Artigo - A ética como dever em Kant

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A ética como dever em Kant Marilena Chauí “Por natureza somos egoístas [...]. É justamente por isso que precisamos do dever para nos tornarmos seres morais.” Duas distinção: 1- A distinção entre razão pura teórica ou especulativa e razão pura prática 2- A distinção entre ação por causalidade ou necessidade e ação por finalidade ou liberdade. “A diferença entre razão teórica e prática encontra- se em seus objetos. A razão teórica ou especulativa tem como matéria ou conteúdo a realidade exterior a nós, um sistema de objetos que opera segundo leis necessárias de causa e efeito, independentemente de nossa intervenção; a razão prática não contempla uma causalidade externa necessária, mas cria sua própria realidade, na qual se exerce. Essa diferença decorre da distinção entre necessidade e finalidade/liberdade.” “A natureza é o reino da necessidade, isto é, de acontecimentos regidos por sequências necessárias de causa e efeito [...]. Diferentemente do reino da natureza, há o reino humano da na qual as ações são realizadas racionalmente não por necessidade causal, mas por finalidade e liberdade.” “A razão prática é a liberdade como instauração de normas e fins éticos. Se a razão prática tem o poder para criar normas e fins morais, tem também o poder para impô- las a si mesma.”

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A ética como dever em Kant

Marilena Chauí

“Por natureza somos egoístas [...]. É justamente por isso que precisamos do dever para nos tornarmos seres morais.”

Duas distinção:

1- A distinção entre razão pura teórica ou especulativa e razão pura prática

2- A distinção entre ação por causalidade ou necessidade e ação por finalidade ou liberdade.

“A diferença entre razão teórica e prática encontra-se em seus objetos. A razão teórica ou especulativa tem como matéria ou conteúdo a realidade exterior a nós, um sistema de objetos que opera segundo leis necessárias de causa e efeito, independentemente de nossa intervenção; a razão prática não contempla uma causalidade externa necessária, mas cria sua própria realidade, na qual se exerce. Essa diferença decorre da distinção entre necessidade e finalidade/liberdade.”

“A natureza é o reino da necessidade, isto é, de acontecimentos regidos por sequências necessárias de causa e efeito [...]. Diferentemente do reino da natureza, há o reino humano da na qual as ações são realizadas racionalmente não por necessidade causal, mas por finalidade e liberdade.”

“A razão prática é a liberdade como instauração de normas e fins éticos. Se a razão prática tem o poder para criar normas e fins morais, tem também o poder para impô-las a si mesma.”

“Essa imposição que a razão faz a si mesma daquilo que ela própria criou é o dever. [...] Por dever, damos a nós mesmos os valores, os fins e as leis de nossa ação moral e por isso somos autônomos.”

“Também somos seres naturais, submetidos á causalidade necessária da natureza. Nosso corpo e nossa psique são feitos de apetites, impulsos, desejos e paixões.”

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A crítica da razão prática

“Para o filósofo, toda a vontade, como sujeito da moral, não supõe apenas uma regra; antes, visa um fim primordial. Este deve ser apropriado à regra, constituindo ambos a condição inicial da moralidade, ou seja, a possibilitação de um imperativo categórico, de uma necessidade moral absoluta.”

“Todo o princípio da moral — afirma Kant — reside em nossa razão autônoma.”

“A autonomia — diz o filósofo — é o princípio da dignidade da natureza humana e de toda a natureza raciocinante.”

“Cumpramos o dever pelo próprio dever; ajamos de tal forma que a máxima da própria intenção possa ser a qualquer tempo um princípio de lei geral.”

“Dadas essas definições, sendo a reta intenção o que de mais elevado existe no universo, todos os seres humanos devem ser tratados com respeito, dado que a qualquer deles é facultado chegar aos páramos dessa reta intenção.”

“A liberdade, porém, é por sua vez a única entre todas as idéias da razão especulativa cuja possibilidade a priori conhecemos (wissen) sem penetrá-la (einzusehen) contudo, porque ela constitui a condição (1) da lei moral, lei que conhecemos.”

“Ao mesmo tempo, a estranha mas indiscutível afirmação da crítica especulativa, de que inclusivamente o sujeito pensante é para si mesmo, NA INTUIÇÃO INTERNA, só fenômeno, recebe também aqui, na crítica da razão prática, a sua plena confirmação, de tal forma que teria de vir a ela, mesmo quando a primeira crítica não tivesse demonstrado essa proposição.”

“Acresce que a determinação particular dos deveres como deveres humanos, para logo dividi-los, é somente possível se, antes, o conceito dessa determinação (o homem) tenha sido conhecido segundo a constituição com a qual ele é real, se bem conhecido só na medida em que ele é necessário em relação ao dever geral [...].”

“Com o uso prático da razão ocorre coisa bem diversa. Nele vemos ocupar-se a razão com fundamentos da determinação da vontade [...] seja ou não suficiente para isso a faculdade física, isto é, a de determinar a sua causalidade. Desse modo pode a razão, pelo menos, bastar para a determinação da vontade, tendo sempre realidade objetiva, dentro dos limites da exclusividade do querer.”

“então não somente fica exposto com isso que a razão pura pode ser prática, mas também que só ela, e não a razão empiricamente limitada, é prática de um modo incondicionado. Deveremos, portanto, elaborar não uma crítica da razão pura prática, mas só uma da razão prática em geral. A razão pura, se preliminarmente se demonstrou

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que existe, não necessita de crítica alguma. Ela mesma contém a regra para a crítica de todo o seu uso. A crítica da razão prática em geral tem, pois, a obrigação de tirar à razão empiricamente condicionada a pretensão de querer proporcionar por si só, de modo exclusivo, o fundamento da determinação da vontade.”

“Deveremos ter também, portanto, uma Teoria elementar e uma Teoria do método da razão prática; naquela, como primeira parte, uma Analítica, qual regra da verdade, e uma Dialética, como exposição e solução da ilusão nos juízos da razão prática.”

“O motivo disso é que temos agora de tratar com uma vontade, devendo considerar a razão em relação não com os objetos, mas com essa vontade e com a causalidade dessa vontade [...].”

“Princípios práticos são proposições que encerram uma determinação universal da vontade, subordinando-se a essa determinação diversas regras práticas. São subjetivos, ou máximas, quando a condição é considerada pelo sujeito como verdadeira só para a sua vontade; são, por outro lado, objetivos ou leis práticas quando a condição é conhecida como objetiva, isto é, válida para a vontade de todo ser natural.”

“A regra prática é sempre um produto da razão, porque prescreve a ação, qual meio para o efeito, considerado como intenção.”

“[...] uma regra designada por um “deve ser” (ein Sollen) que exprime a compulsão (Nötigung) objetiva da ação e significa que se a razão determinasse totalmente a vontade, a ação ocorreria indefectivelmente segundo essa regra.”

“Pois bem; a consciência que um ser racional tem da agradabilidade da vida e que, sem interrupção, acompanha-o em toda a existência, é a felicidade, e o princípio que faz desta o supremo fundamento da determinação do arbítrio é o princípio do amor em si mesmo.”

“A razão determina imediatamente a vontade por uma lei prática, sem mediação de sentimento algum de prazer ou de dor, nem mesmo de um prazer ligado a esta lei, sendo tal faculdade, necessariamente prática como razão pura, a que lhe dá um caráter legislativo.”

“Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa valer-te sempre como princípio de uma legislação universal.”

“Com efeito, a razão pura, em si mesma prática, aqui resulta imediatamente legisladora.”

“A razão pura é por si mesma prática, facultando (ao homem) uma lei universal que denominamos lei moral.”

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Anotações

No uso da razão prática, eu determino a causalidade dos fundamentos da determinação da vontade, ou a correspondência das representações na realização de tais objetos.

A razão prática determina o que fundamenta a minha vontade (correspondência a representação) isto é, o que determina a sua causalidade.

A ética do dever nos leva a assumir um papel em sua totalidade, cabendo a nós o dever de no uso da liberdade, sempre fazer deste papel o simples dever de cumprir, e o dever que lhe cabe.

A sociedade relativista moderna, não está para uma ética do dever, pois o que é hoje (aquilo que me convêm) não é mais amanhã, e nisto a ética do dever que é universalizante em seu conteúdo desfaz o relativismo das ações.

Não posso tomar por leis moral aquilo que provem da minha vontade, mesmo que isso implique a vontade de ser feliz, ou o amor próprio.

-- Para Kant o agir moral depende também de qual a intenção com que ela é praticada, o agir moral só é moral quando é praticado pelo dever, se a intenção for a piedade ou o ajudar para ficar bem visto ou por causa de outrem está ação não é vista como moral para o filósofo, pois para ação ser moral é necessário o agir simplesmente pelo dever.

-- Iniciando a conversa devemos ter em mente um pressuposto que Kant usa em sua ética. Primeiramente para Kant a moral é conhecida a priori, sendo ela livre de qualquer experiência, portanto conhecida somente com a razão. Outro pressuposto do qual Kant se utiliza, é a do ser humano racional, sendo que todos devemos fazer uso livre da reta razão, ou boa vontade como coloca em sua crítica da razão prática.

Compreendendo o uso da razão em Kant vamos nos reportar a um artigo que ele escreveu, falando justamente sobre o estado do homem e o uso da razão.

O estado em que o homem se utiliza de sua razão sem ter o apoio, ou a condição de que outrem disse o que é ou deveria ser feito, é o estado de maioridade, sendo que cada homem utilizando-se de sua própria razão atingi este estado de maioridade. No uso público da razão somos convidados a dar voz aquilo que pensamos sem postular qualquer estado de menoridade, isto é, de dizer que fazemos ou agimos de tal modo porque aprendemos isso de nossa família ou da religião.

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-- mais esclarecimento

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“Para o filósofo, toda a vontade, como sujeito da moral, não supõe apenas uma regra; antes, visa um fim primordial. Este deve ser apropriado à regra, constituindo ambos a condição inicial da moralidade, ou seja, a possibilitação de um imperativo categórico, de uma necessidade moral absoluta.”

Autonomia

“A autonomia — diz o filósofo — é o princípio da dignidade da natureza humana e de toda a natureza raciocinante.”1

“Todo o princípio da moral — afirma Kant — reside em nossa razão autônoma.”2

Deontologia

“Cumpramos o dever pelo próprio dever; ajamos de tal forma que a máxima da própria intenção possa ser a qualquer tempo um princípio de lei geral.”“Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa valer-te sempre como princípio de uma legislação universal.”

Reta Razão

“ Dadas essas definições, sendo a reta intenção o que de mais elevado existe no universo, todos os seres humanos devem ser tratados com respeito, dado que a qualquer deles é facultado chegar aos páramos dessa reta intenção.”

Kant diz que só é livre aquele que pensa e age conforme sua razão pura, pois liberdade é causalidade de uma vontade pura, ou especulativa, sendo assim se deduz que livre é que age com autonomia de razão, reta razão. Vemos isso expresso também na seguinte ideia:

Se a função da razão que temos é transformar a vontade em vontade boa e, consequentemente autônoma, ou seja, livre – já que a submissão a si mesmo, e não a qualquer coisa fora de si, é liberdade – o homem tem como dever caminhar para o seu fim moral, obter a sua liberdade, submetendo-se às leis próprias da liberdade, porque "se a razão não quer se submeter à lei que ela se dá a si própria, tem de se curvar ao jugo das leis que um outro lhe dá; pois sem alguma lei nada, nem mesmo o maior absurdo, pode exercer-se por muito tempo."3

1 KANT. A Critica da razão prática2 Idem, Ibdem

3 PAGOTTO, Marcos Sidnei. Considerações acerca da Fundamentação da Metafísica dos Costumes de I. Kant Liberdade, Dever e Moralidade. In: Notandum 14 http://www.hottopos.com

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Na ética do dever a intenção tem é um ponto fundamental. Sendo a intenção apenas determinada pelo sujeito, somente ele saberá se seu ato foi ou não moral, isso visto pelo viés da intuição.

A intuição na ética deontológica é importante, pois o sujeito deve ter uma intenção voltada para o dever (agir pela lei, “o dever pelo dever”), ou seja, agir pelo simples fato de ter que fazer ou agir de certo modo, não com a intenção de através de tal ação chegar a um final desejado.

O agir moral tendo a intenção de dever, é o que determina se a ação é ou não moral. Para saber se tal ação me direciona para o dever, devo usar o que Kant chama de ação objetiva, através do “Imperativo Categórico”, sendo que universalizando a minha ação e está ação sendo válida, estou agindo moralmente.