ARTE E LITERATURA: MANEIRAS DIFERENTES DE LER...

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Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012 1 ARTE E LITERATURA: MANEIRAS DIFERENTES DE LER E VER Elaine Miguel Spindola 1 RESUMO: Neste artigo apresentamos o Projeto de Feira Literária “Arte e Literatura: maneiras diferentes de ler e ver”. O Projeto foi desenvolvido na Escola de Educação Básica Monsenhor Francisco Giesberts, no município de Armazém, Santa Catarina. Nosso objetivo foi desenvolver, dentro de um período pré-determinado, ações projetadas e planejadas que despertassem o gosto pela arte e literatura, bem como aprimorassem o conhecimento sobre estas. A avaliação reiterou a relevância das práticas escolares aplicadas ao processo ensino-aprendizagem. Concluímos que tanto a fundamentação teórica de aporte ao projeto como as ações previstas e desenvolvidas demonstram a importância de práticas escolares interdisciplinares, através da arte e da literatura, para a socialização, integração e interação da comunidade escolar. PALAVRAS-CHAVE: Arte; Literatura; Língua Portuguesa; Gêneros textuais; Práticas escolares. Introdução Neste artigo apresenta-se o Projeto da Feira Literária “Arte e Literatura: maneiras diferentes de ler e ver”. Este foi organizado pelos professores de Língua Portuguesa e Literatura, Arte e orientadores da Escola de Educação Básica Monsenhor Francisco Giesberts. Procuramos também relatar e avaliar os resultados obtidos. Destacamos que a arte desperta o interesse e envolvimento dos alunos em projetos escolares, assumindo um papel de extrema importância no processo ensino-aprendizagem. Neste sentido, a Feira procurou trabalhar com diferentes gêneros artísticos, literários e até mesmo utilitários, que se aproximassem da realidade dos alunos. Pretende-se também discutir conceitos de arte, literatura, linguagem e orientações abordadas na Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina que serviram como embasamento teórico para o projeto. O escopo teórico fundamenta-se nos conceitos e na perspectiva sociointeracionista de que sujeito e conhecimento (objeto) se relacionam através da interação social. Tais concepções serviram de base, portanto, para o trabalho com gêneros textuais que fora apresentado para a comunidade, dialogando com conhecimentos científicos que os explicam e que explicam aspectos da cultura global. Fundamentação Teórica A Proposta Curricular de Santa Catarina, doravante PC de Santa Catarina ou Proposta Curricular, é um importante documento norteador para os estudos e ações desenvolvidos na Escola de Educação Básica Monsenhor Francisco Giesberts, do Município de Armazém, Santa Catarina. Conforme preconiza a Proposta Curricular, O ideal é que a escola se constitua como um grupo de trabalho que elabore bons projetos, sempre direcionados para um objetivo de crescimento que ultrapasse as portas do estabelecimento escolar; que a atividade global se realize através de subprojetos de acordo com as áreas estabelecidas, cada grupo se articulando com a totalidade, para que os resultados de cada projeto representem crescimento comunitário: reinvindicações, comemorações, concursos, encaminhamento de 1 Mestranda em Ciências da Linguagem na Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).

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Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão

Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012

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ARTE E LITERATURA: MANEIRAS DIFERENTES DE LER E VER

Elaine Miguel Spindola1 RESUMO: Neste artigo apresentamos o Projeto de Feira Literária “Arte e Literatura: maneiras diferentes de

ler e ver”. O Projeto foi desenvolvido na Escola de Educação Básica Monsenhor Francisco Giesberts, no

município de Armazém, Santa Catarina. Nosso objetivo foi desenvolver, dentro de um período pré-determinado,

ações projetadas e planejadas que despertassem o gosto pela arte e literatura, bem como aprimorassem o

conhecimento sobre estas. A avaliação reiterou a relevância das práticas escolares aplicadas ao processo

ensino-aprendizagem. Concluímos que tanto a fundamentação teórica de aporte ao projeto como as ações

previstas e desenvolvidas demonstram a importância de práticas escolares interdisciplinares, através da arte e

da literatura, para a socialização, integração e interação da comunidade escolar.

PALAVRAS-CHAVE: Arte; Literatura; Língua Portuguesa; Gêneros textuais; Práticas escolares.

Introdução

Neste artigo apresenta-se o Projeto da Feira Literária “Arte e Literatura: maneiras

diferentes de ler e ver”. Este foi organizado pelos professores de Língua Portuguesa e Literatura, Arte e orientadores da Escola de Educação Básica Monsenhor Francisco Giesberts. Procuramos também relatar e avaliar os resultados obtidos.

Destacamos que a arte desperta o interesse e envolvimento dos alunos em projetos escolares, assumindo um papel de extrema importância no processo ensino-aprendizagem. Neste sentido, a Feira procurou trabalhar com diferentes gêneros artísticos, literários e até mesmo utilitários, que se aproximassem da realidade dos alunos.

Pretende-se também discutir conceitos de arte, literatura, linguagem e orientações abordadas na Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina que serviram como embasamento teórico para o projeto.

O escopo teórico fundamenta-se nos conceitos e na perspectiva sociointeracionista de que sujeito e conhecimento (objeto) se relacionam através da interação social. Tais concepções serviram de base, portanto, para o trabalho com gêneros textuais que fora apresentado para a comunidade, dialogando com conhecimentos científicos que os explicam e que explicam aspectos da cultura global.

Fundamentação Teórica

A Proposta Curricular de Santa Catarina, doravante PC de Santa Catarina ou Proposta

Curricular, é um importante documento norteador para os estudos e ações desenvolvidos na Escola de Educação Básica Monsenhor Francisco Giesberts, do Município de Armazém, Santa Catarina.

Conforme preconiza a Proposta Curricular,

O ideal é que a escola se constitua como um grupo de trabalho que elabore bons projetos, sempre direcionados para um objetivo de crescimento que ultrapasse as portas do estabelecimento escolar; que a atividade global se realize através de subprojetos de acordo com as áreas estabelecidas, cada grupo se articulando com a totalidade, para que os resultados de cada projeto representem crescimento comunitário: reinvindicações, comemorações, concursos, encaminhamento de

1 Mestranda em Ciências da Linguagem na Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).

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soluções a problemas emergentes, atendimento a grupos específicos, campanhas, publicidade, realização de seminários, encontros de vários tipos, oficinas de leitura e produção textual. (PROPOSTA CURRICULAR DE SANTA CATARINA, 1998, pg. 69)

Mediante a estas considerações, pensou-se em um projeto que pudesse envolver todos

os alunos e, de forma efetiva e direta, os jovens do Ensino Médio de forma construtora, progressiva, afetiva e prazerosa. Em meados de 2011, orientadores e professores de Língua Portuguesa, Literatura e Arte começaram a tecer ideias que pudessem envolver escola, família e comunidade através de uma socialização de conhecimento. Projetou-se então a Feira Literária “Arte e Literatura: maneiras diferentes de ler e ver”.

De acordo com Marx, o ser humano é entendido como social e histórico. Portanto, partiu-se do pressuposto de que o conhecimento é um patrimônio coletivo, e por isso deve ser socializado. Como “socialização de conhecimento” implica em garanti-lo a todos, desejava-se que todos da escola participassem do projeto da feira literária, e assim foi. Desta forma, a escola zelou pela inclusão.

Segundo a Proposta Curricular, falar em “socialização de conhecimento” também implica em encarar a relação desse conhecimento com outros saberes, tais como o do cotidiano e o religioso. Deste modo, buscou-se um tema que visava o cotidiano, algo que tivesse direta ligação com o dia-a-dia do discente e que, com isso, cada um pudesse atuar de forma mais segura.

Optou-se então por gêneros textuais. Gêneros textuais são os diferentes tipos de textos que se encontram em diversos ambientes sociais. Cada gênero é constituído por características diferentes, assim como a finalidade, o uso da língua-alvo e os sujeitos envolvidos na interação. São diversos os gêneros textuais que permeiam a sociedade.

Segundo Bakhtin, os gêneros textuais são tipos relativamente estáveis de enunciados construídos e compartilhados em diferentes situações do uso da língua. Bakhtin considera três elementos básicos que configuram um gênero discursivo: conteúdo temático, estilo e forma composicional. Os gêneros respondem às necessidades e intenções comunicativas do sujeito em diferentes esferas sociais, permeiam o discurso social. De acordo com o autor, o discurso, entendido como as várias situações de comunicação social, estabelece intercâmbios socioculturais, fruto de processos cognitivos e conhecimentos acumulados historicamente que atendem a diversidade de gêneros.

Com o intuito de envolver arte, literatura e utilidade, foram escolhidos gêneros artísticos, literários e utilitários que fizessem parte da zona proximal dos alunos. Trabalhar-se-aria com o conhecimento extraescolar do aluno em diálogo com as ciências e as artes, garantindo a apropriação da bagagem cultural do discente à forma científica de pensar.

Segundo a PC de Santa Catarina:

Apenas oportunizar a informação científica, de forma dogmática, acrescenta muito pouco ao preparo intelectual dos alunos, uma vez que as informações científicas, diante da dinamicidade da ciência, tornam-se rapidamente obsoletas. O que não se obsoletiza é a maneira de pensar que permita a autonomia de cada um na compreensão do conhecimento e das informações, na busca e na elaboração de novas informações e de novos conhecimentos, uma vez que a elaboração de novos conhecimentos se dá sempre a partir de conhecimentos que alguém já tem internalizados. (PROPOSTA CURRICULAR DE SANTA CATARINA, 1998, pg. 16)

Acordando com a PC de Santa Catarina, a preparação para a feira seguiu tais

instruções. Ao trabalhar cada gênero, alunos e professores, em socialização uns com os outros, aplicaram sua bagagem cultural e cotidiana (o que já conheciam dos gêneros) à

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maneira científica de pensar, e assim “montaram” uma apresentação de cada gênero que seria apresentada a toda a comunidade escolar e à sociedade em geral.

Baseando-se na concepção histórico-cultural de aprendizagem de Vygotsky, também conhecida como sociointeracionista, a Proposta Curricular preocupa-se em como as interações sociais agem na formação das funções psicológicas superiores. Segundo tal concepção, as interações sociais vividas por cada aluno, são, dessa forma, determinantes no desenvolvimento dessas funções. Nesta concepção, criança/adolescente (sujeito) se relaciona com o conhecimento (objeto) através da interação social. Entende-se que o conhecimento não existe sozinho, ele precisa de práticas escolares e sociais como estas para que se realize.

Socialização é sempre socialização de riqueza. Cabe à escola socializar a riqueza intelectual. No processo das práticas escolares que culminaram na Feira Literária, houve duas etapas de socialização, primeiro com a comunidade escolar, depois com toda a sociedade armazenense.

Neste sentido, o professor passa a ser um mediador. Ele não leva o conhecimento pronto e sistemático ao aluno, ele socializa o conhecimento, ensina e aprende através de um processo de troca de experiências histórico-culturais e as relaciona com o conhecimento científico. Este era um dos objetivos do projeto.

Para que o aluno aprenda de forma construtiva e prazerosa, o ideal é trabalhar com temas, práticas e situações que lhes sejam familiares e interessantes. Estudar a arte, em especial a literatura e sua relação com a vida como forma de representação da realidade é muito instigante. Através da arte o ser humano expressa suas ideias, sentimentos e emoções.

A Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina, no que diz respeito ao ensino da Arte, tem como pressuposto que arte gera conhecimento. Possuidora de um campo teórico específico, relaciona-se com as demais áreas, desenvolve o pensamento artístico e a reflexão estética. A arte, contextualizada com culturas diversificadas, possibilita ao sujeito perceber, sentir, articular significados, valores e conhecimentos que, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, governam os diferentes tipos de relações entre eles.

De acordo com a Proposta Curricular de Santa Catarina:

É por isso que a atividade artística do aluno deve ser significativa e progressiva, permitindo-lhe adquirir clareza do modo de construção da obra estudada e da sua própria produção, que possibilite entender a sua instauração dentro de um contexto histórico-cultural, que propicie a oportunidade de vivenciar um encontro ativo com o objeto artístico, que oportunize pensar de maneira inteligente a imagem visual, bem como o som e a música, favorecendo o desenvolvimento do seu pensamento artístico. (PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA, 1998, pg. 194)

Pode-se comparar a apresentação da Feira com uma “obra de arte”. Foi uma atividade

significativa e progressiva e estava inserida a um processo histórico-cultural. Todo processo resultaria em uma obra final: a Feira Literária “Arte e Literatura: maneiras diferentes de ler e ver”. Para Bosi, “neste sentido, qualquer atividade humana, desde que conduzida regularmente a um fim, pode chamar-se artística”.

O homem criou a arte como meio de vida, pois é através dela que o ser humano pode divulgar suas ideias, crenças, explorar novas formas de olhar e interpretar objetos e cenas e assim, utilizá-la para distrair a si mesmo e aos outros. O nome da Feira já propunha isto. Durante todo o processo de desenvolvimento, bem como no resultado final, houve um encontro ativo com objetos artísticos e olhares estéticos que propiciaram aos alunos e comunidade em geral adquirir e expressar diversas interpretações de “mundo”. A arte destina a provocar sentimentos vários e várias interpretações.

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Alfredo Bosi considera como decisivos do processo artístico três momentos: o fazer, o conhecer e o exprimir. A arte é um fazer, é uma produção. O artista enquanto executa sua ação, inventa o quê deve fazer e o modo de fazê-lo. A arte é criação, mas também é conhecimento. Arte é representação, pois a criação traz em si um dinamismo expressivo. Portanto, pode-se concluir que a nossa Feira foi uma “obra de arte”: no desenvolvimento do projeto os alunos “fizeram” e “conheceram” e, no resultado final, “expressaram”, “representaram” o que aprenderam para a comunidade.

De forma interdisciplinar com Língua Portuguesa e Literatura, a disciplina de Arte desempenhou importante papel na feira. Literatura é arte, e mesmo os gêneros utilitários não deixam de ter sua dimensão estética.

Consoante a PC de Santa Catarina, deve-se trabalhar com o aluno numa perspectiva global. O “processo para o conhecimento” deve partir do conhecimento prévio do aluno, socialização desse conhecimento em sala de aula e relação com conhecimentos científicos mediados pelo professor. Dessa forma, a metodologia implica um processo múltiplo e integrado, de modo que não há como pensar que cada sujeito é dono absoluto de um domínio. O conhecimento não pode ser fragmentado, não se deve considerar que cada um é proprietário inalienável de um fragmento de conhecimento. Se não for desta forma, o conhecimento não será adquirido. Daí a importância da interdisciplinaridade. A troca de experiências entre as disciplinas. De acordo com a Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina:

As disciplinas, os conteúdos não são mais que um conjunto de tarefas de um grande trabalho de pesquisa para o desenvolvimento do qual a responsabilidade é individual na exata medida da sua coletividade. Ou seja, trata-se de um trabalho interdisciplinar. Daí que a forma metodológica privilegiada de sua realização é o projeto comunitário. (PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA, 1998, pg. 69)

Foi também pensando em promover um diálogo entre as três disciplinas já citadas que

escolhemos o tema da Feira. Quanto à Literatura, pensamos: que lugar a literatura ocupa no mundo contemporâneo

e no cotidiano dos nossos alunos e das comunidades mais próximas? Se literatura é a arte da palavra e sabemos que a palavra é um instrumento de comunicação e interação social, então a literatura também pode ter o papel de transmitir os conhecimentos e cultura de uma sociedade.

O trabalho coletivo de questionamentos e de descobertas pode contemplar a compreensão do quanto o mundo literário participa de nossas vidas travestido de diferentes formas e talvez tão mais apreciadas do que o livro, quais sejam: o cinema, a TV, a música, o teatro, cujos recursos de expressão e de interpretação excedem ao mundo das palavras. Pode-se, então, trabalhar no sentido de ver que essas manifestações trazem, além de especificidades e de recursos próprios de linguagem, um texto que é, na maioria das vezes, essencialmente literário. A Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina nos diz que:

Essa compreensão será conduzida no sentido do reconhecimento de que as manifestações literárias atendem às necessidades artísticas e ao mundo da imaginação e do sonho, essenciais à vida do homem. Percebe-se, nessa investigação coletiva, o quanto a Literatura está embrenhada em nossas vidas e se mais não se faz presente, certamente não é por rejeição, mas por se desconhecê-la ou por não se ter possibilitado ao homem convívio mais estreito com ela. (PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA, 1998, pg. 42)

Os conceitos sobre linguagem, discutidos pela Proposta Curricular, também

contribuíram para a escolha do tema e a forma como o projeto seria desenvolvido. Estudada como processo e não como mero instrumento ou mesmo mercadoria, a linguagem humana,

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entendida aqui como “expressão humana” nos é apresentada por Bakhtin em suas mais profundas características: sua polifonia (as vozes de que ela se constitui), sua polissemia (multiplicidade significativa), sua abertura e incompletude (intertextualidade) e sua dialogia constitutiva. No dia da Feira Literária, ficou clara a dialogia de gêneros que, conversando entre si, constituíram uma unidade de sentido.

Quanto ao ensino da Língua Portuguesa e dos gêneros textuais, a Proposta Curricular observa que na escola devem-se abranger os gêneros que proliferam na sociedade, é interessante trabalhar com textos que manifestem os discursos da sociedade. Então, os gêneros utilitários, ligados à vida do aluno, bem como os gêneros artísticos e literários que estão em contato com o aluno no cotidiano e na sua vivência escolar não poderiam deixar de ser tratados na feira.

Dialogando com os conceitos de arte, literatura, linguagem, gêneros textuais, bem como com as orientações da Proposta Curricular de Santa Catarina, procurou-se organizar uma Feira Literária que pudesse fazer com que professores e alunos refletissem e socializassem conhecimento a partir de tais conceitos.

Elaboração e aplicação do projeto

A elaboração/aplicação do projeto contou com a participação direta dos orientadores,

professores das disciplinas de Língua Portuguesa, Literatura e Arte, e, principalmente, dos discentes. O projeto foi dividido em etapas e apresentado a eles dois meses antes da feira. Na primeira etapa, ao longo de um mês, trabalhou-se em sala de aula com a diferenciação e diversidade de gêneros, suas características, produção e exemplos. Na segunda etapa, a fase de organização e preparação para a Feira, cada professor de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio, cumprindo seu papel de mediador, abraçou algumas turmas e, juntamente com os alunos, organizou uma apresentação do gênero para toda a comunidade escolar e armazenense.

Os gêneros que foram divididos para dez salas do Ensino Médio do ano de 2011, com participação especial do Magistério, distribuíram-se da seguinte forma: Lenda: 1ª 01; Propaganda: 1ª 02; Receita: 1ª 03; Poema: 1ª 04; Da carta ao e-mail: 2ª 01; Romance (Iracema): 2ª 02; Entrevista e Programa de auditório: 2ª 03; Jornal: 2ª 04; Música: 3ª 01; Novela: 3ª 02; Conto maravilhoso: 3ª 03; História em quadrinhos: Magistério.

No dia da feira, cada uma destas turmas estava em uma sala da escola apresentando um gênero e recebendo a comunidade para que pudessem socializar o que aprenderam. As apresentações tinham hora marcada e teve-se o cuidado para que não chocassem horários, exceto em alguns casos, que foi inevitável.

Cada turma divulgava o seu gênero pelos corredores, convidando a sociedade a visitá-los. Em suas propagandas, os alunos que divulgavam sua turma diziam a qual turma pertenciam, qual gênero apresentavam e informavam seus horários. Assim, o público poderia se organizar e assistir a todas as apresentações.

A turma 1ª 01 (Anexo I), com o gênero literário “lenda”, marcado pela oralidade, recebeu os convidados com suspense. O cenário foi montado em uma sala escura e decorado com estátuas vivas que representavam personagens famosos de mitos e lendas. Os visitantes foram recebidos por alunos caracterizados como Saci, Sereia, Vampiro, entre outros personagens que mostravam que se tratava de um gênero literário e explicaram suas características. Concluindo, a sala dramatizou algumas lendas e apresentou uma gravação em vídeo – curta-metragem – na qual eles mesmos eram personagens da lenda urbana Maria Sangrenta.

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A 1ª 02 (Anexos II e III) divulgou sua apresentação de maneira bem condizente ao gênero: convidou a comunidade uma semana antes em uma propaganda veiculada pelo jornal “O Regional Sul” da cidade; um dia antecedente a feira entregou folders, outra forma de propaganda; e, no dia, duas palhacinhas bem trajadas propagavam a sala em forma de “propaganda homem-sanduíche”. Na apresentação, a sala explicou que se tratava de um gênero utilitário, mostrou suas características e apresentou propagandas que se destacaram em épocas antecedentes e estavam se destacando atualmente.

Com o gênero utilitário receita trabalhou a 1ª 03 (Anexos IV e V). Chefes de cozinha brasileiros, italianos, franceses, alemães e japoneses apresentaram a culinária mundial e entregaram ao público a receita de uma comida típica de cada país apresentado, ao mesmo tempo em que explicaram as características do gênero. A turma até cozeu, fazendo demonstração de uma receita de docinhos coloridos para festinhas, e serviu o cozimento. Para finalizar, com uma receita bem literária e carinhosa, mostraram quais são os ingredientes que faziam deles uma turma divertida e acolhedora.

A turma 1ª 04 (Anexos VI E VII) apresentou o gênero poema. Montou um sarau literário apresentado em um cenário que continha um “caminho circular”, onde o povo circulava e parava em pontos estratégicos para conhecer poemas de temas diferentes e suas características – poemas de amor, gótico e crítica social. Bem caracterizados, primeiro, em um cenário romântico, apresentaram e recitaram o “Soneto de fidelidade”, de Vinícius de Moraes, depois, em um cenário gótico, recitaram um poema gótico de autoria dos próprios alunos, e por último, em um cenário cotidiano, dramatizaram e recitaram o poema “O bicho”, de Manuel Bandeira.

A 2ª 01 (Anexo VIII) apresentou os gêneros carta e e-mail, aproveitando para mostrar a evolução das formas de escrita e comunicação. Também explicaram as características dos gêneros e montaram um cenário com objetos que, auxiliando sua apresentação, comprovavam a evolução dos meios de comunicação e chamavam a atenção do espectador.

A 2ª 02 (Anexo IX) escolheu o gênero romance. Mostrou ao público que se tratava de um gênero literário e suas características. Para dramatizar, escolheu o romance “Iracema”, de José de Alencar, famoso por retratar o encontro do bom selvagem com o colonizador português, o que difundiu a cultura brasileira. Foi uma bela apresentação.

À 2ª 03 (Anexos X e XI) couberam os gêneros entrevista televisiva e programa de auditório. Montaram um cenário no qual ambos os gêneros dialogavam: apresentou-se o programa de entrevista “De frente com Gabi” e o “Cassino do Chacrinha”. Durante a entrevista da Gabi, que entrevistava Silvio Santos, os alunos contaram a história e trajetória de alguns programas de auditórios e seus respectivos apresentadores, bem como falaram sobre as características do gênero. No Cassino do Chacrinha, interagiram com o público revivendo o show de calouros. O público saiu maravilhado.

Com o gênero jornal, a 2ª 04 (Anexos XII e XIII) fez uma bela apresentação. A sala foi decorada toda com jornais impressos e “Deivid Bonner” e “Nicole Maria”, juntamente com outros jornalistas receberam os convidados. Foi explicado a eles o surgimento e trajetória da imprensa e de alguns jornais da região. De brinde, os espectadores levavam para casa o jornal semanal “O Regional Sul”, de Armazém.

A 3ª 01 (Anexo XIV) foi dinâmica e pluricultural com o gênero música. Explicaram que se tratava de um gênero artístico e também literário, e divertiram o público com a apresentação de diferentes gêneros musicais interpretados por eles mesmos. Nesta sala, houve a participação especial das alunas surdas-mudas que traduziam as canções em libras.

O gênero novela, da 3ª 02 (Anexo XV e XVI), despertou notavelmente a atenção da comunidade com a dramatização de algumas cenas da novela “O clone”. O cenário foi muito

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bem preparado e o público muito bem recebido. Também saíram bem entendidos no que dizia respeito às características do gênero.

A 3ª 03 (XVII e XVIII) apresentou o conto maravilhoso. Duas narradoras explicaram as características e narraram “Chapeuzinho Vermelho” e “Branca de Neve e os Sete Anões”, encenados por seus colegas. Não havia uma criança que não visitasse esta sala e saísse de lá encantada.

O Magistério (Anexo XIX) tratou das histórias em quadrinhos em forma de linha do tempo. Para isto, apresentaram na rampa da escola. Falaram como o gênero surgiu, quais eram suas características e por último, como estava próximo do Natal, apresentaram histórias em quadrinhos com este tema.

Quanto ao custo do projeto, foi mínimo para a escola. Cada sala se organizou com a ajuda dos pais para o figurino, utilizamos papel pardo para os cenários (tínhamos bastante), e, em apenas algumas situações, arrecadamos um pouquinho de dinheiro de professores e alunos. A parceria fez com que tudo desse certo. A sociedade em geral gostou do que viu.

Depoimento

Sou Elaine Miguel Spindola, professora de Língua Portuguesa e Literatura na Escola

de Educação Básica Monsenhor Francisco Giesberts no ano de 2011, contratada por caráter temporário pela Secretaria de Educação do Estado de Santa Catarina. Há seis anos venho trabalhando nesta escola.

O ano de 2011 foi muito difícil, não somente para nós, mas acredito que para a maioria das escolas de Santa Catarina, devido ao estado de greve. Na metade do ano, estivemos em paralização por dois longos meses.

Quando a greve teve fim e todos retornaram, tivemos uma maratona de reposição de aulas e todos estavam cansados, professores e alunos. Percebeu-se certa insatisfação por parte do corpo docente e desmotivação por parte do corpo discente.

O grupo de orientadores da escola já havia pensado, no início do ano, em um projeto que envolvesse as disciplinas de Arte, Língua Portuguesa e Literatura. Mas como o tempo era curto para tantas reposições, não sabiam se aplicaríamos o projeto naquele ano.

As reposições foram sendo feitas aos sábados e o mês de dezembro seria esticado até janeiro. Não desenvolvemos alguns projetos escolares que costumávamos desenvolver, como por exemplo, a Festa Junina, que conta com a participação de quase toda a comunidade escolar. Já sentíamos falta de práticas que envolvessem os alunos e a comunidade. Lançou-se então a proposta da feira literária para os alunos do Ensino Médio, e para nossa surpresa e alegria, eles abraçaram-na com muito entusiasmo.

O projeto foi posto em prática. Eu, como professora de Língua Portuguesa e Literatura e, cumprindo o papel de professor mediador, abracei algumas turmas como coordenadora, assim como fizeram as outras professoras de Língua Portuguesa, Literatura e Arte e os orientadores da escola. O projeto foi desenvolvido ao longo de dois meses e o resultado final seria uma Feira Literária apresentada para toda a comunidade.

Durante o primeiro mês, em sala de aula, discutimos os gêneros e suas características e buscamos diversos exemplos de cada um deles. No segundo mês, já estávamos nos preparando para a apresentação dos gêneros para o restante da comunidade escolar e para toda a sociedade de Armazém.

O trabalho foi sendo feito de forma prazerosa, divertida. As ideias iam sendo discutidas e unidas, cada um tinha uma tarefa, e todos juntos, uma grande meta: fazer a feira “Arte e Literatura, maneiras diferentes de ler e ver” acontecer. Planejávamos de que forma

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seria cada apresentação, montávamos os roteiros, decidíamos com quem ficaria cada papel, como nos caracterizaríamos, enfim, organizávamos tudo para o grande dia.

Lembro-me que na sexta-feira que antecedia a feira, montamos os cenários ansiosos. Cada sala queria mostrar o seu potencial, um ajudava o outro, até que todos os cenários foram sendo construídos. Os professores de todas as matérias nos ajudaram neste dia, houve o empenho de toda a comunidade escolar. Mas as grandes estrelas do projeto, é claro, foram os alunos. Era enriquecedor vê-los se preocupar com todos os detalhes. Se a apresentação seria clara e objetiva, se os espectadores entenderiam de forma clara o que eram os gêneros textuais e que faziam parte do nosso dia-a-dia, se todo o figurino estava pronto, como conseguiriam tudo o que utilizariam, como por exemplo, a rosa que o eu - lírico seguraria na recitação do “Soneto de fidelidade”, quem faria os pratos que estariam na exposição do gênero receita, entre outras tarefas. Naquela sexta-feira, ficamos até mais tarde no colégio, na expectativa de que tudo ficasse perfeito.

O grande dia chegou, e tudo deu tão certo, que ficou até melhor que o planejado. Os alunos estavam entusiasmados, bem como suas famílias e amigos, recebiam a sociedade com convicção e alegria. O número de visitantes também surpreendeu. A sociedade visitou a escola e gostou do que viu. Todos se preocupavam se daria tempo de assistir a todas as apresentações. Foi realmente uma prática escolar que deu certo.

Fiquei muito grata e orgulhosa de ter participado deste projeto. Pela parceria agradeço de coração a todos os professores e funcionários da escola, em especial aos orientadores Adalto Lúcio da Rosa, muito afetuoso e prestativo, Kátia Macarley Lopes, que com toda criatividade e carinho é mentora da maioria dos nossos projetos escolares e sempre nos ampara e coordena com seu talento artístico – as pinturas que compõem os cenários são delas – e à professora de Língua Portuguesa e Literatura Deise Feuser Moraes, também coordenadora, mentora e redatora do projeto. De forma bem carinhosa, gostaria de agradecer, principalmente, a todos os alunos que participaram efetivamente do projeto (Ensino Médio e Magistério) e aos alunos do Ensino Fundamental I e II, nossos espectadores e, depois da apresentação, fãs. Também agradeço a todas as famílias e a comunidade em geral pela participação.

Com a Feira Literária “Arte e Literatura: maneiras diferentes de ler e ver” vencemos a insatisfação e desmotivação oriunda daquele ano conturbado. São em projetos como estes que, como professora, sinto-me realizada. Gosto de socializar o conhecimento com os alunos compartilhando a minha bagagem e aprendendo muito com eles também. Tenho orgulho de dizer “SOU PROFESSORA”.

Conclusão

Quando se fala em “escola” e em “processo ensino-aprendizagem”, sabe-se da

dificuldade de despertar nos discentes o interesse. A partir do que foi discutido e relatado neste artigo, observa-se que práticas escolares que valorizam o conhecimento de mundo do aluno, a interdisciplinaridade e a troca de experiências observada por um professor mediador é um caminho certo a seguir.

A Feira Literária “Arte e Literatura: maneiras diferentes de ler e ver” é um exemplo disto. Observa-se que, para tanto, algumas questões somaram pontos. O diálogo entre as disciplinas de Arte, Língua Portuguesa e Literatura e a opção pelo tema, que tratava da diversidade de gêneros que permeiam o universo dos alunos e da sociedade em geral, contribuíram muito para o sucesso. Procurou-se, no projeto, representar a vida através da arte e produzir conceitos científicos a partir desta representação. O aluno sentiu-se envolvido ao conhecer e trabalhar com aspectos da cultura global. O papel do professor como mediador

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também contribuiu muito no processo, pois o aluno sentiu-se seguro. A organização do projeto também contribuiu para que a socialização de conhecimento acontecesse.

O homem é um ser social, portanto a construção de conhecimento acontece na mente humana a partir de uma cultura, uma sociedade. Daí a importância de projetos comunitários como este aqui relatado na formação do sujeito aluno. São práticas como estas que fazem a instituição escola “acontecer”.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 279-326. BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a Arte. São Paulo: Ática, 1999. MARX, Karl. O dezoito brumário de Luiz Bonaparte. In: Os Pensadores. São Paulo. Abril, 1974. SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto, Proposta Curricular de Santa Catarina: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio: Disciplinas Curriculares. Florianópolis: COGEN, 1998. VYGOTSKY, Lev Seminovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Trad. José Cipolla Neto, Luiz Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 4. Ed. São Paulo. Martins Fontes, 1991.

Anexos

ANEXO I

ANEXO II

Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão

Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012

10

ANEXO III

ANEXO IV

ANEXO V

Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão

Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012

11

ANEXO VI

ANEXO VII

ANEXO VIII

Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão

Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012

12

ANEXO IX

ANEXO X

ANEXO XI

Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão

Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012

13

ANEXO XII

ANEXO XIII

ANEXO IVX

Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão

Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012

14

ANEXO XV

ANEXO XVI

ANEXO XVII

Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão

Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012

15

ANEXO XVIII

ANEXO XIX