Arquivos Fluminenses no Contexto ... - Rio de Janeiro · Janeiro (CONEARQ), Programa de...

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  • Apoio

    Uma publicação

  • ARQUIVOSFLUMINENSESNO CONTEXTO

    IBERO-AMERICANO

  • ARQUIVOSFLUMINENSESNO CONTEXTO

    IBERO-AMERICANO

  • Ana Célia RodriguesDomicia Gomes

    Lucia Maria Velloso de OliveiraMaria Teresa Bandeira de Mello

    (organizadoras)

    ARQUIVOSFLUMINENSESNO CONTEXTO

    IBERO-AMERICANO

    EditorLuiz Eugenio Teixeira Leite 43958575749

    Co-editorGrupo de Pesquisa Gênese Documental Arquivística UFF/CNPq

    Rio de Janeiro2019

  • Ana Célia RodriguesDomicia Gomes

    Lucia Maria Velloso de OliveiraMaria Teresa Bandeira de Mello

    (organizadoras)

    ARQUIVOSFLUMINENSESNO CONTEXTO

    IBERO-AMERICANO

    EditorLuiz Eugenio Teixeira Leite 43958575749

    Co-editorGrupo de Pesquisa Gênese Documental Arquivística UFF/CNPq

    Rio de Janeiro2019

  • Arquivos Fluminenses no Contexto Ibero-americano

    ISBN 978-85-93253-01-0

    Pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduaçãoem Ciência da Informação e no Curso de Arquivologia daUniversidade Federal Fluminense (PPGCI/UFF)

    Publicação eletrônica (PDF) lançada em meados de junho de 2019 (1a. edição)

    Organizadoras: Ana Célia RodriguesDomicia GomesLucia Maria Velloso de OliveiraMaria Teresa Bandeira de Mello

    Edição dapublicação eletrônica: EleeteeleCo-edição: Grupo de Pesquisa Gênese Documental Arquivística

    UFF/CNPq

    Revisão do texto: Flavio Mello

    Capa, Projeto Gráficoe Editoração Eletrônica: Luiz Eugenio Teixeira Leite

    Apoio: FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparoà Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro

    CNPq - Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecnológico

    Todos os direitos reservados.

    Uma publicação Apoio

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    Agência Brasileira do ISBN - Bibliotecária Priscila Pena Machado CRB-7/6971

    A772

    Arquivos fluminenses no contexto Ibero-Americano

    [recurso eletrônico] / orgs. Ana Célia Rodrigues

    ...

    [et al.]. ——

    Rio de Janeiro :

    L. E. T. Leite, 2019.

    Dados eletrônicos (pdf).

    ISBN 978-85-93253-01-0

    1.

    Arquivologia. 2. Gestão documental. 3. Arquivos

    públicos. 4. Arquivos e arquivamento (Documentos).

    I. Rodrigues, Ana Célia. II. Gomes,

    Domicia.

    III. Oliveira,

    Lucia Maria Velloso de.

    IV. Mello, Maria Teresa Bandeira de. V. Título.

    CDD 025.17140981

  • ARQUIVOS FLUMINENSESNO CONTEXTO IBERO-AMERICANO

    Apresentação ............................................................................................... 9

    Gestão de documentos, arquivos e acesso à informação

    A dimensão instrumental dos arquivos ...................................................... 11Ana Maria de Almeida Camargo

    O arquivo mais próximo de todos ............................................................... 15Lucia Maria Velloso de Oliveira

    Tudo que não é sólido não se sustenta no ar:o papel da gestão de documentos na era do acesso à informação ............... 21Renato Tarciso Barbosa de Sousa

    Políticas nacionais e estaduais para os arquivos das municipalidades

    O lugar dos arquivos municipais nas políticaspúblicas governamentais em Portugal (1976-2018) ................................... 27Carlos Guardado da Silva

    Arquivos Públicos Municipais:dever do Estado e direito do cidadão ........................................................... 49Domícia Gomes

    O papel dos arquivos municipais à luzdo arcabouço legislativo do Estado Brasileiro ............................................ 59Jaime Antunes da Silva

    Pesquisa sobre a gestão documental e acesso à informação nasprefeituras paulistas: relato de uma experiência ....................................... 73Márcio Amêndola de Oliveira e Armando José Bellinatti

    Políticas públicas e arquivos municipais:a experiência do Arquivo Público do Estado da Bahia ............................... 85Maria Teresa Navarro de Britto Matos

    Políticas para archivos municipales:algunas experiencias nacionales e internacionales .................................... 99Norma Catalina Fenoglio

    Arquivos Fluminenses no Contexto Ibero-americano

    ISBN 978-85-93253-01-0

    Pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação

    em Ciência da Informação e no Curso de Arquivologia da

    Universidade Federal Fluminense (PPGCI/UFF)

    Publicação eletrônica (PDF) lançada em meados de junho de 2019 (1a. edição)

    Organizadoras: Ana Célia Rodrigues

    Domicia Gomes

    Lucia Maria Velloso de Oliveira

    Maria Teresa Bandeira de Mello

    Edição da

    publicação eletrônica: Eleeteele

    Co-edição: Grupo de Pesquisa Gênese Documental Arquivística

    UFF/CNPq

    Revisão do texto: Flavio Mello

    Capa, Projeto Gráfico

    e Editoração Eletrônica: Luiz Eugenio Teixeira Leite

    Apoio: FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo

    à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro

    CNPq - Conselho Nacional de

    Desenvolvimento Científico e Tecnológico

    Todos os direitos reservados.

    Sumário

    Uma publicação Apoio

  • Arquivos municipais na agenda de pesquisa

    Gestão de documentos, arquivos e acesso à informação:identificação dos requisitos da transparência administrativanos municípios do Grande Rio ................................................................... 109Ana Célia Rodrigues

    O projeto “Observatório dos Arquivosda Região Metropolitana de Belo Horizonte” ........................................... 127Cintia Aparecida Chagas Arreguy e Welder Antônio Silva

    En beneficio mutuo: proyectos de colaboraciónentre las universidades y los archivos municipalesde la Comunidad de Madrid ...................................................................... 137Concepción Mendo Carmona

    El Grupo de Archiveros Municipales

    de Madrid: memoria e historia .................................................................. 151Julia María Rodríguez Barredo

    Arquivos municipais fluminenses:produção de conhecimento e experiências em debate

    Arquivos e transparênciaadministrativa no município de Niterói .................................................... 169Amanda Barbosa Vilela e Ana Célia Rodrigues

    Entre a Lei Municipal de Arquivos e a LAI:o AGCRJ e o Programa de Gestão de Documentosna Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro ................................................ 177Beatriz Kushnir

    O arquivo público de Campos dos Goytacazes, RJ ................................... 195Carlos Roberto Bastos Freitas

    O Arquivo Público de Macaé:

    cenário institucional e arquivístico (2005-2016) ....................................... 205Juliana Loureiro Alvim Carvalho

    Sertões do Macacu: Guia do Patrimônio Documental

    da Região Centro-Norte Fluminense ......................................................... 217

    Maria Ana Quaglino

    Identificação do patrimônio documental arquivístico domunicípio de Angra dos Reis, RJ: o Guia do APERJ e a ISDIAHcomo base do instrumento de pesquisa...................................................... 227Martha Myrrha Ribeiro Soares e Ana Célia Rodrigues

    Os arquivos nos municípios da Região Metropolitanado Rio de Janeiro: estudo de identificação das políticas públicasarquivísticas para o acesso à informação .................................................. 243Nádia Dévaki Pena Garcia e Ana Célia Rodrigues

    Programa de Gestão de Documentos do Estado do Rio de Janeiro (PGD-RJ):inovações metodológicas e resultados da prática arquivística

    O Programa de Gestão de Documentos doEstado do Rio de Janeiro (PGD-RJ) como campo de pesquisa ................. 257Ana Célia Rodrigues

    O Programa de Gestão de Documentos doPoder Executivo do Estado do Rio de Janeiro (PGD-RJ)no contexto da gestão de documentos nos estados brasileiros ................... 265Danilo André Cinacchi Bueno

    Gestão de documentos naadministração pública do Estado do Rio de Janeiro .................................. 279Maria Teresa Villela Bandeira de Mello

    Sistema de Identificação de Tipologia Documental (SITD):instrumento técnico de aplicação da metodologiade identificação arquivística no âmbito do PGD-RJ ................................. 287Mariana Batista do Nascimento

    Identificação, classificação e avaliação:estudos de caso de elaboração dos instrumentosdo PGD-RJ no DETRO e DETRAN/RJ ..................................................... 299Patrícia de Mello Silva, Lucas Spadari Carreiro Alves de Lima eThales Vicente de Souza

  • Arquivos municipais na agenda de pesquisa

    Gestão de documentos, arquivos e acesso à informação:identificação dos requisitos da transparência administrativanos municípios do Grande Rio ................................................................... 109Ana Célia Rodrigues

    O projeto “Observatório dos Arquivosda Região Metropolitana de Belo Horizonte” ........................................... 127Cintia Aparecida Chagas Arreguy e Welder Antônio Silva

    En beneficio mutuo: proyectos de colaboraciónentre las universidades y los archivos municipalesde la Comunidad de Madrid ...................................................................... 137Concepción Mendo Carmona

    El Grupo de Archiveros Municipales

    de Madrid: memoria e historia .................................................................. 151Julia María Rodríguez Barredo

    Arquivos municipais fluminenses:produção de conhecimento e experiências em debate

    Arquivos e transparênciaadministrativa no município de Niterói .................................................... 169Amanda Barbosa Vilela e Ana Célia Rodrigues

    Entre a Lei Municipal de Arquivos e a LAI:o AGCRJ e o Programa de Gestão de Documentosna Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro ................................................ 177Beatriz Kushnir

    O arquivo público de Campos dos Goytacazes, RJ ................................... 195Carlos Roberto Bastos Freitas

    O Arquivo Público de Macaé:

    cenário institucional e arquivístico (2005-2016) ....................................... 205Juliana Loureiro Alvim Carvalho

    Sertões do Macacu: Guia do Patrimônio Documental

    da Região Centro-Norte Fluminense ......................................................... 217

    Maria Ana Quaglino

    Identificação do patrimônio documental arquivístico domunicípio de Angra dos Reis, RJ: o Guia do APERJ e a ISDIAHcomo base do instrumento de pesquisa...................................................... 227Martha Myrrha Ribeiro Soares e Ana Célia Rodrigues

    Os arquivos nos municípios da Região Metropolitanado Rio de Janeiro: estudo de identificação das políticas públicasarquivísticas para o acesso à informação .................................................. 243Nádia Dévaki Pena Garcia e Ana Célia Rodrigues

    Programa de Gestão de Documentos do Estado do Rio de Janeiro (PGD-RJ):inovações metodológicas e resultados da prática arquivística

    O Programa de Gestão de Documentos doEstado do Rio de Janeiro (PGD-RJ) como campo de pesquisa ................. 257Ana Célia Rodrigues

    O Programa de Gestão de Documentos doPoder Executivo do Estado do Rio de Janeiro (PGD-RJ)no contexto da gestão de documentos nos estados brasileiros ................... 265Danilo André Cinacchi Bueno

    Gestão de documentos naadministração pública do Estado do Rio de Janeiro .................................. 279Maria Teresa Villela Bandeira de Mello

    Sistema de Identificação de Tipologia Documental (SITD):instrumento técnico de aplicação da metodologiade identificação arquivística no âmbito do PGD-RJ ................................. 287Mariana Batista do Nascimento

    Identificação, classificação e avaliação:estudos de caso de elaboração dos instrumentosdo PGD-RJ no DETRO e DETRAN/RJ ..................................................... 299Patrícia de Mello Silva, Lucas Spadari Carreiro Alves de Lima eThales Vicente de Souza

  • Apresentação

    9

    ste livro é resultado do Projeto Gestão de documentos, arquivos e acesso à

    informação: identificação dos requisitos da transparência administrativa Enos municípios do Grande Rio, desenvolvido por Ana Célia Rodrigues com apoio da FAPERJ (Jovem Cientista Nosso Estado 2015) e do CNPq (Universal 2016),

    no qual estava prevista a realização de seminários envolvendo a universidade e as institui-

    ções arquivísticas públicas.

    Em junho de 2017, realizamos o I Seminário Arquivos Municipais Fluminenses,

    promoção do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade

    Federal Fluminense (PPGCI/UFF) em parceria com o Programa de Pós-Graduação em

    Memória e Acervos da Fundação Casa de Rui Barbosa (PPGMA/FCRB), Arquivo Público

    do Estado do Rio de Janeiro (APERJ) e o Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ),

    com apoio da FAPERJ, do Conselho Estadual de Arquivos do Rio de Janeiro (CONEARQ),

    Programa de Pós-Graduação em Gestão de Documentos e Arquivos da Universidade Fede-

    ral do Estado do Rio de Janeiro (PPGARQ/UNIRIO) e do Arquivo Geral da Cidade do Rio

    de Janeiro (AGCRJ). O evento contou com a presença de especialistas com ampla expe-

    riência na temática relacionada aos arquivos municipais e sua pertinência para os debates

    sobre a aplicação da Lei de Acesso à Informação, refletindo especialmente sobre o estado

    do Rio de Janeiro.

    Ampliamos os debates e realizamos, em novembro de 2018, o Seminário Arquivos

    Fluminenses no Contexto Iberoamericano, evento promovido pelo Grupo de Pesquisa

    Gênese Documental Arquivística (UFF/CNPq) em parceria com o Arquivo Público do Esta-

    do do Rio de Janeiro (APERJ) e o Curso de Arquivologia da Universidade Federal Flumi-

    nense (UFF), com apoio da FAPERJ, CNPq, Câmara Setorial sobre Arquivos Municipais

    do Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), Conselho Estadual de Arquivos do Rio de

    Janeiro (CONEARQ), Programa de Pós-Graduação em Memória e Acervos da Fundação

    Casa de Rui Barbosa (PPGMA/FCRB) e Programa de Pós-Graduação em Ciência da Infor-

    mação da Universidade Federal Fluminense (PPGCI/UFF), com o objetivo de discutir os

    aspectos que envolvem os arquivos públicos, a gestão de documentos e o acesso à informa-

    ção no âmbito nacional e internacional.

  • Apresentação

    9

    ste livro é resultado do Projeto Gestão de documentos, arquivos e acesso à

    informação: identificação dos requisitos da transparência administrativa Enos municípios do Grande Rio, desenvolvido por Ana Célia Rodrigues com apoio da FAPERJ (Jovem Cientista Nosso Estado 2015) e do CNPq (Universal 2016),

    no qual estava prevista a realização de seminários envolvendo a universidade e as institui-

    ções arquivísticas públicas.

    Em junho de 2017, realizamos o I Seminário Arquivos Municipais Fluminenses,

    promoção do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade

    Federal Fluminense (PPGCI/UFF) em parceria com o Programa de Pós-Graduação em

    Memória e Acervos da Fundação Casa de Rui Barbosa (PPGMA/FCRB), Arquivo Público

    do Estado do Rio de Janeiro (APERJ) e o Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ),

    com apoio da FAPERJ, do Conselho Estadual de Arquivos do Rio de Janeiro (CONEARQ),

    Programa de Pós-Graduação em Gestão de Documentos e Arquivos da Universidade Fede-

    ral do Estado do Rio de Janeiro (PPGARQ/UNIRIO) e do Arquivo Geral da Cidade do Rio

    de Janeiro (AGCRJ). O evento contou com a presença de especialistas com ampla expe-

    riência na temática relacionada aos arquivos municipais e sua pertinência para os debates

    sobre a aplicação da Lei de Acesso à Informação, refletindo especialmente sobre o estado

    do Rio de Janeiro.

    Ampliamos os debates e realizamos, em novembro de 2018, o Seminário Arquivos

    Fluminenses no Contexto Ibero-americano, evento promovido pelo Grupo de Pesquisa Gênese Documental Arquivística (UFF/CNPq) em parceria com o Arquivo Público do Estado

    do Rio de Janeiro (APERJ) e o Curso de Arquivologia da Universidade Federal

    Fluminense (UFF), com apoio da FAPERJ, CNPq, Câmara Setorial sobre Arquivos

    Municipais do Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), Conselho Estadual de Arquivos

    do Rio de Janeiro (CONEARQ), Programa de Pós-Graduação em Memória e Acervos da

    Fundação Casa de Rui Barbosa (PPGMA/FCRB) e Programa de Pós-Graduação em Ciência

    da Informação da Universidade Federal Fluminense (PPGCI/UFF), com o objetivo de

    discutir os aspectos que envolvem os arquivos públicos, a gestão de documentos e o acesso à

    informação no âmbito nacional e internacional.

  • A dimensão instrumental dos arquivos

    Ana Maria de Almeida Camargo

    Departamento de História da Faculdade de Filosofia,

    Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

    autológico, redundante, pleonástico... Ao título deste breve ensaio cabem

    perfeitamente esses atributos, todos eles designativos de uma repetição Tdesnecessária de ideias. Ainstrumentalidade, afinal, é algo que caracteriza os arquivos, algo que está no cerne de sua natureza. Como se justifica, então, convertê-la

    em tema a ser abordado? Vejamos.

    Nas comunidades em que a cultura escrita se impôs como prática social

    indispensável, os documentos de arquivo nada mais são que meios para viabilizar

    determinadas ações e para que, uma vez realizadas, tais ações possam ser evocadas. Os

    arquivos nunca são uma finalidade para as pessoas e instituições que os acumulam. Ao

    contrário, são mecanismos que, quando acionados, possibilitam a continuidade de práticas

    rotineiras, garantem direitos, permitem a tomada de decisões e fornecem provas de ações

    pregressas, como rezam os manuais. Mesmo quando se trata de organismo especialmente

    criado para zelar pelo patrimônio documental do país, dos estados ou dos municípios,

    autoproclamando-se guardião da memória e identidade de seus membros, o arquivo - celeiro

    da pesquisa histórica - continua a ostentar a instrumentalidade como sua marca distintiva.

    O preço dessa marca, no entanto, é alto. Ao mesmo tempo em que se mostram

    imprescindíveis, a ponto de ser acumulados em situações de extremo risco para as

    entidades que os produzem , os arquivos carregam consigo a síndrome da invisibilidade.

    Idêntica, aliás, à dos serviços domésticos. Ninguém nota sua existência, a não ser em

    condições especiais, isto é, quando não funcionam ou quando aqueles que respondem por

    seu funcionamento reivindicam melhores condições para dar conta das tarefas que lhes

    competem. Não é à toa que aos arquivos se associam as atividades secundárias e

    subalternas, gerando nos profissionais que neles atuam um sentimento de inferioridade

    cuja contrapartida social é também de desprestígio. Nesse cenário de equívocos, forja-se a

    imagem do arquivista como executor de tarefas mecânicas, apartadas das que

    correspondem às finalidades da instituição; grassa também a ideia de que os sistemas

    informatizados, hoje predominantes em todos os setores, prescindem de sua participação,

    substituindo-o com vantagem.

    1

    1 É o que ocorre com os documentos das organizações clandestinas como o PCC (Primeiro Comando da Capital), cujos arquivos são mantidos nas próprias unidades prisionais que lhes servem de quartel-general.

    1110

    Este livro Arquivos Fluminenses no Contexto Ibero-americano reúne a coletânea dos textos apresentados nos dois seminários, que destacam os diálogos entre a produção do

    conhecimento e a experiência profissional, enfatizando a cooperação institucional como

    contribuição para as políticas arquivísticas municipal, estadual e nacional, requisito do

    acesso à informação pública como um direito fundamental.

    A cooperação foi o princípio que nos uniu e norteou nosso esforço coletivo para

    a realização destes encontros e a sistematização destas reflexões, e reafirma o

    compromisso das entidades e instituições que representamos e daquelas que foram

    nossas parceiras, das nossas equipes de pesquisadores e profissionais, em especial o

    Grupo de Pesquisa Gênese Documental Arquivística UFF/CNPq, aos quais

    agradecemos o fundamental apoio para alcançarmos estes resultados.

    Ana Célia Rodrigues

    Universidade Federal Fluminense

    Domícia Gomes

    Conselho Nacional de Arquivos

    Lucia Maria Velloso de Oliveira

    Universidade Federal Fluminense

    Maria Teresa Bandeira de Mello

    Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro

  • A dimensão instrumental dos arquivos

    Ana Maria de Almeida Camargo

    Departamento de História da Faculdade de Filosofia,

    Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

    autológico, redundante, pleonástico... Ao título deste breve ensaio cabem

    perfeitamente esses atributos, todos eles designativos de uma repetição Tdesnecessária de ideias. A instrumentalidade, afinal, é algo que caracteriza os arquivos, algo que está no cerne de sua natureza. Como se justifica, então, convertê-la

    em tema a ser abordado? Vejamos.

    Nas comunidades em que a cultura escrita se impôs como prática social

    indispensável, os documentos de arquivo nada mais são que meios para viabilizar

    determinadas ações e para que, uma vez realizadas, tais ações possam ser evocadas. Os

    arquivos nunca são uma finalidade para as pessoas e instituições que os acumulam. Ao

    contrário, são mecanismos que, quando acionados, possibilitam a continuidade de práticas

    rotineiras, garantem direitos, permitem a tomada de decisões e fornecem provas de ações

    pregressas, como rezam os manuais. Mesmo quando se trata de organismo especialmente

    criado para zelar pelo patrimônio documental do país, dos estados ou dos municípios,

    autoproclamando-se guardião da memória e identidade de seus membros, o arquivo - celeiro

    da pesquisa histórica - continua a ostentar a instrumentalidade como sua marca distintiva.

    O preço dessa marca, no entanto, é alto. Ao mesmo tempo em que se mostram

    imprescindíveis, a ponto de ser acumulados em situações de extremo risco para as

    entidades que os produzem , os arquivos carregam consigo a síndrome da invisibilidade.

    Idêntica, aliás, à dos serviços domésticos. Ninguém nota sua existência, a não ser em

    condições especiais, isto é, quando não funcionam ou quando aqueles que respondem por

    seu funcionamento reivindicam melhores condições para dar conta das tarefas que lhes

    competem. Não é à toa que aos arquivos se associam as atividades secundárias e

    subalternas, gerando nos profissionais que neles atuam um sentimento de inferioridade

    cuja contrapartida social é também de desprestígio. Nesse cenário de equívocos, forja-se a

    imagem do arquivista como executor de tarefas mecânicas, apartadas das que

    correspondem às finalidades da instituição; grassa também a ideia de que os sistemas

    informatizados, hoje predominantes em todos os setores, prescindem de sua participação,

    substituindo-o com vantagem.

    1

    1 É o que ocorre com os documentos das organizações clandestinas como o PCC (Primeiro Comando da Capital), cujos arquivos são mantidos nas próprias unidades prisionais que lhes servem de quartel-general.

    1110

    Este livro Arquivos Fluminenses no Contexto Iberoamericano reúne a coletânea

    dos textos apresentados nos dois seminários, que destacam os diálogos entre a produção do

    conhecimento e a experiência profissional, enfatizando a cooperação institucional como

    contribuição para as políticas arquivísticas municipal, estadual e nacional, requisito do

    acesso à informação pública como um direito fundamental.

    A cooperação foi o princípio que nos uniu e norteou nosso esforço coletivo para a

    realização destes encontros e a sistematização destas reflexões, e reafirma o compromisso

    das entidades e instituições que representamos e daquelas que foram nossas parceiras, das

    nossas equipes de pesquisadores e profissionais, em especial o Grupo de Pesquisa Gênese

    Documental Arquivística UFF/CNPq, aos quais agradecemos o fundamental apoio para

    alcançarmos estes resultados.

    Ana Célia Rodrigues

    Universidade Federal Fluminense

    Domícia Gomes

    Conselho Nacional de Arquivos

    Lucia Maria Velloso de Oliveira

    Universidade Federal Fluminense

    Maria Teresa Bandeira de Mello

    Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro

  • A invisibilidade dos arquivos assume inúmeras facetas. A mais estranha é a que os

    esconde até mesmo dos que lhes são muito próximos, como acontece com os prefeitos de

    várias cidades. Instados a fornecer indicadores que os auxiliem na elaboração de planos de

    desenvolvimento urbano, na formulação de programas sociais e no cumprimento de um

    sem número de exigências legais, optam por obtê-los por meio de contratação de

    assessorias externas em lugar de recorrer aos serviços do arquivo municipal.

    Os arquivos ficam invisíveis quando diluídos "no mar da informação", como bem

    observou Stephen Harries . Trata-se de fenômeno que se expande cada vez mais. Não por

    acaso a norma ISO de 2016 define o documento de arquivo como "informação criada,

    recebida e mantida" por uma organização ou pessoa... Nos ambientes digitais em que

    vivemos, os documentos evanescem e cedem lugar a dados e informações, que se

    convertem em elementos estruturantes dos sistemas de gestão e favorecem a retórica com

    que os profissionais de arquivo procuram compensar o capitis diminutio a que se sentem

    condenados. Em certas comunidades, afirmam Cotte e Desprès-Lonnet , parece mais nobre

    "dizer que geramos informação, em lugar de dizer que nos ocupamos com a circulação e a

    conservação de documentos".

    A invisibilidade dos documentos de arquivo torna-se mais acentuada à medida que

    o uso intensivo da informática faz com que fique imperceptível a descontinuidade entre a

    ação e o documento que lhe serve de veículo. Nem os usuários dos sistemas informatizados

    se veem ou são vistos como produtores de documentos, nem aquilo que efetivamente

    produzem vai para o arquivo, lugar que continua a ser identificado como reservatório de

    elementos "estáticos" .

    Os arquivos são invisíveis, por fim, para uma série de autores, cujas reflexões,

    apesar de incidirem sobre os documentos de arquivo, passam ao largo dos conceitos da

    disciplina. Se os profissionais da área se deixam assombrar pelo sentido literal da palavra, a

    ponto de considerar que as obras de Foucault, Derrida e Roudinesco contêm aportes

    significativos para a compreensão dos arquivos, há teóricos que elegem outras vias para

    falar desses mesmos documentos, ignorando os conceitos e princípios da Arquivologia. Os

    adeptos da gestão do conhecimento são um bom exemplo desse diversionismo, e já contam

    com vasta produção entre nós. Mas há outros.

    2

    3

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    Para estudar os documentos necessários à administração doméstica e às relações do

    indivíduo com o Estado, a partir de uma abordagem tipológica, Claudine Dardy lança mão

    da etnologia dos objetos da cultura escrita e da antropologia social. De modo similar,

    Béatrice Fraenkel teoriza, em suas obras, sobre os chamados “atos de escritura”. Manuel

    Zacklad , por sua vez, em pesquisas sobre as estratégias para estabilizar fóruns de

    discussão, processos de criação coletiva e transações comunicacionais em instituições

    públicas e privadas, mobiliza os conceitos de "documentos para a ação" e

    "documentarização", no âmbito da engenharia do conhecimento. E o caráter performático

    dos documentos de arquivo vem sendo tratado a partir da "documentalidade", de Maurizio

    Ferraris , e da "teoria dos atos dos documentos", de Barry Smith .

    Poderíamos ampliar o repertório, estendendo-o para outros indícios da invisibilidade

    crônica dos arquivos. Fica aqui, no entanto, um convite para refletir sobre o tema, mapear

    suas manifestações de modo mais sistemático, aventar hipóteses explicativas para o

    problema e, quem sabe, apontar os caminhos que devemos percorrer para contorná-lo.

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    2 HARRIES, Stephen. Records management and knowledge mobilisation: a handbook for regulation, innovation and transformation. Cambridge: Chandos, 2012. p. 14-15.

    3 ISO 15489-1:2016 - Information and Documentation - Records Management.

    4 COTTE, Dominique; DESPRÈS-LONNET, Marie. Information et document numérique: entre métaphore et matérialité. Sciences de la Société, n. 68, p. 81-92, maio 2006.

    5 MAUREL, Dominique; BERGERON, Pierrette. Quel rôle pour les archivistes dans la gestion de la mémoire organisationnelle? Archives, v. 40, n. 2, p. 27-44, 2008-2009.

    6 Ver, de Claudine Dardy: Identités de papiers (Paris: Lieu Commun, 1990), Objects écrits et graphiques à identifier: les bibelot de la culture écrit (Paris: L'Harmattan, 2004) e Un genre universitaire: le rapport de soutenance de thèse (Villeneuve-d'Ascq-Nord: Presses Universitaires du Septentrion, 2002; em colaboração).

    7 Ver, de Béatrice Fraenkel, os artigos: Actes écrits, actes oraux: la performativité à l'épreuve de l'écriture (Études de Communication, v. 29, p. 1-18, 2006) e Actes d'écriture: quand écrire c'est faire (Langage et Société, n. 121-122, p. 101-11, 2007).

    8 Ver, de Manuel Zacklad: Ingénierie des connaissances (Paris: Eyrolles, 2000; em colaboração), Ingénierie et capitalisation des connaissances (Paris: Hermes Science Publications, 2001; em colaboração) e Annotations dans les documents pour l'action (Paris: Lavoisier, 2007; em colaboração).

    9 Ver, de Maurizio Ferraris: Documentalità: perché è necessário lasciar trace (Roma-Bari: Laterza, 2009), Documentality: or why nothing social exists beyond the text (in: KANZIAN, C; RUNNGGALDIER, E. ,ed. Cultures, conflict: analysis, dialogue. Frankfurt: Ontos, 2007. p. 385-401), Collective intentionality or documentality? (Philosophy and Social Criticism, v. 41, n. 4-5, p. 423-33, 2015) e Documentality as the construction of social reality (in: GEPHART, Werner; SUNTRUP, Jan Christoph, ed. The normative structure of human civilization readings in John Searle's social ontology. Frankfurt: Vittorio Klostermann, 2017. p. 33-47).

    10 Ver, de Barry Smith: How to do things with documents (Rivista di Estetica, v. 50, n. 2, p. 179-198, 2012) e Document acts (in: KONZELMANN-ZIV, A.; SCHMID, H. B., ed. Institutions, emotions, and group agents: contributions to social ontology. Dordrecht: Springer, 2014. p. 19-31).

    A dimensão instrumental dos arquivos Ana Maria de Almeida Camargo

    1312

  • A invisibilidade dos arquivos assume inúmeras facetas. A mais estranha é a que os

    esconde até mesmo dos que lhes são muito próximos, como acontece com os prefeitos de

    várias cidades. Instados a fornecer indicadores que os auxiliem na elaboração de planos de

    desenvolvimento urbano, na formulação de programas sociais e no cumprimento de um

    sem número de exigências legais, optam por obtê-los por meio de contratação de

    assessorias externas em lugar de recorrer aos serviços do arquivo municipal.

    Os arquivos ficam invisíveis quando diluídos "no mar da informação", como bem

    observou Stephen Harries . Trata-se de fenômeno que se expande cada vez mais. Não por

    acaso a norma ISO de 2016 define o documento de arquivo como "informação criada,

    recebida e mantida" por uma organização ou pessoa... Nos ambientes digitais em que

    vivemos, os documentos evanescem e cedem lugar a dados e informações, que se

    convertem em elementos estruturantes dos sistemas de gestão e favorecem a retórica com

    que os profissionais de arquivo procuram compensar o capitis diminutio a que se sentem

    condenados. Em certas comunidades, afirmam Cotte e Desprès-Lonnet , parece mais nobre

    "dizer que geramos informação, em lugar de dizer que nos ocupamos com a circulação e a

    conservação de documentos".

    A invisibilidade dos documentos de arquivo torna-se mais acentuada à medida que

    o uso intensivo da informática faz com que fique imperceptível a descontinuidade entre a

    ação e o documento que lhe serve de veículo. Nem os usuários dos sistemas informatizados

    se veem ou são vistos como produtores de documentos, nem aquilo que efetivamente

    produzem vai para o arquivo, lugar que continua a ser identificado como reservatório de

    elementos "estáticos" .

    Os arquivos são invisíveis, por fim, para uma série de autores, cujas reflexões,

    apesar de incidirem sobre os documentos de arquivo, passam ao largo dos conceitos da

    disciplina. Se os profissionais da área se deixam assombrar pelo sentido literal da palavra, a

    ponto de considerar que as obras de Foucault, Derrida e Roudinesco contêm aportes

    significativos para a compreensão dos arquivos, há teóricos que elegem outras vias para

    falar desses mesmos documentos, ignorando os conceitos e princípios da Arquivologia. Os

    adeptos da gestão do conhecimento são um bom exemplo desse diversionismo, e já contam

    com vasta produção entre nós. Mas há outros.

    2

    3

    4

    5

    Para estudar os documentos necessários à administração doméstica e às relações do

    indivíduo com o Estado, a partir de uma abordagem tipológica, Claudine Dardy lança mão

    da etnologia dos objetos da cultura escrita e da antropologia social. De modo similar,

    Béatrice Fraenkel teoriza, em suas obras, sobre os chamados “atos de escritura”. Manuel

    Zacklad , por sua vez, em pesquisas sobre as estratégias para estabilizar fóruns de

    discussão, processos de criação coletiva e transações comunicacionais em instituições

    públicas e privadas, mobiliza os conceitos de "documentos para a ação" e

    "documentarização", no âmbito da engenharia do conhecimento. E o caráter performático

    dos documentos de arquivo vem sendo tratado a partir da "documentalidade", de Maurizio

    Ferraris , e da "teoria dos atos dos documentos", de Barry Smith .

    Poderíamos ampliar o repertório, estendendo-o para outros indícios da invisibilidade

    crônica dos arquivos. Fica aqui, no entanto, um convite para refletir sobre o tema, mapear

    suas manifestações de modo mais sistemático, aventar hipóteses explicativas para o

    problema e, quem sabe, apontar os caminhos que devemos percorrer para contorná-lo.

    6

    7

    8

    9 10

    2 HARRIES, Stephen. Records management and knowledge mobilisation: a handbook for regulation, innovation and transformation. Cambridge: Chandos, 2012. p. 14-15.

    3 ISO 15489-1:2016 - Information and Documentation - Records Management.

    4 COTTE, Dominique; DESPRÈS-LONNET, Marie. Information et document numérique: entre métaphore et matérialité. Sciences de la Société, n. 68, p. 81-92, maio 2006.

    5 MAUREL, Dominique; BERGERON, Pierrette. Quel rôle pour les archivistes dans la gestion de la mémoire organisationnelle? Archives, v. 40, n. 2, p. 27-44, 2008-2009.

    6 Ver, de Claudine Dardy: Identités de papiers (Paris: Lieu Commun, 1990), Objects écrits et graphiques à identifier: les bibelot de la culture écrit (Paris: L'Harmattan, 2004) e Un genre universitaire: le rapport de soutenance de thèse (Villeneuve-d'Ascq-Nord: Presses Universitaires du Septentrion, 2002; em colaboração).

    7 Ver, de Béatrice Fraenkel, os artigos: Actes écrits, actes oraux: la performativité à l'épreuve de l'écriture (Études de Communication, v. 29, p. 1-18, 2006) e Actes d'écriture: quand écrire c'est faire (Langage et Société, n. 121-122, p. 101-11, 2007).

    8 Ver, de Manuel Zacklad: Ingénierie des connaissances (Paris: Eyrolles, 2000; em colaboração), Ingénierie et capitalisation des connaissances (Paris: Hermes Science Publications, 2001; em colaboração) e Annotations dans les documents pour l'action (Paris: Lavoisier, 2007; em colaboração).

    9 Ver, de Maurizio Ferraris: Documentalità: perché è necessário lasciar trace (Roma-Bari: Laterza, 2009), Documentality: or why nothing social exists beyond the text (in: KANZIAN, C; RUNNGGALDIER, E. ,ed. Cultures, conflict: analysis, dialogue. Frankfurt: Ontos, 2007. p. 385-401), Collective intentionality or documentality? (Philosophy and Social Criticism, v. 41, n. 4-5, p. 423-33, 2015) e Documentality as the construction of social reality (in: GEPHART, Werner; SUNTRUP, Jan Christoph, ed. The normative structure of human civilization readings in John Searle's social ontology. Frankfurt: Vittorio Klostermann, 2017. p. 33-47).

    10 Ver, de Barry Smith: How to do things with documents (Rivista di Estetica, v. 50, n. 2, p. 179-198, 2012) e Document acts (in: KONZELMANN-ZIV, A.; SCHMID, H. B., ed. Institutions, emotions, and group agents: contributions to social ontology. Dordrecht: Springer, 2014. p. 19-31).

    A dimensão instrumental dos arquivos Ana Maria de Almeida Camargo

    1312

  • O arquivo mais próximo de todos

    Lucia Maria Velloso de Oliveira

    Universidade Federal Fluminense

    ossa reflexão que será apresentada a seguir parte do princípio de que os

    arquivos devem ser plurais. Ao mesmo tempo que devem cumprir sua Nfunção de autoridade em relação à autenticidade e oferecer à sociedade a segurança de que os documentos que custodia são confiáveis para fins de prova e de pesqui-

    sa, devem permitir e acolher as diferenças, resgatar o referencial do cidadão comum, e ofe-

    recer os indícios e documentos para que os cidadãos usufruam de mecanismos e instrumen-

    tos que os levem ao pertencimento e à lembrança.

    Identificar os arquivos públicos como um espaço de encontro entre o cidadão e sua

    história faz parte da história da arquivologia. No imaginário da arquivologia mais alinhada

    com uma perspectiva convencional, que entende o documento de arquivo como documento

    jurídico-administrativo, os arquivos públicos deveriam apenas se preocupar com a gestão e

    preservação de documentos públicos, e, com isso, em linhas gerais, poderíamos assumir que a

    história de uma sociedade estaria preservada para as gerações futuras. A história da Arquivolo-

    gia assinala a vocação dos arquivos como lugar de preservação e de autoridade em relação aos

    documentos, desde a Antiguidade. Os arquivos estão historicamente associados aos governos,

    à realeza, ao clero e aos notários, ou, melhor dizendo, ao Estado e às classes dominantes. Tal

    percurso revela arquivos onde primordialmente se encontram documentos que falam das rela-

    ções entre indivíduos e instituições. Mas paradoxalmente essa trajetória não assegurou uma

    aproximação do cidadão com o arquivo. E essa percepção é o objeto de nossa reflexão.

    Mas do que estamos falando quando identificamos um documento de arquivo?

    O conceito de documento de arquivo não é pacificado. No Multilingual Archival

    Terminology encontramos a seguinte definição:

    Informação produzida, recebida, e mantida como prova ou para fins informati-vos por uma organização ou pessoa, no desempenho de suas obrigações legais ou de negócios. (Tradução da autora).

    Já o Dictionnaire de terminologie archivistique, do Arquivo Nacional da França,

    define documento de arquivo como: “Conjunto constituído de suporte e de informação

    utilizado como prova ou para fins de consulta. Típico dos arquivos.” (DIRECTION DES

    ARCHIVES DE FRANCE , 2002, p. 17).

    E, no Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística, não encontramos um

    conceito para documento de arquivo.

    Inegavelmente, os arquivos são constituídos por documentos que são vinculados a

    processos funcionalmente interligados. O documento de arquivo se insere numa cadeia de

    15

  • O arquivo mais próximo de todos

    Lucia Maria Velloso de Oliveira

    Universidade Federal Fluminense

    ossa reflexão que será apresentada a seguir parte do princípio de que os

    arquivos devem ser plurais. Ao mesmo tempo que devem cumprir sua Nfunção de autoridade em relação à autenticidade e oferecer à sociedade a segurança de que os documentos que custodia são confiáveis para fins de prova e de pesqui-

    sa, devem permitir e acolher as diferenças, resgatar o referencial do cidadão comum, e ofe-

    recer os indícios e documentos para que os cidadãos usufruam de mecanismos e instrumen-

    tos que os levem ao pertencimento e à lembrança.

    Identificar os arquivos públicos como um espaço de encontro entre o cidadão e sua

    história faz parte da história da arquivologia. No imaginário da arquivologia mais alinhada

    com uma perspectiva convencional, que entende o documento de arquivo como documento

    jurídico-administrativo, os arquivos públicos deveriam apenas se preocupar com a gestão e

    preservação de documentos públicos, e, com isso, em linhas gerais, poderíamos assumir que a

    história de uma sociedade estaria preservada para as gerações futuras. A história da Arquivolo-

    gia assinala a vocação dos arquivos como lugar de preservação e de autoridade em relação aos

    documentos, desde a Antiguidade. Os arquivos estão historicamente associados aos governos,

    à realeza, ao clero e aos notários, ou, melhor dizendo, ao Estado e às classes dominantes. Tal

    percurso revela arquivos onde primordialmente se encontram documentos que falam das rela-

    ções entre indivíduos e instituições. Mas paradoxalmente essa trajetória não assegurou uma

    aproximação do cidadão com o arquivo. E essa percepção é o objeto de nossa reflexão.

    Mas do que estamos falando quando identificamos um documento de arquivo?

    O conceito de documento de arquivo não é pacificado. No Multilingual Archival

    Terminology encontramos a seguinte definição:

    Informação produzida, recebida, e mantida como prova ou para fins informati-vos por uma organização ou pessoa, no desempenho de suas obrigações legais ou de negócios. (Tradução da autora).

    Já o Dictionnaire de terminologie archivistique, do Arquivo Nacional da França,

    define documento de arquivo como: “Conjunto constituído de suporte e de informação

    utilizado como prova ou para fins de consulta. Típico dos arquivos.” (DIRECTION DES

    ARCHIVES DE FRANCE , 2002, p. 17).

    E, no Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística, não encontramos um

    conceito para documento de arquivo.

    Inegavelmente, os arquivos são constituídos por documentos que são vinculados a

    processos funcionalmente interligados. O documento de arquivo se insere numa cadeia de

    15

  • atividades vinculadas e voltadas para atingir um objetivo, que invariavelmente está associ-

    ado à missão do produtor do arquivo. Sabemos que a missão é a razão da organização existir

    e que sua declaração deve indicar porque existe, o que faz e para quem faz. A seguir, vamos

    identificar como alguns arquivos públicos identificam sua missão institucional.

    O Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, em seu sítio, descreve sua missão como:

    Os Arquivos devem atender às demandas do próprio Estado na tomada de deci-sões político-administrativas. Igualmente precisam satisfazer aos cidadãos em busca de provas para defesa de seus direitos. Além, é claro, de facilitar o acesso às informações, auxiliar na produção de conhecimento acadêmico.

    Os Arquivos são constituídos como condição primeira de registros das ações administrativas do Estado ou do Poder Público. Assim, lhes servem de elemen-tos de prova e informação na comprovação de direitos. Cumprindo sua missão institucional ou legal.

    Existem, portanto, primeiramente para atender à Governança por meio da ges-tão. E findo o trâmite e o processo administrativo, para embasar a produção de conhecimento, atendendo, portanto, ao campo do Legado.

    Os Arquivos Públicos têm legitimamente uma missão híbrida: precisam empre-ender, no Governo, programas de gestão de documentos, viés da Governança. Possibilitando o controle sobre a massa documental produzida, autorizando os descartes legalmente permitidos e fomentando a transferência da parcela de caráter permanente aos seus depósitos, como órgão central.

    Devem estar envolvidos na construção de políticas de transparência, de dados abertos, da composição de processos administrativos eletrônicos, das políticas de "governo sem papel", bem como garantindo o acesso sem negligenciar o tratamento, a preservação, a transferência de suporte e a disseminação de fontes de interesse para a História e para a defesa de direitos de cidadania, viés Social.

    De um lado, conservando o seu papel histórico e socialmente destinado, o AGCRJ tem como função o recolhimento, a preservação e a organização dos fundos documentais produzidos pelo governo no âmbito municipal, além dos arquivos privados em depósito. Essas etapas são fundamentais para que os docu-mentos possam cumprir suas funções informativas e/ou probatórias. Nesse sentido, ampliando o diálogo com o conjunto da Prefeitura do Rio, o AGCRJ tem implementado ações primordiais para instituir uma Política de Gestão Docu-mental nos órgãos da municipalidade carioca.

    Coadunando-se com a ampliação do acesso e a transparência das ações de Esta-do, nos exemplos acima descritos, há a instituição da Lei de Acesso à Informa-ção (LAI) – Lei Federal nº 12.527/2011 –, no mesmo dia em que se constituiu a Comissão Nacional da Verdade. A LAI, que regulamenta o direito à informação pública expresso na Constituição Federal de 1988, deveria permitir que os Arquivos, ao instituírem suas missões, possibilitassem a transparência em sua administração .1

    O Arquivo Histórico Municipal de São Paulo não denomina sua missão apesar de

    apresentá-la sob o título organização:

    O Arquivo Histórico Municipal, Departamento da Secretaria Municipal de Cultura, é responsável pela guarda permanente, identificação, ordenação, con-servação e divulgação do valioso conjunto documental produzido pela adminis-tração pública municipal desde meados do século XVI até a primeira metade do século XX. O Acervo, de valor probatório e histórico-cultural, é fonte impres-cindível para a recuperação de informações sobre a história de São Paulo e cus-todia os documentos considerados mais antigos da América Latina - as Atas da Câmara de Santo André da Borda do Campo (1555-1558).

    Já o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH) identifica o seu objeti-

    vo como:

    A preservação sistemática dos acervos documentais produzidos e recebidos pelo Poder Executivo e Legislativo Municipal, bem como dos documentos privados de interesse público, visando à eficiência e à transparência das operações da administração pública, à pesquisa científica, à proteção dos direitos do cidadão e ao desenvolvimento da identidade local.

    Por meio da gestão documental, o APCBH vem trabalhando para garantir o recolhimento do patrimônio documental de órgãos e unidades funcionais públi-cas municipais, aplicando nesses acervos as devidas técnicas de arranjo, descri-ção e preservação, possibilitando-lhes a divulgação mediante instrumentos de acesso, pesquisas científicas .

    Escolhemos os arquivos dessas três cidades com tradição arquivistica a título de amos-

    tragem e percebemos que o principal foco na missão institucional é a documentação pública

    produzida no poder Executivo. Tal objetivo central está alinhado com a legislação federal,

    mais especificamente com o Capítulo IV da Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991, que trata da

    organização e administração de instituições arquivísticas públicas. De acordo com a Lei:

    Art. 17 - A administração da documentação pública ou de caráter público com-pete às instituições arquivísticas federais, estaduais, do Distrito Federal e muni-cipais.

    § 1º - São Arquivos Federais o Arquivo Nacional, os do Poder Executivo, e os arquivos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. São considerados, também, do Poder Executivo os arquivos do Ministério da Marinha, do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério do Exército e do Ministério da Aeronáutica.

    § 2º - São Arquivos Estaduais os arquivos do Poder Executivo, o arquivo do Poder Legislativo e o arquivo do Poder Judiciário.

    2

    3

    2 Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/arquivo_historico/ arquivo_historico/index.php?p=1115. Acesso em 9 abr. 2019.

    3 Disponível em: https://prefeitura.pbh.gov.br/fundacao-municipal-de-cultura/arquivo-publico. Acesso em: 11 abr. 2019.

    O arquivo mais próximo de todos Lucia Maria Velloso de Oliveira

    1 Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/arquivogeral/a-missao-do-arquivo;jsessionid=3F74F84E62DA45709701A0562204BD7F.liferay-inst1. Acesso em: 10 abr. 2019.

    1716

  • atividades vinculadas e voltadas para atingir um objetivo, que invariavelmente está associ-

    ado à missão do produtor do arquivo. Sabemos que a missão é a razão da organização existir

    e que sua declaração deve indicar porque existe, o que faz e para quem faz. A seguir, vamos

    identificar como alguns arquivos públicos identificam sua missão institucional.

    O Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, em seu sítio, descreve sua missão como:

    Os Arquivos devem atender às demandas do próprio Estado na tomada de deci-sões político-administrativas. Igualmente precisam satisfazer aos cidadãos em busca de provas para defesa de seus direitos. Além, é claro, de facilitar o acesso às informações, auxiliar na produção de conhecimento acadêmico.

    Os Arquivos são constituídos como condição primeira de registros das ações administrativas do Estado ou do Poder Público. Assim, lhes servem de elemen-tos de prova e informação na comprovação de direitos. Cumprindo sua missão institucional ou legal.

    Existem, portanto, primeiramente para atender à Governança por meio da ges-tão. E findo o trâmite e o processo administrativo, para embasar a produção de conhecimento, atendendo, portanto, ao campo do Legado.

    Os Arquivos Públicos têm legitimamente uma missão híbrida: precisam empre-ender, no Governo, programas de gestão de documentos, viés da Governança. Possibilitando o controle sobre a massa documental produzida, autorizando os descartes legalmente permitidos e fomentando a transferência da parcela de caráter permanente aos seus depósitos, como órgão central.

    Devem estar envolvidos na construção de políticas de transparência, de dados abertos, da composição de processos administrativos eletrônicos, das políticas de "governo sem papel", bem como garantindo o acesso sem negligenciar o tratamento, a preservação, a transferência de suporte e a disseminação de fontes de interesse para a História e para a defesa de direitos de cidadania, viés Social.

    De um lado, conservando o seu papel histórico e socialmente destinado, o AGCRJ tem como função o recolhimento, a preservação e a organização dos fundos documentais produzidos pelo governo no âmbito municipal, além dos arquivos privados em depósito. Essas etapas são fundamentais para que os docu-mentos possam cumprir suas funções informativas e/ou probatórias. Nesse sentido, ampliando o diálogo com o conjunto da Prefeitura do Rio, o AGCRJ tem implementado ações primordiais para instituir uma Política de Gestão Docu-mental nos órgãos da municipalidade carioca.

    Coadunando-se com a ampliação do acesso e a transparência das ações de Esta-do, nos exemplos acima descritos, há a instituição da Lei de Acesso à Informa-ção (LAI) – Lei Federal nº 12.527/2011 –, no mesmo dia em que se constituiu a Comissão Nacional da Verdade. A LAI, que regulamenta o direito à informação pública expresso na Constituição Federal de 1988, deveria permitir que os Arquivos, ao instituírem suas missões, possibilitassem a transparência em sua administração .1

    O Arquivo Histórico Municipal de São Paulo não denomina sua missão apesar de

    apresentá-la sob o título organização:

    O Arquivo Histórico Municipal, Departamento da Secretaria Municipal de Cultura, é responsável pela guarda permanente, identificação, ordenação, con-servação e divulgação do valioso conjunto documental produzido pela adminis-tração pública municipal desde meados do século XVI até a primeira metade do século XX. O Acervo, de valor probatório e histórico-cultural, é fonte impres-cindível para a recuperação de informações sobre a história de São Paulo e cus-todia os documentos considerados mais antigos da América Latina - as Atas da Câmara de Santo André da Borda do Campo (1555-1558).

    Já o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH) identifica o seu objeti-

    vo como:

    A preservação sistemática dos acervos documentais produzidos e recebidos pelo Poder Executivo e Legislativo Municipal, bem como dos documentos privados de interesse público, visando à eficiência e à transparência das operações da administração pública, à pesquisa científica, à proteção dos direitos do cidadão e ao desenvolvimento da identidade local.

    Por meio da gestão documental, o APCBH vem trabalhando para garantir o recolhimento do patrimônio documental de órgãos e unidades funcionais públi-cas municipais, aplicando nesses acervos as devidas técnicas de arranjo, descri-ção e preservação, possibilitando-lhes a divulgação mediante instrumentos de acesso, pesquisas científicas .

    Escolhemos os arquivos dessas três cidades com tradição arquivistica a título de amos-

    tragem e percebemos que o principal foco na missão institucional é a documentação pública

    produzida no poder Executivo. Tal objetivo central está alinhado com a legislação federal,

    mais especificamente com o Capítulo IV da Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991, que trata da

    organização e administração de instituições arquivísticas públicas. De acordo com a Lei:

    Art. 17 - A administração da documentação pública ou de caráter público com-pete às instituições arquivísticas federais, estaduais, do Distrito Federal e muni-cipais.

    § 1º - São Arquivos Federais o Arquivo Nacional, os do Poder Executivo, e os arquivos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. São considerados, também, do Poder Executivo os arquivos do Ministério da Marinha, do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério do Exército e do Ministério da Aeronáutica.

    § 2º - São Arquivos Estaduais os arquivos do Poder Executivo, o arquivo do Poder Legislativo e o arquivo do Poder Judiciário.

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    2 Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/arquivo_historico/ arquivo_historico/index.php?p=1115. Acesso em 9 abr. 2019.

    3 Disponível em: https://prefeitura.pbh.gov.br/fundacao-municipal-de-cultura/arquivo-publico. Acesso em: 11 abr. 2019.

    O arquivo mais próximo de todos Lucia Maria Velloso de Oliveira

    1 Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/arquivogeral/a-missao-do-arquivo;jsessionid=3F74F84E62DA45709701A0562204BD7F.liferay-inst1. Acesso em: 10 abr. 2019.

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  • § 3º - São Arquivos do Distrito Federal o arquivo do Poder Executivo, o Arquivo do Poder Legislativo e o arquivo do Poder Judiciário.

    § 4º - São Arquivos Municipais o arquivo do Poder Executivo e o arquivo do Poder Legislativo.

    § 5º - Os arquivos públicos dos Territórios são organizados de acordo com sua estrutura político-jurídica.

    Art. 18 - Compete ao Arquivo Nacional a gestão e o recolhimento dos documen-tos produzidos e recebidos pelo Poder Executivo Federal, bem como preservar e facultar o acesso aos documentos sob sua guarda, e acompanhar e implementar a política nacional de arquivos.

    Parágrafo único - Para o pleno exercício de suas funções, o Arquivo Nacional poderá criar unidades regionais.

    Art. 19 - Competem aos arquivos do Poder Legislativo Federal a gestão e o reco-lhimento dos documentos produzidos e recebidos pelo Poder Legislativo Fede-ral no exercício das suas funções, bem como preservar e facultar o acesso aos documentos sob sua guarda.

    Art. 20 - Competem aos arquivos do Poder Judiciário Federal a gestão e o reco-lhimento dos documentos produzidos e recebidos pelo Poder Judiciário Federal no exercício de suas funções, tramitados em juízo e oriundos de cartórios e secre-tarias, bem como preservar e facultar o acesso aos documentos sob sua guarda.

    Art. 21 - Legislação estadual, do Distrito Federal e municipal definirá os critéri-os de organização e vinculação dos arquivos estaduais e municipais, bem como a gestão e o acesso aos documentos, observado o disposto na Constituição Fede-ral e nesta Lei.

    Por outro lado, temos percebido nos últimos anos um crescente interesse da socieda-

    de e da comunidade arquivística pelos arquivos de comunidades. Esses arquivos são consti-

    tuídos por documentos textuais, fotografias, história oral e tantos outros materiais que retra-

    tam grupos específicos e comunidades diversas, traduzem uma herança cultural e política, e

    a necessidade de identificação e pertencimento se faz urgente. Esse movimento pela diver-

    sidade tem mobilizado um segmento de profissionais da área, que buscam espaços indepen-

    dentes e autônomos em relação ao Estado para preservar e dar acesso a esse legado.

    Ainda, não podemos deixar de mencionar os arquivos de pessoas, que, apesar de

    produzidos em ambiente privado, podem ingressar em instituições de preservação públicas

    quando reconhecido o seu interesse para a memória coletiva de um grupo social e da socie-

    dade como um todo. O que se percebe é a necessidade humana de assegurar uma possibili-

    dade de acionar sua memória individual e a coletiva, ter o mecanismo de compreender as

    circunstâncias de seu tempo histórico. “Os arquivos dispersos, desconhecidos e não preser-

    vados são esquecidos” (OLIVEIRA, 2017, p. 83). Esse é o papel das instituições arquivísti-

    cas públicas, desses novos lugares de preservação de documentos que retratam a diversida-

    de social e cultural e, também, de instituições com a missão centrada na memória coletiva.

    Os arquivos municipais ocupam um lugar privilegiado nessa arquitetura de preser-

    vação de registros da sociedade. São polos públicos com compromisso de preservar e dar

    acesso aos documentos mais próximos de uma comunidade local. É a representação do

    Estado mais próxima do cidadão e que pode oferecer a possibilidade do exercício pleno da

    cidadania, onde os direitos podem ser comprovados, a história local recuperada e a cultura

    disseminada.

    Mas o que falta para que essas instituições ganhem força política e exerçam o seu

    protagonismo?

    Referências

    ARQUIVO NACIONAL (BRASIL). Dicionário brasileiro de terminologia arquivística. Rio

    de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005. 232p. Publicações Técnicas, n. 51.

    BRASIL. Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991. Disponível em:

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8159.htm. Acesso em: 5 abr. 2019.

    DIRECTION DES ARCHIVES DE FRANCE. Dictionnaire de terminologie archivistique.

    2002. 36p. Disponível em https://francearchives.fr/file/

    4f717e37a1befe4b17f58633cbc6bcf54f8199b4/dictionnaire-de-terminologie-

    archivistique.pdf. Acesso em: 30 mar. 2019.

    FLINN, Andrew. Archives and their communities: serving the people. Comma,

    International Council on Archives, 2009, p. 157-168.

    INTERNATIONAL COUNCIL ON ARCHIVES. Multilingual Archival Terminology.

    Disponível em: http://www.ciscra.org/mat/mat/term/60. Acesso em: 28 mar. 2019.

    OLIVEIRA, Lucia Maria Velloso de. Ação cultural, protagonismo social e o lugar dos

    arquivos. In: Informação e protagonismo social. GOMES, Henriette Ferreira; NOVO,

    Hildenise Ferreira, et al. (org.). Salvador: EDUFBA, 2017, p. 77-92.

    O arquivo mais próximo de todos Lucia Maria Velloso de Oliveira

    1918

  • § 3º - São Arquivos do Distrito Federal o arquivo do Poder Executivo, o Arquivo do Poder Legislativo e o arquivo do Poder Judiciário.

    § 4º - São Arquivos Municipais o arquivo do Poder Executivo e o arquivo do Poder Legislativo.

    § 5º - Os arquivos públicos dos Territórios são organizados de acordo com sua estrutura político-jurídica.

    Art. 18 - Compete ao Arquivo Nacional a gestão e o recolhimento dos documen-tos produzidos e recebidos pelo Poder Executivo Federal, bem como preservar e facultar o acesso aos documentos sob sua guarda, e acompanhar e implementar a política nacional de arquivos.

    Parágrafo único - Para o pleno exercício de suas funções, o Arquivo Nacional poderá criar unidades regionais.

    Art. 19 - Competem aos arquivos do Poder Legislativo Federal a gestão e o reco-lhimento dos documentos produzidos e recebidos pelo Poder Legislativo Fede-ral no exercício das suas funções, bem como preservar e facultar o acesso aos documentos sob sua guarda.

    Art. 20 - Competem aos arquivos do Poder Judiciário Federal a gestão e o reco-lhimento dos documentos produzidos e recebidos pelo Poder Judiciário Federal no exercício de suas funções, tramitados em juízo e oriundos de cartórios e secre-tarias, bem como preservar e facultar o acesso aos documentos sob sua guarda.

    Art. 21 - Legislação estadual, do Distrito Federal e municipal definirá os critéri-os de organização e vinculação dos arquivos estaduais e municipais, bem como a gestão e o acesso aos documentos, observado o disposto na Constituição Fede-ral e nesta Lei.

    Por outro lado, temos percebido nos últimos anos um crescente interesse da socieda-

    de e da comunidade arquivística pelos arquivos de comunidades. Esses arquivos são consti-

    tuídos por documentos textuais, fotografias, história oral e tantos outros materiais que retra-

    tam grupos específicos e comunidades diversas, traduzem uma herança cultural e política, e

    a necessidade de identificação e pertencimento se faz urgente. Esse movimento pela diver-

    sidade tem mobilizado um segmento de profissionais da área, que buscam espaços indepen-

    dentes e autônomos em relação ao Estado para preservar e dar acesso a esse legado.

    Ainda, não podemos deixar de mencionar os arquivos de pessoas, que, apesar de

    produzidos em ambiente privado, podem ingressar em instituições de preservação públicas

    quando reconhecido o seu interesse para a memória coletiva de um grupo social e da socie-

    dade como um todo. O que se percebe é a necessidade humana de assegurar uma possibili-

    dade de acionar sua memória individual e a coletiva, ter o mecanismo de compreender as

    circunstâncias de seu tempo histórico. “Os arquivos dispersos, desconhecidos e não preser-

    vados são esquecidos” (OLIVEIRA, 2017, p. 83). Esse é o papel das instituições arquivísti-

    cas públicas, desses novos lugares de preservação de documentos que retratam a diversida-

    de social e cultural e, também, de instituições com a missão centrada na memória coletiva.

    Os arquivos municipais ocupam um lugar privilegiado nessa arquitetura de preser-

    vação de registros da sociedade. São polos públicos com compromisso de preservar e dar

    acesso aos documentos mais próximos de uma comunidade local. É a representação do

    Estado mais próxima do cidadão e que pode oferecer a possibilidade do exercício pleno da

    cidadania, onde os direitos podem ser comprovados, a história local recuperada e a cultura

    disseminada.

    Mas o que falta para que essas instituições ganhem força política e exerçam o seu

    protagonismo?

    Referências

    ARQUIVO NACIONAL (BRASIL). Dicionário brasileiro de terminologia arquivística. Rio

    de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005. 232p. Publicações Técnicas, n. 51.

    BRASIL. Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991. Disponível em:

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8159.htm. Acesso em: 5 abr. 2019.

    DIRECTION DES ARCHIVES DE FRANCE. Dictionnaire de terminologie archivistique.

    2002. 36p. Disponível em https://francearchives.fr/file/

    4f717e37a1befe4b17f58633cbc6bcf54f8199b4/dictionnaire-de-terminologie-

    archivistique.pdf. Acesso em: 30 mar. 2019.

    FLINN, Andrew. Archives and their communities: serving the people. Comma,

    International Council on Archives, 2009, p. 157-168.

    INTERNATIONAL COUNCIL ON ARCHIVES. Multilingual Archival Terminology.

    Disponível em: http://www.ciscra.org/mat/mat/term/60. Acesso em: 28 mar. 2019.

    OLIVEIRA, Lucia Maria Velloso de. Ação cultural, protagonismo social e o lugar dos

    arquivos. In: Informação e protagonismo social. GOMES, Henriette Ferreira; NOVO,

    Hildenise Ferreira, et al. (org.). Salvador: EDUFBA, 2017, p. 77-92.

    O arquivo mais próximo de todos Lucia Maria Velloso de Oliveira

    1918

  • Tudo que não é sólido não se sustenta no ar:

    o papel da gestão de documentos na era do acesso à informação

    Renato Tarciso Barbosa de Sousa

    Universidade de Brasília

    “O apego às velhas idéias parece uma enfermidade incurável. (...) Caímos naquele defeito de considerar velhas formas de pensar como inevitáveis. Ao invés de perseguir um saber novo, preferimos deliciar-nos com a reprodução do saber velho. (...) O novo é, de certa forma, o desconhecido e só pode ser conceitualizado com imaginação, e não com certeza”. (SANTOS, 1978).

    teoria arquivística, desde as décadas de 1930/1940 até os dias atuais, de

    acordo com Dingwall (2016, p. 205), avançou de forma importante no Adesenvolvimento de modelos para estabelecimento de conexões entre dois processos centrais: produção/criação de documentos e a guarda de documentos. O

    início do século XX apresentou aos arquivistas um cenário com problemas novos que ainda

    não tinham sido enfrentados.

    A grande contribuição dada pelos arquivistas holandeses com o seu manual de

    arranjo e descrição não era mais suficiente para dar conta dos fenômenos do aumento do

    volume de documentos, resultado do crescimento da população a partir do século XVIII, da

    expansão das atividades do governo e da aplicação de métodos modernos de produção e

    reprodução de documentos, e da complexidade do ambiente administrativo.

    Autores como H. Jenkinson (1922), E. Casanova (1928), P. Brooks (1940) e T.

    Schellenberg (1956) buscaram soluções para o impacto daqueles fenômenos nos arquivos.

    A partir dos trabalhos desses arquivistas é que foram encontradas as primeiras formulações

    de conceitos e princípios para serem aplicadas nesse novo cenário. Assim, resultado da

    falta de espaço para guarda de um volume crescente dos documentos e da complexidade

    das estruturas organizacionais, surge a ideia, logo colocada em prática, dos records centers.

    Podemos dizer que nascia, então, a ideia das três idades documentais. O custo de armazena-

    mento dos documentos nos records centers era de cerca de 5% do valor gasto para guardar o

    mesmo volume nos arquivos montados nos setores de trabalho ou, como sugere José Maria

    Jardim, nos ambientes organizacionais de acumulação.

    A questão do volume documental foi resolvida parcialmente com a criação do

    record center. Outros desafios relacionados à criação, organização e uso precisavam ser

    enfrentados de maneira pragmática A sofisticação da nova era logo demonstrou que os

    records centers não eram suficientes para resolver os problemas do volume documental

    crescente e das novas configurações do ambiente organizacional. A tecnologia, cada vez

    mais presente, resultava em novos tipos de documentos e em procedimentos transacionais

    cada vez mais complexos referentes à criação e ao uso dos documentos.

    21

  • Tudo que não é sólido não se sustenta no ar:

    o papel da gestão de documentos na era do acesso à informação

    Renato Tarciso Barbosa de Sousa

    Universidade de Brasília

    “O apego às velhas idéias parece uma enfermidade incurável. (...) Caímos naquele defeito de considerar velhas formas de pensar como inevitáveis. Ao invés de perseguir um saber novo, preferimos deliciar-nos com a reprodução do saber velho. (...) O novo é, de certa forma, o desconhecido e só pode ser conceitualizado com imaginação, e não com certeza”. (SANTOS, 1978).

    teoria arquivística, desde as décadas de 1930/1940 até os dias atuais, de

    acordo com Dingwall (2016, p. 205), avançou de forma importante no Adesenvolvimento de modelos para estabelecimento de conexões entre dois processos centrais: produção/criação de documentos e a guarda de documentos. O

    início do século XX apresentou aos arquivistas um cenário com problemas novos que ainda

    não tinham sido enfrentados.

    A grande contribuição dada pelos arquivistas holandeses com o seu manual de

    arranjo e descrição não era mais suficiente para dar conta dos fenômenos do aumento do

    volume de documentos, resultado do crescimento da população a partir do século XVIII, da

    expansão das atividades do governo e da aplicação de métodos modernos de produção e

    reprodução de documentos, e da complexidade do ambiente administrativo.

    Autores como H. Jenkinson (1922), E. Casanova (1928), P. Brooks (1940) e T.

    Schellenberg (1956) buscaram soluções para o impacto daqueles fenômenos nos arquivos.

    A partir dos trabalhos desses arquivistas é que foram encontradas as primeiras formulações

    de conceitos e princípios para serem aplicadas nesse novo cenário. Assim, resultado da

    falta de espaço para guarda de um volume crescente dos documentos e da complexidade

    das estruturas organizacionais, surge a ideia, logo colocada em prática, dos records centers.

    Podemos dizer que nascia, então, a ideia das três idades documentais. O custo de armazena-

    mento dos documentos nos records centers era de cerca de 5% do valor gasto para guardar o

    mesmo volume nos arquivos montados nos setores de trabalho ou, como sugere José Maria

    Jardim, nos ambientes organizacionais de acumulação.

    A questão do volume documental foi resolvida parcialmente com a criação do

    record center. Outros desafios relacionados à criação, organização e uso precisavam ser

    enfrentados de maneira pragmática A sofisticação da nova era logo demonstrou que os

    records centers não eram suficientes para resolver os problemas do volume documental

    crescente e das novas configurações do ambiente organizacional. A tecnologia, cada vez

    mais presente, resultava em novos tipos de documentos e em procedimentos transacionais

    cada vez mais complexos referentes à criação e ao uso dos documentos.

    21

  • Surge, então, o conceito de gestão de documentos, que pode ser reconhecido em

    dois momentos: alteração do nome do Comitê de Redução de Material Arquivístico para

    Comitê de Administração de Documentos, da Sociedade de Arquivistas Americanos, e o

    estabelecimento, no Arquivo Nacional americano, em 1941, do Programa de Gestão de

    Documentos. Nesse mesmo ano, foi criado, por dois arquivisitas da Marinha americana, o

    que é considerado o primeiro record center, localizado nas instalações de uma antiga cerve-

    jaria, em Washington. A ideia do record center já tinha sido pensada pelo arquivista belga

    C.J. Curvelier, em 1923.

    O desenvolvimento na prática do conceito foi feito pelo arquivista americano Solon

    Buck, que introduziu o sistema de gestão de documentos no governo durante a Segunda

    Guerra Mundial. O sistema incluía a tabela de temporalidade; a autorização contínua para a

    eliminação; e records centers (arquivos intermediários) a baixo custo; e foi formalizado pela

    Lei de Documentos Federais de 1950 (Federal Records Act). (CRUZ MUNDET, 2011).

    As práticas que surgiram durante e após a Segunda Guerra Mundial em resposta aos

    problemas de organização dos documentos de arquivo permitiram a separação da responsa-

    bilidade de trabalho entre duas profissões: gestor de documentos e arquivista. A gestão de

    documentos baseia-se no conceito de que um documento tem uma vida similar ao de um

    organismo biológico: Ele nasce (fase de criação); ele vive (fase de manutenção e uso); ele

    morre (fase de destinação) (PENN, 1994).

    A gestão de documentos apoiou-se no conceito de ciclo de vida e no da teoria das

    três idades. Podemos afirmar que a operacionalização do conceito de gestão de documentos

    é feita a partir do ciclo de vida ou das três idades. O ciclo de vida é formado pelas distintas

    fases da existência do documento, da criação até a disposição final. A teoria das três idades

    é uma noção fundamental sobre a qual repousa a Arquivologia contemporânea, e determina

    que todo documento passa por três períodos: corrente, intermediário e permanente, caracte-

    rizados pela frequência e o tipo de utilização que é feita.

    O grupo do ciclo de vida é representado por Maedke, Robek, Brown (1974), Coutu-

    re e Rousseau (1982), J. Rhoads (1983), I. Penn (1983), J. Atherton (1985-1986) e Cruz

    Mundet (1994).

    O grupo das três idades, essencialmente francês, é formado por Y. Pérotin (1961),

    Direction des Archives de France (1970/1993), Wyffels (1972), Cortés Alonso (1982), E.

    Lodolini (1984), Heredia Herrera (1986), e Couture e Rousseau (1994).

    Feito esse rápido sobrevoo na trajetória do conceito de gestão de documentos, passa-

    mos a ver como está hoje a gestão de documentos no Brasil. Podemos afirmar que informação

    acessível, como dispõe a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), pressupõe informa-

    ção organizada, isto é, classificada, avaliada e descrita, o que significa gestão de documentos.

    Vivemos, hoje, um momento privilegiado para aplicação do conceito de gestão de

    documentos. Temos uma base legal formada pela Lei 8.159/2001 e as resoluções do Conse-

    lho Nacional de Arquivos. Existe uma base normativa constituída pelas normas ISO de

    gestão de documentos, pelas normas ABNT e pelo e-ARQ Brasil. E percebemos uma

    mudança cultural importante nas organizações, motivada, principalmente, pela Lei de Aces-

    so à Informação.

    São pressupostos da gestão de documentos: a não distinção entre os suportes docu-

    mentais e o fato de que todo arquivo é vivo; portanto, não existe “arquivo morto”. Que pre-

    cisamos ter a informação certa, na hora certa e a um menor custo possível e, também, que é

    impossível tratar uma massa tão grande de informações de forma empírica e improvisada.

    De acordo com Lhansó y Sanjuan (2006), o programa de gestão de documentos faz

    parte do sistema arquivístico, que é formado, também, pela política institucional, pelos

    recursos humanos, materiais e financeiros. O programa tem como elementos: política de

    classificação, política de avaliação, política de descrição, política de gestão de documentos

    digitais e política de formação. Cada elemento gera um programa específico, que tem como

    resultado os instrumentos de intervenção na realidade: plano de classificação, tabela de tem-

    poralidade, instrumentos de pesquisa, sistema informatizados e cursos, treinamentos etc.

    A ABNT NBR ISO 15.489-1/2018 define como processos próprios de gestão de

    documentos: produção de documentos de arquivo; captura de documentos de arquivo; clas-

    sificação e indexação; controle de acesso; armazenamento de documentos de arquivo; uso

    e reuso (acessibilidade contínua); migração ou conversão; e destinação.

    O modelo de tratamento dos documentos físicos nas organizações públicas brasilei-

    ras é fundamentado no empirismo e improvisação. Os documentos arquivísticos produzi-

    dos e/ou recebidos, misturados aos documentos não arquivísticos, são processados empiri-

    camente nos arquivos montados nos setores de trabalho. As ações, mesmo improvisadas,

    atendem em parte as demandas dos usuários. Após o encerramento da atividade ou encerra-

    mento do ano ou pela falta de espaço, os documentos são transferidos ao arquivo geral, “ar-

    quivo morto” ou arquivo central, onde as condições existentes nos arquivos montados nos

    setores de trabalho são perdidas. Formam-se, assim, as massas documentais acumuladas.

    O modelo de tratamento dos documentos digitais ainda não permitiu uma melhor

    organização dos documentos de arquivo dos órgãos públicos. Os documentos arquivísticos

    produzidos e/ou recebidos (digitalizados ou nato-digitais) estão nos sistemas eletrônicos e/ou

    nos computadores “pessoais”, onde recebem um tratamento empírico. Os sistemas eletrôni-

    cos não atendem todos os requisitos para serem considerados sistemas informatizados de

    gestão arquivística de documentos (SIGAD), conforme o modelo de requisitos e-ARQ Bra-

    sil. A recuperação dos documentos e informações nos sistemas eletrônicos ainda é precária.

    Não são utilizadas linguagens documentárias, predominando, assim, as linguagens naturais.

    No ambiente digital, percebe-se a predominância do arquivamento em estações de

    trabalho, utilizando diretórios de rede. Há uma ausência de critérios na criação, armazena-

    mento e eliminação dos documentos digitais. Existe, também, uma grande perda de infor-

    mação devido à facilidade de descarte. Não encontramos rotinas formalizadas de backup

    das estações de trabalho. Os documentos digitais são armazenados sem nenhuma política

    Renato Tarciso Barbosa de SousaTudo que não é sólido não se sustenta no ar: o papel da gestão de documentos na era do acesso à informação

    2322

  • Surge, então, o conceito de gestão de documentos, que pode ser reconhecido em

    dois momentos: alteração do nome do Comitê de Redução de Material Arquivístico para

    Comitê de Administração de Documentos, da Sociedade de Arquivistas Americanos, e o

    estabelecimento, no Arquivo Nacional americano, em 1941, do Programa de Gestão de

    Documentos. Nesse mesmo ano, foi criado, por dois arquivisitas da Marinha americana, o

    que é considerado o primeiro record center, localizado nas instalações de uma antiga cerve-

    jaria, em Washington. A ideia do record center já tinha sido pensada pelo arquivista belga

    C.J. Curvelier, em 1923.

    O desenvolvimento na prática do conceito foi feito pelo arquivista americano Solon

    Buck, que introduziu o sistema de gestão de documentos no governo durante a Segunda

    Guerra Mundial. O sistema incluía a tabela de temporalidade; a autorização contínua para a

    eliminação; e records centers (arquivos intermediários) a baixo custo; e foi formalizado pela

    Lei de Documentos Federais de 1950 (Federal Records Act). (CRUZ MUNDET, 2011).

    As práticas que surgiram durante e após a Segunda Guerra Mundial em resposta aos

    problemas de organização dos documentos de arquivo permitiram a separação da responsa-

    bilidade de trabalho entre duas profissões: gestor de documentos e arquivista. A gestão de

    documentos baseia-se no conceito de que um documento tem uma vida similar ao de um

    organismo biológico: Ele nasce (fase de criação); ele vive (fase de manutenção e uso); ele

    morre (fase de destinação) (PENN, 1994).

    A gestão de documentos apoiou-se no conceito de ciclo de vida e no da teoria das

    três idades. Podemos afirmar que a operacionalização do conceito de gestão de documentos

    é feita a partir do ciclo de vida ou das três idades. O ciclo de vida é formado pelas distintas

    fases da existência do documento, da criação até a disposição final. A teoria das três idades

    é uma noção fundamental sobre a qual repousa a Arquivologia contemporânea, e determina

    que todo documento passa por três períodos: corrente, intermediário e permanente, caracte-

    rizados pela frequência e o tipo de utilização que é feita.

    O grupo do ciclo de vida é representado por Maedke, Robek, Brown (1974), Coutu-

    re e Rousseau (1982), J. Rhoads (1983), I. Penn (1983), J. Atherton (1985-1986) e Cruz

    Mundet (1994).

    O grupo das três idades, essencialmente francês, é formado por Y. Pérotin (1961),

    Direction des Archives de France (1970/1993), Wyffels (1972), Cortés Alonso (1982), E.

    Lodolini (1984), Heredia Herrera (1986), e Couture e Rousseau (1994).

    Feito esse rápido sobrevoo na trajetória do conceito de gestão de documentos, passa-

    mos a ver como está hoje a gestão de documentos no Brasil. Podemos afirmar que informação

    acessível, como dispõe a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), pressupõe informa-

    ção organizada, isto é, classificada, avaliada e descrita, o que significa gestão de documentos.

    Vivemos, hoje, um momento privilegiado para aplicação do conceito de gestão de

    documentos. Temos uma base legal formada pela Lei 8.159/2001 e as resoluções do Conse-

    lho Nacional de Arquivos. Existe uma base normativa constituída pelas normas ISO de

    gestão de documentos, pelas normas ABNT e pelo e-ARQ Brasil. E percebemos uma

    mudança cultural importante nas organizações, motivada, principalmente, pela Lei de Aces-

    so à Informação.

    São pressupostos da gestão de documentos: a não distinção entre os suportes docu-

    mentais e o fato de que todo arquivo é vivo; portanto, não existe “arquivo morto”. Que pre-

    cisamos ter a informação certa, na hora certa e a um menor custo possível e, também, que é

    impossível tratar uma massa tão grande de informações de forma empírica e improvisada.

    De acordo com Lhansó y Sanjuan (2006), o programa de gestão de documentos faz

    parte do sistema arquivístico, que é formado, também, pela política institucional, pelos

    recursos humanos, materiais e financeiros. O programa tem como elementos: política de

    classificação, política de avaliação, política de descrição, política de gestão de documentos

    digitais e política de formação. Cada elemento gera um programa específico, que tem como

    resultado os instrumentos de intervenção na realidade: plano de classificação, tabela de tem-

    poralidade, instrumentos de pesquisa, sistema informatizados e cursos, treinamentos etc.

    A ABNT NBR ISO 15.489-1/2018 define como processos próprios de gestão de

    documentos: produção de documentos de arquivo; captura de documentos de arquivo; clas-

    sificação e indexação; controle de acesso; armazenamento de documentos de arquivo; uso

    e reuso (acessibilidade contínua); migração ou conversão; e destinação.

    O modelo de tratamento dos documentos físicos nas organizações públicas brasilei-

    ras é fundamentado no empirismo e improvisação. Os documentos arquivísticos produzi-

    dos e/ou recebidos, misturados aos documentos não arquivísticos, são processados empiri-

    camente nos arquivos montados nos setores de trabalho. As ações, mesmo improvisadas,

    atendem em parte as demandas dos usuários. Após o encerramento da atividade ou encerra-

    mento do ano ou pela falta de espaço, os documentos são transferidos ao arquivo geral, “ar-

    quivo morto” ou arquivo central, onde as condições existentes nos arquivos montados nos

    setores de trabalho são perdidas. Formam-se, assim, as massas documentais acumuladas.

    O modelo de tratamento dos documentos digitais ainda não permitiu uma melhor

    organização dos documentos de arquivo dos órgãos públicos. Os documentos arquivísticos

    produzidos e/ou recebidos (digitalizados ou nato-digitais) estão nos sistemas eletrônicos e/ou

    nos computadores “pessoais”, onde recebem um tratamento empírico. Os sistemas eletrôni-

    cos não atendem todos os requisitos para serem considerados sistemas informatizados de

    gestão arquivística de documentos (SIGAD), conforme o modelo de requisitos e-ARQ Bra-

    sil. A recuperação dos documentos e informações nos sistemas eletrônicos ainda é precária.

    Não são utilizadas linguagens documentárias, predominando, assim, as linguagens naturais.

    No ambiente digital, percebe-se a predominância do arquivamento em estações de

    trabalho, utilizando diretórios de rede. Há uma ausência de critérios na criação, armazena-

    mento e eliminação dos documentos digitais. Existe, também, uma grande perda de infor-

    mação devido à facilidade de descarte. Não encontramos rotinas formalizadas de backup

    das estações de trabalho. Os documentos digitais são armazenados sem nenhuma política

    Renato Tarciso Barbosa de SousaTudo que não é sólido não se sustenta no ar: o papel da gestão de documentos na era do acesso à informação

    2322

  • de avaliação. É disseminada uma falsa ideia de que, no ambiente digital, não há problema

    de espaço. Nos computadores “pessoais” nos órgãos públicos, a estrutura de diretórios e

    subdiretórios não é utilizada para a organização dos documentos digitais.

    Podemos afirmar empiricamente, diante desse cenário desenhado acima, que a par-

    cela de documentos utilizados para a garantia de direitos e deveres, para a tomada segura de

    decisão e para a preservação da memória é ainda muito pequena. Há uma grande quantida-

    de de informação invisível, que não é vista porque a incipiente organização não permite.

    Percebemos que novos conceitos e instrumentos precisam ser construídos para dar

    conta agora de um segundo fenômeno, que passa a ganhar