Arquitetura Prisional Em Contexto
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ARQUITETURA PRISIONAL EM CONTEXTOUMA REFLEXO SOBRE AS INTERAES QUE REGEM AS DECISESEM UM PROJETO DE ARQUITETURA DE ESTABELECIMENTOS PENAIS
rika Wen Yih Sun1
Resumo: Trata o presente artigo de uma reflexo sobre o contexto emque se desenvolvem os projetos arquitetnicos elaborados com o intuito deabrigar pessoas condenadas a penas de privao de liberdade.Considerando que os projetos resultam do oferecimento de servios por umdeterminado campo profissional combinado com a necessidade deatendimento de demandas pelos setores scio-econmicos, de vitalimportncia conhecer o contexto em que esse dilogo ocorre, vislumbrandoas circunstncias que influenciam tal interao. Espera-se que, de possedesta anlise, seja possvel compreender as falhas atualmente existentes nosistema penitencirio, bem como propor modificaes para a criao de umnovo modelo.
Palavras-chaves: estamentos e estratificao social, processo,
interao, comunicao, conflitos.
Abstract: The purpose of this paper is to analyze the context in whichthe architecture projects for prisons are developed, trying to understand howthe designs for buildings where sentenced people are punished with theprivation of their freedom. As these projects are a result of professionalsoffering their services combined with the social and economic demands, it isvitally important to recognize the circumstances that rule that interaction. It isexpected that, after understanding the mechanisms of this dialogue, it can bepossible to identify the flaws in the penitentiary system, and also proposemodifications in order to create a new model.
Key-words: social stratification, process, interaction,communication, conflicts.
1
Advogada formada pelo Centro Universitrio do Distrito Federal (2006). Arquiteta eUrbanista (2005), Mestra (2008) e Doutoranda pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismoda Universidade de Braslia.
UnB Universidade de BrasliaFAU Faculdade de Arquitetura e UrbanismoPPG- Programa de Ps-Graduao
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INTRODUO
... passados dias e noites debruados sobre seuscdigos,
eles acabam por perder o sentido exato dasrelaes humanas.
(Franz Kafka)
Existe uma grande discusso sobre como deveriam ser elaborados os
projetos arquitetnicos de estabelecimentos penais. Trata-se de um tema
bastante rido e controverso, uma vez que se pretende buscar puniocombinada com interesses de ressocializao, visando preveno de novos
delitos.2 Por mais que sejam idealizados inmeros modelos, com diretrizes e
orientaes, ainda no se conseguiu alcanar um prottipo satisfatrio.
Assim, cada vez mais perceptvel a falncia do sistema penitencirio no
modelo em que se encontra. E mais urgente ainda encontrar soluo para
que este sistema no entre em colapso.
No entanto, antes de qualquer tentativa de solucionar problemas tocomplexos como aqueles que envolvem o sistema penitencirio, preciso
compreende-los. Assim, para dar incio a uma anlise do contexto em que se
insere a problemtica dos mtodos de projetao de estabelecimentos
penais, necessrio esclarecer alguns pontos e definir alguns conceitos.
Primeiramente, preciso reconhecer que o mercado de projeto da
atualidade possui uma configurao em que a indstria dominante na
prtica projetiva, no s participando ativamente das decises que
determinam como ser definido o projeto, mas tambm sendo responsvel
por diversos componentes da prpria construo.
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Conforme entendimento da teoria mista de finalidade da pena, que considera que a penatem dupla funo, tanto de punir o sujeito criminoso, como tambm de prevenir o atodelituoso, por meio da humanizao.
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No s as determinaes ditadas pela indstria chegam ao
profissional responsvel pela elaborao do projeto, mas tambm uma
infinidade de circunstncias e variveis que devem ser analisadas, trazendo
um carter interdisciplinar e complexo. A compreenso de toda essa
conjuntura deve passar por uma reflexo metdica e consciente, de modo a
permitir o sucesso do projeto.
Assim, os projetos, de um modo geral, nascem da interao entre o
oferecimento de servios por um campo profissional e a necessidade de
atendimento de demandas provenientes dos setores scio-econmicos,
culturais e polticos. Essa situao acontece em um determinado contexto,
objeto a ser estudado no presente trabalho.
O contexto, portanto, pode ser interpretado como a sociedade3 de um
modo geral, com todas as suas nuances. O campo e os setores, por sua vez,
so subdivises da prpria sociedade, sendo o primeiro compreendido como
o local onde ocorrem as prticas profissionais, universo da produo ereproduo, da organizao, dos meios e acervo de projeto4, e os segundos,
os agentes que criam as demandas que os profissionais do campo devem
atender.
3Sociedade compreendida como uma associao de indivduos que estabelecem entre si
por vontade prpria apoiado em leis que lhe asseguram direitos comuns.4 Definio retirada do texto Projeto em contexto: bases para um mtodo de ensino-aprendizagem de projeto de arquitetura e outros artefatos, de Jaime G. de Almeida.
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Neste sentido, o contexto engloba todas as circunstncias, sejam
econmicas, sociais, culturais, polticas ou de qualquer outra natureza, em
que se inserem essas interaes entre o campo profissional e os setores que
geram as demandas. O campo, com todas as suas peculiaridades, tende a se
fechar em si mesmo com as suas idealizaes e modelos preconcebidos. As
demandas, por sua vez, por serem sociais (e consequentemente bastante
dinmicas) e provenientes dos setores, passam a ser o meio pelo qual o
campo alcana a sociedade, que passa a ser tangvel, j que as referidas
idealizaes devem ser testadas em sua realidade.
Para que seja possvel a anlise do contexto, necessrio verificar
como se do as relaes que ocorrem entre os setores, representados pelosagentes da sociedade, e o campo profissional, por meio das demandas. Para
tanto, possvel enumerar algumas instncias e variveis da prtica de
projeto: a produo, a organizao e a conduo e a comunicao.5
A produo diz respeito forma pela qual a prtica projetual
efetivada. A organizao, por sua vez, trata dos controles a que essa prtica
submetida. A conduo, por sua vez, refere-se aos atores que direcionam a
realizao do projeto e dele fazem parte. Por fim, a comunicao engloba aveiculao assim como os meios de representao do projeto.
Por meio da combinao de tais instncias e variveis, passa a existir
a possibilidade de se chegar a pressupostos de avaliao de projeto, que
podem definir a sua maior ou menor qualidade. Tal orientao se basearia
nos critrios de aceitabilidade, que implica a participao dos agentes
responsveis pelo projeto bem como o reconhecimento das diferenas entre
eles; de interatividade, que se refere interlocuo entre esses mesmosagentes, possibilitando um dialogo; e, por fim, de agir comunicativo,
compreendendo a utilizao de linguagem verbalizada acompanhada de
outras representaes visuais, a fim de neutralizar o tecnicismo e o
abstracionismo da comunicao convencional de projeto.6
5Instncias e variveis citadas por Jaime G. de Almeida no texto supramencionado.6Pressupostos e orientaes para avaliao de projetos citadas por Jaime G. de Almeida no
texto mencionado anteriormente.
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I O CONTEXTO DO SISTEMA PENITENCIRIO
Trazendo a sistemtica ora utilizada para o universo do sistema
penitencirio, pode-se dizer que contexto definido por uma sociedade que
espera separar pessoas consideradas perigosas, por terem cometido algum
tipo de crime. Ao mesmo tempo que esperam uma punio, para que sintam
um senso de justia, no querem estar envolvidos diretamente com o
problema, na medida em que esperam o maior isolamento possvel destes
criminosos.
As circunstncias que definem o problema so bastante peculiares,
uma vez que os custos, que so geralmente determinantes de projetos
arquitetnicos para este tipo de estabelecimento, so provenientes de
oramento pblico, isto , do bolso do contribuinte. Este, por sua vez, no
quer ver seus impostos investidos em penitencirias, onde se espera que
pessoas estejam sendo punidas. Ao contrrio, espera ver investimentos para
a melhoria de reas mais deficientes, como a educao, a sade, a infra-
estrutura urbana.
Por outro lado, existem inmeros organismos sociais que demandam
que sejam cumpridos critrios de preservao da dignidade humana. Assim,
so feitas inmeras imposies para garantir o que muitos consideram
regalias para os presos. Isso porque ao mesmo tempo que pessoas livres
trabalham (ou pior ainda, sofrem com o desemprego) para garantir a sua
prpria subsistncia, pessoas dentro das prises recebem casa, comida e
roupa lavada sem o menor esforo.
O contexto, portanto, caracteriza-se por uma situao paradoxal, em
que se espera punir e isolar criminosos, separar e segregar pessoas, mesmo
dentro das prprias prises, e ainda possibilitar a reabilitao social.
O campo profissional, neste contexto, composto no somente por
arquitetos, engenheiros e outros que lidam com a parte tcnica do projeto,
mas tambm por administradores pblicos que coordenam os servios.
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Os setores podem estar envolvidos diretamente, como o caso das
prprias pessoas presas, dos agentes penitencirios, das visitas, como
tambm indiretamente, como o caso dos juzes, promotores, defensores,advogados e da prpria sociedade livre.
As demandas geradas pelos setores, de um modo geral, podem ser
resumidas da seguinte maneira:
a) espaos adequados para o cumprimento da execuo penal;
b) punio e recuperao do indivduo visando reinsero social;
c) projetos e obras com custos reduzidos;
d) ambiente que preserve a integridade fsica e moral de todos os
usurios, sejam eles agentes penitencirios, presos ou visitas;
e) segurana fsica e mental de todos os envolvidos.
Tendo conhecimento dos anseios dos agentes responsveis pelo
projeto, que englobam instituies pblicas e privadas, empresas e a
sociedade civil, j fica evidente a complexidade com que o profissional deve
lidar para poder desenvolver a prtica projetiva. Deve haver uma habilidade
sem tamanho para poder intermediar a comunicao entre todos os agentes.
Assim, pela prpria complexidade de agentes e pela falta de interesse
por parte do governo, instituio que monopoliza as decises em ltima
instncia, muitas vozes so ignoradas. A prtica projetiva, portanto,
entendida como o momento em que ocorre a produo e elaborao do
projeto arquitetnico, ocorre de forma extremamente especializada, com
tarefas individualizadas e dependentes de decises hierrquicas. O
resultado, portanto, acaba por se mostrar um projeto-produto. O processo
no importante.
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Quanto organizao, existe uma regulamentao sobre o assunto,
embora atualmente no seja bem compilada. Mas exatamente por esta falta
de compilao sistemtica, surge uma srie de dvidas no sentido de quais
normativos devem ser utilizados. A Lei de Execuo Penal dispe que a
competncia para estabelecer regras sobre a arquitetura e construo de
estabelecimentos penais e casas de albergados do Conselho Nacional de
Poltica Penitenciria (CNPCP). As diretrizes editadas pela Resoluo n 03,
de 2005 pelo referido Conselho no se mostram suficientes, pelo fato de o
estabelecimento penal ser um complexo de funes, dentre as quais sedestacam atividades de educao, trabalho, entre outras, sendo que cada
qual possui embasamento legal especfico.
Alm disso, a organizao da prtica projetiva dos estabelecimentos
penais no se limitam aos normativos sem sistematizao, mas tambm ao
controle hierrquico interno do Departamento Penitencirio Nacional
(DEPEN), que sofre, ainda, intervenes do Tribunal de Contas da Unio
(TCU), Controladoria Geral da Unio (CGU), entre outros rgos de controle
externo.
A conduo do projeto, por sua vez, geralmente influenciada
basicamente pelos interesses do Estado, no papel de contratante, que
determina como deve ser o estabelecimento penal a ser construdo, levando
em considerao, portanto, to somente os prprios interesses, ignorando as
demais circunstncias e os outros agentes envolvidos.
A comunicao, neste sentido, pela prpria forma de organizao da
prtica projetiva, extremamente tecnicista, envolvendo to somente
pessoas especializadas no assunto. Assim, mesmo que alguns agentes
envolvidos, com poder de deciso determinante, no compreendam
desenhos tcnicos, esses acabam sendo os nicos meios de difuso de
informao e de representao de projeto.
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Logo se percebe que a interatividade dos agentes responsveis pelos
projetos de estabelecimentos penais no satisfatria, uma vez que o
Estado, por ter o monoplio do poder punitivo, atende os seus prpriosinteresses, tornando o processo de conduo de projeto altamente
direcionado para os ideais por ele definido. Assim, a sociedade usuria do
espao no tem a menor participao no desenvolvimento do projeto.
Quanto ao agir comunicativo, pode-se afirmar que at existe uma
tentativa de se estabelecer uma boa comunicao entre os agentes
responsveis pelo projeto, j que se espera a aprovao da populao,
sendo, nesses casos, utilizados artifcios visuais variveis, no intuito deconseguir o convencimento de autoridades e classes sociais em geral, das
mais altas s mais baixas. No entanto, no momento em que se busca mostrar
meios mais compreensveis de representao de projeto, este j se encontra
em forma de produto pronto e acabado, j no mais suscetvel a mudanas.
Consequentemente, devido ao dilogo prejudicado, j que nem todos
os interlocutores possuem voz ativa na conduo dos projetos, a
aceitabilidade no boa. Embora haja tentativas de um agir comunicativo,
evitando representaes tecnicistas, o dialogo no consegue ser plenamente
estabelecido.
II COMPREENDENDO AS RELAES
preciso lembrar que, sendo o objeto de estudo o espao
penitencirio, necessrio levar em considerao de que no se trata to
somente de um espao fsico, mas de um ambiente construdo onde ocorrem
inmeras relaes sociais. E antes de se chegar a este ambiente construdo
do estabelecimento penitencirio, importante que seja feita uma reflexo
que busque o entendimento de quais as variveis que permeiam o processo
de elaborao de projeto que antecede a sua construo.
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H estamentos que se transformam em classes e classes que se
evolvem para o estamento sem negar o contedo diverso. De qualquer
sorte, deve ficar claro que os estamentos governam, as classes negociam.
Vencidos os esclarecimentos referentes aos conceitos de estamentos,quanto ao contexto penitencirio, podemos citar os seguintes intervenientes:
a) Estamento poltico-jurdico, em que ficam compreendidos os
magistrados, os polticos, delegados, agentes penitencirios,
promotores de justia, defensores pblicos, advogados,
prevalecendo o conflito de autoridade;
b) Estamento profissional, em que esto os advogados/engenheiros,
administradores pblicos, construtores, empresrios relacionados
ao setor, sendo evidenciado o conflito de interesses
profissionais;
c) Sociedade civil, que trata de um grupo mais disperso e indefinido,
compreendendo organismos no-governamentais (ONGs), igrejas
e pastorais, empresas, universidades. Tratam-se de grupos deassistncia, grupos de presso, grupos de defesa, geralmente
voltados aos direitos humanos, com conflitos relacionados a
interesses humanitrios.
Estes estamentos, como grupos de controle e poder, mantm-se em
um esquema hierrquico representado pela pirmide a seguir:
Estamento jurdico-poltico
Estamento profissional
Sociedade civil
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Como j explicitado anteriormente, os estamentos so grupos
conscientes de sua posio, compartilham de mesmos interesses e so
calcados nas desigualdades sociais. Lutam, portanto, para a manuteno dostatus quo. Assim, no contexto ora analisado, existem dois grupos
organizados bem organizados e estruturados, que so os aqui denominados
jurdico-poltico e profissional, e uma grande massa dispersa e difusa,
composta pelos membros da sociedade civil.
Os maiores problemas encontrados no sistema penitencirio so
decorrentes do fato de que os estamentos, por se tratarem de grupos
organizados, com interesses prprios voltados manuteno do poder, estomuito mais preocupados em resolver os seus problemas internos do que em
estabelecer uma boa comunicao com os demais.
O estamento jurdico-poltico, por exemplo, tem como principal conflito
interno a questo de autoridade. Assim, busca-se formas de se abocanhar
mais poder dentro da prpria estrutura estamental. E como o ideal de
estamento se baseia na desigualdade social, a manuteno do controle
depende de idias conservadoras. Por esta razo, no h interesse em se
alterar o modelo atual, sobretudo por se tratar do estamento que se mantm
no poder.
O estamento profissional, por sua vez, busca obter mais prestgio
perante o seu superior hierrquico na pirmide estamental. Assim,
considerando que, no contexto estudado, justamente o estamento jurdico-
poltico que contrata o profissional, os conflitos internos so voltados a
questes de interesses profissionais, no sentido de inovar, seja
tecnologicamente ou nos discursos difundidos. No h movimentos no
sentido de provocar uma desestruturao do modelo atual de controle e
poder.
A sociedade, ao contrrio dos estamentos jurdico-poltico e
profissional, composta por uma grande massa dispersa. No possui
interesses especficos organizados e tambm no tem conscincia de seu
poder, no podendo ser considerado, portanto, um estamento. Alguns poucos
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grupos se organizam com o intuito de oferecer presses sobre a pirmide
estamental, mas so incapazes de desmontar a estrutura de controle e poder
atual exatamente por suas foras serem muito difusas.
Para se conseguir alcanar alguma alterao substancial no sistemapenitencirio, de vital importncia que seja provocada uma inverso da
pirmide hierrquica do poder, em que a sociedade civil passe a ter um poder
de controle ainda maior. Para tanto, necessrio fazer com que a sociedade
civil tenha conscincia da situao e se organize para efetuar as
modificaes necessrias.
No se trata to somente de uma questo de poder (dar mais ou
retirar), mas tambm da necessidade de conscientizao da sociedade.Assim, no se deve focar exclusivamente no poder e no controle, porque
assim seria imprescindvel o uso da fora fsica para se alcanar uma
revoluo. Atualmente, a comunicao a maior e mais forte ferramenta
indispensvel para corroer o sistema existente e provocar as alteraes
necessrias.
III OS DISCURSOS DOS ESTAMENTOS E A SOCIEDADE CIVIL
Cada um dos estamentos possuem os seus discursos e se baseiam
neles para assegurar que os mecanismos de controle e poder se mantenham
exatamente como esto. Por trs de cada um deles, ficam mascarados os
conflitos internos.
O estamento jurdico-poltico traz um discurso em prol do bem
comum da sociedade.Tal discurso difundido desde o momento da criao
do Estado, em que se deixou o estado de natureza para se viver em
sociedade civil. Independentemente das razes, j que estas divergem de
acordo com as teorias de Hobbes, Montesquieu, Rousseau, o discurso de
que todos devem deixar um pouco de sua liberdade arbitrria para viver sob
regras comuns, passando a ter direitos e deveres.
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Sob este discurso, a sociedade passou a titularidade do poder para o
governo, com as funes de legislar, executar e julgar. Com isso, com o
monoplio do poder em suas mos, o estamento jurdico-poltico desde ento
criou mecanismos de aumentar o seu controle sobre a sociedade civil e
manter-se na posio em que se encontra.
No caso do sistema penal e penitencirio mais especificamente, o
Estado, representado pelo estamento jurdico-poltico, criou a legislao
penal, como um
conjunto de normas que ligam o crime, como fato, pena, comoconseqncia, e disciplinam tambm as relaes jurdicas daderivadas, para estabelecer a aplicabilidade de medidas desegurana e a tutela do direito de liberdade em face do poder depunir do Estado8
bem como um sistema de processo penal, em que se torna legtima a
deciso de aprisionamento de indivduos como forma de punio aos seus
comportamentos ditos antissociais.
Para a execuo penal em si, cria legislaes especficas, como a Lei
de Execuo Penal, que determina como devem ser aplicadas as sanes
definidas pelo Cdigo Penal, e normativos difusos, como a Resoluo n03/2005 do CNPCP, que definem orientaes e diretrizes de projetos
arquitetnicos para estabelecimentos penais, com ideais que se mostram
absolutamente utpicos. Mas exatamente por se tratarem de discursos,
continuam a ter uma base de argumentao para interagir com a sociedade.
Desta forma, quando a sociedade demonstra alguma insatisfao em
relao aos meios empregados para a execuo penal, aponta reclamaes
quanto aos espaos fsicos dos estabelecimentos penais, seja por se tratarde usurio, por estar preso ou visitando internos, ou de moradores vizinhos,
o estamento mostra-se aberto para discusses, por meio de audincias
pblicas. Ou ainda, os magistrados, por meio do Judicirio, tentam se mostrar
mais humanos, com decises e punies mais amenas.
8Apud. MARQUES, Jos Frederico. Curso de direito penal. 15. ed., So Paulo: Saraiva,
1978, v.1, p. 12.
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O estamento profissional se utiliza do discurso da busca do melhor
desenho, com inovaes tecnolgicas, custo reduzido e maior resistncia de
materiais. Com a combinao destes aspectos, seria possvel alcanar um
modelo ideal de estabelecimento penal, garantindo a segurana e a
dignidade humana de todos os usurios do espao, diminuindo a
necessidade de manutenes e consequentemente de gastos ao longo do
tempo, devido ao uso de materiais mais resistentes e com obras mais
rpidas, por conta da industrializao da construo.
Trata-se de uma camada que fica entre o estamento jurdico-poltico e
a sociedade civil, intermediando as aspiraes de um e outro. Ao mesmo
tempo que tenta buscar subsdios na sociedade civil, do que ela espera, desuas insatisfaes, para combinar com o que o estamento jurdico-poltico
contrata.
O estamento profissional, portanto, possui um importante papel no
processo de criao dos espaos de estabelecimentos penais, visto que o
canal de comunicao entre as autoridades e a populao em geral. Deve
fazer um filtro entre as demandas advindas de ambos os lados para se
chegar ao projeto ideal.
Apesar de o estamento profissional ter uma boa abertura com a
sociedade civil, ouvindo os seus anseios mais abertamente, o estamento
jurdico-poltico acaba tendo uma influncia muito maior sobre as decises de
projeto. O que ocorre, portanto, uma repetio dos modelos e padres
criados ao longo da histria, com uma ou outra variao para que obtenham
uma nova roupagem e possam ser apresentados como inovao.
Neste sentido, as artimanhas criadas pelo estamento profissional
possuem o nico intuito de apaziguar os nimos entre os desejos da
sociedade civil e as ordens emanadas pelo estamento jurdico-poltico. No
entanto, como os conflitos internos desta camada social gira em torno de
interesses profissionais, e quem contrata exatamente o estamento
jurdico-poltico, as vozes da sociedade civil perdem fora e acabam por se
tornar praticamente inaudveis.
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Verifica-se, portanto, que existe sim uma interao entre os
estamentos e a sociedade civil. Porm, a comunicao entre eles no
eficiente, sobretudo devido ao fato de que a sociedade, por se tratar de umagrande massa difusa, no possui interesses bem definidos, perdendo, ento,
a sua fora.
Na sociedade, podem ser encontrados muitos grupos. Dentre eles,
existem os criminosos, que esperam que o sistema continue como est, uma
vez que assim conseguem, ainda que presos, manipular as suas
organizaes criminosas e fazer dinheiro por meios ilcitos e conseguir
regalias com ajuda de corrupo. Ao mesmo tempo, existem grupos dedefesa dos direitos humanos, que exigem que as pessoas sejam tratadas
com um mnimo de dignidade, com respeito, trabalho, educao, entre
outros. Ao mesmo tempo, podem ser encontrados aqueles completamente
revoltados por verem pessoas condenadas, dentro de estabelecimentos
penais, protegidas de frio, com o abrigo garantido, alimentao assegurada,
enquanto elas precisam seguir horrios e ter uma disciplina indescritvel para
manterem seus empregos, que muitas vezes pagam to mal.
Pela falta de convergncia de interesses, no h organizao por
parte da sociedade civil. Assim, a comunicao com os estamentos se torna
prejudicada. Como os interesses so difusos, difcil apontar os titulares dos
direitos e dos deveres que so exigidos, tornando a sociedade civil uma voz
sem comando.
Os estamentos no contexto penitencirio e como eles se interagem
podem ser representados resumidamente pelo esquema a seguir:
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Jurdico-poltico:
Por trs de um discurso emprol do bem comum, tem porobjetivo a manuteno dasprprias regalias. Assim, osprojetos elaborados, segundoos interesses desteestamento, tendem a priorizara segurana de diretores eagentes penitencirios emdetrimento aos ideais decumprimento da pena comomeio de ressocializao.
Profissional:
Os discursos difundidos entreos agentes deste estamentodefendem um melhordesenho, com maiorresistncia de materiais ecustos reduzidos. No entanto,os verdadeiros interessesgiram em torno da busca de
um Mercado ainda noexplorado, com a introduode novas tecnologias.
Sociedade civil:
Apesar de ainda no possuira conscincia de estamento,buscando um interesseespecfico, os grupos quearticulam nesta camadasocial buscam ideaisvoltados principalmente aosdireitos humanos. Muitoembora ainda de formamuito dispersa, por se tratarde grupos difusos, asociedade ainda tenta seestruturar para defender os
interesses dos presos, bemcomo os da prpriasociedade. Para eles, osespaos prisionais deveriamter condies de assegurar adiginidade humana,permitindo a vida de formaprodutiva.
INTERAODEFICIENTE
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necessrio que a comunicao entre os estamentos e a sociedade
civil seja estabelecida de forma adequada, permitindo uma interao mais
eficiente entre estes, que so os agentes responsveis pelos projetos de
estabelecimentos penais. Embora a participao de uns seja mais direta do
que de outros, imprescindvel que os modelos utilizados atualmente sejam
abandonados, ou ao menos reformulados, por meio da articulao de
variveis e do rearranjo deles.
IV OS MODELOS SEGUNDO OS ESTAMENTOS
O resultado das aspiraes de cada um dos estamentos podem ser
resumidos em modelos, que so reproduzidos infinitamente, na falta de
qualquer impedimento ou questionamento que os faam ser repensados.
Os modelos resultantes dos interesses do estamento jurdico-poltico
sempre so tendenciosos a garantir a segurana dos agentes pblicos,
servidores, alm de manter a boa fama de polticos.
Neste sentido, independentemente do partido arquitetnico9
adotadopelo projeto desenvolvido, seja o modelo panptico10, o espinhal11, o
9Entende-se por partido arquitetnico a concepo de um projeto, ou seja, a interpretaode um programa previamente estabelecido, representado graficamente por desenhostcnicos, definindo o partido adotado como a melhor alternativa de soluo. A concepo seinicia com os estudos preliminares e se aperfeioa por meio do amadurecimento natural dasidias. Sendo assim, para os estabelecimentos penais, foram geradas algumas poucasopes de partidos arquitetnicos, que so utilizados isoladamente ou em conjunto, quandose pretende fundir mais de uma soluo em um mesmo projeto.10 O modelo panptico foi um engenhoso e excntrico projeto elaborado por JeremyBentham, em tentativa de resolver os problemas de encarceramento a partir de uma simplesidia arquitetnica. O plano era dominado pela idia de que seria eficiente e econmico setodas as celas pudessem ser observadas de um nico ponto. Assim, a concepo tratava deum grande edifcio circular, coberto por uma cpula, com um posto de observao paraguardas no centro. Do outro lado das celas, ptios para exerccios fsicos, de tamanhosvariados, fazendo com que o edifcio se inscrevesse em um quadrado. O conjunto eracoberto por um telhado de vidro. Bentham conclua: Reformas morais, sade preservada,trabalho reforado, oramento pblico aliviado, economia estvel como uma rocha, o ngrdio das pobres leis estaria, no cortado, mas desfeito tudo a partir de uma simples idiaarquitetnica.11
O partido espinhal, tambm conhecido como espinha de peixe, aquele em que permiteuma configurao espacial a partir de um corredor central por onde se distribuem todas asfunes, como uma coluna central de onde saem as espinhas.
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pavilhonar12, o modular13, o radial14, ou qualquer outro, os pressupostos so
sempre os mesmos, podendo ser resumidos nos descritos a seguir:
a) a reduo de custos, por meio da diminuio de efetivo necessrio,
isto , um desenho que possibilite a segurana e a vigilncia com a menor
quantidade de pessoas possvel;
b) a integridade fsica das pessoas que trabalham no estabelecimento
penal em detrimento das que esto cumprindo pena;
c) aumento da segurana do estabelecimento em detrimento de
garantias aos direitos sociais dos seus usurios;
d) aumento da resistncia de materiais para evitar a deteriorao, seja
por lapso temporal e condies climticas ou por atos de vandalismo, para
conseqente necessidade de manutenes peridicas, contribuindo assim
com a reduo dos custos.
Com isso, so criadas novos artifcios, considerados inovadores, como
o caso da circulao area, em que se separam os fluxos dos internos e
dos agentes penitencirios, sob o pretexto de aumento da segurana. No
entanto, nada mais so do que mais do mesmo. Tais modificaes em nada
alteram a situao de falncia do sistema, no que tange ao alcance de seus
objetivos.
Os modelos idealizados pelo estamento profissional dependem das
demandas provenientes dos setores scio-econmicos-culturais-polticos. Por
esta razo, seguem as tendncias ditadas pelo estamento que se posiciona
hierarquicamente acima dele, isto , o jurdico-profissional.
12A forma pavilhonar de concepo arquitetnica aquela que propicia um ordenamentodas edificaes baseado nas necessidades de separao funcional de suas principais reasinternas, como rea carcerria, enfermarias, servios de apoio, cozinha, rea administrativa,celas de isolamento, em forma de pavilhes.13 O partido arquitetnico modular composto por edificaes em mdulos, que abrigam
funes especficas, que so separados entre si.14O modelo radial pode ser definido por aquele que se estrutura a partir de um centro, pelo
qual as funes se distribuem em forma de raios, de forma circular.
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Assim, a indstria comea a buscar novos materiais que atendam as
especificaes de resistncia exigidas, procuram apresentar inovaes
tecnolgicas para conseguir mais mercado e vencer a concorrncia em
relao a outras empresas.
E neste ritmo, todos os modelos j previamente concebidos passam
por modificaes e reciclagem para manterem o status de sempre
inovadores para que o estamento profissional mantenha o seu prestgio
diante de seus contratantes.
V A MODIFICAO NECESSRIA
Os modelos atuais so derivados do dilogo entre interesses dos
estamentos jurdico-poltico e profissional, que se articulam entre si para
manipularem seus anseios de modo mais conveniente para atender aos dois
lados, onde pode ser observada basicamente a interao entre instituio
pblica e empresa privada.
Falta, portanto, a presena da sociedade civil para introduzir novasidias aos modelos utilizados atualmente e, assim, provocar uma modificao
substancial e significativa nos projetos arquitetnicos de estabelecimentos
penais e, consequentemente, nos espaos fsicos destinados ao
cumprimento de penas.
Mas como mencionado anteriormente, os projetos nascem das
demandas geradas por setores da sociedade, que esto inseridos em um
contexto maior, repleto de circunstncias e variveis. No contexto
penitencirio, a sociedade civil tem um papel imprescindvel, que est
deixando de ser cumprido pela falta de conhecimento.
Como o estamento jurdico-poltico no tem interesse em fazer
grandes modificaes para no perder o seu status e poder, no se pode
esperar que o agir comunicativo parta de cima para baixo. Sendo assim,
necessrio que a comunicao seja feita de baixo para cima.
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A sociedade, portanto, deve se mobilizar para conhecer as atuais
condies do sistema penitencirio para decidir o que pretende mudar e
quais os ideais pretende seguir. Percebe-se que tanto o estamento
profissional quanto o jurdico-poltico possuem modelos a serem seguidos, j
existindo, portanto, um imaginrio de como o espao penitencirio deveria
ser.
A sociedade precisa buscar unificar suas foras, de modo a organizar
seus interesses e formar uma nova concepo do espao penitencirio.
Sabe-se que existem inmeros grupos difusos que lutam por ideais, como o
caso de associaes de mes de presidirios, grupos de defesa de direitos
humanos, organizaes no-governamentais, organismos internacionais. preciso buscar uma nova modelao, isto , a criao de um novo
modelo simplificado a ser adotado na elaborao de projetos arquitetnicos
de estabelecimentos penais, por meio da articulao das variveis
apresentadas, montando um rearranjo de foras, de modo que os agentes
responsveis possam se comunicar de forma mais efetiva.
Para tanto, deve ser feita uma definio dessas variveis, por meio de
uma radiografia da sociedade como um todo, j que exatamente dentro da
sociedade civil que se encontram os estamentos e tambm os grupos
difusos, com definio de cada um dos grupos. Eventualmente, sero
formados novos estamentos com uma nova estrutura de controle e de poder,
que possibilite alcanar os objetivos da execuo penal.
CONCLUSES
Os projetos arquitetnicos atualmente desenvolvidos para
estabelecimentos penais pouco ou nada contribuem para a revoluo do
sistema penitencirio, uma vez que no so baseados em reflexes sobre o
contexto dentro do qual est inserido. Desta forma, por ignorar circunstncias
imprescindveis para uma mudana radical nos moldes atuais, as falhas j
apresentadas tm sido amplamente reproduzidas sem qualquerpreocupao.
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Atualmente, dentre os elementos do processo de elaborao de
projeto, j esto muito bem definidos os repertrios adotados, bem como as
polticas existentes. No entanto, a interao e a comunicao entre os
intervenientes permanece uma incgnita.
Neste sentido, para que se consiga uma alterao significativa no
sistema penitencirio, deve-se vislumbrar um novo protocolo de espao, via
perspectiva da sociedade civil, levando em considerao toda a sua
diversidade. S assim ser possvel conceber alguma modificao nos
espaos e ambientes construdos para a execuo penal.
Com essa comunicao estabelecida, os intervenientes podero
participar ativamente das discusses sobre o espao, criando indicadores deum novo modelo espacial. A partir da discusso desses indicadores, podero
surgir novos mecanismos de controle e organizao, com alteraes na
legislao, por exemplo, para se adequar realidade, facilitando a conduo
do projeto, fazendo com que a produo seja importante, sendo o processo
mais importante que o produto final, fazendo com que a comunicao esteja
presente em todas as etapas.
Com as instncias concernentes a prtica projetiva estabelecidas de
forma correta, consequentemente os requisitos de orientao de projeto, que
permitem dizer se tem maior ou menor qualidade, tendem a ser avaliados
sempre de forma positiva. Assim, a aceitabilidade, que decorre de
participao dos agentes e reconhecimento das suas diferenas, tende a ser
maior. A interatividade tambm favorecida, j que passa a existir
interlocuo entre os agentes. Com isso, o agir comunicativo estimulado,
de forma que sejam buscados meios alternativos para que a compreenso detodas as variveis e todos os aspectos analisados seja possvel para todos
os intervenientes.
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