Arquitetura e Ressonâncias Urbanas em Florianópolis na primeira metade do século XX

153
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - CFH PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SABRINA FERNANDES MELO ARQUITETURA E RESSONÂNCIAS URBANAS EM FLORIANÓPOLIS NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX FLORIANÓPOLIS Fevereiro de 2013

description

A primeira metade do século XX foi um momento importante para a configuração do cenário urbano de Florianópolis. Os novos estilos arquitetônicos promoveram uma alteração na visualidade da cidade como o art déco, por exemplo, utilizado na construção do edifício dos Correios e Telégrafos da capital. Contudo, a alteração da imagem não se deu apenas pelo viés da arquitetura. As leis e as crônicas daquele período também atuaram na composição da imagem e na configuração de expectativas e idealizações do espaço urbano. Neste contexto, o objetivo deste trabalho é problematizar a arquitetura e as ressonâncias provocadas por ela. O intuito é de verificar a maneira pela qual o espaço urbano foi alterado e percebido, visual, estética e subjetivamente por meio da arquitetura, das leis e dos relatos sensíveis de contemporâneos que observaram os espaços construídos em Florianópolis. Desta forma, para melhor respaldar as discussões, será utilizado o arcabouço conceitual próprio da arquitetura como categoria antropológica, visto que ela denota um modelo de comportamento humano amplamente difundido, e que é diferente de cultura para cultura, no espaço e no tempo. A análise das leis será feita tendo em vista seu caráter normativo e delimitador que atua tanto na organização dos espaços urbanos como na configuração de significados e de expectativas em relação à cidade. Por fim, as crônicas serão discutidas a partir da definição do imaginário como uma categoria analítica e como um sistema coletivo de representação de ideias e imagens na construção de significado ao meio social. Um dos resultados obtidos revela que, dificilmente, a leitura proposta aqui poderia ser apreendida por meio de um único objeto de análise, pois a arquitetura, as crônicas e as leis ressoaram e interferiram na história urbana da cidade de diferentes maneiras, que ora foram complementares, ora antagônicas

Transcript of Arquitetura e Ressonâncias Urbanas em Florianópolis na primeira metade do século XX

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS - CFH PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SABRINA FERNANDES MELO ARQUITETURA E RESSONNCIAS URBANAS EM FLORIANPOLIS NA PRIMEIRA METADE DO SCULO XX FLORIANPOLIS Fevereiro de 2013 SABRINA FERNANDES MELO ARQUITETURA E RESSONNCIAS URBANAS EM FLORIANPOLIS NA PRIMEIRA METADE DO SCULO XX DissertaoapresentadaaoProgramadePs-graduao em Histria da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Histria. Prof Orientadora: DrMaria Bernardete Ramos Flores Co-orientador: Prof.Dr. Mario Csar Coelho FLORIANPOLIS Fevereiro de 2013 Arquitetura Funcional No gosto da arquitetura nova Porque a arquitetura nova no faz casas velhas No gosto das casas novas Porque casas novas no tm fantasmas E, quando digo fantasmas, no quero dizer essas Assombraes vulgares Que andam por a no-sei-qu de mais sutil Nessas velhas, velhas casas, Como, em ns, a presena invisvel da almaTu nem sabes A pena que me do as crianas de hoje! Vivem desencantadas como uns rfos: As suas casas no tm pores nem stos, So umas pobres casas sem mistrio. Como pode nelas vir morar o sonho? O sonho sempre um hspede clandestino e preciso (Como bem sabamos) Ocult-lo das outras pessoas da casa, preciso ocult-lo dos confessores, Dos professores, At dos Profetas (Os Profetas esto sempre profetizando outras coisas) E as casas novas no tm ao menos aqueles longos, Interminveis corredores Que a Lua vinha s vezes assombrar! Mrio Quintana AGRADECIMENTOS Agradeoprimeiramente a professora Maria Bernardetepor ter aceitado me orientar e pela valiosa contribuio intelectual, pelas conversas, amizade e apoio que sempre me ofereceu. Agradeoaoco-orientadorMarioCesarCoelhopela contribuioepelasconversassobrearquitetura,aosprofessoresLuis Eduardo Teixeira, Janice Gonalves e Maria Tereza Santos Cunha pelas importantescontribuies.AosprofessoresHermetesArajoe Jacqueline Lins, pela atenciosa leitura. UmespecialagradecimentoparaMiraCruz,pormeapoiar durantetodaminhavidaacadmica.Agradeotambmaminhame Irani Melo, meu pai Jos Antnio, a irm Camilla Melo e a av Herona Castro, Sandrinha Cruz, Sandra Maria, s amigas Carina Sartori, Onete PodeleskieJaquelineCardoso.Commuitoamorecarinhoagradeo meu companheiro de todas as horas, Joo Paulo Castro. Atodososfuncionriosdabibliotecapblica,daCasada Memria,doArquivoMunicipaledapelavaliosaajudaduranteos mesesdepesquisadiria,meussincerosagradecimentos.Finalmente agradeoaCoordenaodeAperfeioamentodePessoaldeNvel Superior(CAPES)pormeproporcionarumabolsaduranteosanosde estudos. RESUMO AprimeirametadedosculoXXfoiummomentoimportanteparaa configuraodocenriourbanodeFlorianpolis.Osnovosestilos arquitetnicospromoveramumaalteraonavisualidadedacidade comooartdco,porexemplo,utilizadonaconstruodoedifciodos Correios e Telgrafos da capital. Contudo, a alterao da imagem no se deuapenaspelovisdaarquitetura.Asleiseascrnicasdaquele perodotambmatuaramnacomposiodaimagemenaconfigurao deexpectativaseidealizaesdoespaourbano.Nestecontexto,o objetivodestetrabalhoproblematizaraarquiteturaeasressonncias provocadas por ela. O intuito de verificar a maneira pela qual o espao urbanofoialteradoepercebido,visual,estticaesubjetivamentepor meioda arquitetura, das leisedos relatos sensveisde contemporneos queobservaramosespaosconstrudosemFlorianpolis.Destaforma, paramelhorrespaldarasdiscusses,serutilizadooarcabouo conceitualprpriodaarquiteturacomocategoriaantropolgica,visto queeladenotaummodelodecomportamentohumanoamplamente difundido,equediferentedeculturaparacultura,noespaoeno tempo. A anlise das leis ser feita tendo em vista seu carter normativo edelimitadorqueatuatantonaorganizaodosespaosurbanoscomo naconfiguraodesignificadosedeexpectativasemrelaocidade. Por fim, as crnicas sero discutidas a partir da definio do imaginrio comoumacategoriaanalticaecomoumsistemacoletivode representao de ideias e imagens na construo de significado ao meio social.Umdosresultadosobtidosrevelaque,dificilmente,aleitura propostaaquipoderiaserapreendidapormeiodeumnicoobjetode anlise, pois a arquitetura, as crnicas e as leis ressoaram e interferiram nahistriaurbanadacidadedediferentesmaneiras,queoraforam complementares, ora antagnicas.Palavras- Chave: Florianpolis, arquitetura, crnicas, leis, ressonncias urbanas. ABSTRACT Thefirsthalfofthetwentiethcenturywasanimportanttimeforthe configurationoftheurbansceneofFlorianpolis.Duringthisperiod, thediscussionof Brazilian architecture and architectural styles to come promotedavisualchangeinthecity,forexample,theartdecointhe post officesof the capital. However, the change of the city's image was notjustfromtheperspectiveofarchitecture,becausethelawsand articlessettheexpectationsthatculminatedinwhatwaswrittenabout urbanspace.Inthiscontext,theaimofthispaperistohighlightand discuss the architecture and the resonance it caused; to ascertain the way inwhichurbanspacehaschangedtheperceivedvisualaesthetics;and subjectively,througharchitecture,thelawsandthearticlesof contemporarieswhoobservedthebuildingsofthatperiodin Florianpolis. Thus,tobettersupportthediscussion,Iwillusetheconceptual framework of the architecture itself, which is seen as anthropological. It denotes amodelofwidespreadhuman behavior ineachperiodof time, differingfromculturetoculture.Theanalysisoflawswillbemadein view of their rules and barriers, which impact both in the organization of urbanspaceandtheexpectationsofthecity.Oneoftheresultsreveals thatrarelycantheconceptproposedherebeobtainedthroughasingle methodofanalysissincethearchitecture,thearticles,andthelaws, impactedinthehistoryofthetownindifferentways,whichwere sometimes complementary and sometimes in opposition. Keywords:Florianpolis,architecture,articles,lawsandurban resonances. LISTA DE FIGURAS Figura01Configuraourbanainicialdaregiocentralde Florianpolis no inicio do sculo XIX...............................................30 Figura 02 Mapa da Praa XV de Novembro e seu entorno...................30Figura03PalcioCruzeSouza,situadonoentornodaPraaXVem Florianpolis. (s/d).......................................................................34 Figura 04 Estatuetas deorigemfrancesa eda ornamentao do Palcio Cruz e Sousa.(s/d)........................................................................... 35 Figura 05 Festa dos negros na Ilha de Santa Catarina-1803................ 38 Figura06OLargodaMatriznadcadade1860.Litografiade Rohlacher e Schwartzer..................................................................45Figura 07 A Matriz de Desterro. Desenho de Tschudi,1866.................45 Figura08MatrizdeNossaSenhoradoDesterro-inciodosculoXX ....................................................................................................46 Figura 09 Catedral Metropolitana de Florianpolis, dcada de 1940...46Figura 10 Conjunto de sobrados oitoscentistas Florianpolis. (s/d).... 51 Figura11CasasituadanascercaniasdaPraaXVdeNovembro, construda por volta de 1890............................................................... 52 Figura 12 Esquina do Hotel La Porta. (s/d)...........................................62 Figura 13 Anncio publicitrio do Hotel La Porta de 1952..................65 Figura 14 Nota sobre a oferta de compra do Hotel La Porta, 1932.......65 Figura 15 Terreno onde foi construdo o Hotel La- Vazio Urbano ......67 Figura 16 Atual projeto arqueolgico Hotel La Porta, 2011.................67 Figura 17 Carto Postal, vista do Hotel Taranto................................70 Figura18ImagematualdaRuaProcuradorAbelardoGomese edificaes, 2011..........................................................................71 Figura 19 Edifcio dos Correios e Telgrafos, Florianpolis, 1945......72 Figura20FachadadoEdifciodosCorreios.Florianpolis, 2011......................................................................................................73 Figura21ProjetodeprdionocentrodeFlorianpolis,RuaFernando Machado, 1936. Autor: Tom Wildi...................................................74 Figura22Fachadacomornamentaogeomtrica,RuaFernando Machado,2010...............................................................................75 Figura 23 Frente do Cine Roxy,2011...................................................78 Figura 24 Anncio de inaugurao do Cine Rex, 1935........................80 Figura25CineRitz.(s/d.).Presenadeinmeroscartazespara promoo/propaganda de filmes.......................................................81 Figura 26 Cine Ritz. (s/d)..............................................................82 Figura27CartopostaldoPalcioCruzeSouza. 1905................................................................................................92 Figura 28 Mercado Pblico Municipal de Florianpolis. 1906............ 93 Figura 29 Largo da Alfndega - Florianpolis, 1906............................93 Figura 30 Biblioteca Pblica e Escola Normal,1900...........................94 Figura 31 Regio do Rita Maria,1905.................................................94 Figura 32 Vista geral de Florianpolis em 1907...................................95 Figura 33 A Igreja Matriz e sua escadaria, 1906...................................95 Figura34RuaConselheiroMafra.Conjuntoarquitetnicoebondinho de trao animal, 1906..........................................................................101 Figura 35Praa Fernando Machado. Ao fundo, o Forte de Santa Brbara (s/d)..............................................................................................102 Figura 36 Praa Fernando Machado, dcada de 1930.........................102 Figura 37 Anncio Publicitrio do filme Metrpolis,1930.................118 Figura 38 Charge A vida nova, O Estado, 1931...............................125 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APP-reas de Preservao Permanentes. CEF- Caixa Econmica Federal. IHGSC- Instituto Histrico e Geogrfico de Santa Catarina. IPHAN-SC - Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional- Superintendncia Estadual em Santa Catarina. IPUF- Instituto de Planejamento Urbano de Florianpolis. MHN- Museu Histrico Nacional. SEPHAN- Servio do Patrimnio Histrico Artstico e Natural do Municpio SUSP- Secretaria de Urbanismo e Servios Pblicos. TAC- Teatro lvaro de Carvalho. VARIG- Viao Area Rio Grandense. SUMRIO INTRODUO......................................................................................11 CAPTULO 1 A ARQUITETURA COMO ESTILO: NEOCOLONIAL E ECLTICO.......................................................................................Erro! Indicador no definido.7 1.1 PRAA XV DE NOVEMBRO: COMPREENDENDO O ENTORNO .................................... 28Erro! Indicador no definido. 1.2 PALCIO CRUZ E SOUZA ........ Erro! Indicador no definido. 1.3 A IGREJA MATRIZ: DE CAPELA CATEDRAL ........ 54Erro! Indicador no definido. CAPTULO 2 CONES DA MODERNIDADE CONSTRUTIVA...........................Erro! Indicador no definido. 2.1HOTEL LA PORTA: FRAGMENTOS ECLTICOS RUMO AO RACIONALISMO MODERNO ......... Erro! Indicador no definido. 2.2ARQUITETURA EM CONTORNOS GEOMTRICOS: O EDIFCIO DOS CORREIOS E CONJUNTOS COMERCIAIS ....... 67 2.2 A PROJEO DA STIMA ARTE NA MATERIALIDADE CONSTRUTIVA .............................................................................. 77 CAPTULO 3 GESTO DA IMAGEM URBANA......................................................843.1 A COLEO DE LEIS DE 1901: POR UM IDEAL ESTTICO DEFLAGRADO NO PERODO REPUBLICANO ................. 85Erro! Indicador no definido. 3.2 COLEES DE LEIS DO MUNICPIO DE FLORIANPOLIS DE 1918 A 1930 ............................................................................... 98 CAPTULO 4 CRNICAS URBANAS..................................................................... 105 4.1 INTERPRETAES DA CIDADE PELA VIA DAS CRNICAS .................................................................................... 108 4.2 CINE-NOTA ........................... 115Erro! Indicador no definido. 4.3 COTIDIANO E VIDA URBANA ............................................ 119 CONSIDERAES FINAIS.............................................................126REFERNCIAS.................................................................................130ANEXOS............................................................................................Erro! Indicador no definido.142 19 INTRODUO Osobjetosdeestudodahistriaurbanasodiversos,assim comoosolhareseinterpretaesneleslanados.EricLampard1,por exemplo,defendequeoobjetoprincipaldahistriaurbanaa urbanizaocomoprocessosocialenoacidade.Jumavertenteda sociologia-queinsereahistriaurbananoquadrodateoriasocial- afirmaque,nassociedadescapitalistascontemporneas,acidadeno seria mais a base de associao humana (na proposta de Weber), nemo locus da diviso do trabalho (Durkheim), nem a expresso de um modo deproduoespecfico(Marx) 2.Nasdiferentesperspectivasdas cinciassociaisedahistriaculturaltaisobjetostornaram-sealvode constantesdebates.Aabordagemrelevanteparaestetrabalhoest relacionadacomaformadepercebereaplicaracategoriacidadenos estudoshistricoscomaintenodequeasdefinieseusosnose tornemparciais,unitriaseuniversalizantes.Nestecontexto,Ulpiano (1996) afirma que: Aoinvsdetomarmosacidadecomocategoria estveleuniversal,dequepudessemapresentar apenasvariaesaolongodotempo,convm aceitarmosanecessidadedehistoricizaracidade comosersocial.Historiciz-ladefini-lae explor-lalevandoemcontasuasprticase representaespelaprpriasociedadequea institui e a transforma continuamente3. Ahistorizaodacidadepodeapresentarresultadosque primeiravistasoamcomoinusitados,jquecompreenderumacidade significacolherfragmentos,elanarentreelesestranhaspontes,por intermdiodasquaissejapossvelencontrarumapluralidadede significados 4. Segundo Michael Baxandall,osmltiplos olhares sobre umaobradearte,eporquenosobreacidade,acontece,pois, descrioeaexplicaoseinterpenetramconstantemente[...] 1 Eric Lampard discutiu a noo de urbanizao enfatizando a ideia de processo socialqueprecedeeacompanhaaformaodascidades.Cf.LAMPARD, 1975. 2 MENESES, 1996, p.147. 3 Idem. 4 CANEVACCI, 2004, p.35. 20 conceitoseobjetossereforammutuamente 5.Adescriouma representaodoquesepensatervistonoobjetoe,portanto,torna-se inseparveldele.Partindodesseargumento,Baxandallapresentaos limitesdarepresentaoedoconhecimentohistricoaoafirmar que [...]severdadequeadescrioeaexplicaose interpenetram,issononosdevefazeresquecerqueadescrioa mediadoradaexplicao 6.Emoutraspalavras,oesforoanaltico envolvesempreapropriaesdosdiferentesatoresenvolvidostantona fabricaodeumartefatocultural,comoemsuaanlise,sejaoobjeto umafotografia,umquadro,umaedificaoouaspectosdahistria urbana. Acidade,independentedeseucontedohistricoesuas especificidades,podeserinterpretada,segundoUlpiano(1997),atravs detrsdimensescomplementares:comoartefato,comocampode forasecomoimagem.Comoartefato,acidadehistoricamente produzidaesocialmenteapropriadaporintermdiodesuasformas, funesesentidos.Essasapropriaesacontecempormeiodeforas econmicas,culturais,territoriais,sociais,polticasetc.Emoutras palavrasoartefatosempreprodutoevetordocampodeforasnas suas configuraes dominantes e nas prticas que ele pressupe7. Sobreestasdefinieshqueseconsiderarque,almde artefatoedealgomaterialesocialmenteproduzidoemmeioaum complexocampodeforas,acidadetambmrepresentao. Representaonosentidodequeestasinterveneseformasde apropriaonosoaleatrias,mecnicasounaturais.Aocontrrio disso,soguiadaspelasrepresentaessociais.Esteconceito,segundo Ulpiano(1997), auxilianoentendimentoda complexidadedaimagem (imaginrio,imaginao),sendoigualmentecapazdeincorporaroutros ingredientes, como conhecimento imediato, esquema de inteligibilidade, classificaes, ideologia, valores, expectativas, etc.8 A categoria artefato comumente usada em estudos tradicionais da histria urbana. J a de campo de foras adotada pela influncia das cinciassociais.AterceiradimensoanalisadaporUlpiano(1997)e aquelaqueseradotadaemdiversosmomentosdestapesquisa,ada imagemvisualque,nocoincidecomarepresentao,mastambm 5BAXANDALL, 2006, p.72. 6 Ibdem,p.32. 7 MENESES, 1996, p.149. 8 Idem. 21 umdeseussuportesimportantes 9.Osmodelosvisuaisementais atribudosscidades,dosculoXIXemdianteecomasintensas intervenes urbanas, ficaram cada vez mais complexos.Christine Boyer (1994) definiu trs diferentes modelos visuais e mentais capazes de identificar o ambiente urbano, que seriam: a cidade comoobradearte,caractersticodacidadetradicional;acidadecomo panorama,caractersticodacidademoderna;eacidadecomo espetculo,caractersticodacidadecontempornea 10.Certamente, essastrsalusesnoesgotamtodaacomplexidadedeinterpretaes inerentescidadeeformaodesuasimagens.Elasapenas exemplificamosdiferentessentidosdirecionadosahistorizaoda iconografia urbana. Partindodopressupostodequeahistriaurbanapodeser construdaporintermdiodevariadosobjetosefonteshistricas,as edificaes,tambmobjetosintencionais,funcionaramnestetrabalho, comolentesconceituaisquedetectaroosliamesentreaforma,a estticaeasinterpretaesqueascircundam.Oarcabouotericoda arquitetura e do urbanismo subsidiar a elaborao dessas percepes. Noquetangesedificaes,torna-seplausvelquaisquer anlisesnestesentido,vistoqueporserdonadediversosestilos arquitetnicosavisualidadedeFlorianpolis-assimcomodetodasas cidades-marcadapelohibridismoepelaheterogeneidade.Poroutro lado, o conhecimento das formas arquitetnicas desvela relaes entre a materialidade, os escritos sobre a cidade e os lugares que as edificaes ocupam, tanto na memria como na construo de uma identidade visual e estticapara a capital o quetorna umapesquisanesta rea bastante profcua,tantopelovalorpatrimonial,quantopelohistricode Florianpolis. Aarquitetura,comoimagem-textopassveldeinterpretaoe anlisehistoriogrfica,compreendidanocampodamontagem',da continuao de outras imagens, precisamente pelo seu carter inacabado epelaimpossibilidadededetenodesuatotalidade.Didi-Huberman trata das especificidades de tempos que podem ser criados em uma obra dearte.Nestecaso,aarquiteturaatuarianareconfiguraodediversos presentes temporais. Sendo assim, quando estamos diante da imagem de umaobra arquitetnica, tomada comoobjetode anlise,estamosdiante do tempo, ou 'dos tempos' sobrepostos j que: 9 Idem. 10 BOYER ,1994,p.151. 22 Aimagemrepresenta,pois,oespaoondese encontramoagoraeonoagora[...].Ochoque dessestemposgenealgicosproduzahistria,na imagem o ser se desagrega: explode e mostra- mas por muito pouco tempo- de que feito. A imagem noimitaodascoisas,masumintervalo produzidodeformavisvel,alinhadefratura entre as coisas.11 Portanto,natensoentretemposqueestabuscaeum possvelcaminhoparapensarcriticamenteasimagense/ouasobrasde artetrazendodescrioaspectosparadoxaisquenelasapontam 12. Considerandoqueaquiloqueretornanaimagemapossibilidadedo passado 13nota-se,ento,almdasobreposiodetempos,a sobreposiodereferncias,designosedesignificadosemcadaobra arquitetnica em anlise. Aarquiteturapodeserinterpretadacomomolduraparaavida socialdacidademoderna,nosentidodecomporoaspectomaterialda cidadeque,aomesmotempo,comportaoutrasinmerasatribuiesde cunhoesttico,funcional,social,culturaletambmdememria.A arquiteturaassumeumimportantepapelnoentendimentodacidadese relacionadaaoutrosaspectosdahistriaurbana,umavezqueelaseria uma forma de memria, uma reminiscncia capaz de dar testemunho ou de narrar seu tempo.Sobreessa perspectivadedefinio da arquitetura Pesavento (2002 b) afirmou que: Amemria pode ser oral, escrita ou de pedra. As lembranas podem chegar at o tempo do presente comvozes,comnarrativasquedeixamo testemunhoescritodeumavivnciaedeuma percepo,oucomomaterialidadeemumespao construdo,aatestar,comeloqunciaobjetiva,a visualidadedopassado.Arigor,tudo,nacidade, pode ser convertido em fonte, em documento para 11Didi-Huberman(2000)apudNASCIMENTO,2005,p.17.Disponvelem:< http://www.scielo.com.br. >. Acesso em 29/11/2012. 12 LINS, 2010, p.108. 13 ANTELO, 2004, p. 09. 23 o historiador da urbs, para que ele possa construir sua narrativa14. Asdefiniesdeperspectivaseabordagenssobreosconceitos deconstruoearquiteturaadquiremrelevnciaparaapesquisapor serem duas categorias que se confundem e que j foram alvos de muitos debatesentrearquitetos,historiadoresefilsofos.Tentativasde definio desses termos foram iniciadas na Grcia Antiga, momento em queosconceitosdebelezaeartenoeramconectados,poisabeleza era a expresso do bem, enquanto a arte significava o fazer bem feito15.JohnRuskin16,escritorecrticodeartebritnicovinculadoao Romantismo,afirmouqueaarquiteturasediferenciavadaconstruo porpossuiratributostcnicosdeexcelnciacapazesdeextrairabeleza domaterial bruto. Ainda de acordo comRuskin, a arquitetura possuiria intencionalidade artstica, j a construo seria uma atividade mecnica, ouseja,umasimplescombinaodeelementosemateriais.Ruskin defendiaqueaarquiteturapossuaelementosqueultrapassavamo utilitarismoeasatisfaodenecessidadescotidianas.Emoutras palavras, a arquitetura, diferentemente da construo, teria a presena de detalhesdesnecessrios 17.Portanto,paraessepontodevista,a arquiteturaestariareservadaesttica,ssensibilidadese manifestaodobeloexpressonaornamentao.Detalhesessesquea consagrariam como obra de arte. Aatuaodoornamentocomoobjetodiferenciadorda arquiteturasofreucrticasduranteadifusodaarquiteturaracionalista, correnteestticaqueseopunhaornamentaoexcessivaeimitao demateriaisconstrutivos.Paraosadeptosdoracionalismo,que encontrousuamaiorexpressoemLeCorbusier,arquiteturae funcionalidadeeramsinnimos18.Essaordemseriamaterial,expressa nosedifcios,eabstrata,percebidapormeiodascondutaseprotocolos que as construes sugerem ou impem aos indivduos. 14 PESAVENTO, 2002b, p.30. 15PULS, 2009, p.55. 16 Cf. RUSKIN, 1963. 17RUSKIN, 1963, p.35. 18Entende-seporracionalistaamanifestaoarquitetnicasurgidanaEuropa durante o sculo XX. Essa corrente primava pela racionalidade daforma, pelo fim da ornamentao excessiva, pela utilizao de novos materiais como o ao, o concreto armado e o vidro, assim como pela funcionalidade e dinamismo dos espaos. 24 Otermoedificaoseradotadoparadenominarasobras arquitetnicas analisadas nesta pesquisa. Tal anlise buscar verificar as continuidadesedescontinuidadesqueamaterialidadedelasconseguiu expressaremdiferentestempos.(Des)continuidadesquesereferem questo visual e imagtica, ornamentao e a funcionalidade, adoo de signos historicistas19 ou daqueles de vanguardas estticas.Aarquiteturasercompreendidacomoumuniversode edificaesqueconstituemocenrioartificialdaexistnciahumana. Manifestaofsicaetangveldotadadecartertextualeimagticoe, portanto,umfenmenopolissmico,dotadodeumavastagamade prticaseaeshumanas.Acompreensodaarquiteturacomo categoriaantropolgica 20possvelpelapercepodeinfluncias socioculturaisespecficasemutveis,inerentesaoobjetoarquitetnico, taiscomoaaplicaodediferentestcnicasconstrutivaseestticas, intervenesnoambienteeemsuasformasdeinterao,produode significadosafetivosesimblicos,dentreoutras.Manifestaesque, quandonegligenciadas,nosinseremaarquiteturanocampodas edificaesdesvinculadasdeseuuniversocultural,comoainda minimizamsuavalidadecomodocumentohistricoeartefato humano21. OprincipalobjetodestapesquisaacidadedeFlorianpolis durante a primeira metade do sculo XX, especificamente as edificaes situadasnopermetrourbanocentral,compreendidogeograficamente comoo entorno da Praa XV de Novembro e adjacncias. Apraa XV serestudadacomooespaoemqueasedificaesanalisadasse erguerameprovocaramressonnciasurbanasqueultrapassaramsuas caractersticas construtivas e materiais. Embora ela seja um interessante alvo de pesquisas, no ser o objeto principal deste trabalho. Porperpassartodasasfrentesdeinvestigao,oconceitode ressonnciaserdeextremarelevncia,desdeaquestodavisualidade arquitetnica at as percepes e debates sobre a dinmica urbana e seus 19onomedadoaumconjuntodeestilosarquitetnicosquecentravaseus esforosemrecuperarerecriara arquiteturadoperodoclssico,atravsda insero de signos tpicos deste perodo da arquitetura. 20Aarquiteturapodeserconsideradacomoumacategoriaantropolgica,pois denotaummodelodecomportamentohumanoamplamentedifundido,eque diferente de cultura para cultura, no espao e no tempo (SILVA, 1994.p.48). 21 Cf. LIMA, Adson Cristiano Bozzi. 2007. Habitare habitus - um estudo sobre adimensoontolgicadoatodehabitar. Arquitextos.Disponvel em: . Acesso em: 27/05/2012. 25 espaos.EsteconceitofoiaplicadoporJosReginaldoGonalves (2005) para pensar ospatrimniosculturais em termos etnogrficos,na tentativadeentend-loscomofatossociaistotaiseabarcandosuas mltiplasdimenses sociais e simblicas.Comoobjetivodecontribuir para o debate terico e poltico sobre os usos do conceito antropolgico decultura,usa-seoconceitoderessonnciaconjuntamentecomas categoriasdematerialidadeesubjetividade22.Paraestetrabalhoser considerada a definio apresentada pelo historiador Stephen Greenblatt (1991): Porressonnciaeuqueromereferiraopoderde umobjetoexpostoatingirumuniversomais amplo,paraalmdesuasfronteirasformais,o poder deevocar noexpectador as foras culturais complexasedinmicasdasquaiseleemergiue dasquaisele,paraoexpectador,o representante23. Para Gonalves (2005), ancorado no conceito desenvolvido por Greenblat(1991),aressonnciafazrefernciacapacidadequeum objetotemdesuperarsuaexposioesttica,evocandonoexpectador forasculturaiscomplexas 24quenelesorepresentadas.Oreferido conceitosubsidiaradiscussosobreaspectosrelacionadosaocarter material e visual das edificaes que ressoam em sentidos outros, muitas vezes de cunho subjetivo e intangvel - representados nesta anlise pelas crnicas sobre a cidade. Oconceitodemodernidadenorteiaodesenvolvimentodesta pesquisa, cujo recorte temporal compreende a primeira metade do sculo XX.Nestecontextohistrico-social,apalavradeordemparaopas almejado era a modernidade, vocbulo que se aplicava tanto definio de inovaes tecnolgicas, como ao automvel, ao rdio e ao cinema. No contexto do sculo XX, a problemtica da modernidade e do sermodernonascidades,jeramotivodereflexesemotedeestudos paraautorescomoGeorgSimmel(2005)eWalterBenjamin(1991), refernciasclssicasparaacompreensodastransformaesdos espaos urbanos e do comportamento de seus habitantes. ParaSimmel(2005),amodernidadepoderiasercapturada atravsdodinheiroedametrpole.Se,porumlado,paraSimmel,o 22 GONALVES, 2005, p.01. 23 GREENBLATT (1991) apud GONALVE, 2005, p.19. 24 GONALVES, 2005. p.02. 26 dinheiroatuacomoheri,nocontextodamodernidade,aolibertaro indivduodadependnciadeoutraspessoas,comoseusentido universal,responsvelpelacirculaodessamoedadetrocanasmais variadassituaeselugares,poroutro,eletorna-seviloaodestruiras especificidadeseatuarcomofontedaimpessoalidadedasaes humanas.Por intermdio de um paradoxo, veja como Simmelinterpreta a metrpole em si mesma como espao da heterogeneidade e da diferena queproporcionamaiorliberdadedeao,produz,assimcomoo dinheiro,aimpessoalidade.Consequentemente, devidorapidezdas mudanas,aomovimentofrenticoedesordenadodasmetrpoles, enfim,emmeioasuainfinitudedeestmulos,adiferenaacabase camuflando,outornando-sebanal.Essaatitudefoidenominadapor Simmelcomoblas,conceituadacomoaincapacidadedereagira novosestmuloscomasenergiasadequadas[...]aessnciadaatitude blas encontra-se na indiferena perante as distines entre as coisas 25. J para Walter Benjamin, a modernidade assinala umapoca; designa, ao mesmo tempo, a fora que age nessa poca e que a aproxima da antiguidade [19]. O novo essa fora que, ao mesmo tempo, em que configuraamodernidade,dando-lheumcarternicodiantedo existente, transformando-a imediatamente no seu oposto: a antiguidade. Benjamintememmentecerta apreenso agudado tempo quemodifica cada vez mais rapidamente, o moderno em antigo; o novo, em velho. NosculoXX,oconceitodemodernidadeviroupalavrade origem, segundo Sevcenko (1992), j que: O novo absoluto, a palavra-futuro, a palavra-ao, a palavra-potncia, a palavra-liberao, a palavra-alumbramento, a palavra-reencantamento, e acaba introduzindo um novo sentido histria, alterando ovetordinmicodotempoquerevelasuandole noapartirdealgumpontoremotodopassado, mas de algum lugar no futuro26. Ao transferir a ideia trabalhada por Benjamin acerca do novo e do antigo na configurao da modernidade para a composio do que seriamodernoenovonaarquiteturadosculoXX,nota-seuma tentativaderupturacomumpassadoqueeraconsiderado,poralguns 25 SIMMEL, 2005, p.579. 26 SEVCENKO, 1992, p.197. 27 setores da sociedade, como atrasado e retrgrado. No entanto, o passado no cessava de regressar, de servir de apoio, para a configurao de uma noodemodernidadeque,aobuscarumaidentidadevisualautntica, visandoaautoafirmao,culminouemumadiversificadagamade expressesarquitetnicas,algumasdelas,repletasdesignosantigos. Logo,percebe-seaexistnciadeumparadoxodomoderno,ondeo novonadamaisdoqueumafantasiaimagticaengendradapela sociedade,eque,naverdade,muitasvezestratamdasobrevivnciade formas j existentes na prpria cultura 27. Esteparadoxodamodernidade,ondeonovoeoantigoesto sempreemcomunicaopareceserumarealidadeinerentescidades, istoporque,comonosapontaRicouer(2008),acidadeumimda narrativa.28.Sendo assim, pode-se dizer que narrativa e materialidade, texto e construo, interpretaes e arquitetura, percepes e prticas de umamesmacidadetudoissocaminhajuntoesemodifica,(in) diretamenteacadanovoedifcio,acadanovotexto,acadanova interpretao. Ideia que pode ser justificada visto que: [...]naescaladourbanismoquemelhorse percebeotrabalhodetemponoespao.Uma cidadeconfrontanomesmoespaopocas diferentes,oferecendoaoolharumahistria sedimentada dos gostos e dasformas culturais. A cidade se d ao mesmo tempo a ver e a ler29. Quantoaosestudosquesevoltamparaaarquitetura,sabido queastesesedissertaes30produzidassobreFlorianpolis,em especfico,soinmerasepossuemdiferentesabordagens.Nestas pesquisassoabordadas,namaioriadoscasos,questesmateriaise estticasdasconstrues,ondearelaoentrearquiteturae narratividadenotratadademaneiraespecfica.Ressalvasefaz, porm,paraatesededoutoradoemHistriadeMarilange 27 VIANA, 2008, p.27. 28Ibid., p.159. 29RICOUER, Paul, 2008, p.159. 30ApesquisanobancodetesesedissertaesdaCapessedeuapartirdas palavras-chave:arquitetura,patrimnio,discursos.Depoisdeselecionados,os resumosforamlidoseseparadosdeacordocomotema,dataeoutrosdados pertinentes pesquisa. A pesquisa foi realizada em 28/05/2012. Disponvel em . Acesso em: 28 /052012. A tabela de teses e dissertaes se encontra nos anexos. 28 Nonnenmacher, defendida pela UniversidadeFederaldeSanta Catarina em 200731, que analisa os espaos soterrados como lugares de memria, possuindocomofiocondutoratrajetriadeconstruo,destruio, rememorao e preservao do Bar e Trapiche Miramar.H tambm a dissertao de mestrado em arquitetura de Marina ToneliSiqueira,defendidapelaUniversidadedeSoPauloem200832, naqualelapropeumaanlisedosespaospblicoscombasenos discursosinstauradossobreoslocaisconsideradoscomosmbolos.A pesquisabuscaverificarmudanasrelacionadasstransformaes ocorridas no campo do planejamento urbano, enfatizando a formao de novos espaos simblicos, seu contedoe sua forma deapropriao. A abordagemdapesquisasedirecionaparaaproblemticadosespaos urbanosna contemporaneidade e busca enquadrar Florianpolis na ps-modernidadecomsuasformasarquitetnicaserigidasdentrodeuma novalgicaculturalque,segundoaautora,agidedocapitalismo contemporneo.Apesquisasedirecionaparaopontodevistado planejamentourbanocomopromotordeespaosidentitriose simblicos, onde as prticas de ocupao territorial no so abordadas. Apresentadososaspectosmetodolgicosquenortearama pesquisa,cumpreinformarqueestetrabalhoencontra-sedivididoem quatrocaptulos,almdestaintroduoedaconcluso.Noprimeiro captulo,intituladoAarquiteturacomoestilo:neocolonialeecletismo, so discutidas as duas correntes arquitetnicas que compoem o ttulo do captuloatravsda anlisedoPalcioCruzeSouzaedaIgrejaMatriz, situadasnoentornodaPraaXVdeNovembro.Aanlisefoi direcionada para os aspectos plsticos, estticos e visuais das edificaes natentativadeidentificaodesignosedefragmentosvisuaisqueas aproximamouasdistanciamdosestilosneocolonialouecltico.Estas duasedificaessituaram-seemmomentosde modificao/transformao poltica e cultural que refletiram e alteraram suavisualidadeeaspectosarquitetnicos. ASemanade1922ea ExposioNacionaldoCentenriodaIndependnciaaconteceramno 31Cf.NONNENMACHER,Marilange. VidaemorteMiramar: memrias urbanasnosespaossoterradosdacidade. Florianpolis,2007.Tese (Doutorado)-UniversidadeFederaldeSantaCatarina,CentrodeFilosofiae Cincias Humanas. Programa de Ps-Graduao em Histria. 32 Cf. SIQUEIRA, Marina Toneli.Entre a prtica e o discurso: a formao de espaossimblicosnaFlorianpoliscontempornea.Florianpolis,2008. Dissertao(Mestrado)-UniversidadedeSoPaulo,ArquiteturaeUrbanismo. Programa de Ps-graduao em Arquitetura e Urbanismo. 29 mesmoanodareformadaCatedraleduranteosanosiniciaisda Repblica houve a alterao esttica do Palcio Cruz e Souza. conesdaModernidadeConstrutiva,nomedadoaosegundo captulo,segueamesmadinmicadoprimeiro.Aopopordividira anlisedasobrasarquitetnicasemdoiscaptulosjustifica-sepeloteor mltiplodasdiscussesqueestasedificaespossibilitam,ademaisde estaremsituadasemdiferentesperodosdorecortetemporalproposto. Se, no primeiro captulo, a discusso voltou-se para o estilo neocolonial eeclticonocontextodosanosiniciaisdaRepblica,nosegundoa discussoiniciadacomoHotelLaPorta,umconedamodernidade construtiva em Florianpolis e exemplar da arquitetura ecltica marcado pelohibridismo esttico. Esta edificao possibilitou uma ampliao do repertrio esttico e visual e, de certa forma, abriu caminho para outros estilosarquitetnicos,comooartdco,percebidosnoEdifciodos Correios e nos cinemas da capital. O Hotel La porta e o Edifcio dos Correios foram erguidos aps a Revoluode1930eduranteoperododegovernodeGetlioVargas. Esteperodo poltico, em linhasgerais,marcouo colapsoda Repblica OligrquicaeredefiniuopapeldoEstadobrasileiroque impulsionou/idealizou um projeto modernizador para o pas, do qual a arquiteturaeraparteimportanteparaaconsolidaodeste empreendimento. Noprimeiroesegundocaptulosaleituravisualeimagtica dessasedificaesseracompanhada,semprequepossvel,de consideraesrelacionadasaomomentopolticoeculturalpeloqual passavaacidade,inseridaemumcontextonacional.Comofontede pesquisaseroconsultadasimagensantigase,emalgunscasos,atuais dasedificaesretiradasdoAcervodaCasadaMemriaedoInstituto Histrico e Geogrfico de Santa Catarina (IHGSC) e tambm relatos de viajantes.Oobjetivocentraldestecaptuloexemplificar,atravsda materialidadeconstrutiva,adiversificadagamadecorrentes arquitetnicaseestticasquedividem/dividiramumlugarcomum:o entorno da Praa XV de Novembro. Em Gesto da Imagem Urbana, terceiro captulo desta pesquisa, interpretaese/ounarrativasseroapresentadasatravsdasleis.Para tantoseroconsultadasasColeesdeLeisdoMunicpiode Florianpolis, Relatrios e Mensagens de Governo. Certamente que no ser abordado aqui todoocontedodas leis, dadoo espao eobjetivos dessa pesquisa. Por isso, sero eleitas aquelas que tratam de assuntos de cunhoestticoedeformasdeocupao/trnsitodocentrourbano.O 30 objetivoprincipaldestecaptuloverificarquestesrelacionadasaum idealdecidadeestetizadaedequeformaestasleisenormatizaesse direcionavam na tentativa de alterao da imagem urbana. O incio da abordagem pela Coleo de Leis de 1901 se justifica pelaalteraonaformadeapresentaodalegislao.At1889,as resoluesreferentessconstrues,aofuncionamentoeasnormas higinicas eram tratados atravs dos Cdigos de Posturas Municipais (o ltimoavigorarfoiode1889).OsCdigoserambaseadosnas Ordenaes Filipinas, e, portanto, remetiam a um passado colonial. As Resolues,sendoaprimeiraade1901,normatizavamsobrequestes maispontuais,implantadasjustamenteemummomentodetransio poltica, demarcado pelo incio do perodo republicano. Oltimocaptulo,CrnicasUrbanas,direcionadoparaa anlise das crnicas jornalsticas e notcias retiradas do jornal O Estado, peridicodemaiorcirculaonacapitalcatarinensedurantegrande parte do sculo XX. A escolha do jornal justifica-se pelo seu bom estado deconservao, a existncia de todosos exemplares que compreendem operodoanalisadoetambmporseroprincipaljornalatuantecomo porta voz das elites polticas e intelectuais do estado. Oobjetivocentraldestecaptuloverificarasdiferentes maneirasqueindivduoscontemporneosinterpretaramecriaram expectativasemrelaocidade.Aanlisedeumaconstruo arquitetnica isolada dificilmente conseguiria alcanar um dos objetivos propostosneste trabalho que seriaummelhor entendimentodas formas construtivas e da movimentao urbana do perodo proposto. Somente a anliseconstrutivanoconseguiriaperceberadinmicaeas ressonnciasurbanas,queultrapassamocarterfsicodasedificaes. Poressemotivoaopoemanalisarascrnicasquepossuemomeio urbanocomopautaprincipaltorna-serelevanteparaestapesquisa.As crnicas se dividem dois tipos principais. Aquelas que abordam o futuro, pormeiodasexpectativaseaquelessaudosistas,querememoramo passado e buscam um retorno de prticas e antigos modos de vida. Ointuitodestainvestigaoconstruirumahistriaurbana combaseemdiferentesinterpretaesfeitaspelamaterialidade construtiva,pelosescritossobreacidadee/oupelasmedidasde regulamentaodesuaespacialidade.Emoutraspalavras,ainteno compreender parte da histria urbana de Florianpolis, e, indiretamente, do indivduo social que constri e/ou participa- seja pelas suas prticas nosespaosconstrudos,sejapelosdiferentesolhareslanadosaele (espao).31 Dadas,portanto,asdistintasabordagensacercadotema, desenvolv-lo aqui no apenas torna justificvel esta proposta de estudo, comoatornarelevante,vistoqueelatemointuitodepromoveruma discussoqueconcilieasdimensesgeomtricasemateriaisda arquitetura a aspectos relacionados espacialidade, visualidade, esttica e percepes dos diferentes espaos construdos. 32 CAPTULO 1 A ARQUITETURA COMO ESTILO: NEOCOLONIAL E ECLTICO Umadaspossveisformasdeapreensodahistriaurbana pelavisualidade,pormeiodeimagensicnicas,queenglobamo figurativo pintado, o desenhado, o esculpido, o fotografado o construdo (arquitetura).Pois a materialidade conta uma histria, tal como o texto suporta uma imagem, que se constri visualmente, no pensamento 33.Partindodestepressuposto,Pesavento(2002b)consideraquea arquiteturapodeserpercebidacomoresultadomaterialdeum pensamentoaoatuarnafixaoouregistrodeinformaesnoespao urbano.Nessesentido,etomandocomorefernciapartedaarquitetura deFlorianpolisaserdiscutidanodecorrerdoprimeiroesegundo captulos, estas imagens urbanas so fontes valorosas para a composio de uma moldura citadina construda durante a primeira metade do sculo XX.Estamolduracitadina,nesteprimeiromomentodadiscusso, serabasedesustentao,ouopontodepartidaparaoimaginrio urbano-leiam-seimagensmentais-materializadonascrnicas,objeto do quarto captulo. Entretanto, essa dinmica de sustentao, cujo ponto departida a basematerial e visualmente tangvelda arquitetura, pode serinvertida,outranspostanomomentoemqueimagensmentais, intangveisesubjetivasconfiguramhorizontesdeexpectativasque atuam na configurao do espao e da dinmica urbana. Ocaptuloobjetivaanalisaralgumasobrasarquitetnicas, erguidasnorecorteespacialetemporalpropostojuntamentecoma discussosobrepercepesedebatesgeradossobreasedificaesou sobreosespaosqueigualmentefazem/fizerampartedoentornoda Praa XV de Novembro. Com base nessas edificaes, sero analisados osestilosarquitetnicos,acomposioeasalteraesestticasque configuram parte deste cenrio urbano. Asalteraesfeitasnestasedificaesadvmtantoda emergnciadenovosestilosarquitetnicos,comodainflunciade diferentesmomentosculturaisepolticosemqueforamadotados.O PalciodoGoverno-atualPalcioCruzeSouza,porexemplo,sofreu uma renovao de sua fachada em 1901,dois anos apsa proclamao 33 Cf. PESAVENTO, 2002b. 33 daRepblica.Duranteoreferidoperododetransiopolticaa tentativaeraapagarosresqucioscoloniaisnaarquitetura.Desta forma,oPalcioincorporoulinhaseclticas,caracterizadaspelas colunas,pelosvitrais,pelasestatuetasfrancesasepelobrasoda Repblicaemsuafachada.JaIgrejaMatriz,passouporumareforma em1922,e,depoisdisso,adquiriucaractersticasneocoloniais.Esta reformaocorreuduranteoanodacomemoraodocentenrioda Independncia,momentoemqueoestiloneocolonialestavasendo difundidoedefendidocomocorrentearquitetnicaquemelhorse adaptava aos padres nacionais.Neste primeiro momento - e no decorrer do segundo captulo -, o carter imagtico, esttico e plstico das edificaes ser ressaltado na tentativadeperceber as especificidadesdas formasconstrutivas para as diferentesfunesqueaconstruopodeenglobar.Ainterpretao destasmanifestaesarquitetnicasserbaseadaemseucarter imagticoediscursivo,tendoemvistaquecadaedifciodecerto preenchafunes especficas, estas esto includasnosconceitosgerais daordemsocial,dalei,dasociedade,doEstadoenoconstituema causa,masocontedoouosignificadointrnsecodaforma 34.E dentrodestecontexto,portanto,que,aseguir,aleiturasevoltapara algumasconstrueserguidasnoentornodaPraaXVdeNovembroe em suas proximidades. 1.1PRAAXVDENOVEMBRO:COMPREENDENDOO ENTORNO IlhadeSantaCatarina,NossaSenhoradoDesterro, Florianpolis nomes dados a uma mesma cidade que traz dentro de si e,emsuasmargens,mltiplascidadespalcodevestgiose representaesdediferentestempos,queorasemesclamesefundem, dificultandosuapercepo,orasecontrapemedeixamemergir caractersticaspeculiaresqueastornamsingulares.Contradies, hibridizaesemesclasfazemcomqueelasejapercebidacomoum caleidoscpioesttico,visualediscursivo,habitadoepreenchidopor percepesemanifestaesantagnicaseheterogneas,masque, mesmo sendo diferentes, no se repelem, completam-se, culminando em uma hbrida e cambiante moldura citadina. 34 ARGAN, 2005, p.202.34 Inserida nesta paisagem est a Praa XV de Novembro, tambm conhecida comoPraa da Figueira35, quefoi abraada por edificaes dediferentes estilos arquitetnicos.A Praa XV de Novembro36 possui umtpicotraadotriangularepodeserentendida,juntamentecoma capela erguida por Dias Velho, como marco zero, local que delimitou ou serviudebaseparaqueaexpansourbanainicialseconsolidasse. Atualmente,emFlorianpolis,principalmentenoentornodaPraa XV deNovembro,osestilosarquitetnicossodiversificados,masnem semprefoiassim.Outrora,apaisagemcitadinapossuacaractersticas comuns,estampadasemseusedifcioscomestilosarquitetnicos semelhantes, sem serem idnticos. Cada fragmento, cada detalhe inscrito nasfachadasdasconstruestraduzempartedatrajetriaurbana, poltica e social dessa capital. A Praa XV de Novembro est localizada no centro fundador de Florianpolis.Adefiniodecentrohistricobastanteamplae possudesdobramentosquevariamdeacordocomasdiferentes conceituaes, como,por exemplo, aquela cunhada em 1987 pela Carta dePetrpolis37.Nestedocumento,otermocentrohistrico,oustio histricourbano,foidefinidocomooespaoqueconcentraofazer cultural. Este fazer cultural inclui os habitantes e a paisagem edificada enatural.Estedocumentosalientaqueosstioshistricosdevemser compreendidosemseusentidooperacional,enoporoposioa espaosnohistricosdacidade,jquetodacidadeumorganismo histrico 38. 35APraaXVtambmpopularmenteconhecidacomoaPraadaFigueira devido, talvez, a maior atrao da praa: uma extensa e centenria figueira que estlocalizadanoterrenocentral.Aoqueconsta,foiplantadaem1831.Em torno desta rvore surgem inmeras histrias e crendices, uma delas seria que a dasvoltasemtornodelaparagarantiravoltacidade,conquistaramores, desfazer casamentos fracassados, afastar inimigos, entre outras coisas.36APraa XVe suas modificaesestruturais(arquitetnico-urbansticas)ede sentidotornam-seuminteressanteobjetoparaestudosposteriores.Contudo, limitei-me a esse breve parntese, visto que ela no o escopo dessa pesquisa.37 A Carta de Petrpolis foiredigida durante o Primeiro Seminrio Brasileiro de PreservaoeRevitalizaodosCentrosHistricosocorridonaCidadede Petrpolis- RJ em 1987. 38CARTADEPETRPOLIS.PublicadanocadernodeDocumentosn.03- Cartas Patrimoniais. Ministrio da Cultura. Instituto do Patrimnio Histrico eArtsticoNacional-IPHAN,Braslia,1995,p.01.Disponvelem . Acesso em 15/11/2012. 35 Fig. 01: Configurao urbana inicial da regio central de Florianpolis no inicio do sculo XIX. A forma se mantm nos dias atuais. Fonte: Adaptado de Peluso Junior (1981, p. 52). Fig. 02: Mapa da Praa XV de Novembro e seu entorno. Fonte: Adaptado de< http://maps.google.com.br>. Acesso em 10/12/2012. J o Instituto de Planejamento Urbano de Florianpolis (IPUF), defineocentrohistricocomooseuncleodefundao,ouseja,a 36 regio na qual historicamente se presume que a cidade nasceu39 (fig.01). Nestaregiofoierguidaaprimeiracapela,osprimeirosedifcios pblicos,comoaCasadaCmeraeCadeia,almdoPalciodo Governo.E,nodecorrerdosanos,foramsurgindooutrasedificaes: hotis,casas,bancosetc.Ocentrohistricocorrespondeatualmentes quadras que circundam a Praa XV de Novembro, toda extenso da Rua ConselheiroMafraatolimiteformadopelaRuaPedroIvo,sendo consideradopeloIPUFcomoumareadePreservaoPermanentes (APP)40. Adams(2002)defineocentrofundadordeFlorianpoliscomo a regio que compreende o entorno imediato da Praa XV de Novembro. OentornoabarcariaareasituadaaosuldaAvenidaRioBranco, limitadapelaAvenidaHerclioLuz-antigalinhadomar,ruasPadre Roma,TenenteSilveira,IgrejaNossaSenhoradoRosrioeaPraa Pereira Oliveira e imediaes. Para Vaz (1990), o centro histrico seria maisabrangentepor,almabarcarascercaniasdaPraaXVde Novembro,incorporartambmasRuasEstevesJnioreHerclioLuz, queconectamestaregioBaiaNorte.Ruasque,noinciodosculo XX, levavam a regio das chcaras: Aschcarasforamsurgindonosarrabaldes,nos quarteires mais afastados do centro quarteires que hojeficam nas proximidades do centro atual. [...]NasruasEstevesJunior,BocaivaeHeitor Luz, havia verdadeiros latifndios [...]41.AsedificaesquefazempartedosConjuntostombados,bem como as reas de Preservao Permanentes (APP), esto localizadas ao longo da rea central de Florianpolis e no somente no centro histrico 39IPUF(2005)apudDIAS,AdrianaFabre.Areutilizaodopatrimnio edificadocomomecanismodeproteo:umapropostaparaosconjuntos tombadosdeFlorianpolis.Dissertao(Mestrado).UniversidadeFederalde SantaCatarina.ProgramadePs-GraduaoemArquiteturaeUrbanismo, 2005, p.30. 40OcentrodeFlorianpolisdivididoemdezregies/conjuntostombados identificadosdaseguinteforma:Conjunto1:CentroHistrico,Conjunto2: Hospital de Caridade, Regio 3: Bairro do Mato Grosso, Conjunto 4: Bairro da Tronqueira,Conjunto5:RuaGeneralBittencourt,Conjunto6:RuaHerman Blumenau,. Conjunto 7: Nossa Senhora do Rosrio, Conjunto 8: Praia de Fora,Conjunto 9:Rua do Passeio, Conjunto 10: Rita Maria(MAKOWIECKY, 2009, p.04-05). 41 CABRAL, 1979, p.264-265. 37 delimitadopeloSEPHAN/IPUF.Partindodasdefiniesdecentro histricoelevandoemconsideraoquesuaconfiguraoseiniciou pelaPraaXVdeNovembro,serconsideradaparaestetrabalho,o entorno da Praa XV como o espao ocupado pela praa em si e aquele circundadopelasRuasConselheiroMafra,ArcipestrePaiva,Tenente Silveira e Procurador Abelardo Gomes (fig.02). Estesbrevespargrafossobreolocalquemetaforicamente abraadopelasconstruesaseremdiscutidasnestecaptulo, assentam-senaideiadapraacomorepresentaofragmentadada polifoniadacidade.Ouseja,umlocalemquevozesautnomasse cruzam,relacionam-se,sobrepem-seumassoutras,isolam-seou contrastam-se 42. Ancoradana concepodepolifonia apresentadapor Canevacci(2004)oespaodaPraaXVdeNovembroeseuentorno contemploudiversasvozese,portanto,justificariasuapolifonia,no sentidodeincorporaremsuaconstituiofsico-arquitetnica/urbansticaasmaisdiversasformasdemanifestaes humanas.E,paraestetrabalho,asmaisimportantesdessas manifestaesadvmdaarquiteturaedosolhareslanadossobreos espaos construdos. A Praa XV de Novembro e seu entorno sero entendidas como emblema,oufiocondutordestapesquisa,poisfoidestelocalqueas primeiras ressonncias urbanas surgiram e se propagaram para o restante do centro urbano. tambm, neste entorno, que se encontra grande parte dasedificaesqueseroanalisadasnestetrabalho,dentreelas,trs edifcios emblemticos: A Cruz Igreja Matriz, O PalcioCruz e Souza e o Edifcio dos Correios, discutidos a seguir. . 42 CANEVACCI, 2004, p.17. 38 1.2 PALCIO CRUZ E SOUZA DuranteaprimeirametadedosculoXX,Florianpolis acompanhou o iderio das polticas nacionais por meio do investimento emcampanhasdesade,construesdenovasavenidasemudana estilsticadeedifciosqueapresentassemelementosarquiteturaisno condizentes com a normatizao almejada. A mudana da visualidade da capital,quebuscavasuaconsolidaocomocentroadministrativodo estado,baseou-seemtrseixosprincipais:nacirculao,promovida pelosalargamentosdoslogradouros,aberturadenovasavenidase eliminaodeobstculosparaotrnsitodeveculos,mercadoriase pedestres; na higiene com a canalizao e saneamento dos rios e cursos deguaecomalimpezaurbanaquebuscavadestruirosfocosde insalubridadegeralmente associados a regiesperifricas e, por fim, na estetizao urbana, associada a todas asmedidas j citadas, emdilogo comintervenesquebuscavamoembelezamentopormeioda construodejardins,monumentos,reformaseatualizaoestticade fachadas.Nestapesquisaserodiscutidos,emmaiorgrau,aspectos referentes circulao e a estetizao urbana. No que tange a estetizao urbana optou-se em apresentar, neste primeiromomento,imagensdoPalcioCruzeSouzadevidoaoseu carter pblico e poltico. Esta escolha se justifica tambm devido a sua localizaoprivilegiadanamalhaurbana,vistoqueseencontra praticamente ao lado da catedral florianopolitana. Uma casinhola acanhada que no tinha mais que doze palmos de p direito 43, assim foi descrito o Palcio Do Governo- atual Cruz e Souza44porOswaldoCabralnomomentoemqueaedificaoatuou comoprimeirasededogoverno.Apsademoliodoantigoedifcio, foiconstrudo,emmeadosdosculoXVIII,apedidodoento governador Jos Silva Paes, onovoprdio, smbolodo poder pblicoe de imponncia em relao ao casario que o circundava (fig.03). 43 Essa construo situava-se na esquina do Largo da Matriz com a Rua Tenente Silveira. Tambm foi sede da Provedoria Real. Foi demolida entre 1800 e 1805, eseuterrenoposteriormenteutilizadoparaalargamentodarua.CABRAL (1945) apud VEIGA ,1993, p.191. 44Em1977foifeitaumagranderestauraonoedifcioeem1979passoua denominar-sePalcioCruzeSouza,emhomenagemaopoetacatarinense. Utilizaremos neste trabalho a nomenclatura atual. 39 Nestemomento,opalciofoidescritocomoummajestoso sobradocolonialportugus45.Possuadoispavimentos,umaporta principalcercadaporduasjanelaseoutrascincojanelasqueseabrem paraolargodopalcio.Essasjanelassreceberamsacadasdepoisde 1845 46. Fig. 03: Palcio Cruz e Souza, situado no entorno da Praa XV em Florianpolis. (s/d). Detalhe do Braso da Repblica. Fonte:< http://www.grucad.ufsc.br>. Acesso em 24/08/2012. Alteraes significativas nas caractersticas que o aproximavam dos padres arquitetnicos do perodo colonial foram feitas em 1895. A reformadoedifciofoiumamaneiradedemarcaronovoperodo poltico deflagradopelo incioda Repblica e afast-lo da antiga feio colonial com a introduo de caractersticas eclticas47

45 SOUZA, p.140. 46Idem. 47 Como movimento artstico, o ecletismo ocorre na arquitetura durante o sculo XIX.Porvoltade1840,naFrana,emrelaohegemoniadoestilogreco-romanosurgeapropostaderetomadademodeloshistricoscomo,por exemplo,ogticoeoromnico.umacorrentequemescladiversosestilos arquitetnicos na tentativa de criao de uma nova linguagem. A feio ecltica Presena de varandas individuais vazadas.Braso da Repblica no topo da fachada. 40 Asesttuasdeorigemfrancesa,aornamentaoquemescla linhas barrocas e neoclssicas e a introduo do braso da Repblica na fachadaprincipalforamalgumasalteraesoperadasnoexteriorda edificao.ParaarenovaoestilsticadoPalcio,foicontratadauma equipedeoperriosuruguaios,deorigemitaliana48,mo-de-obra estrangeira que possibilitou a insero de novos signos na visualidade da cidadeatravsdarenovaodeumedifciotidocomoreferncia, ocasionandoumapossveldifusodeumnovoestiloarquitetnicoque seincorporariaemoutrasconstrues.AarquiteturadeFlorianpolis buscoualiar-se/apoiar-sesnovasvertentesestticastrazidasporum lado,talvez,pelaRepblicae,seguramente,poroutro,pelosideaisde modernidade.Emsuma,buscava-se,nopanoramasocialdoperodo, afastar-se de tudo que remetesse ao perodo colonial. Fig. 04: Detalhe das estatuetas de origem francesa e da ornamentao do Palcio Cruz e Sousa.(s/d) Foto: Cibils Foto Jornalismo. Fonte:< http://www.panoramio.com>. Acesso em 24/08/2012. sedeuatravsdainserodeelementosdaarquiteturaneoclssicacomo pilastras, balaustres, esttuas, colunas. Elementos que fazem aluso aos templos greco-romanos. 48 TEIXEIRA, 2009, p.194. Balastresornamentados. Esttuas de origem francesa. 41 Hqueseconsiderarque,comoadventodoperodo republicano, alm do Palcio Cruz e Souza, outras construes passaram poratualizaesestticasnasfachadas.Diversascorrentes arquitetnicasinfluenciaramtaisatualizaese,namaioriadasvezes, co-existiamemumamesmaedificao.Assim,eramcomunsfachadas commotivosneoclssicos,barroco,renascentista,dentreoutros,oque culminounaconfiguraodoestiloeclticocomomaisapropriado, naquelemomento,pararenovaesestilsticas.Entretanto,cabe ressaltarqueadiscussoacercadoafastamento(ouno)das caractersticascoloniaispassouporcontrovrsias.Asopiniesse divergiamem1922quantoaousoouabandonodoestiloarquitetnico colonialassociadosformascontemporneasdearquiteturaparaa configurao de uma identidade arquitetnica brasileira.1.3 A IGREJA MATRIZ: DE CAPELA CATEDRAL NossaSenhoradoDesterro,ousimplesmenteDesterro,assim erachamadaacidadedeFlorianpolisatofinaldosculoXIX, perodoemquepossuaumapaisagempoucoexpressivanoquesito construtivoquandocomparadaaoutrascapitaisbrasileiras.Entretanto, suas casas, cercadas pela natureza exuberantedosmorros e domar que banhavaacidade,nopassaramdespercebidasnasdescriesde cronistasedospinceisdepintoresqueestiveramnailha.Oolhardo estrangeiro,doviajante,daquelequenohabitaacidade,torna-se fundamental para os estudos urbanos. O estrangeiro que percorre as ruas ecaminhaobservandosuasconstrueselaborainterpretaes, comparaes,estranhamentoeproduzumdiscursosimblico,pois, comoafirmaMicheldeCerteau,andareviajarconstroemespaosde enunciao,ondeolugarabstratoedesconhecidoganhanovas significaes quando vivido e praticado49. 49DeacordocomMicheldeCerteau,aperspectivadaenunciaosedefine comoaprefernciapeloatodefalar,queoperaumsistemalingustico, colocandoemjogo,baseadoemapropriaesereapropriaesdalnguapor locutores, instaurando um presente relativo a um momento e lugar e fazendo um contrato com o outro (interlocutor). maneira dos povos indgenas os usurios faamumabricolagemcomenaeconomiaculturaldominante,usando inmeras e infinitesimais metamorfoses da lei, segundo seus interesses prprios e suas prprias regras. Na perspectiva do pedestreo autor define o espao de 42 Desenhos,imagensedescries,produzidasnodecorrerdo sculoXIX,possibilitamumdetalhamentodecomoacidadeestava disposta.ConstrudainicialmentenoentornodapraaXVde Novembro,Florianpolis foi pouco a pouco se irradiando apartir deste centro.Ascasasecasebres,comsuasportasejanelasrentesrua,os lotescomestruturacolonial,estreitosecompridoseasconstrues desenvolvidasdecostasparaomar,propiciavamumarbuclico cidade.OsrelatosdoTenenteKrusensternedobotnicoLangsdorff, viajantesrussosqueaportaramnailhanatardede21dedezembrode 1803epermaneceramatdoisdefevereirode1804,apresentamsuas impressessobreinmerosaspectosdacidade.Namanhde22de dezembrode1803,Krusenstern,emcompanhiadealgunsdeseus oficiais,dirigiram-seaDesterro50paraumavisitaaogovernadorda Capitania,oCoronelJoaquimXavierCurado.Segundorelatado,o Coronelosrecebeucommuitadiferena,prometendo,comamxima brevidade,todososauxliosaoseualcance 51.Apsconhecerem algumaslocalidadesdailha,osviajantesperceberamquehaviauma diferena entre as casas da cidade e as do campo. anunciaocomo:todecaminharestparaacidadecomoaenunciaoest paraalngua.Humprocessodeapropriaodosistematopogrficopelo pedestrerealizaoespacialdolugar.Atodecaminharcomoaprimeira definiodoespaodeenunciao.Enunciaodopedestrepossuitrs caractersticas que a distinguem do sistema espacial: o presente, o descontnuo o ftico (CERTEAU, 1994, p.40). 50 O termo cidade era utilizado para denominar a parte central da ilha. 51 LANGSDORFF, Georg Heinrich Von. KRUSENSTERN, Ado Joo de. Uma visita a Santa Catharina em 1803-1804, p.06. 43 Fig. 05: Festa dos negros na Ilha de Santa Catarina-1803. Desenho de Wilhelm Tilesius52. Fonte: LANGSDORFF (1803-1804) apud LANER, 2007, p.44. Ascasasdocampo,apesardepequenaseram,emSanta Catharina, confortavelmente divididas e em geral edificadas em situao amenaepitoresca 53.Aindadeacordocomosrelatos,aparteinterna das casas possua,geralmente,uma sala, duas alcovasou dormitriose uma cozinha que poderia se encontrar na parte interna ou externa, ligada aosaposentosqueserviamdedormitrioaosescravos.Poucascasas eramcobertascomtelhas,jqueasfolhasdepalmeiraserviamcomo telhado,e,diferentementedaEuropa,noexistiammuitasaldeiasou pequenospovoados,poisascasaseramdispersaseisoladas54.Sobreo relato de Krusenstern destaca-se: 52 Esta litografia no est completa. Ela se restringe apenas a Igreja da Matriz. A litografiaoriginal composta por trs partes, a comear pelo lado esquerdo da praa,elaenglobamasseguintesedificaeseruas,respectivamente:Entrada da Rua do Senado, atual Felipe Schmidt; Palcio do Governo; entrada das ruas doGovernadoredaTrindade,atuaisTenenteSilveiraeArcipestrePaiva; Matriz;QuarteldaPolciaMilitar;EdifciodosArtigosBlicos,Edifcioda CmaraMunicipal,comacadeianopavimentotrreo,RuadaCadeia( Constituio),atualTiradentes.CABRAL(1972)apudVEIGA,ElianeVeras. Florianpolis:MemriaUrbana.EditoradaUFSCeFundaoFranklin Cascaes, 1993, p.215. 53 LANGSDORFF, Georg Heinrich Von. KRUSENSTERN, Ado Joo de. Uma visita a Santa Catharina em 1803-1804, p.21. 54 Idem. Palcio do Governo 44 Acidade,queestsituadanumlocalmuito agradvel,consistedecercade100casasmal construdas,ehabitadapor2.000ou3.000 portuguesespobreseescravosnegros.Acasado Governadoreo quartel so as nicas construes quesedistinguem,porsuaaparncia,dasoutras. Elesestavam,nessapoca,construindouma igreja,queemmuitospasescatlicos, consideradamuitomaisimportantedoque hospitais ou outras edificaes teis55. AdescriodeKrusensternseilustranodesenhoproduzido pelomdicoenaturalista alemoWilhelmTilesius.Suailustrao(fig. 05)capturouumfragmentodafestadosnegrosdaIlhadeSanta Catarina56.Pelaimagem,nota-seapresenadepessoasdediferentes classes sociais,pois, como ressaltou Krusenstern, a cidade era habitada por escravos e portugueses, que na imagem dividem um espao comum, permeadopordiversificadasprticas.Valeressaltarqueofatode dividirem,naquelemomento,umespaocomumnodiminuinem altera a desigualdade social entre ambos. Noprimeiroplanotrshomensconversam.Pelostrajes, provavelmenteseriaumreligioso,ummilitaretalvezumestrangeiro, umviajantequevivenciavaasfestividades.Aofundopareceseformar umaprocisso,provavelmentecompostaporpessoasquecelebravama festividade. Crianas brincam ao fundo,e todos se encontram nafrente daIgrejaMatriz.Nodesenho,afachadadaIgrejaesttotalmente construda,semnenhumaevidnciadereparosouconstruonasua estruturaouimediaes.Situaocontrriadaqueladescritapor Krusensternem 1803,mesmo anoem queTilesius produziu a imagem. Nela,aIgrejaMatrizdestacada,oolhardoleitor/observadorda imagem direcionado para seu centro. 55 Ibdem, p.23. 56OnaturalistaTilesiusproduziuumregistroiconogrficoquerepresentavaa festadecoroaodereisafricanosemDesterronofinaldosculoXIX, intitulada:UmafestanegranaIlhadeSantaCatarina..Paramaiores informaes sobrefestas de origem africana em Desterro: SILVA, Jos Jaime. Sonsqueecoavamnopassado:asfestasdeorigemafricanaemDesterrona primeirametadedosculoXIX.2009.Monografia(Graduao).Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Filosofia e Cincias Humanas. Disponvel em: . Acesso em22/08/2012. 45 Nota-sequeduasconstruesfazemumcontrapontocomo objeto central da imagem. Do lado direito, aparece parte do Quartel e do esquerdo,provavelmenteoPalciodoGoverno,edificaesqueforam aproximadasdaperspectivadaIgrejaparacomporemaimagem. SegundoKrusenstern,asedificaesquecompemaimagemeramas nicasquesedistinguem,porsuaaparncia,dasoutras 57.Aoredor das construes mais imponentes, aparecem algumas casas trreas, com aspectos singelos e em estilo tipicamente colonial. Paraadiscussodaarquiteturadoperodocolonialesuas respectivasmanifestaesemFlorianpolis,foiescolhidaaCatedral Metropolitanamarcozerodacidadeealvodeinmerasalteraes estruturaiseestticasemsuacomposio.Aconstruoinicialda CatedralfoifeitaapedidodobandeiranteFranciscoDiasVelhoem 1651,empau-a-pique.Somenteem1748,oengenheiromilitar, BrigadeiroJosdaSilvaPaes,solicitoupermissoCoroaPortuguesa paraaconstruodeumanovamatrizquesubstituiriaaantigaigreja devido a pouca capacidade para acomodar os fiis e pouca simetria 58. Cabe ressaltar que o termo arquitetura colonial, comumente empregadoparadefinirtodasasmanifestaesarquitetnicaserguidas duranteoperododacolonizaobrasileira.Osestilosarquitetnicos 'trazidos'daMetrpoleparaaColniaeramdiversificadoscomoo Maneirista, o Rococ, o Barroco, o Neoclssico dentre outros. Ao serem usados no Brasil, sofreram alteraes e adaptaes estilsticas em funo dadisponibilidadedemateriais,demo-de-obraetambmpelas questes de gostoesttico varivel. Somado a essas questes h que se considerarahibridizaooumescladosestilosemumanica edificao,oquetransformaseuenquadramentoemapenasuma vertentearquitetnicaaindamaiscomplexo.Todasessasmesclase adaptaesqueculminamnadificuldadededefiniodosestilosde muitasconstrueserguidasduranteoperodocolonial,corroboraram paraqueotermocolonialsejaumcritrioparaaclassificaoda arquiteturadoperodo,ocorrendoatransposiodeumconceitoque seriaapropriadoparadenominarummomentopoltico,paraum conceito de estilo arquitetnico. A construoda nova Matriz foi iniciada em1753 e finalizada em1773.AfachadaprojetadaduranteosculoXVIIIeraconstituda 57 LANGSDORFF, Georg Heinrich Von. KRUSENSTERN, Ado Joo de. Uma visita a Santa Catharina em 1803-1804, p.23. 46 apenas por uma porta de entrada adornada com elementos que cumpriam opapel deenquadramento. O culo redondo,ou a abertura nafachada, localizava-seacimadaaberturaprincipal,jofronto,geralmentecom funodecorativa,eratriangularesemadornos,salvoacruznotopo. Seuestiloarquitetnicoseguiaosmoldesadotadospormuitasigrejas erguidas durante o perodo colonial. At1860,aigrejanopassouporsignificativasalteraesem sua estrutura externa e interna. Contundentes alteraes foram feitas em suas imediaes. Uma delas diz respeito ao cemitrio. Ele se encontrava ao fundo da Matriz e foi paulatinamente transferido para o Cemitrio do Estreitoem184059.Oantigoespaofoimodificadocomareformada escadaria e, em 1847, doispequenos jardinsforamconstrudosna parte frontal,ocupandoolugardedepsitosdelixoquehaviana vizinhana60.Osjardinscompuseramavisualidadedaigrejaat aproximadamente 189061, perodo em que so construdos os adros62 da escadaria. Essa interveno ampliou o acesso de entrada e proporcionou um aspectomaisimponente Igreja Matriz. O seu entorno semodifica tambmcomoajardinamentodaPraaXVdeNovembro,conforme atestado na citao a seguir: AlterouaarruamentolateraldaMatrizato TeatroSantaIsabel.Foramcanalizadastodasas guas a partir do Teatro e do princpio da Rua da Trindade(atualArciprestePaiva),comum sistemadeesgotoquesedividia,dirigindouma parteparaocrregoTrajanoeoutraparaomar, pelo lado do Mercado63. 59OcemitrioocupavaumaextensareadaparteocidentaldaIlha.Foi consideradouminconvenienteestticoedesalubridadepormoradoresepela imprensa. Com os intensos protestos e com a construo da Ponte Herclio Luz foitransferidoem1925,paraobairrodoItacorubi,aindamaisafastadodo centro. 60 JUNQUEIRA (1978) apud LANER, 2007, p.45. 61 Asolicitao para construo dos adros ocorreuem1857, antes do registro deTschudi,em1866.CombasenoOfciodaDiretoriadeObrasPblicasao Presidente da Provncia de 21 de junho de 1890 as obras foram concludas nesta data, bem como o acrscimo dos muros laterais. (VEIGA, 1993, p.208). 62Soosespaos,abertosoufechadosquecircundamasigrejas.Funcionam como uma espcie de muro. 63 VEIGA, 1993, p.207. 47 Aremoodocemitriodasimediaesdaigrejaparaum espao, distante daquele que o abrigava, requer um breve parntese para umaleiturasobrecemitrioejardim.Ocemitrioeojardimso conceituadosporMichelFoucaultcomoheterotopias.Estasteriampor objetivo a leitura dos espaos diferentes sejam eles lugares privilegiados ou sagrados, locais sem referncias geogrficas precisas, como os trens, navios, dentreoutros. Em suma,elas estariam relacionadas a diferentes recortes temporais e funcionariam quando o indivduo se encontrasse em uma espcie de ruptura com seu tempo tradicional 64. O cemitrio considerado uma heterotopia devido s mudanas de significados atribudas a ele no decorrer da histria. Em um momento emqueseacreditavanaressurreiodocorpoenaimortalidadeda alma, este espao e os rituais a ele direcionado no tinham tanta ateno se comparado ao momento em que no se cr, com tanta segurana, que ocorporecuperasseavida.Noentanto,aopensarocemitrioda sociedade moderna, pode-se dizer que eles refletem o mundo dos vivos, vistoquesoregidospelamesmalgicaorganizacionaldascidades.Por outro lado, tem-se a leitura da retirada do cemitrio da igreja com a imposio das leis da poca.AtofimdosculoXVIII,oscemitriosocupavamumarea central.Tradicionalmentelocaliza-seaoladodaigreja,oudentrodela. Hierarquiacomplexaquevariavaentresepultamentossimplese mausoluscomadornos.NosculoXIX,oscemitriospassampor modificaesemseuespao.Sotransferidosdascercaniasdasigrejas para os limites da cidade comoocorreu em Florianpolis em 1840. O cemitrio passa a ser considerado um foco de doenas e no constituem maisoventosagradoeimortaldacidade,masa'outracidade',onde cada famlia possui sua morada sombria 65. Emrelaoheterotopia,pode-sediscutiracriaodenovos espaos pautados na organizao e normatizao. Esta forma de criao deumespaoidealizadodiscutidaporFoucaultpelaviada colonizao,ondeaMetrpolebuscacriarnascolniasnovosespaos normatizados.Nestesentido,astentativasdeordenao,racionalizao epadronizaodasprincipaiscidadesbrasileirasfoiumarealidade presente nas aes governamentais no perodo da colonizao. Uma das primeirasmedidasdepadronizaourbanaaplicadapelaCoroa 64FOUCAULT, 1999, p.418. 65 Idem. 48 Portuguesascidadesbrasileirasbaseou-senasOrdenaesFilipinas66. Elasinstituamleisquedirecionariamasconstrueseocrescimento urbanovisandoaincorporaodecaractersticaslusitanas.Essasleis seguiamprincpiosde beleza e solidez traadosporVitrvio,no qual a geometrizao, simetria e regularidade eram os trs pilares principais. AsordenaesFilipinasforamaplicadascommaiorrigornas cidadesdecolonizaoespanhola,diferentementedoBrasilColonial, ondeaimprovisaodosmodosdeconstruirfezcomqueacontecesse um desvio do desenho urbano prescrito pelas ordenaes67, ocasionando acriaodemedidasmaisespecficasparaa(re)ordenaodo crescimentodascidades,comoosprimeirosCdigosdePosturas Municipais68. Datamde1849asprimeirasPosturasMunicipaisaplicadasem Desterronatentativadereorganizaroespaourbano,que provavelmentehaviasedesenvolvidoseguindoalgumasestipulaes sugeridaspelasOrdenaesFilipinasepelasCartasRgias69.A tentativadosCdigosdePostura,emespecialosprimeiros,erade homogeneizar a paisagem edificada. Nota-se que, aps a Independncia doBrasilem1822,queseiniciaaelaboraodeleisespecficasque variavamdeacordocomcadaregio,ouseja,aorganizaodamalha urbana j no era determinadapor umdocumento nicoelaborado pela Coroa Portuguesa, mas construdo pelas Superintendncias Municipais.Essaalteraodopoderdecriaodasleisurbanas proporcionou maior abertura para que elas se adaptassem realidade de suasregies.Questesrelacionadasfiscalizaodocumprimentodas leisedodirecionamentoestilsticodasconstruesforamtambm 66ParaoacessoatodososttulosdasOrdenaesFilipinas: . 67 VEIGA, 1993, p.137. 68AparatoestatalcriadoemfinsdosculoXIX,queestabeleceuparmetros paraonivelamentodepraas,ruas,travessas,paraoembelezamentodas fachadas etc. Essas medidas atuaram namodificao da visualidade do espao urbano.Sabe-sedadataodosseguintesCdigosdePosturasparaDesterro: 1844, 1845, 1849, 1850, 1821, 1887, 1889, 1896,1889. (VEIGA, 1993, p.138). 69Antes de 1849 vigoraram outros Cdigos de Postura, entretanto, asleis para aorganizaodoespaourbanoeramdefinidasemmaiorescalapelasCartas Rgias. Estas autorizavam fundao de vilas e alteraes urbanas, contudo, suas estipulaes,assimcomoocorriacomasOrdenaesFilipinas,nemsempre eramcumpridasporsetrataremdeleismaisgenricasepassveisdepouca fiscalizao Municipal. 49 beneficiadasessaregionalizao.Assim,rumoaoparadigmaimposto peloidealdacidademoderna,elapassouaserpensadaeconstruda comoumsistemaracional,possveldeserpensadacomoumobjeto passvel de planificao, apreendido em sua totalidade 70. Conclui-se,portanto,quehouveumaalteraodesentidodo espaoocupadopelocemitrio.Estefoisubstitudoporumjardim, consideradopor algumas culturas como sagrado e smbolo da esttica e do cuidado com o espao. Metaforicamente, o jardim seria um tapete em que o mundo inteiro vem realizar sua perfeio simblica, e o tapete umaespciedejardimmvelatravsdoespao.Ojardimamenor parceladomundoetambmatotalidadedomundo 71.Osjardins colaboravamparaoplanodeembelezamentoqueprimavatantopela salubridade como pela esttica do centro urbano. Na litografia de Rohlacher e Schwartzer (fig. 06), produzida em 1860,perodoemquearetiradadocemitrioeasobrasde ajardinamento j haviam se iniciado, a Matriz no foi o principal objeto retratado.DiferentementedodesenhodeTilesius(fig.05),emquea igreja possui contornos firmes e foca o olhar para seu centro, a litografia evidenciaosjardins.Avegetao,emprimeiroplano,formaum caminhoquesedirecionaparaaMatrizque,emseuladoesquerdo,j possuioespaototalmentepreenchidoporedificaes,edodireito, ostenta morros com vegetao protuberante. As palmeiras que compem a entrada principal da Matriz esto presentesnasduasimagens(figs.05e06).Entretanto,nalitografiade Rohlacherelasaparecemcercadasporcanteiros,insinuandoqueseu interiorestcompostoporvegetao,ouseja,umjardim.Nodesenho deTschudi(fig.07),feitoseisanosapsalitografiadeRohlacher, possvel perceber mais detalhadamente a fachada da Matriz e a rampa de entrada margeada por dois canteiros. AIgrejaMatriz,porsetornarasededaArquidiocese,foi elevadacondiodeCatedral,em19dejulhode1903.Desdeento, mudouadenominaodeMatrizdeNossaSenhoradoDesterropara Catedral Metropolitana de Florianpolis72 70 CAMPOS, 2007, p.02. 71 FOUCAULT, 1999, p.418. 72LANER,MrciaReginaEscorterganha.CatedralMetropolitanade Florianpolis:Retrospectivahistricadasintervenesarquitetnicas. Florianpolis,2007.220p.Dissertao(Mestrado).Ps-Graduaoem Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina, p.52. 50 Fig. 06: O Largo da Matriz na dcada de 1860. Litografia de Rohlacher e Schwartzer. Fonte: Cabral (1979) apud Laner, 2007, p.47. Fig. 07: A Matriz de Desterro. Desenho de Tschudi,1866. Fonte: Cabral (1979) apud Laner, 2007, p.46. Em 1922, a Matriz passou por numerosas alteraes em suaestrutura-aprimeiraintervenodepesodosculoXX,altima haviaocorridoem1748.SobresponsabilidadedoarquitetoTheodoro Grundel(anexo3)73,asalteraesfeitasem1922foraminmeras, 73NaSecretariadeUrbanismoeServiosPblicos(SUSP),naqueleperodo denominava-seSecretriadeObraseServios-SeccodePlanejamentoe Urbanismo,odesenhodaplantaquepossuiaelevaodatorrelateralno Palmeira cercada por um muropreenchidocom um jardim. 51 dentre elas,foi incorporado um vo interno, as paredes foram retiradas eformou-seumagaleriadecoradacomsignostpicosdaarquitetura portuguesa em mescla com signos neoclssicos (figs. 08 e 09).74 Fig. 08 - Matriz de Nossa Senhora doDesterro- incio do sculo XX.75

Fonte: Acervo Casa da Memria Fig. 09 Catedral Metropolitana de Florianpolis, dcada de 1940. Fonte: Acervo Casa da Memria. Alargamentoslateraisdasparedeseainserodastorres sineiras compuseram a reforma. As novas torres eram vazadas e tinham cruzesqueeramiluminadasduranteanoite76.Napartesuperiorfoi inseridoumrelgioqueanteriormenteseencontravanatorredalateral direita. No local das antigas torres foi instalado um carrilho de sinos, a antigacruzfoiretiradaparaaimplantaodaarmaometlicaque daria sustentao aos novos sinos, que erampesados enecessitavamde possui a assinatura de Theodoro Grudel, entretanto, o registro desta interveno e a autoria desta planta foidada a este arquiteto. 74 VEIGA, 1993, p.146. 75Nestaimagemamatriznohaviasofridosignificativasalteraesemsua fachada. Salvo a construo da escadaria. Entretanto, seus contornos obedeciam ao projeto de Jos da Silva Paes de 1748. 76AinstalaodeluzeltricanaCatedralocorreuemnovembrode1911. (LIVRO tombo III, 1902-1930, p. 57) apud LANER, 2007, p.56. Alpendre com pilastras em estilo neoclssico. Colocao do relgio e retirada da cruz. Fronto triangular. Elevao e arredondamento das torres sineiras. 52 maior suporte77. A elevao das torres sineiras, a insero dos sinos e do relgiocentralizado,promoveuumamodificaonavisualidadeda Catedral, configurando um ar mais imponente edificao. Oculo,componentequejestavapresentenamatrizdesdea intervenodeSilvaPaes,em1748,foimantido.Elerecorrenteem igrejasdoperodocolonial,atuandoparaamaiorinserodeluze ventilaonointeriordaedificao.Aindanaparteexternaforam inseridostrsalpendres,doisnaslateraiseumnafachadaprincipal. Estesalpendrestmfunoestticaefuncional,poisatuamcomo marquisesdeproteo,localdeabrigodechuva,almdeproporcionar maior valorizao da fachada.Outrasintervenesforamfeitasduranteaprimeirametadedo sculoXX,dentreelasdestaca-seaintervenode1934,comandada pelo arquiteto Tom Wildi, direcionada para mudanas pontuais, que no alteraramaestruturainterna.Entretanto,algunsreparosprovocaram alteraesestticasevisuaisnaedificaocomo,porexemplo,a inserodevidrosdecoloraoamarelada,ainstalaodevitrais artsticos,presentesatosdiasatuais,reformasdaescadariaedas rampas de acesso e pinturas da parte externa da Igreja78. A reforma de 1922 se deveu a uma renovao esttica associada mudanadeaspiraesdacidadeemummomentoemquea arquiteturadoperodocolonialesuasvertentesjnorepresentariam visualmente as transformaes polticas, econmicas, sociais e culturais pelasquaispassava.AinserodenovossignosnafachadadaMatriz aconteceunomesmoanodaSemanadeArteModernaedaExposio Nacional de 1922 realizada na ento capital federal (Rio de Janeiro) em comemorao ao primeiro centenrio da independncia do Brasil. Alm das comemoraes, a inteno seria, de acordo com um artigo intitulado Em Torno do Centenrio, escrito por Lindolfo Xavier, proporcionar um verdadeirobalanonascoisasnacionais 79.EmSantaCatarinafoi 77 O carrilho, vindo da Alemanha em novembro de 1922, composto por cinco sinos,pesando5.338quilogramaseacionadoporsistemaeltrico;esto distribudos dois a dois nas torres, os de maior peso na seo inferior, os de peso mdio na seo superior da torre, e o quinto sino, o menor, esto sobre o fronto triangular,sustentadosporumaarmaocombarrasdeferro(LANER,2007, p.56). 78 Ibdem, p.83. 79 XAVIER (1921) apud PINHEIRO, 2011, p.95. 53 nomeada uma comisso para angariar produtos a serem enviados para a Exposio80.Em virtude das discusses sobre a adoo do estilo neocolonial paraaformaodeumaidentidadearquitetnicanacional,umanova conceposobreaarquiteturaentravaemvogae,decertaforma,o ecletismodeixoudeseranicaformaderompercomopassado colonial. De fato, isso aconteceu devido a uma mudana de sentido ao se pensarnaconfiguraodaarquiteturanacional.Se,comoincioda Repblicabrasileirabuscou-seoafastamentodaslinhasarquitnicas coloniais,comoformadeautoafirmaodonovoregimepoltico,em 1922,asituaoseinverteu.Certamenteessasmudanasdeopinio sobreasformasarquitetnicasaseremounoadotadasnoBrasil, emergiramaindaantesdoseventosmarcantesdoanode1922.Como resultadodeumaconfernciaproferidanaSociedadeartsticadeSo Paulopelo engenheiro portugus RicardoSeveroem 1914, intituladaA arteTradicionalnoBrasil,queteveporobjetivolocalizarasorigens portuguesasdaarquiteturabrasileiraduranteoperodocolonial,foi deflagrado o incio do Movimento Neocolonial81. RicardoSeveroelaborouuminventrio82quecaracterizouos elementostpicosdaarquiteturadoperodocolonial-adotadosno intuitodeseformaruma,segundoeleartequesejanossaedenosso tempo83.Severofrisouqueesseinventrionotinhaointuitode promover uma adorao esttica do passado, muito menos tratava-se de uma venerao tradicionalista e saudosista. Era uma crtica ao ecletismo, que segundo ele, era oresponsvelpela internacionalizao dos signos epelaconsequenteimpossibilidadedeobtenodeumtipo 80Seriam expostos186 tipos de produtos, dentreeles gros,adubos, bordados, animais, produo txtil, mobilirio em madeira etc. Mensagem apresentada ao Congresso Representativo em 16 de Agosto de 1922 pelo Coronel Raulino Julio Adolfo Horn. Governador do Estado de Santa Catarina. p.16. 81 PINHEIRO, 2011, p.36. 82Esteinventriobaseou-senasimagensfeitasporJeanBaptisteDebret durante sua passagem pelo Rio de Janeiro, no final do sculo XIX. Entre 1834 e 1839,Debretpublicou136pranchas,divididasemtrsvolumes.Nestes desenhosopintorretratoucenasdavidacotidianaeaspectosrelacionadosao modo de construir no Rio de Janeiro. Publicada no Brasil em 1965. DEBRET, JeanBaptiste.ViagemPitorescaeHistricaaoBrasil,t.1e2,vol.III.So Paulo: Martins, 1965. 83 PINHEIRO, 2011, p.36. 54 caracterstico,queexprimaumafeiodocarternacional,de resplandecente natureza do pas, de sua tradio tnica ou histrica84.AintenodeSeverofoidoutrinaroolhardos engenheiros/arquitetos/polticospara as origensnacionais, umavez que acreditavaquecopiarporcopiar,melhorcopiaroque nosso85.Telhadosdeduasouquatropontas,beiraiscomafunode sombrear a fachada, portas e janelas prximas e decorao nas fachadas so componentes da cartilha neocolonial de Severo. Retomando o ano de 1922, momento em que as ideias lanadas porSeveroencontraramumcontextomaisprofcuoparase desenvolverem, foi realizada a Semana de Arte Moderna em So Paulo e aExposioInternacionaldoCentenriodaIndependncia,noRiode Janeiro. Quanto primeira, referindo-se especificamente da repercusso daarquiteturaneocolonialnaSeodeArquitetura,nofoimuito expressiva. Em contrapartida, a ExposioInternacionaldo Centenrio,foi palcodedivulgaodoestiloneocolonial.Ospavilhesconstrudosou restauradosparasediaraexposio,foramfeitosemdiferentesestilos. AquelesdirecionadosaassuntosnacionaiscomooPalciodas Indstrias um dos maiores da exposio e o ento recm-inaugurado MuseuHistricoNacional(MHN),ambosrestauradosemestilo colonial,funoessanaqualosarquitetostiveramapreocupao constantedeestilizarnossosprodutosnacionais,nosnosmodelares dos estuques, como nos azulejos dos frisos que lembram os antigos 86. Estadiscussoprofcuaparasepensar,sobatica contempornea,nafaltadefidelidadeestilsticaporpartedos construtores.Entretanto,estaconsideraoignoracompletamenteas escolhas dos arquitetos na forma de construir e de conceber os projetos. Nestemomento,elesprimavampelolivredilogoentreosestilos,de acordocomcadatipologia,chamadoporMignon(1984)deecletismo tipolgico epela seleode elementos construtivos devariados estilos emumasedificao,oentodenominadoecletismosinttico 87, formandoassim,comojditoanteriormente,ummosaicoimagticoe temporalemumanicaedificao.Essemosaicoimagticopodeser 84SEVERO (1916) apud PINHEIRO, 2011, p.36. 85Ibdem, p.39. 86 ARCHITERURA (1921) apud PINHEIRO, 2011, p.103. 87MIGNOT (1984) apud PINHEIRO, 2011, p.104. 55 percebidonaIgrejaMatrizque,pormeiodediferentesreformas,foi incorporando mltiplos estilos arquitetnicos. Aindaem relao smudanas na arquitetura, comos Cdigos de1889,houveumaalteraonospadresdealturaelarguramnimos para as construes e uma maior abertura esttica para escolha do estilo dasfachadas88.Comoexemplificaoartigo23doCdigode1889,que apresentaaspossibilidadesestticasdasportasejanelas,ondeas vergasserorectas,curvasoughoticas,abertasoufechadas;teroos ornatosvontadedeseusproprietrios 89.Asfrentesdascasas poderiamsercobertascomazulejoscoloridos,oupintadasdecores diversas, porm, as cores escuras, dentre elas o preto, eram proibidas. Antesdoinciodequalquerconstruo,tantonopermetro urbano, comonas regiesmais afastadas, eranecessria a apresentao prviadaplantaedodesenhoquepoderiam,ouno,seremaprovados pelaCmara.AindaemrelaoaocontedodoCdigode1889,ele diziaqueerapermitidofazerstosesobrelojas,prticarecorrente desdemeadosdosculoXIXcomaintensificaodocomrcio.Este cdigoapresentavacertaaberturaparaocumprimentodasnormasao apresentardiferentespossibilidadesaseremaplicadasparaquea construoseenquadrasseaoperfiladotado.Essamaleabilidadefoi tornando-se cadavezmenor namedida em queos CdigosdePosturas eram atualizados.Emrelaoaosdetalhesemateriaisconstrutivosdascasase sobrados,elesvariavamdeacordocomopoderaquisitivodos proprietrios.Aimagemabaixo(fig.10)mostraumconjuntode sobradossituadosRuaProc.AbelardoGomes-exemplostpicosda arquiteturadoperodocolonialesuasvertentes.Ossobradosso compostosporvarandainteiriacercadaporgradildeferrocom ornamentos,doisdelespossuemtelhadodequatroguas,eosoutros dois, balastres na parte superior. Ascasastrreas,tambmchamadasdecasasporta-e-janela, possuemcomocaractersticamaismarcanteasportaseasjanelasbem prximasumasdasoutras.Todavia,estesdoiscomponenteseram variveiserespondiamaogostoouacondiofinanceirado proprietrio,queoraescolhiaornamentosmaissimples,oramais trabalhados. As portas poderiam ser em madeira com enquadramento em pedra; possuir fechaduras de ferro, com ou sem batedor, poderiam ainda 88 Cdigo de Postura Municipal da Cidade de Desterro. 1889.p.7-8. 89Ibdem,p.09. 56 possuirfechamentointernofeitodetbuasqueancoravamaporta(as chamadas tramelas). J as janelas, continham os mais variados detalhes, comoaberturassuperioresparamaiorventilaoeincidnciadeluz; formatosarredondadosouquadrados;aberturasdiferentes- guilhotinadas (para cima), ou abertura voltada para fora, ou para dentro. Fig.10:ConjuntodesobradosoitoscentistasFlorianpolis.Situadosna esquina da Praa XV de Novembro com Proc. Abelardo Gomes. Foto: Sabrina Fernandes Melo,2011. Casasdessanaturezaeramgeralmentecompostasportelhados deduasguas,ouseja,possuapresenadeduassuperfciesplanas, unidasporumalinhacentral,assimoescoamentodaguapoderiaser direcionadopara a rua epara osfundosdos lotes. Essa composiofoi alteradacomoCdigodePosturade1889queestipuloua obrigatoriedade do uso de calhas e telhados de quatro pontas para evitar o escoamento de gua para a rua, medida que aumentou a instalao de platibandas90 ornamentadas e de adornos como estatuetas e balastres91. Umanovaestticapassouacomporavisualidadedacapitalcomuma 'maquiagem'dasfachadas,alterouaparteexternadosedifcios, mantendo a parte interna inalterada. 90Designaumafaixahorizontalqueemolduraapartesuperiordaconstruo, possuindo a funo principal de esconder o telhado. 91Pequenospilaresqueunidosaoutros,servemdesustentaoetambmde ornamentao de sacadas, corrimes e varandas. Todos possuem Sacada inteiria com gradil de ferro ornamentado. O primeiro e o terceiro possuem telhado de duas guas. O segundo e o quarto possuem balaustres na parte superior. 57 Nota-seumapossvelpreocupaodogovernocom,por exemplo,otranseunteque,emdiaschuvosos,noseriaatingidopela guaprovenientedostelhados.E/ou,talvez,apenasumamedidatambm importante para colaborar com a no formao de poas d'gua nasruas,vistoqueapavimentaonoeracomumemtodosos logradouros.Almdisso,ascalhasserviriamparadirecionaro escoamentodeguaparalocaismaisadequados,almdeprotegero telhado contra infiltraes e possveis rachaduras, geradas pelo acmulo degua.Aopopelascalhasepelotelhadodequatroguasevitaa umidadedasparedesearpidadecomposiodapinturadas edificaes,bemcomoadanificaodejardinsecaladas,questes diretamente relacionadas esttica e visualidade. Amanutenodasfachadaseraresponsabilidadedo proprietrio,quedeveriaretocarecobrirasimperfeiesdedoisem doisanos,especificamentenomsdesetembro.Apinturaexterna deveriaserfeitadetrsemtrsanos,almdaobrigatoriedadede envernizar portas, janelas e grades de ferro que ficassem expostas para a rua92.Aadoodesignospadronizadossedirecionouparaoslocais maismovimentadosdacidade:asimediaesdaspraasedoMercado Pblico. Fig. 11: Casa situada nas cercanias da Praa XV de Novembro, construda por volta de 1890. 92 Cdigo de Postura Municipal da Cidade de Desterro. 1889.p.10-11. Telhado de duas guas proporcionava o escoamento de gua para os fundos do lote e para a rua. Portas e Janelas prximas. Janelas guilhotinadas (abertura para cima). 58 Fonte: Acervo da Casa da Memria. Osconceitosdebelezaeestticaforamfundamentaisparaa idealizao da cidade moderna concebidas como moldura da civilizao eprogresso.Asmedidasestticastinhamaintenodevalorizara cidade referenciando-sepelaordenao doespao eda apresentao de umapaisagemracionalmenteplanejadaeestetizada.Paisagemquej nodialogariaenoabririamargemparaconstruestidascomo rudimentares,comoascasasdepalha,porexemplo,ouparaa improvisao nos modos de construir. 59 CAPTULO 2 CONES DA MODERNIDADE CONSTRUTIVA Apalavra/conceitoconeassumeinmerosevariveis significadosqueseadaptamaocontextoeaoobjetivocomque aplicada. Para a semiologia o cone seria um signo que apresenta relao desemelhanaouanalogiacomoreferente,estepoderiaseruma fotografia, um mapa, um diagrama etc. O cone seria a abstrao de algo que(re)conhecemosepossuiaspectosemcomumcomoobjeto representado. cone,provenientedogregoantigoEikhon,quesignifica imagem,foiumapalavrademuitaimportnciaduranteoimprio bizantinonosculoIII.Contemporaneamenteoconetomouosentido deumaimagem,umsmboloouumarepresentaodequalquer naturezaqueidentifica,simbolicamente,determinadovaloroufigura emblemtica, proveniente de uma cultura ou um perodo especfico, por exemplo.Aadoodessapalavraparaadjetivarasconstrues apresentadasnestecaptulosejustifica,poistentaremosverificar aspectos construtivos que aproximam ou distanciam o Hotel la Porta, O edifcio dos Correios e alguns cinemas de Florianpolis da modernidade construtivavigente/almejadanodecorrerdaprimeirametadedosculo XX. Com a Revoluo de 1930 os debates sobre o modernismo93 e a culturabrasileiraseintensificaram.Essaconjunturafavoreceua consolidaodeumaarquiteturaquetransitariaentreomodernoeo nacional.Nesteperodoocorreuumpaulatinoabandonodesignos historicistasmuitoevidentes,comoaornamentaoexcessivadas fachadas e em contraposio a adoo de ritmos mais sbrios e lineares, almdoempregodemateriaisconstrutivosmaismodernoseum processo inicial de verticalizao das construes.Natentativadematerializaromodernopormeiodas construes,foraminseridospadresarquitetnicosquebuscavam rompercomotraadopuramentetradicional,visualizadosem edificaesqueseguiamoestiloarquitetnicodifundidoduranteo perodocolonial,pormeiodeinflunciasportuguesas.Nestesentido,a 93 Desde a metade do sculo XIX utilizou-se o termo modernismo para todo e qualquer tipo de inovao, todo e qualquer objeto que mostrasse alguma dose de originalidade.Assimnosurpreendequeoshistoriadoresculturais,tenham recorrido prudncia do plural: modernistas. (GAY, 2009, p.17) 60 adoodoecletismo94foiumadassadasparaarenovaoda arquitetura nacional. Difundido durante o final do sculo XIX e as duas primeirasdcadasdosculoXX,estacorrentearquitetnicaassociava estilostradicionaisoudachamadaarquiteturahistoricistarelacionadaa elementosconstrutivosmodernos,comooferroeasestruturasde concreto.Comoresultadodafusodesignosantigosemodernos,o ecletismopossibilitouacoexistnciadetcnicas,programaseestilos dopassadoedopresente,evidenciandoapermannciadatradio colonial,entrelaadaaodesejodemodernizaoenanecessidadede construo imaginaria da nova nao 95. Oecletismopodeserpercebidocomoumestiloqueintegra diversascorrentesarquitetnicos,comooneoclssico,neogtico, neocolonialdentreoutras.Estashibridizaesresultaramna configuraodeummosaicoimagticoetemporal,queatuoucomo veculodarenovaoesttica,consideradanaquelemomento, extremamentenecessriaparacomporaimagemdeumpasem transformao.Dehabitaesparticularesaedifciospblicos,o ecletismofoiempregadoemdiversasconstruesduranteseuapogeu demarcado,naentocapitalfederal,RioJaneiro,pelaaberturada AvenidaCentralinauguradaem15denovembrode1905.Neste momento, a influncia francesa era incipiente, e havia discusses sobre a possibilidadedetransformaodoRiodeJaneiroemumaverdadeira Paris nos trpicos 96. Emvirtudedestanovaestrutura,fez-seemergiruma transformaonamaneiradeperceberaarquitetura,quepassoude motivoounecessidadeparasigno.Representadapormodelosestticos que iria ao encontro de novas ideologias emodosdevida, a construo passou a ser entendida como vontadeoudesejoderepresentao, que acaractersticamaisevidente,deumpontodevistaarquitetnico,da prpriaexistnciadascidades 97.Aanliseestticadasedificaes construdasnasprimeirasdcadasdosculoXXrevelaumhibridismo 94Como movimento artstico, o ecletismo ocorre na arquitetura durante o sculo XIX.Porvoltade1840,naFrana,emrelaohegemoniadoestilogreco-romanosurgeapropostaderetomadademodeloshistricoscomo,por exemplo,ogticoeoromnico.umacorrentequemescladiversosestilos arquitetnicos na tentativa de criao de uma nova linguagem. 95 PEREIRA, 2012, p.02. 96 CALDEIRA, 2010, p.48. 97 AYMONINO (1984) apud MOURA, 2000, p.23. 61 perenenascomposiesplsticas,nosjogosdevolumetria,nas estruturas, nos materiais e nas tcnicas construtivas.A variao dos detalhes e da ornamentao transita entre, de um lado,o racionalismoda formapura e austera aproximando-sedeuma aluso mquina, velocidade, ao dinamismo (art dco) 98, e de outro lado, pela singeleza dos detalhes barrocos, neoclssicos e eclticos um retornoou(re)leituradecaractersticashistoricistasqueinsistiamem permanecernavisualidadecitadina.Ocampoestticodacidadese tornouassim,umlabirintoinfindodepossibilidadesdeleiturae interpretao. Por esta via, a arquitetura, vista como imagem, capaz de tornarvisvelapermannciaourupturacomatradio,oavanodas tcnicas construtivas, a incorporao de novas linguagens visuais, tteis, perceptivas e subjetivas na visualidade urbana. A escolha por tratar oart dco e os cinemas em um captulo partejustifica-sepelaspecualiaridadesqueesteestiloarquitetnicoe este cone moderno, o cinema, apresentam.O art dco99 atuou em meio 98Diferentementedoartnouveau-(EstiloquesedestacouduranteaBelle poqueemfinsdosculoXIX.Caracteriza-sepelasformasorgnicas, valorizao do trabalho artesanal. Explorao de novos materiais comooferro fundidoevidro.)-quedeixoupendentearelaoentreproduoartesanale industrial,odcopromoveuumaligaoentreaarteeaindstria, possibilitandoaconfecodeprodutosdemassa,maiordiversificaode artigoseumbarateamentodepeasdecorativas,deusodomsticoemateriais deconstruo.Porcelanas,aparelhosderdioemversodco,luminriasde vidro, so alguns dos elementos utilizados produzidos em uma verso estilizada doartdco.Esseestiloaplicadoemdiferentesmbitos,tantoarquitetnico, artstico,decorativopoderiaornamentarumacasa,umiateeatmesmouma faca, possua um esprito moder