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  ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 5, N.1, 1º SEMESTRE DE 2005 102 ARTIGO LA GESTALT-THÉRAPIE VA TÉLLE OSER DÉVELOPPER SON PARADIGME POST-MODERNE? * A GESTALT-TERAPIA TERÁ A OUSADIA DE DESENVOLVER SEU PARADIGMA PÓS-MODERNO? DOES GESTALT-THERAPY WILL BE BOLD ENOUGH TO DEVELOP ITS POST-MODERN PARADIGM? Jean-Marie Robine ****  R ESUMO O que me proponho a explorar neste artigo, com este título algo misterioso, são algumas das linhas de força e paradigmas que perpassam, implícita ou explicitamente, a teoria da Gestalt-Terapia, com o objetivo de delinear algumas implicações para sua prática clínica. Acredito que se pudermos compreender essas linhas de força, seremos capazes de aplicá- las melhor e, ao mesmo tempo, compreender mais facilmente os pontos-chave que dividem aqueles que promo vem a Gestalt-Terapia. Eu também gostaria de ressaltar, logo de início, que não estou inteiramente satisfeito em apoiar-me no termo “pós- modernismo”, o qual está muito carregado com uma variedade de conotações; apesar disso, por carecer de um outro melhor, eu o farei, tentando especificar seus contornos e limites. PALAVRAS-CHAVE Gestalt-Terapia; pós-modernidade; campo; self ; relação terapêutica. Ao ouvir termos como “epistemologia”, algumas pessoas, imediatamente, temem o pior, - o que Perls denominou em sua linguagem floreada “ mind fucking ” – o que significa dizer “massagear a massa cinzenta” ou “masturbação mental”. Eu espero evitar este problema, uma vez que o material que quero tratar com vocês está, para mim, muito carregado emocionalmente. Estes questionamentos surgiram do meu próprio desenvolvimento pessoal e se baseiam tanto na minha prática clínica quanto na minha reflexão teórica. Em um estudo anterior, iniciei com uma citação de Prinzhorn (1984), retirada de seu trabalho sobre  gestaltung : “Nós procuramos o significado de cada forma produzida **  Diretor do "Institut Français de Gestalt-thérapie" Co-fundador e coordenador da GTin, Gestalt-Therapy International Network.Psicoterapeuta e didata pelo "Syndicat National des Praticiens de la Psychothérapie"Membro do "Collège européen de Gestalt-thérapie et directeur des "Cahiers de Gestalt-thérapie".Ex-presidente da EAGT - European Association for Gestal-Therapy Membro do comitê de redação do International Gestalt Journal.

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  • ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 5, N.1, 1 SEMESTRE DE 2005

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    ARTIGO LA GESTALT-THRAPIE VA TLLE OSER DVELOPPER SON PARADIGME POST-MODERNE? *

    A GESTALT-TERAPIA TER A OUSADIA DE DESENVOLVER SEU PARADIGMA PS-MODERNO? DOES GESTALT-THERAPY WILL BE BOLD ENOUGH TO DEVELOP ITS POST-MODERN PARADIGM? Jean-Marie Robine****

    RESUMO O que me proponho a explorar neste artigo, com este ttulo algo misterioso, so algumas das linhas de fora e paradigmas que perpassam, implcita ou explicitamente, a teoria da Gestalt-Terapia, com o objetivo de delinear algumas implicaes para sua prtica clnica. Acredito que se pudermos compreender essas linhas de fora, seremos capazes de aplic-las melhor e, ao mesmo tempo, compreender mais facilmente os pontos-chave que dividem aqueles que promovem a Gestalt-Terapia. Eu tambm gostaria de ressaltar, logo de incio, que no estou inteiramente satisfeito em apoiar-me no termo ps-modernismo, o qual est muito carregado com uma variedade de conotaes; apesar disso, por carecer de um outro melhor, eu o farei, tentando especificar seus contornos e limites.

    PALAVRAS-CHAVE Gestalt-Terapia; ps-modernidade; campo; self; relao teraputica. Ao ouvir termos como epistemologia, algumas pessoas, imediatamente,

    temem o pior, - o que Perls denominou em sua linguagem floreada mind fucking o

    que significa dizer massagear a massa cinzenta ou masturbao mental. Eu espero

    evitar este problema, uma vez que o material que quero tratar com vocs est, para mim,

    muito carregado emocionalmente. Estes questionamentos surgiram do meu prprio

    desenvolvimento pessoal e se baseiam tanto na minha prtica clnica quanto na minha

    reflexo terica.

    Em um estudo anterior, iniciei com uma citao de Prinzhorn (1984), retirada de

    seu trabalho sobre gestaltung: Ns procuramos o significado de cada forma produzida

    ** Diretor do "Institut Franais de Gestalt-thrapie" Co-fundador e coordenador da GTin, Gestalt-Therapy International Network.Psicoterapeuta e didata pelo "Syndicat National des Praticiens de la Psychothrapie"Membro do "Collge europen de Gestalt-thrapie et directeur des "Cahiers de Gestalt-thrapie".Ex-presidente da EAGT - European Association for Gestal-Therapy Membro do comit de redao do International Gestalt Journal.

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    no prprio ato de sua formao, ou seja, o significado da forma qual eu chego hoje, o

    significado das minhas concluses e sobretudo o dos meus questionamentos podem ser

    encontrados no meu prprio processo, na minha prpria caminhada e aos quais devo

    referir-me sem constrangimento.

    A) FRAGMENTOS DE UM ITINERRIO

    No incio dos anos 80, aps minha formao e um tempo de prtica em Gestalt-

    Terapia em um primeiro momento de modo perlsiano (do perodo de Esalen) e

    depois modificada pela contribuio do Instituto de Gestalt-Terapia de Cleveland (em

    particular dos Polsters) - eu tive a oportunidade de trabalhar por vrios anos com

    Isadore From, um membro do grupo fundador da Gestalt-Terapia. Este repensar

    doloroso e radical levou-me a dar as costas firmemente para certas prticas, certas

    noes tericas e certos preceitos ticos, em prol de outro enfoque, que eu j ento

    percebia como sendo mais exigente (e eu ainda estava longe de medir todas as

    conseqncias). Tratava-se do enfoque de Goodman e Isadore From. Alis, era difcil

    para mim distinguir a contribuio de From daquela de Goodman, pois ao longo de

    minhas duas formaes anteriores em Gestalt, nunca havia ouvido falar em nenhum dos

    dois.

    Nos meus primeiros meses de prtica tive a impresso, com ou sem razo, de

    haver rapidamente assimilado os modelos perlsiano e de Cleveland, a ponto de

    encontrar seus limites e reconhecer seus impasses. Do mesmo modo, tenho a impresso

    agora, depois de 15-17 anos, de ainda no ter feito o tour completo do modelo proposto

    por Goodman. Agora, mantendo um pouco de distncia, diria que levei de seis a oito

    anos para passar da , apenas parcialmente mastigada, para a .

    Depois, vrios anos mais para ser capaz de desafiar alguns pontos e para ir alm do que

    aqueles mestres me deram e perseguir algumas trilhas que eles abriram. Ao mesmo

    tempo, eu estou longe de considerar que o modelo transmitido por Goodman seja

    perfeito! Eu quero apenas dizer que novos caminhos foram abertos e que nos cabe

    identific-los e explor-los.

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    Assim, precisei de muitos anos para me desengajar de uma abordagem que

    considero hoje como sendo restritiva da obra de Goodman operada por Isadore From,

    sabendo que a minha prpria leitura representa, ela mesma, uma outra forma de

    restrio. A restrio que noto de ordem estrutural: a abordagem de self que From

    construiu se apoiava fortemente em um dos aspectos da noo de self de Perls e

    Goodmann - a saber, as estruturas parciais, as trs funes, suas perturbaes e perdas,

    etc. Esta , pelo menos, a minha percepo, mais dos seus ensinamentos que de sua

    prtica, que era mais processual. Ainda que ele tenha sempre recusado o termo

    processo por no consider-lo um termo fenomenolgico.

    De minha leitura de Goodman nasceu, ento, minha preocupao com o campo.

    Do campo, ao contrrio, sempre tinha ouvido falar. Esse foi sempre um conceito que

    flutuava atravs do discurso dos gestaltistas, sem nunca ter sido exatamente definido ou

    realmente ter sido levado em conta alm do nvel dos slogans ou das vozes devotas.

    Uma vez que eu realmente comecei a refletir, trabalhar e explorar esta rea,

    fiquei alarmado. Uma verdadeira vertigem surgiu, ante o questionamento que me fazia e

    o que pressentia. A perda das certezas duramente adquiridas, ainda mais diante do fato

    de que nunca tinha sido fcil ser identificado com o ttulo Gestalt-Terapeuta no

    mundo do establishment da psicologia do qual eu fiz parte por um longo perodo. Pelo

    menos as referncias estruturais s quais eu podia me ligar naquele momento de fato me

    localizavam em um modo de pensar relativamente banalizado, institucionalizado e, pelo

    menos aparentemente, compartilhado pela imensa maioria de colegas. Eu pressentia que

    a referncia ao campo poderia me isolar ainda mais, me condenando a ficar sozinho

    para caminhar, o que me parecia, e ainda me parece, impossvel e impensvel.

    Em um texto de 1989, La nevrose de champ, escrito a partir de uma palestra

    dada em um encontro dedicado ao tema da transferncia em Gestalt-Terapia, eu disse: Uma coisa certa para mim enquanto escrevo estas linhas: eu estou com medo! Eu pressinto que minhas reflexes desordenadas dos ltimos tempos, que tm me levado a escrever, se levadas s ltimas conseqncias, podem me levar a tal ruptura epistemolgica que eu posso ficar ainda mais sozinho, permanentemente isolado daqueles que construram um status quo confortvel, em uma margem do que continua a fazer parte daquilo que se l e aceita. Terei essa coragem?

    Uma segunda trilha pessoal, aparentemente sem correlao, mas de fato

    profundamente conectada ao primeiro tema, foi trazida baila pelo meu trabalho com a

    vergonha.

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    Em 1991, quando eu publiquei o primeiro (e muito terico) estudo sobre a

    vergonha, que eu conhecesse, nada ou quase nada havia sido publicado em francs a

    respeito desse assunto, e no s no mbito da Gestalt-Terapia. Desde ento, muitos

    estudos floresceram, incluindo o mundo da Gestalt, pelo menos em lngua inglesa. Por

    que a vergonha? Quanto mais eu aprofundava meu trabalho com as personalidades

    limite ou com as personalidades que apresentavam perturbaes do narcisismo, mais a

    questo da vergonha se apresentava, indiretamente. Nunca, nas minhas terapias pessoais

    ou na minha superviso, eu havia tratado desse tema; e, claro, eu estava misturado

    com ele, sem sab-lo. Minha prpria vergonha, no consciente e no trabalhada, tomava

    a forma que uma dada coisa pode tomar quando no assumida, ou seja, eu a projetei.

    Eu manejava a vergonha sem me dar conta dela; eu tentava escapar dela, gerando-a em

    outras pessoas, o que me permitiu cuidar, ou melhor, recobrir de iluses as minhas

    velhas feridas narcsicas... e no se tratava de uma relevncia teraputica a toda prova

    nas relaes teraputicas com meus pacientes. A vergonha da qual estou falando, mais

    que aquela forma imediatamente sentida em certas situaes embaraosas, mais que

    aquela que funciona como formao reativa, refere-se a um direito existncia, ao

    reconhecimento que recebo ou no recebo por ser o que sou, sentir o que sinto, desejar

    como desejo. Assim, pude descobrir que cada vez que estou em uma situao que me

    faz sentir que deveria ser de algum modo diferente do que sou, estou em uma situao

    de vergonha. Pode-se imaginar, ento, o grau de facilidade para um terapeuta, um

    supervisor, um formador, colocar algum com quem ele est trabalhando em uma

    posio de vergonha, dando a ele a mensagem implcita de que ele deveria ser outro,

    diferente do que ele e, ainda mais, em vista do fato de que este cliente, aluno ou

    supervisionando est vindo aqui precisamente porque ele considera que ele de fato

    deveria ser outro diferente do que est sendo.

    A partir dessa preocupao e do trabalho que precisei desenvolver sobre este

    tema estar algum dia acabado? - ficou clara para mim a importncia da questo do

    suporte, do apoio, dando por certo que, como para qualquer gestaltista, os irmos

    inimigos suporte e frustrao faziam parte do instrumental metodolgico oferecido

    por Perls. Mas verdade que quando eu li ou assisti os protocolos de sesses que ele

    deixou para a posteridade, encontrei mais l para nutrir minha competncia em gerar

    frustrao do que para gerar suporte. At mesmo Laura Perls, que oferecia um

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    contrapeso ao seu marido na aplicao desses irmos inimigos, dando suporte para o

    suporte, compartilhou apenas alguns pensamentos acerca desse assunto. No entanto, eu

    j tinha h muito tempo me dado conta de minha irritao diante da proposta de Perls de

    permitir, graas terapia, a transio do suporte ambiental para o auto-suporte uma

    proposio que eu sempre tive e ainda tenho dificuldade de no considerar como um

    convite ao egotismo.

    No obstante e trabalhar com a vergonha nos confronta diretamente com esse

    ponto o suporte comea com a acolhida e o reconhecimento daquilo que est presente

    na experincia do contato na fronteira, o que significa dizer, com aquilo que est, do

    modo como est e no do modo como eu gostaria que estivesse ou fosse.

    Tambm verdade e isso est diretamente conectado minha histria pessoal

    que minha relutncia anterior em me abrir para dar ou receber suporte estava

    relacionada a angstias de intruso, de ser a vtima ou o agente da intruso assim

    como ansiedades de dependncia, novamente tanto de depender dos outros ou de t-los

    dependentes de mim. O contexto desses medos inclui toda a mitologia da autonomia e

    responsabilidade desenvolvida em nosso campo das Cincias Humanas, Clnicas e

    Sociais, particularmente ao longo do sculo XX, como ser discutido mais adiante.

    Hoje, esses medos no so mais to fortes como eles podem ter sido alguns anos

    atrs: o contexto mudou, e, por conseguinte, eu aprendi a procurar e aceitar diversas

    formas de suporte. Indubitavelmente, o acidente automobilstico srio que sofri h

    pouco mais de um ano, que me confrontou com a probabilidade iminente de minha

    morte, contribuiu, tambm, para modificar meu olhar e meu contato com meu mundo de

    uma maneira tal, que correr esses riscos no mais experimentado por mim da mesma

    forma. Algumas retroflexes desapareceram ou foram se instalar em outros lugares!

    Estas so algumas linhas de fora fundamentais da minha evoluo pessoal e

    profissional dos ltimos anos. Eu me esforcei para deline-las bem aqui porque as

    figuras que quero desenvolver agora tm um fundo, tanto pessoal quanto terico, e

    tambm porque a construo terica em si no outra coisa alm de tentar construir

    significado para a sua experincia, e talvez a integrao dessa experincia em uma

    ordem maior de generalizao. Os desenvolvimentos que desejo traar com vocs aqui

    nascem, sobretudo, de mim mesmo e devem ser detidamente examinados nestes termos

    por vocs antes de fazer qualquer generalizao. Se alguma dessas coisas tiver

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    ressonncia com a sua prpria experincia e servir para ajud-los a orden-la de modo

    significativo, no terei desperdiado meu tempo.

    B) UMA RELEITURA DO DE PERLS E GOODMAN, COM

    UMA DISTNCIA DE QUASE MEIO SCULO

    Uma vez que algum obteve certa familiaridade com nossa obra inaugural, com

    o passar do tempo, zonas de desconforto podem comear a aparecer. Algumas

    contradies podem tambm aparecer, e desaparecer, para aparecer mais adiante, em

    particular no que se refere concepo de self. Os avanos do pensamento nas Cincias

    Sociais, Filosofia, Sociologia e at na Histria da Arte, na contemporaneidade, podem

    nos ajudar a identificar melhor aparentes contradies, para explic-las e tentar super-

    las. Essas possveis referncias me parecem poder ser encontradas na passagem da

    Modernidade para o que agora, por conveno, denominado ps-modernidade.

    A modernidade corresponde quela modalidade de pensamento que, desde o

    Iluminismo, buscou abrir novas vises do progresso cientfico e tecnolgico, assim

    como novas reas de conhecimento que representam uma ruptura com as tradies mais

    ou menos obscurantistas dos sculos passados.

    No nvel social, por mais que os diversos pensadores, socilogos e crticos

    sociais possam divergir em suas anlises, todos esto de acordo quanto a conectar a

    modernidade com o nascimento da primazia da noo de indivduo e de seu efeito

    perverso: o individualismo.

    De fato, a modernidade associada com o nascimento da razo e da cincia, dos

    direitos humanos, junto com os seus princpios de igualdade e liberdade, com a

    destruio do tecido social da comunidade tribal em favor do conceito de sociedade e,

    assim, da primazia da individualidade e o conceito de sujeito que to central para as

    cincias humanas contemporneas.

    Desse modo, a modernidade que deu luz ao Romantismo e com ele a noo de

    emoo como preeminente. A atitude esttica, por esse meio, substitui a atitude

    religiosa.

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    Tudo est, ento, nesse ponto, no lugar certo para nutrir o interesse pelo

    ajustamento, pelo contato, pela criatividade, pela autonomia e pela responsabilidade,

    todas fortemente relacionadas definio de sujeito.

    Os anos 50-70 me parecem hoje representar o auge do que comumente

    chamado modernidade; e o livro Gestalt Terapia, publicado em 1951, contm inmeras

    referncias a este modo de pensamento: a idia de abordar o self por suas estruturas

    parciais, a nfase na responsabilidade, a autonomia do sujeito, as referncias

    psicopatologia, os suportes - ainda que crticos - nas idias Freudianas e Reichianas,

    uma distino por vezes confusa entre o , o ou ou , e

    assim por diante. Todas essas referncias modernidade foram ento ampliadas nos

    posteriores trabalhos de Perls, mas no nos de Goodman o que mostra claramente qual

    dos dois autores desenvolveu o projeto em direo s idias modernistas.

    Mas ao mesmo tempo, Perls e Goodman introduziram uma mudana de rumo

    fundamental, que os coloca no corao daquilo que mais tarde ser chamado ps-

    modernidade: eles deslocaram o self, o descentralizaram e o temporalizaram. Na

    abordagem moderna, solipsista, o si individual era reconhecido como a nica realidade.

    Em contraste, Goodman, cuja influncia levou a teoria nessa direo, colocou adiante a

    idia de que self contato. O que chamamos de self s existe quando e onde h contato.

    No mais o self existiria anteriormente e se revelaria, se manifestaria, se expressaria no

    contato, mas sim contato. Mais freqentemente, o self gestaltista foi reduzido noo

    de organismo, ou um de seus equivalentes: o , o sujeito, a pessoa ... Por que no

    aceitvel pensar em si sem pensar primeiro na continuidade? No entanto, Goodman e

    Perls especificam sem ambigidade: O self apenas um pequeno fator na interao

    total organismo/ambiente, mas ele tem o papel fundamental que consiste em

    desenvolver e criar os significados por meio dos quais somos capazes de nos

    desenvolver (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1951).

    Goodman faz referncia a uma realidade primeira: aquilo que existe o campo.

    O campo ento definido como um organismo e seu ambiente e o self indica os

    movimentos internos do campo, movimentos de integrao e de diferenciao, de

    unificao e de individuao, de ao e de transformao etc.

    Mas essa abertura expressa por Perls e Goodman no sempre salvaguardada

    nem por eles mesmos nem, como era de se esperar, por seus seguidores. Pode algum

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    respeit-la? No estaramos ns facilmente tentados a reverter o paradigma

    individualista ou solipsista, que escolhemos chamar organismo, psique, pessoa,

    paciente ou cliente? No estamos tentados, por comodismo, a contribuir para o

    desenvolvimento da psicopatologia de uma dada entidade isolada, mesmo se aquela

    psicopatologia se abre a problemticas, tais como o ser-no-mundo? No estaremos

    ns tentados a fazer referncia a um tipo de psicognese mesmo quando, como mais

    e mais comum nos ltimos anos, essa psicognese leva em conta as primeiras relaes

    com o ambiente, ou relaes objetais, com o risco de reduzir o campo ambiental em

    geral e o Outro em particular, a uma funo instrumental e etiolgica, causa do

    desenvolvimento e suas perturbaes?

    Voltemos a um exemplo anterior: Perls, em sua ltima fase, enfatizou a noo de

    auto-suporte em oposio de suporte ambiental. Pode-se ver claramente aqui a

    oposio entre self e ambiente, no mesmo ponto onde poderamos ter achado

    organismo e ambiente, em seu trabalho conjunto com Goodman. Assim, se

    sobrepusermos self com pessoa ou organismo, vamos promover ou encorajar o

    desenvolvimento de todo tipo de suporte s capacidades, recursos prprios do indivduo

    a partir de uma posio egotista.

    Se, por outro lado, consideramos o self COMO contato, promoveremos ou

    encorajaremos a descoberta do suporte no contato com o campo (lembrando que o

    campo inclui, ao mesmo tempo, organismo e ambiente).

    A concluso inevitvel que ns somos confrontados com duas psicoterapias

    muito diferentes. Poderemos ento chamar as duas pelo mesmo nome, ?

    Esses aspectos diferentes e contraditrios podem ser considerados como

    sintomas da oscilao modernidade/ps-modernidade caracterstica desta poca e no

    nos autorizam, no meu entender, a nos queixar de nossos autores. Inteiramente o

    contrrio, eles me parecem ter sido capazes de dar lugar no seu pensamento para um

    passo significativo alm do discurso predominante em seu tempo e contexto. Cabe a

    ns, com nossas ferramentas contemporneas de anlise, encontrar o caminho para

    superar certas posies pouco claras ou coerentes em seu trabalho.

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    C) UMA PAUSA EM NOSSA LEITURA DA GESTALT-TERAPIA PARA OLHAR O

    QUE PROPE A PS-MODERNIDADE

    A Ps-modernidade, ainda que possa ser relativamente coerente nas mos de um

    ou outro terico, me parece estar longe de poder ser considerada hoje um movimento

    homogneo. Se aprofundarmos nossa reflexo, se manifestam, com facilidade, as

    contradies entre os diferentes domnios que se referem a este termo. A noo de ps-

    modernidade na msica utiliza parmetros que so muito diferentes, at mesmo

    contraditrios em relao queles parmetros da arquitetura, que, por sua vez, so

    diferentes dos das artes plsticas. Se forem includas as linhas de fora sugeridas pela

    Filosofia, Sociologia, Epistemologia e outras disciplinas, poderamos facilmente perder

    todo o referencial. Com a ps-modernidade surge, para retomar a feliz imagem de Max

    Weber, o desejo de re-encantamento do mundo. As formas podem algumas vezes

    parecer caticas, mas a prpria noo de caos, com todas as dvidas e tenses

    associadas a ela, uma parte integral do paradigma ps-moderno. Muitos desses

    domnios so objetos de um colocado como prefixo: desconstruo,

    decomposio, descentralizao, desregulao, dessacralizao, desinformao... A ps-

    modernidade assinala a perda de iluses (do progresso, da cincia, da verdade, da

    hegemonia e da cultura dominantes).

    Em Psicologia, comum referir-se ps-modernidade, ou mais precisamente a

    um de seus ramos, o construtivismo, junto com a Teoria Gestltica, a obra de Piaget e os

    trabalhos da escola de Palo Alto. Tanto na Psicologia quanto na Psicoterapia , de fato,

    sem dvida, sob um duplo impulso que a ps-modernidade ingressou na histria. Por

    um lado, o do movimento construtivista, inclusive no prprio seio do movimento

    analtico (bem representado, por exemplo, por S. Viderman) e de oposio entre

    descoberta e construo, que se aprofundou. Por outro, o do movimento dialgico

    iniciado por Buber e depois por LEVINS, RICOUEUR e outros, nos movimentos

    interacionistas, intersubjetivos, conversacionais e outras variaes do primado da

    alteridade e da relao, e eu ousaria dizer, do campo, na definio do humano.

    Eu poderia evocar particularmente o impacto do pensamento construtivista como

    uma das correntes ativas desse tipo de ps-modernidade. Com o construtivismo, vem a

    constatao de que no existe outra realidade alm daquela que construmos,

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    derrubando assim o mito da objetividade em cincia e em todas as outras abordagens,

    incluindo as Cincias Humanas, que flertam com o mtodo cientfico.

    A modernidade apia-se na premissa que poderia ser expressa no adgio: s

    acredito naquilo que vejo. O construtivismo poderia dizer, ento: eu s vejo aquilo em

    que acredito.

    Com o construcionismo social, uma linha de pensamento desenhada a partir do

    construtivismo por Berger e Luckmann (1996) e desenvolvida por Gergen (1991, 1994),

    a nfase ento elaborada da seguinte maneira (me interessa, sobretudo, que se renam

    os dois ingredientes da ps-modernidade que acabo de evocar): no h realidade alm

    daquela que construmos na relao.

    Esta hiptese tem conseqncias para o psicoterapeuta, no campo de sua relao

    com seus pacientes. Ns nos encontramos seriamente implicados em uma co-construo

    de significados baseada no que vivemos na experincia da relao, das palavras que do

    forma para aquela experincia, ao mesmo tempo em que a experincia as encarna.

    Sob a influncia de filsofos como Wittgenstein, Ricoeur, Lyotard, Gadamer

    (apenas para citar uns dos mais influentes), o acento aqui na linguagem. Os limites de

    nossa lngua demarcam os limites de nosso mundo, escreveu Wittgenstein em 1953

    para dizer que os limites da estrutura de nossa fala, os termos que adotamos para ns e

    para os outros, nossa capacidade de nos expressar a ns mesmos em palavras, vo

    definir nossas possibilidades de entender e explicar e vo traar os contornos daquilo

    que chamamos realidade. Em outras palavras, as palavras que usamos e os dilogos

    que construmos para compreender nossa experincia constituem o que pode ser

    includo ou excludo daquela experincia.

    A partir da, tudo que dissermos sobre as noes de identidade e self ser afetado

    pela onda ps-moderna. Na concepo tradicional, romntica ou moderna, o self remete

    continuidade, profundidade de si. O normal e o patolgico so mais ou menos

    ligados capacidade da pessoa de estar em contato com sua identidade no nvel mais

    profundo; e a terapia particularmente aquelas terapias ditas modernas tm a meta

    de capacitar o sujeito para aceder a essa condio.

    Na perspectiva ps-moderna, o foco na evoluo dos contextos e uma

    preocupao em pr em perspectiva vai substituir a fascinao com a histria pessoal, o

    como as mudanas podem ocorrer vai predominar sobre o porqu das significaes

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    descobertas. Nesta perspectiva, ns somos o produto do contexto de nossas

    conversaes e dos significados que fazemos derivar socialmente disto. E, como nossas

    conversaes esto constantemente mudando, nossos selves esto em perptuo

    movimento e terminam to mltiplos quanto nossas situaes.

    Como assinala Epstein (1995), essa mudana de vocabulrio, de uma perspectiva

    que descrevia um objeto chamado o self para outra que descreve o self como produto

    de uma interao social infinita e cambiante, exige uma mudana radical da psicologia,

    e conseqentemente, da psicoterapia. O problema j no , efetivamente, estar ou no

    estar em verdadeiro contato com quem se verdadeiramente, com nossa identidade

    profunda, mas sim recuperar a flexibilidade em nossas fices, nossos discursos,

    histrias, narraes e mitos, que utilizamos cotidianamente para nos dizer, falar sobre

    ns mesmos.

    Com esta perspectiva, perdemos a segurana de ter riquezas interiores, mais

    ou menos exploradas ou latentes, no mais profundo de ns mesmos e, por isso,

    perdemos o apoio fundamental na noo de inconsciente. Perdemos as fices da

    identidade e, nesta lgica, a possibilidade de um conhecimento objetivo e mensurvel

    do outro. Perdemos a normatividade e com ela a necessidade de conhecer uma

    "verdade" que no apreensvel seno como fico. Perdemos a preocupao com a

    medida, o diagnstico e outras prticas articuladas mais ou menos diretamente com

    quaisquer normas. Perdemos o interesse por uma explicao histrica e

    descontextualizada. Na relao clnica e teraputica, perdemos a posio de poder e de

    domnio de quem sabe ou se supe sabedor, e por isso nossos pacientes perdem assim a

    vergonha de no saber, de serem manipulados pelas costas por foras escondidas ou

    verdades ignoradas.

    Cada um de ns pode decidir se estas perdas devem ser lamentadas ou

    celebradas!

    O que nos oferece, em contrapartida, a perspectiva ps-moderna?

    Adquirimos a convico de que qualquer teoria uma fico entre outras

    fices, mas que graas a ela e atravs dela que construmos o significado de nossa

    experincia. J que o acento est posto agora na co-construo de significados na

    relao, voltamos a dar uma importncia central s situaes de conversao e, por isso,

    relao, ao vnculo, solidariedade, comunidade, em oposio ao que oferece o

  • ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 5, N.1, 1 SEMESTRE DE 2005

    113

    paradigma individualista, em termos de autonomia e de responsabilidade pessoal. Se

    perdemos em independncia, ganhamos em interdependncia. Estamos centrados no

    como das experincias, muito mais do que em seu porque, na inveno criativa do

    ajustamento da soluo que vir, muito mais que na explicao causal. Aqui-e-agora e

    a seguir, em oposio a aqui-e-agora assim porque ontem.... A prpria terapia se

    converte, assim, em co-criao de um contexto e no faz mais referncia a um marco

    imposto. (Ademais interessante destacar do que ali onde falamos de marco, a clnica

    anglo-sax fala de setting, literalmente colocao, posicionamento. Aqui tambm,

    as palavras esto carregadas de nossas fices). Procura-se muito mais a flexibilidade

    do self, a maior parte das vezes abordado como processo, que a conquista de um

    verdadeiro self que fosse conveniente alcanar, e ento fixar. A psicoterapia se

    converte numa atividade que no somente linguagem, mas uma experincia nova. Tal

    experincia baseada em duas experincias particulares colocadas em palavras tambm

    distintas, onde o conflito de duas fices e de duas representaes, bem como a fuso de

    seus horizontes, permite a construo de novos significados. O terapeuta convidado,

    portanto, a, com sua presena, no se colocar s como um expert, mas como curioso,

    ingnuo e tambm exposto dialogicamente subjetividade do outro.

    Aqui tambm cabe a cada um determinar se considera esta concepo como a

    possibilidade de um avano ou como uma perda.

    D) UMA ALTERNATIVA PARA A GESTALT-TERAPIA

    A partir de nosso livro fundador, Gestalt-Terapia, estamos confrontados ento

    com dois paradigmas que podem parecer absolutamente contraditrios: de um lado, o

    modelo individualista, em que o self est proposto como fundamentalmente separado,

    modelo que pertence linha de pensamento do intrapsquico; por outro lado, o

    paradigma do campo como primeiro motor (para utilizar a expresso de Aristteles),

    modelo que privilegia o contato e a relao. De um lado, o modelo da agressividade oral

    preconizada por Perls; pelo outro, o do ajustamento criativo desenvolvido por

    Goodman. Por um lado, o sujeito o primeiro; pelo outro, o campo.

    Entre os gestaltistas, Gordon Wheeler (1996) , sem dvida, um dos que levou

    seu prprio pensamento mais longe neste terreno, mas vamos encontrar tambm, ainda

  • ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 5, N.1, 1 SEMESTRE DE 2005

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    que em termos diferentes, uma perspectiva parecida em Lee Mc Leod (1995), em

    escritos recentes de Gary Yontef (1993), e inclusive em Joel Latner, a partir de seu

    artigo, sem dvida insatisfatrio em vrios aspectos, mas que deve ser visto como o

    esforo de um pioneiro: Teoria do campo e teoria de sistemas

    Num de seus artigos recentes, Wheeler prope uma comparao esquemtica dos

    dois grandes paradigmas que esto no centro de nosso debate de hoje. Vejamos em

    primeiro lugar sua apresentao do paradigma individualista (quadro 1):

    QUADRO 1: A PERSPECTIVA DO PARADIGMA INDIVIDUALISTA

    SI Pr-existente relao, fundamentalmente separado, no ligado por natureza ao meio nem aos outros si.

    OUTRO Separado do si: objeto da auto-energia do si, est feito para ser utilizado ou explorado, fundamentalmente competitivo com o si.

    NATUREZA HUMANA Descarga das pulses: processos do si isolado do campo.

    RELAO No primria: secundria existncia do si: sujeito-objeto ou objeto-objeto por natureza.

    POSIO DO OBSERVADOR

    Fora da pessoa ou do sistema observado, fundamentalmente separado, sem influncia mtua: modelo do especialista.

    PROCESSO Tomar alimento, descarregar a tenso.

    DESENVOLVIMENTO O si no se desenvolve: s o mapa objetal se desenvolve.

    COMUNIDADE Fonte de limitaes expresso do eu.

    TERAPIA Serve para corrigir as deficincias ou as distores no mapa objetal; serve para promover o ajuste e o compromisso entre as pulses naturais e as restries sociais.

    CONCEPO DA REALIDADE

    Positivista: a realidade est dada antes do si ou da percepo.

    CRITRIOS DE CONHECIMENTO

    Confirmao cientfica ou objetiva; baseada na autoridade, nfase no verdadeiro ou falso.

    NATUREZA DA AUTORIDADE

    Hierrquica, autoritria; verdadeiro-falso; enfoque do especialista.

    NATUREZA DO PODER Autoritrio e dominante, segundo os termos mesmos da natureza humana: coero boa ou abusiva, modelo disciplinar.

    CRITRIO DE SADE Mximo de expresso do si compatvel com a autopreservao.

    DIREO DE DESENVOLVIMENTO

    Da dependncia infantil autonomia adulta madura.

    COMPREENSO DA Vulnerabilidade social: resulta de uma dependncia excessiva

  • ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 5, N.1, 1 SEMESTRE DE 2005

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    VERGONHA dos outros; forma imatura de culpabilidade.

    PSICOTERAPIA Centrada no processo interno; procura reforar a autonomia.

    Para aprofundar a diferenciao, Gordon Wheeler pe em perspectiva os dois

    paradigmas, o paradigma do campo, e o paradigma individualista, atravs do seguinte

    quadro:

    PARADIGMA INDIVIDUALISTA

    PARADIGMA DO CAMPO

    SI Preexistente, separado, precede a relao.

    A integrao da experincia interna e externa, inclui a relao.

    OUTRO Separado do eu, objeto das pulses do si

    Fundamentalmente associado enquanto plo co-igualitrio da

    experincia do eu.

    NATUREZA HUMANA Descarga das pulses, isolada do campo.

    Auto-organizao significativa da experincia, a construo de

    significados como a direo primeira.

    RELAO Secundria, sujeito-objeto ou objeto-objeto.

    Primria, sujeito-sujeito.

    FRONTEIRA Separa o si do campo. Une o si ao outro, lugar do processo do si: limites fora do

    processo do si.

    POSIO DO OBSERVADOR Perspectiva objetivista, experincia vista de fora da pessoa observada.

    O observador busca compreender o mundo do sujeito a partir de um

    ponto de vista do sujeito.

    PROCESSO Dados observveis. Dados organizados em termos de intenes e metas do sujeito:

    fenomenolgico.

    DESENVOLVIMENTO Conformidade com as normas pr-estabelecidas: o objeto se

    desenvolve.

    A elaborao da intersubjetividade no campo.

    COMUNIDADE Oposta ao indivduo. Contida no indivduo, como um plo da experincia do si.

    TERAPIA Interveno especializada com um objetivo de correo.

    Apoio para a articulao do si.

    VISO DA REALIDADE Positivista, Objetivista. Fenomenolgica, todos os significados da experincia organizados pelo sujeito.

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    CRITRIO DE CONHECIMENTO

    Objetivo Dialogal

    NATUREZA DA AUTORIDADE

    Hierrquica Dialogal e mtua.

    PODER Coercitivo, autoritrio. Modelo que confere poderes.

    SADE

    Mximo de autonomia. Desenvolvimento e articulao da experincia do si,

    compreendendo a relao significativa no campo.

    DIREO DO DESENVOLVIMENTO

    Incrementar a autonomia. Incrementar a conexo significativa.

    VERGONHA

    Chave de relaes superior/inferior, fazer valer o

    social.

    ndice de acuidade no campo.

    Se eu corroboro uma boa parte do que Wheeler desenvolveu, no estou de

    acordo num ponto: ele assimilou o paradigma do campo ao enfoque construtivista.

    verdade que a lgica proposta pelo construtivismo que nos permite pisar firme no

    terreno deste novo paradigma, com muito mais clareza do que tinham podido oferecer-

    nos at ento a Fenomenologia ou a Psicologia da Gestalt, os precursores. Apesar disto,

    a meu ver, pelo menos o construtivismo permanece encravado no paradigma

    individualista: sua proposta no existe outra realidade que a que cada sujeito constri

    segue sendo uma afirmao solipsista. a passagem ao construcionismo social que

    modifica este enunciado para: no existe outra realidade seno aquela que cada sujeito

    constri na relao, o que vai significar verdadeiramente, em minha opinio, a

    mudana de paradigma.

    Vamos, ento, tratar de abrir alguns caminhos para um desenvolvimento da

    teoria e da prtica da Gestalt-Terapia nesta direo.

    A) DA IMPORTNCIA DA CONSTRUO DA NARRATIVA

    Todos os trabalhos que se inscrevem nesta tendncia nos convidam a

    interessarmos-nos pela construo da narrativa. Nos Estados Unidos, onde o impacto da

    ps-modernidade est muito mais marcado do que entre ns, este interesse pela

  • ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 5, N.1, 1 SEMESTRE DE 2005

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    narrativa j deu lugar a novas escolas de terapia como a Narrative Therapy. O prprio

    Erving Polster, h sete ou oito anos publicou Every persons life is worth a novel, que

    significa aproximadamente que cada vida merece ser (mais) que uma novela. Mas a

    capacidade de construir um relato com base na experincia de uma pessoa j tinha sido

    abordada, enquanto tal, por Goodman no livro Gestalt-Terapia: ele o evocava com o

    termo atitudes retricas. Ainda que s as esboasse de maneira relativamente restrita,

    demonstrou como estas intervm na formao da personalidade e se constroem nas

    relaes interpessoais, no contedo, e ademais, se isto fora pouco, no no- verbal do

    verbal (voz, sintaxe, maneira de se expressar etc).

    Mas o fato de que Goodman abra este caminho quando aborda a formao da

    personalidade (a funo personalidade) deve chamar nossa ateno: a personalidade no

    mais do que um aspecto, uma modalidade do self. O self no vai ser reduzido ou

    rebaixado ao que chamamos personalidade, e isso , a meus olhos, o que

    freqentemente fez Polster, infelizmente, ao longo de seus diferentes escritos. Que

    Winnicot, Jung ou outros nos proponham uma concepo de self prxima ao que

    designamos funo-personalidade, no suscita objees por minha parte. outro

    referencial! Mas a riqueza (a genialidade?) de Perls e de Goodman ter-nos proposto

    uma construo, o self, que, quando abordado em termos de estruturas parciais,

    integra: a funo-isso (id), o que quer dizer que a situao dada entendida como a

    mobilizao da direo de um desejo e de um sentido; e a funo-eu (ego), que quer

    dizer a capacidade de orientar o contato com o mundo e construir ali a experincia.

    Ter isto presente na mente pode nos ajudar a desenvolver o trabalho da funo

    personalidade com base nos estudos sobre a narrao, mas no deve nos fazer tomar a

    parte pelo todo, confundindo o trabalho com a funo personalidade com a restaurao

    do self.

    B) REVISITAR A TEORIA DO CAMPO

    Com freqncia mais citada como slogan que como realidade metodolgica, a

    teoria do campo da Gestalt Terapia, num retorno a Lewin e aos seus princpios bsicos,

  • ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 5, N.1, 1 SEMESTRE DE 2005

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    permite-nos entrar com p firme na construo social da realidade preconizada pela

    ps-modernidade.

    O campo, ou espao vital, definido por Lewin como o meio psicolgico total

    no qual uma pessoa tem a experincia subjetiva. Desenvolve-o em cinco princpios

    essenciais:

    1 . O princpio da organizao: o comportamento deriva de uma totalidade de

    fatos coexistentes. O sentido de um fato isolado depende de sua posio no campo.

    2 . O princpio da contemporaneidade. o presente o que explica, e

    concretamente, no se procura nada no passado como causa ou no futuro como objetivo.

    3 . Princpio da singularidade. Cada situao nica, as circunstncias diferentes

    e as generalizaes devem, portanto, ser suspensas.

    4 . Princpio do processo cambiante. A experincia provisria, no permanente.

    5 . Princpio da pertinncia possvel. Nada do campo pode ser excludo a priori

    como no pertinente, ainda que parea tangencial.

    A partir destes princpios, a teoria de campo nos permite examinar o status e as

    modalidades operativas entre o todo e as partes, quer dizer, considerar como as partes

    afetam o todo e como o todo afeta as partes. Encontramos nesta orientao um convite

    para no nos encerrarmos no risco sincrtico oferecido pelo paradigma hologrfico ou,

    para retomar uma teorizao elaborada em companhia de meu amigo Jaques Blaize, um

    convite para abordar a experincia como metonmia, parte que pode ser designada como

    o todo mas que no o todo, e a qual no se pode considerar sistematicamente como

    metfora, tal como os enfoques organizados sobre e para a transferncia tm tendncia a

    generalizar.

    tambm necessrio retomar muitas de nossas definies, com freqncias

    excessivamente implcitas, para reescrever nossos conceitos mais claramente na

    perspectiva do campo. Penso particularmente nas funes do self (id, eu e

    personalidade), muito freqentemente tratadas como estruturas intrapsquicas, em

    quanto ganhariam em pertinncia, em minha opinio, se as abordassem como funes

    do campo. O id definido como pulso, muito prximo do biolgico, ou como dado da

    situao. A personalidade como inscrio dos acontecimentos do campo e como

    mobilizao aqui e agora em funo dos parmetros da situao. O eu, que identifica e

    aliena, saberia faz-lo fora de contexto, fora do meio?

  • ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 5, N.1, 1 SEMESTRE DE 2005

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    Penso tambm nos fenmenos de fronteira como a introjeo, retroflexo, etc.

    Pode-se introjetar se no existe outro para segurar a colherzinha? Vai-se retrofletir se

    no h um terceiro para incitar a isso com mais ou menos complacncia? E assim por

    diante.

    Trata-se, portanto e em primeiro lugar, de pensar a psicoterapia como o

    acontecimento da interseo: o campo entre.

    C) A TEMPORALIDADE

    Diferentemente das formas habituais de pensamento que localizam (mesmo

    que metaforicamente) a psique e empregam conceito de tpico como um cone -, o

    sistema terico da Gestalt-Terapia d prioridade ao processo, temporalidade e adiciona

    a dimenso crnica (para rearticular topos e cronos). Recordemos que a tpica

    refere-se a lugares. Este termo serve para designar o ponto de vista que, numa

    concepo metapsicolgica, aborda os processos psquicos com referncia aos

    lugares do aparelho psquico. Esta localizao , sem dvida, fico, e se distingue de

    uma abordagem topolgica que conhecimento dos lugares. Distingue-se tambm da

    Psicologia topolgica de Kurt Lewin, que buscava seu modelo descritivo na teoria dos

    campos fsicos, na fsica e na matemtica topolgica. Encontramos a mesma analogia

    entre tpica e topologia e entre crnica e cronologia. A cronologia trata de

    estabelecer a ordem e as datas dos acontecimentos da histria, enquanto a crnica ,

    antes de mais nada, relato, real ou imaginrio, que se esfora em refletir a realidade

    histrica ou social, seguindo a ordem do tempo. Faz j uns quinze anos, sublinhei a

    importncia do "Kairs" que marca o instante preciso, delimitado e pode nos ajudar a

    compreender o nosso famoso aqui e agora. o articulando com Chronos que se

    permite apreender melhor a durao do tempo e, a partir disto, o processo, as seqncias

    e outros ciclos.

    A referncia maior (maior e no exclusiva) da terapia gestltica , portanto, uma

    crnica mais que uma tpica. Crnica da formao das formas, crnica da

    experincia, crnica da organizao do sentido, crnica do campo de conscincia,

    crnica dos contatos, crnica da construo dos contatos em relaes e em associaes

    temporrias... J que o self no pode, na experincia, ser localizado do mesmo modo:

  • ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 5, N.1, 1 SEMESTRE DE 2005

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    em plena ao ou em pleno contato, ele no vivido do mesmo modo em fase de

    integrao, de assimilao, de retirada, de repouso, de meditao ou de preparao.

    No vou desenvolver mais esta dimenso hoje, j tive ocasio de me estender

    sobre isto em minha conferncia de Boston; unicamente quero insistir na necessidade de

    completar a modalidade ocidental e localizadora de pensamento em termos tpicos

    (profundo/superficial, central, em cima, embaixo, primeiro plano/segundo plano, vida

    interior, etc.), com uma referncia ao tempo. Em minha opinio, s uma referncia

    temporalidade nos pode permitir superar o paradoxo contido nas diversas definies do

    self propostas por Perls e Goodman. O final do captulo 8 de sua obra o pede com

    nfase. Esta referncia temporalidade, a construir como crnica, associada ao

    paradigma do campo, deveria permitir-nos resistir ao canto das sereias que espreita

    qualquer navegante de nossa classe: o desenvolvimentismo, a biografia causal, a

    psicopatologia fundada nas fixaes/regresses aos estgios de desenvolvimento da

    libido ou da relao de objeto. Vamos reler, a respeito deste tema, as pginas to

    instrutivas que Lewin dedicou regresso. Se no tiramos do centro de nossas

    preocupaes a temporalidade como historicidade e etiologia, penso que no poderemos

    estar abertos para consider-la no nvel dos processos, da dinmica e dos processos

    interpessoais e sociais que mantm o sofrimento e os sintomas.

    D) DO CONTATO RELAO

    Tenho estado sempre em desacordo com o amlgama feito por numerosos

    gestaltistas entre contato e relao. O essencial do livro Gestalt-Terapia fala de

    contato, e no fala mais do que um pouco de relao; o contato , certamente, um

    componente da relao, uma parte de um todo mais complexo. As elaboraes

    construdas por Perls e Goodman a propsito do contato no podem ser transferidas

    relao, e o conjunto relao permanece, e permanecer durante muito tempo, aberto.

    No fim dos anos 80, arrisquei-me a tratar deste conceito de contato e defini-lo

    independentemente do conceito de relao. O campo da poca me dava pouco suporte e

    eu senti a necessidade de submeter meu estudo, com muita ansiedade, a Isadore Fromm,

    que tinha por costume no fazer quase nenhum comentrio de volta. Desta vez, aceitou.

  • ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 5, N.1, 1 SEMESTRE DE 2005

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    Falamos durante muito tempo deste artigo, o qual ele aprovou, no deixando de

    advertir-me do risco que iria correr.

    Hoje em dia permanecem presentes em minha cabea os limites desse texto e do

    trabalho que fica por fazer para poder elaborar a articulao contato/relao. Entre

    outras, est a pergunta: O que teraputico na relao teraputica?, quem nos impede

    de avanar nesta linha, agora que nos recusamos a responder quela questo de forma

    monoltica, apelando para o manejo da transferncia? Dotar-se de algumas ferramentas

    para avanar em Como pensar a relao teraputica? em coerncia com a teoria do

    self a tarefa que me atribuo para os meses futuros, na perspectiva da Universidade de

    Vero Inter-institutos 1998 que colocar estes temas no centro de nossa reflexo.

    No mbito deste tema da relao, gostaria de abrir um parntese poltico. No

    momento em que a comunidade se mobiliza para dar ao psicoterapeuta uma definio,

    um status, definir o self como contato, e devido a isto enfatizar a relao intersubjetiva,

    abre terreno para outra definio do psicoterapeuta, dependente de outra maneira do

    saber psi preconizado pela maioria da Psicologia ou da Psiquiatria. Propor o self como

    instncia mais ou menos interna, mais ou menos superposta noo de sujeito, como o

    citamos mais acima no marco do paradigma individualista, leva o psicoterapeuta a

    desenvolver um saber objetivvel, ou pelo menos a crer em t-lo, como fazem outras

    psicoterapias. Sua interveno ser a de um especialista, baseado no conhecimento do

    objeto humano. Na perspectiva do paradigma ps-moderno, a nfase ser colocada,

    como disse durante toda minha apresentao, na co-construo dialogal da experincia.

    Isto j no supe mais o especialista, mas o psicoterapeuta constitudo como arquiteto

    da mudana, que est no centro do debate e, portanto, da definio, e isto nos permitir

    constituir a profisso de psicoterapeuta, segundo os termos da declarao de Strasburgo,

    sobre bases diferentes e autnomas, tendo em conta a especificidade de nossa postura e

    de nosso enfoque. Aqui, Lewin pode contribuir para elaborar nosso pensamento com

    seu conceito de pesquisa-ao: no existe objeto de estudo independente da ao que

    se empreende com este ltimo. Fecho este parntese.

    E) VIGILNCIA NECESSRIA EM RELAO QUESTO DO SENTIDO

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    Recorri bastante, durante esta exposio, ao tema do sentido. H muito tempo se

    consideram opostas as noes de descoberta e de construo. O tema do sentido nos

    leva inevitavelmente hermenutica, ou o estudo da interpretao, que tem o

    significado como objeto principal. O congresso europeu de Gestalt-Terapia, em 1998,

    teve como tema Hermenutica e Clnica. A referncia hermenutica gera em mim

    um mal-estar que, neste momento, ainda no est claro e que precisa ser melhor

    investigado. Paul Ricoeur (1990) ps em evidncia como o campo hermenutico est

    cindido em si mesmo, explorado pelas contradies e pelas diferentes estratgias e,

    portanto, o recurso hermenutica pode fazer-se, certamente, segundo eixos diferentes.

    Mas, de novo, creio que colocar o tema do sentido no centro do problema teraputico

    pode ser uma sutil fragmentao do processo. Com efeito, se a hermenutica parte de

    uma cincia da interpretao dos textos escritos, que se amplia rapidamente em

    diversas direes e no vasto tema do sentido do sentido, o que fica uma conotao

    orientada para a interpretao dos textos escritos. Agrada-me muito a definio do

    humano proposta pelo filsofo belga Henri Van Lier: o animal assinalado, e a idia de

    ler o humano como um animal recoberto de sinais est longe de ser desinteressante. Mas

    o que interessa saber se a psicoterapia deve ser abordada, em primeiro lugar, como

    decodificao ou como construo. Creio uma questo de f - que a Gestalt-Terapia

    se constri mais sobre o conceito de experincia, e, baseando-nos nisto, o sentido no

    mais do que um dos constituintes da experincia.

    Seguramente, qualquer que seja o apelo, hermenutica, ps-modernidade, s

    teorias das relaes de objeto, referncia psicanaltica ao inconsciente, transferncia

    ou a outros conceitos, fenomenologia ou Psicologia da Gestalt (e poderia seguir),

    no podemos escapar coerncia epistemolgica, que facilmente esquecida pelos

    pesquisadores. No se pode passar impunemente de uma disciplina a outra, de um

    sistema de pensamento e de referncias a outro, sem correr o risco da cegueira que se

    segue fascinao.

    F) A EXPERINCIA

  • ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 5, N.1, 1 SEMESTRE DE 2005

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    A experincia vivida (do alemo, erlebnis), que designa o aspecto subjetivo de

    um acontecimento, tal como o sujeito o toma atualmente numa significao pessoal,

    individual e concreta, parece-me o nico conceito organizador da subjetividade e da

    diferenciao no campo.

    Permitam-me ler algumas linhas de Erwin Strauss, esse clebre psiquiatra de

    orientao fenomenolgica que, a partir do fenmeno do suspirar, publicou em 1952

    uma magnfica Introduo a uma teoria da expresso: Infelizmente,a experincia imediata inefvel; no se conhece por si mesma, no porque seja inconsciente, seno porque no refletida. Como uma Bela Adormecida que deve esperar o Prncipe que romper o sortilgio, a experincia imediata deve esperar a quem esteja suficientemente dotado do poder das palavras para poder lev-la luz. Mas no momento em que isto se realiza, a experincia est ameaada por outro perigo (STRAUSS, 1952).

    E o autor desenvolve ento o impacto da tradio, da formao, da interpretao,

    dos esteretipos e dos preconceitos, no momento em que se coloca em palavras a

    experincia verdadeira e, portanto, da necessidade de no confundir a experincia com a

    conscincia que se tem dela ou com o sentido que se lhe d.

    Strauss (1952) continua: Experincia sinnimo de experincia-do-mundo e

    de experincia-de-um-mesmo-no-mundo. Est orientada em direo ao outro; mas no

    se tem a experincia do outro sem relao a um si-mesmo, e vice-versa. Esta relao

    no um composto de duas partes, Eu e o Mundo; s existe como um todo.

    Lewin tinha dito que os fatos humanos dependem no da presena ou ausncia

    de um fator ou de um verdadeiro nmero de fatores abordados isoladamente, seno da

    constelao (estruturas e foras) do campo especfico abordado como totalidade.

    Nesta dialtica do contato do campo e no campo, da expresso do campo e no

    campo, da palavra do campo e no campo, pela dinmica complexa das afirmaes e das

    incluses, das ressonncias e da empatia, eu me vejo guiado pelo campo para fazer-me

    definir a psicoterapia como a experincia de tornar-se aparente a partir do encontro com

    o outro.

    CONCLUSO

    Tratei neste trabalho de citar como o pertencimento referncia modernista

    podia ser diferente do pertencimento referncia ps-moderna e algumas de suas

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    conseqncias no terreno da Gestalt-Terapia. O filsofo J. F. Lyotard (1979), que foi o

    primeiro a escrever numerosos ensaios sobre estes temas, examinou cuidadosamente o

    conceito de ps-modernidade. Destaca que esta ps-modernidade implica uma

    referncia modernidade. Ps no significa verdadeiramente ruptura com relao ao

    que lhe precedia, mas ao contrrio, implica, de certo modo, uma continuidade e

    significa que tudo isso se encontra impregnado dentro da modernidade. Para um gestalt-

    terapeuta familiarizado com o conceito de ps-contato, esta idia fcil de

    compreender, j que o ps-contato no uma experincia independente do contato; faz

    parte do contato, uma modalidade concreta, uma etapa temporria da construo de

    uma gestalt especfica, a saber, a da desconstruo por assimilao. A ps-modernidade

    que citei aqui, com todas as reticncias ligadas ao termo, deve ser considerada, portanto,

    como prolongamento e recomposio, e no como ruptura. Esta , ademais, a direo na

    qual pesquisava Mc Leod (1995) no artigo j citado, ainda que eu no compartilhe todas

    as suas concluses.

    Tambm, e s vezes de maneira difusa, precisamente o que parece se produzir

    no livro de Perls e Goodman: trataram de combinar e de tornar dialtico em seu captulo

    teoria do self algumas das modalidades de teorizao que surgem da Modernidade,

    com outras que pertencem filosofia ps-moderna. Isto foi possvel graas a uma

    dialtica da temporalidade que podemos captar nesta concepo, mas para faz-lo

    precisamos de tempo e de muitas conversas! As poucas reflexes esboadas aqui so

    um convite reflexo compartilhada e no a um dogmatismo, seja qual for. No fundo, o

    convite da ps-modernidade sobretudo um convite ao desconstruir. O ceticismo que se

    liga realidade e verdade se amplia em direo ao conhecimento, ao poder, ao self,

    linguagem..., que no so interpelados na maioria das vezes e que servem para legitimar

    e perenizar nossa cultura ocidental. Os indivduos constroem suas realidades e as

    realidades so mantidas pela interao social que, por sua vez, confirma as crenas, que

    tm, alis, origem social. A ps-modernidade pode tranqilizar-nos em relao a nossa

    necessidade de certezas, e nos permite rebater a novidade no j conhecido. possvel

    sair e ir ao encontro do desconhecido? Angstia! Recordemos o ttulo do relato

    psiquitrico romanceado de Hannah Green, que gostava de citar Perls: Nunca te

    prometi um jardim de rosas.

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    NOTA DO TRADUTOR ** Este artigo foi traduzido por Mnica Botelho Alvim, Doutoranda em Psicologia Clnica na UnB - Universidade de Braslia; Mestre em Psicologia Social e do Trabalho UnB. Membro da Diretoria do Instituto de Gestalt-Terapia de Braslia. Professora no Curso de Psicologia da Universidade Catlica de Braslia. E-mail: [email protected] 1 Aqui o autor se refere ao livro Gestalt-Terapia, que, segundo ele, traria idias modernistas e ps-modernistas.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS BERGER, Peter & LUCKMANN Thomas. La construction sociale de la ralit. 2 ed. Paris: Meridiens Klinksleck, 1996. DUBET F. Sociologie de lexperience. Paris: Seuil, 1994. EPSTEIN, E. K. The narrative turn: postmodern theory and systemic therapy. Gestalt-Theory, Westdeutscher Verlag, v. 17, n. 3, September 1995. GERGEN, K.J. The Saturated Self. London: Basic Books/Harper Collins, 1991. GERGEN, K.J. Realities and relationships. Cambridge: Harvard Uni. Press, 1991. KAUFMANN P. Kurt Lewin. Una thorie du champ dans les sciences de lHomme. Paris: Vrin, 1968. LEWIN, K. Field Theory in Social Science. London: Tavistock Publications, 1952. LEWIN, K. Psychologie Dynamique. 4 ed. Paris: PUF, 1972. LEWIN, K. Resolving Social Conflicts. Washington DC: American Psychological Association, 1997. LYOTARD J.F. La condition post-moderne. Paris: Les Editions de Minuit, 1979. McLEOD, L. Le self et ss vicissitudes dans la tjorie de la Gestalt-thrapie. Revue Gestalt, Paris, n. 9, 1995. Mc NAMEE S.; GERGEN J.K. Therapy as Social Construction. London: Sage Publi, 1992. PERLS F.S., HEFFERLINE R. & GOODMAN P. Gestalt Therapy. New York: Julian Press,1951. RICOEUR P. Soi-mme comme un autre. Paris: Seuil, 1990. ROBINE, J. Is there a common ground on which we can build? The gestalt journal, vol. XX, n 2, 1997. ROBINE, J. Is? Il y a quelquun? Expression et parole. Cahiers de lArt Cru, 1998. STRAUSS, E. Le sourpir, introduction une thorie de lxpression. Trad. Franc., Bourdeaux: Presses de L IFGT, 1952. TOURAINE A. Critique de la modernit. Paris: Fayard, 1992. WHEELER, G. Self and Shame: a new paradigm for Psychotherapy. In: Lee R.G.& Wheeler G. The Voice of Shame. San Francisco: Jossey Bass, 1996. WITTGENSTEIN, L. Investigations Philosophiques. Paris: Gallimard, 1953. YONTEF, G. Awareness, dialogue and process. Clevel, 1993.

    ABSTRACT What I propose to explore here, under this somewhat mysterious title, are some of the lines of force and paradigms which run implicitly or explicitly through the theory of Gestalt-therapy, with the idea of drawing a certain number of consequences for clinical practice. I believe that if we can better understand these lines of force, we will be able to apply them better, and at the same time more easily understand the lines of fracture which

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    divide those who promote Gestalt-Therapy. I also want to stress at the outset that I am not entirely happy to be relying on this term post-modernism, which is far too charged with a variety of connotations; but I will make use of it all the same for want of a better one, while trying to specify what I see as the shape and limits of the concept. KEYWORDS Gestalt-Therapy; post-modernism; field; self; therapeutic relationship.

    Recebido em: 13/06/05 Aceito para publicao em: 29/06/05 Endereo: [email protected]; [email protected]