Artigo Arte Popular e Museu

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Museu de Arte Popular como espaço da comunicação da cultura popular Maria Barthez 1 INTRODUÇÃO O museu considerado como instituição, que procura ilustrar a evolução da Humanidade através dos documentos que o passado nos legou, cumpre, na sociedade de hoje, e no enquadramento dos parâmetros traçados, mais premente que nunca, a necessidade de comunicar, desvendar, elucidar, os fragmentos das culturas e civilizações protagonizadas pelo Homem. Contudo, a sua dinamização deriva da adaptação às coordenadas da sociedade na qual se move. Neste contexto, arrogado como centro de cultura, o museu procura revitalizar a sua capacidade dialogante e dialógica, assumindo-se como esfera de comunicação entre o pretérito, o presente e a posteridade. No papel de emitente, a instituição age, enquanto responsável pela actuação, como pólo catalisador do meio comunitário e desmistificador junto do homem comum, ao interpretar os campos de saber (ciência, cultura e arte). Neste sentido, a colecção, os objectos, são o cerne da comunicação que se pretende incrementar, a mensagem fulcro e fonte de todo o discurso museológico, através do qual perpassam todas as informações que o museu procura difundir. Inevitavelmente tudo converge para um potencial receptor da mensagem, que o museu procura agregar: um público cada vez mais vasto, sob o ponto de vista etário, sociocultural, ético e estético. O enfoque dado ao Museu de Arte Popular (MAP), à sua relação orgânica entre topografia de comunicação e cultura popular, é, a meu ver, coerente com que o pretendo como objectivo para esta comunicação: o registo do processo de comunicação inerente, considerando o fenómeno de folkcomunicação 2 , detectando estratégias (exposições, técnicas de comunicação), e abordando o seu acervo enquanto pólo de aproximação entre emitente e receptor, entre o museu, como espaço ou esfera de comunicação e o público usuário. No âmbito da comunicação em museus, tema por excelência a explorar nesta comunicação, detenhamo-nos nas reflexões apresentadas por sobre esta temática. 1 Doutoranda em Museologia e Património Artístico, Universidade Nova de Lisboa, FSCH, Email: [email protected] 2 Recorro a este neologismo por uma questão pragmática e metodológica, que pretende articular de forma imbricada, e intestina, cultura popular e comunicação.

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Museu de Arte Popular como espaço da comunicação da cultura popular

Maria Barthez1

INTRODUÇÃO

O museu considerado como instituição, que procura ilustrar a evolução da Humanidade

através dos documentos que o passado nos legou, cumpre, na sociedade de hoje, e no

enquadramento dos parâmetros traçados, mais premente que nunca, a necessidade de

comunicar, desvendar, elucidar, os fragmentos das culturas e civilizações

protagonizadas pelo Homem. Contudo, a sua dinamização deriva da adaptação às

coordenadas da sociedade na qual se move.

Neste contexto, arrogado como centro de cultura, o museu procura revitalizar a sua

capacidade dialogante e dialógica, assumindo-se como esfera de comunicação entre o

pretérito, o presente e a posteridade. No papel de emitente, a instituição age, enquanto

responsável pela actuação, como pólo catalisador do meio comunitário e desmistificador

junto do homem comum, ao interpretar os campos de saber (ciência, cultura e arte).

Neste sentido, a colecção, os objectos, são o cerne da comunicação que se pretende

incrementar, a mensagem fulcro e fonte de todo o discurso museológico, através do qual

perpassam todas as informações que o museu procura difundir. Inevitavelmente tudo

converge para um potencial receptor da mensagem, que o museu procura agregar: um

público cada vez mais vasto, sob o ponto de vista etário, sociocultural, ético e estético.

O enfoque dado ao Museu de Arte Popular (MAP), à sua relação orgânica entre

topografia de comunicação e cultura popular, é, a meu ver, coerente com que o pretendo

como objectivo para esta comunicação: o registo do processo de comunicação inerente,

considerando o fenómeno de folkcomunicação2, detectando estratégias (exposições,

técnicas de comunicação), e abordando o seu acervo enquanto pólo de aproximação

entre emitente e receptor, entre o museu, como espaço ou esfera de comunicação e o

público usuário.

No âmbito da comunicação em museus, tema por excelência a explorar nesta

comunicação, detenhamo-nos nas reflexões apresentadas por sobre esta temática.

1 Doutoranda em Museologia e Património Artístico, Universidade Nova de Lisboa, FSCH, Email: [email protected]

2 Recorro a este neologismo por uma questão pragmática e metodológica, que pretende articular de forma imbricada, e intestina,

cultura popular e comunicação.

Assim, segundo Santos Alves, “os museus e a sua identidade, encontram-se num

momento decisivo da sua história”, sendo a sua sobrevivência neste século XXI,

orientada em função de um melhoramento considerável “do serviço público com maior

conhecimento das necessidades dos visitantes e uma maior vontade de oferecer

experiências gratificantes e proveitosas” (ALVES, 2010, pg.1). Será pois dado às

alterações, que os museus de arte e galerias de todo o mundo tem vindo a sofrer, a

passagem de “simples armazém de objectos (…) a lugares de activa aprendizagem”

(Alves, 2010, p.1,) que se justifica “uma reestruturação radical da cultura e um

aprofundamento das formas de trabalhar, a fim que o museu possa acompanhar novas

ideias e tendências” (HOOPER-GREENHILL, 1998).

Detenhamo-nos então no museu como espaço de comunicação que encontra eco nesta

nova orientação. Para tal, ainda segundo Alves, este “mobiliza toda a panóplia de

comunicação de massas, proporcionada pela Revolução digital [que] faz das estratégias

para a frequentação museológica um vector crucial para a sua fruição, que visa uma

fusão conflitual fecunda entre usuário e obra de arte, entre cultura erudita e cultura

popular. (ALVES, 2010, p.1).

O Museu de Arte Popular, como processo comunicacional

Enquadramento

A cultura popular, entendida “à letra como tudo aquilo que é a criação do povo ou do

que o povo se apropriou, fazendo hoje parte do seu património espiritual, moral ou da

capacidade de realização prática” (DIAS, 1948, p.1), tão afastada dos discursos oficiais

do exercício do poder em Portugal, não merece ser visionada como o “parente pobre” da

Cultura.

Neste sentido, há que evocar e revigorar esta memória para que não seja definitivamente

extinta. Desmemoriado do passado, deturpando a actualidade, desconhecendo o porvir,

Portugal parece, no quadro da importância e da magnificência da cultura popular,

tropeçar a cada passo, apesar das declarações efémeras de alguns políticos,

provavelmente para se iludirem a eles próprios e ao povo.

Neste sentido, revisitar o MAP, desde a sua criação até aos dias de hoje, como espaço

de comunicação, é uma necessidade para se poder aquilatar o poder e a influência da

cultura popular, do mesmo que olhar o Museu como ingrediente na construção de um

imaginário é, também, neste texto objecto de estudo.

O MAP, em Lisboa, situa-se num edifício, construído, em 1940, para a Exposição do

Mundo Português, destinado à Secção de Vida Popular, e que o acolheu, a partir de

1948. Esta Instituição traduz o culminar do processo síntese de fixação simbólica e

estética da cultura popular, derradeiro elemento no processo de caracterização

conceptual, fixada através de manifestações de cunho popular, que sublinhavam o

carácter rural do país. Assente num discurso marcadamente etnográfico acordado na

veiculada “felicidade de um povo”, a cultura popular concretiza a síntese dos valores do

entendimento ideológico estabelecido pelo regime e seguramente desenvolvida e

difundida pelo respectivo órgão de propaganda, (Secretariado da Propaganda Nacional

/SPN).

Concebido como espaço de reunião da “raiz do nosso carácter” (FERRO, 1948, p.8),

corroborado pela arte popular, o MAP materializa vários ingredientes comunicacionais

como atempadamente serão explanados, tendo com elevado primeiro momento, neste

campo, o discurso proferido por António Ferro no dia da sua inauguração.

Procurando veicular a mensagem da existência de uma certa homogeneidade em torno

da conceito de cultura popular e arte popular, Ferro, um comunicador por excelência,

apresenta o Museu que se então inaugurava como o “sonho que se torna realidade ao

fim de muitos anos de ansiedades e pesquisas, de entusiasmos e desalentos (…),

exemplificação viva (…), retrato de um povo que não quer renunciar nem à sua graça

nem ao seu carácter” (FERRO, 1948, pppp?). Perspectivando-o numa campanha de

“ressurgimento étnico”, convocando essa arte eminentemente nacional, Ferro acrescenta

ainda que “tudo afinal obedecia ao pensamento da primeira hora, à finalidade da

construção deste Museu” (FERRO, 1948, p.9).

Realce deve ser dado a dois processos inerentes às palavras de Ferro que apreendem a

folclore/cultura popular como forma de comunicação construída a partir da

interpretação das mensagens veiculadas. Refira-se então em primeiro lugar a

apresentação de um Museu para dar a ver, para comunicar, para interagir com o usuário

que vai frequentá-lo e simultaneamente a intenção neste caso de reflectir sobre a aqui

presente, teoria da folkcomunicação (enquanto variante de um sistema global de

comunicação), segundo Luís Beltrão, em 1967. Definida como “o processo de

intercâmbio de informações e manifestação de opiniões, ideias e atitudes da massa, por

intermédio de agentes e meios directa ou indirectamente ligados ao folclore”

(BELTRÃO ?????).

Encontramo-nos assim perante a existência de um agente, comunicador, António Ferro,

que utiliza o folclore/cultura popular para concretizar o processo de informação e

comunicação acerca da Instituição. Aliás, face ao vivo interesse, esta teoria será ainda

objecto de referência ao longo do presente texto, ao contemplarmos a importância de

que se reveste o seu acervo, enquanto arte representativa de formas interpessoais ou

grupais de manifestação cultural de um povo, da sua linguagem, “da sua expressão do

seu pensar…” (BELTRÃO, 2004, p.118).

Topografia da comunicação

Enquanto campo de recepção, apropriação e interiorização da obra de arte, o MAP é,

desde a sua criação pela inovadora semiótica utilizada, traduzida numa topografia

própria, um lugar de aprendizagem e fruição, articulado com a indústria do lazer e do

turismo3.

Neste contexto, analisemos um conjunto de premissas em que nos é dado constatar, ou

seja, a existência de fenómenos de comunicação, que abrangem a área da museologia.

Projectado pelo arquitecto António Maria Veloso Reis Camelo e João Simões, o Museu

apresenta vários corpos de forma rectangular e quadrangular, conjugando elementos

modernistas, e de carácter tradicionalista, pontuado exteriormente por relevos, que

reproduzem cenas campestres e de trabalho do povo português. A sua arquitectura, o

modo como foi concebida, a apresentação dos relevos inserem-se numa estratégia de

comunicação, orientada para, desde logo, interagir com um público, expectante tanto ao

que visualiza, quanto às suas características, como ao que marca o seu interior.

Internamente, o espaço de recepção, espécie de "pórtico público", onde conflui o

usuário, e se inicia o seu relacionamento directo com o Museu, funciona como uma

síntese alegorizada, de tudo o que seria apresentado nas salas. Efectivamente, a

comunicação e a informação veiculadas exprimem-se através de um conjunto de

notáveis pinturas murais, aliás presentes em todas as salas/regiões da MAP.

Autênticos ensaios de pintura modernista, de cores garridas e traços fortes, os murais

retratam o Povo, quando participa em procissões, enquanto trabalha e se recreia em

romarias, vivendo no seio de autênticos cenários bucólicos.

3 Este Museu foi também criado, com o intuito funcionar como um agente de turismo do País.

Manuel Lapa e Tomás de Mello (Tom), Eduardo Anahory, Carlos Botelho, Paulo

Ferreira e Estrela Faria (pintores modernistas) são os autores, respectivamente, das salas

dedicadas às regiões de Entre-Douro-e-Minho, Trás-os-Montes, Algarve, Beiras,

Estremadura e Alentejo.

1) Organização das salas

Convertido em espaço museológico, a cargo do arquitecto Jorge Segurado, a

organização das salas do MAP obedece à distribuição das províncias de Portugal

continental, que comunicam entre si através de corredores, recriando as várias regiões

do País, através das quais se agrupam as colecções de arte popular. Com características

únicas e ímpares, atente-se, a exemplo, na recriação de uma varanda de uma casa da

região Trás-os-montes, que define um discurso que utiliza códigos sensoriais que assim

pretendem responder às inquietações buscas e às mais diversas manifestações do

usuário, que visita o MAP.

Na economia e na geografia da exposição permanente (estrutura básica, o mecanismo

específico mais imediato de comunicação entre o Museu e o público), que vigorou

desde 1948 até ao desmantelamento do Museu em 2007 (onde se manteve quase

inalterado a ordem expositiva ou conceptual), o discurso expositivo adoptado, foi

marcado pela imagem, enquanto veículo de comunicação adoptado por excelência,

fortemente apoiado por toda a encenação da própria exposição.

Na verdade, conseguida, propositadamente, uma unidade de conjunto detectável

(definida por um projecto museográfico coerente) em todo o acervo exposto, mobiliário

expositivo, montagem de peças, dispositivos de contextualização e interpretação das

colecções, concepções cénicas, percurso veladamente proposto, o resultado foi como

que a criação de “um museu vivo que me lembra certos aquários de peixes exóticos

onde o colorido inverosímil é autêntico.” (FERRO, 1948, p.22).

O mobiliário expositivo presente constitui outra tónica da exposição. Especialmente

idealizado e construído para um museu em Portugal, revela o cariz tradicionalista

moderno e português (com o recurso a materiais orgânicos, e nacionais, como a cortiça,

cairo, ferro forjado, madeiras maciços e folheados), devendo deste modo, ser também

encarado como agente comunicador. Assume este papel, enquanto elemento que actua

sobre o objecto, na medida em que possui um conteúdo significante, que emite a

mensagem pretendida, a do relacionamento objecto museal/influência do espaço, em

que este se integra organicamente e determina a relação específica que cada indivíduo

trava com o que lhe é dado a observar.

A própria distribuição disposição das peças adoptada, fazia prevalecer uma estratégia de

apresentação baseada na constituição de conjuntos, prevalecentes em relação aos

objectos unitários. Constituindo-se como um mostruário da etnografia nacional, o seu

arranjo museológico, influenciava a leitura da exposição, que assim faz propagar a

mensagem do existente no ambiente de festividade rural, que marca o espírito do

Museu.

2) A Colecção

Como testemunho da cultura popular portuguesa do século XX, o acervo do MAP é

constituído, na sua maioria, por peças de cerâmica, figurado, ourivesaria, instrumentos

musicais, cestaria, têxteis, trajos e bordados, miniaturas de barcos e carros de tracção

animal, alfaias agrícolas, reconstituições de habitações rurais, entre outras.

Neste campo, estes objectos de cultura material, são por excelência, o veículo de

comunicação com o seu público, a expressão concreta da mensagem que se quer

transmitir. A utilização da colecção implica uma atitude criativa, dado que a sua

capacidade significante não se esgota na sua representação: pela sua força primeiro, sem

o carácter de ostensivo, depois pelo acto sublime que é comunicar e fazer comunicar.

São inúmeras as possibilidades que cada objecto oferece, quer isolados, quer na sua

relação com o conjunto ou com os desígnios de cada público.

Neste contexto, “apossemo-nos” de algumas peças pertencentes ao espólio do MAP

nomeadamente do figurado da região de Entre-Douro-Minho, cerâmica, orientada por

produção diversa, pois os barristas reproduzem em barro tudo o que vêem e sentem.

A produção de pequenas figuras representando pessoas e animais, em cuja base era

colocado um apito ou instrumentos musicais (gaitas, ocarinas, rouxinóis, cucos...), com

função eminentemente unicamente lúdica, regista mais tarde nova atitude: representar

quer o quotidiano, quer o imaginário religioso e fantástico recortado de rituais e lendas

da tradição oral da região, contribuindo assim, para atribuir um novo conceito de

utilidade a estas peças, agora feitas para deleite e desfrute e captação de uma mensagem,

de quem as detêm.

A sua selecção entre as peças, que compõem o acervo do MAP, prende-se com a

possibilidade de revisitar o ideário de Beltrão no tocante ao conceito de

folkcomunicação. Beltrão, ao observar o ex-voto como “um veículo da linguagem

popular, de seus sentimentos” (BELTRÃO, 2004, p. 123), vê efectivamente no folclore

(traduzido no MAP em bonecos de barro, e não só, face à imensidade de objectos) “ um

dos grandes canais de comunicação colectiva” (Beltrão, 2004, p. 117)4. É através deles

que “as classes populares podem entender-se e fazerem entender-se” (Beltrão, 2004, p.).

Ainda para este autor, “as manifestações do folclore não [são] como a simples

manutenção de tradições, revividas ao longo do tempo e espaço por meio da oralidade e

da perseverança das classes oprimidas. (…). Na verdade, tais desenfados são desabafos.

Explosões e não estratificações. Revestem-se de actualidade e não de memória”

(BELTRÃO, 2004, p. 45).

Com base ainda no ideário de Beltrão, detenhamo-nos na versão actualizada da sua

teoria da folkcomunicação, em que o autor propõe a classificação dos fenómenos da

comunicação popular, que elencam numa tipologia de géneros folkcomunicacionais.

Utilizando a divisão em cinco géneros, posteriormente discutida em função de algumas

questões problemáticas surgidas, e objecto de alguma adequação relativamente à

problemática existente, entre a definição das fronteiras entre “oral e o musical”, por um

lado, e, por outro, “o carácter reducionista da escrita”, posso articulá-la com a mesma

temática abordada por Marques de Melo.

Neste âmbito, Melo, ao tratar esta temática, introduz na tipologia da folkcomunicação

pequenas alterações (MELO, 2005). Com efeito, é na folkcomunicação icónica, ao

contemplar “a forma de expressão de determinada pela combinação de canal e código

(canais óptico/táctil/códigos estético/funcional) e que se divide em diversos “formatos”,

mas que será no diversional, que deveremos inserir, o figurado da região norte de

Portugal, na medida em que a mensagem veiculada é por vezes encapotada por

intenções recreativas. Na verdade, este elenco da tipologia da folkcomunicação deverá,

contudo, e na mesma esteira do que afirma M. de Melo, vir a ser testada através de

“elaboração de fontes documentais ou realização da pesquisa de campo”, para a sua

validade como meio de efectivação desta teoria.

Aprofundando o MAP, posso dizer que este encerra um discurso expositivo muito

próprio, com destaque para o design moderno, as soluções cenográficas, a colecção,

4No artigo, Luiz Beltrão, “O ex-voto como veículo jornalístico”, o investigador observa o ex-voto como “um veículo de linguagem

popular e dos seus sentimentos”, afirma que é tempo de não continuarmos a apreciar nessas manifestações folclóricas apenas os seus

aspectos artísticos, a sua finalidade diversional, mas procurarmos entendê-las…, a expressão do seu pensar” (Beltrão, 2004, p.118). Lançado o mote, há que repensar muito do acervo do MAP e instituir-lhe nova funcionalidade enquanto parte do fenómeno de

folkcomunicação, sistema de comunicação que se apropria do folclore para comunicar.

tudo em prol de um programa museológico integrado e coerente, que, consubstanciando

os aspectos focados de forma dinâmica conceptual e interpretativa, consegue estabelecer

a comunicação com o seu público. É testemunho de uma cultura popular, que viu os

seus conteúdos vertidos na colecção, que apresenta, e que envolve também, e sempre,

fenómenos comunicacionais, a folkcomunicação. Porém, é precisamente num Museu do

séc. XXI que urge pensar o MAP e a sua identidade, e desenvolver as estratégias que,

como serviço público, venha a oferecer aos usuários. Pretende-se que venha ocupar o

“tal” lugar de aprendizagem e fruição, dedicado ao prazer e ao consumo cultural, em

que a acção comunicacional cumpre função capital.

Neste âmbito, torna-se necessário que se utilizem vários discursos utilizando códigos

verbais e sensoriais que respondam aos diferentes tipos de inquietação busca e

ansiedade sentidas pelo usuário (das intenções das mais espontâneas às mais

complexas), que procura o Museu.

As estratégias a ter em conta, que implicarão novas abordagens comunicacionais, a

partir de pressupostos fundamentados na comunicação museológica como factor de

modernidade da Instituição, deverão, para além do recurso das técnicas de informação e

comunicação que o progresso coloca ao seu dispor, centrar-se no usuário, para quem a

exposição permanente e temporária – às quais se tem vindo a conferir, ao longo dos

anos, mais vitalidade, enquanto síntese do acervo da Instituição, com novos canais de

divulgação da mensagem museológica –, é dirigida. Há que ter em conta, que a

exposição é ao mesmo tempo “o reencontro entre usuário e objecto de arte, vector de

uma estratégia comunicacional e motor de impacto social” (ALVES, 2010, p. 3).

CONCLUSÃO

A exposição museológica, o Museu na sua totalidade orgânica, deverá supor, neste

quadro, um trabalho prévio de investigação científica, pluridisciplinar, que encontre a

sequência e a ordenação que melhor facilite a leitura e a sua compreensão, optando pela

via mais acessível para a divulgação dos conhecimentos a que se propõe, deverá

imbricar, segundo o pensamento de Alves, em três vectores: na primazia dada à obra, no

recorrer à encenação, por último, fornecendo ao usuário o sentimento de existência da

sua identidade, de modo a que interagindo se obtenha o desejado fenómeno total e

orgânico e a comunicação absorvente. Sem procurar ser demasiado interpretativa, talvez

lhe possa chamar entracomunicação (um acto de mútua comunicação)

Partilhando das suas observações, quero com isto dizer, que ao delinear a exposição

deve considerar-se, que a presença do publico, na chamada media/exposição não é nem

pode ser considerada como a de um espectador passivo, ele deverá ser convidado a

converter-se em agente de mudança que ao implicar-se na exposição, deve ousar fazer

comparações e convocar diferentes contribuições.

O espaço criado pelo conservador /autor, no seu processo de construção não deve

esquecer que é o publico o receptor do museu, e deve procurar situá-lo, “no seu lugar de

agente, actor, de sujeito participante criativo do processo de comunicação em qualquer

situação” (CURY, p. 275), deve situá-lo no seu lugar de agente, actor, de sujeito

participante criativo do processo de comunicação, ao fazermos dele parte do processo

do conservador e estar aberto às suas contribuições.

È necessário que se evidencie na concepção que de facto o conservador/autor

desaparece, quando o usuário entra em cena, quando exposição é vista como ritual de

representação, em que o Museu se dá em espectáculo, do mesmo modo que “o usuário

se dá em actor vivendo novas experiências” (ALVES, 2010, p. 3).

Neste contexto, apelemos à identidade do Museu, que deve ser entendida como um

conjunto de elementos organizacionais, operacionais e comportamentais transmitidos

através de forma comunicacionalmente estratégica, para se diferenciar dos outros

museus.

De modo a efectivar esta premissa, caberá então à equipa do Museu a realização de um

trabalho museológico sério sempre com base em critérios comunicacionais, de modo a

que atinja a captação da atenção do público, esta sim a forma mais elementar de

transmissão da identidade do Museu. Esta interacção demonstra se existe, ou não,

organização, comportamento, personalidade e cultura museológica, que leve o usuário a

decidir se prossegue ou corta a sua relação com o Museu.

Então, organizar e informar critérios de comunicação museológica, que concorra para o

estudo e desenvolvimento da identidade do Museu torna-se imprescindível. Deveremos

então ter presente, de que “tudo, absolutamente tudo comunica. Até o silêncio

comunica.” (ALVES, 2010, p. 5).

Ainda neste quadro, em que tenho orientado a minha comunicação, no que diz respeito

às estratégias para a frequentação museológica e as políticas culturais a adoptar deverão

inevitavelmente passar pelo seu relacionamento com o meio, sensibilização dos

políticos e das autoridades, envolvimento dos parceiros sociais, acções junto da opinião

pública, integração social e sedução possível, actualidade do mundo dos museus e

inquérito à frequentação museológica. Estas questões e temáticas aqui enunciadas pela

sua relevância enquanto fenomenologia da comunicação, no seio da área museológica e

no âmbito da visibilidade dos Museu, por economia do presente texto e tempo não serão

aqui desenvolvidas.

Neste sentido, a sua pertinência e concretização concorrem para uma pretensão final, a

contribuição, para que o Museu seja um organismo vivo, que se adapte uma nova

realidade da cultura mundo. Precisamente, na segunda modernidade, que vivemos, em

que o homem necessita de emoções fortes, deve nascer um novo tipo de museu “o

museu/espectáculo… em que o usuário/espectador se dá em espectáculo onde as obras

de arte são o star-system, como no cinema” (ALVES, 2010, p. 13). Chegou o tempo de

uma nova geração de “gentes do museu”, interessada pelo homem e pelo ser vivo, e não

somente pelo objecto, em que a comunicação museológica actue dialéctica e

dialogicamente (CURY, 2005, p. 1), seja quando o museu organiza o seu discurso, seja

quando se abre às procriações discursivas do público, dito de outro modo, quando o

Museu complementa o ciclo do processo de musealização, de quotidianização e de

mundanização.

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