Artigo 11 Secao Livre Marylu Alves de Oliveira Fenix Jan Fev Mar 2009(1)

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 MAS AFINAL, O QUE ERA MESMO O COMUNISMO? * A SIGNIFICAÇÃO DA PALAVRA “COMUNISMO” ATRAVÉS DOS TEXTOS ANTICOMUNISTAS QUE CIRCULARAM NO PIAUÍ DA DÉCADA DE 1960 Marylu Alves de Oliveira ** Universidade Federal do Piauí – UFPI [email protected] RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar as principais significaçõ es dadas a palavra “comunismo” ao longo da década de 1960 através dos textos anticomunistas que foram produzidos e circularam no estado do Piauí. Permanências/rupturas é a melhor definição para essa significação, uma vez que algumas características atribuídas ao comunismo permanecerem durante toda a d écada de 1960, contudo, percebe-  se que, também, outros elementos foram se modificando na sua significação determinada pelos contextos e acontecimentos sociais daquele momento na política brasileira e piauiense. PALAVRAS-CHAVE: Comunismo – Anticomunism o – Década de 1960. ABSTRACT: The purpose of this article is to analyze the main meanings given the word “communism” throughout the 1960’s decade through anti-communism texts that were produced and circulated in the state of Piauí. Permanence/ruptures is the best definition for that meaning, since some characteristics attributed to communism remain throughout the 1960’s decade, however, realizes that it, too, other factors were changing in its significance determined by social contexts and events that moment in  brazilian politics and piauie nse. KEYWORDS: Communism – Anti-communism – The 1960’s decade O fim da URSS e do ca mpo socialista deixou um tipo particular de viúva: os que viviam da “guerra fria”. Na Argentina, no momento da morte de Perón, um antiperonista radical – do Partido Radical – escreveu, desconsolado: “Nesse caixão vai metade da minha vida. Eu que cresci e vivi como antiperonista, o que vai ser de mim, de *  Este artigo faz parte da diss ertação: OLIV EIRA, Ma rylu Alves de. A Cruzada antivermelha: democracia, Deus e Terra contra a força comunista. 2008. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Piauí, Teresina, 200 8. **  Mestre em História do B rasil pela Universidade Fede ral do Piauí (UFPI) e pro fessora substituta na mesma instituição.

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Esse artigo discute a questão do anticomunismo e da história política do Piauí, entre os anos cinquenta e sessenta do século XX;

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  • MAS AFINAL, O QUE ERA MESMO O COMUNISMO?*A SIGNIFICAO DA PALAVRA COMUNISMOATRAVS DOS TEXTOS ANTICOMUNISTAS QUE

    CIRCULARAM NO PIAU DA DCADA DE 1960

    Marylu Alves de Oliveira**Universidade Federal do Piau UFPI

    [email protected]

    RESUMO: O objetivo deste artigo analisar as principais significaes dadas a palavra comunismo aolongo da dcada de 1960 atravs dos textos anticomunistas que foram produzidos e circularam no estadodo Piau. Permanncias/rupturas a melhor definio para essa significao, uma vez que algumascaractersticas atribudas ao comunismo permanecerem durante toda a dcada de 1960, contudo, percebe-se que, tambm, outros elementos foram se modificando na sua significao determinada pelos contextose acontecimentos sociais daquele momento na poltica brasileira e piauiense.

    PALAVRAS-CHAVE: Comunismo Anticomunismo Dcada de 1960.

    ABSTRACT: The purpose of this article is to analyze the main meanings given the word communismthroughout the 1960s decade through anti-communism texts that were produced and circulated in thestate of Piau. Permanence/ruptures is the best definition for that meaning, since some characteristicsattributed to communism remain throughout the 1960s decade, however, realizes that it, too, otherfactors were changing in its significance determined by social contexts and events that moment inbrazilian politics and piauiense.

    KEYWORDS: Communism Anti-communism The 1960s decade

    O fim da URSS e do campo socialistadeixou um tipo particular de viva: os queviviam da guerra fria. Na Argentina, no

    momento da morte de Pern, umantiperonista radical do Partido Radical escreveu, desconsolado: Nesse caixo vaimetade da minha vida. Eu que cresci e vivi

    como antiperonista, o que vai ser de mim, de

    * Este artigo faz parte da dissertao: OLIVEIRA, Marylu Alves de. A Cruzada antivermelha:democracia, Deus e Terra contra a fora comunista. 2008. Dissertao (Mestrado em Histria) Programa de Ps-Graduao em Histria, Universidade Federal de Piau, Teresina, 2008.

    ** Mestre em Histria do Brasil pela Universidade Federal do Piau (UFPI) e professora substituta namesma instituio.

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    onde vou tirar o sentido da minha vida? Nodesespero, sentia-se trado por Pern, que o

    abandonava sua prpria sorte. Umcomunista me dizia outro dia que se

    deliciava em ler a sobrevivente literaturaanticomunista, porque d a impresso que o

    mundo est beira do comunismo, que osdias do capitalismo esto contados. Essafauna encontra vrios exemplares por a,

    vivas da guerra fria, que tratam de viverdo anticomunismo: colunistas de uma

    (ainda) bem vendida revista semanal, [...];um articulista de duvidosa existncia (h

    quem diga que pseudnimo de umesquerdista, que criou esse grotesco

    personagem para desmoralizar a direita), umeditor cultural promovido por um assassino todos personagens jurssicos, deslocados,

    que tm que criar o fantasma do comunismopara aparecerem como valorosos

    salvadores do capitalismo, cobrandopolpudos salrios por esse papel que se auto-

    atribuem.

    Emir Sader1

    Emir Sader, no texto acima, refletiu sobre um aspecto que, nos dias atuais,

    segundo o prprio autor, apresenta-se deslocado no tempo, que a utilizao dos

    discursos anticomunistas. Emir Sader ironizou essa prtica apontando para algo

    deslocado no tempo, como, se por falta de criatividade ou mesmo de capacidade de

    percepo da realidade atual do mundo, vrios segmentos jornalsticos utilizassem um

    discurso que no possui nenhum significado: o medo da ameaa comunista. Essa

    percepo do autor apontou para um aspecto interessante na construo de qualquer

    trabalho acadmico: a mudana do sentido das palavras, noes, representaes e

    prticas, com o passar do tempo. A ironia de Emir Sader apontou justamente para essa

    falta de sentido dos escritos anticomunistas nos ltimos anos. Este autor refletiu sobre a

    palavra comunismo, a partir do contexto mundial dos dias atuais, talvez, por essa razo,

    apresentou-nos um comunismo que se constri atravs de discursos anticomunistas ou,

    at mesmo, por comunistas incrdulos, uma vez que seu amigo comunista se deliciava

    1 SADER, Emir. A indstria do anticomunismo. Correio do Brasil Disponvel em:. Acesso em 20 de fev. de 2006.

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    em ler a sobrevivente literatura anticomunista, porque d a impresso que o mundo est

    beira do comunismo, que os dias do capitalismo esto contados.

    A partir do contato com as fontes hemerogrficas da dcada de 1960,

    percebemos um grande nmero de reportagens relacionadas ao comunismo. Chamou-

    nos ateno a forma insistentemente negativa e pejorativa com que o comunismo era

    abordado e, sobretudo, como alguns cronistas, jornalistas e editores acreditavam na

    possibilidade iminente daquele sistema ser implantado no Brasil, e, conseqentemente,

    no Estado do Piau. Contudo quando analisamos a construo das representaes

    anticomunistas no Piau na dcada de 1960, observamos a evidncia dessa relao entre

    o sentido dado as palavras e a sua ligao com o tempo em que elas foram proferidas,

    ou seja, percebemos a historicidade da palavra comunismo.

    Com passar dos anos, as noes de determinadas palavras vo se modificando.2

    Permeadas por aspectos que resistem, mas tambm por fissuras de significao, as

    palavras vo estabelecendo formas de significar o mundo, ao tempo em que se modifica

    o seu sentido, modifica-se tambm as formas dos indivduos se relacionarem. A palavra

    comunismo e a sua significao, na dcada de 1960, foi um desses termos que

    estabeleceu uma forma dos indivduos se relacionarem em sociedade.

    Roger Chartier, ao refletir sobre as representaes nos textos impressos e as

    apropriaes dos franceses desses escritos, no Antigo Regime, lembra-nos a importncia

    do sentido mvel das palavras. Ao tentar compreender como os homens e mulheres do

    sculo XVI e XVIII entendiam a noo de civilidade, o autor admite que procurou

    entrar no corao de uma sociedade antiga, que muitas vezes nos opaca. Dessa

    forma, o trabalho acadmico que pretende compreender como uma sociedade pensa

    sobre determinado fenmeno, como o caso do comunismo, deve levar em

    2 Reinhart Koselleck avaliou a prpria mudana de sentido dado histria a partir do sculo XVIII emmeio as mudanas sociais naquele momento: Exemplo paradigmtico dessa dupla direo da relaoentre linguagem e mundo se encontra no conceito de histria. Se at meados do sculo XVIII o termohistria [Historie] era usado no plural para designar as diversas narrativas particulares e descosidasentre si que a tradio historiogrfica acumulara (a histria da guerra do Peloponeso, a histria deFlorena, etc), Koselleck sustenta que, a partir daquela poca, cada vez mais freqente o uso dotermo Histria [Geschichte] no singular para designar, de modo confluente, tanto a seqnciaunificada dos eventos que constituem a marcha da humanidade, como o seu relato (a Histria dacivilizao ou dos progressos do esprito humano). (JASMIN, Marcelo. Apresentao. In:KOSELLEK, Reinhart. Futuro passado: Contribuio semntica dos tempos histricos. Traduode Wilma Patrcia Maas e Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto Editora PUC, 2006, p.11.)

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    considerao algumas dificuldades para a construo dessa pesquisa, pois como aponta

    Roger Chartier:Por um lado, mesmo privilegiando os textos que manifestam os usosmais comuns (dicionrios, jornais, memrias, manuais, tratados etc.),o corpus constitudo dos empregos da noo no poder jamais serfechado nem necessrio. Por outro, e de maneira mais grave, todanoo tomada dentro de um campo semntico ao mesmo tempoextenso, mvel e varivel.3

    Essa mobilidade de sentido dada a determinadas palavras, atravs do tempo,

    pde nos fazer compreender que o sentido que hoje atribumos ao comunismo, como fez

    Emir Sader na crnica inicial, muito distinto do sentido dado a essa palavra na dcada

    de 1960. O comunismo hoje j no provoca o mesmo medo, pnico e at prticas to

    expressivas na grande maioria das pessoas, porque, em certo sentido, apesar de

    continuar significando uma possibilidade de regime econmico-social, a conjuntura

    poltica atual no mundo reflete os fracassos das sociedades que implementaram um

    socialismo real.4 No entanto, isso no significa dizer que o sentido foi completamente

    rompido, o prprio Emir Sader aponta para o medo gerado pelo comunismo como algo

    que perdura at os dias atuais, pelo menos nos textos de alguns jornalistas

    anticomunistas.

    Jorge Ferreira tambm nos indica como o sentido de determinados termos pode

    ser varivel nos mais diferentes segmentos sociais. O autor refletiu sobre a noo de

    conciliador, na dcada de 1960, segundo este: conciliao, alis, era o termo mais

    ofensivo entre as esquerdas naquele momento.5 Jorge Ferreira apontou para a mudana

    de sentido das palavras determinada pelos grupos sociais que as utilizavam. Segundo

    este autor, a palavra conciliao era entendida pelas esquerdas brasileiras, durante a

    dcada de 1960, como uma espcie de vacilao poltica. interessante ressaltar que

    outras palavras tambm tinham a sua significao alterada dependendo dos grupos que a

    utilizassem, como exemplo podemos citar o comunismo que no tinha o mesmo

    3 CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na Frana do Antigo Regime. Traduo de lvaroLorencini. So Paulo: Editora UNESP, 2004, p. 46.

    4 Expresso utilizada por Eric Hobsbawm para definir os pases que tentaram implantar regimescomunistas no sculo XX. (HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve sculo XX (1914 1991).Traduo de Marcos Sabtarrita. So Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 365.)

    5 FERREIRA, Jorge. A frente de mobilizao popular: a esquerda brizolista e a crise poltica de 1964.Clio: Revista de Pesquisa Histrica, Recife: Editora Universitria da UFPE, n. 22, 2006, p. 108.

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    significado para a direita e para a esquerda, e ainda teve seu sentido alterado por esses

    segmentos durante a prpria dcada de 1960.

    preciso compreender o que est sendo definido como comunismo na dcada

    de 1960. A noo de comunismo, nos dias atuais, no pode ser confundida com a

    maneira como que essa palavra era compreendida naquele momento da histria

    brasileira e mundial. nesse sentido, que entendemos ser necessrio uma reflexo sobre

    a noo de comunismo, naquele momento, uma vez que, essas noes no so algo dado

    naturalmente, mas o que foi sendo definido como comunismo, deve ser entendido a

    partir da historicizao das representaes feitas poca, encontradas nas mais variadas

    fontes.

    Diante do que foi exposto, o objetivo do presente artigo fazer uma anlise

    sobre as percepes anticomunistas do sentido da palavra comunismo, tendo como

    base os discursos que circularam no Estado do Piau na dcada de 1960. Entendemos

    que, para se opor a esse regime socioeconmico, os formuladores das representaes

    anticomunistas tinham, em certo sentido, uma necessidade de dar a sua conceituao.

    Para compor este captulo partimos do pressuposto de que toda palavra tem seu carter

    semntico mvel e varivel, e que at mesmo durante a prpria dcada de 1960 a

    significao do comunismo foi sendo modificado, permeado de continuidades e

    rupturas. No entanto, os anticomunistas, ao definirem o comunismo, tentavam construir

    um sentido invarivel e universal, levando o leitor a uma idia de coerncia. Sendo

    indispensvel, segundo nosso ponto de vista, compreender como essa palavra possuiu

    um conjunto complexo de conceitos de valores e sentidos ao longo da dcada de 1960.

    * * *

    Mas afinal, o que era mesmo o comunismo? Quando fazemos essa pergunta,

    estamos limitando o nmero de interlocutores que devero respond-la, pois, na

    produo deste texto, a questo direcionada aos anticomunistas. Poucos, porm, foram

    os anticomunistas que leram Karl Marx. Segundo a memria de um comunista

    piauiense, nem mesmo os comunistas tinham leituras aprofundadas da obra marxiana,

    na dcada de 1960:

    Veja s, tem muito comunista como eu, naquele tempo, que diz: comunista, comunista; eu fui ler comunista na priso com 17 anos emeio, que eu fui preso de menor, t? Eu virei comunista antes deconhecer, de abrir uma linha sobre Marx, eu estou sendo sincero com

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    voc, no s fui eu no, os outros dizem: eu comecei a ler Marx comtreze anos; ningum l Marx aos treze anos, rapaz, muito difcil,voc sabe disso. Ento, a gente era subversivo. Ns ramos contra oregime militar e contra os americanos, contra a opresso da camarilhaamericana, os gorilas, []. E as pessoas, os reacionrios, osadversrios, a chamada direita que nos cognominava de comunista,ento a gente achou que era melhor deixar pra l, do que ir explicarque no era comunista.6

    Como Marcos Igreja apontou no trecho citado, as suas aes, por mais que

    fossem atos de pura subverso, eram denominados de atos comunistas. Nesse sentido,

    podemos perceber que foram vrias as definies atribudas ao comunismo.

    Permanncias e rupturas seria a melhor maneira de entender a constituio dessas

    definies. Percebemos que, para (re)significar o comunismo, os anticomunistas

    apontavam para elementos fixos, pois estes seriam marcas dessas representaes,

    estabelecendo um ponto de apoio para que o leitor das representaes anticomunistas

    percebesse a coerncia na construo do sentido atribudo ao comunismo ao longo da

    dcada de 1960. No entanto, outros aspectos foram se modificando com o passar dos

    anos e diante das conjunturas polticas e sociais.

    Para entendermos como o comunismo foi significado como algo malfico

    nesse sentido uma permanncia negativa foi preservada durante toda a dcada de 1960

    , necessrio perceber como os discursos anticomunistas estavam permeados pelo medo

    do outro. Eram freqentes as transcries nos jornais piauienses de relatos de

    viajantes que tinham visitado pases comunistas e, ao retornar, narravam as suas

    experincias. Geralmente, era o discurso dos pases capitalistas sobre o comunismo.

    Acreditamos que essas reportagens eram muito bem aceitas, pela freqncia com eram

    publicadas, mas tambm, porque tinham uma relao com a construo de uma

    realidade por quem havia visto ou vivido de perto aquele outro regime econmico,

    poltico e social. Essas narrativas pairavam como um relato fantstico sobre um outro

    mundo. Descreviam-se as roupas, a comida, o cotidiano, a educao, e tudo que pudesse

    parecer como diferente do modo de vida dos pases capitalistas. No entanto, as

    descries apontavam para as desvantagens do regime comunista, como sugere o trecho:A prova disso [a prova de um regime econmico cheio de restries,nos dizeres do cronista] encontrada por quem viaja pela Rssia,mesmo sob vivncia dos guias soviticos. Os visitantes notam que o

    6 IGREJA, Marcos de Paiva. Depoimento concedido a Francisco Alcides do Nascimento e a MaryluAlves de Oliveira em 2005. No publicado.

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    povo usavam roupas grosseiras, sapatos mal feitos, no seencontrando uma s mulher que se vista bem, pois os trajes soestandardizados, fabricados em massa, nas oficinas do Estado.7

    As reportagens, de uma forma geral, enfatizavam que os viajantes que foram

    pases comunistas, apesar de serem conduzidos naquela realidade pelos prprios

    nativos, sempre percebiam algo alm do que aqueles indivduos tentavam mostrar,

    como apontou o trecho anterior. Os viajantes, em quase todos os relatos, colocavam-se

    como missionrios que deveriam narrar aos outros pases o que viram, e o que foram

    obrigados a ver. Em 1963, o senador piauiense Sigefredo Pachco foi conhecer a Unio

    Sovitica, ao chegar ao aeroporto de Teresina foi recebido de imediato por uma equipe

    de jornalistas que esperavam ouvir os relatos da viagem. Apesar de ser muito

    interessante a narrativa do senador, o que mais nos chamou a ateno nessa entrevista,

    foi a sua finalizao. O reprter argumenta que o senador teria muito mais a dizer sobre

    a sua viagem, contudo, alm do barulho dos avies, havia interrupes constantes de

    alguns, querendo, inclusive ver de perto como volta sua terra um cidado que

    recentemente visitou a Unio Sovitica, bero do comunismo ateu. Ainda, segundo o

    reprter, o senador tinha voltado pesando mais 2 quilos e bem disposto.8 Os relatos

    sobre a distante e extica Unio Sovitica eram, para alguns, um verdadeiro encontro

    com outro mundo.

    Esse olhar do estrangeiro apresentado como algo que deve ser levado em

    considerao, e que dever ser lido com seriedade, j que o narrador teve a possibilidade

    de experimentar as duas realidades, tanto a capitalista, quanto a comunista. Nesse

    sentido, para entender a significao do comunismo, interessante ressaltar que boa

    parte do que foi dito sobre comunismo, com a inteno de dar um sentido a essa palavra,

    foi pronunciado a partir do olhar do estrangeiro, do forasteiro, do outro, como ocorreu

    com os relatos dos viajantes.

    Dentre os aspectos que permaneceram na (re)significao do comunismo

    durante a dcada de 1960, podemos perceber a necessidade dos anticomunistas em

    manifestar que as suas crticas ao comunismo tinham como base os valores centrais

    formulados por Karl Marx. A maior parte dos anticomunistas piauienses acreditavam

    7 CALDO entornado. O Dominical, Teresina, n. 24/60, p. 04, 12 jun. de 1960.8 SIGEFREDO PACHCO fala sobre a Unio Sovitica. O Dia, Teresina, n. 1.143, p. 01, 21 nov.

    1963.

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    que as suas crticas eram direcionadas queles valores puros da obra marxiana, como

    aponta o trecho a seguir: que o comunismo um credo materialista, j afirmava o

    catecismo legado por Marx e Engels.9 As crticas ao comunismo apontam para a obra

    marxiana como parte fundamental na interpretao dos valores contrrios a uma

    sociedade crist e livre. Nesse sentido, a obra daquele autor promovia a sustentao dos

    pilares das acusaes desenvolvidas pelos anticomunistas, como sugere o trecho a

    seguir:Podemos definir o comunismo como uma seita internacional quesegue a doutrina de Karl Marx e trabalha para destruir a sociedadehumana baseada na lei de Deus e do Evangelho, bem como parainstaurar o reino de Satans neste mundo, implantando um Estadompio e revolucionrio, e organizando a vida dos homens de sorte queesqueam de Deus e da eternidade.10

    Por traar metas de acordo com as possibilidades polticas, e tendo a

    objetividade como marca significativa na elaborao dos programas destinados a cada

    pas, segundo a viso dos anticomunistas, o comunismo tambm foi visto, nesse

    momento, como oportunista:Mas o comunismo assim uma ideologia de dialtica materialista,oportunista e consignada numa mquina poltica destinada a exploraro proletariado mundial, servindo-se dele para propagar-se, vencer esubmeter os povos aos postulados do materialismo histrico.11

    A idia de oportunismo relacionada ao comunismo, como uma ttica para se

    ampliar pelo mundo, corriqueira, ou seja, o comunismo traava planos de ao para

    cada pas, de acordo com a situao poltica, com o objetivo oportunista de conquistar

    cada nao e, conseqentemente, o mundo: A moral marxista oportunista,

    acompanha e varia as conformidades com os interesses e as rodadas da ideologia

    materialista, cuja proposta universalizar-se, reformar ou revirar a civilizao

    humana.12

    O comunismo, na significao anticomunista, tinha como um dos seus

    princpios a universalizao da doutrina marxista, sendo necessrio para alcanar seus

    9 MENDES, Simplcio de Sousa. pio do povo. Folha da Manh, Teresina, n. 960, p. 04, 26 abr.1961.

    10 ANTUNES, J. C. O dogmatismo dos marxistas. Jornal do Comrcio, Teresina, n. 3.050, p. 02, 23jan. 1963.

    11 MENDES, Simplcio de Sousa. As ditaduras marxistas. Folha da Manh, Teresina, n. 665, p. 04, 12mar. 1960.

    12 Ibid.

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    objetivos traar tticas de propagao eficientes, e, para isso, a melhor ttica utilizada,

    segundo os anticomunistas, era a violncia: [...] o nico recurso a violncia, que os

    partidrios de Moscou espalharam tambm pelas nossas cidades.13 O comunismo era

    entendido como um sistema baseado na violncia do homem contra o homem: um

    regime de fuzilamentos, de violncia, onde o direito o direito da fora, o direito [...]

    no qual desaparece toda a base tica.14 Era a violncia a grande arma comunista, pois

    enquanto o cristianismo se universalizou atravs da simples pregao da verdade,

    sendo alvo dela e no praticando a violncia, o comunismo, at hoje, no dominou

    nenhuma Nao ou atingiu o poder pelos meios legais, mas sempre atravs da traio e

    do derramamento de sangue.15

    Como um regime implantado por imposio aos povos, determinado pela

    violncia, o comunismo no poderia ser significado de outra forma, durante a dcada de

    1960, se no como um regime ditatorial, sendo o caso de Cuba exposto como

    emblemtico: Em recanto da Amrica, numa ilha do Mar das Carabas, terra de vivo

    amor liberdade, foi instalada pela Rssia um Consulado de Moscou [...]. So

    constantes as agresses da Ditadura vermelha de Havana contra a ordem e a paz do

    hemisfrio.16 Significado como ditadura, o comunismo, para se manter, alm da

    violncia, dependia tambm da mentira e da iluso: Para dominar, ele se alicera na

    desfaatez, no embuste, na mentira.17

    Outro aspecto que permeia toda a significao do comunismo, para os

    anticomunistas, a sua negao a valores tradicionais, dentre esses, a famlia seria a

    mais prejudicada, pois o objetivo da Repblica Comunista, tal qual a de Fidel Castro

    em Cuba, , primeiramente, destruir por completo a famlia crist.18

    O comunismo, durante toda a dcada de 1960, tambm foi significado como

    seita, credo, regime ateu, nesse sentido, existe uma reportagem bastante emblemtica,

    intitulada Krutschev e Deus, onde o cronista questiona a veracidade de uma frase dita

    13 A RSSIA quer defender-se do vrus da liberdade. O Dia, Teresina, n. 2.430, p.03, 29 maio 1968.14 MENDES, Simplcio de Sousa. Quem cultiva colhe. Folha da Manh, Teresina, n. 1.209, p.06, 21

    mar. 1962.15 COMUNISMO se ope literalmente ao cristianismo: doutrina e mtodos. O Dia, Teresina, n. 1.144,

    p.03, 25 nov. 1963.16 AFRONTA a civilizao. O Dominical, Teresina, n. 40/61, p.03, 08 maio 1961.17 A FRAQUEZA do comunismo. O Dominical, Teresina, n. 19/61, p.01, 14 maio 1961.18 MENDES, Simplcio de Sousa. Famlia Crist. Folha da Manh, n. 1.226, p. 04, 11 abr. 1962.

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    pelo Primeiro Ministro da Unio Sovitica: Deus est de nosso lado. blasonou

    Krutschev durante sua famosa visita aos Estados Unidos. Mas se Deus no existe, como

    afirma Kruteschev, como pode Ele estar do lado dos comunistas?.19 Esse trecho

    interessante para demarcar bem a significao do que era o comunismo: regime ateu.

    No cabendo aos representantes do comunismo utilizarem Deus nem mesmo como um

    discurso ostentatrio.

    No obstante propagasse o atesmo comunista, alguns anticomunistas

    entendiam o comunismo como uma seita, que tinha como principal profeta, Marx, e

    como primeiro discpulo e propagador, Lnin.20 Essa tentativa de significar o

    comunismo como uma espcie de religio, deve-se muito ao fato de alguns

    anticomunistas acreditarem que o atesmo comunista tomaria o lugar das religies

    tradicionais, sendo pregado, inclusive, nas escolas. Os anticomunistas tentavam

    demonstrar que nada se colhe na seita comunista, sem quem tenha sido adubado com

    o sangue das vtimas das execues.21

    Com relao aos aspectos que se modificaram na (re)significao do

    comunismo, para os anticomunistas, podemos iniciar pela definio atribuda a esse

    regime em conseqncia das eleies presidenciais do ano de 1960. Dois candidatos

    tiveram grande apoio no Estado do Piau: Jnio Quadros, que foi o vencedor das

    eleies, e o Marechal Henrique Teixeira Lott. O segundo candidato denominava-se

    nacionalista e contou com o apoio do Partido Comunista do Brasil (PCB). Muito

    criticado e acusado de ser um traidor da Ptria, por estar recebendo o apoio dos

    comunistas, o Marechal Lott tentou explicar, durante toda a campanha presidencial, que

    lutava por ideais nacionalistas e no comunistas. No Piau, a campanha presidencial se

    deu de uma forma inusitada, as propagandas foram elaboradas de uma forma mais

    intensa contra a candidatura do nacionalista Marechal Lott, do que a favor do preferido,

    Jnio Quadros. Nesse sentido, no ano de 1960, a definio do que vinha a ser comunista

    estava muito relacionado aos ideais nacionalistas, como aponta o trecho abaixo:So os comunistas e os pseudonacionalistas intoxicados deideologias totalitrias desvirtuadores das instituies livres

    19 KRUTSCHEV e Deus. O Dominical, Teresina, n. 14/61, p. 01, 02 abr. 1961.20 MENDES, Simplcio de Sousa. Terror comunista. O Dia, Teresina, n. 1214, p. 03, 11 abr. 1964.21 Ibid.

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    sabotadores dos regimes, encobertos por vrias formas e por vriosmodos de ao e de traidores da Repblica.22

    Comunismo e nacionalismo, naquele momento, apontam para uma

    proximidade, que gerou at um termo recorrente nos jornais locais: nacionalismo

    vermelho.23 Essa perspectiva , muitas vezes, apontada como ttica sovitica j que

    este pas era a maior referncia comunista, pois acreditava-se que o nacionalismo um

    velho chavo da URSS, dele se aproveitando para fazer presso poltica nas naes

    pequenas e subdesenvolvidas, cumprindo assim sua ideologia de escravizar o mundo.24

    Na poltica nacional, naquele momento, havia certa confuso entre a cor

    comunista e as cores nacionais, principalmente por causa do apoio do famoso ex-

    integralista,25 Plnio Salgado, candidatura do Marechal Lott. A poltica de apoios,

    tanto dos vermelhos como de alguns ex-camisas verdes, foi registrada nas pginas dos

    jornais locais como uma mistura de cores que podiam corresponder confusa postura

    adotada pelo ento candidato nacionalista, Marechal Lott:

    Designando-se as correntes poltico-sociais pelas cores, teremos overmelho na extrema esquerda, o comunismo, o verde na extremadireita, o integralismo, e o branco, expressando a paz e a ordem sociallivre, com a democracia e poltica social da Igreja Catlica.Mas o Marechal Lott, candidato Presidncia da Repblicainfelizmente daltnico: no distingue as cores, baralhando todasnos seus cartazes de pleiteante alta magistratura do Pas.Confunde o vermelho, o verde e o branco nas suas perspectivas dehomem pblico.Para a preponderncia militar do ilustre candidato tanto o vermelho,como o verde e o branco, podem ser a mesma colorao poltica, emtorno de sua centralizadora de catlico democrata e de totalitrio materialista comunista ou neo-fascista ao mesmo tempo.26

    No Piau, a associao entre nacionalismo e comunismo no foi diferente das

    anlises dos anticomunistas sobre a conjuntura nacional. Aqui a situao era

    considerada muito mais grave, segundo a viso dos anticomunistas piauienses, uma vez

    que, no plano nacional, eles ainda estavam a pleitear cargos, enquanto no Piau esses

    22 MENDES, Simplcio de Sousa. Pseudonacionalismo. Folha da Manh, Teresina, n. 663, p. 04, 10mar. 1960.

    23 NACIONALISMO vermelho. Folha da Manh, Teresina, n. 664, p.02, 11 mar. 1960.24 WALTER, Jos. Marxistas latentes. O Dia, n. 809, p. 01, 22 set. 1960.25 Cf. TRINDADE, Hlio. Integralismo O fascismo brasileiro na dcada de 30. So Paulo: Difel,

    1974.26 MENDES, Simplcio de Sousa. Marechal e as cores. Folha Manh, Teresina, n. 816, p. 04, 02 out.

    1960.

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    nacionalistas j se encontravam na prpria sede do governo do Estado: Teresina

    conta com um nmero crescido de comunistas, at o momento rotulados de

    nacionalistas e trabalhistas, sendo que 99,5% so funcionrios do Palcio do

    Governo, ou tm, l, cadeira cativa para as merendas gostosa e altas deliberaes.27

    Esta associao, entre comunistas e nacionalistas, vai ser feita por diversas

    vezes, durante os primeiros anos da dcada de 1960. Contudo, tomou maiores

    propores, nas pginas do jornal O Dia, durante a vinda da filha do Marechal Lott ao

    Piau. O Dia publicou duas matrias de capa, fazendo referncia ao comcio organizado

    para a campanha do Marechal, feito por sua filha, Edna Lott. A matria j se inicia da

    seguinte forma:Atuando em faixa nacional-marxista, chegou, enfim, at ns, depoisde espera opressiva e ao longo da peregrinao, nem sempre tranqila,pela Seca e pela Meca da poltica ptria, a Sr. Edna Lott, queconseguiu realizar aquilo que se viu, h algumas noites na Praa PedroII.28

    Quando descreve a atuao de Edna Lott na campanha do seu pai, pelo

    Nordeste, o jornalista refere-se a uma atuao nacional-marxista, tentativa de

    relacionar a imagem do Marechal Lott, que se intitulava nacionalista, s atuaes

    marxistas. E justamente nesta tentativa de unir o verde nacionalista ao vermelho

    comunista que o jornalista vai chamar essa colorao de melancia:Acentuadas coloraes cercam, desde a chegada, a filha do Marechalcandidato. Verdes, em certos pontos, essa colorao no tardavam emcongestionar-se no rubor inconfundvel que se coloriza a chamadarevoluo proletria, conseguindo atingir, assim, o amalgama famosoque denominara-se de colorao melancia, verde por fora evermelho por dentro.29

    Ainda no final do ano de 1960 e estendendo-se at o ano de 1964, o

    comunismo encontra outra definio, dessa vez ligada idia do fim da propriedade

    privada, principalmente a propriedade rural. Essa significao do comunismo estava

    diretamente ligada propagao das Ligas Camponesas e s organizaes sindicais do

    campo no Brasil e, em especial, no Piau, ocorridas nos anos de 1961, 1962 e 1963.

    27 A BONDADE vermelha. Jornal do Piau, Teresina, n. 991, p. 04, 18 jan. 1962.28 MAURICIUS, Petrus. O vermelho e o Verde. O Dia, Teresina, n. 791, p. 01, 21 jul. 1960.29 Ibid.

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    Mas, tambm, a proposta de Reforma de Base30 lanada no governo Joo Goulart, que

    teve grande propagao entre os anos de 1963 e 1964. Assim, vrias discusses foram

    registradas nos jornais locais, inclusive, com acusaes de infiltrao dos comunistas no

    campo, influenciando a prpria denominao do trabalhador rural:

    Campons ou campnio frmula vernculo, mas pouco usada naliteratura nacional e na linguagem vulgar.[...] Sertanejo a mais comum designao do homem rstico,lavrador, habitante do serto o ruralista, roceiro, criador, proprietrioou vaqueiro.[...] Mas campons est ligado revoluo de Lenin e Trotsky, edesde ento adquiriu marca de insurreio.31

    Camponeses: At o termo no se usa aqui russo sovitico, comunista.32

    A grande maioria dos anticomunistas recusava-se a chamar os trabalhadores

    rurais de camponeses, vendo nesta palavra uma adeso aos ideais comunistas.

    Acreditavam que os homens do campo deveriam continuar utilizando as denominaes

    que j lhe havia atribudo a literatura brasileira, como: roceiro, sertanejo, agricultor,

    entre outras. Mas essa s uma forma de demonstrar a infiltrao comunista no campo,

    segundo alguns anticomunistas, o maior prejuzo que era trazido por essa penetrao

    estava na propagao de ideais comunizantes, por esse motivo, existia um grande temor

    de que os trabalhadores do campo se auto-denominassem camponeses, demonstrando,

    assim, a intensidade da propaganda comunista no ambiente rural.

    Mesmo a obra marxiana apontando para uma preocupao com os

    trabalhadores das cidades e das indstrias, boa parte dos anticomunistas piauienses

    acreditavam que a revoluo comunista brasileira e piauiense partiria do campo. Nesse

    sentido, quando era mencionado o fim da propriedade privada, no Piau, isto era quase

    que exclusivamente compreendido como fim das propriedades rurais. Desta forma,

    qualquer proposta de pensar a situao do homem do campo, naquele momento, era

    30 Tratava-se de um conjunto de medidas que visava alterar as estruturas econmicas, sociais e polticasdo pas, permitindo o desenvolvimento econmico autnomo e o estabelecimento da justia social.Entre as principais reformas, contavam a bancria, fiscal, administrativa, urbana, agrria euniversitria, alm da extenso do voto aos analfabetos e oficiais no-graduados das Foras Armadase a legalizao do PCB. FERREIRA, Jorge. A frente de mobilizao popular: a esquerda brizolista ea crise poltica de 1964. Clio: Revista de Pesquisa Histrica, Recife: Editora Universitria da UFPE,n. 22, 2006, p. 105.

    31 MENDES, Simplcio de Sousa. Ligas Camponesas. Folha da Manh, Teresina, n. 782, p. 04, 17 ago.1960.

    32 Id. Atividades comunistas no Brasil III. Folha da Manh, Teresina, n. 785, p. 04, 20 ago. 1960.

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    sinnimo de comunismo. Um exemplo interessante sobre essa relao, deu-se a partir da

    instalao da SUPRA (Superintendncia da Reforma Agrria) no Piau, os prprios

    jornais da poca ironizavam essa relao entre a SUPRA e o comunismo com notas

    cmicas:

    NADA COM A SUPRAO tabelio acabava de ler a escritura e convidou os presentes aassinarem-na. Foi quando um deles desconfiado pediu: Quer repetir as duas palavras finais do aditivo, por favor?E o tabelio: Pois, no. Data SUPRA. Faa outra que esta eu no assino. Com SUPRA pelo meio eu noassino nem pelo diabo.33

    A terra deveria ser um bem comum, pregavam os comunistas, no entanto, para

    determinados segmentos anticomunistas, esse era o chavo comunista para implantar o

    seu regime nos mais variados pases, como sugere o trecho a seguir: A terra para os

    camponeses. Este slogan ajudou todos os regimes comunistas a conquistarem o poder.

    Todos eles em determinado momento decretaram a reforma agrria e depois... Depois,

    confiscaram as terras distribudas.34 [Destaque do autor]. Era dessa forma que a

    Reforma Agrria era entendida, como slogan para a consolidao de um regime

    comunista: Reforma Agrria o slogan nmero um dessa revoluo comunista. o

    primeiro degrau da escada comunizante: Terra, po e liberdade.35

    Logo aps o golpe civil-militar de 1964, e depois de uma perseguio aos

    comunistas brasileiros, em nome de ideais democratizantes e cristos, a significao do

    comunismo vai ser permeada por duas aes, primeiramente pelas organizaes de

    esquerda, com a ao da luta armada e, em segundo, pela resistncia e denncias contra

    o regime militar organizado por parcela da Igreja Catlica. Acreditamos que existiam

    essas duas formas, que podemos afirmar como visveis, na qual houve uma

    caracterizao ou significao do comunismo, no perodo compreendido entre 1965 e

    1969. Se por um lado, o crescimento das organizaes de esquerda dava um carter de

    terrorismo ao comunismo, por outro lado, e de forma decisiva, aps o Conclio Vaticano

    33 PELO CANO nada com a SUPRA. O Dia, Teresina, n. 1250, p. 04, 28 maio. 1964.34 LEITE, Cristina. Uma Lio para o Brasil. O Dia, Teresina, n. 1.222, p. 03, 23 abr. 1964.35 MENDES, Simplcio de Sousa. Socialismo e Reforma Agrria. Folha da Manh, Teresina, n. 869, p.

    04, 20 dez. 1960.

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    II,36 a posio assumida por alguns membros da Igreja, deu a tnica para a relao entre

    a ao social de determinados grupos da Igreja Catlica e o comunismo.37

    Vrias foram as reportagens publicadas no Piau, no perodo compreendido

    entre meados dos anos de 1967 a 1969, que significavam o comunismo como

    terrorismo.Perigosa quadrilha terrorista de orientao chinesa, composta de friose sanguinrios marginais e responsvel por inmeros assaltos abancos, as casas de dinamites e a quartis militares e pelo assassinatode diversas pessoas, est sendo desmantelada no centro-sul do pas.[...]A vanguarda Popular Revolucionria era uma organizaosubversiva, constituda por marginais de toda a espcie, inclusiveprostitutas, sendo todas de alta periculosidade, porque calculistas esanguinrios.38

    A idia de significar o comunismo como um regime violento, ganha mais fora

    nesse momento. Existe uma tentativa de apontar qualquer ao no identificada pela

    polcia como fruto do comunismo, que passa a ser visto como terrorismo. Exemplo

    claro pode ser observado no ano de 1969, quando uma bomba foi colocada na

    Faculdade de Filosofia do Piau: A bomba que explodiu na Faculdade Catlica de

    Filosofia, ontem noite, faz parte de um plano nacional de terrorismo eis a concluso

    a que teriam chegado as autoridades e observadores em geral.39 As aes dos

    comunistas eram noticiadas com estardalhao, sempre em letras garrafais e eram, em

    sua grande maioria, seguindo a seguinte tnica: COMUNISTAS BOMBARDEIAM

    PRDIOS.40 E os jornais incentivam esse pnico, publicando formas de como os

    indivduos deveriam agir em caso de contato com os supostos Comunista-terroristas.

    36 O Conclio Vaticano II foi um conclio ecumnico da Igreja Catlica, conclamado pelo papa JooXXIII, que teve inicio no dia 11 de outubro de 1962, e foi encerrado pelo papa Paulo VI em 08 dedezembro de 1965. Segundo os documentos do conclio, o seu objetivo era: O sagrado Conclioprope-se fomentar a vida crist entre os fiis, adaptar melhor s necessidades do nosso tempo asinstituies susceptveis de mudana, promover tudo o que pode ajudar unio de todos os crentes emCristo, e fortalecer o que pode contribuir para chamar a todos ao seio da Igreja. Julga, por isso, devertambm se interessar de modo particular pela reforma e incremento da Liturgia. SACROSANCTUMConcilium. Documentos do Conclio Vaticano II. Disponvel em:. Acesso em: 17/09/2007.

    37 Cf. LWY, Michael. Marxismo e Teologia da Libertao. Traduo de Miriam Veras Baptista. SoPaulo: Cortez, 1991.

    38 DESBARATADA perigosa quadrilha terrorista. O Dia, Teresina, n. 2.686, p. 08, 26 mar. 1969.39 EXPLODIU bomba na FAFI. O Dia, Teresina, n. 2.681, p. 08, 20 mar. 1969.40 COMUNISTAS bombardeiam prdios. O Dia, Teresina, n. 2170, p. 08, 13 jul. 1967.

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    DECLOGO DA SEGURANA1 Os terroristas jogam com o medo e o pnico. Somente um povoprevenido e valente poder combat-lo. Ao ver um assalto ou algumem atitude suspeita, no fique indiferente, no finja que no viu, noseja conivente. Avise logo a polcia ou quartel mais prximo. Asautoridades lhe do toda a garantia inclusive do anonimato.2 Antes de formar uma opinio, verifique se ela realmente sua, ouse no passa de influncia de amigo que o envolveu. No estarsendo voc uma inocente til numa guerra que visa destruir voc,sua famlia e tudo o que mais ama nessa vida?[]4 Se for convidado ou sondado, ou conversado sob assuntos que lhepaream estranhos ou suspeitos, finja que concorda e cultive relaescom a pessoa que assim o sondou e avise a polcia ou o quartel maisprximo. As autoridades lhe do toda garantia inclusive o anonimato.[]6 No receba estranhos em sua casa mesmo que sejam da polcia sem antes pedir-lhes a identidade e observ-los e guard-los namemria alguns detalhes, nmero da identidade, repartio queexpediu, roupa, aspecto pessoal, sinais especiais e etc. O documentotambm pode ser falso.7 Nunca pare seu carro solicitado por estranhos e nem lhes dcarona. Ande sempre com as portas de seu carro trancadas pordentro. Quando deixar o seu carro em algum estacionamento de postode servio, procure guardar alguns detalhes das pessoas que oscercaram.8 H muitas linhas telefnicas cruzadas. Sempre que encontrar umadelas mantenha-se na escuta e informe logo a polcia ou o quartelmais prximo. As autoridades lhe do toda garantia inclusive oanonimato.9 Quando um novo morador se mudar para o seu edifcio ou para oseu quarteiro, avise logo polcia ou o quartel mais prximo. Asautoridades lhe do toda garantia inclusive o anonimato.10 A nossa desunio ser a maior fora do nosso inimigo. Sesoubermos nos manter compreensivos, cordiais, informadosconfiantes e unidos ningum nos vencer.41

    O terrorismo comunista estava em todos os lugares. Das faculdades s igrejas.

    , nesse sentido, que vamos fazer um ponto de ligao entre o comunismo, significado

    como terrorismo, e a ao de alguns padres catlicos. No ano de 1969, foi noticiado

    com grande sensao nas pginas dos jornais locais o envolvimento de padres com

    grupos comunistas que promoviam aes armadas. A matria Metralhado e morto

    Carlos Marighela,42 foi capa de um dos principais jornais da cidade de Teresina.

    41 DECLOGO de Segurana. Jornal do Piau, Teresina, n. 3.153, p. 02, 19 dez. 1969.42 Carlos Marighela foi importante membro do Partido Comunista no Brasil (PCB). Em novembro de

    1969 foi morto em So Paulo pelos agentes do DOPS. Para saber mais sobre Carlos Marighela ver:NVOA, Cristiane, NVOA, Jorge. Carlos Marighela: o homem por trs do mito. So Paulo:Editora UNESP, 1999. 560 p.

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    Fotografia 04. Manchete do jornal O Dia sobre a morte de Carlos Marighela.Fonte: METRALHADO e morto Carlos Marighela. O Dia. Teresina, 06 nov. 1969, n.2.848, p.01.

    A reportagem apontava que Marighela tinha sido morto no momento em que

    tentava se encontrar com sacerdotes para elaborao de um plano subversivo.43 A

    crescente oposio ao regime militar no Brasil promoveu uma radicalizao, entre os

    anos de 1967 e 1968, da postura de alguns membros de ordens religiosas, como os

    dominicanos, que passaram a apoiar a resistncia armada, fornecendo esconderijos aos

    militantes e ajudando, inclusive, a sua sada do pas. Essa tomada de posio frente

    situao poltica brasileira fez com muitos religiosos fossem tachados de comunistas.

    Nesse momento, a Igreja Catlica, para os anticomunistas, estava se cobrindo com o

    manto vermelho do comunismo.A POSIO extremada que assumem alguns bispos, padres e fradesdiante da questo poltica e social do Brasil, constitui, sem dvida, oproblema mais grave de nossa atualidade e a ameaa mais sria pazpoltica que a Revoluo de 31 de maro pensou instituir.NO possvel fugir s conseqncias que eventualmente poder teressa participao crescente de membros do clero, tanto nacionaiscomo estrangeiros, no trabalho da seduo psicolgica das massas,principalmente de jovens estudantes e operrios, para a cruzada deestabelecer no Brasil um regime poltico, social e econmico diferentedaquele que possumos.J AGORA pela palavra de dois prestigiosos Arcebispos, os srs. DomHlder Cmara e Dom Jos Tvora, sabemos que a meta a instalaoaqui de um regime semelhante ao da Iugoslvia e Checoslovquia.44[Destaques do autor]

    No Piau, Dom Avelar Brando Vilela, Arcebispo da arquidiocese de Teresina

    (1956-1971), possua um programa de grande audincia na Rdio Pioneira do Piau.

    Nesse programa, refletia sobre vrios temas. Percebendo essa aproximao entre as

    causas do materialismo e a providncia divina, passou a escrever mensagens em seu

    43 METRALHADO e morto Carlos Marighela. O Dia, Teresina, n. 2.848, p. 01, 06 nov. 1969.44 META Vermelha. Jornal do Piau. Teresina, n. 1.978, p. 02, 22 dez. 1968.

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    programa, orientando os cristos para uma conciliao, entre a luta de seus ideais e a

    prtica religiosa. Dom Avelar reforava a prtica de parcela da Igreja na Amrica

    Latina, no final da dcada de 1960, orientando os

    cristos pela busca da justia social, sem esquecer os

    valores divinos. Nesse sentido, [...] tudo se

    harmoniza. Nem a confiana suprema e nica no

    homem, como se Deus no existisse, nem a idia

    errnea de que se deve esperar que Deus venha

    resolver os problemas dos homens, cada um per si.45

    Mesmo com esse discurso conciliador, Dom

    Avelar tinha uma preocupao com a ao de

    determinados setores que poderiam provocar uma

    fragmentao no seio da Igreja Catlica no Brasil,

    pois, segundo o prelado, aquela poca estava sendo

    rica no florescimento de correntes de pensamento.

    Dentre essas correntes a que mais preocupou o

    arcebispo o que ele denominou de corrente

    proftica:A corrente que se denomina proftica, ou que age como se merecesseesse nome, aquela que avana, que se faz pioneira de novos critrios,mtodos, e no se conforma com a situao atual da Igreja e domundo. Diante de falhas que provocaram crises, defende soluesmais ou menos radicais. [...] Somos, por ndole, por formao, porfuno, avesso a todo radicalismo. Mesmo quando, em movimentospatrocinados pela Igreja surgiram, surgem ou viro a surgir excessospropriamente ditos, no foram feitos, no se fazem, nem se faro pelaexpresso intrnseca de nossa vontade. Adiantamos, porm, que noconsideramos excesso aquelas atitudes serenas e fortes que significamdenncias de injustias sociais. [...] Quando, porm, essa preocupaoassume o desafio puro e simples da autoridade, ou o tipo decontestao que conduz irreversivelmente ao conflito armado, ou setraduz por intolerncias que separam profundamente os gruposhumanos, com finalidades conspiratrias, tudo isso j se excede asnossas intenes e ultrapassam as normas comuns da orientao daIgreja.46 [Destaques do autor]

    45 VILELA, Dom Avelar Brando. Orao por um dia feliz. fev. de 1969. (Documento da biblioteca dopadre Raimundo Jos Ayremorais)

    46 Ibid.

    Fotografia 05. Dom Antnio Fragoso.Fonte: PRIMEIRO Bispo de

    Crates. O Nordeste. Fortaleza, 19maio. 1964, n. 9.887, p. 01.

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    Dom Avelar, nesse trecho, reflete sobre algo preocupante para a Igreja Catlica

    naquele momento: a ao armada por partes de alguns membros do clero. A significao

    de comunista como terrorista j era uma constante nos jornais da poca. Dom Avelar

    cogita sobre essa possibilidade de significao de terroristas aos membros do clero,

    nesse sentido toma cuidado em afirmar que as aes desses membros da Igreja Catlica

    podem ser entendidas como mais ou menos radicais. O maior temor que parcela do

    clero promovesse o conflito, o confronto, em especial, o armado, atitudes prprias dos

    terrorista-comunistas. Nesse sentido, a significao de terrorista recairia tambm sobre

    parcela da Igreja Catlica, como de fato acabou ocorrendo. Mesmo no concordando

    com algumas atitudes tomadas por setores da Igreja Catlica, Dom Avelar defende a

    unidade crist no seio da Igreja Catlica. E por isso que o Arcebispo de Teresina se

    fez contrrio ameaa de priso do bispo de Crates, Dom Antnio Batista Fragoso.47

    Ao pesquisarmos no arquivo pblico do Cear, encontramos documentos do IV

    Exrcito, 10 Regio Militar, que relatavam as atividades de Dom Antnio Fragoso,

    inclusive no Piau. Em um recorte de jornal, que faz parte do dossi elaborado pelo

    Exrcito, relatava-se at o contedo dos discursos do bispo de Crates no Piau. Diz o

    documento:

    O BISPO VERMELHO DE CRATES, rezando na cartilhacomunista, e em comunho com o diabo e com o Arcebispo de SoPaulo, o Arcebispo de Olinda e Recife, o Arcebispo de Goinia, oBispo de Gois, o Bispo de So Flix, e muitos outros de menosexpresso na CNBB (Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil), que organizao de frente do Partido Comunista da Unio Sovitica,vm promovendo agitaes, instigando presses, ressaltando secularesantagonismo sociais, com a finalidade de subverter a ordem pblica[...] em conferncia pronunciada em Teresina o Bispo [...] disse queCrates uma terra de analfabetos onde no se l jornais e nem setoma conhecimento do que ocorre no resto do Brasil [...].48

    Dom Antnio Fragoso fez vrias visitas ao Piau. E ficou conhecido aqui como

    um bispo esquerdista, como relata Marcos Igreja.

    [...] tinha um padre tambm que vinha de vez em quando aqui, DomFragoso, um bispo, bispo de Sobral, no, Crates, era o esquerdista donordeste, muito boas as palestras dele, e os padres do Diocesano quecediam toda vez que precisava, por exemplo, o Dom Fragoso vinha

    47 Sobre a reao de Dom Avelar priso de Dom Fragoso ver as seguintes reportagens: DOM Avelarprotesta contra ameaa ao Bispo de Crates. Jornal do Piau. n. 1946, p. 01, 23 nov. 1968. D.AVELAR preocupado com a priso de Dom Fragoso. O Dia, Teresina, n. 2583, p. 01, 23 nov. 1968.

    48 ANEXO, de artigo no documento: CONFIDENCIAL, do Ministrio do Exrcito. IV Exrcito. 10 R.M. Q.G. EMG. 2 Seo. Fortaleza CE 1 de fev. de 1974.

  • Fnix Revista de Histria e Estudos CulturaisJaneiro/ Fevereiro/ Maro de 2009 Vol. 6 Ano VI n 1

    ISSN: 1807-6971Disponvel em: www.revistafenix.pro.br

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    fazer uma palestra aqui, e a represso queria proibir a palestra e ospadres italianos do Diocesano enfrentaram a represso e cederam, foio nico local em que ele fez a palestra, cederam seu espao, isso maisou menos em 1967, Dom Fragoso veio a e fez uma palestra muitoboa, [...].49

    A figura dos padres comunistas vai constituir a significao do comunismo. A

    pergunta constante que se fazia era: como padre comunista, se o comunismo ateu? Ou

    ainda, podemos repetir a pergunta feita durante o interrogatrio do padre dominicano,

    Frei Betto, preso pela ditadura militar no ano de 1969 como subversivo: Como um

    cristo pode colaborar com um comunista?50 Mesmo com essa profunda divergncia,

    vrias aes catlicas foram associadas ao comunismo, e tiveram a sua significao

    como tal. No Piau, os casos mais celebrados foram o do Padre Carvalho, visto por

    muitos como comunista, por sua atuao em favor dos operrios e camponeses, e o do

    MEB (Movimento de Educao de Base), movimento que se propunha a ajudar na

    alfabetizao de moradores do campo, promovido pela Igreja Catlica no Piau, teve

    vrios de seus membros detidos, acusados de propagarem ideais comunizantes.

    Permeado por rupturas e permanncias, o significado que era atribudo ao

    comunismo, alm de se sustentar em pontos fixos, para que o leitor das representaes

    anticomunistas percebesse uma coerncia das formulaes discursivas, tambm, possua

    a sua (re)significao relacionada aos contextos polticos e sociais, no Brasil e no

    mundo. Os pontos fixos eram referentes: ao comunismo como uma formulao

    marxista, ao seu carter oportunista e estratgico, ao uso da violncia como

    caracterstica primordial para a implantao de ditaduras e a proposta de ruptura com os

    valores tradicionais das sociedades ocidentais, como a famlia e a religio. Os pontos

    que se modificaram dentre tantos que escaparam as nossas anlises, apontavam para: a

    poltica nacional e as eleies presidenciais, para a questo agrria no Brasil, o

    terrorismo e as aes de alguns membros da Igreja Catlica. O importante perceber o

    combate atravs das palavras a esse projeto socioeconmico durante toda a dcada de

    1960.

    49 IGREJA, Marcos de Paiva. Depoimento concedido a Francisco Alcides do Nascimento e a MaryluAlves de Oliveira em 2005. No publicado.

    50 LWY, Michael. Marxismo e Teologia da Libertao. Traduo de Miriam Veras Baptista. SoPaulo: Cortez, 1991, p. 62.