Arquivamento implicito e arquivamento indireto do inquerito policial

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ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO E ARQUIVAMENTO INDIRETO DO INQUÉRITO POLICIAL Rogério Roberto Gonçalves de Abreu 1 Segundo significativa parcela da doutrina, haveria pedido de arquivamento implícito do inquérito policial na hipótese de o representante do Ministério Público, sem requerer explicitamente o arquivamento do inquérito em relação a uma ou mais pessoas indiciadas ou fatos criminosos, praticar ato incompatível com a resolução de denunciar. É o que ocorreria nos casos em que o promotor de justiça não denuncia todos os indiciados ou fatos delitivos, silenciando em relação a um ou mais deles. De forma similar, haveria o chamado pedido de arquivamento indireto do inquérito policial nos casos em que o representante do Ministério Público, considerando competente juízo diverso daquele perante o qual haveria de oferecer a denúncia, requer ao juiz para pronunciar-se incompetente e remeter os autos ao juízo competente. O problema ocorre quando o juiz discorda do MP sobre essa incompetência: considerando-se competente, manterá os autos no juízo a que foram distribuídos. Diante dessa divergência, qual deverá ser a providência do magistrado? Nos casos em que o juiz indefere um requerimento do MP, normalmente determina a intimação da decisão e a devolução dos autos ao promotor para providências a seu cargo. O promotor pode, inclusive, recorrer da decisão. Por outro lado, se o juiz entender que nesses casos há pedido indireto de arquivamento, sua providência deveria ser, por analogia, a do art. 1 Mestre em direito econômico pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-graduado em direito fiscal e tributário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM/RJ). Juiz federal substituto na Paraíba. Professor de direito penal do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ).

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Um exame sobre os assim chamados "arquivamento implícito" e "arquivamento indireto" do inquérito policial.Obs.: Qualificação do autor na data do upload.

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ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO E ARQUIVAMENTO INDIRETO DO

INQUÉRITO POLICIAL

Rogério Roberto Gonçalves de Abreu1

Segundo significativa parcela da doutrina, haveria pedido de

arquivamento implícito do inquérito policial na hipótese de o representante do

Ministério Público, sem requerer explicitamente o arquivamento do inquérito em

relação a uma ou mais pessoas indiciadas ou fatos criminosos, praticar ato

incompatível com a resolução de denunciar. É o que ocorreria nos casos em

que o promotor de justiça não denuncia todos os indiciados ou fatos delitivos,

silenciando em relação a um ou mais deles.

De forma similar, haveria o chamado pedido de arquivamento indireto do

inquérito policial nos casos em que o representante do Ministério Público,

considerando competente juízo diverso daquele perante o qual haveria de

oferecer a denúncia, requer ao juiz para pronunciar-se incompetente e remeter

os autos ao juízo competente.

O problema ocorre quando o juiz discorda do MP sobre essa

incompetência: considerando-se competente, manterá os autos no juízo a que

foram distribuídos. Diante dessa divergência, qual deverá ser a providência do

magistrado? Nos casos em que o juiz indefere um requerimento do MP,

normalmente determina a intimação da decisão e a devolução dos autos ao

promotor para providências a seu cargo. O promotor pode, inclusive, recorrer

da decisão. Por outro lado, se o juiz entender que nesses casos há pedido

indireto de arquivamento, sua providência deveria ser, por analogia, a do art.

1 Mestre em direito econômico pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-graduado

em direito fiscal e tributário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM/RJ). Juiz federal substituto na Paraíba. Professor de direito penal do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ).

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28 do CPP (ou art. 62 da LC n. 75), com a remessa dos autos à segunda

instância do MP.

Antes de resolver o problema, é preciso esclarecer um ponto: não existe

arquivamento implícito nem arquivamento indireto de inquérito policial. Só

quem pode determinar arquivamento de inquérito é a autoridade judicial

competente e, mesmo assim, em decisão escrita e fundamentada. O MP não

arquiva inquérito, seja explícita ou implicitamente; ele requer o arquivamento.

Desse modo, tratando-se de ato do MP, pode-se teoricamente falar em pedido

implícito ou pedido indireto de arquivamento.

O Ministério Público recebeu da Constituição de 1988 a prerrogativa de

promover privativamente a ação penal pública. A única exceção é a ação penal

privada subsidiária (art. 5º, LIX, da CF e art. 29 do CPP). Da mesma forma,

para o independente exercício de suas funções, os membros do MP foram

dotados de prerrogativas institucionais, como a independência funcional. Em

razão dela, o membro do MP não pode ser compelido a agir contra sua

consciência. Daí porque, requerendo expressamente o arquivamento de

inquérito policial, não poderá ser compelido a oferecer denúncia.

Como dominus litis, o representante do MP é a autoridade constitucional

com atribuição para decidir sobre a promoção da ação penal. Agindo no prazo

legal, pode o promotor, com liberdade e independência, resolver se oferece

denúncia, se requer diligências ou mesmo se pede o arquivamento do

inquérito. Divergindo do pedido de arquivamento, é tarefa do juiz remeter os

autos ao procurador-geral de justiça (MP estadual) ou à Câmara de Revisão do

MPF (MP federal). Havendo reiteração pelo órgão superior do MP, deve o juiz

proceder ao arquivamento.

A providência do art. 28 do CPP representa exemplo de função anômala

do juiz no exercício da jurisdição penal. Como é dotado de independência

funcional, o representante do MP não pode ser obrigado a denunciar se pediu

arquivamento dos autos. Na mesma linha, se o pedido é corroborado pelo

órgão superior do MP, ninguém mais poderá dar início à ação penal (a ação

penal subsidiária só tem lugar em caso de inércia do MP). Se a instância

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superior do Ministério Público discorda do promotor, deve respeitar a

independência funcional dele, oferecendo pessoalmente a denúncia ou

designando outro promotor para, sob delegação, oferecê-la. Daí a função

anômala do juiz, de acordo com o art. 28 do CPP: fiscalizar a atividade do

promotor, evitando arbitrariedades.

A questão aqui é saber se a prerrogativa da independência funcional se

aplica ao caso em que o promotor de justiça não requer o arquivamento dos

autos, não se mantém inerte no prazo legal mas, ainda assim, não oferece

denúncia contra todos os indiciados ou por todos os fatos. Como acima dito, há

pelo menos duas situações em que isso ocorre com freqüência: a) o MP omite,

na denúncia, indiciados ou fatos investigados sem fundamentar a omissão e

sem se reservar a oportunidade de aditar a denúncia (pedido implícito de

arquivamento); b) alegando a incompetência do juízo perante o qual teria de

oferecer a denúncia, o MP requer ao juiz que remeta os autos do inquérito

policial ao juízo competente ou que suscite o conflito de competência (pedido

indireto de arquivamento).

No primeiro caso, relevante parcela da doutrina sustenta que se o juiz

receber a denúncia da forma como está – sem o pedido de instauração de

ação penal contra todos os indiciados e sem requerimento cumulativo de

diligências, desmembramento ou mesmo reserva para futura denúncia – terá

arquivado implicitamente o inquérito policial com relação aos sujeitos excluídos.

Essa é a doutrina de Paulo Rangel, para quem “o arquivamento implícito

ocorre sempre que há inércia do promotor de justiça e do juiz, que não exerceu

a fiscalização sobre o princípio da obrigatoriedade da ação penal” (RANGEL,

Paulo. Direito processual penal. 12. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2007. p. 186).

Tal raciocínio peca por não levar em conta que, por expressa disposição

constitucional, toda decisão judicial deve ser fundamentada. Não se trata de

simples garantia processual dos indiciados e denunciados, de modo que possa

ser “flexibilizada” se em benefício deles. Trata-se de fundamento de validade e

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legitimidade da função jurisdicional. Não pode, portanto, ser afastada em

hipótese alguma, mesmo em benefício do réu.

Negando a existência de arquivamento implícito com esse fundamento,

diz Júlio Fabbrini Mirabete que, “com a vigência da Constituição de 1988, que

determina sejam fundamentadas as decisões judiciais (art. 93, IX e X), afasta-

se a possibilidade do reconhecimento de um arquivamento implícito, ou seja,

sem requerimento do Ministério Público e sem decisão expressa e

fundamentada da autoridade judiciária competente” (MIRABETE, Júlio Fabbrini.

Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 82).

Se toda decisão judicial tem que ser fundamentada e o arquivamento de

inquérito policial só pode ser feito por decisão judicial, não é possível aceitar

que o juiz arquive autos de inquérito quando recebe denúncia lacunosa

oferecida pelo promotor de justiça. O arquivamento deve ser produto

consciente de atividade cognitiva e volitiva do magistrado, cristalizada no

instrumento constitucional de que dispõe: a decisão judicial necessariamente

fundamentada.

Nos casos em que o promotor de justiça se “esquece” de denunciar um

ou mais indiciados, deve o juiz devolver os autos ao MP para que se pronuncie

sobre os indiciados excluídos. Não são apenas as manifestações do poder

judiciário que devem ser fundamentadas. Também as do Ministério Público

dependem de expressa fundamentação. A devolução dos autos pelo juiz ao

membro do MP visa a provocar essa manifestação, a partir de que poderá

resolver se envia ou não os autos ao procurador-geral de justiça, aplicando o

art. 28 do CPP. Nesse caso, contudo, haverá pedido expresso de

arquivamento.

Assim pensa Eugênio Pacelli de Oliveira, afirmando que, omitindo-se o

promotor de justiça em incluir na denúncia todos os indiciados ou todos os

fatos investigados no inquérito policial, “cumpre ao magistrado renovar a vista

ao órgão do parquet para manifestação expressa sobre a exclusão, não se

admitindo arquivamento implícito.” (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de

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processo penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p.

40).

Na mesma linha, sustentando não existir, tecnicamente, pedido de

arquivamento implícito, afirma Guilherme de Souza Nucci que “cabe ao

representante do Ministério Público oferecer as razões suficientes para

sustentar o seu pedido de arquivamento. Sem elas, devem os autos retornar ao

promotor, a mando do juiz, para que haja a regularização. O mesmo

procedimento deve ser adotado, quando há vários indiciados e o órgão

acusatório oferece denúncia contra alguns, silenciando no tocante aos outros”

(NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3.

ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 160).

Finalmente, o que acontece se também o juiz se “esquece” de

determinar o retorno dos autos ao MP para se manifestar sobre os indiciados

não incluídos na denúncia? A resposta: nada. Enquanto não extinta a

punibilidade, o promotor de justiça continua com a prerrogativa de aditar a

denúncia oferecida ou oferecer nova denúncia contra os indiciados excluídos.

Da mesma forma, os legitimados à promoção da ação penal privada subsidiária

(arts. 30 e 31 do CPP) poderão oferecer queixa-crime contra os excluídos no

prazo decadencial do art. 38 do CPP.

Cumpre agora examinar o segundo caso: o assim chamado pedido de

arquivamento indireto. Eugênio Pacelli de Oliveira define arquivamento indireto

como “a hipótese em que o órgão do Ministério Público, ao invés de requerer o

arquivamento ou o retorno dos autos à polícia para novas diligências, ou,

ainda, de não oferecer a denúncia, manifestar-se no sentido da incompetência

do Juízo perante o qual oficia, recusando, por isso, atribuição para a

apreciação do fato investigado” (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de

processo penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p.

40).

No caso de o juiz discordar dessa manifestação, não lhe sendo possível

determinar ao MP oferecer a denúncia, a solução apresentada pelo autor com

base em decisão do STF, fundada em parecer do então Subprocurador da

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República Cláudio Lemos Fonteles, seria o recebimento da promoção como

pedido indireto de arquivamento, motivando a aplicação do procedimento

previsto no art. 28 do CPP ou art. 62 da LC n. 75/93 (OLIVEIRA, Eugênio

Pacelli. Curso de processo penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del

Rey, 2004. p. 41-2).

Conclui Eugênio Pacelli dizendo que, “como conseqüência, o juiz estaria

e estará subordinado à decisão da última instância do parquet, tal como ocorre

em relação ao arquivamento propriamente dito, ou o arquivamento direto”

(OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 3. ed. rev., atual. e

ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 42).

Na verdade, ao entender o promotor de justiça como incompetente o

juízo perante o qual ofereceria denúncia, poderá requerer ao juiz para declinar

a competência e remeter os autos ao juízo competente. Nesse momento,

abrem-se ao magistrado duas opções: indeferir o pedido simplesmente (com as

providências de praxe) ou aplicar o art. 28 do CPP (ou art. 62 da LC n. 75/93),

remetendo os autos ao procurador-geral de justiça (ou à Câmara de Revisão).

Considere-se inicialmente a segunda alternativa. Se o juiz remete os

autos ao procurador-geral de justiça, este poderá ou não concordar com o

promotor. Discordando do promotor (e concordando com o juiz), oferecerá a

denúncia ou designará outro promotor para oferecê-la em seu lugar. Nesse

caso, não haverá maiores problemas, pois a competência jurisdicional será

mantida, com uniformidade de entendimento entre o MP e o poder judiciário.

Mas o que acontecerá se o procurador-geral de justiça concordar com o

requerimento do promotor? Se fosse o caso de promoção expressa de

arquivamento, a reiteração do pedido pelo procurador-geral obrigaria o juiz a

arquivar o inquérito, conforme determina o art. 28 do CPP. Esse dispositivo,

contudo, limita-se à promoção explícita de arquivamento, não dispondo sobre a

resolução de questões de competência jurisdicional. Apenas por analogia é que

se poderia cogitar de tal aplicação.

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Pois bem. Seguindo essa linha de pensamento, considere-se que o juiz

aplique por analogia o art. 28 do CPP, remetendo os autos ao procurador-geral

de justiça. Concordando com o promotor, o procurador-geral insistirá no pedido

de declinação da competência. Nesse ponto, surge a questão: a reiteração do

PGJ vinculará a decisão do magistrado, traduzindo verdadeira ordem para

declinar a competência?

Para aceitar essa tese é necessário admitir que o Ministério Público

pode resolver conflito de competência entre órgãos jurisdicionais, bem como

expedir ordens a magistrados fora da hipótese expressamente prevista no art.

28 do CPP. Considerando as regras constitucionais, a jurisprudência e a

doutrina sobre o assunto, não parece correto pensar dessa forma.

Os conflitos de competência entre juízos somente podem ser resolvidos

pelos órgãos superiores do poder judiciário, conforme as disposições

constitucionais pertinentes. Se os juízos em conflito são vinculados ao mesmo

tribunal, este será competente. Se vinculados a tribunais diversos, será

competente o STJ. Finalmente, se o conflito envolver tribunal superior,

competirá ao STF resolvê-lo. Nunca ao Ministério Público, por qualquer de

seus órgãos.

Por outro lado, a independência e harmonia entre os órgãos que

representam as funções do poder do Estado (executiva, legislativa e judiciária)

compreendem uma série de restrições recíprocas, mas sempre previstas na

Constituição e nas leis. Um exemplo disso é a obrigatoriedade de o juiz

arquivar o inquérito policial quando o procurador-geral de justiça insistir no

arquivamento requerido pelo promotor. Trata-se de regra excepcional em que o

legislativo determina ao judiciário obedecer a comando emanado do Ministério

Público (para alguns, órgão integrante do poder executivo). Como regra

excepcional, deve ser interpretada restritivamente.

Em razão disso, conclui-se que se certo juiz se considera competente

para processar e julgar determinada causa, apenas um tribunal de hierarquia

superior poderá afastar essa competência. Vige no Brasil o princípio da

competência sobre a competência (Kompetenz-Kompetenz), segundo o qual é

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o poder judiciário que tem a competência para resolver sobre sua própria

competência. Imaginar que o MP possa resolver, em lugar do poder judiciário,

um conflito positivo ou negativo de competência entre juízos é violar esse

princípio e usurpar prerrogativas dos juízes e tribunais.

Nesse ponto, mostra-se interessante examinar a lição de Guilherme de

Souza Nucci. Inicialmente, diz o autor que “caso o juiz, após o pedido de

remessa, julgue-se competente, poderá invocar o preceituado no art. 28, para

que o Procurador-Geral se manifeste. Entendendo este ser o juízo competente,

designará outro promotor para oferecer denúncia. Do contrário, insistirá na

remessa” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução

penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2007. p. 161).

Até aqui, o autor parece concordar com a vinculação do juiz à promoção

do PGJ com base no art. 28 do CPP. Essa idéia, contudo, é imediatamente

afastada nas linhas seguintes, quando trata da hipótese de o juiz não aplicar o

art. 28 do CPP, deixando de remeter os autos ao procurador-geral ou à

Câmara de Revisão.

Afirma Guilherme Nucci que “caso, ainda assim, o magistrado recuse-se

a fazê-lo, cabe ao Ministério Público providenciar as cópias necessárias para

provocar o juízo competente. Assim providenciando, haverá, certamente, a

suscitação de conflito de competência se ambos os juízes se proclamem

competentes para julgar o caso. Logo, a simples inércia da instituição,

recusando-se a denunciar, mas sem tomar outra providência não deve ser

aceita como arquivamento implícito” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de

processo penal e execução penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2007. p. 161).

Ao fim e ao cabo, portanto, a discordância se traduzirá em autêntico

conflito de competência a ser resolvido pelas instâncias superiores do próprio

poder judiciário, não se vinculando o julgador a uma manifestação do

procurador-geral de justiça (ou da Câmara de Revisão) em matéria de

competência jurisdicional.

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Respondendo-se, finalmente, ao questionamento proposto, pode-se

afirmar que manifestação alguma do Ministério Público, ainda que emanada de

sua autoridade máxima, poderá vincular a decisão de juízes e tribunais sobre

sua própria competência. Daí porque se revela inadmissível aplicar por

analogia, a essas hipóteses, o art. 28 do CPP ou o art. 62 da Lei

Complementar n. 75/93.

A solução deverá ser a primeira alternativa apontada. Recebendo os

autos com requerimento do Ministério Público para declinar sua competência,

se discordar, deverá o juiz simplesmente indeferir o pedido e remeter os autos

novamente ao MP para proceder como entender de direito. Caberá ao

promotor de justiça recorrer da decisão do juiz. Se, não recorrendo da decisão,

insistir o MP em não oferecer denúncia e não houver queixa-crime subsidiária,

só restará ao juiz oficiar aos órgãos de correição interna do Ministério Público

para as providências cabíveis.

Em nenhum dos casos examinados haverá arquivamento implícito ou

arquivamento indireto de inquérito policial pelo poder judiciário, nem tampouco

pedido implícito ou indireto de arquivamento pelo Ministério Público. A

necessidade de fundamentação das decisões judiciais e das promoções

ministeriais impede a caracterização dessas figuras que, por esse motivo, não

obstante respeitáveis entendimentos em contrário, não existem no direito

brasileiro.