguns exemplos da

maneira como funcionam e do tipo de actividades que desenvolvem.

As Associações de Terra Natal (ATN)

As ATN são um tipo específico de Associação de Migrantes, que Alarcón

(2000:3), definiu como “organizations formed by migrants from the same locality

with the purpose of transferring money and other resources to their communities of

origin”. A especificidade das ATN relativamente às associações de mi-

grantes tradicionais advém do facto de apoiarem o desenvolvimento

das respectivas comunidades de origem, como afirma Orozco (2004:1):

“Hometown Associations (HTAs)1 seek to promote social change, particularly for the

benefit of vulnerable populations, such as children and the elderly. They do this by

financially supporting critical sectors, such as health and education in their communi-

ties of origin. In this way, the migrant members of HTAs strengthen their relationship

to the development of their country of origin”.

No entanto, o facto de as ATN dedicarem a maioria do seu tempo e recur-

sos no apoio a projectos nas comunidades de origem não é incompatível

com a prossecução de objectivos ao nível da integração dos seus membros

nas comunidades de acolhimento. Para além do mais, como nota Sassen,

este tipo de associação reforça as ligações entre países de origem e destino,

notando que “Hometown associations are directly concerned with the socio-economic 1 Associações de Terra Natal (tradução da autora)

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development in its communities of origin and increasingly engage both governmental and

civic entities in sending and receiving countries in these projects” (2002:226)

No que diz respeito à lógica das doações, Orozco (2004:12) indica que

as Associações de Terra Natal têm uma base económica muito restrita,

uma vez que dependem quase exclusivamente das contribuições finan-

ceiras dos seus membros. Nota ainda que quer o trabalho realizado na

sociedade de acolhimento quer as actividades desenvolvidas nas comu-

nidades de origem são muitas vezes realizados com recurso a voluntá-

rios, o que lhes permite baixar os seus custos. A investigação de Leiken

(2000:16) revelou que “generally, HTAs are non-sectarian, voluntary organisa-

tions that depend entirely on donations”.

A análise do impacto que estas associações têm nas respectivas comu-

nidades de origem já foi analisada por diversos autores (Orozco, 2004;

Lacroix, 2005; De Haas, 2006; Carreiro, 2007), confirmando-se que

a sua importância é significativa para o bem-estar dessas populações,

como destacaram também Portes e Landolt: “Towns with a hometown as-

sociation have paved-roads, electricity, and freshly painted public buildings; the qua-

lity of life in transnational towns is simply better” (2000:543).

No caso da Guiné-Bissau, investigações já realizadas (Carreiro, 2007), reve-

laram a existência de 51 Associações de Migrantes guineenses em Portugal,

das quais 68% são consideradas como Associações da Terra Natal. Deste

sub-conjunto, 74% das associações são relativas a aldeias localizadas na

região de Cacheu, não surpreendentemente tendo em conta que tanto a

presente investigação como a de Machado (2002), referenciam os migran-

tes de etnia manjaca como um dos grupos mais numerosos em Portugal,

bem como aquele onde este tipo de dinâmica associativa é mais intenso.

È também interessante notar que as relações das Associações de Terra

Natal com os seus Estados de origem estão longe de ser isentas de con-

flitualidade e são frequentemente estruturadas por disputas pelo poder.

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Da perspectiva da Associação de Terra Natal são possíveis dois tipos

de estratégia. Uma assenta num maior afastamento entre a Associação

e o poder do Estado de forma a resguardar a sua legitimidade como

expressão associativa e a sua isenção, e, consequentemente, possibilitar

uma maior capacidade reivindicativa. Uma outra estratégia defende a

aproximação entre o Estado e a Associação, sob o argumento de que

uma relação cordial entre ambos leva a que as necessidades das comu-

nidades sejam mais facilmente satisfeitas (Alarcón, 2000: 10).

As evidências apontam para um crescente reconhecimento do papel de-

sempenhado pelas Associações de Terra Natal pelo Estado, pois o traba-

lho que desenvolvem tem tanto de significado simbólico como de efeitos

práticos, contribuindo para o desenvolvimento económico e social local,

como refere Guarnizo (2003: 677). Ou seja, a relevância social do traba-

lho deste tipo de Associação tornou-as “impossíveis de não serem vistas”.

Mas não é só. O seu poder financeiro e influência leva também a que

tenham impactos políticos porque “they influence home local and regional govern-

ments by determining which public projects receive migrants financial support and which

do not” (Guarnizo, 2003: 677). De tal forma que alguns autores conside-

ram mesmo as Associações de Terra Natal como “parallel power structures”

na medida em que estão “forcing the state to engage them in new ways, wether in

kind or degree” (Smith, 1998:227-8). Esta tendência verifica-se igualmente

na Guiné-Bissau, como referiu um dos entrevistados “o Estado procura

cada vez mais ligar-se às Associações porque elas têm mais credibilidade

e ajudam mais do que o próprio Governo” (inquirido nº11).

Qualquer que seja a perspectiva, mais de 73% dos inquiridos nesta amos-

tra acredita que as associações de migrantes são importantes, particular-

mente ao nível do apoio que disponibilizam na integração dos emigrantes

nas sociedades de acolhimento. Mas uma percentagem significativa (40%)

refere também as associações como actores relevantes para o desenvol-

vimento da Guiné-Bissau, notando que “ajudam muito, essas que cons-

troem hospitais, escolas” (inquirido nº 8), mas também porque “podem

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denunciar as coisas que estão mal feitas, podem servir de elo de ligação

mesmo que não seja economicamente e dar apoio moral aos que estão lá,

para que não se sintam sozinhos com as dificuldades” (Inquérito nº47).

No entanto, não são isentas de crítica. Mahler (1998) e Goldring (2001) fi-

zeram notar que este tipo de associações promove projectos não só com o

objectivo de beneficiar a comunidade mas também de adquirir mais poder

social, sendo ainda passíveis de manipulação e exploração por parte dos go-

vernos. Notam ainda que tendem a reforçar as relações de hierarquia já exis-

tentes na comunidade, sendo frequente a exclusão das mulheres. Não deixa

portanto de ser revelador que, da amostra em causa na presente investigação,

nenhuma das inquiridas pertença a uma Associação de Terra Natal, embora

cerca de 20% das mulheres da amostra refira pertença associativa.

Globalmente, as maiores críticas às Associações de Migrantes guine-

enses incidem sobre a sua promiscuidade com a política guineense e

com a dificuldade em se organizarem em torno de objectivos comuns,

como referiu o inquirido nº 24: “As Associações de Migrantes guineen-

ses prejudicam o seu próprio potencial porque não conseguem traba-

lhar juntas e perdem-se em batalhas pelo protagonismo”. Por último,

a lógica das suas intervenções também é questionada, referindo-se que

“têm tido dificuldade em evoluir da perspectiva assistencialista do início

para um verdadeiro desenvolvimento” (inquirido nº 51).

Apresentam-se em seguida dois exemplos de Associações de Terra Na-

tal guineenses em Portugal, que revelam em traços gerais as principais

características das organizações deste tipo.

Exemplo 1

A Associação dos Filhos de Calequisse residentes em Portugal – AFICAP

A AFICAP foi criada em 1983, com o objectivo de apoiar os seus mem-

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bros – guineenses oriundos da tabanca2 de Calequisse na região de Ca-

cheu - em caso de doença ou desemprego e para custear a transladação

dos sócios em caso de falecimento em Portugal. A primeira sede da

Associação foi no Monte de Caparica, tendo em seguida mudado para

Casal de Cambra. A Associação definiu como atribuições nos seus es-

tatutos “participar no desenvolvimento sócio económico e cultural do

Sector de Calequisse (…), apoiar as populações do referido sector, em

conjunto com outras associações da mesma natureza e fins”.3 Desde

logo foi constituído um fundo a partir das contribuições dos associados

para suportar financeiramente estas actividades.

Em 1987, o fundo foi utilizado para comparticipar as despesas médicas

da cirurgia de um sócio e na mesma fase para suportar as exéquias de

uma sócia. Até ao final da década de 90, as actividades da associação vi-

savam sobretudo o apoio legal aos seus membros, tendo sido realizadas

algumas sessões de esclarecimento sobre o sistema de segurança social,

reagrupamento familiar e processos de legalização. A manutenção da

cultura guineense também constitui uma prioridade para a Associação,

pelo que procuram organizar também festas com música e comida tra-

dicionais. Em 2000, a Associação foi formalmente constituída e pouco

depois recebia o reconhecimento formal do ACIDI.

As actividades dirigidas à aldeia de origem iniciaram-se em 1994, com

a construção de uma escola secundária em Calequisse. Embora possua

uma escola primária, em Calequisse não existe continuidade ao nível do

ensino pelo que as crianças que terminam a quarta classe são forçadas a

seguir para Bissau para poderem continuar a estudar. Esta é uma possi-

bilidade fora do alcance da maioria das famílias de Calequisse, porque

o encargo de manter um filho a estudar longe de casa é significativo,

tendo em conta o nível de vida médio da comunidade. Como conse-

quência, a maioria das crianças de Calequisse não podia prosseguir os 2 Tabanca é um aglomerado populacional mais comum em meio rural; será equiva-lente à aldeia em Portugal3 Fonte: Estatutos da AFICAP.

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seus estudos, ou, na melhor das hipóteses, eram forçadas a separar-se

da sua família para poderem continuar a estudar. Face a esta situa-

ção, entre 1994 e 2000, a AFICAP, juntamente com as suas congéneres

francesa e senegalesa, dedicou os seus recursos à construção de um liceu

em Calequisse, que serve todo o sector.

Seguiu-se a recuperação do Centro de Saúde local. Este projecto foi tam-

bém desenvolvido com as Associações congéneres em França e Senegal

e contou com o apoio da Igreja e da Associação de jovens local. Termi-

nada a recuperação do edifício, a Associação planeia promover cursos

de formação profissional para técnicos de saúde, dirigidos às pessoas de

Calequisse, uma vez que o maior obstáculo ao funcionamento das infra-

-estruturas construídas é a carência de recursos humanos qualificados.

Em 2006, a Associação encontrava-se a promover uma recolha de livros

para enviar para a biblioteca que estavam a montar em Calequisse. Fize-

ram diligências junto das instituições em Portugal e conseguiram um do-

nativo de 135 livros do Instituto Camões. Pretendiam também desenvol-

ver um clube desportivo em Calequisse, providenciar cursos de informá-

tica para os jovens da localidade e instituir o prémio do “Melhor Aluno”.

Simultaneamente procuram dar continuidade à construção da 2ª fase

do Centro de Saúde de Calequisse, mas não descuram as suas activi-

dades em Portugal. Em 2007, a associação obteve um financiamento

junto do ACIDI para a realização de uma conferência para celebrar o

Dia da Guiné-Bissau e a organização de um curso de informática para

os jovens da Associação.

Exemplo 2

Associação Baboque em Portugal

Baboque é o nome de um dos regulados existentes na região de Cacheu,

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na Guiné-Bissau, também conhecido como regulado da Costa de Baixo

(Carvalho, 1998). Como qualquer um dos regulados da região, é constitu-

ído por um certo número de tabancas. Baboque, embora seja denomina-

da de associação, quer estatutariamente quer pelos seus membros, é na

prática uma federação de associações de migrantes que têm em comum

o facto de serem constituídas por elementos oriundos desse regulado.

As associações que constituem a Associação Baboque são as seguintes:

Balolé – Associação dos Filhos e de Bajope e Capol residentes em Por-

tugal; Associação dos Naturais de Cabienque residentes em Portugal;

Associação Amigável Babanda Ucunho Bucul; Associação dos Naturais

de Chulame; Associação dos Filhos e Amigos de Utiacor residentes em

Portugal; Associação dos Filhos de Canobe; Associação dos Naturais de

Petabe; Associação dos Naturais de Cachobar; Associação dos Naturais

de Beniche; Associação dos Naturais de Pepal; Associação dos Naturais

de Bucucute – Caroncã e Associação dos Naturais de Bará.

As doze associações agregaram-se em torno da vontade partilhada de

agirem conjuntamente em prol do desenvolvimento do regulado de Ba-

boque. Todas elas têm percursos idênticos, com pequenas diferenças

no número de membros ou no ano de criação. Nenhuma se encontra

reconhecida pelo ACIDI, e das doze, só as duas primeiras (Balolé e Ca-

bienque) se encontram formalmente constituídas como associação. Este

aspecto não é impeditivo para o desenvolvimento das actividades das

associações nas comunidades de origem, como refere o Presidente da

Associação: “não é que não haja preocupação, mas as associações nun-

ca deixaram de funcionar nem de fazer o que tinha que ser feito por não

estarem legalizadas”4. No entanto, a Associação Baboque em Portugal

encontra-se, ela própria, formalmente constituída, tendo definido como

objecto social o seguinte:

“A Associação tem por objecto promover acções sócio-culturais, sanitá-4 Manuel da Costa Mendes, Presidente da Associação Baboque em Portugal, entrevista com a autora, Charneca do Lumiar, Lisboa, 10 de Junho de 2006.

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rias, educativas, reagrupar os naturais e amigos de Baboque residentes

em Portugal em prol do incremento de laços de amizade, defesa dos

interesses dos seus sócios, no plano da saúde, educação, tanto no país

de origem como no estrangeiro, e adaptação dos sócios à sociedade do

país de acolhimento (Portugal) e também fortalecer relações com outras

instituições, associações guineenses e estrangeiras residentes em diver-

sos países do mundo”5.

Todas as Associações que integram a Associação Baboque possuem

um fundo, constituído a partir das quotas dos associados. Esse fundo

foi utilizado como suporte social para os membros das associações nos

primeiros tempos das suas estadias. À semelhança de outras ATN, tam-

bém as associações que constituem a Baboque começaram a direccio-

nar as suas actividades para a comunidade de origem, à medida que as

condições de vida dos seus membros melhoravam e a disponibilidade

das associações para outras actividades aumentava, consequentemente.

No seguimento das várias intervenções que as associações pertencen-

tes à Baboque foram realizando – na medida das suas possibilidades,

e regra geral, em parceria com congéneres francesas, espanholas e/ou

senegalesas – foi crescendo nelas a noção de que as suas intervenções

eram fragmentadas e parcelares e que poderiam ter maior impacto e

capacidade de intervenção se articulassem esforços entre si.

Esta constatação conduziu à constituição da Associação Baboque. Parale-

lamente, o mesmo processo decorria, mais ou menos nos mesmos moldes,

em França, onde também foi constituída uma Associação Baboque. Em

2002 iniciou-se o processo de reconhecimento e angariação dos membros

potenciais. Em 2003, dava-se a primeira Assembleia Geral. A Associação

Baboque em França reúne 24 Associações de referência local, todas cons-

tituídas por pessoas oriundas de tabancas situadas no regulado de Baboque.

Este facto é, por si só, expressivo da dimensão da comunidade guineense

residente em França, um facto que as estatísticas oficiais não revelam.

5 Fonte: Estatutos da Associação Baboque em Portugal, artigo 2º.

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Uma vez constituída, a Associação Baboque em França iniciou um pé-

riplo junto das outras Associações Baboque já existentes – como a de

Portugal e a dos Estados Unidos – e das Associações Baboque em po-

tencial, em Espanha e em Itália. Como objectivo, a Associação Baboque

em França determinou a definição de uma estratégia comum, que mo-

bilize os recursos de todas as pessoas oriundas de uma qualquer tabanca

no regulado de Baboque, estejam elas onde estiverem. Como referiu o

Presidente da Associação Baboque em França, Albert Mendy, “em qual-

quer canto do mundo em que se encontre um filho de Baboque, vamos

chamá-lo a participar e a apoiar o desenvolvimento de Baboque ”6.

Paralelamente aos esforços de articulação entre si ao longo da diáspora,

as Associações Baboque têm desenvolvido iniciativas isoladamente. A

Associação Baboque em França encontra-se a promover um projec-

to que visa diminuir a especulação de preços que ocorre na região de

Canchungo na época seca. È nesta altura do ano que a maioria dos

migrantes manjacos, independentemente do seu local de residência,

regressa à sua aldeia de origem. A chegada destes migrantes, com o

seu poder de compra bastante superior ao da população local é vista

pelos comerciantes como uma oportunidade para aumentarem os seus

dividendos e, por isso, os preços são substancialmente aumentados. A

situação é particularmente complexa porque uma boa parte das aquisi-

ções dos migrantes são animais destinados à realização dos rituais tradi-

cionais, sendo praticamente obrigatórias. Em segundo lugar, porque os

comerciantes de animais são, regra geral, fulas e mandingas, as etnias

tradicionalmente criadoras de gado e comerciantes e não manjacos, o

que cria algumas tensões. A Associação Baboque em França tem estado

em negociações com o governo local de Cacheu, procurando promover

uma legislação que controle os preços e uma garantia de monitorização

da actividade dos comerciantes, especialmente na estação seca.

6 Albert Mendy, Presidente da Associação Babok em França, entrevista com a autora, Charneca do Lumiar, Lisboa, 10 de Junho de 2006.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Por seu turno, a Associação Baboque em Portugal encontra-se a de-

senvolver um projecto em articulação com uma ONGD portuguesa, o

CIDAC. Este projecto pretende desenvolver um quadro de referência

comum para a intervenção integrada das várias associações de migran-

tes que constituem a Baboque entre si. O próximo projecto visa a cons-

trução de uma Escola Profissional no regulado, de forma a garantir a

continuidade dos estudos dos jovens da região. No futuro, as diversas

Associações Baboque pretendem mobilizar o conjunto dos seus recur-

sos e intervir de forma concertada em Baboque, sobretudo nas áreas da

saúde e da educação, que entendem como fundamentais para a pro-

moção do desenvolvimento do regulado. Pretendem também articular-

-se com outras iniciativas idênticas, como a do regulado de Calequisse,

que, à semelhança de Baboque, também procura organizar as diversas

associações na diáspora. Nenhuma destas iniciativas, enfatizaram os

Presidentes da Baboque em França e da Baboque em Portugal, invali-

da ou minimiza a especificidade e os interesses das associações que as

constituem, e sem as quais, afinal, não existiriam.

Imagem 1

Festa de concertação das intervenções das Associações de Baboque em Portugal e França,

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Odivelas (Novembro de 2007)

As duas associações apresentadas exemplificam a orientação predo-

minante das Associações de Terra Natal para a promoção do desen-

volvimento das respectivas comunidades de origem, constituindo um

elemento revelador da maturidade do transnacionalismo sociocultural

protagonizado pela diáspora guineense em Portugal. À luz desta pers-

pectiva, torna-se evidente que as lógicas e políticas de integração dos

migrantes nos países de destino têm um impacto significativo no desen-

volvimento do país de origem. De facto, só quando a situação legal e

financeira dos migrantes se estabiliza, a Associação tem a disponibilida-

de e os meios necessários para dar prioridade às actividades realizadas

no país de origem.

Constata-se o significativo nível de influência recíproca existente en-

tre as condições do país de acolhimento e as do país de origem sobre

a diáspora. As associações são efectivamente condicionadas quer pelo

quadro legal e político da sociedade de acolhimento, quer pela con-

juntura económica, quer ainda pelos constrangimentos e oportunida-

des vividos pela própria comunidade migrante na qual emergem. Mas

as suas prioridades são também influenciadas pelas condições de vida

e necessidades das comunidades donde são oriundas. Tanto as activi-

dades promovidas pelas associações nas suas comunidades de origem,

como o contexto em que emergem, confirmam que “people leave their

countries because of development conditions there, yet they continue to engage with their

homelands at various levels. Such engagement stretches the idea of development beyond

territorial boundaries” (Orozco, 2004:6).

Desta forma, as associações de migrantes guineenses mantêm a Guiné-

-Bissau presente no seu quotidiano, mas também se tornam, elas pró-

prias, presentes ainda que ausentes7, nas vidas e no destino do seu país.

7 Parafraseando Robert Smith (2000), na obra intitulada: los aUsEntEs siEmprE prEsEn-tEs: thE imagining, making and politics of a transnational commUnity BEtwEEn nEw york city and ticUani, pUEBla, Manuscrito, Columbia University, Institute for Latin American

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

6.3. Pistas de transnacionalismo económico

O transnacionalismo económico tem como actores, segundo a tipolo-

gia de Portes, os empresários/empreendedores migrantes cujas redes de

fornecedores, capital e mercados, trespassam os Estados, envolvendo os

países de origem e de destino, ou mesmo outros, particularmente aque-

les onde também se encontram membros da mesma diáspora (Portes,

1999: 227; idem, 2004: 76). A proposta de Guarnizo (2003:680) sobre

esta matéria alarga a abordagem de Portes, incluindo como parte das

actividades económicas transnacionais convencionais, não só o empre-

sariado transnacional, mas também as remessas familiares e o dinheiro

enviado para apoio a projectos de desenvolvimento comunitário local.

As tipologias propostas pelos dois autores são reveladoras na medida

em que chamam a atenção para formas alternativas de pensar a ligação

dos migrantes com os seus países de origem, classicamente percebida

como unidireccional e de sentido Norte-Sul. É evidente que as remessas

têm um peso significativo, mas as empresas e pequenos negócios geridos

por emigrantes, o comércio étnico e os lucros gerados pelas viagens e

contactos telefónicos dos emigrantes com as suas famílias, provam que

o fluxo de bens e serviços é multidireccional e muito mais complexo do

que o protagonismo dado às remessas tem permitido perceber.

A presente investigação confirma que o fluxo de bens é bidireccional,

ou seja, não é estritamente no sentido Portugal - Guiné-Bissau, mas

também no sentido Guiné-Bissau - Portugal. Como revela o gráfico se-

guinte, a esmagadora maioria dos inquiridos referiu consumir regular-

mente roupas, comidas e bens culturais oriundos da Guiné-Bissau:

and iberian Studies.

Page 86: ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Gráfico 11

Consumo de bens provenientes da Guiné-Bissau

Confirma-se que a diáspora guineense em Portugal possui o poder de

compra e o interesse em adquirir bens especificamente guineenses, o

que consequentemente gera uma dinâmica comercial que alarga o mer-

cado de exportações guineense e aumenta, necessariamente, a produ-

ção, o rendimento e o emprego na Guiné-Bissau. No entanto, como

este fluxo comercial tem uma natureza familiar e recorre a canais de

transferência informais, acaba por funcionar em circuitos fechados e

o seu potencial não é reconhecido nem devidamente explorado. Em

Lisboa, não é possível identificar facilmente locais de consumo de bens

gastronómicos e culturais guineenses, ao contrário do que sucede com

Cabo Verde ou Angola, por exemplo. Mesmo as festas e concertos não

são amplamente divulgados fora do âmbito da diáspora guineense, pelo

que o seu património cultural e artístico permanece aquém do seu po-

tencial de divulgação e generalizadamente desconhecido para a socie-

dade portuguesa.

O mesmo se verifica com o empresariado guineense em Portugal. Só

cerca de 13% dos inquiridos referiram desenvolver uma actividade em-

presarial por conta própria; a grande maioria trabalha por conta de

outrem. Dos empresários identificados, em 70% dos casos, a actividade

comercial desenvolvida depende de relações com a Guiné-Bissau ou são

mesmo casos de investimento directo na Guiné-Bissau, normalmente

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85

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

um pequeno negócio gerido por um familiar, no qual o emigrante in-

vestiu o capital inicial e donde retira alguns dividendos. Relata a en-

trevistada nº 28 “a vida em Portugal também é difícil. Quando tive a

minha filha precisava de ganhar algum dinheiro extra. Decidi comprar

200 Euros de roupa e enviar para a minha irmã em Bissau, para ela

vender lá. Agora faço-o regularmente. A minha irmã vende a roupa e

fica com algum dinheiro, o resto envia para mim. Consigo pagar meta-

de da renda com o dinheiro da venda da roupa”.

Outro entrevistado referiu que “quando já cá (em Portugal) trabalha-

va há alguns anos, juntei algum dinheiro e comprei uma carrinha em

segunda mão. Enviei a carrinha para Bissau, para o meu primo abrir

um negócio de sete place, que fazia a viagem entre Bissau e Ziguinchor

(Sul do Senegal). Ao princípio corria bem, mas depois a carrinha estava

sempre a avariar e os arranjos eram muito caros. Acabei por desistir

porque já tinha gasto muito dinheiro com a compra da carrinha e com

o despacho alfandegário” (entrevistado nº 17).

Também foram identificados empresários guineenses cujo negócio

apresenta uma ligação forte com a diáspora guineense, tanto ao nível

dos clientes como dos fornecedores. As principais dificuldades referidas

relacionam-se com o acesso ao crédito (em Portugal), com os procedi-

mentos administrativos para criação de um negócio e com os custos

tidos como demasiado elevados dos despachos alfandegários na Guiné-

-Bissau. Novamente, num e noutro caso, os negócios identificados são

de pequena escala e desenvolvem-se em circuitos informais.

O fluxo de bens e o empresariado transnacional surgem acompanhados

por mais um elemento típico, e o mais reconhecido do conjunto de prá-

ticas de transnacionalismo económico: as remessas. A informação reco-

lhida no âmbito da presente investigação revelou que 75% dos inquiridos

envia regularmente remessas para os seus familiares na Guiné-Bissau,

sendo que os montantes variam de acordo com o gráfico seguinte:

Page 88: ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

86

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Gráfico 8

Montantes das remessas enviados pelos inquiridos mensalmente

Verifica-se que cerca de 50% dos inquiridos envia entre 50 a 100 Euros

por mês para a respectiva família na Guiné-Bissau. Outra parte signi-

ficativa de inquiridos (40%) afirma enviar entre 100 e 250 Euros/mês

para a respectiva família, e uma minoria envia montantes inferiores a

50 Euros e outra minoria, montantes superiores a 250 Euros.

Montantes aparentemente pouco significativos ao nível individual tor-

nam-se relevantes quando perspectivados a nível do colectivo. Para o

ano de 2007, as Nações Unidas estimam em 29 milhões de US$ o mon-

tante de remessas que teve como destino a Guiné-Bissau, correspon-

dendo a um valor de 17 US$ per capita e contribuindo para 8,3% do

PIB (PNUD, 2009). Deste valor, cerca de 22% (seis milhões e noventa

a quatro mil Euros) foi enviado a partir de Portugal8, confirmando-se,

novamente, a importância da ligação da diáspora guineense residente

em Portugal com o seu país de origem. Importa destacar ainda que es-

tes números se referem unicamente ao dinheiro transferido por canais

formais, que não são a forma mais utilizada para transferir dinheiro,

como revela o gráfico seguinte:

8 http://www.observatorioemigracao.secomunidades.pt/np4/paises.html?id=92

Page 89: ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

87

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Gráfico 9

Formas de envio de bens e remessas financeiras

Constata-se que a esmagadora maioria dos inquiridos opta pelo que

denominámos de agências guineenses para o envio tanto de bens como

de dinheiro. As agências guineenses são pequenas empresas informais,

normalmente de natureza familiar, que garantem o envio tanto de bens

como de dinheiro de uma forma simples, com uma rapidez idêntica e a

custos inferiores aos praticados pelas grandes agências de transferência

(como a Western Union ou a Money Gram) e pelos bancos. O processo

consiste em entregar o dinheiro a um despachante em Portugal, que

no mesmo momento telefona para a sua contra-parte na Guiné-Bissau,

sendo o dinheiro imediatamente entregue ao seu destinatário.

Esta operação é menos dispendiosa e muito menos complexa pois os

procedimentos de segurança inerentes às agências formais são aqui

substituídos por relações de confiança, ou seja, são garantidos pelos ní-

veis elevados de capital social que caracterizam esta comunidade. Esta

questão é igualmente relevante para os destinatários das remessas, que

têm acesso ao dinheiro através de um simples telefonema, evitando as-

sim o sistema de identificação, de códigos e de procedimentos adminis-

trativos das agências financeiras. O fluxo financeiro dentro do circuito

Page 90: ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

88

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

da agência informal é garantido pelo envio directo de capital através de

familiares e amigos em trânsito para a Guiné-Bissau.

Assim, apenas 10% dos inquiridos referem a utilização de agências de

transferência, contra os cerca de 78% que utilizam canais informais.

Mais de 12% referiram outros canais para o envio de dinheiro, a maio-

ria através de familiares e amigos nos voos tri-semanais Lisboa-Bissau

bem como o envio através de Associações de Migrantes. Dos mais de

20% que afirmam enviar bens através de outros canais, o recurso a

familiares e amigos que viajam para Bissau é o meio mais referido. Os

dados revelam ainda que há uma relação entre o grau de escolaridade

dos inquiridos e a prática de envio de remessas, como revela o gráfico

seguinte:

Gráfico 10

Relação entre o envio de remessas e o nível sociocultural dos inquiridos

Constata-se que aqueles que possuem um grau de escolaridade mais

baixo têm uma prática de envio de remessas muito mais forte, uma

relação inversa da verificada nos que têm um grau de escolaridade mais

elevado. Este é um padrão expectável tendo em conta que aqueles que

não tiveram oportunidade de estudar são provavelmente oriundos de

famílias com menos possibilidades económicas, onde a necessidade de

remessas será maior. Já os que tiveram acesso a uma educação melhor,

Page 91: ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

89

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

serão oriundos de famílias com um nível socioeconómico mais eleva-

do, onde a necessidade de remessas não se verifica ou se verifica a um

nível muito inferior. Importa ainda referir que da totalidade dos que

concluíram ou se encontram a frequentar pós-licenciaturas, 60% ainda

se encontram a estudar e os restantes 40% não trabalham na sua área

de formação, desempenhando cargos menores, sobretudo no sector dos

serviços. O investimento que ainda se encontram a realizar na sua for-

mação, em paralelo com a menor disponibilidade financeira devido ao

emprego não qualificado poderão justificar o menor envio de remessas,

tanto mais que, tal como já foi referido, a pressão ou necessidade por

parte da família no país de origem será menor ou mesmo inexistente.

Os inquiridos foram também questionados relativamente à sua percep-

ção sobre a forma como as remessas que enviam são utilizadas pelos

respectivos familiares. Os dados obtidos revelam o seguinte:

Gráfico 12

Utilização percebida das remessas na Guiné-Bissau

Tal como se pode verificar, a grande maioria dos inquiridos acredita

que as remessas que envia são utilizadas, em mais de 80% dos casos,

para a aquisição de bens alimentares. A saúde e educação surgem logo

em seguida, sendo que os bens de consumo (entendidos como bens que

não são de primeira necessidade) são referidos em cerca de 35% dos

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

casos. Os bens básicos (entendidos como a aquisição de gasóleo para

um gerador, para a construção ou remodelação de uma casa, dinheiro

para rituais) são utilizados em menos de 30% dos casos. Nenhum dos

inquiridos referiu as remessas que envia como sendo utilizadas para o

desenvolvimento de actividades geradoras de rendimento.

Relativamente à importância destas remessas para as famílias beneficia-

das, em 78% dos casos, os inquiridos consideraram que as remessas têm

uma importância muito alta. Cerca de 8% consideraram a sua impor-

tância média, e 2% entendem que as remessas não são nada importan-

tes. Ainda 11% afirmam não saber ou não querer responder.

O grau de importância percepcionado pelos inquiridos relaciona a re-

levância das remessas com a situação generalizada da falta de acesso a

um emprego assalariado na Guiné-Bissau ou das más condições desse

tipo de emprego, que é maioritariamente no sector público: “os salários

lá são muito baixos e vêm sempre atrasados (inquirido nº1); “as pessoas

lá não recebem salário, então o que vem de cá é muito importante” (in-

quirido nº 12), ou, como resumiu um inquirido “a maioria das famílias

não tem um rendimento e depende dos que estão fora. Sem esse dinhei-

ro era muito difícil porque as pessoas não têm trabalho” (inquirido nº

24). Lapidarmente, concluiu o inquirido nº 74 que “as remessas é que

garantem a sobrevivência das famílias na Guiné-Bissau”.

Mas também existem críticas ao efeito gerado pelas remessas, como

referiu o inquirido nº 4 “o dinheiro é importante, mas é mal utilizado;

provoca acomodação nas pessoas e elas deixam de se esforçar”. Notou

ainda o inquirido nº 27: “as remessas provocam desigualdade; os gui-

neenses têm um sentido de comunidade e de solidariedade muito forte,

não se vê ninguém passar fome. As remessas desequilibram isso e o

migrante sacrifica muito para mandar coisas para lá, para mostrar que

tem e pode. Cria divergências entre os vizinhos, muita pressão para o

migrante e provoca mais emigração”. O inquirido nº 46 concluiu que

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

“o contributo das remessas para o desenvolvimento da Guiné-Bissau

podia ser muito maior se o dinheiro fosse investido e criasse emprego;

mas ajuda sempre porque há famílias que passam muito mal porque o

Estado só é Estado em sentido figurado”.

Os argumentos avançados pelos inquiridos quando questionados sobre

o impacto percebido das remessas para o desenvolvimento do seu país

de origem, convidam a revisitar os argumentos da escola “pessimista” e

da escola “optimista”, aplicando-os ao caso específico da Guiné-Bissau.

Em contextos de profunda fragilidade institucional como o deste país,

em que os níveis mínimos de funcionamento dos serviços básicos não

são garantidos, as remessas têm impactos complexos. Por um lado, são

as remessas que, indiscutivelmente, garantem o acesso à saúde e à edu-

cação das famílias beneficiadas, particularmente às que são de um es-

trato socioeconómico mais baixo.

No entanto, estas mesmas remessas acabam também por funcionar como

um “amortecedor” para os impactos que as fragilidades da governação

do Estado têm na qualidade de vida dos guineenses, mitigando a necessi-

dade da população em reclamar e exigir responsabilidade por parte dos

seus governantes. Por outro lado, verificou-se que mesmo os inquiridos

que não tinham uma perspectiva positiva sobre o impacto das suas remes-

sas, afirmavam enviá-las regularmente. Este dado indicia os possíveis ní-

veis de pressão familiar nesse sentido, provavelmente aliada à obrigação

de retorno do investimento feito pela respectiva família, uma vez que, ge-

neralizadamente na Guiné-Bissau, a migração é uma estratégia de sobre-

vivência familiar e não individual. Importa ainda referir que um salário

médio na Guiné-Bissau ronda os 40 Euros, e que assim sendo, as remes-

sas mesmo de baixo valor têm um peso relativo elevado no orçamento

das famílias beneficiadas, ao qual acrescem os bens e os envios suportados

pelo migrante para apoio a situações ou constrangimentos específicos.

De uma forma geral, verifica-se que as dinâmicas de transnacionalismo

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92

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

económico são significativas na diáspora guineense residente em Portu-

gal, e que possuem um sentido bidireccional. No sentido Lisboa - Bis-

sau seguem montantes relevantes de remessas familiares, uma prática

regular para mais de três quartos dos inquiridos, juntamente com bens

materiais. Mas o fluxo Bissau - Lisboa também é surpreendentemente

significativo, revelando as potencialidades do mercado constituído pela

diáspora em Portugal para os produtos guineenses. A estes dois fluxos

acrescentam-se os empresários transnacionais, que são pouco numero-

sos no âmbito desta comunidade devido aos constrangimentos no acesso

ao crédito, às dificuldades de mobilidade entre Portugal e a Guiné-Bis-

sau e à burocracia e instabilidade do próprio país, que desencorajam o

investimento externo. Foi portanto interessante constatar que mais de

80% dos inquiridos teria interesse em fazer um investimento financeiro

na Guiné-Bissau a partir de Portugal, se esses constrangimentos pudes-

sem ser ultrapassados. Confirma-se assim o potencial inexplorado do

empresariado transnacional da diáspora guineense em Portugal.

Também se constatou que a maioria dos negócios que são efectivamen-

te desenvolvidos têm uma natureza informal e decorrem normalmente

em circuitos familiares. Por último, o montante de remessas que é en-

viado através de canais não formais revela que o fluxo financeiro que

tem a Guiné-Bissau como destino é muito superior aquele que as esta-

tísticas oficiais permitem antever. A forma como este dinheiro é utiliza-

do revela a importância da migração para o bem-estar da comunidade

não migrante, confirmando-se que também ao nível económico existe

um impacto significativo das práticas transnacionais dos guineenses em

Portugal sobre o desenvolvimento da Guiné-Bissau, um pressuposto

que os dados recolhidos na Guiné-Bissau virão a confirmar.

Page 95: ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

6.4. Pistas de transnacionalismo politico

Segundo Ostergaard (2003), por transnacionalismo politico entende-

-se: “various forms of direct cross border participation in the politics of their country

of origin by both migrants and refugees, as well as their indirect participation via

the political institutions of the host country”. A proposta de Baubock (2003),

nascida no seio da ciência política, destaca as particularidades deste

tipo de transnacionalismo. Afirma o autor que enquanto os transna-

cionalismos económicos e socioculturais trespassam as fronteiras dos

Estados-Nação sem que com isso coloquem em causa a sua natureza, o

transnacionalismo político obriga o Estado-Nação a reaquacionar-se e,

no limite, “affects the very definition of the entity whose borders are crossed” (Bau-

bock, 2003:702). Porque o transnacionalismo político migrante dilata a

comunidade política de um dado país para lá do seu próprio território

– desafiando a concepção clássica de que a política doméstica de um

qualquer país é decidida exclusivamente dentro das suas fronteiras –

criou a necessidade de alargar também o âmbito da análise, tradicional-

mente centrada no Estado-Nação ou nas relações entre Estados-Nação.

A proposta de Baubock é útil no que se refere à delimitação dos vá-

rios conceitos em presença. Assim, segundo o autor, o que distingue

as relações políticas transnacionais das internacionais, multinacionais

ou supranacionais é que as primeiras “create overlapping memberships be-

tween territorially separated and independent countries” (Baubock, 2003:720).

A abordagem deste autor oferece a possibilidade de tornar inteligível

as “communities and systems of rights that emerge at levels of governance above or

below those of independent state or that cut across international borders” (Baubock,

2003:704). Assim, no que diz respeito ao transnacionalismo migrante

de natureza política, esta é uma abordagem mais ampla e que integra

não só os actores óbvios do processo mas também as populações e as

instituições das comunidades de origem. Como refere o autor “political

transnationalism is not only about the activities of governments and organized inte-

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

rests in society, but involves the idea of a political community that stretches across

territorial boundaries” (Baubock, 2003:710).

No âmbito da presente investigação partiu-se do enquadramento teórico

elaborado por este autor, procurando apreender-se a dinâmica política da

diáspora guineense em Portugal, bem como o seu grau de influência sobre

a situação política na Guiné-Bissau. Analisou-se portanto, a participação

política da diáspora guineense na Guiné-Bissau e em Portugal, bem como a

importância atribuída ao processo para o desenvolvimento dos dois países.

Quando questionados sobre a importância atribuída ao voto dos migrantes

guineenses para Portugal, os resultados foram os seguintes:

Gráfico 13

Nível de importância atribuída ao voto dos migrantes para o desenvolvimento de Portugal

Verifica-se que mais de 60% dos inquiridos considera que o voto dos

emigrantes é importante para o desenvolvimento de Portugal porque

“também estamos a lutar pela evolução do país, somos emigrantes mas

vivemos aqui” (inquirido nº 4). O inquirido nº 14 notou que “lá por ser-

mos imigrantes, não quer dizer que não estejamos interessados na forma

como Portugal avança, e também contribuímos com os nossos impostos”.

Outro referiu que “sinto-me integrado; o que é bom para Portugal é bom

para mim, a minha opinião conta” (inquirido nº 20). Outro referiu ainda

que “os imigrantes votam para quem pode fazer o melhor para Portugal”.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Houve um número de inquiridos que avaliou a participação política em

Portugal através do voto como algo de legítimo, revestido de uma cre-

dibilidade que sentem não encontrar paralelo na Guiné-Bissau. Referiu

o inquirido nº 18 que “o sistema político aqui é credível”, ou “aqui é

a sério, vê-se a diferença” (inquirido nº30). O inquirido nº 34 declarou

que “em Portugal, as coisas fazem-se à base da lei”.

Há ainda um conjunto de inquiridos, menos de 20%, que liga o exercício

de voto à nacionalidade, considerando que votar em Portugal deve ser uma

prerrogativa exclusiva dos portugueses ou dos guineenses que já possuem

nacionalidade portuguesa, ou que não considera o voto dos migrantes re-

levante para Portugal. Segundo o inquirido nº 1 “o voto não resolve os

problemas dos emigrantes, porque a maioria das pessoas não vota com

essa preocupação”; outro inquirido refere que “somos imigrantes e um dia

voltaremos para o nosso país” ou ainda que “os portugueses é que sabem

dos seus problemas” (inquiridos nº 60 e nº65, respectivamente).

Quanto à importância do voto dos emigrantes para o desenvolvimento

da própria Guiné-Bissau, os resultados são expressivos:

Gráfico 14

Nível de importância atribuída ao voto dos migrantes para o desenvolvimento da Guiné-Bissau

Cerca de 90% dos entrevistados considera que o voto dos emigrantes é

muito importante para o desenvolvimento da Guiné-Bissau. As razões

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

invocadas para justificar esta opinião indiciam o peso que os migrantes

têm na economia do país, “as remessas apoiam muito as famílias, votar

dá forma ao sacrifício que os migrantes fazem, é uma forma de expres-

são” mas também uma reivindicação de um direito sentido como seu

“temos o direito de escolher quem melhor pode ajudar a Guiné-Bissau”

(inquirido nº 25). Muitos destacaram o papel dos migrantes na trans-

missão de informação e conhecimento. Disse o inquirido nº 31 que “os

migrantes é que estão a ver o que se está a passar lá; sem nós a Guiné-

-Bissau já não existia”, reforçada pelo inquirido nº 48 que afirmou “os

que estão em Portugal estão a par de tudo, lá há menos informação, cá

já temos outra mentalidade, as pessoas lá não têm noção”.

Muitos dos inquiridos referem a experiência migratória como uma

aprendizagem da democracia por comparação à experiência que tra-

zem da Guiné-Bissau. Nota o inquirido nº 7 que “os imigrantes apren-

deram a democracia e podem contribuir”, bem como o inquirido nº 11,

“os migrantes ganharam uma visão mais ampla das coisas, quem não

sai fica refém das jogadas políticas locais e não vê”. Ou, como resumiu

o inquirido nº 24 “porque mais de 60% das pessoas na Guiné-Bissau

são analfabetas e votam ingenuamente; a esperança está na diáspora,

é um peso muito grande para o país, sabem que têm poder e podem

influenciar”.

Esta vontade expressa de participar activamente na vida política de am-

bos os países é justificada pela dupla pertença, tanto a Portugal como

à Guiné-Bissau, que não é considerada como mutuamente excludente,

pelo contrário. Verifica-se que o facto de os migrantes estarem ausentes

não é sinónimo de uma ruptura ou de um desinteresse pelas condições

do seu país de origem. Pelo contrário, parece haver uma preocupação

acrescida – porque “vendo de fora”, por comparação, se percebem me-

lhor os constrangimentos da situação política guineense – e uma rei-

vindicação de participação legitimada não só pela nacionalidade que

possuem, mas também pelo contributo económico que dão ao país.

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97

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Paralelamente, constata-se que há uma noção de pertença à sociedade

portuguesa, expressa pela preocupação com a situação do país e sus-

tentada pelo contributo que dão, pelo valor do seu trabalho e pelas

contribuições fiscais. Como notou o inquirido nº 18 “devíamos ser con-

siderados como cidadãos; a nossa opinião conta. Afinal, em 20 anos,

ajudámos muito a desenvolver Portugal”.

No entanto, verifica-se que as condições actuais não encorajam – e em

grande medida não permitem – a participação política dos migrantes

guineenses em Portugal e no seu próprio país de origem. Em Portugal,

a participação eleitoral de estrangeiros está dependente da existência de

acordos de reciprocidade e limitada às eleições locais. Por variadas ra-

zões, não existe acordo de reciprocidade entre Portugal e a Guiné-Bis-

sau (aliás, de todos os PALOP, só existe acordo de reciprocidade com

Cabo Verde) pelo que os imigrantes guineenses, independentemente

do tempo de residência, não podem votar. E todavia, a concessão do

direito de voto aos imigrantes, pelo menos ao nível local, é considerado

pelo Parlamento Europeu e pelo ACIDI, como um instrumento chave

para o processo de integração9.

Em Portugal, regista-se apenas uma experiência de um guineense num

lugar cimeiro da política portuguesa. O guineense, actualmente deten-

tor de nacionalidade portuguesa e Presidente da Associação Aguinenso,

Fernando Ká, foi eleito para o Parlamento Português pelas listas do PS

em 1996. O seu mandato durou cerca de 2 meses. Esta aparente falta

de representatividade da comunidade guineense no espaço político por-

tuguês será naturalmente uma consequência da falta de espaço que a

legislação e a sociedade portuguesas concedem aos seus migrantes, mas

também, e necessariamente, uma falta de engajamento da própria diás-

pora guineense pelo processo. Efectivamente, apesar das declarações de

interesse no voto dos imigrantes em Portugal, do conjunto de inquiridos

que possui nacionalidade portuguesa, apenas 9% alguma vez exerceu

9 http://www.acidi.gov.pt/modules.php?name=News&file=article&sid=2852

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

o seu direito de voto nas eleições portuguesas. Do total dos inquiridos,

apenas 1,3%, ou seja, 1 dos 77 inquiridos afirmou pertencer a um par-

tido político português.

Por outro lado, a Constituição guineense não prevê a participação po-

lítica dos emigrantes nas eleições presidenciais mas apenas nas legis-

lativas. Dos 102 deputados que constituem o Parlamento guineense,

2 deveriam ser eleitos pela diáspora – 1 pelo círculo dos emigrantes

residentes na Europa e 1 pelo círculo dos guineenses residentes noutros

países africanos. No entanto, desde 1999, que não é feito um recense-

amento eleitoral dos guineenses residentes no estrangeiro e por conse-

guinte o escrutínio não se realiza para a diáspora guineense, inclusive

em Portugal.

Os dados obtidos nesta investigação revelam que há uma tradição de

participação política forte da diáspora guineense nas eleições do seu

país natal: dos inquiridos que tiveram oportunidade para participar

num processo eleitoral na Guiné-Bissau, 96% fizeram-no. Quanto aos

que já se encontravam em Portugal no processo eleitoral de 1999/2000

– único em que foram reunidas as condições necessárias para a diáspora

em Portugal votar – cerca de 15% afirma tê-lo feito. Quando inquiridos

sobre as razões da baixa participação neste processo eleitoral, os entre-

vistados enfatizaram a falta de qualidade do recenseamento efectuado

(em que alegadamente muitas pessoas não foram registadas) e a falta de

informação à comunidade guineense sobre a existência dessa possibili-

dade, que levou a que muitos não votassem por desconhecimento.

As autoridades guineenses garantem que o Governo tem envidado es-

forços no sentido de garantir a participação política dos migrantes, mas

que a falta de meios financeiros tem impossibilitado a concretização do

recenseamento e do acto eleitoral (entrevista ao Cônsul Geral da Gui-

né-Bissau em Lisboa, Junho de 2009). A legitimidade deste argumento

é reiterada pelo historial das eleições guineenses: desde 1994 que as elei-

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

ções não se realizam na data devida, mas sempre em consequência de

situações políticas inesperadas, como golpes de Estado ou, mais recen-

temente, a morte do Chefe de Estado no poder. A imprevisibilidade dos

escrutínios tem dificultado sobremaneira a concretização do processo

eleitoral, à qual acrescem as dificuldade de planeamento e logística ine-

rentes às condições limitadas do próprio país, o que necessariamente

afecta também a organização de eleições no circuito da diáspora.

No entanto, os inquiridos revelam que à falta de meios e de capacida-

de de planeamento deve acrescentar-se a falta de vontade política do

Governo guineense em possibilitar a participação eleitoral da diáspora.

Notaram os inquiridos que “não se incentiva o voto dos migrantes por-

que é um voto de mudança, não interessa” (inquirido nº 10) e que “para

os governantes, os migrantes não valem nada, chegaram a dizer que

não havia emigrantes guineenses, que éramos aventureiros! Têm medo

de nós, porque nós temos força” (inquirido nº 48).

È portanto interessante verificar os mecanismos adoptados pelos mi-

grantes para contornarem os obstáculos à sua participação política na

Guiné-Bissau. O inquirido nº 9 referiu que “a participação política dos

emigrantes guineenses é muito importante, porque a diáspora conta

com 2 deputados na Assembleia Nacional, e porque agora com os te-

lemóveis, até no sítio mais recôndito de África se telefona e se manda

dizer em quem se deve votar”. Outro inquirido afirmou que “eu lá (na

Guiné-Bissau) digo em quem é que eles devem votar (inquirido nº 31).

O que poderia parecer um comportamento marginal surge como um

processo aparentemente banal num dos principais blogues de opinião

da Guiné-Bissau, onde num pedido à participação política para as pre-

sidenciais de 2009 se pode ler “faço um apelo aos nossos emigrantes,

quaisquer que sejam as suas actividades no estrangeiro. Emigrantes que

têm contribuído com remessas significativas de dinheiro e bens mate-

riais o que tem ajudado a minimizar os problemas sociais do país, para

que colaborem na sensibilização dos seus familiares, para que o sentido

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de voto não seja influenciado pelo efeito da manipulação. Para isso, a

estratégia consiste em cada um telefonar aos seus familiares e debater a

situação das eleições com eles, sensibilizando-os para a importância de

uma escolha criteriosa”.10

O engajamento político da diáspora guineense em Portugal é ainda ex-

presso pelas manifestações públicas de apoio a candidatos presidenciais

ou partidos. Um exemplo foi a Marcha de Apoio ao candidato indepen-

dente Henrique Rosa às eleições Presidenciais de 2009, que teve lugar

em Lisboa, a 21 de Junho.

Imagem 2

Marcha de apoio ao candidato presidencial Henrique Rosa, Lisboa (Junho de 2009)

A influência da diáspora no panorama eleitoral guineense é, finalmente, va-

lidada, pelas próprias forças políticas guineenses, que realizam périplos pela

Europa no período eleitoral. Tanto nas eleições legislativas de Novembro

10 http://didinho.no.sapo.pt/presidenciais2005sensibilizacao.htm, em 19/07/2009

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de 2008, como nas Presidenciais de 2009, os candidatos e representantes de

Partidos Políticos visitaram Portugal, em processo de campanha eleitoral.

Os principais partidos políticos da Guiné-Bissau, PAIGC e PRS, abriram

sedes de campanha em Lisboa, e o PAIGC criou mesmo uma Directoria de

Campanha de Malam Bacai Sanhá na Diáspora, que correu Portugal em

campanha, apelando ao voto nas Presidenciais de 2010.11

Em suma, embora existam declarações de interesse em participar mais

activamente na vida política de Portugal, não se verificam níveis eleva-

dos de participação política na sociedade portuguesa. A persistência de

uma lógica de cidadania associada à nacionalidade, bem como a falta

de encorajamento por parte das autoridades e sociedade portuguesas

poderão estar na base desse comportamento. Não deixa porém de ser

relevante destacar a perspectiva de “aprendizagem da democracia” re-

velada por uma parte significativa dos inquiridos. Verifica-se também

que o processo migratório não se traduz numa ruptura com a vida polí-

tica da Guiné-Bissau, mantendo-se um forte envolvimento da diáspora

guineense em Portugal com a vida política da Guiné-Bissau que se re-

flecte também pela consciência declarada da sua própria importância

para as decisões estratégicas do país de origem.

Registam-se assim níveis elevados de transnacionalismo político por

parte da comunidade guineense em Portugal. Embora limitada na sua

capacidade de expressão cidadã pela falta dos mecanismos previstos

para o efeito, a diáspora desenvolveu estratégias alternativas para in-

fluenciar os escrutínios, que a tornaram um actor incontornável do ce-

nário político da Guiné-Bissau. Verifica-se também que o grau desta

influência é reconhecido e que é necessariamente elevado, tendo em

conta o investimento que é dedicado à diáspora em períodos de campa-

nha eleitoral. As consequências desta prática transnacional serão vali-

dadas, tal como as restantes, no capítulo que se segue, que apresenta os

dados recolhidos directamente na Guiné-Bissau.

11 www.mambasdiaspora.blogspot.com

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6.5. Os resultados obtidos na Guiné-Bissau

O trabalho de campo realizado na Guiné-Bissau teve como ponto de

partida as pistas obtidas através dos dados recolhidos em Portugal.

Procurou-se assim validar e aprofundar a informação obtida, recorren-

do a métodos e instrumentos idênticos aos utilizados em Portugal, mas

comparativamente com um maior ênfase nas entrevistas abertas semi-

-estruturadas junto de informantes privilegiados e na análise de impren-

sa. Os resultados são apresentados segundo a mesma lógica do capítulo

anterior, ou seja, divididos entre os aspectos socioculturais, económicos

e políticos das dinâmicas transnacionais.

Na Guiné-Bissau foram realizadas 22 inquéritos e 14 entrevistas a infor-

mantes privilegiados. Foram ainda recolhidos dados junto do Instituto de

Apoio ao Emigrante e da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros

e das Comunidades. A recolha de informação teve lugar nas cidades de

Bissau, Gabu e Canchungo, entre Agosto de 2008 e Maio de 2009.

Os inquiridos e entrevistados na Guiné-Bissau apresentam uma sobre-repre-

sentação (comparativamente à população total) de manjacos, papeis e fulas,

devido ao local onde os contactos foram realizados. No entanto, na capital,

foi possível entrevistar pessoas de diferentes origens, obtendo-se assim um re-

trato relativamente diversificado, tal como releva o gráfico seguinte:

Gráfico 15

Inquiridos na Guiné-Bissau por referência étnica

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Quanto à ocupação socioprofissional dos inquiridos, a sua caracteriza-

ção é a seguinte:

Gráfico 16

Inquiridos na Guiné-Bissau por estrato socioprofissional

Uma parte significativa dos inquiridos (22%) era estudante, nome-

adamente entre as camadas mais jovens. Uma outra parte relevante

auto-referenciou-se como estando ligada ao sector da agricultura, par-

ticularmente os entrevistados na cidade de Canchungo. Por “empresá-

rios” foram denominados todos aqueles que exerciam uma actividade

comercial por conta própria, e são na esmagadora maioria, pequenos

comerciantes de Bissau, Gabu e Canchungo. Os empregados por conta

de outrem englobam em 42% dos casos pessoas que trabalham para a

administração pública, sendo os restantes ligados ao pequeno comércio

ou ao sector dos serviços, particularmente de transportes.

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As entrevistas e inquéritos foram realizados em 3 regiões da Guiné-

-Bissau, segundo a seguinte distribuição:

Gráfico 17

Inquiridos na Guiné-Bissau por distribuição geográfica

As regiões foram seleccionadas em função da sua expressão migrató-

ria, segundo os dados obtidos em Portugal. As instituições contactadas

na Guiné-Bissau, nomeadamente a Secretaria de Estado das Comu-

nidades e o Instituto de Apoio ao Emigrante, ambos em Bissau, não

possuem estatísticas oficiais sobre o número e destino dos migrantes

guineenses. Indicativamente, o Director do Instituto de Apoio ao Emi-

grante situa em cerca de 90.000 os guineenses residentes no estrangeiro,

sendo que “provavelmente, a maioria encontra-se no Senegal, Portugal

e França, embora também haja muitos em Espanha, Holanda, Itália e

Cabo Verde”.

No entanto, a totalidade dos indivíduos entrevistados referiram que na

sua família mais próxima existia pelo menos um emigrante. Como refe-

riu um entrevistado, “cerca de 7 em cada 10 famílias guineenses estão

directa ou indirectamente envolvidos em dinâmicas migratórias”. A im-

possibilidade de quantificar o contingente de guineenses residentes no

estrangeiro e os respectivos países onde residem dificulta a análise quan-

titativa dos impactos do processo, pelo que se optou por aprofundar so-

bretudo do ponto de vista qualitativo os dados obtidos na Guiné-Bissau.

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6.6. Impactos do transnacionalismo sócio-cultural

Segundo a perspectiva do transnacionalismo sociocultural, os impactos

das dinâmicas transnacionais são verificados em vários domínios: fluxo

de bens culturais, transmissão de competências e know-how, mudança

de mentalidades e comportamentos, e iniciativas filantrópicas a título

individual ou colectivo que visam o desenvolvimento da comunidade

de origem.

No que diz respeito às actividades de natureza filantrópica a título

colectivo, a região de Cacheu apresentou resultados particularmente

interessantes, que revelam o impacto que as associações de migrantes

na diáspora têm na qualidade de vida das respectivas comunidades de

origem. Das 58 escolas comunitárias12 existentes nesta região, a maioria

foi construída ou recuperada com os recursos financeiros disponibiliza-

dos pela respectiva associação de migrantes. Paralela e frequentemen-

te, os professores destas escolas recebem um incentivo financeiro que

compensa a situação de isolamento em que muitas vezes vivem e que

garante a continuidade das aulas quando os salários da função pública

se atrasam, o que já se verificou por períodos superiores a 6 meses.

12 Por escola comunitária entendem-se as escolas que são construídas por inicia-tiva das comunidades locais e que frequentemente são financiadas por essas mesmas comunidades. Invariavelmente, a contra-partida do Estado consiste no reconheci-mento formal da escola e à colocação dos professores.

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Imagem 3

Escola Primária Comunitária de Cabienque, Região de Cacheu (Abril 2007)

Desde logo, as tabancas desta região possuem, invariavelmente, uma

associação local constituída pelos representantes dos habitantes desta

tabanca. Encontramos assim a ASSOFITA – Associação dos Filhos de

Tame; a ASSOFAC – Associação dos Filhos e Amigos de Canhobe;

a AFIPEL – Associação dos Filhos de Pelundo, entre muitas outras.

Qualquer uma destas associações constitui-se como a interlocutora pri-

vilegiada – ou o braço operacional - , das suas associações congéneres

na diáspora, que podem ser tão numerosas quanto as comunidades de

emigrantes oriundos destas tabancas residentes no estrangeiro.

A tabanca de Calequisse, por exemplo, possui a sua associação local, a

Associação dos Filhos de Calequisse, e as respectivas congéneres: a As-

sociação dos Filhos de Calequisse residentes em Portugal, a Associação

dos filhos de Calequisse residentes em França, a Associação dos Filhos

de Calequisse residentes no Senegal. Também em Espanha e Itália se

verifica o mesmo fenómeno. Neste país, a recém fundada Associação

ASE – QUAGUI (associação dos Quadros e Estudantes Guineenses em

Itália), “já deu passos significativos no que diz respeito à mobilização de

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parceiros e fundos para a implementação de alguns projectos sociais na

Guiné-Bissau”.13

Como referiu um dos informantes privilegiados: “as associações de mi-

grantes têm muitas vantagens e as associações das comunidades man-

jacas são um excelente exemplo, pois são muito unidas e fazem muitas

coisas em prol das respectivas comunidades de origem. Em França,

onde reside a maior comunidade de manjacos, existem muitas asso-

ciações extremamente bem organizadas. Edificam escolas e hospitais,

e desde sempre tiveram esta tendência de sair. Já no tempo colonial,

devido ao trabalho escravo e à opressão generalizada em que as pessoas

viviam, os manjacos saíam muito, sobretudo para o Senegal. Era uma

forma de melhorar a vida, mas também era uma expressão de protesto,

de revolta, contra o regime colonial, que assim não podia contar com

essa mão-de-obra” (Entrevistado nº 1, Bissau).

O exemplo da Associação dos Filhos de Bajope e Capol residentes em Por-

tugal, que recentemente construiu dois pavilhões para a escola básica local,

é recorrente na região de Cacheu. O mesmo tipo de iniciativa pode ser

localizado na maioria das tabancas desta região. A Associação dos Emi-

grantes de Tame em Portugal, construiu 6 pavilhões escolares, que benefi-

ciaram cerca de 600 crianças em idade escolar. A Associação dos Filhos e

Amigos da Ilha de Jeta em Portugal (AFAIJE) organizou e financiou a cons-

trução de um centro de saúde na localidade e patrocinou a aquisição de 2

canoas que garantem o transporte dos pacientes em estado crítico para o

Hospital de Bissau. Também a Associação dos Filhos Unidos de Binhante

em Portugal tem-se empenhado na construção de um posto médico para a

população da sua tabanca. A generalidade das associações de migrantes na

diáspora, independentemente do país onde se encontra, envia bens e equi-

pamentos para as escolas e postos médicos locais. O presidente da Associa-

ção dos Filhos e Amigos de Canhobe, ASSOFAC, sintetizou a forma como

o processo de relação entre a tabanca e a diáspora se concretiza “a reunião

13 Jornal “Última Hora”, de 24 de Novembro de 2009, pág.4.

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(da associação local) sortiu efeitos positivos e os filhos das duas comunidades

na diáspora receberam as notícias e prontificaram-se com um projecto de

reabilitação da estrada de terra batida que liga as duas tabancas”.

Imagem 4

Escola Primária de Bajope e Capol, Região de Cacheu (Abril 2007)

Confirma-se a já indiciada relação de proximidade entre a diáspora

e o quotidiano da tabanca, que é afectada de forma determinante pela

capacidade de intervenção da respectiva associação de migrantes, bem

como pelas condições e meios a que a diáspora tem acesso no país de

acolhimento. O facto da maioria dos livros que se encontra na Biblio-

teca da Escola Comunitária de Benitche, em Cacheu, ser em Francês,

confirma este pressuposto, entre outros exemplos identificados.

Na região de Gabú também foram identificadas associações com este

perfil, ainda que em muito menor escala do que em Cacheu. A Asso-

ciação de Filhos da Região de Gabú residentes em Portugal, a única do

género, foi criada em 2003 e teve como primeira actividade o envio de

roupa e sapatos para um orfanato de Bissau, a Casa Emmanuel. Poste-

riormente enviaram roupa de cama para os Hospitais de Gabu e Bafatá

e actualmente preparam-se para enviar material hospitalar e máquinas

de raio-x. Para além do trabalho das associações de migrantes, há que

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

considerar o impacto dos migrantes neste domínio a título individual, até

porque esta forma de organização se revelou típica da região de Cacheu.

Apesar de uma menor expressão de associativismo para os migrantes

oriundos da região de Gabu, verificaram-se numerosas iniciativas de mi-

grantes individuais que edificaram escolas ou construíram furos de água,

que regularmente enviam livros e medicamentos e encorajam as activida-

des religiosas e culturais. Em Gabu foi referido que “são os migrantes que

pagam a escola, a saúde dos seus familiares, mas não estão organizados

em associações e não fazem projectos colectivos” (inquirido nº3, Gabu).

Apesar de uma apreciação globalmente positiva sobre a intervenção

dos migrantes, tanto a nível individual como ao nível das associações,

as críticas são substantivas. A falta de um planeamento estruturado no

quadro da região leva a que se dupliquem as iniciativas e se desperdicem

recursos. Frequentemente, as associações não articulam as suas activi-

dades com as autoridades locais, tendo depois dificuldades acrescidas

na colocação dos recursos humanos necessários para o funcionamento

efectivo das estruturas construídas. Tendem sobretudo a substituir-se

ao Estado e não a complementar ou melhorar os serviços públicos, o

que limita o seu impacto e contribui para uma desresponsabilização

acrescida das instituições guineenses. Os investimentos realizados ten-

dem a ser de natureza material, em detrimento de outros, de formação

ou capacitação dos recursos humanos locais, porque as suas limitações

técnicas enquanto agentes de desenvolvimento são significativas e por-

que a questão da visibilidade ou estatuto do emigrante influencia as

estratégias de intervenção. Como referiu o Presidente da Associação

Uno Tacal “Os migrantes têm enviado medicamentos e trabalhado na

reconstrução de escolas. Sempre que alguém envia alguma coisa, essa

doação é apresentada publicamente, para que toda a gente saiba o que

foi mandado e por quem”.

Notou-se também alguma tensão entre os migrantes e o poder tradi-

cional. Como referiu o Régulo de Baboque, na região de Cacheu “os

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migrantes é que fazem tudo aqui, as escolas, os centros de saúde, os me-

dicamentos, eles é que enviam. È assim, quem emigra tem que ajudar

quem fica, são filhos da terra”. E assim sendo, como notou um dos in-

quiridos, ainda em Lisboa, “há muita pressão em torno dos emigrantes.

Eles não querem saber se nós (emigrantes) estamos bem ou mal, querem

é o dinheiro lá”. Nas entrevistas realizadas a Associações de Migrantes

Guineenses em Portugal foi referido que se o migrante não participa na

associação de migrantes da sua tabanca de origem pode ver negada a

sua participação nas cerimónias tradicionais no país de origem.

Também ao nível do fluxo de bens e serviços culturais os resultados ob-

tidos foram interessantes. O Presidente de uma Associação local relata

que o mais recente evento cultural promovido pela associação “uma

festa que marca o início da colheita e onde insistimos para que tudo

fosse feito conforme manda a tradição, até o régulo foi vestido como há

muito não se via”, foi filmado precisamente com o objectivo de partilhar

a actividade com a diáspora, sensibilizando-a para continuar a garantir

o apoio que sempre tem dado às tabancas da região – e para mobilizar

fundos adicionais para a realização de futuros eventos culturais.

Também em Gabu, é em grande medida graças ao apoio financeiro

dos migrantes que se realizam as duas principais festas tradicionais, o

Tabaski e o Ramadão, com uma dimensão e visibilidade únicas: “as

ruas enchem-se e as pessoas vestem as suas melhores roupas, come-se

carneiro. È uma festa muito importante para todos, não é só para os

muçulmanos. E os migrantes fazem questão de apoiar a festa, muitos

vêm de propósito nesta altura só para assistir” (inquirido nº5, Gabu).

Confirma-se assim que a manutenção da ligação da diáspora guineense

com o seu país de origem também se traduz no apoio e até mesmo na

participação em eventos culturais específicos, que constituem uma refe-

rência para a comunidade. Tal como na região de Gabú, também em

Cacheu se verifica o apoio e/ou presença dos migrantes nas festas das

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colheitas, bem como em Bissau, para o Ramadão, Tabaski, bem como

o Carnaval e o Natal.

Para além das festas tradicionais, existem dois elementos que são for-

temente mobilizadores da diáspora e que justificam o investimento do

migrante, onde quer que resida e independentemente do tempo que se

encontra ausente do país: os fanados e os choros. Os fanados são rituais

que marcam a transição para a maioridade, e embora variem conso-

ante o grupo étnico, são generalizadamente marcos importantes para

a vida dos guineenses. O fanado que teve lugar em 2009, em alguns

sectores da região de Cacheu, realiza-se só de 30 em 30 anos, e por isso

justificou a vinda de muitos migrantes para participar no evento. Tam-

bém na região de Biombo, o fanado que se realiza de 7 em 7 anos, con-

ta sempre com uma participação elevada da comunidade migrada. Os

choros são os ritos funerários, tão mais importantes quanto avançada era

a idade do(a) falecido(a) e a sua posição na comunidade. A participação

no choro é extremamente importante para os familiares directos do(a)

falecido(a) e implica também um investimento financeiros substantivo

– para além da viagem do migrante – para garantir todos os preceitos

inerentes à cerimónia.

Há um terceiro tipo de impacto do ponto de vista sócio-cultural que

é importante destacar. Como notou um dos inquiridos, “os migrantes

são quem mais influencia a mudança de mentalidades aqui. Porque

eles são da terra mas têm outra maneira de ver as coisas, como a saú-

de, como deve ser a cidade, maneiras de fazer investimento” (inquirido

nº3, Gabu). Esta capacidade dos migrantes influenciaram a mudança

de mentalidades é expressa em diversas matérias, sendo que estudos

previamente realizados destacaram que a adopção de novas normas no

destino pode ter repercussões na origem, e que este processo de difusão

é tanto mais acelerado quanto maior for o hiato sócio-cultural entre os

dois contextos (PNUD, 2009).

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Verificou-se que também no caso da Guiné-Bissau este processo se ve-

rifica, tendo diversas consequências. A prioridade dada à educação das

crianças é positivamente influenciada pela migração, sendo que as fa-

mílias que possuem um ou mais membros emigrados tendem a investir

recursos adicionais neste domínio. Naquela que é considerada uma das

melhores escolas básicas da região de Cacheu, a Antero Sampaio, “a

maior parte das crianças que frequentam a escola são filhos ou paren-

tes directos de migrantes”, segundo a respectiva Directora. Também

os investimentos já mencionados realizados pelas associações ou pelos

migrantes a título individual na construção de escolas e/ou no seu fun-

cionamento confirmam a prioridade dada à educação.

Noutros contextos estudados, a migração tem contribuído para pro-

mover a emancipação das mulheres por duas vias, quer por aquela que

decorre directamente da migração feminina, quer aquela que acontece

como consequência de assumirem a chefia da família na ausência do

membro masculino, (PNUD, 2009). No entanto, em contextos de maior

fragilidade e pobreza, tal como a Guiné-Bissau, o efeito da migração

sobre a emancipação das mulheres é menos evidente. Por um lado,

o acrescido poder económico das mulheres que migram, bem como

a autoridade adquirida das que ficando, assumem a chefia da família

constituem elementos potenciadores de uma capacidade acrescida das

mulheres. Por outro lado, a tendência para a manutenção dos papéis e

estruturas tradicionais de poder na própria diáspora, como verificado

no ponto anterior, sugere que essa emancipação potencial não se con-

cretiza ou verifica-se de forma limitada. É pois frequente nos contextos

rurais estudados que o lugar de chefe de família não seja assumido pela

mulher do migrante mas sim pelo seu irmão ou pai. No entanto, nas

mulheres que se encontram envolvidas em circuitos comerciais por via

da migração verifica-se uma situação diferente, que será detalhada no

capítulo relativo ao transnacionalismo económico.

No que diz respeito à saúde, a situação é igualmente ambígua, porque

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

as práticas tradicionais tendem a permanecer, coexistindo com o recur-

so à medicina convencional. È comum o retorno temporário dos mi-

grantes para participarem em cerimónias tradicionais e as viagens espe-

cíficas para tratar de questões de saúde “que a medicina convencional

não pode resolver” (Boletim Pelundo, 2002). No entanto, o papel que as

associações de migrantes tiveram no processo de lobby pela aprovação

do Plano Nacional de Saúde na Guiné-Bissau – com aspectos específi-

cos relativos à excisão genital feminina, por exemplo – revela as poten-

cialidades do envolvimento dos migrantes em processos de informação

e sensibilização em aspectos-chave do desenvolvimento humano junto

das suas comunidades de origem.

A análise dos vários impactos do transnacionalismo sócio-cultural na

Guiné-Bissau permitiu validar algumas das pistas obtidas no âmbito da

investigação realizada em Portugal. Em primeiro lugar, verifica-se que,

a par de outros actores, as associações de migrantes são agentes im-

portantes para o desenvolvimento da Guiné-Bissau, particularmente na

região de Cacheu. As infra-estruturas construídas, os materiais e equi-

pamentos enviados, o garante da estabilidade dos recursos humanos

afectos às suas iniciativas, o apoio específico em situação de emergência

são elementos que demarcam a sua intervenção. E, apesar das críticas

enunciadas, a investigação realizada confirma que as tabancas que têm

uma ou mais associações de migrantes na diáspora possuem um nível

de infra-estruturas e uma possibilidade de acesso a bens e serviços de

primeira necessidade que não está ao alcance das restantes. As fragilida-

des e limitações das suas iniciativas não invalidam os elementos-chave

identificados: os migrantes intervêm activamente na vida das suas co-

munidades de origem; a agenda das associações é determinada pelas

necessidades identificadas (ou percebidas) nas respectivas comunidades

de origem; por último, a qualidade de vida das comunidades de origem

é claramente influenciada pelas associações de migrantes e pelas capa-

cidades e recursos que estes possuem. Da mesma forma, ainda que em

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

menor escala e com impactos menos significativos, também as iniciati-

vas filantrópicas de migrantes a título individual são relevantes para a

respectiva localidade de origem.

Em segundo lugar, o apoio e/ou participação dos migrantes em eventos

culturais específicos da Guiné-Bissau confirma, por um lado, a manu-

tenção deste tipo de laço no contexto migratório e, por outro, a im-

portância da própria migração para a perpetuação e até mesmo am-

pliação dessa prática cultural. Verifica-se também que a integração do

migrante no respectivo país de acolhimento não é incompatível com a

conservação da matriz sócio-cultural original, pelo contrário. São exac-

tamente os migrantes com tempos de migração mais antigos, situações

regularizadas e estabilidade financeira acrescida que mais investem na

conservação e na participação nas práticas e festas tradicionais, pois só

então são detentores da mobilidade e dos meios necessários para o fa-

zerem (Carreiro, 2007). Conclui-se assim que há uma tendência para a

dupla pertença da comunidade guineense, tanto ao país de acolhimento

como ao de origem, que não é mutuamente excludente, antes sendo

percebida e vivida de uma forma complementar.

Em terceiro lugar, esta síntese cultural entre Portugal e a Guiné-Bissau agen-

ciada pelo migrante é visível ao nível da transmissão de informação e da mu-

dança de mentalidades e comportamentos. O processo migratório convida

o migrante a reconstruir as suas perspectivas de análise em função da nova

informação e experiência a que tem acesso, sem que isso, constatou-se, im-

plique uma ruptura radical com as referências originais. Verifica-se sim que

o migrante adiciona selectiva e cumulativamente os novos elementos, dando

origem a um referencial misto que mantém as referências da origem e que

acolhe, simultaneamente, elementos adquiridos no país de destino. Conclui-

-se que este processo de reconstrução do referencial dos migrantes – parti-

cularmente ao nível da educação e saúde - tem impactos significativos na

respectiva comunidade de origem, seja ao nível das práticas que o migrante

influencia directamente (como por exemplo, ao determinar e investir para

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que os seus filhos tenham acesso à melhor educação disponível) quer ao nível

do efeito multiplicador, por via da referência que o seu próprio comporta-

mento constitui para o restante da comunidade.

Em suma, confirma-se que o impacto das práticas transnacionais dos

migrantes no domínio sócio-cultural é significativo para as respectivas

comunidades de origem. Tanto a sua concretização como as potencia-

lidades que encerram evidenciam claramente a relevância do papel do

migrante para o desenvolvimento da Guiné-Bissau.

6.7. Impactos do transnacionalismo económico

Este sub-capítulo debruça-se sobre os impactos dos processos de trans-

nacionalismo económico no desenvolvimento da Guiné-Bissau, con-

siderando as suas diferentes vertentes: as remessas, o fluxo de bens e

o empresariado transnacional, incluindo o impacto dos investimentos

produtivos dos migrantes no seu país de origem.

Não existem estatísticas oficiais guineenses sobre o montante de remes-

sas canalizado pelos migrantes guineenses residentes em Portugal, nem

sobre a sua distribuição pelas famílias guineenses. E mesmo as esta-

tísticas disponíveis do Banco Mundial e do PNUD certamente pecam

por defeito ao calcular em 8,1% do PIB as remessas dos migrantes da

Guiné-Bissau, que se traduz num valor de 17 US$ per capita, enquanto

os valores da APD atingem os 73 US$ per capita.

Tendo em conta os dados obtidos na pesquisa realizada em Portugal,

verifica-se que a grande maioria dos fluxos de remessas são enviados

por canais informais, não sendo portanto reflectidos nestas estatísticas.

A este facto acresce uma percepção generalizada, quer por parte dos

migrantes quer por parte daqueles que residem na Guiné-Bissau, de

que as remessas dos migrantes são o maior fluxo financeiro do país. Um

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

dos inquiridos referiu que cerca de 50% a 60% das famílias guineenses

sobrevive graças às remessas. Um informante privilegiado notou tam-

bém que “mais de 70% das famílias vivem asseguradas pela migração,

a maioria em Portugal, França e Espanha”, informação corroborada

por um outro que relatou que “pelo menos sete em cada dez famílias

beneficiam directamente do dinheiro enviado por um ou mais parentes

emigrados”. Um ex-Primeiro Ministro da Guiné-Bissau afirmava lapi-

darmente, numa entrevista a um semanário guineense que “ninguém

deve duvidar que são as remessas dos emigrantes que permitem ao país

evitar a miséria profunda” (Gazeta de Notícias, 11 de Novembro de

2008, p.15). A actual Ministra da Economia da Guiné-Bissau, ao ava-

liar o impacto da crise mundial no país referia a queda de 10% nas

remessas dos migrantes, como um dos dois sinais importantes.14

Cerca de 87% dos inquiridos nesta parte da investigação afirmaram

que o seu agregado familiar recebe remessas de familiares emigrados no

estrangeiro. Essas remessas são utilizadas para financiar a alimentação

da família e a educação das crianças, que são consideradas despesas

fixas. Mas a maior parte dos inquiridos fez notar que, caso haja alguma

emergência ou problema de saúde, solicita ao seu familiar emigrado um

envio adicional de dinheiro.

14 http://tv1.rtp.pt/noticias/?t=Quedas-do-preco-do-caju-e-das-remessas-de-emigrantes-agravam-crise.rtp&article=219167&visual=3&layout=10&tm=7

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Dos inquiridos que afirmaram receber remessas, os montantes mensais

de referência foram os seguintes:

Gráfico 18

Montante das remessas recebidas pelos inquiridos mensalmente

Verifica-se que cerca de 55% dos inquiridos referiram receber entre

50 a 100 Euros por mês provenientes de remessas. Importa relembrar

que um salário médio na Guiné-Bissau ronda os 40 Euros/mês, que um

saco de arroz (o necessário para alimentar uma família de 4 elementos

durante um mês) custa cerca de 30 Euros e que uma mensalidade numa

universidade local aproxima-se dos 25 Euros. Estes dados revelam a

importância das remessas para a qualidade de vida das famílias bene-

ficiadas. Um dos entrevistados contava que “tenho um tio que estava

emigrado já há muitos anos em Portugal, eu nem nunca o conheci, mas

a minha mãe sempre nos disse que ele é que nos pagava a escola (são 5

irmãos). Já eu andava na universidade quando ele ficou sem trabalho

e deixou de nos enviar dinheiro com a mesma frequência (…) tive que

abandonar a universidade porque a minha mãe sozinha não conseguia

pagar, o meu pai não tem trabalho. Depois, ele arranjou trabalho em

Espanha e voltou a enviar dinheiro para a minha mãe. Eu voltei para a

Universidade. Estou a tirar enfermagem”. (Entrevistado nº18, Bissau).

Uma jovem mulher relatou que “tenho o meu marido em Portugal há

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118

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

mais de 8 anos. Há 8 anos que não o vejo porque ele ainda não conse-

guiu documento e não pode cá vir. E as viagens são muito caras. Foram

os irmãos e o pai dele que juntaram dinheiro para o mandar para a emi-

gração. Ele manda dinheiro para mim e para eles também. Ele agora

está a fazer para levar o irmão para lá também. É com o dinheiro dele

que sustento a casa, porque eu não recebo salário há mais de 4 meses

(…). Pago a escola dos meninos, compro a comida e mais alguma coisa

que faça falta. É assim”. (Entrevistada nº6, Bissau).

Um outro entrevistado dizia que “a vida em Bissau é muito difícil, não há

trabalho e quando há trabalho não há salário. Temos uma irmã emigra-

da em Portugal, já há muitos anos, casou e teve filhos lá, que nos envia di-

nheiro. A minha irmã também envia roupas e telemóveis. Não sei quanto

dinheiro é, mas é com ele que a minha mãe manda os meninos à escola. E

se nós precisamos de alguma coisa, ela ajuda” (entrevistado nº9, Bissau).

Na Guiné-Bissau, tal como noutros contextos, o impacto que as remes-

sas têm na qualidade de vida das famílias beneficiadas varia de acordo

com o respectivo estrato sócio-económico. Para as famílias de classe

média, são as remessas que garantem o acesso a um ensino de qualida-

de, frequentemente privado, uma vez que no sistema de ensino público

guineense somente um terço dos professores é formado (Resen, 2008).

No caso das famílias mais carenciadas, as remessas podem significar au-

torizar a criança a frequentar a escola pública, porque o dinheiro extra

recebido permite libertar a força de trabalho que a criança constitui.

Para mais, o sistema de ensino superior guineense é unicamente priva-

do, com mensalidades que rondam a metade do salário médio nacional,

como já referido.

São ainda as remessas que, ao complementar os eventuais rendimentos

das famílias, permitem diversificar a alimentação, garantindo também

o acesso a cuidados de saúde e a medicamentos quando necessário. Na

Guiné-Bissau, dada a situação de fragilidade dos serviços públicos, o

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119

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

acesso aos cuidados de saúde implica a capacidade financeira necessá-

ria para custear os actos médicos e os medicamentos necessários.

As remessas têm sido também, e em grande medida, responsáveis pela

dinamização do sector bancário na Guiné-Bissau. A recente abertu-

ra de três agências do Banco da África Ocidental fora da capital, nas

cidades de Canchungo, Gabú e Bafatá, foi determinada, segundo as

respectivas gerências, pelo fluxo de remessas que tinha como destina-

tários indivíduos oriundos destas regiões, precisamente as que possuem

uma dinâmica migratória mais forte, para além de Bissau. Este fluxo

financeiro foi percebido como um catalizador de uma maior dinâmica

comercial, potenciador de oportunidades de negócio acrescidas e con-

sequentemente, de maior crescimento económico, o que justificou a

abertura das três agências.

As entrevistas realizadas junto desta instituição bancária revelaram, en-

tre outros elementos, que os migrantes podem ser considerados como

garantia bancária para os seus familiares. Segundo o gerente da Agên-

cia do Banco da África Ocidental em Canchungo, “quando considera

um pedido de crédito por parte de um cliente, o Banco toma em aten-

ção se essa pessoa costuma receber remessas, qual o seu montante e

regularidade. Isso vai beneficiar o pedido. Se o cliente tiver como fiador

um emigrante e disponibilizar o respectivo contrato de trabalho, para

o Banco isso é garantia suficiente. Claro que depende dos montantes,

tem tudo de ser visto caso a caso, mas geralmente é assim”. Verifica-se

que as oportunidades de recorrer ao crédito por parte das populações

locais encontram-se assim intimamente relacionadas com a capacidade

financeira e situação laboral dos respectivos familiares emigrados.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Imagem 5

Agências do Banco da África Ocidental em Canchungo e em Gabu (Abril e Julho de 2009)

Para além da dinamização do sector bancário, a migração tem também

impactos evidentes no comércio local. O envio de bens, sobretudo rou-

pas e sapatos, – tão frequentemente referenciado na pesquisa realizada

em Portugal – é um dos grandes dinamizadores do comércio local. Os

contactos realizados nas feiras e mercados de Gabu, Canchungo e Bis-

sau revelaram que uma parte das mercadorias que são vendidas nestes

contextos é oriunda de Portugal.

Uma das entrevistadas descreveu a forma como o processo decorre: “o

meu irmão compra as roupas em Lisboa e envia para mim. Ele tenta

aproveitar as viagens de pessoas conhecidas para poupar o dinheiro do

despacho, mas às vezes também envia através da agência. Vende-se

tudo muito bem porque são coisas que não existem aqui e as raparigas

gostam muito de moda (…) o dinheiro que ganho dá para sustentar a

casa e a família (…) também me manda dinheiro, e manda-me roupa.”

(Entrevistada nº 7, Gabu).

As feirantes entrevistadas no mercado de Bandim, em Bissau confirma-

ram esta informação. Uma das entrevistadas enfatizou que “no Bandim,

todas as bideiras vendem roupa e sapatos de fora, aqui (na Guiné-Bissau),

não se produz disto. Muita coisa é do Senegal, mas o que mais vende

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

vem da Europa, Portugal, Espanha, França. Mas vem mais de Portugal,

que é onde há mais guineenses” (entrevista nº9, Bissau). Verificou-se

também que este tipo de relação comercial é em grande medida alicer-

çada em relações familiares, não sendo frequente a existência de laços

estritamente comerciais, ou seja, são poucas as empresas formalmente

constituídas, com contratos de trabalho ou empréstimos formalizados.

Constata-se novamente, a importância do capital social para a dinâmi-

ca económica do transnacionalismo guineense, porque as relações de

confiança são o elemento fundamental de todo o processo, tendo em

conta que este decorre em moldes sobretudo informais.

Imagem 6

Venda de roupa na varanda da casa da entrevistada, Gabu (Abril de 2009)

Dada a natureza informal do processo, não é possível distinguir para

fins de análise a quantidade de bens que tem um fim comercial daquela

que tem como destino o círculo familiar, que será também significati-

va. No entanto, todos os pequenos negócios alimentados pelas ligações

existentes entre os migrantes e as respectivas famílias no país de origem

constituem no seu conjunto um importante nicho de mercado na Gui-

né-Bissau. Asseguram uma fonte de rendimento para muitas famílias,

dinamizam o comércio local, gerando emprego e garantindo o desen-

volvimento de uma actividade produtiva.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

A investigação realizada na Guiné-Bissau confirmou a já indiciada bi-

-direccionalidade do trânsito de bens, que também fluem no sentido da

diáspora guineense em Portugal. Mais de 72% dos inquiridos mencio-

nou o envio, mais ou menos regular, de produtos alimentares, produtos

de cosmética e de vestuário para os seus parentes emigrados. Os meios

preferenciais de envio são amigos/conhecidos que viajam para Portu-

gal e as agências de transitários guineenses, sendo referido por todos os

inquiridos que são agências “de confiança” e onde os preços praticados

são significativamente inferiores aos das agências formais (cerca de me-

tade a um terço mais barato, dependendo da quantidade enviada).

Para além das remessas financeiras e do envio bi-direccional de bens,

quer com fins comerciais quer privados, também foi possível observar

um conjunto de investimentos produtivos realizados pelos migrantes

na Guiné-Bissau. Em Gabú, um empresário que foi responsável pelas

grandes obras públicas ali realizadas, como a construção do mercado

local, viveu em Portugal durante mais de 15 anos, trabalhando sempre

no sector da construção civil. Tendo regressado à Guiné-Bissau reali-

zou vários investimentos. O primeiro foi a construção de uma discote-

ca/espaço de espectáculos, que actualmente emprega mais de 12 pesso-

as. O segundo foi a criação de uma empresa de construção civil, que já

chegou a empregar mais de 200 pessoas.

Um outro migrante de Gabú, que continua a residir em Portugal ainda

que se desloque frequentemente à Guiné-Bissau, abriu uma fábrica de

produção de gelo na sua cidade natal, que serve toda a região Les-

te e Sul da Guiné-Bissau. O empreendimento cresceu e hoje em dia

contempla também a produção de material para construção civil, e a

venda e aluguer de equipamentos para esse sector, empregando mais

de 20 pessoas e sendo referenciada como uma das maiores empresas da

região de Gabú.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Imagem 7

Fábrica de gelo DUMA, Gabu (Abril de 2009)

Uma outra área de investimento recorrente é a clássica construção de

habitação, não só para uso próprio, mas também para venda e/ou alu-

guer. Estas iniciativas, para além de serem impactantes na paisagem das

cidades, também se traduzem na injecção de capital nas economias lo-

cais, promovendo o rendimento e o emprego associado à construção civil.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Imagem 8

Prédio construído por migrante residente em Portugal para fins produtivos, Gabu (Abril de 2009)

São também numerosos os casos de migrantes que constroem ou rea-

bilitam uma habitação para fins particulares, fenómeno transversal a

qualquer uma das regiões estudadas no decurso da investigação.

Imagem 9

Casa reabilitada por migrante residente em Portugal para fins particulares, Canchungo (Junho de 2009)

Para além dos investimentos no sector do vestuário e da construção ci-

vil, também foram identificados investimentos realizados por migrantes

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125

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

no sector dos transportes, tanto ao nível dos transportes urbanos (táxis

e toca-tocas), como nos transportes regionais (os chamados sete place). Dos

28 taxistas de Bissau questionados sobre este assunto, 9 referiram que o

táxi que conduziam era propriedade de um migrante, para quem o ex-

ploravam em troca de um salário mensal. Ainda 6 destes, ou seja, 21%

dos questionados, informaram que o táxi era propriedade sua, tendo

sido “oferecido” por um parente migrado, para que a respectiva família

pudesse ter uma fonte de rendimento assegurada em Bissau. Três dos

oito condutores de sete-place inquiridos revelaram o mesmo padrão.

Apesar da dinâmica identificada, existem constrangimentos signifi-

cativos associados às dinâmicas de transnacionalismo económico dos

migrantes guineenses. No que diz respeito aos investimentos realiza-

dos e ao empresariado transnacional verificou-se que há um potencial

inexplorado e simultaneamente um impacto limitado devido ao fraco

ambiente institucional e legal, à burocracia e à inexistência ou não apli-

cação de mecanismos facilitadores do investimento privado. Foram nu-

merosos os entrevistados que referiram o quanto estes factores desenco-

rajam ou limitam o investimento dos migrantes guineenses no seu país

de origem: “Existem mecanismos específicos para apoiar os migrantes,

mas não são aplicados (…) e há muitas coisas que não se concretizam,

como o empresário guineense que queria criar uma companhia aérea

em Bissau, por causa da burocracia. Aqui, tudo demora muito tempo e

tem que se pagar muito suborno” (entrevistado nº 1, Bissau).

Outro informante notava que “os migrantes ajudam muito a Guiné-

-Bissau, mas poderiam fazer mais, se o Estado contribuísse. Algumas

iniciativas de negócios ou investimentos que se promovem acabam por

não se concretizar quer devido aos bloqueios burocráticos quer devido

à instabilidade política. Mesmo a construção de casas é problemática,

porque as pessoas tentam logo vender tudo mais caro aos emigrantes,

porque eles têm mais dinheiro. Como consequência, alguns emigrantes

têm optado por construir as suas casas no Senegal, bem como investir

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126

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

nesse país o seu dinheiro”. (entrevistado nº3, Bissau).

Mesmo ao nível do envio de bens, as dificuldades são substantivas,

como referiu um dos entrevistados: “há muitas dificuldades em enviar

coisas, é muito caro e a alfândega cobra muito e rouba” (Entrevistado

nº 1, Gabu). Informação confirmada por outro entrevistado que referia

que “os problemas da alfândega são muitos. Isso promove o desinvesti-

mento e os migrantes acabam por construir mais coisas no Senegal do

que aqui (em Canchungo)”. Como resumiu o entrevistado nº8 (Gabu),

“o Estado bloqueia as iniciativas dos migrantes; haveria muito mais in-

vestimento por parte dos migrantes se o Governo apoiasse. Os manja-

cos (região de Cacheu) investem mais no Senegal e os de Gabu investem

mais em Conacri do que na Guiné-Bissau”. Outro entrevistado notava

que “cada vez mais os migrantes preferem construir as suas casas no Se-

negal. É perto e é tudo muito mais barato e lá não tentam explorá-los,

como aqui” (entrevistado nº 4, Canchungo).

Esta perda do investimento dos migrantes guineenses para os países vi-

zinhos é já reconhecida e têm sido envidados alguns esforços para a me-

lhoria desta situação. Em entrevista a um jornal nacional, o Presidente da

Câmara Municipal de Bissau declarava que “sou testemunho vivo de que

muitos dos nossos emigrantes ao invés de fazerem os seus investimentos

cá na Guiné-Bissau, optam pelo Senegal e Gâmbia, devido à facilidade

na obtenção de terreno” (Jornal No Pincha, 3 de Dezembro de 2009,

pág.9). No entanto, até ao momento, este reconhecimento não se tradu-

ziu em estratégias efectivas para ultrapassar os obstáculos identificados.

Importa ainda reflectir sobre os impactos das remessas financeiras em

sentido convencional, ou seja, sobre o dinheiro que é enviado numa

base regular para a família do migrante e que se esgota, como já a in-

vestigação em Portugal indicara e a da Guiné-Bissau confirma, em bens

e serviços de primeira necessidade: alimentação, educação, saúde, para

além de bens de consumo. A crítica tradicional da escola pessimista

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127

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

aplica-se aqui: verifica-se que em nenhum dos casos observados, o di-

nheiro recebido é utilizado em actividades que garantam a subsistência

da família e que contribuam para romper o círculo de pobreza em que

esta se encontra. Mas duma perspectiva global, e tendo em conta o nível

de desenvolvimento da Guiné-Bissau e a fragilidade da sua governação,

conclui-se que o acesso a uma alimentação de qualidade, à educação e

à saúde de base são investimentos altamente produtivos na perspectiva

do desenvolvimento humano.

Outra crítica recorrente relaciona as remessas com a criação de efeitos

inflacionários nas economias locais. Esta situação verifica-se na Guiné-

-Bissau, mas de uma forma descriminada, ou seja, constataram-se de

facto efeitos inflacionários mas somente para os migrantes. Na práti-

ca são aplicados preços mais elevados para os migrantes, assumindo-se

que estes possuem um poder de compra que lhes permite “pagar mais

caro”, o que não é feito de forma generalizada para a população não

migrante, porque uma equivalente subida de preços para esses públicos

significaria a perda de um importante (e regular) fluxo de clientes. A já

referida perda de investimento dos migrantes para os países limítrofes

é uma das consequências deste efeito inflacionário, mas têm surgido

também tensões entre a população local e a população migrante. O

conflito que opôs os migrantes que se tinham deslocado a Cacheu para

participar numa cerimónia tradicional aos comerciantes de carne lo-

cais, que tinham mais que duplicado o custo dos seus animais, constitui

um de vários exemplos.

Constatou-se ainda que as remessas afectam as comunidades de forma

desigual, o que provoca desequilíbrios visíveis entre as famílias bene-

ficiadas e não beneficiadas. Este desequilíbrio perturba as relações de

vizinhança e de solidariedade, fundamentais em contextos de pobre-

za generalizada, e contribui para alimentar a pressão migratória. Esta

pressão é também alimentada pela presença e comportamento dos pró-

prios migrantes. Na generalidade dos casos observados, o sucesso do

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

projecto migratório é validado em grande medida pela aquisição de

bens materiais pelos migrantes e respectivas famílias. Um jovem guine-

ense, entrevistado em Gabu, referia que “quando os migrantes chegam

à cidade, toda a gente fica a olhar para as roupas, para os relógios, para

os sapatos. Quando eu conseguir emigrar também vou ser assim. Por-

que aqui, (na Guiné-Bissau), não existe nada para nós.” E face a isto,

mesmo os que relatam a realidade da vida migratória – com todas as

dificuldades e limitações, particularmente para os menos escolarizados

– tendem a surgir aos olhos dos restantes como o exemplo a seguir.

È importante notar ainda que as remessas acentuam a já existente deserti-

ficação rural provocada pela migração interna rumo aos centros urbanos,

porque os migrantes tendem a concentrar os seus investimentos, sobretudo

a construção de habitação, nas cidades e particularmente na capital, arras-

tando as respectivas famílias no processo. As remessas tendem também a

provocar o abandono da agricultura como modo de produção, quer por-

que a migração em si provoca a perda de mão de obra jovem e produtiva,

quer porque as pessoas que permanecem nas zonas rurais acabam por não

cultivar as terras, optando por sobreviver a partir do dinheiro enviado pe-

los seus familiares, como notou um dos entrevistados em Canchungo. No

entanto, a migração também equilibra o mercado de trabalho guineense,

ao garantir o escoamento de uma parte da força produtiva que a actual

situação económica do país não permite inserir plenamente.

Em suma, constata-se que as dinâmicas transnacionais de tipo econó-

mico servem como estratégias para colmatar a dificuldade de acesso ao

crédito das populações locais, devido quer à fraca implantação quer à

fala de familiarização dos guineenses com o sistema bancário, quer ainda

à impossibilidade de oferecer garantias reconhecidas. Verifica-se ainda

que os migrantes são importantes para a dinamização das economias lo-

cais, através das importações de pequena escala, de natureza informal e

invariavelmente familiar que sustentam numerosos negócios e que, con-

sequentemente, promovem o emprego e a geração de rendimentos.

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129

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Existem ainda investimentos realizados por migrantes com um fim clara-

mente produtivo que, constatou-se, injectam dinheiro nas economias locais,

dinamizam o tecido produtivo ou o sector dos serviços e geram rendimento

e emprego. E mesmo os investimentos que são classicamente classificados

como “não produtivos”, como a construção ou reabilitação de casas para

fim particular, têm impactos nas economias locais que são inegáveis, ao

promover a produção local e ao gerar emprego para os guineenses.

A natureza dos impactos é, todavia, ambígua. Paralelamente aos efeitos

positivos de dinamização da economia local, de promoção de rendi-

mento e emprego, e de garantia de um acesso acrescido aos serviços

básicos de educação e saúde, as práticas de transnacionalismo econó-

mico têm também consequências perversas. O efeito “desequilibrante”

das remessas e a potencial situação de dependência que criam são os

mais evidentes. Acrescem ainda o incremento da desertificação rural e

a paralisação da actividade agrícola, bem como o aumento da pressão

migratória como consequência do efeito de mimetização de um projec-

to migratório tido como bem sucedido.

Para além de ambíguos, conclui-se que os impactos do transnacionalis-

mo sócio-cultural identificados são claramente limitados face ao poten-

cial tendencialmente positivo que possuem. Os investimentos realizados

pelos migrantes ficam aquém do possível ou não chegam mesmo a ser

concretizados devido à falta de um ambiente propício ao negócio, o que

inclui tanto a falta de regulação dos mercados – o que permite o efeito

especulativo que tem levado à perda de investimentos em favor do Se-

negal ou da Guiné-Conacri – como a falta de legislação encorajadora,

a burocracia excessiva e a corrupção.

Por último, conclui-se que também a este nível, os migrantes guineenses

têm um impacto incontornável no desenvolvimento do respectivo país

de origem. As actividades económicas que promovem, tanto directa

como indirectamente, são relevantes no seu conjunto para a dinamiza-

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

ção da economia guineense. E mesmo as remessas, apesar da proble-

mática associada, têm efeitos que não podem ser negligenciados sobre

aspectos fundamentais do desenvolvimento humano na Guiné-Bissau.

6.8. Impactos do transnacionalismo político

As dinâmicas consideradas no âmbito do transnacionalismo político in-

cluem toda a forma dos migrantes participarem ou influenciarem os

acontecimentos políticos no seu país de origem. À semelhança dos dois

pontos anteriores, a orientação da investigação realizada na Guiné-Bis-

sau tomou como ponto de partida os resultados obtidos em Portugal.

Como verificado, mais de 90% dos inquiridos em Portugal gostaria de po-

der exercer o seu direito de voto na Guiné-Bissau e cerca de 60% entendem

que o mesmo deveria ser válido para as eleições realizadas em Portugal. Os

indivíduos entrevistados na Guiné-Bissau partilham desta perspectiva, sen-

do que a maioria entende que o direito de voto dos migrantes deveria ser

efectivo, ou seja, deveriam ser facilitados os mecanismos (recenseamento e

acto eleitoral) para que os migrantes pudessem efectivamente votar, o que

não sucede desde 1999/2000. Entendem ainda que o direito de voto dos

migrantes deveria ser extensível às presidenciais.

As razões invocadas pelos entrevistados na Guiné-Bissau para justificar esta

participação assentam sobretudo no contributo percebido dos migrantes

para o desenvolvimento do país. Notava o entrevistado nº 14 que “os gui-

neenses que residem na Europa acompanham sempre a situação do país e

dão a sua contribuição condignamente”. Outro referiu que “os migrantes

continuam a ser cidadãos, mesmo estando fora do país” (inquirido nº8).

Um dos inquiridos referia ainda que a participação dos migrantes era mui-

to importante porque “têm experiência das sociedades mais avançadas”.

Apesar do reconhecimento generalizado da importância do voto dos

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

migrantes para a Guiné-Bissau, este não se concretiza desde as eleições

de 1999/2000. Segundo os entrevistados, as razões pelas quais os mi-

grantes não votam resultam da incapacidade do Estado guineense em

organizar o processo aliada à falta de vontade política. Uma informante

privilegiada fez notar que “nunca houve um processo eleitoral normal

na Guiné-Bissau, que acontecesse no tempo devido. As eleições têm

sido sempre realizadas como consequência de golpes de Estado, que-

das de Governo ou mais recentemente, devido à morte do Chefe de

Estado. As eleições são sempre um enorme desafio para o país e só se

conseguem fazer graças ao grande apoio da comunidade internacional,

porque o país não tem nem os meios nem a capacidade de organização

necessárias. Até ao último momento, há sempre dúvidas se será possível

fazer o escrutínio, se as mesas de voto abrirão a tempo, se os boletins

de voto estarão prontos. Estas dificuldades serão ainda maiores para

organizar o voto na diáspora.” (Entrevistada nº 7, Bissau).

Às dificuldades de organização acresce, segundo as informações obtidas,

a falta de vontade de ceder espaço político aos migrantes. Um dos entre-

vistados referiu que “o problema é que cá (na Guiné-Bissau) se pensa que

os emigrantes vão ser pela oposição, porque trazem ideias novas, porque

como estão fora acompanham melhor a situação do país e o isolamento

em que vivem leva-os a procurar mais informação. Depois os migrantes

têm mais capacidade financeira, podem apoiar com dinheiro (entrevista-

do nº1, Bissau). Outro entrevistado enfatizou que “se a diáspora pudesse

votar, tinha poder para mudar as coisas. O poder instituído tem medo

disso, não dá espaço, não vai permitir que isso aconteça” (inquirido nº4,

Canchungo). Por último, foi ainda referido que “os migrantes querem

participar nas eleições mas o Governo não facilita; mas as pessoas que

estão fora influenciam os votos dos que estão cá; porque eles têm muita

informação e sabem mais coisas” (Entrevistado nº 5, Gabu).

Foram numerosas as referências ao “voto por telefone”, que se expressa

de formas diversas. Alguns entrevistados informaram que é frequen-

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

te que os migrantes sensibilizem as suas famílias sobre que candidato

apoiar ou em que partido votar nos processos eleitorais. Outros afirma-

ram que o processo vai ainda mais longe e que existe de facto o voto

por procuração, necessariamente informal, em que o familiar vota pelo

emigrante, seguindo a orientação de voto que este dá. Em qualquer um

dos casos, confirma-se que a influência política dos migrantes é real e de

larga escala, quando se considera que pelo menos 70% das famílias gui-

neenses se encontra directa ou indirectamente envolvida em circuitos

migratórios. A influência dos migrantes é baseada numa legitimidade

reclamada pelo seu maior poder económico e por um alegado acesso

acrescido a informação. Um entrevistado referia que “os migrantes se-

guem atentamente o que se passa na Guiné-Bissau; às vezes são eles que

contam o que se está a passar, nós não sabemos. Mas eles falam só para

nós, não falam lá fora, porque há algum receio de represálias sobre a

família.” (entrevistado nº 3, Gabu).

A capacidade dos migrantes influenciaram a popularidade dos políticos

guineenses e os resultados eleitorais é validada pela própria classe política

guineense que investe fortemente nas campanhas eleitorais junto da diás-

pora e que não hesita em invocar o seu apoio para reivindicar o voto dos

guineenses. Tal como verificado na investigação realizada em Lisboa, as

principais forças políticas nas duas últimas eleições (Novembro de 2008 e

Junho/Agosto de 2009) realizaram verdadeiras campanhas eleitorais nou-

tros países africanos, sobretudo no Senegal, e na Europa, particularmente

em França e Portugal, onde chegaram a ser abertas sedes de campanha

(pelo PRS, na Rua do Salitre) e onde foram realizados comícios em Lisboa,

Porto, Coimbra e Algarve. A invocação do apoio dos migrantes para forta-

lecer a campanha política pode ser exemplificada pela seguinte notícia de

jornal, publicada em período de campanha eleitoral “o PT, em colabora-

ção com os seus militantes na diáspora, vai construir um pequeno comple-

xo desportivo em Bissau” (No Pintcha, 06 de Novembro de 2008, pág.9).

Verifica-se que a diáspora guineense tem formalmente direito ao voto,

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133

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

embora na prática não o possa exercer. Ainda assim influencia signifi-

cativamente os resultados eleitorais e como tal, é alvo de verdadeiras

campanhas além-fronteiras. Há ainda um efeito multiplicador que é in-

teressante destacar. Se também na Guiné-Bissau, como notam a maior

parte dos estudos realizados sobre esta matéria, os indivíduos ligados às

redes migrantes internacionais participam mais nos assuntos da comu-

nidade local, apoiam mais os princípios democráticos e são mais críticos

em relação à governação dos seus países (PNUD, 2009), então o poder

político dos migrantes é claramente incontornável.

Tardando em reconhecer o papel dos migrantes e em alargar os seus

direitos políticos, ao contrário de países como a Turquia ou Marrocos,

na Guiné-Bissau só em Março de 2010 se tornou possível obter dupla

nacionalidade. Até então, a legislação guineense determinava que a

obtenção de uma segunda nacionalidade implicava a perda da nacio-

nalidade guineense. Tal significava que o guineense que obtivesse, por

exemplo, a nacionalidade portuguesa, era forçado a abdicar da nacio-

nalidade guineense, embora pudesse vir a recuperá-la mais tarde, se de-

sistisse da nacionalidade entretanto adquirida e se realizasse um pedido

expresso nesse sentido. Existiu um debate público sobre esta matéria,

alimentado em grande medida pela diáspora guineense, como revela o

seguinte artigo publicado num dos jornais nacionais:

“Aqueles que na Guiné-Bissau se inspiraram no Obama durante as le-

gislativas de Novembro de 2008, deviam agora sair em defesa de uma

lei de cidadania realista e actualizada em função do estatuto de refugia-

do e de emigrante da maior parte da diáspora guineense e que, por vias

disso, se viu obrigada a optar por uma segunda nacionalidade, sem que

isso signifique rejeitar a nacionalidade de origem, ou desinteressar-se

pelo seu país natal. Pelo contrário, é com base nessa segunda naciona-

lidade que os emigrantes guineenses conseguem ajudar o país e os seus

irmãos com as remessas económicas que têm enviado” (Jornal Gazeta

de Notícias, 30 de Abril de 2009, pág. 7.)

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Invariavelmente, como notam a maioria dos estudos realizados, (PNUD,

2009), os migrantes actuam como agentes de mudança social e política,

não só quando regressam mas também devido aos contactos regula-

res que mantém com as respectivas localidades de origem e à pressão

que exercem junto dos seus governantes. Nesta matéria, a Guiné-Bissau

não constitui excepção. Em suma, verifica-se que os migrantes guine-

enses têm uma participação activa na vida política dos seus países de

origem. Esta participação desenvolve-se por vias informais porque os

mecanismos previstos para o efeito não são postos em prática e porque

o enquadramento legal até há bem pouco tempo impossibilitava a figu-

ra da dupla cidadania. Estes constrangimentos limitam o potencial da

influência política dos migrantes sobre os seus países de origem, uma

influência tida como tendencialmente positiva tendo em conta o nível

de informação acrescido dos migrantes e a sua experiência em contex-

tos de democracias mais amadurecidas.

Há uma outra limitação que se prende com as condições de vida dos

migrantes no respectivo país de destino. Em Portugal, um dos entrevis-

tados questionava “pergunte a qualquer um de nós (migrantes guine-

enses) quais são as nossas obrigações na sociedade portuguesa. Poucos

sabem. Há uma falta de responsabilidade da nossa parte, e o Estado

Português não facilita a nossa informação”. O potencial de aprendi-

zagem da democracia inerente à vivência dos migrantes em Portugal

é seguramente relevante mas é limitado pela falta de experiência e de

envolvimento dos migrantes na dinâmica política portuguesa.

Outro constrangimento resulta da dificuldade de organização da pró-

pria comunidade guineense em Portugal. Verificou-se que, ao contrário

de outras diásporas, e apesar da forte dinâmica associativa, os migran-

tes guineenses têm dificuldade em organizar-se em torno de objecti-

vos comuns. As dificuldades que têm impossibilitado a concretização

da Federação das Associações de Migrantes Guineenses, que pudesse

efectivamente funcionar como um interlocutor de peso junto do Estado

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Guineense e do Estado Português constituem o exemplo mais evidente.

E assim sucede que, tal como notou um dos entrevistados, “os migran-

tes têm alguma noção do seu poder, mas não têm plena consciência do

que podem fazer” (entrevistado nº 3, Bissau).

Concluindo, a informação obtida permite confirmar o âmbito e a ex-

pressão do transnacionalismo de tipo político protagonizado pela diás-

pora guineense. A partir de Portugal (e de outros países) a diáspora gui-

neense acompanha, informa e influencia activamente os acontecimen-

tos políticos no seu país natal. À semelhança dos transnacionalismos de

expressão sócio-cultural e económica, esta também é uma dimensão

onde os migrantes guineenses assumem um papel determinante nos

quotidianos e nos destinos do seu país.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

7. OS CAMINHOS DA DIÁSPORA

Conclui-se a apresentação dos resultados recolhidos no âmbito da pre-

sente investigação com uma reflexão sobre as perspectivas de futuro da

diáspora guineense, tendo em conta as tendências identificadas ao nível

das possibilidades de retorno, bem como as possibilidades de remigra-

ção à luz da distribuição espacial das diásporas existentes noutros países

Segundo a teoria das redes migratórias, as pessoas tendem a migrar

para locais onde possuam parentes ou amigos, não só por questões afec-

tivas mas também porque esses laços são relevantes para a obtenção

de informação, alojamento e emprego, principalmente nos primeiros

tempos de estada. No caso dos migrantes guineenses, constatou-se que

mais de 96% dos inquiridos referiram que possuíam já familiares ou

amigos a residir em Portugal no momento em que chegaram e destes,

93% afirmaram que o apoio dessas pessoas foi muito importante para

a sua vinda para Portugal. Esse apoio traduziu-se em vários aspectos,

como revela o gráfico seguinte:

Gráfico 19

Apoio concedido aos guineenses que migraram para Portugal pelos seus parentes e amigos que já se encontravam a residir no país

Como se pode verificar, também no caso da Guiné-Bissau, o apoio dos

familiares e amigos foi extremamente importante para o migrante, parti-

cularmente nos primeiros tempos da sua chegada. A disponibilização de

alojamento, que foi o apoio mais referenciado, juntamente com o paga-

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

mento da viagem e disponibilização de emprego constituem condições de

base que, tendencialmente, levam o migrante a deslocar-se para destinos

onde estas se encontrem garantidas. A importância do capital social nesta

comunidade – uma característica-chave da lógica migratória guineense,

como verificado – permite antever possíveis itinerários para o futuro da

diáspora guineense actualmente residente em Portugal.

Antes de mais, é relevante notar que o processo migratório dos guineen-

ses frequentemente se dá por etapas, e que Portugal pode não constituir

um destino definitivo se as condições almejadas não se encontrarem

reunidas, como já notara Machado (2002). Como mostra a figura se-

guinte, em mais de 20% dos casos, a migração para Portugal foi antece-

dida por outra experiência migratória prévia:

Gráfico 20

País destino da primeira experiência migratória dos guineenses

Verifica-se que o Senegal constitui o único destino de migração prévio

significativo, tendo sido a resposta dada em mais de 10% dos casos. Esta

experiência verificou-se, para 63% dos inquiridos, durante a Guerra Civil

de 98, o que revela o papel que este país desempenhou como refúgio du-

rante o conflito. A proximidade geográfica também facilita naturalmente

a passagem por este país, que continua a ser um destino de referência.

A estadia prévia noutros países europeus foi em 50% dos casos para fins

académicos e noutro tanto em missões de serviço prolongadas. As esta-

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dias em outros países não europeus (particularmente Cuba e Marrocos)

foram, na totalidade dos casos considerados, para fins académicos. O

prosseguimento da vida migratória após a obtenção de um grau superior

sugere que o país de origem não oferece as condições necessárias para

atrair e fixar os seus quadros formados no estrangeiro.

Esta conclusão é validada pela análise dos obstáculos percebidos pelos

migrantes ao seu eventual retorno à Guiné-Bissau.

Gráfico 21

Condições necessárias para retornar à Guiné-Bissau

A possibilidade de retorno a médio prazo é obstaculizada por várias

razões. O gráfico revela que a existência de possibilidades de inserção

no mercado de trabalho guineense constitui a condição mais relevan-

te para a maioria dos inquiridos, particularmente para os mais jovens,

juntamente com a realização ou conclusão dos estudos. Confirma-se

assim um potencial de retorno latente no grupo analisado, particular-

mente para os jovens quadros. A acumulação de dinheiro suficiente,

que permita realizar um investimento na Guiné-Bissau foi a segunda ra-

zão mais referida. Um dos inquiridos referia que “ainda não organizei

definitivamente”, enquanto outro afirmava claramente que “não posso

voltar agora, era feio, não tenho nada”.

O terceiro tipo de razão que leva a que o retorno, como nota um autor,

seja tanto um mito quanto uma realidade desencorajada (Có, 2004),

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

é uma das que mais foi invocada para justificar o abandono do país

de origem, nomeadamente os problemas de subdesenvolvimento que

afectam a esmagadora maioria da população. Os resultados obtidos re-

velam que a estabilização da situação política e governativa da Guiné-

-Bissau e o seu desenvolvimento, sobretudo ao nível das infra-estruturas

e serviços de base: electricidade e água canalizada, saúde e educação,

são a condição chave em 25% das respostas.

Verifica-se assim que a diáspora se divide entre uma vontade expressa

de regressar - e um sentido de responsabilidade claramente assumido

para com o desenvolvimento do seu país – e o desencorajamento de-

corrente da falta de oportunidades e de condições de vida no seu país

de origem. E assim sendo, enquanto um dos inquiridos fazia notar que

“gosto de viver na Guiné, não podemos deixar que as circunstâncias

nos demovam, se ninguém voltar nada vai mudar” (inquirido nº 50),

outro afirmava decididamente que “se o país continuar na mesma, não

volto” (inquirido nº44).

O gráfico seguinte confirma esta ambiguidade, ao revelar que meta-

de dos inquiridos pretende regressar à Guiné-Bissau a curto prazo, en-

quanto 30% pretende continuar o percurso migratório:

Gráfico 22

Intenção de mobilidade por percentagem de inquiridos

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Para os inquiridos que pretendem regressar à Guiné-Bissau num futuro

imediato, esta é uma opção baseada tanto em registos afectivos “o meu

coração assim o diz, quero estar com os meus conterrâneos” “(inquiri-

do nº19) como em argumentos de ordem mais pragmática “tenho um

grande mercado de trabalho lá para a minha área de formação” (inqui-

rido nº 4), como numa certa desilusão com a situação actual de Portugal

“já estou cansada de trabalhar aqui, isto está cada vez pior” (inquirido

nº 53). Cerca de 21% reitera a opção de continuar em Portugal. As

principais razões invocadas para justificar a permanência no território

português prendem-se com as boas condições de educação e de saúde,

particularmente relevantes para os inquiridos cujos filhos também estão

em Portugal. Uma parte significativa dos inquiridos referiu ainda a não

completa concretização do projecto migratório como justificação para

adiar um retorno no imediato, como referiu o inquirido nº60 dizendo

“ainda preciso orientar a minha vida”.

Cerca de 9% dos inquiridos pretende migrar para um outro país. A

opção de migrar para outro país é justificada quer pelas diferenças sa-

lariais entre Portugal e outros países europeus quer pela vontade de

continuar os estudos noutro contexto. Identificar os países onde actual-

mente se encontra a diáspora guineense pode fornecer indicações sobre

eventuais destinos de remigração dos migrantes guineenses que residem

actualmente em Portugal, tendo em conta que esta migração frequen-

temente se dá por etapas e partindo do pressuposto da teoria das redes.

O gráfico que se segue apresenta os principais países referidos pelos

inquiridos quando questionados sobre a localização de familiares que

residem fora da Guiné-Bissau:

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Gráfico 23

Número de referências a familiares dos inquiridos emigrados noutros países

Verifica-se a grande diversidade de destinos, bem como a emergên-

cia de Espanha como o destino mais citado, acima dos destinos tidos

como tradicionais da migração guineense, a França e o Senegal, que

ainda assim continuam muito expressivos. È curioso notar a menção

recorrente de destinos classicamente associados à migração portuguesa,

como o Luxemburgo e a Suíça, bem como a emergência de países que

não costumam ser associados à migração guineense, nomeadamente

a Inglaterra e os Estados Unidos, o que pode decorrer da influência

do padrão de migração cabo-verdiana sobre a migração guineense. O

Brasil também se afirma como uma referência a reter, um destino no

mundo lusófono encorajado pelo crescente desenvolvimento económi-

co do país e pela sua activa política de cooperação para o desenvolvi-

mento na Guiné-Bissau, que tem garantido numerosas bolsas de estudo

a universitários guineenses.

O cartaz que se apresenta em seguida revela o itinerário da tourné de

um jovem músico guineense, confirmando a relevância dos destinos ac-

tuais da diáspora guineense:

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Imagem 10

Cartaz da tourné de Patche di Rima

Os destinos dentro do continente africano, para além do Senegal, in-

cluem predominantemente Cabo Verde e em seguida a Gâmbia, com

referências também à Guiné-Conacri, o que confirma que a migração

no circuito dos países limítrofes continua a ser uma opção para os mi-

grantes guineenses, ainda que provavelmente devido à proximidade ge-

ográfica e facilidade de mobilidade não tenda a adquirir um carácter

definitivo, ao contrário dos outros destinos. Nas entrevistas realizadas

na Guiné-Bissau, a referência a estadas mais ou menos prolongadas nos

países vizinhos (não incluindo Cabo Verde) foram muito frequentes.

No entanto, quando questionados se acreditam que “um dia” regressa-

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144

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

rão à Guiné-Bissau, 87% dos inquiridos responderam afirmativamente.

A ideia de retorno, ainda que num futuro abstracto é alimentada por

uma ligação de natureza afectiva com a Guiné-Bissau, como expressa-

ram muitos dos inquiridos referindo que “um migrantes pensa sempre

no seu país”, “a nossa terra não tem igual” ou que “é o laço que temos,

não podemos quebrar”. Existem também referências a um sentido de

responsabilidade ou de vontade de contribuir para que o país ultrapasse

os constrangimentos. Um inquirido referiu que “tenho que ir para lá

(Guiné-Bissau), dar a minha contribuição”. Um outro notava que “a

nossa geração (jovem) tem uma responsabilidade tremenda com o país,

acredito que posso e devo contribuir”, ou como resumiu o inquirido

nº9 “estou convicto que nós (os migrantes), os que temos alguma visão,

temos a obrigação de regressar e apoiar a Guiné-Bissau”.

Todavia, é relevante notar que dos mais de 89% dos inquiridos que

entende que pode contribuir para o desenvolvimento da Guiné-Bissau,

só 27% apontam o retorno como condição necessária. Ou seja, a maio-

ria dos guineenses acredita que pode continuar a ajudar o seu país na

situação de emigrante, através do envio de remessas para as respectivas

famílias, do investimento em pequenos negócios, da transferência de

competências, da informação e sensibilização em questões-chave, parti-

cularmente ao nível da participação política e cidadã.

Neste contexto, a migração circular e temporária é apontada como

uma das formas de conciliar a vontade de contribuir para o país com

a manutenção das oportunidades que o contexto migratório oferece.

Mais de 85% dos inquiridos em Portugal apontaram o critério “mobi-

lidade acrescida” como a condição que mais favoreceria a sua relação

com o país de origem, à qual são associadas vantagens adicionais onde,

para além das questões afectivas (maior facilidade de manutenção dos

laços familiares, de um lado e de outro), foram referidos, em 28% dos

casos, o desenvolvimento de negócios entre Portugal e a Guiné-Bissau.

Para mais de 13% dos inquiridos as vantagens da mobilidade acrescida

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145

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

são associadas à possibilidade de prosseguir os estudos e realizar espe-

cializações profissionais.

Globalmente, e à semelhança de outros contextos, também na Guiné-

-Bissau são as limitações à mobilidade que tendem a transformar uma

migração potencialmente temporária e circular em migração definitiva,

devido ao receio percebido pelos migrantes de que um retorno ainda

que temporário possa não se traduzir numa nova oportunidade para

migrar, caso o migrante assim o entenda.

A mobilidade acrescida é ainda perspectivada como uma estratégia par-

ticularmente interessante para colmatar o impacto da saída de quadros

e o não retorno daqueles que saem para estudar, o chamado brain-drain.

Estudos realizados (PNUD, 2009) revelam que a falta de empregabili-

dade, as más condições de trabalho e a utilização ineficiente dos qua-

dros existentes traduzem-se num desperdício e numa ineficácia que não

são compensados pela permanência dos quadros nessas condições. A

emigração é assim uma estratégia evidente para melhorar as condições

de vida dos migrantes qualificados, mas também uma forma eficaz de

promover o desenvolvimento do país a partir da diáspora, uma vez que

à semelhança dos migrantes não qualificados, também estes enviam re-

messas e estruturam redes sociais que beneficiam o seu país de origem.

Adicionalmente, há dados que evidenciam uma relação positiva entre a

migração circular de quadros qualificados e o investimento estrangeiro

por parte dos respectivos países de acolhimento, bem como das trocas

comerciais entre os países de origem e de destino (PNUD, 2009).

Em suma, a migração guineense apresenta um padrão diversificado,

entre África, a Europa e o continente americano, em que Portugal con-

tinua a surgir como um destino preferencial, embora outros destinos se

afirmem como crescentemente atractivos. As dinâmicas de remigração

já identificadas (Carreiro, 2007) poderão conhecer um incremento, so-

bretudo no caso da situação económica em Portugal permanecer pouco

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

atractiva. A verificarem-se, será de esperar que, seguindo a lógica das

redes migratórias, estes migrantes guineenses que actualmente residem

em Portugal se desloquem para países onde já existem familiares e ami-

gos, como verificado no gráfico 23.

Coexistindo, ou alternativamente, poderá verificar-se uma dinâmica sig-

nificativa de retorno para a Guiné-Bissau, principalmente se os constran-

gimentos identificados forem de facto ultrapassados. Apesar da persistên-

cia de incidentes político-militares, existem alguns indícios que podem

ser tidos como atractivos para os migrantes guineenses, particularmente

os jovens quadros. A título de exemplo, refiram-se o actual Programa

de Reforma da Função Pública, os esforços de saneamento das finanças

públicas ou a Reforma do Sistema de Segurança em curso. Se a estes

factores acrescer a persistência da dificuldade de inserção no mercado de

trabalho português, nomeadamente para os recém-licenciados, é possível

que o retorno seja percebido como uma opção interessante. Resta confir-

mar se estes sinais positivos serão argumentos suficientes para promover

o retorno, ou se pelo contrário, se assistirá sobretudo a uma crescente

diversificação dos destinos da diáspora guineense.

Num cenário de remigração, os migrantes guineenses que actualmente

residem em Portugal levarão consigo a pertença ao país Natal, pelo que

as práticas transnacionais nos vários domínios tenderão a permanecer,

ainda que necessariamente influenciadas pelo novo contexto de acolhi-

mento do migrante. Mas levarão também tudo aquilo que acumularam

durante os anos que residiram em Portugal: a língua, o conhecimento,

as ideias e a expertise, podendo pois constituir-se – uma vez mais – como

pontes que aproximam Portugal do mundo.

Um cenário de retorno seria encorajado pela facilitação da mobilidade,

particularmente para os jovens quadros, que poderiam assim combinar

estadias mais ou menos prolongadas no país de origem com perma-

nências noutros países que lhes ofereçam oportunidades profissionais e

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147

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

académicas interessantes. Esta é a situação ideal apontada pela maioria

dos inquiridos, uma vez que lhes permitiria manter o seu projecto mi-

gratório e, simultaneamente, contribuir directamente para o desenvol-

vimento do seu país de origem, uma missão na qual mais de 89% dos

inquiridos acredita ter um papel a desempenhar.

A última questão colocada no inquérito realizado prendia-se com a forma

como os inquiridos entendiam o impacto da migração para o desenvol-

vimento tanto da Guiné-Bissau como de Portugal. Esta questão foi trans-

versal a toda a investigação e foi colocada quer no contexto de Portugal,

como no contexto da Guiné-Bissau, a interlocutores individuais, a asso-

ciações, a instituições públicas e privadas em ambos os países. As mais

de 150 pessoas inquiridas forneceram respostas distintas e avançaram

argumentos, instrumentos e estratégias que problematizaram de forma

diversa esta questão. E todavia, apesar da diversidade dos contextos, dos

estratos socioprofissionais, de experiências de vida e de enquadramentos

institucionais, mais de 93% responderam afirmativamente.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

8. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

A presente investigação tinha como objectivo geral contribuir para uma

caracterização do espaço transnacional lusófono criado pelos migrantes

guineenses, orientada para a elaboração de uma estratégia futura por

parte dos Estados envolvidos de capitalização do potencial oferecido pe-

las suas dimensões culturais, sociais, intelectuais, políticas e económicas.

A investigação realizada permitiu concluir que a diáspora guineense

constrói um espaço transnacional que une Portugal à Guiné-Bissau e

que é suportado pelos laços regulares e sustentados que os migrantes

guineenses mantêm com o seu país de origem, que se expressam nos

domínios social, cultural, económico e político. Esta relação dinâmica

influencia claramente as condições de vida dos migrantes e das suas

famílias, mas dada a sua escala e natureza, tem também impactos sig-

nificativos no desenvolvimento global da Guiné-Bissau. Paralelamente,

constatou-se que as ligações dos migrantes com a Guiné-Bissau resul-

tam em grande medida da situação e da experiência vivida em Portugal

e que, por outro lado, o contexto económico, político e sociocultural de

Portugal também é influenciado pela diáspora guineense e pelo fluxo de

bens, ideias e competências a ela associadas.

A reflexão em torno destes resultados e das oportunidades e constrangi-

mentos inerentes tornou evidente que as múltiplas possibilidades de de-

senvolvimento económico, social, cultural e político decorrentes deste

espaço social transnacional – tanto para Portugal como para a Guiné-

-Bissau – se encontram aquém do seu potencial.

O presente e derradeiro capítulo pretende apresentar um conjunto de

recomendações que permitam ultrapassar os constrangimentos identifi-

cados e aproveitar cabalmente as oportunidades resultantes da presen-

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

ça da diáspora guineense em Portugal, das ligações que mantém com o

seu país de origem e com as diásporas radicadas noutros países. As re-

comendações resultam das conclusões obtidas através da investigação,

inspirando-se ainda nos comentários e sugestões de todas as pessoas

inquiridas no decurso da investigação, na análise documental efectuada

e na prospecção sobre os possíveis itinerários futuros da diáspora.

As recomendações são efectuadas a três níveis de execução: em Portu-

gal, na Guiné-Bissau e na diáspora guineense residente em Portugal,

complementares que são nas suas responsabilidades e competências nos

múltiplos níveis considerados. A sua implementação exigirá, na genera-

lidade dos casos, uma liderança política visionária e vigorosa, a capaci-

dade de estabelecer consensos e a habilidade de estimular a participa-

ção de todos os envolvidos.

Fica o desafio.

Recomendações

A migração regular contribui para o desenvolvimento económico do

país de acolhimento, gerando emprego e promovendo a criação de ri-

queza. Mas a forma como o processo migratório se concretiza é em

grande medida determinado pela percepção e pelo nível de informação

que os migrantes em potencial possuem. Nesse sentido, é fundamental

que os migrantes antes de o serem sejam devidamente informados quer

do processo em si quer das condições e lógicas de funcionamento do

país de acolhimento. Este enquadramento prévio do migrante facilitará

a sua integração na sociedade de acolhimento, inclusive no mercado de

trabalho e evitará os percursos ou a queda em situações de irregularida-

de profissional, contributiva e de residência, que se verificam frequente-

mente por desconhecimento.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Recomendação 1 em Portugal:

Apoiar o Estado Guineense no reforço de competências do Instituto de

Apoio ao Emigrante, em Bissau, tomando como referência, por exem-

plo, o Centro de Apoio ao Migrante (CAMPO) em Cabo Verde. O

estabelecimento de parcerias com Portugal permitirá obter informação

adiantada sobre as oportunidades de trabalho existentes, bem como

alargar este mercado para incluir também Espanha e França, entre

outros destinos preferenciais. O apoio da UE concedido ao projecto

realizado em Cabo Verde confirma a sua viabilidade financeira. Este

reforço de competências poderá ser concretizado através de parcerias

entre o Instituto de Apoio ao Emigrante na Guiné-Bissau e o ACIDI e

o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras portugueses, tirando partido da

competência e experiência acumuladas destas instituições. O recurso a

intercâmbios, formações e transferência de meios e competências pode-

rão ser os instrumentos privilegiados no processo.

Recomendação 2 na Guiné - Bissau:

Priorizar a capacitação do Instituto de Apoio ao Emigrante e o reforço

dos serviços de apoio ao cidadão guineense na diáspora ao nível dos

serviços da Embaixada e Consulados da Guiné-Bissau em Portugal. O

capital acumulado dos serviços da Direcção Geral dos Assuntos Con-

sulares e das Comunidades em Portugal, bem como a experiência bem

sucedida dos serviços consulares de Cabo Verde na diáspora poderão

ser mobilizados através de parcerias estratégicas para reforçar a com-

petência dos serviços consulares guineenses, garantindo assim um me-

lhoramento do apoio aos cidadãos guineenses residentes em Portugal.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

Recomendação 3 na Diáspora:

Tal como verificado, a migração guineense concretiza-se frequente-

mente a partir das redes existentes entre os migrantes no país de acolhi-

mento e os potenciais migrantes. A experiência de migração e a relação

privilegiada que os migrantes possuem junto dos seus familiares e ami-

gos, pode ser mobilizada para informar os potenciais migrantes da rea-

lidade do país de destino e para facilitar o seu encaminhamento para os

canais de migração regular e para os serviços adequados, tanto na pre-

paração do processo migratório como na chegada ao país de destino.

A investigação confirmou que os migrantes guineenses não só têm um

papel incontornável no desenvolvimento da Guiné-Bissau como tam-

bém procuram intervir activamente na vida política e na melhoria de

sectores estratégicos do país, como a saúde e a educação. As limita-

ções do Estado guineense que se traduzem, entre outros aspectos, na

dificuldade em realizar eleições no estrangeiro e em estabelecer uma

relação coordenada com a diáspora do país, têm vindo a impedir a

concretização de parcerias efectivas entre ambas as partes – sobretudo

ao nível das associações de migrantes - e têm limitado sobremaneira o

impacto das iniciativas de desenvolvimento e o investimento da comu-

nidade migrante na Guiné-Bissau. Como verificado, a falta de legisla-

ção adequada e a burocracia excessiva condicionam os resultados das

iniciativas e abrem espaço para a especulação e para a corrupção, pelo

que os impactos positivos dos projectos desenvolvidos pelas associações

de migrantes e a quantidade, volume e retorno dos investimentos por

estes realizados ficam muito aquém do seu potencial.

Recomendação 4 na Guiné-Bissau:

Actualizar o actual Estatuto do Emigrante da Guiné-Bissau, explicitan-

do os direitos e deveres dos emigrantes e reconhecendo formalmente o

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153

ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

seu contributo para o desenvolvimento do país. Concretizar o escrutínio

eleitoral na diáspora e alargá-lo para incluir as eleições Presidenciais.

Desenvolver um mecanismo de reconhecimento formal das Associações

de Migrantes da Guiné-Bissau em Portugal, quer através do registo jun-

to da Embaixada ou assumindo o reconhecimento já concedido pelo

ACIDI. Criar um interlocutor para as Associações de Migrantes que

pretendam desenvolver projectos locais nas suas comunidades de ori-

gem, que permita capitalizar os impactos e explorar eventuais comple-

mentaridades. Encorajar as Associações de Migrantes a articularem os

seus esforços nas respectivas comunidades de origem com as instituições

públicas responsáveis (seja Educação, Água e Saneamento, Agricultura,

etc) e no quadro dos Planos de Desenvolvimento Regional existentes.

Recomendação 5 na Guiné-Bissau:

Aumentar o volume e o retorno dos investimentos realizados pelos mi-

grantes, através do desenvolvimento de um ambiente encorajador ao

investimento e do zelo na aplicação da legislação já existente. Criar

legislação específica – taxas exclusivas, maior agilidade e transparência

nos processos - que facilite o investimento por parte dos emigrantes e

procurar limitar os efeitos especulativos. Aumentar o nível de informa-

ção dos emigrantes sobre as oportunidades de investimento e de negócio

existentes na Guiné-Bissau, processo no qual a Câmara de Comércio e

Industria da Guiné-Bissau poderá desempenhar um importante papel.

Recomendação 6 na Diáspora:

Procurar articular as iniciativas desenvolvidas pelas Associações de Mi-

grantes nas localidades de origem com as instituições públicas responsá-

veis na Guiné-Bissau, bem como com outros agentes de desenvolvimen-

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to com os quais seja relevante estabelecer parcerias e complementari-

dades. Procurar apoio específico em matéria de reforço de capacidades

– ao nível da Gestão de Ciclo de Projecto entre outras possíveis – junto

de entidades competentes, como Organizações Não Governamentais

portuguesas, de forma a melhorar o impacto e a sustentabilidade das

actividades de desenvolvimento promovidas nas respectivas comunida-

des de origem.

Como se verificou, uma parte significativa dos inquiridos gostaria de re-

gressar à Guiné-Bissau. Esse retorno acaba por ser obstaculizado pelas

dificuldades percebidas de inserção no mercado de trabalho guineense

e pelo receio de não ser possível encetar um novo processo migratório,

caso as expectativas que conduziram ao retorno não se concretizem.

Esta situação impede o retorno – ainda que tendencialmente não defi-

nitivo – de quadros cuja contribuição para o desenvolvimento do país

poderia ser significativa. As limitações de mobilidade têm também um

impacto no prosseguimento da formação profissional e académica dos

guineenses, o que condiciona o aproveitamento destes recursos huma-

nos não só para o desenvolvimento Guiné-Bissau mas também para as

instituições de ensino e formação portuguesas, quer do ponto de vista

da massa crítica quer do ponto de vista financeiro. Por último, e no do-

mínio sociocultural, as limitações de mobilidade actuais impedem ainda

a deslocação dos artistas guineenses, o que condiciona a divulgação da

cultura guineense no mundo, e empobrece a diversidade cultural do

panorama artístico em Portugal.

Recomendação 7 em Portugal:

Facilitar a mobilidade entre Portugal e a Guiné-Bissau, nomeadamente

modalidades de migração circular ou temporária, no quadro do Esta-

tuto do Cidadão da CPLP. Facilitar particularmente o prosseguimento

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de estudos e a mobilidade dos quadros, tendo em conta e a necessidade

que o país tem destas competência e o potencial que o seu conheci-

mento privilegiado do país acarreta. Por outro lado, a mobilidade dos

migrantes não qualificados que participam em projectos de desenvol-

vimento no seu país de origem pode ser igualmente facilitada tendo

em conta a natureza e âmbito da sua deslocação, sem que tal implique

a perda dos direitos legais adquiridos em Portugal. Seria igualmente

relevante reforçar a mobilidade dos artistas guineenses, promovendo

assim a diversidade cultural e o cosmopolitismo de Portugal, bem como

a promoção da cultura guineense.

Recomendação 8 na Guiné - Bissau:

A mobilidade acrescida permite colmatar o impacto da saída de qua-

dros e o não retorno daqueles que saem para estudar, e cria a possibili-

dade de recorrer a estas pessoas pontualmente, no quadro de projectos

específicos, com um potencial de capitalização das ideias, competências

e conhecimento que não deve ser descartado. O Estado Guineense po-

derá criar programas de enquadramento e de inserção no mercado de

trabalho dos migrantes retornados. A criação de uma base de dados

dos quadros guineenses poderia ser um instrumento da maior utilidade

para favorecer o reconhecimento e a utilização do capital de conheci-

mento e experiência acumulados dos migrantes em Portugal em prol

do desenvolvimento da Guiné-Bissau, não só para o sector público mas

também para o sector privado e para as organizações da sociedade civil

e organismos internacionais.

O estudo realizado revelou que o fluxo de bens no sentido Bissau - Lis-

boa é substantivo e que a diáspora guineense em Portugal constitui um

mercado importante para os produtos oriundos da Guiné-Bissau. Este

facto alarga significativamente o mercado disponível para os produtos e

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bens culturais guineenses e constitui não só uma oportunidade de negó-

cio, mas também uma estratégia privilegiada para a valorização e divul-

gação da cultura guineense. Por outro lado, verificou-se que o mercado

guineense é um destino relevante para os produtos portugueses, ainda

que frequentemente este processo se concretize num registo informal.

Este facto revela que há um mercado a explorar na Guiné-Bissau tam-

bém para as empresas portuguesas, que pode ser facilitado pelos flu-

xos e ligações comerciais que já foram estabelecidos pelos migrantes,

e pela mais-valia que é o seu conhecimento acrescido dos mercados,

possibilidades e lógicas de consumo dos guineenses. Constatou-se que

este fluxo de bens não só constitui um canal de escoamento dos pro-

dutos portugueses, como também alimenta dinâmicas empresariais de

pequena escala, mas ainda assim significativas em termos de geração de

rendimento e emprego na Guiné-Bissau

Recomendação 9 na Guiné-Bissau:

Valorizar e divulgar a cultura e os produtos guineenses nos respecti-

vos países de acolhimento, tirando partido das embaixadas existentes

e encorajando também as Associações de Migrantes nesse sentido. O

Estado Guineense pode ainda favorecer o reconhecimento e interna-

cionalização da comunidade artística guineense, bem como apoiar a

comercialização e a exportação de práticas e produtos tradicionais. O

desenvolvimento deste tipo de actividades não só contribuirá para re-

forçar a imagem e a cultura da Guiné-Bissau no mundo – através de

festivais, feiras e/ou exposições como servirá para promover um dos

sectores com maior potencial na Guiné-Bissau: o do turismo.

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Recomendação 10 na Guiné-Bissau:

Desenvolver uma legislação e um ambiente que estimule e facilite o

desenvolvimento das Pequenas e Médias Empresas na Guiné-Bissau,

particularmente as que contam com capital de migrantes. Este apoio

encorajará o registo formal destas empresas, garantindo não só o au-

mento da produção, rendimento e emprego no país, mas constituindo

também uma fonte adicional de receitas para o Estado. A capacidade

do Estado Guineense em atrair o fluxo de remessas da diáspora atra-

vés de canais formais específicos criados para o efeito poderia também

traduzir-se numa fonte de receitas não negligenciável, tendo em conta

o seu montante e regularidade.

Recomendação 11 em Portugal:

Aprofundar o estudo dos mercados informais transnacionais que unem

Portugal e a Guiné-Bissau e desenvolver estratégias para desenvolver as

oportunidades para as trocas comerciais já identificadas, tomando como

ponto de partida o conhecimento e o posicionamento privilegiados dos

migrantes sobre a Guiné-Bissau. Ainda, seria interessante encorajar as

empresas portuguesas a recorrerem à mão de obra dos migrantes para

facilitarem as estratégias de internacionalização das suas empresas na

Guiné-Bissau.

Recomendação 12 em Portugal:

Tendo em conta o potencial de empreendedorismo transnacional iden-

tificado, existem mais-valias significativas em desenvolver um enqua-

dramento legal, também ao nível da mobilidade, para este tipo de em-

presário, bem como facilitar o acesso a formação profissional específico

neste âmbito. O Estado Português pode ainda encorajar o sector ban-

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cário a desenvolver modalidades de poupança e de acesso ao crédito

interessantes e adequadas ao perfil do investidor guineense.

A investigação realizada confirmou que, dada a profundidade de inter-

-relacionamento entre a diáspora guineense e o seu país de origem, o

grau de influência mútua é extremamente elevado. Constatou-se que

os processos que afectam a diáspora têm impactos na Guiné-Bissau; os

eventos do país de origem influenciam o comportamento da diáspora e

que as dinâmicas de Portugal interferem fortemente em todo o processo.

Este inter-relacionamento pode ser capitalizado para influenciar aspectos

estratégicos do desenvolvimento da Guiné-Bissau, aos diferentes níveis.

Recomendação 13 em Portugal:

Incluir a diáspora guineense nas consultas realizadas aquando da defini-

ção dos Planos Integrados de Cooperação para a Guiné-Bissau. Ainda,

tomar os migrantes guineenses residentes em Portugal como público-al-

vo específico para as campanhas de Educação para o Desenvolvimento,

particularmente em matéria de Educação Ambiental, Saúde Sexual e

Reprodutiva e Educação para a Cidadania. Facilitar o acesso ao voto

nas eleições locais para os migrantes legalmente residentes, à semelhan-

ça dos cidadãos da União Europeia, como estratégia para incrementar

a integração e para fomentar a aprendizagem das lógicas de funciona-

mento de sistemas democráticos mais amadurecidos.

Recomendação 14 na Diáspora:

Adquirir consciência do seu capital cultural, económico e político co-

lectivo e da relevância que este tem para o desenvolvimento da Guiné-

-Bissau. As Associações de Migrantes podem aqui assumir um papel

significativo na mobilização, organização e sensibilização dos migrantes

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guineenses para questões de interesse comum. O estabelecimento de

relações e parcerias com entidades portuguesas relevantes – como au-

tarquias, Universidades e ONGs – bem como a própria organização

interna do mundo associativo guineense poderão constituir estratégias

interessantes para ampliar o impacto e a qualidade das suas iniciativas

e para influenciar de forma mais efectiva em assuntos estratégicos para

o desenvolvimento do país.

Tal como o presente estudo sugere, é possível que se consolidem as

dinâmicas de remigração guineense a partir de Portugal para outros

países. Consigo levarão, naturalmente, a cultura e o saber da Guiné-

-Bissau, mas também tudo aquilo que acumularam durante os anos que

residiram em Portugal: a língua, o conhecimento, as ideias e a expertise,

podendo pois constituir-se – uma vez mais – como pontes que apro-

ximam Portugal do mundo. Este potencial é tanto mais significativo

tendo em conta que o Parlamento Europeu recomendou recentemente

que seja concedida mobilidade total aos migrantes legalmente residen-

tes por um período superior a 5 anos em qualquer Estado-Membro.

Recomendação 15 em Portugal:

Antecipar a prevista mobilidade acrescida no espaço comunitário que

caracterizará a comunidade guineense no futuro. O favorecimento da

integração desta comunidade e da sua participação nos múltiplos domí-

nios da sociedade portuguesa promoverá a manutenção dos laços cultu-

rais, sociais, académicos e económicos entretanto criados. Reconhecer

formalmente o contributo e a importância da migração guineense para

o desenvolvimento económico, social, cultural e académico de Portu-

gal. Encorajar o reconhecimento de competências e a aprendizagem ao

longo da vida, particularmente da língua portuguesa, também na pers-

pectiva do alargamento da expressão lusófona no espaço comunitário.

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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO

O projecto “Arquitectos de um espaço transnacional lusófono - a di-

áspora guineense em Portugal” foi executado entre 2009 e 2010, pela

investigadora Mestre Maria João Carreiro, sob coordenação do Prof.

Dr. Carlos Sangreman, por iniciativa e com financiamento da Funda-

ção Portugal África, e com o enquadramento científico do Centro de

Estudos sobre África e Desenvolvimento (CESA) do Instituto Superior

de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa. Partindo

da abordagem do transnacionalismo migrante, é apresentada a análise

dos dados recolhidos junto da comunidade guineense em Portugal, bem

como na Guiné-Bissau que permitem caracterizar o espaço comum que

une os 2 países, nas vertentes política, económica, social e cultural. Este

livro procura reflectir sobre essa dupla realidade de origem e destino

como um todo, problematizando as implicações dos percursos transna-

cionais dos migrantes guineenses para o desenvolvimento de Portugal e

da Guiné-Bissau e propondo, com base nos resultados obtidos, medidas

e políticas que capitalizem o potencial decorrente das ligações mantidas

pelos migrantes guineenses em Portugal com a Guiné-Bissau.

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