Arthur C. Clarke - 2001 Uma OdissCia No Espaao

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Arthur C. Clarke 2001 ODISSIA NO ESPAO

PRLOGO Cada homem vivo transporta o peso de trinta fantasmas, pois nesta proporo qu e o nmero dos mortos excede o dos vivos. Desde o incio dos tempos, cerca de cem bi lies de seres humanos caminharam sobre o planeta Terra. Ora, este um nmero interes sante, pois, por coincidncia, h aproximadamente cem bilies de estrelas no nosso uni verso, a Via Lctea. Portanto, por cada homem que alguma vez viveu, brilha uma est rela neste Universo. Mas cada uma dessas estrelas um sol, frequentemente muito m ais brilhante e glorioso que a pequena estrela a que chamamos o Sol. E muitos talvez a maioria- desses sois, tm planetas girando sua volta. Portanto, h com cert eza territrio suficiente no cu para que cada membro da raa humana, desde o primeiro homem-macaco, tenha o seu cu - ou inferno - privado, do tamanho de um mundo. Quantos desses potenciais cus ou infernos so habitados, e por que tipo de cr iaturas, coisa que no podemos saber; o mais prximo fica um milho de vezes mais long e que Marte ou Vnus, esses objectivos, ainda remotos, da prxima gerao. Mas as barrei ras da distncia vo-se esboroando; um dia, encontraremos os nossos iguais, ou os no ssos senhores, entre as estrelas. Os homens no tm sido muito lestos a encarar esta perspectiva; alguns ainda e speram que ela nunca se torne realidade. Cada vez mais gente, no entanto, pergun ta: Por que razo no ocorreram j tais encontros, se ns prprios estamos prestes a avent rar-nos no espao? E por que no? Este livro uma resposta possvel a pergunta to razovel. Mas no se esqueam: esta apenas uma obra de fico. A verdade, como sempre, ser muito mais estran ha. A. C. C. ndice 1 - ESTRADA PARA A EXTINO 2 - A NOVA PEDRA 4 3 - ACADEMIA 7 4 - O LEOPARDO 10 5 - REENCONTRO NA MADRUGADA! 6 - ASCENSO DO HOMEM 16 7 - VOO ESPECIAL 18 8 - ENCONTRO ORBITAL 23 10 - BASE CLAVIUS 31 11 - ANOMALIA 35 12 - JORNADA 38 13 - TELEFONE! 40 13 - A LENTA MADRUGADA 43 14 - OS OUVINTES 46 15 - DISCO 48 16 - HAL 52 17 - CRUZEIRO 54 18 - ATRAVS DOS ASTERIDES 19 - JPITER 60 20 - O MUNDO DOS DEUSES 64 21 - FESTA DE ANIVERSRIO 1

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22 - EXCURSO 69 23 - DIAGNSTICO 74 24 - CIRCUITO CORTADO 76 25 - O PRIMEIRO HOMEM EM SATURNO 26 - DILOGO COM HAIA 81 27 - NECESSIDADE DE SABER 85 28 - NO VCUO 86 29 - SOZINHO 91 30 - O SEGREDO 93 31 - SOBREVIVNCIA 96 32 - A PROPSITO DE EXTRATERRESTRES 33 - EMBAIXADOR 102 34 - GELO EM RBITA 104 35 - O OLHO DE JAPETUS 107 36 - IRMO MAIS VELHO 109 37 - EXPERINCiA 110 38 - A SENTINELA 112 39 - DENTRO DO OLHO 114 40 - SADA 116 41 - ESTAO CENTRAL 117 42 - O CU ALIENGENA 120 43 - INFERNO 123 44 - RECEPO 125 45 - RECAPITULAO 130 47 - CRIANA ASTRAL 132 EPLOGO: DEPOIS DE 2001 133

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1 - ESTRADA PARA A EXTINO A seca durava j havia dez milhes de anos, e o reino dos terrveis lagartos ter minara muito tempo atrs. No equador, no continente a que um dia se chamaria frica, a batalha pela existncia atingir um novo clmax de ferocidade, e o vencedor ainda no estava vista. Naquela terra rida e seca, s os pequenos, os velozes ou os destemid os, conseguiam florescer ou at esperar sobreviver. Os homens-macacos da savana no eram nada disto, e no estavam a florescer; al is, j iam bem avanados na estrada para a extino racial. Cerca de cinquenta deles ocup avam um grupo de cavernas sobranceiras a um valezinho ressequido, dividido por u m rio parado, alimentado pelas neves das montanhas que ficavam a trezentos quilme tros para norte. Quando os tempos eram maus, o rio desaparecia completamente, e a tribo vivia sombra da sede. Tinham sempre fome, mas, naquela altura, quase morriam de inanio. Quando a p rimeira e dbil luz da madrugada entrou na caverna, Sentinela-da-Lua viu que o seu pai havia morrido durante a noite. No sabia que o Velho era seu pai, pois tal re lao estava muito para l da sua compreenso, mas, ao olhar para o corpo magro, sentiu uma leve inquietao, antepassada da tristeza. As duas crias j estavam a choramingar pedindo comida, mas calaram-se quando Sentinela-da-Lua lhes rosnou. Defendendo o beb que no podia alimentar em condies, u ma das mes devolveu-lhe um rugido zangado; mas ele nem sequer tinha energia para a espancar pelo seu atrevimento. J fazia luz suficiente para partir. Sentinela-da-Lua pegou no cadver enrugad o e, inclinando-se, arrastou-o para l do baixo beiral da caverna. Uma vez no exte rior, atirou o corpo para cima das costas, e endireitou-se-o nico animal do mundo capaz de o fazer. Entre os da sua espcie, Sentinela-da-Lua era quase um gigante. Tinha cerca de um metro e meio de altura, e, embora extremamente subalimentado, pesava mais de quarenta e cinco quilos. O seu corpo peludo e musculado estava a meio caminho entre o macaco e o homem, mas a sua cabea encontrava-se j muito mais prxima do hom em do que do macaco. A testa era baixa, e apresentava salincias por cima dos olho s, mas transportava inegavelmente nos seus genes a promessa de humanidade. Quand

o contemplava o hostil mundo do plistoceno, o seu olhar continha j algo que ultra passava as capacidades de um macaco. Naqueles olhos escuros e profundos lia-se o despertar de uma conscincia - os primeiros sinais de uma inteligncia que no poderi a cumprir-se ainda por muito tempo, e que em breve talvez se extinguisse para se mpre. Como no havia sinal de perigo, Sentinela-da-Lua, ligeiramente embaraada pelo seu fardo, comeou a descer a encosta quase vertical que dava para a caverna. Com o se houvessem estado espera do seu sinal, os outros membros da tribo saram dos s eus lares, bastante mais abaixo na superfcie rochosa, e dirigiram-se para as guas lamacentas do rio, para a primeira bebida da manh. Sentinela-da-Lua observou o outro lado do vale, tentando descortinar os ou tros, mas eles no estavam vista. Talvez no tivessem ainda sado das cavernas, ou j es tivessem a comer ervas nalgum sitio mais afastado da encosta. Como no se viam, Se ntinela-da-Lua esqueceu-os; era incapaz de se preocupar com mais de uma coisa ao mesmo tempo. Primeiro, tinha de se desembaraar do Velho - no era problema em que precisas se de pensar muito. Houvera muitas mortes naquela estao, uma delas na sua prpria ca verna; bastar-lhe-ia abandonar o corpo no sitio onde pusera o novo beb, no ltimo q uarto da lua, e as hienas fariam o resto. Estas j estavam espera, no local onde o valezinho se abria e entrava na sav ana, quase como se soubessem que ele vinha ai. Sentinela-da-Lua deixou o corpo d ebaixo de um pequeno arbusto, - todos os ossos anteriores j haviam desaparecido , e regressou apressadamente para junto da tribo. Nunca mais pensou no pai. As suas duas companheiras, os adultos das outras cavernas e quase todos os jovens, comiam erva entre as rvores definhadas pela seca, vale acima, e procurav am bagas, razes suculentas, folhas e ddivas inesperadas constitudas por lagartos ou roedores pequenos. S os bebs e os velhos mais fracos eram deixados nas cavernas; se sobrasse alguma comida ao fim do dia, talvez fossem alimentados. Se no, as hie nas teriam mais um dia de sorte. Mas aquele dia foi bom - embora, claro, Sentinela-da-Lua no possusse uma ver dadeira memria do passado, e no pudesse, portanto, comparar um tempo com o outro. Encontrara uma colmeia no tronco de uma rvore morta, e saboreara a iguaria mais d eliciosa que o seu povo jamais conhecera; tardinha, conduzindo o seu grupo para casa, ainda lambia os dedos de tempos a tempos. Claro que tambm recebera um razove l nmero de picadelas, mas mal reparara nelas. Estava o mais perto que podia esper ar da satisfao - pois embora ainda tivesse fome, no se sentia realmente debilitado por ela. E isso era o mximo a que um homem-macaco podia aspirar. A sua satisfao desapareceu quando chegou ao rio. Os Outros estavam l. Iam l to dos os dias, mas isso no tornava as coisas menos aborrecidas. Eram cerca de trinta e no se distinguiam dos membros da tribo do prprio Sent inela-da-Lua. Quando o viram chegar, comearam a danar, a abanar os braos e a guinch ar, no seu lado do rio, e o povo de Sentinela-da-Lua respondeu-lhes do mesmo mod o. E isso foi tudo o que aconteceu. Embora os homens-macacos lutassem vrias ve zes entre si, muito raramente as suas disputas resultavam em ferimentos graves. Como no possuam garras nem dentes caninos adaptados luta, e estavam bem protegidos com o plo, quase nunca infligiam golpes srios uns aos outros. Alm disso, pouca ene rgia lhes sobrava para comportamento to improdutivo; rosnadelas e ameaas constituam um modo muito mais eficiente de afirmarem os seus pontos de vista. A confrontao durou cerca de cinco minutos; a exibio acabou ento to depressa com comeara, e todos se puseram a beber copiosamente na gua lamacenta. A honra fora s atisfeita; cada um dos grupos frisara bem o direito que tinha ao seu prprio terri trio. Depois de tratado assunto to importante, a tribo afastou-se pelo seu lado do rio. A pastagem mais prxima ficava a mais de um quilmetro e meio das cavernas, e tinham de a partilhar com uma manada de grandes animais parecidos com antlopes, q ue aceitavam muito mal a sua presena e no podiam ser combatidos, pois possuam feroz es punhais nas cabeas. As armas naturais de que os homens-macaco no dispunham. Portanto, Sentinela-da-Lua e os seus companheiros mastigavam bagas, frutos e folhas, e combatiam os espasmos da fome enquanto sua volta, combatendo pelos mesmos pastos, estava uma potencial fonte de mais comida que a que alguma vez po

deriam esperar comer. No entanto, os milhares de toneladas de carne suculenta, q ue deambulavam pela savana e atravs dos matagais, no se encontravam apenas fora do seu alcance; estavam tambm para alm da sua imaginao. No meio da abundncia, morriam l entamente fome. A ltima luz do dia viu a tribo regressar s suas cavernas sem incidentes. A fm ea ferida que ficara arrulhou de prazer quando Sentinela-da-Lua lhe deu o ramo c oberto de bagas que trouxera, e atacou-o avidamente. No era l grande alimento, mas ajud-la-ia a sobreviver at a ferida que o leopardo lhe fizera estar sarada, e ela poder voltar a procurar comida por si prpria. Uma lua cheia erguia-se por cima do vale, e um vento gelado soprava das mo ntanhas distantes. Ia ser uma noite muito fria- mas o frio, tal como a fome, no e ra assunto para grandes preocupaes; fazia parte da vida. Sentinela-da-Lua mal se mexeu quando os guinchos e gritos vindos de uma da s cavernas mais baixas ecoaram pela encosta, e no precisou de ouvir o rugido do l eopardo para saber exactamente o que estava a acontecer. L em baixo, o velho Plo B ranco e a sua famlia combatiam e morriam na escurido, e o pensamento de que talvez pudesse ajudar nunca atravessou o esprito de Sentinela-da-Lua. A desapiedada lgic a da sobrevivncia exclua tais fantasias, e nem uma voz de protesto se levantou da encosta atenta. Todas as cavernas ficaram silenciosas, pois no queriam por sua ve z atrair o desastre. O tumulto foi morrendo; Sentinela-da-Lua ouviu ento o som de um corpo sendo arrastado por cima das pedras. Mas durou apenas alguns segundos; depois, o leop ardo abocanhou a sua presa. Sem mais rudos, afastou-se silenciosamente, carregand o a sua vtima nos dentes. O leopardo no representaria qualquer perigo durante um dia ou dois, mas pod ia haver outros inimigos por a, tirando partido do Pequeno Sol frio que s brilhava noite. As vezes, e desde que fosse dado o alerta, os gritos e berros chegavam p ara pr em fuga os predadores mais pequenos. Sentinela-da-Lua rastejou para fora d a caverna e trepou para um pedregulho que estava ao lado da entrada, onde se aga chou vigiando o vale. De todos os seres que alguma vez haviam caminhado na Terra, os homens-maca cos eram os primeiros a olhar de frente para a lua. E, embora no pudesse lembrarse, quando era pequeno Sentinela-da-Lua costumava esticar-se todo e tentar tocar naquela face fantasmagrica que se erguia acima das montanhas. Nunca o conseguira, e agora j era suficientemente crescido para saber porqu. Era mais que bvio que primeiro teria de subir a uma rvore muito alta. Contemplava o vale, observava a lua, e estava permanentemente escuta. Dormitou uma ou duas vezes, mas sempre com os sentidos alerta - despertaria ao menor som. Apesar de j ter vinte e cinco anos, continuava na posse de todas as suas faculdades; se tive sse sorte e evitasse acidentes, doenas, predadores e inanio, talvez sobrevivesse ma is dez anos. A noite ia-se arrastando, fria e clara, sem mais alarmes, e a lua erguia-s e lentamente por entre constelaes equatoriais que os olhos humanos nunca contempla riam. Nas cavernas, entre perodos de sono irregular e viglias temerosas, geravam-s e os pesadelos de geraes futuras. Erguendo-se at ao znite e descendo para leste, um ofuscante ponto de luz, ma is brilhante que qualquer estrela, atravessou lentamente o cu. 2 - A NOVA PEDRA Sentinela-da-Lua acordou subitamente a meio da noite. Exausto pelos esforos e desastres do dia, adormecera mais profundamente que o habitual, mas acordou i mediatamente com o primeiro leve arranhar que ouviu l em baixo no vale. Com os se ntidos todos alerta, sentou-se na ftida escurido da caverna, e o medo entrou-lhe l entamente na alma. Nunca na sua vida, j duas vezes mais longa que a da maioria do s membros sua espcie, ouvira um som como aquele. Os grandes gatos faziam a sua ap roximao em silncio, e a nica coisa que os traa era um raro escorregamento de terras, ou o ocasional estalido de um ramo. Mas aquele era um rudo contnuo de triturao, cada vez mais alto. Parecia que um bicho enorme se movia atravs da noite, sem procura r esconder-se, e ignorando todos os obstculos. Sentinela-da-Lua ouviu uma vez o s

om inconfundvel de um arbusto a ser arrancado; os elefantes e os dinotrios faziamno frequentemente, mas, de resto, moviam-se to silenciosamente como os gatos. Chegou-lhe ento aos ouvidos um som que Sentinela-da-Lua no podia identificar , pois nunca fora produzido na histria do mundo: o rudo de metal chocando na pedra . Sentinela-da-Lua encontrou-se frente a frente com a Nova Pedra quando, pri meira luz da manha, conduziu a tribo at ao rio. J praticamente esquecera os terror es da noite, pois nada acontecera aps aquele rudo inicial; portanto, nem sequer as sociou aquela estranha coisa com perigo ou medo. Afinal de contas, no havia nada de alarmante nela. Tratava-se de uma lmina rectangular de uma altura trs vezes superior sua, ma s suficientemente estreita para poder abarc-la com os braos, feita de um material completamente transparente; na verdade, s era fcil v-la porque o sol-nascente cinti lava nas suas arestas. Como Sentinela-da-Lua nunca vira gelo, ou mesmo gua lmpida, no podia comparar aquela apario com quaisquer objectos naturais. Era muito atraent e e, embora desconfiasse prudentemente de quase todas as coisas novas, no hesitou muito em aproximar-se timidamente. Como no aconteceu nada, estendeu a mo, e tacte ou uma superfcie fria e dura. Aps vrios minutos de uma meditao profunda, chegou a uma explicao brilhante. Era uma pedra, claro, que devia ter crescido durante a noite. Muitas plantas faziamno umas coisas brancas e carnudas, semelhantes a seixos, que pareciam despontar durante as horas de escurido. Claro que eram pequenas e redondas, e aquilo mostra va-se largo e com arestas... mas filsofos mais sbios e posteriores a Sentinela-daLua, viriam a ignorar excepes igualmente gritantes das suas teorias. Este realmente soberbo pensamento abstracto, levou Sentinela-da-Lua a faze r - em apenas trs ou quatro minutos- uma deduo que imediatamente testou. As plantas brancas e redondas como seixos eram muito saborosas (embora houvesse algumas qu e provocavam doenas violentas); e se esta to alta...? Umas poucas lambidelas e tentativas de a morder, cedo o desiludiram. Aquil o no era comida; portanto, mostrando ser um homem-macaco sensato, continuou o seu caminho at ao rio, e esqueceu o monlito cristalino durante a rotina diria de que f aziam parte os gritos dos Outros. A comida estava mais escassa, e a tribo teve de se afastar vrios quilmetros das cavernas para encontrar alguma coisa. Durante o impiedoso calor da tarde, um a das fmeas mais frgeis desmaiou longe de qualquer abrigo. Os seus companheiros ju ntaram-se sua volta, agitando-se e remexendo-se solidariamente; mas ningum podia fazer nada. Se estivessem menos exaustos, talvez a carregassem com eles, mas no t inham energia que chegasse para tais actos de piedade. Ela ficaria para trs, e re cuperaria ou no por si s. A tardinha, quando regressaram a casa, passaram pelo local onde ela havia ficado; nem um s osso se via. A ltima luz do dia, olhando ansiosamente em volta, no fossem surgir caadores apressados, beberam rapidamente no rio, e comearam a escalada at s cavernas. Estava m ainda a cem metros da Nova Pedra quando o som se fez ouvir. Era muito baixinho , mas f-los estacar, paralisados, as suas bocas abertas sem energia. Uma vibrao sim ples e exasperantemente repetitiva emanava ritmicamente do cristal, e hipnotizav a todos os que entravam no seu raio mgico. Pela primeira vez e pela ltima, por mai s de trs milhes de anos o som dos tambores foi ouvido em frica. A pulsao tornou-se mais alta, mais insistente. Como sonmbulos, os homens-maca co comearam a avanar em direco fonte daquele som to compulsivo. As vezes, quando o s ngue lhes respondia a ritmos que os seus descendentes ainda levariam muito tempo a criar, davam passinhos de dana. Totalmente em transe, esquecendo as privaes do d ia, os perigos do anoitecer e a fome que sentiam nas barrigas, reuniram-se em vo lta do monlito. O bater dos tambores aumentou de volume, e a noite tornou-se mais escura. As sombras iam-se alongando e a luz desaparecendo do cu; o cristal comeou a brilha r. Primeiro, perdeu a sua transparncia, e foi iluminado por uma luminescncia plida e leitosa. Fantasmas apetecveis e indefinidos atravessavam-lhe a superfcie e mover am-se nas suas profundezas. Coalescendo em barras de luz e sombra, transformaram -se depois em padres entrelaados, com raios, que comearam lentamente a rodar.

As rodas de luz giravam cada vez mais depressa e a pulsao dos tambores acele rava-se com elas. Profundamente hipnotizados, os homens-macaco fitavam boquiaber tos tal estonteante exibio de pirotecnia. Haviam j esquecido os instintos dos seus antepassados e as ligaes de uma vida; normalmente, nem um deles ficaria to longe da sua caverna at to tarde. Os arbustos circundantes pululavam de formas imveis e olh os atentos - as criaturas da noite suspendiam as suas andanas para verem o que ac onteceria a seguir. As rodas de luz comearam a unir-se, e os raios fundiram-se e transformaramse em barras luminosas, que, sempre rodando nos seus eixos, se foram lentamente perdendo na distncia. Dividiam-se ento em pares, e os conjuntos de linhas da result antes deram incio a oscilaes que as faziam cruzar-se, mas sempre segundo ngulos de i nterseco diferentes. Fantsticos, efmeros padres geomtricos brilhavam e desapareciam dida que as fulgurantes grelhas se entrelaavam e desentrelaavam; hipnotizados cati vos do cristal brilhante, os homens-macacos limitavam-se a olhar. No podiam adivinhar que os seus crebros estavam a ser analisados, os seus co rpos examinados, as suas reaes estudadas, os seus potenciais avaliados. ao princpio , toda a tribo permaneceu meia inclinada, formando um quadro imvel que parecia pe trificado. Depois, o homem-macaco que estava mais prximo da lmina, recuperou lenta mente os sentidos. No se mexeu, mas o seu corpo perdeu aquela rigidez de transe, e animou-se c omo uma marioneta comandada por fios invisveis. A sua cabea virou-se para um lado e para o outro; a boca abriu-se-lhe e fechou-se-lhe; entrelaou e desentrelaou os d edos. Depois, baixou-se, arrancou um caule comprido, e tentou dar-lhe um n com os dedos desajeitados. Parecia estar possesso, lutar contra algum esprito ou demnio que se apoderar a do seu corpo. Arquejante, com os olhos perpassados de terror, tentava obrigar os dedos a movimentos mais complexos do que os que estes jamais haviam feito. Apesar dos seus esforos, s conseguiu partir o caule em bocados. Os pedaos cara m no cho, e a influncia que o controlava deixou-o; mergulhou novamente na imobilid ade. Outro homem-macaco despertou e cumpriu a mesma rotina. Tratava-se de um es pcime mais jovem e adaptvel; teve xito onde o mais velho falhara. Embora grosseiram ente, acabava de ser dado o primeiro n do planeta Terra... Outros fizeram coisas ainda mais estranhas e sem sentido. Alguns, esticara m os braos e tentaram unir as pontas dos dedos - primeiro com os olhos abertos, d epois com um fechado. Outros, limitaram-se a observar atentamente as pautas que se formaram no cristal, e que se dividiram cada vez mais finamente, at as linhas se fundirem num borro cinzento. E todos ouviram sons destacados e puros, de inten sidade varivel, que rapidamente ultrapassavam o nvel de audio. Quando chegou a sua vez, Sentinela-da-Lua no teve muito medo. Sentia sobret udo um vago ressentimento, pois os seus msculos contraiam-se e os seus membros ob edeciam a comandos pelos quais no era inteiramente responsvel. Sem saber porqu, baixou-se e apanhou uma pedrinha. Quando se endireitou, vi u uma nova imagem na lmina de cristal. As grelhas e os padres mveis e danantes havia m desaparecido. Substitua-os uma srie de crculos concntricos, que rodeavam um pequen o disco preto. Obedecendo s ordens silenciosas que lhe vinham do crebro, levantou o brao aci ma do ombro, e arremessou-a desajeitadamente. Falhou o alvo por vrios centmetros. Sentiu-se impelido a tentar outra vez. Procurou em volta, e encontrou mais um seixo. Daquela vez atingiu a lmina com um tinido como o de uma campainha. Emb ora ainda precisasse de muito treino, a sua pontaria estava a melhorar. A quarta tentativa, ficou a milmetros do disco central. Um sentimento de um prazer indescritvel, de uma intensidade quase sexual, inundou-lhe o esprito. O co ntrolo afrouxou ento; no se sentiu compelido a fazer nada a no ser ficar sentado es pera. Um a um, todos os membros da tribo foram possudos durante um certo tempo. A lguns tiveram xito, mas a maioria falhou no cumprimento das tarefas que lhe havia m sido impostas; todos foram recompensados com espasmos de prazer, ou castigados com sensaes de dor. A enorme lmina adquiriu ento apenas um fulgor uniforme e incaracterstico; par

ecia uma chapa de luz rodeada de escurido. Subitamente despertos, os homens-macac o abanaram as cabeas, e comearam a seguir o carreiro que levava aos seus refgios. No olharam para trs, nem se interrogaram sobre a estranha luz que os guiava para ca sa e para um futuro ainda desconhecido at das prprias estrelas.

3 - ACADEMIA Sentinela-da-Lua e os companheiros no se lembravam do que haviam visto aps o cristal deixar de projectar o encantamento hipntico sobre as suas mentes e cessa r de fazer experincias com os seus corpos. No dia seguinte, quando saram para proc urar comida, passaram por ele e mal se detiveram a olh-lo; o cristal fazia agora parte do indiferente pano de fundo das suas vidas. No podiam com-lo e ele no podia com-los; portanto, no era importante. No rio, os Outros fizeram as suas habituais e ineficazes ameaas. O seu chef e, um homem-macaco a quem faltava uma orelha, do tamanho e idade de Sentinela-da -Lua, mas em pior estado que ele, chegou mesmo a dar uma rpida corrida em direco ao territrio da tribo, guinchando alto e agitando os braos na tentativa de assustar a oposio e de reforar a sua prpria coragem. A gua do rio no tinha mais de meio metro e profundidade, mas quanto mais Uma-Orelha avanava, mais inseguro e infeliz se to rnava. Em breve abrandou o passo e parou; depois, com exagerada dignidade, recuo u e juntou-se aos seus companheiros. De resto, no houve mais alteraes rotina normal. A tribo conseguiu alimento su ficiente para sobreviver por mais um dia e ningum morreu. E nessa noite, a lmina de cristal, envolta numa aurola pulsante de luz e som , continuou espera. O programa que magicara, no entanto, mostrava-se subtilmente diferente. Ignorou completamente alguns dos homens-macacos, como se quisesse concentr ar-se apenas nos sujeitos mais prometedores. Um destes era Sentinela-da-Lua, que mais uma vez sentiu sondas inquiridoras desbravando-lhe os caminhos virgens do crebro. E comeou a ter vises. Podiam ser imagens encerradas na lmina de cristal, ou talvez proviessem tot almente do seu crebro. Fosse como fosse, eram completamente reais para Sentinelada-Lua. No entanto, o costumeiro impulso automtico de afastar os intrusos do seu territrio, fora acalmado e aquietado. Contemplava um tranquilo grupo familiar, que s diferia num aspecto das cena s que j conhecia. O macho, a fmea e as duas crianas que haviam misteriosamente apar ecido sua frente, mostravam-se fartos e saciados, e envergavam peles macias e lu strosas - e esta era uma vida que Sentinela-da-Lua nunca imaginara. Inconsciente mente, sentiu as suas prprias costelas salientes; as costelas daquelas criaturas estavam envoltas em pregas de gordura. Refastelados perto da entrada de uma cave rna, aparentemente em paz com o mundo, mexiam-se preguiosamente de tempos a tempo s. De vez em quando, o grande macho soltava um monumental arroto de satisfao. No se via mais nenhuma actividade; aps cinco minutos, a cena desvaneceu-se r epentinamente. O cristal transformou-se novamente numa silhueta brilhante na esc urido; Sentinela-da-Lua estremeceu, como se acordasse de um sonho, deu-se abrupta mente conta de onde estava, e conduziu a tribo de volta s cavernas. No possua qualquer memria consciente do que vira; mas quando, naquela noite, de ouvidos alerta para os rudos do mundo que o rodeava, se sentou a cismar entrad a da sua toca sentiu as primeiras e quase imperceptveis picadas de uma nova e pod erosa emoo: uma sensao vaga e difusa de inveja - de insatisfao com a sua vida. No fa ideia do que a causara, e muito menos do que poderia cur-la, mas a insatisfao entr ara-lhe na alma, fazendo-o assim dar um pequeno passo em direco humanidade. O espectculo dos quatro rechonchudos homens-macaco foi repetido noite aps no ite, tornando-se uma fonte de exasperao fascinada, e servindo para aumentar a eter na e torturante fome de Sentinela-da-Lua. A evidncia do que os seus olhos viam no chegaria para produzir tal efeito; precisava de reforo psicolgico. Sentinela-da-Lu a nunca se lembraria das lacunas existentes na sua vida, mas at os tomos do seu cre bro simples eram torcidos e obrigados a adquirir novas formas. Se sobrevivesse, essas formas tornar-se-iam eternas, pois os seus genes pass-las-iam s geraes futuras .

Era um processo lento e tedioso, mas o monlito de cristal tinha pacincia. Ne m ele, nem as suas rplicas espalhadas por metade do globo, esperavam ter xito com todos os grupos envolvidos na experincia. Cem falhanos no teriam importncia, se apen as um nico xito conseguisse mudar o destino do mundo. Na lua nova seguinte, a tribo j vira um nascimento e duas mortes. Uma desta s ficara a dever-se inanio; a outra ocorrera durante o ritual nocturno, quando um homem-macaco se deixara repentinamente ir abaixo a meio da tentativa de juntar d elicadamente dois fragmentos de uma pedra. O cristal escurecera de imediato, e a tribo fora libertada do encantamento. Mas o homem-macaco cado no se mexera; de ma nh, claro, o corpo havia desaparecido. Na noite seguinte no houvera qualquer sesso; o cristal ainda estava a analis ar o seu erro. A tribo desfilara sua frente ao escurecer, ignorando completament e a sua presena. Uma noite depois, j estava novamente pronto para eles. Os quatro homens-macacos rechonchudos continuavam l, mas faziam agora coisa s extraordinrias. Sentinela-da-Lua comeou a tremer de um modo incontrolvel; sentiase como se o crebro lhe fosse rebentar, e quis desviar o olhar. Mas aquele implacv el controlo mental no afrouxava o seu abrao; foi competido a seguir a lio at ao fim, embora todos os seus instintos se revoltassem contra ela. Tais instintos haviam servido bem os seus antepassados, nos dias de chuvas quentes e de luxuriante fertilidade, quando a comida abundava. Dias os tempos h aviam mudado, e a sabedoria herdada do passado tornara-se disparatada e intil. Os homens-macacos tinham de se adaptar ou morrer como os grandes animais que havia m desaparecido antes deles, e cujos ossos jaziam enterrados nas colinas calcaria s. Portanto, Sentinela-da-Lua deixou-se ficar a olhar o monlito de cristal sem pestanejar, com a mente aberta s suas ainda incertas manipulaes. Sentia nuseas freq uentemente, e sempre fome; de vez em quando, as suas mos agarravam inconscienteme nte as formas que iriam determinar o seu novo modo de vida. Fungando e soltando grunhidos, a fila de javalis movia-se atravs do carreir o; Sentinela-da-Lua estacou. Javalis e homens - macacos sempre se haviam ignorad o mutuamente, pois entre eles no existia qualquer conflito de interesses. Como a maioria dos animais que no competem pela mesma comida, limitavam-se a manter-se f ora do caminho uns dos outros. No entanto, Sentinela-da-Lua ficou a olhar para eles, balanando-se hesitant emente para a frente e para trs, esbofeteado por impulsos que no podia compreender . Depois, como num sonho, comeou a vasculhar o cho - embora no tivesse podido expli car para qu, mesmo que possusse o dom da palavra. Reconheceria o que procurava qua ndo o visse. Era uma pedra pesada e pontiaguda, de cerca de quinze centmetros de comprim ento, e embora no se ajustasse perfeitamente sua mo, serviria bem os seus fins. Qu ando fez a mo rodar, espantou-o o seu peso subitamente maior, mas, ao mesmo tempo , teve uma agradvel sensao de poder e autoridade. Comeou a andar na direco do javali ais prximo. O animal era jovem e descuidado, at para os pouco exigentes padres da inteli gncia dos javalis. Embora observasse Sentinela-da-Lua pelo canto do olho, s o levo u a srio demasiado tarde. Por que haveria de atribuir intenes maldosas quelas criatu ras inofensivas? O javali continuou a escavar a erva at o machado de pedra de Sen tinela-da-Lua lhe escurecer a obscura conscincia. O resto da manada continuou a p astar calmamente, pois o assassnio fora rpido e silencioso. Todos os outros homens-macacos do grupo haviam parado a observar; maravilh ados, juntaram-se ento volta de Sentinela-da-Lua e da sua vtima. Um deles apanhou a arma manchada de sangue, e comeou a bater no javali morto. Juntaram-se-lhe outr os, munidos dos paus e pedras que conseguiram encontrar; o alvo dos seus ataques comeou a desintegrar-se. Acabaram por aborrecer-se; alguns vaguearam por ali, outros ficaram hesita ntemente em volta do cadver irreconhecvel. o futuro de um mundo esperando pela sua deciso. S aps um perodo de tempo surpreendentemente longo, uma das fmeas grvidas res lveu lamber a pedra ensanguentada que tinha nas mos. E, apesar do que tinha visto, passou-se ainda mais tempo at Sentinela-da-Lu a perceber bem que nunca mais fome precisaria de ter.

4 - O LEOPARDO Os instrumentos que haviam sido programados para usar eram muito simples, mas podiam mudar o mundo e tornar os homens-macacos os seus senhores. O mais pri mitivo era a pedra que se arremessava, que multiplicava muitas vezes o poder de um golpe. Havia tambm a maa de osso, que aumentava o alcance e podia proteger das presas ou garras de animais zangados. Com estas armas, era deles a infindvel comi da que deambulava pelas savanas. Mas precisavam de outras ajudas, pois os seus dentes e unhas no chegavam pa ra desmembrar rapidamente animais maiores que coelhos. Felizmente, a Natureza pu sera-lhes disposio os instrumentos perfeitos - para os conseguirem s precisavam de alguma coragem. Primeiro foi uma faca ou serra grosseira, mas muito eficiente, de um model o que serviria muito bem durante trs milhes de anos. Era simplesmente o maxilar in ferior - com todos os dentes - de um antlope; este instrumento no sofreria qualque r melhoramento substancial at descoberta do ao. Veio depois uma sovela ou punhal, feito de um chifre de gazela, e finalmente uma raspadeira, obtida a partir das m andbulas completas de praticamente quase todos os animais pequenos. A maa de pedra, a serra denteada, o punhal de chifre, a raspadeira de osso - eis os maravilhosos inventos de que os homens-macacos precisavam para sobreviv er. No tardariam a reconhec-los como smbolos de poder que eram, mas ainda passariam muitos meses at os seus dedos desajeitados adquirirem a habilidade - ou a vontad e - para os usar. Se tivessem tempo, talvez chegassem, pelos seus prprios esforos, ao temvel e brilhante conceito do uso de armas naturais como instrumentos artificiais. Mas a s probabilidades estavam contra eles; mesmo assim, as idades que tinham frente a presentavam-se cheias de hipteses de falhano. Uma primeira oportunidade fora dada aos homens-macacos. No haveria segunda; o futuro estava, muito literalmente, nas suas prprias mos. Passaram-se vrias luas; bebs nasceram e, por vezes, viveram; dbeis e desdenta dos velhos de trinta anos morreram; o leopardo cobrava os seus direitos noite; o s Outros ameaavam diariamente do outro lado do rio - e a tribo esperava. No decur so de um nico ano, Sentinela-da-Lua e os companheiros quase no se reconheciam, to m udados estavam. Haviam aprendido bem as lies; manejavam agora todos os instrumentos que lhes tinham sido revelados. At a memria da fome se lhes esbatia nas mentes; e, embora os javalis estivessem a tornar-se assustadios, as gazelas, antlopes e zebras conti nuavam aos milhares nas plancies. Todos estes animais, e outros, se haviam tornad o vtimas dos aprendizes de caador. Agora que j no andavam meio trpegos de fome, tinham tempo para o lazer e para os primeiros rudimentos do pensamento. Aceitavam o seu novo modo de vida com um a certa indiferena, e de modo algum o associavam ao monlito que se erguia ao lado da pista que levava ao rio. Alis, se alguma vez houvessem feito uma pausa para co nsiderar o assunto, at talvez se tivessem vangloriado de o seu estatuto melhorado se ficar a dever aos seus prprios esforos; de facto, j haviam esquecido qualquer o utro modo de vida. Mas nenhuma Utopia perfeita, e aquela tinha dois defeitos. O primeiro era o leopardo saqueador, cuja paixo por homens-macacos parecia ter-se tornado ainda mais forte, agora que estavam melhor alimentados. O segundo, a tribo do outro la do do rio - os Outros haviam conseguido sobreviver, recusando-se teimosamente a morrer de inanio. O problema do leopardo foi resolvido em parte pelo acaso, e em parte por u m grave - alis, quase fatal - erro de Sentinela-da-Lua. No entanto, na altura a i deia parecera-lhe to brilhante, que chegara a danar de alegria - e talvez no se pud esse culp-lo por no ter ligado s consequncias. A tribo ainda passava dias maus de vez em quando, embora estes j no ameaassem a sua prpria sobrevivncia. Naquele dia, era j escuro, e ningum caara nada; Sentinela -da-Lua conduzia os companheiros, cansados e descontentes, de volta s cavernas, q ue j estavam vista. E l, mesmo porta de casa, encontraram uma das raras ddivas da n

atureza. Um antlope adulto jazia no carreiro. Tinha a pata partida, mas ainda combat ia fogosamente os chacais que o rodeavam e que davam bastante que fazer aos seus chifres agudos como punhais. Mas podiam esperar; sabiam que lhes bastaria aguar dar a sua hora. Mas haviam-se esquecido da competio; rosnando iradamente, recuaram quando os homens-macacos chegaram. Tambm estes rodearam o antlope prudentemente, mantendo-se fora do alcance daqueles chifres to perigosos; depois, munidos de maas e pedras, lanaram-se ao ataque. No foi um assalto muito eficaz ou coordenado; quando o desgraado bicho acabo u por expirar, j escurecera quase completamente e os chacais recomeavam a ganhar c oragem. Dividido entre o medo e a fome, Sentinela-da-Lua foi lentamente perceben do que talvez todo aquele esforo tivesse sido em vo. Era demasiadamente perigoso f icar ali mais tempo. Ento, provou mais uma vez que era um gnio. Com um esforo imenso de imaginao, vi sualizou o antlope morto na segurana da sua caverna. Comeou a arrast-lo para o penha sco; os outros compreenderam as suas intenes e ajudaram-no. Se soubesse partida como a sua tarefa seria difcil, nem chegaria a tent-la. S a enorme fora e a agilidade herdada dos antepassados aborgenes lhe permitiram pux ar a carcaa pela ngreme encosta acima. Chorando de frustrao, quase abandonou o seu t rofeu por vrias vezes, mas uma teimosia to profunda como a sua fome f-lo continuar. Os outros, ora o ajudavam, ora o embaraavam; mas o mais frequente era estorvarem -no. Finalmente, conseguiu; o despedaado antlope foi arrastado por cima da borda d a caverna quando os ltimos matizes de luz desapareciam do cu; e o banquete comeou. Horas depois, cheio at mais no poder, Sentinela-da-Lua acordou. Sem saber po rqu, endireitou-se na escurido, entre os corpos estendidos dos seus igualmente sac iados companheiros, e escutou os rudos da noite. O nico som que se ouvia era a respirao pesada dos outros; o mundo inteiro par ecia adormecido. Banhadas pela brilhante luz da lua, naquele momento bem alta, a s rochas que ficavam para l da entrada da caverna, mostravam-se claras como ossos . Perigo era coisa que parecia infinitamente remota. Ento, o som de um seixo caindo chegou-lhe de muito longe. Temeroso, mas ain da interrogando-se, Sentinela-da-Lua rastejou at ao rebordo da caverna e perscrut ou o penhasco. O que viu deixou-o to paralisado de terror que, por longos momentos, foi in capaz de se mover. Seis metros abaixo dele, dois olhos dourados e cintilantes fi tavam-no directamente; aquele olhar hipntico fez-lhe tanto medo que mal deu pelo seu corpo gil e listrado que se movia flexvel e silenciosamente de rocha em rocha. O leopardo jamais trepara at to alto. Ignorava as cavernas mais baixas, embora de vesse ter-se dado bem conta de que elas eram habitadas. Agora o seu jogo era out ro; perseguia o rasto do sangue, subindo o penhasco banhado pela lua. Segundos mais tarde, a noite foi atravessada pelos gritos de alarme dos ho mens-macacos da caverna superior. O leopardo rugiu de fria quando percebeu que pe rdera o elemento de surpresa. Mas no parou, pois sabia que no tinha nada a temer. Chegou ao rebordo, e descansou um momento no estreito espao aberto. O cheiro de s angue que o rodeava enchia-lhe o crebro feroz e minsculo de um desejo irresistvel. Sem hesitar, esgueirou-se silenciosamente para dentro da caverna. E cometeu o seu primeiro erro, pois, apesar de possuir uns olhos soberbame nte adaptados noite, ao deixar de ser iluminado pela lua, colocou-se numa desvan tagem momentnea. Os homens-macaco viam a sua silhueta desenhada contra a abertura da caverna, com mais nitidez do que o leopardo os via a eles. Embora aterroriza dos, j no eram indefesos. Rugindo e agitando a cauda numa confiana arrogante, o leopardo avanou em bus ca da tenra comida por que suspirava. Se houvesse encontrado a sua presa ao ar l ivre, no teria tido problemas; mas o desespero de se verem encurralados dera aos homens-macacos coragem para tentar o impossvel. E, pela primeira vez, possuam os m eios para o fazer. O leopardo soube que algo ia mal quando sentiu um golpe formidvel na cabea. Atacou com a pata da frente, e ouviu um guincho de agonia quando as suas garras despedaaram carne macia. Sentiu ento uma dor penetrante quando algo afiado se lhe cravou nos flancos uma, duas vezes, e ainda uma terceira vez. Virou-se para luta

r contra as sombras que gritavam e danavam sua volta. Outro golpe violento atingiu-o no focinho. Os seus dentes morderam uma man cha branca que no parava de se mover - e abocanharam apenas um osso. Numa indigni dade final, em que mal podia acreditar, sentiu puxarem-lhe a cauda com toda a fo ra. Deu meia volta, e atirou o seu louco e ousado atormentador contra a parede da caverna. No entanto, fizesse o que fizesse, no conseguia furtar-se chuva de g olpes que Lhe eram infligidas por armas grosseiras empunhadas por mos desajeitada s, mas poderosas. Os seus rugidos passaram da dor ao alarme, e do alarme ao mais puro terror. O implacvel caador era agora a vtima, e tentava desesperadamente esca par. E comeou ento o seu segundo erro, pois a surpresa e o medo haviam-no feito e squecer-se de onde estava. Ou talvez houvesse sido cegado e confundido pelos gol pes que lhe choviam na cabea; fosse o que fosse, o certo que correu abruptamente para fora da caverna. Ouviu-se um guincho horrvel quando o leopardo se viu sem ap oios e comeou a cair. Sculos depois - era o que parecia - um baque surdo indicou q ue se despenhara num afloramento que ficava a meio do penhasco; depois, o som do deslizar de pedras soltas, e a noite ficou novamente em silncio. Intoxicado pela vitria, Sentinela-da-Lua danou e balbuciou durante muito tem po entrada da caverna. Tinha toda a razo ao pressentir que o seu mundo mudara, e que deixara de ser uma vtima impotente das foras que o rodeavam. Voltou depois para dentro da caverna, e, pela primeira vez na sua vida, do rmiu ininterruptamente durante toda a noite. De manha, encontraram o corpo do leopardo no sop do penhasco. O inimigo est ava morto, mas passou-se algum tempo at que algum ousasse aproximar-se do monstro vencido; finalmente avanaram, munidos das suas facas e serras de osso. Foi uma ta refa difcil; naquele dia no foram caa. 5 - REENCONTRO NA MADRUGADA! Quando guiava a tribo para o rio, luz difusa da madrugada, Sentinela-da-Lu a parou hesitantemente num local que lhe era familiar. Faltava qualquer coisa, m as no se lembrava de qu. No entanto, no fez qualquer esforo mental a pensar no probl ema, pois, naquela manh, tinha coisas mais importantes a tratar. Tal como o trovo, o relmpago, as nuvens e os eclipses, a grande lmina de cris tal partira to misteriosamente como chegara. Tendo desaparecido no inexistente pa ssado, nunca mais voltou a assombrar os pensamentos de Sentinela-da-Lua. Este, jamais saberia o que o cristal lhe fizera; e, reunindo-se volta dele na neblina matinal, nenhum dos seus companheiros tentou saber por que parara al i a caminho do rio. Do outro lado do rio, na inviolada segurana do seu prprio territrio, os Outro s visualizaram Sentinela-da-Lua e uma dzia de machos da sua tribo, como um friso que se recortava contra o cu da manh. Comearam imediatamente a gritar, cumprindo as sim o desafio dirio; mas daquela vez no houve resposta. Firmemente, premeditadamente - sobretudo silenciosamente - Sentinela-da-Lu a e o seu bando desceram o outeiro sobranceiro ao rio; medida que se aproximavam , os Outros calaram-se. A sua raiva ritual desapareceu, e foi substituda por um m edo cada vez maior. Sentiam confusamente que algo acontecera, e que aquele reenc ontro no era igual aos anteriores. No se alarmaram com as maas e facas de osso empu nhadas pelo grupo de Sentinela-da-Lua, pois no compreendiam para que serviam. Sab iam apenas que os movimentos dos seus rivais estavam imbudos de determinao e ameaa. O grupo parou beira d'gua; por um momento, os Outros retomaram coragem. Che fiados por Uma-Orelha, retomaram indiferentemente o seu cntico marcial. Mas fizer am-no apenas durante alguns segundos, pois logo ficaram mudos por uma viso de ter ror. Sentinela-da-Lua levantou os braos bem alto, revelando assim o fardo que at ali estivera escondido pelos corpos hirsutos dos seus companheiros. Segurava um ramo resistente, onde estava espetada a cabea ensanguentada do leopardo. Um pau m antinha a boca aberta, e os primeiros raios do sol-nascente emprestavam s grandes presas uma cintilao branca e terrvel.

A maioria dos Outros ficaram demasiado paralisados de medo para se moverem ; mas alguns comearam a retirar lenta e tropegamente. E esse era todo o encorajam ento de que Sentinela-da-Lua precisava. Mantendo o dilacerado trofeu acima da ca bea, deu inicio travessia do rio. Depois de um momento de hesitao, os seus companhe iros entraram na gua atrs dele. Quando Sentinela-da-Lua chegou ao outro lado, Uma-Orelha continuava firmem ente no seu lugar. Talvez fosse corajoso ou estpido demais para correr; ou talvez no conseguisse acreditar que aquele ultraje era mesmo real. Cobarde ou heri, foi coisa que acabou por interessar pouco, pois, no final, o rugido gelado da morte desceu-lhe sobre o crebro estupefacto. Guinchando de medo, os Outros espalharam-se pelo matagal; mas voltariam, e cedo esqueceriam o seu chefe desaparecido. Por alguns segundos Sentinela-da-Lua permaneceu hesitantemente de p ao lado da sua nova vtima, tentando perceber bem que, estranha e maravilhosamente, o leo pardo morto ainda era capaz de matar. Agora era senhor do mundo, e no sabia bem o que fazer a seguir. Mas acabaria por descobrir alguma coisa. 6 - ASCENSO DO HOMEM Um novo animal andava pelo planeta e, partindo do corao de frica, espalhava-s e lentamente. Era ainda to raro, que um censo apressado talvez no desse por ele, r odeado como estava por bilies de criaturas deambulando pela terra e pelo mar. Por enquanto, ainda no havia a certeza se prosperaria ou at se sobreviveria: num mund o em que tantos animais muito mais poderosos haviam desaparecido, o seu destino ainda no estava decidido. Nos cem mil anos que se seguiram descida dos cristais sobre frica, os homen s-macacos no inventaram nada. Mas comearam a mudar, e desenvolveram aptides que mai s nenhum animal possua. As maas de osso haviam aumentado o seu poder de alcance e multiplicado a sua fora; deixaram de estar indefesos perante os predadores com qu em tinham de competir. Quanto aos carnvoros mais pequenos, podiam-nos matar; aos maiores, conseguiam, pelo menos, desencorajar e, por vezes, pr em fuga. Os seus dentes macios, estavam cada vez mais pequenos, pois j no eram essenci ais. As pedras afiadas usadas para escavar razes ou para cortar e serrar carne ou fibras duras comearam a substitu-los, com enormes consequncias. Os homens-macacos j no tinham de enfrentar a morte por inanio quando os seus dentes se estragavam ou s e gastavam; at mesmo os instrumentos mais grosseiros podiam prolongar-lhes a vida . medida que as suas presas diminuam, a forma dos seus rostos comeava a alterar-se ; o focinho recuou, o maxilar tornou-se mais delicado, a boca adquiriu a capacid ade de produzir sons mais subtis. Faltava ainda um milho de anos para a fala, mas haviam sido dados os primeiros passos na sua direco. E ento o mundo comeou a mudar. Em quatro grandes vagas, com duzentos mil ano s entre os seus picos, as Idades do Gelo chegaram e partiram, deixando as suas m arcas em todo o globo. Fora dos trpicos, os glaciares liquidaram os que haviam pr ematuramente abandonado o lar ancestral; e por toda a parte eliminaram as criatu ras que no conseguiram adaptar-se. Quando o gelo desapareceu, levou com ele muita da vida primitiva do planet a - incluindo os homens-macacos. Mas estes, ao contrrio de muitos outros, haviam deixado descendentes; no se tinham meramente extinguido-mas sim transformado. Os construtores de instrumentos haviam sido recriados pelos seus prprios utenslios. Pois, ao usarem maas e slex, as suas mos haviam desenvolvido uma destreza nun ca antes encontrada no reino animal, o que lhes permitia construir utenslios aind a melhores, fazendo, por sua vez, evoluir ainda mais os seus membros e crebro. Er a um processo acelerado e cumulativo; no fim da linha, estava o Homem. Os primeiros verdadeiros homens possuam utenslios e armas pouco melhores que as dos seus antepassados de havia um milho de anos, mas eram muito mais hbeis no seu manejo. E algures nas eras sombrias que haviam passado, tinham inventado um instrumento que, embora no pudesse ver-se nem tocar-se, lhes era absolutamente es sencial. Haviam aprendido a falar, ganhando assim a primeira grande batalha cont ra o Tempo. Agora, a sabedoria de uma gerao podia ser passada para a prxima, e cada idade lucrava com os ensinamentos das anteriores. Ao contrrio dos animais, que conheciam apenas o presente, o Homem adquirira

um passado; e comeava a tactear em direco a um futuro. Aprendera tambm a controlar as foras da natureza; com o domnio do fogo, lanara as fundaes da tecnologia e deixara para trs a sua origem animal. A pedra deu lugar ao bronze e depois ao ferro. A caa sucedeu a agricultura. A tribo transformou-se em aldeia, e a aldeia em cidade. A palavra tornou-se eterna, graas a certas marc as em pedra, barro e papiro. Depois, inventou a filosofia e a religio. E povoou o cu, nem sempre incorrectamente, de deuses. Os seus meios de ataque tornaram-se mais e mais assustadores na medida em que o seu corpo ia perdendo defesas. Com a pedra, o bronze, o ferro, o ao, percor rera a gema de tudo o que furava e dilacerava; e bem cedo aprendera a abater as suas vtimas distncia. A espada, o arco, a pistola e, finalmente, o mssil telecomand ado, haviam-lhe dado armas de um alcance infinito, mas no um poder infinito. Sem estas armas, que, frequentemente, usara contra si prprio, o Homem nunca teria conquistado o seu mundo. Empenhara-se de alma e corao, e elas haviam-no ser vido bem. Mas agora, enquanto existissem, vivia sempre um tempo emprestado. 7 - VOO ESPECIAL Por mais vezes que deixasse a Terra, a excitao nunca abandonava o Dr. Heywoo d Floyd. Estivera uma vez em Marte, trs vezes na Lua, e j nem se lembrava de quant as nas vrias estaes espaciais. No entanto, medida que se aproximava o momento do la namento, sentia uma tenso crescente, uma maravilha e um temor - sim, e um nervosis mo - que o punham ao mesmo nvel de qualquer labrego terrestre prestes a receber o seu baptismo do espao. O jacto que o transportara de Washington, aps aquela reunio meia-noite com o presidente, descia agora em direco a uma das paisagens mais familiares, mas mais excitantes do mundo. Abrangendo trinta quilmetros da costa da Flrida, encontravamse a as duas primeiras geraes da Idade do Espao. A sul, contornadas por luzes de avi so vermelhas, que acendiam e apagavam, ficavam as torres gigantescas dos Saturno s e Neptunos, que haviam posto o homem no caminho dos planetas, passando depois histria. Perto do horizonte, uma cintilante torre prateada, inundada por luzes ar tificiais, durante quase vinte anos monumento nacional e lugar de peregrinao, ergu ia-se em honra de Saturno V. No muito longe, agigantando-se no cu como uma montanh a feita pela mo do homem, encontrava-se o incrvel Edifcio de Montagem de Veculos, qu e continuava a ser a maior estrutura simples da Terra. Mas todas aquelas coisas pertenciam ao passado, e ele voava em direco ao fut uro. Quando o avio fez uma viragem inclinando-se para o lado de dentro, o Dr. Flo yd viu por baixo dele um labirinto de edifcios, depois uma faixa de ar, e a segui r uma cicatriz larga e direita, feita no solo plano da Flrida. Os carris mltiplos de uma linha gigante de lanamento. No fundo desta, rodeado de veculos e torres, vi a-se um avio espacial inundado de luz, a ser preparado para o seu salto at s estrel as. Com a sbita mudana de perspectiva provocada pela rpida mudana de velocidade e al tura, pareceu a Floyd estar a olhar para uma borboletazinha nocturna prateada, a panhada no raio de luz de um farol. Mas as minsculas figuras espalhadas no solo fizeram-no perceber as verdadei ras dimenses do veculo espacial; o V estreito das suas asas devia ter sessenta met ros de comprimento. E aquele veculo enorme, pensou Floyd, de certo modo incrdulo - m as tambm com algum orgulho -, est minha espera. Tanto quanto sabia, era a primeira v ez que se punha em andamento uma misso para levar um nico homem Lua. Embora fossem duas horas da manh, um grupo de reprteres e fotgrafos intercept ou-o a meio caminho do iluminado veculo espacial Orion III. Conhecia vrios deles d e vista; como presidente do Conselho Nacional de Astronutica, as conferncias de im prensa faziam parte do seu modo de vida. Aquela no era a altura nem o lugar aprop riado para uma, e no tinha nada para dizer; mas era importante no ofender os caval heiros da comunicao social. - Dr. Floyd? Sou Fim Forster da Associated News. Pode dar-nos alguns escla recimentos sobre este seu voo? - Lamento muito... no posso dizer nada. - Mas encontrou-se mesmo com o Presidente esta noite? - perguntou uma voz familiar.

- Oh... ol, Mike. Parece-me que o tiraram da cama para nada. No vou fazer co mentrios. Isso ponto assente. - No pode ao menos confirmar ou negar que est a haver um surto de epidemia n a Lua? - indagou um reprter da TV, conseguindo correr ao lado de Floyd e, ao mesm o tempo, mant-lo focado na sua mquina de filmar em miniatura. - Lamento, mas no - respondeu Floyd abanando a cabea. - E a quarentena? - inquiriu outro reprter. - Por quanto tempo ser mantida? -No fao comentrios. - Dr. Floyd - disse uma pequenina e decidida dama da imprensa. - Qual a su a justificao para esta total falta de notcias da Lua? Tem alguma coisa a ver com a situao poltica? - Que situao poltica? - perguntou Floyd secamente. Ouviu-se um coro de risos, e algum gritou: - Boa viagem, Doutor! -, quando ele entrou no santurio da torre d e embarque. Tanto quanto se lembrava, no era bem uma situao, e sim A; uma crise permanente. Desde 1970 que dois problemas, que, ironicamente, tendiam a excluir-se mutuamen te, dominavam o mundo. Embora o controlo de nascimentos fosse barato, de confiana, e aprovado por todas as principais religies, chegara demasiado tarde; a populao do mundo era de se is bilies - um tero dos quais no Imprio Chins. Algumas sociedades autoritrias haviam mesmo decretado leis limitando as famlias a dois filhos, mas a sua execuo mostrarase impraticvel. Em consequncia disto, a comida escasseava em todos os pases; at nos Estados Unidos se lhe sentia a falta e, apesar dos esforos hericos para cultivar o mar e criar comidas sintticas, predizia-se um perodo de fome em larga escala dent ro de quinze anos. Muito embora uma cooperao internacional fosse mais urgente que nunca, as fro nteiras ainda existentes eram tantas como as de pocas anteriores. Apesar de terem passado um milho de anos, a raa humana perdera poucos dos seus instintos agressiv os; ao longo de linhas simblicas visveis apenas por polticos, as trinta e oito potnc ias nucleares vigiavam-se mutuamente, com uma ansiedade beligerante. Entre eles, possuam uma megatonelagem suficiente para destruir toda a crosta do planeta. Ain da ningum usara - milagrosamente - armas atmicas, mas era pouco provvel que a situao se mantivesse assim infinitamente. E agora, por razes s compreensveis para eles, os Chineses ofereciam s naes mais pequenas uma capacidade nuclear completa, de cinquenta ogivas e respectivos sist emas de lanamento. O custo total era inferior a 5.200.000.000 e davam-se facilida des de pagamento. Talvez estivessem apenas a tentar aguentar uma economia em declnio, transfo rmando obsoletos sistemas de armamento em dinheiro sonante, como alguns observad ores haviam sugerido. Ou, se calhar, tinham descoberto mtodos de guerra to avanados , que j no precisavam de tais brinquedos; falara-se da rdio-hipnose a partir de satl ites transmissores, vrus compulsivos, e de chantagem com doenas sintticas, para as quais s eles possuam o antdoto. Estas ideias encantadoras eram quase de certeza pro duto de propaganda ou pura fantasia, mas, pelo sim pelo no, era melhor no as pr de parte. De cada vez que saa da Terra, Floyd perguntava-se a si prprio se ela estari a no mesmo stio quando regressasse. Entrou na cabina. - Bom dia, Dr. Floyd. Sou Miss Simmons... em nome do com andante Tynes e do nosso co-piloto, primeiro oficial Ballard, bem-vindo a bordo. - Obrigado - disse Floyd com um sorriso, perguntando-se por que razo as hos pedeiras haviam de falar sempre como robots tursticos. - Levantaremos daqui a cinco minutos - informou ela, fazendo um gesto para a vazia cabina de vinte passageiros. - Pode sentar-se onde quiser, mas, se est i nteressado em ver as manobras de atracagem, o comandante Tynes diz que melhor in stalar-se na cadeira da frente, esquerda, ao p da janela. - Vou fazer isso - retorquiu ele, abeirando-se do mencionado lugar. A hosp edeira ainda andou volta dele por algum tempo, encaminhando-se depois para o seu cubculo, que ficava na parte de trs da cabina. Floyd instalou-se no seu lugar, apertou o arns de segurana volta do peito e ombros, e prendeu a mala ao assento adjacente. Um momento depois, o altifalante produziu um leve estalido.

- Bom dia - disse a voz de Miss Simmons. - Este o Voo Especial 3, de Kenne dy para a Estao Espacial Um. Parecia determinada a cumprir toda a rotina com o seu passageiro solitrio; Floyd no resistiu a esboar um sorriso quando a ouviu continua r inexoravelmente: - Estaremos em trnsito durante cinquenta e cinco minutos. A acelerao mxima ser de duas vezes a gravidade normal, e no teremos peso por um perodo de trinta minuto s. Por favor no saia do seu lugar at o sinal de segurana ser acendido. Floyd olhou por cima do ombro, e disse: - Obrigado. - Deu com os olhos num sorriso ligeiramente embaraado, mas enca ntador. Recostou-se no assento e descontraiu-se. Segundo os seus clculos, aquela vi agem custaria aos contribuintes um pouco mais de um milho de dlares. Se, no fim, s e provasse no ser justificada, perderia o emprego; mas podia sempre voltar univer sidade, e dedicar-se aos seus no concludos estudos sobre formao planetria. - Autocontagem decrescente a funcionar - informou pelo altifalante a voz d o comandante, naquele tom montono e calmo usado nas transmisses rdio. Descolagem den tro de um minuto. Como sempre, o minuto pareceu-se mais com uma hora. Floyd penso u nas foras gigantescas que, rodeando-o em espiral, estavam a espera de ser liber tadas. Nos tanques de combustvel do veculo espacial e no sistema de acumulao de ener gia da pista de lanamento, estava contido o poder de uma bomba nuclear. E tudo se ria usado apenas para o levar a uns meros trezentos quilmetros da Terra. No houve aquela histria antiquada dos CINCO-QUATRO-TRS-DOIS-UM-ZERO, to penosa para o sistema nervoso humano. - Lanamento daqui a quinze segundos. Sentir-se- melhor se comear a respirar p rofundamente. Eis o que se chamava de boa psicologia e boa fisiologia. Floyd sentiu-se b em cheio de oxignio e pronto a enfrentar qualquer coisa; a pista de lanamento prep arou-se para arremessar a sua carga de mil toneladas por sobre o Atlntico. Era difcil precisar o momento em que levantaram da pista e comearam a voar, mas, quando o rugido dos foguetes redobrou de fria e Floyd deu por si a afundar-se cada vez mais nas almofadas da sua cadeira, soube que os motores principais hav iam entrado em funcionamento. Gostaria de poder olhar pela janela, mas at virar a cabea era um esforo. No entanto, no se sentia desconfortvel; a presso da acelerao e troves ensurdecedores dos motores, produziam at uma euforia extraordinria. Com os ouvidos a retinir e o sangue pulsando-lhe nas veias, havia anos que Floyd no se s entia to vivo. Era jovem de novo, apetecia-lhe cantar alto - o que, sem dvida, no f aria mal a ningum, pois ningum poderia ouvi-lo. Mas tal disposio passou-lhe logo que percebeu que ia deixar a Terra e tudo o que alguma vez amara. L em baixo estavam - os seus trs filhos, rfos de me desde que a sua mulher embarcara naquele voo fatal para a Europa, havia dez anos. (Dez ano s? Impossvel! Mas era...) Se calhar teria sido um bem para eles haver voltado a c asar... J quase perdera a noo do tempo, quando a presso e o rudo afrouxaram subitamente , e o altifalante da cabina anunciou: -Vamos separar-nos do mdulo inferior. Agora . Houve um ligeiro solavanco; de repente, Floyd recordou uma citao de Leonardo da Vinci, que uma vez vira afixada num gabinete da NASA: O Grande Pssaro voar s costas do grande pssaro, trazendo glria ao ninho onde na sceu. Bem, o Grande Pssaro estava a voar - Da Vinci nunca sonharia uma coisa daqu elas -, e o seu exausto companheiro regressava naquele momento Terra. Num arco d e quinze mil quilmetros, o mdulo inferior vazio deslizaria para a atmosfera, troca ndo a velocidade pela distncia, medida que se aproximasse de Kennedy. Dentro de p oucas horas, verificado e novamente cheio de combustvel, estaria pronto para ergu er outro companheiro em direco ao brilhante silncio que nunca alcanaria. Agora, pensou Floyd, estamos sozinhos, e a mais de meio caminho da rbita. Quand o sentiu de novo a acelerao provocada pela entrada em funcionamento dos foguetes do mdulo superior, notou que o impulso foi muito mais suave: alis, pouco mais sentiu que uma gravidade normal. Mas teria sido impossvel andar, visto que Para cima fica va mesmo na parte da frente da cabina. Se houvesse sido suficientemente louco pa ra se levantar, teria embatido imediatamente no lado de trs. Era um efeito um tan

to desconcertante, pois parecia que a nave se erguia apoiada na cauda. Floyd, se ntado frente, tinha a impresso de que todas as outras cadeiras estavam fixadas a uma parede que se erguia verticalmente debaixo dele. Estava ele a envidar os seu s melhores esforos para ignorar esta iluso, quando a madrugada explodiu no interio r da nave. Numa questo de segundos, atravessaram mantos carmesins, cor-de-rosa, dourad os, azuis, e penetraram no branco ofuscante do dia. Embora as janelas fossem mui to foscas, de modo a reduzir o brilho, os vivos raios de sol que varriam a cabin a, deixaram Floyd meio cego durante alguns minutos. Encontrava-se no espao, mas n em pensar em ver as estrelas. Protegeu os olhos com as mos, e tentou espreitar pela janela que tinha ao l ado. L fora, o leme de trs da nave luzia como metal quente luz reflectida do sol: rodeava-o uma escurido total que, possivelmente, estava cheia de estrelas - mas no podiam ver-se. O peso decaa lentamente; os foguetes diminuam de potncia medida que a nave ent rava em rbita. O trovo dos motores passou a um rugido abafado, depois a um assobio suave, e acabou por se silenciar. Se no fossem as tiras que o apertavam, Floyd t eria flutuado para fora do seu assento: bem, sentia o estmago to embrulhado, que p arecia que ia faz-lo, de qualquer forma. Esperava que os comprimidos que lhe havi am dado meia hora e quinze mil quilmetros atrs, dessem o resultado que se afirmava nos folhetos. Sentira o enjoo do espao apenas uma vez em toda a sua carreira, ma s essa chegara-lhe bem. Firme e confiante, a voz do piloto fez-se ouvir atravs do altifalante da ca bina: -Pede-se o favor de respeitar todos os regulamentos respeitantes gravidade nula. Atracaremos na Estao Espacial Um dentro de quarenta e cinco minutos. A hospedeira apareceu no estreito corredor que ficava direita das cadeiras pouco espaadas. Havia uma ligeira flutuabilidade nos seus passas, e os ps saiam-l he do cho to relutantemente como se patinhassem em cola. Caminhava pela tira amare la viva do tapete Velcro que cobria o cho e o tecto. Mirades de minsculos ganchos c obriam o tapete e as solas das suas sandlias, o que os fazia prenderem-se uns aos outros como rebarbas. Este truque, que permitia caminhar em queda livre, era im ensamente tranquilizante para passageiros desorientados. -Quer caf ou ch, Dr. Floy d? - perguntou ela alegremente. -No, obrigado. - Sorriu. Sentia-se sempre como um beb, quando tinha de chupa r um daqueles tubos de plstico que continham as bebidas. Quando Floyd abriu a pas ta e se preparou para tirar os seus apontamentos reparou que a hospedeira contin uava a pairar ansiosamente volta dele. -Dr. Floyd, posso fazer-lhe uma pergunta? -Claro - respondeu ele, olhando por cima dos culos. -O meu noivo gelogo em Clavius, comeou Miss Simmons, medindo cuidadosamente cada palavra, e h mais de uma semana que no sei nada dele. -Isso aborrecido; se calhar est longe da base, e no conseguem contact-lo. Ela abanou a cabea. -Sempre que isso acontece, ele diz-me. Imagine como estou preocupada... co m todos os boatos que correm. mesmo verdade que h uma epidemia na Lua? -Se , no h mo tivos para alarme. Lembra-se? Houve uma quarentena em 98, por causa daquela mutao no vrus da gripe. Muita gente esteve doente... mas ningum morreu. tudo o que posso dizer-lhe - concluiu firmemente. Miss Simmons esboou um sorriso agradvel, e endir eitou-se. -Bem, de qualquer forma, obrigado, Dr. Floyd. Desculpe t-lo incomodado. -No foi incmodo nenhum - respondeu ele galantemente mas com pouca convico. Dep ois, concentrou-se nos infindos relatrios tcnicos, numa desesperada tentativa fina l de se pr em dia. No teria tempo para leituras quando chegasse Lua. 8 - ENCONTRO ORBITAL Meia hora mais tarde, o piloto anunciou: -Estabeleceremos contacto dentro de dez minutos. Por favor verifique o seu arns. Floyd obedeceu, e guardou os apontamentos. J lhe chegara bem haver estado a

ler durante o malabarismo celestial que tivera lugar nos ltimos 450 quilmetros; e ra melhor fechar os olhos e descontrair-se enquanto o veculo espacial fosse empur rado para trs e para diante por breves exploses dos foguetes. Alguns minutos depois, avistou a Estao Espacial Um, apenas a uns poucos quilm etros de distncia. A luz do Sol reverberava e cintilava nas polidas superfcies metl icas do disco de trezentos metros de dimetro, que girava lentamente. A pouca distn cia dele, na mesma rbita, encontrava-se um avio espacial Titov-V, de asas inclinad as para trs, e ali perto, um ries-lB quase esfrico - o burro de carga do espao -, co m os seus quatro atarracados absorsores de choque de aterragem lunar saindo-lhe de um dos lados. O veculo espacial Orion III teve de descer de uma rbita mais alta, proporcio nando, assim, um espectacular panorama da Terra, visvel por trs da Estao. A uma alti tude de 300 quilmetros, Floyd via quase toda a frica e o oceano Atlntico. Apesar de o cu se encontrar consideravelmente coberto de nuvens, ainda conseguia descortin ar as linhas azuis-esverdeadas da Costa do Ouro. O eixo central da Estao Espacial, com os seus braos de atracagem estendidos, vagava lentamente em direco a eles. ao contrrio da estrutura que o sustentava, no es tava a girar - ou melhor, rodava para o outro lado, a uma velocidade que anulava exactamente a rotao da Estao. Assim, podia ser-lhe acoplada qualquer nave visitante , para a transferncia de pessoal ou carga, sem ter de andar desastrosamente volta . Com um baque surdo muito suave, nave e Estao estabeleceram contacto. Ouviram -se rudos metlicos, parecidos com arranhes, vindos do exterior, e um breve assobio de ar, que indicava o nivelamento das presses. Alguns segundos mais tarde, a esco tilha abriu-se, e um homem de calas claras e apertadas e camisa de manga curta praticamente o uniforme do pessoal da Estao Espacial -, entrou na cabina. -Muito prazer em conhec-lo, Dr. Floyd. Sou Nick Miller, da Segurana da Estao; vou acompanh-lo at o vaivm se ir embora. Deram um aperto de mo; depois Floyd sorriu para a hospedeira, e disse: -Por favor, apresente os meus cumprimentos ao comandante Tynes, e agradea-l he por esta viagem sem incidentes. Talvez volte a v-la quando regressar. Muito cautelosamente, passara-se mais de um ano desde que estivera sem pes o pela ltima vez, e precisava de algum tempo para se acostumar novamente. Arrasto u-se atravs da escotilha, e entrou na grande cmara circular que ficava no eixo da Estao Espacial. Era uma sala toda acolchoada, com as paredes cobertas de apoios pa ra as mos; Floyd agarrou-se firmemente a um deles, e esperou que a cmara comeasse a girar at atingir a rotao da Estao. A medida que esta ganhava velocidade, suaves e fantasmagricos dedos gravita cionais comearam a agarrar-se-lhe, e Floyd flutuou lentamente em direco parede circ ular. Viu-se ento de p, balanando docemente para a frente e para trs, como algas ao sabor das ondas, no que magicamente se transformara num cho curvo. A fora centrfuga gerada pela rotao da Estao tomara conta dele; embora muito fraca ali, perto do eixo , aumentaria medida que se afastasse dele. Seguiu Miller para fora da cmara centr al de trnsito, e ambos desceram uma escadaria curva. Ao princpio o seu peso era to pouco que teve quase de se arrastar para baixo agarrando-se ao corrimo. S quando c hegou sala de espera dos passageiros, no nvel externo do grande disco em rotao, adq uiriu peso suficiente para se mexer quase normalmente. A sala de espera fora redecorada desde a sua ltima visita, e adquirira vrios servios de que antes no dispunha. Alm das costumeiras cadeiras, mesinhas, restaura nte e correio, havia agora uma barbearia, uma farmcia, um cinema e uma loja de le mbranas, que vendia fotografias e slides de paisagens lunares e planetrias, e mini aturas genunas de Luniks, Rangers e Surveyors, todas muito bem montadas em plstico , e marcadas com preos exorbitantes. -Quer tomar alguma coisa enquanto esperamos? - perguntou Miller. - Embarca remos daqui a cerca de trinta minutos. -Um caf preto sabia-me bem... dois quadradinhos de acar... gostaria tambm de t elefonar para a Terra. -Muito bem. Eu vou buscar-lhe o caf; os telefones so ali. As pitorescas cabinas ficavam apenas a alguns metros de uma barreira com d uas entradas, cada uma das quais com os seguintes dizeres: BEM-VINDO A ESTAO DOS E .U.A. e BEM-VINDO A SECO SOVITICA. Por baixo, letreiros escritos em ingls, russo, ch

ins, francs, alemo e espanhol, anunciavam: POR FAVOR TENHA A MO O SEU: Passaporte Vi sto Certificado Mdico Licena de Circulao Declarao de Peso Depois de atravessarem as barreiras, em ambas as direces, os passageiros era m livres de se misturar novamente, o que no deixava de constituir um agradvel simb olismo. A diviso tinha puramente fins administrativos. Floyd verificou se o Cdigo de Zona dos Estados Unidos ainda era 81, premiu os doze botes do nmero da sua casa, enfiou na ranhura o carto de crdito para todos o s fins de plstico, e conseguiu a ligao em trinta segundos. Washington estava a dormir, pois ainda faltava muito para a madrugada, mas ele no perturbaria o sono de ningum. A governanta receberia a mensagem do gravado r logo que acordasse. -Miss Flemming... sou o Dr. Floyd. Desculpe ter partido to pressa. Se no se importa, telefone para o meu escritrio e pea a algum para ir buscar o meu carro... est no Aeroporto Dulles, e o Sr. Bailey, Oficial Superior do Controlo de Voo, tem a chave. Depois, telefone por favor para o Clube de Caa e deixe uma mensagem ao secretrio. No vou mesmo poder jogar no torneio de tnis do prximo fim-de-semana. Pea-l he desculpa por mim... acho que estava a contar comigo. Fale tambm para a Electrni ca da Baixa, e diga-lhes que se o vdeo do meu gabinete no ficar pronto na... oh, q uarta-feira, podem ficar com ele. - Fez uma pausa para respirar, e tentou lembra r-se de mais problemas que poderiam surgir nos dias que se seguiriam. Se o dinheiro comear a faltar, fale para o escritrio; de l podem mandar-me me nsagens urgentes, mas talvez eu esteja demasiado ocupado para responder. D saudad es minhas s crianas, e diga-lhes que regressarei logo que puder. Oh, raios... est a qui uma pessoa com quem no quero falar... telefonarei da Lua se puder... adeus. Floyd tentou esgueirar-se da cabina sem ser visto, mas era demasiado tarde ; fora j localizado. Aproximando-se rapidamente pela sada da Seco Sovitica, vinha o D r. Dimitri Moisevitch, da Academia de Cincias da U. R. S. S. Dimitri era um dos melhores amigos de Floyd; e, exactamente por essa razo, a ltima pessoa com quem ele gostaria de falar naquela altura. O astrnomo russo era alto, elegante e louro e a sua face sem rugas fazia-o no aparentar cinquenta e cinco anos - dos quais os ltimos dez haviam sido passados a construir o gigantesco observatrio rdio no lado mais afastado da Lua, onde trs m il quilmetros de rocha o protegeriam do rudo electrnico da Terra. -Olha o Heywood disse ele, apertando-lhe firmemente a mo. - O universo pequeno. Como ests tu... e as tuas encantadoras crianas? -Bem - replicou Floyd calorosamente, mas com um ar um tanto distrado. - Fal amos muitas vezes das maravilhosas frias que passamos contigo no ltimo Vero. Sentia -se mal por no poder parecer mais sincero; haviam realmente apreciado a semana qu e tinham passado em Odessa com Dimitri, durante uma das visitas do russo Terra. -E tu... vais l para cima? - inquiriu Dimitri. -H... sim... O meu voo daqui a meia hora - respondeu Floyd. - Conheces o Sr . Miller? O Oficial de Segurana aproximara-se, mas no muito; guardando uma distncia res peitosa, esperava, com um copo de plstico cheio de caf na mo. -Claro que sim. Mas, por favor, largue isso, Sr. Miller. Esta a ltima oport unidade que o Dr. Floyd tem de tomar uma bebida civilizada... no a desperdicemos. No... insisto. Saram com Dimitri da sala de espera principal e seguiram-no at ao sector de observao; em breve estavam sentados a uma mesa banhada por uma luz difusa, observa ndo o panorama das estrelas. A Estao Espacial Um perfazia uma rotao por minuto, e a fora centrfuga assim lentamente gerada produzia uma gravidade artificial igual da Lua. O que, como fora descoberto, constitua um meio termo entre a gravidade da Te rra e uma gravidade nula; alm disso, dava aos passageiros que se dirigiam para a Lua uma boa oportunidade de se aclimatizarem. Para l das janelas praticamente invisveis, Terra e estrelas marchavam em pro cisso silenciosa. Aquele lado da Estao estava, nessa altura, inclinado e protegido do sol; se no fosse assim, teria sido impossvel olhar l para fora, pois a sala de e spera estaria inundada de luz. Apesar de tudo, o brilho da Terra, que preenchia metade do cu, s no apagava as estrelas mais brilhantes. Mas a Terra diminua medida que a Estao girava para o lado nocturno do planeta

; dali a minutos, seria apenas um enorme disco preto, coberto das luzes das cida des. Depois, o cu pertenceria s estrelas. -Bem - disse Dimitri, depois de tragar rapidamente a primeira bebida, e br incando com a segunda -, que histria essa de uma epidemia no sector dos E. U. A.? Eu quis l ir nesta viagem, mas disseram-me assim: No, Professor. Lamentamos muito mas, at nova ordem, vigora l uma quarentena muito estrita. Mexi todos os cordelinho s que pude, mas no me valeu de nada. Diz-me l o que se passa. Floyd gemeu de si para si. C vou eu outra vez, pensou. Quanto mais depressa es tiver no vaivm, a caminho da Lua, melhor. - A... h... quarentena simplesmente uma precauo de segurana - replicou ele cui dadosamente. - Nem sabemos bem se mesmo necessria, mas no queremos arriscar-nos. -Mas o que a doena... quais so os sintomas? Ser extraterrestre? Querem ajuda dos nossos servios mdicos? -Desculpa, Dimitri, mas pediram-nos para no dizermos nada por enquanto. Obr igado, mas ns tratamos da situao. -Hum, - disse Moisevitch, obviamente pouco convencido. - Acho muito estran ho que tu, um astrnomo, venha Lua observar uma epidemia. -Sou apenas um ex-astrnomo; h anos que no fao investigao a srio. Agora tenho a tegoria de especialista cientfico, o que significa que no sei nada de absolutament e nada. - Ento no sabes o que quer dizer AMT-1 Miller quase se engasgou com a bebida, mas Floyd era feito de material mai s duro. Olhou o seu velho amigo de olhos nos olhos, e disse calmamente: - A MT-I ? Que expresso to estranha! Onde a ouviste? -Deixa l - retorquiu o russo. - A mim no me enganas. Mas, olha, se vos acont eceu alguma coisa que no conseguem domar, espero que no gritem por ajuda demasiado tarde. Miller consultou expressivamente o relgio. -Tem de embarcar daqui a cinco minutos, Dr. Floyd - anunciou. - Acho que m elhor irmos embora. Embora soubesse que ainda dispunham de uns bons vinte minutos, Floyd levan tou-se apressadamente. Demasiado apressadamente, pois esquecera-se que a gravida de era apenas de um sexto da normal. Agarrou-se mesmo mesa a tempo de evitar lev antar voo. Foi ptimo encontrar-te, Dimitri. - disse ele com pouco entusiasmo. - Espero que faas uma boa viagem para a Terra... eu telefono-te logo que regressar. Quando deixaram a sala de espera e passaram pela barreira de trnsito dos E. U. A., Floyd comentou: - Fiuu... por pouco. Obrigado por ter vindo em meu socor ro. -Sabe, Doutor - disse o Oficial de Segurana -, espero que ele esteja engana do. -Enganado sobre qu? -Sobre acontecer-nos alguma coisa que no podemos dominar. -Isso, replicou Floyd com determinao - o que eu tenciono descobrir. Quarenta e cinco minutos mais tarde, o transportador lunar Aries-lB afasto u-se da Estao. No houve nada do poder e fria de uma deslocagem da Terra - s um assobi o longnquo e quase inaudvel, quando os jactos de plasma de baixa presso lanaram os s eus raios electrificados para o espao. A suave compresso durou mais de quinze minu tos, e a acelerao moderada no impediu ningum de se mover livremente na cabina. Mas q uando tudo acabou, a nave j no estava na direco da Terra, como fora o caso enquanto ainda acompanhava a Estao. Quebrara os laos da gravidade, e era agora um planeta li vre e independente, girando volta do sol numa rbita prpria. A cabina que Floyd tinha por sua conta, fora concebida para trinta passage iros. Era estranho, e fazia-o sentir-se s, ver todos aqueles lugares vazios, e te r s para ele as atenes do comissrio e da hospedeira - isto para no falar do piloto, e dois engenheiros. Duvidava de que algum homem na histria houvesse alguma vez tid o direito a tal servio exclusivo, e era muito pouco provvel que isso viesse a acon tecer no futuro. Recordou um comentrio cnico de um dos pontfices menos respeitveis: A gora que temos o papado, aproveitamo-lo bem. Pois ele aproveitaria bem aquela via gem, e a euforia da imponderabilidade. A perda da gravidade fizera-o esquecer pelo menos por momentos muitas das suas preocupaes. Algum dissera uma vez que era b em possvel que nos sentssemos aterrorizados no espao, mas nunca preocupados. Era pe rfeitamente verdade.

Ao que parecia, o comissrio e a hospedeira estavam determinados a faz-lo com er durante as vinte e cinco horas que durava a viagem; passou muitas delas a rec usar refeies que no pedira. ao contrrio dos maus pressgios dos primeiros astronautas, comer NO ESPAO em gravidade zero no constitua qualquer problema. Floyd dispunha de uma mesa vulgar, qual os pratos eram amarrados tal como num barco navegando no meio de uma tempestade. Para no levantarem voo e no andarem a passear pela cabina, todos os constituintes da ementa tinham algum elemento pegajoso. Assim, as cost eletas eram coladas ao prato por meio de um molho grosso, e controlavam-se as sa ladas atravs de temperos adesivos. Com um pouco de habilidade e cuidado, no eram m uitos os pratos que no se podiam comer com segurana; as nicas coisas proibidas eram sopas quentes e pastis excessivamente quebradios. As bebidas, claro, constituam um assunto diferente; todos os lquidos tinham que ser guardados em tubos plsticos. Uma gerao inteira de hericos, mas desconhecidos voluntrios, acabara por conceb er as casas de banho, que eram, naquela altura, consideradas mais ou menos prova de distraces. Floyd investigou a da sua nave pouco depois de haverem entrado em q ueda livre. Entrou num cubiculozinho com todos os acessrios de um vulgar sanitrio de avio, mas iluminado por uma luz vermelha muito penetrante e desagradvel. Afixad o em grandes letras, lia-se: MUITO OMPORTANTE! PARA SUA PRPRIA SEGURANA, LEIA CUID ADOSAMENTE ESTAS INSTRUES! Floyd sentou-se (mesmo sem peso era-se levado a faz-lo) e leu o aviso vrias vezes. Quando se certificou de que no houvera modificaes desde a sua ltima viagem, premiu o boto que indicava COMEAR. Ali perto, um motor elctrico desatou a roncar, e Floyd sentiu-se a mexer-se . Obedecendo ao conselho do aviso, fechou os olhos e esperou. Passado um minuto, uma campainha tocou suavemente, e ele olhou em volta. A luz mudara para um calmo tom branco-rosado; mas, mais importante que tud o, estava novamente sob a influncia da gravidade. S uma vibrao muito ligeira dava a entender que se tratava de uma gravidade simulada, provocada pelas voltas de car rossel de todo o compartimento. Floyd pegou num sabonete, e observou-o caindo em cmara lenta; calculou que a fora centrfuga fosse de um quarto da gravidade normal. Mas chegava; era suficiente para se ter a certeza de que tudo se moveria na dir eco certa - isto, no nico sitio onde era mesmo importante que assim acontecesse. De pois, premiu o boto que dizia PARAR PARA SAIR, e tornou a fechar os olhos. O peso desapareceu medida que a rotao foi cessando, a campainha tocou duas vezes, e a lu z vermelha de aviso acendeu-se de novo. O fecho da porta abriu-se, e ele deslizo u para a cabina, onde aderiu o mais rapidamente possvel carpete. Esgotara havia m uito a novidade da imponderabilidade, e sentia-se grato por poder dispor das chi nelas Velcro, que lhe permitiam caminhar quase normalmente. Mesmo que s estivesse sentado a ler, tinha muito em que ocupar o esprito. Qu ando se cansava de relatrios oficiais, memorandos e minutas, ligava o seu capacet e Bloco-de-Notcias ao circuito de informao da nave, e examinava os ltimos comunicado s da Terra. Um por um, fazia aparecer como por encanto os relatrios electrnicos ma is importantes do mundo; sabia de cor os cdigos dos mais sonantes, no precisando, portanto, de consultar a lista que tinha na parte de trs do bloco. Passando depoi s memria do visor, fazia aparecer a pgina da frente, e examinava rapidamente os ttu los, anotando as informaes que lhe interessavam. Cada uma delas tinha a sua refernc ia de dois algarismos; quando os premia, o rectngulo do tamanho de um selo aument ava at encher nitidamente o visor, permitindo-lhe ler com clareza. Quando acabava , voltava de novo pgina completa, e escolhia outro assunto para examinar com mais ateno. As vezes, Floyd perguntava-se se o Bloco-de-Notcias e a fantstica tecnologia que lhe estava subjacente, seria a ltima palavra na busca de comunicaes perfeitos. Ali estava ele, bem longe no espao, afastando-se velozmente da Terra a milhares de quilmetros por hora, e, no entanto, bastava-lhe alguns milissegundos para ler os ttulos do jornal que lhe apetecesse. (Claro que a prpria palavra jornal constitua uma expresso anacrnica que se arrastara at era da electrnica). O texto era actualiza do automaticamente de hora a hora; mesmo que s se lessem as verses inglesas, podia passar-se uma vida inteira a absorver o eternamente mutvel fluxo de notcias dos s atlites informativos. Era difcil imaginar como que tal sistema poderia ser melhorado ou tornado m ais conveniente. Mas, mais cedo ou mais tarde, pensava Floyd, acabaria por cair

em desuso, e por ser substitudo por algo to inacreditvel como o prprio Bloco-de-Notci as teria sido para Caxton ou Gutenberg. O exame daqueles minsculos ttulos electrnic os, invocava frequentemente um outro pensamento. Quanto mais maravilhosos eram o s meios de comunicao, mais triviais, espalhafatosos ou deprimentes pareciam ser os seus contedos. Acidentes, crimes, desastres naturais e provocados pelo homem, am eaas de conflito, editoriais sombrios, eis o que pareciam continuar a ser as prin cipais preocupaes dos milhes de palavras borrifadas para o ter. No entanto, Floyd ta mbm se perguntava se, no seu conjunto, isto seria mau; havia muito que chegara co ncluso que os jornais da Utopia deviam ser terrivelmente aborrecidos. De tempos a tempos, o comandante e os outros membros da tripulao, entravam n a cabina e trocavam algumas palavras com ele. Tratavam o seu distinto passageiro com um certo temor respeitoso, e sem dvida que morriam de curiosidade sobre qual seria a sua misso, mas mostravam-se suficientemente delicados para perguntar fos se o que fosse, ou at para fazer comentrios de qualquer natureza. S a encantadora hospedeirazinha parecia completamente vontade na sua presena . Como Floyd rapidamente descobriu, ela era natural do Bali, e transportara para l da atmosfera alguma da graa e mistrio dessa ilha ainda pouco estragada. Uma das suas recordaes mais estranhas e encantadoras de toda a viagem, foi a demonstrao, em gravidade nula, de alguns movimentos de dana clssica balinesa, tendo por fundo o l indo crescente azul-esverdeado da Terra. Houve tambm um perodo de sono, quando as luzes principais da cabina se apaga ram, e Floyd prendeu os braos e pernas com os lenis elsticos que o impediriam de des lizar pelo ar. No parecia uma posio l muito recomendvel - mas ali, com uma gravidade nula, o seu sof duro era mais confortvel que o mais luxuoso colcho da Terra. Depois de se amarrar, Floyd adormeceu rapidamente, mas acordou uma vez, e, muito sonolento e meio consciente, olhou confusamente tudo o que o rodeava. Por momentos, pensou estar no meio de alguma lanterna chinesa difusamente iluminada ; o brilho fraco que lhe vinha dos outros cubculos, dava-lhe essa impresso. Mas de pois disse firmemente para si prprio: -V l se dormes, rapaz. Isto no passa de um vulgar vaivm lunar. Quando desperto u, viu que a Lua engolira metade do cu; as manobras de travagem estavam prestes a comear. As largas janelas abertas em arco na parede curva da seco dos passageiros, davam para o cu aberto, e no para o globo que se aproximava, o que levou Floyd a encaminhar-se para a cabina de controlo. Ali, nos visores de TV da retaguarda, pd e observar os ltimos estdios da descida. As montanhas lunares no eram absolutamente nada parecidas com as da Terra; faltavam-lhes os deslumbrantes picos de neve, as maravilhosas e justas roupagens de vegetao, as mveis coroas de nuvens. No entanto, os intensos contrastes de luz e sombra, emprestavam-lhes uma estranha beleza muito prpria. As leis da esttica ter restre no se aplicavam ali; aquele mundo fora formado e moldado por foras que no as terrestres, que haviam operado ao longo de milnios desconhecidos da jovem e inex periente Terra, com as suas efmeras Idades do Gelo, as rpidas ascenses e quedas dos seus mares, as suas cordilheiras dissolvendo-se como neblinas antes da madrugad a. Ali estava uma idade inconcebvel - mas no a morte, pois a Lua nunca vivera, pel o menos at ao momento. A nave foi estabilizada quase sobre a linha que separava a noite do dia, e , directamente por baixo dela, ficou um campo de sombras recortadas e picos bril hantes e isolados, banhados pela primeira luz da lenta aurora lunar. Mesmo com t odas as ajudas electrnicas possveis, seria assustador tentar ali uma aterragem; ma s estavam a afastar-se lentamente, em direco ao lado nocturno da Lua. Quando os olhos se lhe habituaram iluminao mais fraca, Floyd viu que a noite no era totalmente escura. Picos, vales e plancies brilhavam com uma luz avermelha da que os tornava claramente visveis. A Terra, uma lua gigante para a Lua, inunda va-a com o seu brilho. No painel de pilotagem, luzes acendiam-se e apagavam-se por cima de visore s de radar, e nmeros apareciam e desapareciam em crans de computador, cronometrand o a distncia que os separava da Lua. Ainda a mais de mil quilmetros dela, os jacto s comearam a desacelerar lenta mas firmemente, e o peso voltou. As operaes parecera m durar sculos. a Lua foi crescendo no cu, o sol ps-se por baixo do horizonte, e, p or fim, uma nica cratera gigante encheu o campo de viso. O vaivm caa em direco aos se

s picos centrais e de repente Floyd reparou que, perto de um deles, uma luz bril hante piscava segundo um ritmo regular. Podia perfeitamente ser confundida com u m farol de aeroporto da Terra; Floyd deixou-se ficar a olhar para ela com um ape rto na garganta, pois ali estava mais uma prova de que o homem dera outro passo na conquista da Lua. Entretanto a cratera expandiu-se tanto que as suas paredes comearam a desli zar abaixo do horizonte, revelando-se assim o verdadeiro tamanho das craterazinh as mais pequenas que salpicavam o seu interior. Algumas destas minsculas vistas d o espao, tinham vrios quilmetros da largura e envergadura suficiente para conter ci dades inteiras. Sempre controlado automaticamente, o vaivm foi deslizando pelo cu estrelado, descendo para aquela paisagem rida, que brilhava frouxamente luz da grande e con vexa Terra. Uma voz elevou-se acima do assobio dos jactos e dos rudos electrnicos que perpassavam a cabina. Controlo de Clavius a Especial 14. A entrada est a ser perfeita. Faa a verif icao manual dos mecanismos de aterragem, presso hidrulica e dilatao da almofada antihoque. O piloto mexeu em vrios interruptores, e luzes verdes piscaram. -Verificaes manuais completas. Mecanismos de aterragem, presso hidrulica, almofada antichoque. O. K. -Confirmado - retorquiu a Lua; a descida continuou sem palavras. Conversas , havia-as, mas eram todas entre mquinas, enviando impulsos binrios umas as outras , mil vezes mais depressa que os seus lentos construtores conseguiam comunicar e ntre si. Alguns dos picos montanhosos agigantavam-se j por cima do vaivm; o solo esta va apenas a umas poucas centenas de metros de distncia, e a luz do farol brilhava como uma estrela, projectando os seus raios intervalados sobre um grupo de edifc ios baixos e veculos estranhos. No estdio final da descida, os jactos pareceram to car uma espcie de melodia esquisita; fazendo os ltimos ajustamentos ao impulso fin al, comearam a vibrar em movimentos ritmados. De repente, uma rodopiante nuvem de p ergueu-se no ar, os jactos deram um d erradeiro arranco, e o vaivm oscilou muito ligeiramente, qual barco a remos embal ado pelas ondas. Passaram-se alguns minutos at Floyd tomar verdadeira conscincia d o silncio que o envolvia, e da fraca gravidade que lhe prendia os membros. Sem quaisquer incidentes, e em pouco mais de um dia, fizera a incrvel viage m com que os homens haviam sonhado durante dois mil anos. Aps um voo normal, roti neiro, aterrara na Lua. 10 - BASE CLAVIUS Clavius, de 230 quilmetros de dimetro, a segunda maior cratera da face visvel da Lua, e fica no meio das Terras Altas Meridionais. muito antiga; milnio de vul canismo e bombardeamento do espao, sulcaram-lhe as paredes e marcaram-lhe o solo. Mas estivera em paz durante meio bilio de anos, desde a ltima formao de crateras, q uando os detritos do cinturo de asterides ainda bombardeavam os planetas interiore s. Mas havia agora estranhos abanes por cima e por baixo da sua superfcie, pois o homem estava a estabelecer l a sua primeira base permanente na Lua. A Base Cla vius podia, em caso de emergncia, tornar-se inteiramente auto-suficiente. Todas a s necessidades da vida eram produzidas a partir das rochas locais, depois de es